SE REFERE A UM ATRIBU

I!
I
QUE É PROFUNDAMEN
I ERVING GOFFMAN (1922-1982)
192 ERVING GOFFMAN
EM CONTEXTO
FOCO
Estigma
DATAS IMPORTANTES
1895 Émile Durkheim explora o
conceito de estigma e sua
relação com a ordem social.
Década de 1920 O conceito de
interacionismo simbólico surge
na Universidade de Chicago
como o modelo teórico líder nos
EUA.
1934 O livro Mind, Self and
Society, do psicólogo social
americano G. H. Mead, é
publicado, influenciando as
ideias de Goffman sobre
identidade.
2006 Em Body/Embodiment,
Dennis Waskul e Phillip Vannini
(orgs.) veem a obra de Goffman
como um "arcabouço
sofisticado" para o
entendimento da sociologia
do corpo.
2014 A socióloga americana
Mary Jo Deegan aplica as
teorias de Goffman à análise do
sexo, das questões de gênero e
do feminismo.
rving Goffman foi um sociólogo
E canadense cuja obra se baseou
extensivamente na tradição
teórica social americana conhecida como
"interacionismo simbólico". Essa tradição
foca as microinterações e trocas entre os
indivíduos e pequenos grupos de
pessoas, em vez das relações no nível
macro, impessoal, entre as estruturas ou
instituições sociais e os indivíduos. Os
pensadores interacionistas examinam
questões como identidade pessoal,
individualidade, dinãmica de grupo e
interação social.
A ideia básica por trás do
pensamento simbólico-interacionista é tipos de pessoas com as quais
A sociedade nos dá uma série de papéis e identidades que são
considerados ••normais".
O papel-identidade que desempenhamos em
público (por exemplo, professor, médico, enfermeiro, comerciante
é definido para nós pela sociedade.
Mas a autoidentidade que temos na vida privada,
quando não estamos sujeitos ao escrutínio público,
é o que realmente somos, é nosso "eu essencial".
Quando existe uma grande discrepância
entre nossa identidade pública e nosso eu privado,
e quando a performance de nosso papel-identidade não é
convincente, podemos ser rotulados negativamente.
Quando tal rotulagem negativa se repete várias vezes,
ocorre o estigma.
que o eu individual é, acima de tudo, interagimos e pelos contextos
uma entidade social: até mesmo o
aspecto mais aparentemente
idiossincrático do nosso eu
institucionais nos quais habitamos
Goffman interessava-se
especificamente pelo assunto dos
individual, de acordo com os desvios e dos processos produzidos
interacionistas simbólicos, não é socialmente, em que indivíduos e
tanto o produto de nossa psicologia grupos são estigmatizados (da
única, mas é socialmente palavra grega stigma, que quer dize:
determinado, e contingente, em "marca", "sinal" ou "perfuração") o
termos tanto culturais quanto marcados pela desgraça. Os desvi
históricos. Aquilo que pensamos estão implícitos na noção de estig:::
que somos, que imaginamos ser e, porque, como Goffman chama a
talvez, mais importante, que somos atenção, o estigma se dá sempre CI'-
capazes de ser, está ligado um indivíduo ou grupo é
indissoluvelmente e mediado pelos reconhecido como tendo se desvia
das normas socialmente prescritas

eja t.arnbérn: Pierre Bourdieu 76-79 • Georg Simmell04-105
~6-177 • Howard S. Becker 280-285 • Alfred Schütz 335
professores têm um dos papéis mais
. imos" e respeitados na sociedade-e-
. an se refere aos papéis públicos
mpenhados pelas pessoas como sua
entidade social virtual".
" governam a conduta
erpessoal, Quando um indivíduo
esvia dessas normas sociais, ele
igmatizado e marginalizado
grupo maior, ou pela
..•unidade social, ao qual ele
tence.
entidade virtual e real
seu estudo de maior destaque,
gma, Goffman analisa o
portamento de indivíduos cuja
tidade acreditava-se ser
nchada" ou "defeituosa" de
..;ma forma. Ele distinguia o que
:nava de identidade social
cual" da "real".
A identidade social virtual
versão legitimada socialmente
.ndividualidade que se espera
_ as pessoas apresentem
público - por exemplo, os
~s e os comportamentos
ialmente associados a um
cíco. A identidade social real é a
CULTURA E IDENTIDADE 193
• G. H. Mead
autoidentidade que os indivíduos
imaginam possuir de si mesmos em
sua vida privada - os traços e os
comportamentos que o médico tem
em sua vida particular, por exemplo.
