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RESUMO: Este trabalho tem como objetivo discutir, brevemente, a história da teoria das
“ondas longas” no capitalismo mundial. Dentro desta proposta de comunicação, analisaremos
as formulações elaboradas a partir do início do século por Kondratieff, passando pelo
economista marxista Ernest Mandel e chegando finalmente à proposição de Giovanni Arrighi.
Após a Segunda Grande Guerra, a economia ficou cada vez mais prisioneira da econometria e
dos modelos de crescimento econômico. Este momento do desenvolvimento capitalista é
marcado pelo período de crescimento de 1948 até 1970, que significou, literalmente, o fim do
interesse pelos ciclos econômicos. Com a crise mundial a partir do final dos anos 1960, os
economistas políticos voltaram suas preocupações para as “ondas longas” do capitalismo,
buscando compreender a trajetória dos padrões de evolução e repetição do sistema. É nesse
contexto que se busca destacar a abordagem dos ciclos sistêmicos de acumulação.
1. INTRODUÇÃO
Desde o princípio, a formulação da teoria das “ondas longas” tem colocado grandes
controvérsias sobre as hipóteses e posições políticas de vários teóricos. Em geral, as “ondas
longas” são ciclos de desenvolvimento capitalista compostos de fases acentuadas de
prosperidade e estagnação.
1
Após a Segunda Grande Guerra, a economia ficou cada vez mais prisioneira da
econometria e dos modelos de crescimento econômico. Este momento do desenvolvimento
capitalista foi marcado pelo período de crescimento de 1948 até 1970, que significou,
literalmente, o fim do interesse pelos ciclos econômicos.
Com a crise mundial a partir do final dos anos 1960, os economistas políticos voltaram
suas preocupações para as “ondas longas” do capitalismo. O principal representante dessa
contribuição pós-guerra é Mandel que, apoiando-se na teoria marxista, descreve a fase de
ascenso e descenso do ciclo industrial iniciada com as inovações que se expandiram logo após
a 2ª Guerra Mundial como, por exemplo, a energia nuclear. Dessa forma, segundo Mandel,
estaríamos vivendo a fase de descenso no capitalismo atual.
Portanto, mais do que trazer uma nova formulação ou acrescentar algo novo à teoria
das “ondas longas”, nos limitaremos a discutir a história da teoria e por que ela é importante
na formulação da Economia Política dos Sistemas-Mundo (EPSM), especialmente na
proposição elaborada por Arrighi.
Falar sobre a teoria das “ondas longas” de Mandel é relacioná-la com o intenso papel
militante que este teórico marxista teve nas fileiras do trotskysmo internacional. Sua intensa
atividade militante fez romper com o grupo de 1953 liderados por James Cannon e formar
juntamente com Miguel Pablo a reestruturação da IV Internacional em 1963. 1
1
Mandel era conhecido por sua posição conciliadora com diversos grupos, inclusive revisionistas.
2
Assim, fez oposição também ao stalinismo teórico e aos teóricos mecanicistas
soviéticos. A atividade militante propiciou a Mandel reformular muitas teorias e recolocar a
economia marxista no centro da discussão acadêmica, principalmente no seu aspecto de ciclos
e crises. 2
Mandel, sem dúvida, é um dos expoentes desta teoria. Em 1972, ele lança o livro O
capitalismo tardio que coloca no centro do debate o problema das “ondas longas”. Sua
contribuição nesta área é tentar estabelecer uma ligação entre teoria do valor de Marx e os
extensos períodos de contração e expansão do capitalismo. Para isso, Mandel coloca no
epicentro da sua análise o papel da luta de classes na história do capitalismo. Como bem
destaca Katz sobre a importante contribuição de Mandel para a teoria das ondas longas:
2
“Cada página que escreveu tinha ligação com sua batalha de revolucionário para construir uma sociedade
emancipada da exploração” (KATZ, 2000, p. 96).
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desses elementos dando origem à sua própria negação...Todas as
características do capitalismo como forma econômica estão presentes nessa
descrição características baseadas em sua tendência inerente a rupturas de
equilíbrio. Essa mesma tendência também se encontra na origem de todas as
leis de movimento do modo de produção capitalista (MANDEL, 1982, p.
17).
