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SISTEMAS JURÍDICOS

COMPARADOS
VOL. I

INTRODUÇÃO AO DIREITO COMPARADO

Armindo António Lopes Ribeiro Mendes


Teresa Maria Geraldes Da Cunha Lopes
Editado
6 de julho 2011

SISTEMAS JURÍDICOS COMPARADOS VOL. I

INTRODUÇÃO AO DIREITO COMPARADO

Colección
“Transformaciones Jurídicas y Sociales en el Siglo XXI”
5 serie/No. 3

Coordinadores de la Colección
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Teresa M. G. Da Cunha Lopes

Arbitraje

Comisión Editorial de la Facultad de Derecho y Ciencias Sociales


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Editado por : CIJUS/Facultad de Derecho, CAEC “Derecho, Estado y Sociedad
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Vasconcelos Tavares,

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Professora Doutora Maria Teresa de Salter Cid

Gonçalves Rocha Pires

Vice-Reitores
ÍNDICE

PRESENTACIÓN 9

11
CAPÍTULO I -
NOÇÕES FUNDAMENTAIS

CAPÍTULO II 91
HISTÓRIA DO DIREITO COMPARADO

CAPÍTULO III 107


A DISTINÇÃO ENTRE FAMÍLIAS JURÍDICAS

BIBLIOGRAFIA 127
PREFACIO

O manual de Sistemas Jurídicos Comparados abrange três partes


distintas, divididos em tres tomos.
Na Primeira Parte, versamos os aspectos introdutórios respeitantes à
autonomização do Direito Comparado como ramo do saber jurídico.
Na Segunda Parte, que será publicada em 2012, ocupamo-nos das
Grandes Famílias de Sistemas Jurídicos, confinando o nosso estudo às
famílias romano-germânica e da common law. Abordaremos os direitos
francês e alemão como exemplos da primeira família e os direitos inglês e
norte-americano como exemplos da segunda família.
Na Terceira Parte, que estará finalizada em 2013, procuraremos ver
como tem sido resolvido legislativamente em diferentes ordens jurídicas o
problema das uniões de facto com parceiros de sexo diferente ou do mesmo
sexo enquanto situações com implicações de natureza familiar ou para-
familiar.

9
CAPÍTULO I -
NOÇÕES FUNDAMENTAIS

1. Noção de Direito Comparado.


a) O Direito Comparado como actividade
intelectual de comparação de direitos. A
necessidade de um elemento de extraneidade
(comparação intersistemática).
2. A comparação de diferentes soluções jurídicas acolhidas em
diferentes ordenamentos (seja de cidades – Estado da Antiguidade grega, seja
de Estados soberanos durante a Idade Moderna) tem sido feita por políticos,
constitucionalistas e juristas da área do direito privado ao longo de séculos.
Todavia, até ao presente tem-se mostrado difícil acordar sobre uma
definição do que seja o Direito Comparado enquanto ramo de saber jurídico,
apesar de terem surgido na primeira metade do século XIX as primeiras
disciplinas académicas designadas como “Legislações Comparadas” (em
1832, no Collège de France, LERMINIER passa a reger uma Cadeira de
História Geral e de Filosofia da Legislação Comparada, influenciado pelo
germânico GANS).
3. A primeira grande reflexão sobre o Direito Comparado é levada a
cabo no Congresso de Paris de 1900, evento que permitiu juntar os grandes
expoentes da História do Direito e da Comparação de Legislações
Contemporâneas (deve recordar-se que, nesse ano, entrou em vigor o Código
Civil alemão, o Bürgerliches Gesetzbuch, conhecido pela sua abreviatura –
“BGB”).