Para Goffman, o estigma surge
sempre que a disparidade entre as
identidades sociais virtuais e reais
se torna insustentável - quando,
por exemplo, descobre-se que o
respeitável médico bebe ou fuma
demais fora do trabalho. Nesse
ponto, surge um sentimento de
vergonha, e as interações sociais se
interrompem. O estigma resulta do
fato de os membros da sociedade
compartilharem expectativas
comuns e atitudes a respeito do que
esperar das pessoas em certas
situações sociais e como essas
pessoas deveriam se comportar
ou parecer.
o conceito de estigma
Goffman identifica três importantes
aspectos do conceito de estigma.
Primeiro, o estigma não é inerente a
um determinado indivíduo, atributo
ou forma de comportamento, apesar
de alguns comportamentos, como a
pedofilia, serem condenados por »
Erving Goffman
Erving Goffman nasceu no
Canadá, em 1922, numa
família de judeus que
emigraram da Ucrânia.
Depois de se formar em
antropologia e sociologia na
Universidade de Toronto em
1945, foi para a Universidade
de Chicago, EUA, onde fez
mestrado e doutorado. Para
sua tese de doutorado, ele fez
pesquisa de campo numa
remota ilha na Escócia. Os
dados que coletou lá
formaram a base de seu
trabalho mais conhecido, A
representação do eu na vida
cotidiana. Foi contratado pela
Universidade da Pensilvânia
em 1968, e em 1981 foi o 732
presidente da Associação
Sociológica Americana.
Goffman morreu em 1982, de
câncer no estômago.
Principais obras
1959 A representação do eu na
vida cotidiana
1961 Manicômios, prisões e
conventos
1963 Estigma. notas sobre a
manipulação da identidade
deteriorada
"
o estigma constitui
uma discrepância especial
entre a identidade
social virtual e a real.
Erving Goffman
"
194 ERVING GOFFMAN
todos. O contexto no qual um atributo
ou comportamento é mostrado
determina de forma incisiva como as
outras pessoas responderão a ele.
Segundo, o estigma é uma
classificação negativa que surge de
interações e trocas entre indivíduos
e grupos, em que alguém tem o poder
de classificar o outro como detentor
do que é considerado socialmente
como atributos ou comportamentos
indesejáveis. (Goffman se refere às
pessoas não estigmatizadas como
"normais") Nesse sentido, é um
conceito relacional porque as coisas
classificadas como estigmatizadas
estão sujeitas a mudança,
dependendo da interação de
indivíduos ou grupos. Goffman sugere
que, potencialmente, qualquer
atributo ou ação pode ser
estigmatizado e, por isso, algum grau
de estigmatização está presente em
quase todas as relações sociais:
somos todos passíveis de ser
estigmatizados em algum momento.
A terceira característica do
estigma, diz Goffman, é que ele é
"processual": isso quer dizer que ser
estigmatizado ou, mais precisamente,
vir a assumir uma identidade
estigmatizada é um processo
socialmente mediado que se dá num
espaço de tempo. Por exemplo, se um
indivíduo se sente desconfortável em
relação aos outros por beber demais
numa festa do escritório, os
sentimentos de embaraço e vergonha,
••
Um atributo que estigmatiza
um tipo de possuidor
pode confirmar a normalidade
de outro.
Erving Goffman
"
apesar de não serem particularmente
prazerosos ou confortáveis,
provavelmente não terão um efeito de
longo prazo na identidade social real de
uma pessoa. No entanto, se o
comportamento excessivo continua por
um longo período de tempo e através
da interação com os membros do grupo
o indivíduo assume um status de
desvio, então sua autopercepção será
alterada à medida que adota uma
identidade estigmatizada.
Tipos de estigma
Além de explicar o conceito de
estigma, Goffman identifica três tipos
de estigma. O primeiro está
relacionado àquilo que ele considera
como "deformidades" do corpo, como
uma deficiência física, obesidade, tipo
irregular de cor de pele, calvície ou
cicatrizes. O segundo se refere a falhas
de caráter e inclui, diz Goffman,
"distúrbios mentais, aprisionamen
vícios, alcoolismo, homossexualida
desemprego, tentativas de suicídio
comportamento político radical". Ele
identifica o terceiro tipo como
"estigma tríbal", que inclui
marginalização social com base em
etnia, nacionalidade, religião e
crenças ideológicas. Os atributos
identificados nessas três cateqonas
de estigma podem, alega Goffman
exercer pressão negativa sobre
padrões comuns e previsíveis de
interações sociais que envolvem o
possuidor do atributo, resultando
assim em exclusão ou
marginalização.
Gestão de impressão
Goffman também aborda como os
indivíduos tentam responder e lida.
com a classificação negativa. Ele
sugere que as pessoas que são
estigmatizadas tentam ativamen c
administrar ou, quando possível,
resistir às identidades sociais
negativas atribuídas a elas.