Dessa forma, as “ondas longas” para Mandel não são o efeito de elementos de “fora”
do modelo como, por exemplo, revoluções tecnológicas. O problema fundamental para
entender “a curva do desenvolvimento capitalista” se encontra “endogenamente”, ou seja, nas
leis que regulam o processo de acumulação capitalista. “O ciclo econômico consiste, assim,
na aceleração e desaceleração sucessivas da acumulação”.
Mandel, seguindo a tradição marxista, sugere que o problema das “ondas longas” não
seria um problema estatístico de comprovação. Não menosprezando os dados empíricos, pois
os dados de produção, preços, distribuição e renda são bons indicadores para provar o caráter
cíclico da economia capitalista mas, no entanto, os problemas de comprovação se encontram
na inadequação dos métodos de verificação ao problema específico da teoria marxista da
acumulação de mais-valia.
Esse seria o principal erro cometido pelos teóricos das “ondas longas”, como
Kondradieff4, que apoiaram em dados meramente estatísticos, sem entender as leis internas de
acumulação de mais-valia. Kondradieff apóia-se em séries estatísticas de preços de alimentos
em setores industriais e agrícolas, mas não percebeu, por exemplo, que a dinâmica do
capitalismo funciona apoiada pela lei do valor que é diferente dos preços de produção ou de
sua forma monetária.
3
Para uma crítica ao conceito de “causa” na teoria de Mandel, ver Benoit e Antunes (2008).
4
Segundo Vargas, “a Teoria dos Ciclos Longos de Kondratiev abriu espaço para o surgimento de duas correntes:
uma delas centrada na noção de ciclos de preços; e outra que passa a analisar o comportamento cíclico da
economia como um fenômeno expresso em termos reais na produção” (VARGAS, 1995, p. 84).
4
A contribuição específica de nossa própria análise para uma solução do
problema das “ondas longas” consistiu em relacionar as diversas
combinações de fatores que podem influenciar a taxa de lucros... na lógica
interna do processo de acumulação e valorização do capital a longo prazo,
baseado em jatos de renovação radical ou reprodução da tecnologia
produtiva fundamental (MANDEL, 1982, p. 101 – grifos nossos).
5
Para Altvater: “Vista a partir desta perspectiva, as novas tecnologias não são condições suficientes para uma
nova ‘onda longa, marcada pela expansão. Porém as novas tecnologias são certamente necessárias para a
superação da depressão” (ALTVATER, 1983, p. 25).
5
valorização do capital implica na extração de mais-valia. O capital invertido na produção é lei
geral da acumulação capitalista. A acumulação de capital é o processo social de conversão do
capital em mais-valia e desta em capital, de maneira crescente. A conversão do novo capital
se realiza seguindo a distinção entre capital constante e capital variável. Esse dinamismo do
processo de acumulação, o capital torna-se um valor que, constantemente, se auto-valoriza. A
auto-valorização do capital depende do próprio capital. O sistema encontra-se dentro de si,
“endogenamente”, as características para a própria expansão e contração das “ondas longas”. 6
“Mandel apresenta uma análise das etapas do capitalismo que leva em conta principalmente a
ação da lei do valor no longo prazo” (KATZ, 2000, p. 75).
O modelo se explica pela própria dinâmica interna. Mandel não recorre a fatores
“exógenos” para explicar os momentos de contração e expansão do desenvolvimento
capitalista. 7 A dinâmica capitalista deve-se buscar nos processos do interior da indústria e os
modelos “endógenos” de extração de mais-valia.
6
Para uma análise desse modelo de interpretação abstrato para situações mais concretas de análises, ver Mandel
(1990).
7
Nos últimos trabalhos de Mandel, ele atribuiu à luta de classe um papel “exógeno” no seu modelo, “o ciclo de
luta de classe”, apesar de não desenvolver sistematicamente esse aspecto da teoria.
6
que abarcam todo o curso do capitalismo histórico como sistema mundial. O resultado desse
estudo foi intitulado O Longo Século XX 8.
A fórmula geral do capital apresentada por Marx (DMD’) pode ser interpretada como
“retratando não apenas a lógica dos investimentos capitalistas individuais, mas também como
um padrão reiterado do capitalismo histórico como sistema mundial” (ARRIGHI, 1996, p. 6 ).
8
Considerado o trabalho mais importante de Giovanni Arrighi, publicado originalmente em 1994 e traduzido no
Brasil em 1996, pela editora Unesp.
7
Mais especificamente, Braudel concebeu o autêntico capitalismo como a camada
superior dessa estrutura tripartida, na qual, como em todas as hierarquias, as camadas
superiores não poderiam existir sem os estágios inferiores de que dependem (BRAUDEL
apud ARRIGHI, 1996, p. 10).