11
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

4. Já no século XX, a Academia Internacional de Direito Comparado de


Haia considera que o Direito Comparado visa “a aproximação sistemática e a
conciliação das leis” (1924). Segundo o art. II dos seus Estatutos, “o objecto
principal da Academia é o estudo do direito comparado na sua configuração
histórica e o melhoramento das leis dos diversos países do mundo –
particularmente na área do direito privado – suprimindo e conciliando as
divergências.”. Esta visão das coisas influencia a definição de Direito
Comparado que surge no Vocabulaire de HENRI CAPITANT (1936): o
Direito Comparado é caracterizado como o “Ramo da Ciência do Direito que
tem por objecto a aproximação sistemática das Instituições Jurídicas dos
diversos Países”. Deve notar-se que, em 1991, houve uma alteração dos
estatutos daquela Academia Internacional, passando esta a ter como objecto
social “o estudo comparativo dos sistemas jurídicos”.
Em 1949, é fundado, sob os auspícios da UNESCO, o Comité
Internacional de Direito Comparado, instituição que tem como missão
“favorecer o conhecimento e a compreensão mútuos das nações e encorajar a
difusão da cultura desenvolvendo no mundo o estudo dos direitos
estrangeiros e o emprego do método comparativo nas ciências jurídicas” (art.
3º dos seus estatutos).
5. H.C. GUTTERIDGE, importante comparatista inglês do século XX,
entendeu dever chamar a atenção para a estranheza da expressão Direito
Comparado nos seguintes termos:
“A estranheza surge quando nos esforçamos por defini-
la ou precisar as suas relações com outros ramos do
conhecimento.
Uma boa parte da atmosfera de dúvida e de suspeição
que envolve o estudo do direito comparado e que, no
passado, tanto se opôs ao seu desenvolvimento
desapareceria se toda a gente viesse a reconhecer que a
expressão «direito comparado» designa um método de
12
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

estudo e de pesquisa, e que o direito comparado não é um


ramo ou uma divisão especial do direito. Se pela palavra
«direito» entendemos um corpo de regras, é evidente que
não existe uma realidade chamada «direito comparado». A
comparação das regras de direito retiradas de diferentes
sistemas não chega a formular regras novas,
independentes, que devam regular as relações ou
convenções entre os homens. Quando falamos, por
exemplo, do direito comparado do casamento, não
queremos dizer que os comparatistas tenham imaginado
uma série de regras novas destinadas a regular as relações
entre maridos e mulheres; queremos apenas dizer com isso
que as leis sobre o casamento nos diferentes países foram
sujeitas a comparação, tendo em vista determinar em que
medida, e relativamente a que aspectos, essas leis podem
diferir umas das outras.
Não existe um ramo especial de direito chamado
«direito comparado» no mesmo sentido em que existe um
«direito da família» ou um «direito marítimo» ou outras
divisões através das quais existe consenso para agrupar as
regras de direito em vigor, relativas a uma matéria
determinada “(Le Droit Comparé, trad. francesa da 2ª ed.
de 1949, Paris, LGDJ, 1953, págs. 17-18).

6. Na segunda metade do século XX, vai continuar a debater-se a


questão de saber se existe um ramo jus-científico designado por Direito
Comparado, já que todos estão de acordo sobre a ideia de que o Direito
Comparado não é um ramo ou sub-ramo de um direito vigente.
Em 1964, RENÉ DAVID publica a 1ª edição dos Grandes Sistemas
de Direito Contemporâneos, cuja tradução portuguesa é publicada oito anos
mais tarde. Nessa obra muito conhecida – a sua 11ª ed. foi publicada em
2002, actualizada pela colaboradora CAMILLE JAUFFRET - SPINOSI – o
autor estuda as diferentes famílias de direitos, considerando desinteressante
discutir se o Direito Comparado é apenas um método comparativo ou se é um
ramo de saber cientificamente organizado:
“Os inícios do direito comparado foram marcados por
discussões que tendiam a definir o seu objecto e natureza,
13
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