Seu conceito de "gestão de
impressão" é importante nesse
contexto, porque enfatiza as várias
formas como as pessoas tentam
apresentar uma versão de sua
identidade para tJs outros que seja
mais favorável possível: elas
adotam diferentes estratégias para
evitar ser estigmatizadas. Estas
podem incluir a "ocultação" atravé
de "artifícios", como próteses no -
de pessoas que se sentem
envergonhadas por não terem um
membro de seu corpo. Isso está e-
contraste direto com a "abertura
se dá quando uma pessoa reconh
francamente as características
As perucas são um tipo de "disfar
usado por algumas pessoas calvas
tentar "ocultar" sua calvície, evita
assim uma fonte potencial de estlg:-

-egativas de sua identidade. Quando
.ais estratégias fracassam, ou
..::nplesmente não funcionam, o
suidor de um estigma está sujeito a
.iscar tipos sociais que supõe agir de
rma favorável a ele.
Goffman identifica três categorias
a pessoas, em especial, que estão
_;eitas a cumprir esse papel.
-; primeira são "os seus": pessoas
_e têm um atributo estigmatizado
Tecido - por exemplo, os membros
'" grupos de apoio para viciados em
ogas A segunda categoria são
sábios": pessoas que trabalham
-llla instituição ou agência que
ia indivíduos corri-um traço
gmatizante (cuidadores,
:ermeiras, terapeutas psicológicos e
stentes sociais, por exemplo) A
ceira categoria identificada por
:tman inclui os indivíduos que a
-:ssoa estigmatizada conhece muito
-::::1 e que provavelmente mostrarão
urna empatia por ela, como o
rceiro de alguém com uma
-ôcíência ou um vício.
avessando fronteiras
-omumente aceito na sociologia que
observações detalhadas de Goffman
e as interações humanas e as
:ãmicas interpessoais de pequenos
-1JOS seguem sem paralelo. Anthony
ens, por exemplo, se baseia
:emente nas ideias de Goffman sobre
mportamento humano e a formação
entidade em sua famosa teoria da
-:mturação", que discute a relação
e as estruturas e a interação
-:::ana. Pierre Bourdieu também se
re à obra de Goffman em sua
ração de quanto as pessoas são
azes de mudar quem são e como se
.ern dentro de certos contextos.
O pensador social britânico
iony Wootton argumentou, no
nto, que a obra de Goffman
ersaliza e identifica certos
tos como sendo a causa perene
mportamento estigmatizante.
CULTURA E IDENTIDADE 195
As causas de estigmatização são numerosas, mas podem incluir fofocas e
atitudes negativas que surgem da ignorância e/ou de tensões causadas por
classe social ou raça. Isso levaria a um estereótipo negativo do indivíduo pelo
grupo. Com o tempo, o indivíduo internaliza esses rótulos, que acabam moldando a
sua autoavaliação, bem como sua identidade. Nesse ponto, o indivíduo já adquiriu
uma identidade estigmatizada
Pessoas não estigmatizadas Pessoa
estigmatizada
ou "normais"
Rótulo negativo e
marginalização pelo grupo
As causas de Os efeitos da
estigmatização incluem: estigmatização incluem:
• Expectativas de comportamento • Sentimento de inutilidade
• Estereótipos negativos • Autoavaliação excessiva
• Atitudes negativas • Falta de autoconfiança
• Mídia popular • Perda de reputação
• Fofoca • Isolamento social
Mas as expectativas normativas reintegração de indivíduos
e as avaliações morais de certos estigmatizados à sociedade. A obra de
atributos e comportamentos mudam Goffman também continua relevante
conforme a sociedade evolui. Assim, politicamente - sobretudo ao oferecer
observa, dizer que doenças mentais e um meio de entender como lidar com o
deficiências físicas ainda poderiam problema da estigmatização de grupos
ser consideradas como a causa de minoritários em sociedades
estigmas é muito questionável multiculturais modernas. _
em certos contextos sociais
e nacionais.
A obra de Goffman escancara as
"
fronteiras disciplinares entre a
sociologia e a psicologia social - suas
teorias, portanto, têm sido aceitas por o indivíduo estigmatizado
pensadores de diversas linhas pode descobrir que se sente
acadêmicas. Na sociologia, suas ideias inseguro em relação à maneira
sobre o estigma têm sido aplicadas de
como os normais o
forma muito efetiva pela pensadora
identificarão e o receberão.
social britânica Gil! Green para
Erving Goffman
considerar as experiências das pessoas
"
com doenças crônicas, incluindo
aquelas que contraíram o vírus HIV. E o
assistente social John Offer usou os
conceitos de Goffman para examinar a