9
“Wallerstein estava absolutamente certo ao insistir que a longa duração do capitalismo histórico era o
arcabouço temporal adequado ao tipo de construção que pretendia” (ARRIGHI, 1996, p. XIII).
8
de organizações governamentais e empresariais que conduziram a economia capitalista
mundial por sucessivas fases de expansão material.
Posto isto, os ciclos sistêmicos de acumulação nada mais são do que períodos de
ascensão e queda de hegemonias políticas e dos respectivos regimes de acumulação e poder
que lhe são subjacentes, intervalados por períodos de transições. Em cada estágio do
capitalismo histórico, uma determinada aliança entre capital e Estado está na liderança da
camada superior da economia mundial (ARIENTI; FILOMENO, 2007, p. 119).
São quatro os ciclos sistêmicos de acumulação e todos duram mais de cem anos (daí a
idéia de “longo século”): um ciclo genovês, do século XV ao início do século XVII; um ciclo
holandês, do fim do século XVI até decorrida a maior parte do século XVIII; um ciclo
britânico, da segunda metade do século XVIII até o inicio do século XX; e um ciclo norte-
9
americano, iniciado no fim do século XIX e que prossegue na atual fase de expansão
financeira.
Arrighi (1998) afirma que os dois primeiros ciclos de Kondratieff, englobando o período
de 1787 a 1896, consolidaram a hegemonia mundial britânica, tanto do ponto de vista econômico
como do ponto de vista militar. Contudo na fase depressiva, ou fase “B”, do segundo ciclo
(1870-1896), a competição excessiva que caracteriza esses períodos, ao contrário da fase
depressiva do primeiro ciclo que criou o Sistema de Livre-Comércio da Grã-Bretanha, deu
origem não a um único conjunto de acordos interestatais, capazes de garantir a cooperação
mínima interempresas no mercado mundial, mas a uma multiplicidade de acordos contraditórios.
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O debate sobre as ondas longas refere-se apenas ao capitalismo industrial, com seus dois regimes sistêmicos
de acumulação, liderados respectivamente pela Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos. Não abrange os dois
regimes anteriores do capitalismo histórico, de caráter comercial (o genovês e o holandês), conforme a
caracterização de Arrighi (1996).
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Três respostas principais são apontadas: a resposta britânica, ainda apoiada no sistema de
livre-comércio e no controle militar sobre as rotas marítimas; a resposta neomercantilista alemã,
que no plano interno limitou a concorrência interempresas e, no plano externo, praticou uma
política expansionista no sistema inter-Estados; e a resposta americana, que praticou um misto de
protecionismo estatal e integração vertical das empresas. Como conseqüência, as empresas
americanas assumiram a liderança econômica, mas o mesmo não se verificou com o Estado
americano, que permanecia uma potência militar secundária.
De acordo com Arrighi (1998), “ondas longas” são primordialmente um reflexo temporal
dos processos competitivos da economia capitalista mundial. A alternância entre pressões
competitivas mais intensas e mais refreadas é o que se entende por longos ciclos de prosperidade
e de depressão. A conceitualização deve, assim, ser expandida a fim de levar em conta
tendências da economia capitalista mundial.
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Tampouco, os ciclos de Kondratieff parecem ser fenômenos especificamente
capitalistas. Na síntese de alguns estudos sobre as constatações empíricas e as justificações
teóricas das “ondas longas”, a noção de capitalismo sequer desempenha algum papel:
(...) as ondas longas dos preços e da produção são basicamente ‘explicadas’ pela
severidade do que se chama de ‘guerras das grandes potências’. Quanto ao
capitalismo, a questão de sua emergência e expansão situa-se inteiramente fora do
âmbito de sua investigação (GOLDSTEIN apud ARRIGHI, 1996, p. 7).
As “ondas longas”, por sua vez, são “constatações empíricas, que expressam a
alternância de períodos mais refreados e mais intensos da competição intercapitalista, mas
nada relacionam com o regime de acumulação organizado pela potencia estatal hegemônica
para orientar o sistema mundial” (ARIENTI; FILOMENO, 2007, p. 119). 12
11
Nesse sentido, Arrighi (1996) dedica especial atenção ao “modelo de metamorfose” do desenvolvimento
socioeconômico de Mensch.