a fixar o seu lugar entre as diferentes ciências, a


caracterizar os métodos, a precisar as suas aplicações ou
interesses possíveis. Perguntou-se se o direito comparado
devia ser considerado como um ramo autónomo da
ciência do direito ou se ele não era antes um simples
método, o método comparativo, aplicado à ciência
jurídica; houve esforços para atribuir ao direito
comparado um domínio próprio, distinguindo-o da
história comparativa do direito, da teoria geral do direito,
da sociologia jurídica; pôs-se a questão de saber
relativamente a que direitos era útil, oportuno ou mesmo
permitido fazer uma comparação entre eles; pôs-se em
relevo o conjunto dos perigos face aos quais os juristas se
deviam acautelar, quando se dedicavam a estudos de
direito comparado. Tais discussões constituíram mesmo o
fundo das primeiras obras sobre direito comparado que
surgiram nos diferentes países e foram esses problemas
que estiveram na ordem do dia no primeiro Congresso
Internacional de Direito Comparado, reunido em Paris,
em 1900.
É natural que estes problemas tenham sido postos no
primeiro plano quando o direito comparado se impôs aos
juristas; era inevitável que nos interrogássemos então
sobre quem era esta nova entidade, como deviam ser
orientados os novos ensinamentos que iam ser facultados,
em que direcções deviam ser orientadas as investigações
que se iam fazer ao abrigo deste vocábulo.
Estas discussões perderam a actualidade e não deve
perder-se demasiado tempo com elas, agora que o direito
comparado dispõe de raízes sólidas. O que importa é
executar hoje uma dupla tarefa; por um lado, trazer à luz,
para convencer os cépticos, felizmente hoje cada vez
menos numerosos, os interesses diversos que o direito
comparado representa para os juristas; por outro lado, pôr
os já convencidos em condições de utilizarem a
comparação dos direitos para as finalidades diversas e
específicas destes.
Os pontos de interesse do direito comparado podem
agrupar-se sucintamente em três pontos.
O direito comparado é útil nas investigações históricas
ou filosóficas que respeitam ao direito; é útil para melhor
14
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

conhecer e para melhorar o nosso direito nacional; é útil


para compreender os países estrangeiros e disponibilizar
um melhor regime para as relações da vida internacional.
É indispensável para qualquer tentativa de harmonização
ou de uniformização do direito” (Les Grands Systèmes
de Droit Contemporains, 11.ª ed., Paris, Dalloz, 2002,
pág. 2-3).

Esta obra de RENÉ DAVID teve enorme influência visto ter sido
traduzida nas principais línguas.
7. Em 1969, KONRAD ZWEIGERT e HEIN KÖTZ publicaram o 2.º
volume da sua obra fundamental sobre Introdução ao Direito Comparado
(Einführung in die Rechtsvergleichung). Tal volume dedicava-se ao estudo
de instituições de direito privado numa perspectiva comparatística,
contemplando os direitos francês, italiano, suíço e alemão, por um lado, e os
direitos inglês e norte-americano, por outro. Eram abrangidos o contrato, o
enriquecimento sem causa e a responsabilidade civil extracontratual.
Em 1971, os mesmos autores publicavam o 1º volume da obra sobre
os círculos de Direito do Mundo (Rechtskreise der Welt), obra influenciada
pelos Grands Systèmes de RENÉ DAVID.
Esta obra alcançava em 1977 uma enorme repercussão a nível
mundial, dado ter sido traduzida em língua inglesa por um comparatista
britânico, TONY WEIR. A 3.ª ed. alemã surgiu em 1995, integrando os dois
anteriores livros num único volume. A mesma 3.ª edição foi traduzida
também por TONY WEIR em 1998.
ZWEIGERT e KÖTZ caracterizam assim o Direito Comparado:
“Antes de tentarmos descobrir a essência, função e
finalidades do Direito Comparado, vamos dizer primeiro
o que significa «direito comparado». A palavra sugere
uma actividade intelectual que tem o direito como seu
objecto e a comparação como o respectivo processo. Ora,
podem fazer-se comparações entre diferentes regras num

15
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

único sistema jurídico, como, por exemplo, entre


diferentes artigos (parágrafos) do Código Civil Alemão.
Se isso fosse tudo o que queria significar a expressão
direito comparado, tornar-se-ia difícil ver como tal
diferiria daquilo que os juristas normalmente fazem: os
juristas têm constantemente de justapor e de harmonizar
as regras do seu próprio sistema, isto é, compará-las entre
si, antes que possam alcançar qualquer decisão prática ou
qualquer conclusão teórica. Uma vez que isto é
característico de qualquer sistema jurídico nacional,
«direito comparado» deve querer dizer mais do que
aquilo que superficialmente aparenta. A dimensão extra é
a da internacionalização. Por isso, «direito comparado» é
a comparação dos diferentes sistemas jurídicos do
mundo.
O direito comparado, tal como o conhecemos, nasceu
em Paris, em 1900, no ano da Exposição Universal. Por
ocasião deste panorama brilhante de conquistas humanas,
realizaram-se naturalmente inúmeros congressos e os
grandes académicos franceses ÉDOUARD LAMBERT e
RAYMOND SALEILLES tiveram a oportunidade de
convocar um Congresso Internacional de Direito
Comparado. A ciência do direito comparado, ou, em
qualquer caso, o seu método, conheceram grandes
avanços durante a realização deste congresso, e os pontos
de vista aí expressos constituíram um manancial de
investigação produtiva neste campo do estudo jurídico,
não obstante a sua juventude.” (An Introduction to
Comparative Law, trad. inglesa, 3ª ed., Oxford,
Clarendon Press, 1998, pág. 2).

8. No mesmo ano de 1971, o comparatista francês MARC ANCEL


reflectia sobre as dificuldades de conceptualização do Direito Comparado,
não obstante ser indesmentível o interesse dos estudos comparativos:
“É usual hoje, entre os juristas, sublinhar a
importância, mesmo a necessidade, dos estudos de direito
comparado. Este elogio, porém, não passa sem alguma
ambiguidade; porque, depois de mais de um século de
controvérsias, ainda nos continuamos a interrogar sobre o
que se deve exactamente entender por este termo “direito
16
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

comparado”, continuando acesas as discussões sobre a


função e o método desta disciplina. Não consideramos
que nos devamos comprometer, pela nossa parte, nesta
querela teórica. Pretendemos, pelo contrário, tentar
abordar, da maneira mais concreta possível, a utilidade
actual e os métodos da investigação jurídica comparativa;
veremos com efeito que, no presente, nunca a
comparação dos sistemas e das instituições jurídicas foi
mais necessária; verificaremos também que essa
comparação depende, não de um método único, como a
doutrina comparativa supôs durante muito tempo, mas de
vários métodos possíveis, relativamente aos quais se trata
menos de determinar o melhor do que fixar o lugar
respectivo de cada um deles” (Utilités et Methodes du
Droit Comparé, Edc. Ides e Calendes, Neuchatel, 1971,
pág. 9).

9. Ainda no ano de 1971, LÉONTIN-JEAN CONSTANTINESCO


publica em versão alemã o 1º volume do seu Tratado de Direito Comparado,
aparecendo no ano seguinte a tradução francesa dessa obra. Em 1974 é
publicado o segundo volume sobre o Método Comparativo. A título póstumo,
é publicado em 1983 o terceiro volume da obra, organizado por VLAD
CONSTANTINESCO, sobre a Ciência dos Direitos Comparados. Na
introdução ao primeiro volume, CONSTANTINESCO, depois de enumerar
os progressos verificados no Direito Comparado – vários tratados e manuais
publicados nas décadas de cinquenta e de sessenta do século XX, a
preparação de uma Enciclopédia Internacional de Direito Comparado, as
monografias e congressos internacionais – afirma o seguinte:
“Ao elaborar esta Introdução e estes livros sobre o
método comparativo e a Ciência dos Direitos
Comparados, quis ajudar os juristas mais novos a
compreender que, sob as aparências enganadoras de uma
paisagem costumeira, espiritual e material, eles vivem
num mundo cuja mutação representa uma verdadeira
mudança de época (changemente d’âge) e que caminham
para um mundo radicalmente novo. Pela sua formação
científica, necessariamente dominada pelos limites de um
17
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