12
Para Mandel, as “ondas longas” devem ser analisadas a partir da lei do valor de Marx e não somente por
elementos empíricos. Mandel acrescenta à teoria das “ondas longas” de Kondradieff, a teoria materialista da
história desenvolvida por Marx desde a Ideologia Alemã.
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Mandel (1982) enfatiza que o Estado devia ser explicado pelo presente desenvolvimento do modo de produção
capitalista, ou seja, pela lógica interna do próprio capital, quebrando com a idéia de autonomia relativa. O Estado
deve ser formalmente separado das relações entre burguesia e proletariado, ao mesmo tempo em que é
metamorfose da luta de classes das mesmas. Essa determinada “autonomia relativa” simboliza as concessões de
exigências tanto de uma classe como a de outra. As relações entre o Estado e a sociedade são ocultadas,
sobretudo pela lei do fetichismo da mercadoria, que ocultam o papel classista da superestrutura estatal.
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organizar e regular uma nova fase de expansão capitalista, de escala e alcance maiores que a
anterior. 14
Outro aspecto das mudanças cíclicas a ser observado é que cada uma delas esteve
associada a uma verdadeira revolução organizacional nas estratégias e estruturas do agente
preponderante da expansão capitalista. Essas revoluções têm origem num impasse geral da
acumulação capitalista e definem os estágios sucessivos de desenvolvimento da economia
mundial (ARRIGHI, 1998, p. 44).
Segundo Arrighi (1998), o novo impasse pode ser designado com um impasse de
superacumulação, no sentido de que a acumulação capitalista no final do século XX começou
a ir longe demais, indicando que o capitalismo mundial orientado pela hegemonia
estadunidense estaria na sua fase de expansão financeira e de declínio do ciclo sistêmico.
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Segundo Tilly, “os estados formam sistemas à proporção que interagem entre si, e na medida em que a sua
interação afeta significativamente o destino de cada parceiro. Os Estados sempre se desenvolveram a partir da
luta pelo controle de território e população, portanto parecem invariavelmente em aglomerados e costumam
formar sistemas” (TILLY, 1996, p. 57).
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa reconstrução da história capitalista, assim como a teoria das “ondas longas” e
suas posteriores derivações, apresentam seu próprio limite. A noção de ciclo sistêmico de
acumulação deriva diretamente da idéia braudeliana do capitalismo como a camada superior
da hierarquia mundial (“antimercado”). A construção analítica se concentra, assim, nessa
camada superior e fornece uma visão limitada do que se passa nas camadas intermediária e
inferior.
Entretanto, à medida que avança acaba por refletir uma lógica estrutural. Torna-se
possível entender os padrões recorrentes de expansão e declínio de um regime, marcados
respectivamente pelas formas produtiva e financeira do capital. Através disso, sinaliza que a
expansão capitalista apresentou uma trajetória cíclica de alterações qualitativas nos regimes
de acumulação e, por conseqüência, em seus agentes envolvidos. Somente consideradas todas
estas dimensões é possível compreender mais claramente os estágios de desenvolvimento do
capitalismo.
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A crise econômica e a crise do Estado capitalista na década de 70 possibilitaram a ver
a distorção dos arranjos internacionais. O Estado, entendido como o palco da luta de classes,
iniciou um processo contraditório: de um lado acumulação e do outro a legitimação. As
guerras, como ressalta Tilly, devem ser uma constante dentro das relações internacionais.
Doses de coerção e acumulação devem mostrar a forma do Estado capitalista neste século
XXI. “(As) grandes guerras... assemelha-se, economicamente, aos inventos que marcam
época.” (BARAN; SWEEZY, 1978).
REFERÊNCIAS
ARIENTI, Wagner Leal; FILOMENO, Felipe Amin. Economia Política do moderno sistema
mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi. Ensaios FEE, v. 8, n. 1, 2007.
ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Rio
de Janeiro: Contraponto, 1996.
BARAN, Paul; SWEEZY, Paul. Capitalismo monopolista: ensaio sobre a ordem econômica
e social americana. 3 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
KATZ, Cláudio. Ernest Mandel e a teoria das ondas longas. Revista SEP, Rio de Janeiro, n.
7, 2000.
TILLY, Charles. Coerção, Capital e Estados Europeus. São Paulo: EDUNESP, 1996.
VARGAS, Marco Antonio. Inovação tecnológica e ciclos longos. Revista CEPE, Santa Cruz
do Sul, n. 2, 1995.
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