horizonte histórico e científico nacional, os juristas têm


uma visão fragmentária do direito. Ao mesmo tempo
estática e egocêntrica, ela é, apesar de tudo, fragmentária
no espaço e limitada no tempo. Contudo, os juristas
devem igualmente tomar conhecimento e consciência do
mundo jurídico actual, tributário, de facto, de outras
dimensões e perspectivas. Este trabalho propõe-se
precisar os critérios que permitam inserir estas visões
fragmentárias numa visão de conjunto que tente captar,
através de um apanhado sintético, o direito na situação
espácio-temporal actual.
Fazer isto é contribuir para ajudar os juristas a perder
esse sentimento de satisfação confortável, visível muitas
vezes tanto nos ocidentais como nos soviéticos, dado pela
impressão, sem dúvida falsa, que eles têm de viver na sua
ordem jurídica nacional como no centro do único mundo
jurídico, racional e lógico, completo, fechado e
autónomo. O dever de todos nós reside na aquisição de
uma visão mais exacta de nossa situação face ao Direito e
da situação deste no mundo, a fim de compreender que a
vida de uma ordem jurídica é apenas uma partícula de
uma entidade mais vasta no espaço e mais dilatada no
tempo. Tal implica que seja necessário apreender as
razões profundas que tornam parentes certas ordens
jurídicas para as reunir em sistemas jurídicos, bem como
compreender as diferenças irredutíveis que separam os
sistemas jurídicos entre eles.
Tomar conhecimento e consciência de todos estes
elementos faz-nos elevar à altura da realidade actual: é
transformar uma perspectiva local ou nacional virada
para o passado, de que somos tributários ainda, numa
perspectiva mundial voltada para o futuro. Isso leva,
finalmente, a mudar de escala de observação e a
substituir um conhecimento unidimensional e limitado ao
horizonte nacional por um pensamento pluridimensional,
aberto e alargado ao horizonte do mundo. Tal é
finalmente a verdadeira finalidade da Ciência dos direitos
comparados.” (Traité de Droit Comparé, vol. I, Paris,
LGDJ 1972, pág. 3).

18
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

10. A referência feita por CONSTANTINESCO às visões dos juristas


ocidentais (do mundo da chamada civil law, ou seja, dos direitos do
continente europeu, das subfamílias latina, germânica ou nórdica, e do
mundo da common law ou anglo-americano) e dos juristas soviéticos
reflectia a divisão em blocos da Europa, após a Segunda Guerra Mundial, e
tinha como pano de fundo o aparecimento de estudos de Direito Comparado
entre sistemas com constituições económicas diferentes (direitos capitalistas
ou burgueses e direitos marxistas, socialistas ou de países de economia de
direcção central). Tais estudos designam-se como de comparação
contrastada.
Este ponto de vista manteve-se durante a década de oitenta, período
em que aparecem o 3º volume do Tratado de CONSTANTINESCO e, em
Portugal as lições de Direito Comparado de JOÃO DE CASTRO MENDES.
11. A reunificação alemã e a queda do Bloco de Leste, com o
desaparecimento da antiga União da Repúblicas Socialistas Soviéticas e a
democratização das antigas Repúblicas Populares (Polónia, Hungria,
Checoslováquia, Bulgária, Roménia, Jugoslávia) eliminaram uma das
famílias de Direito, a família socialista, muito embora haja autores recentes
como o sueco MICHAEL BOGDAN que persistem em tratar dos sistemas
jurídicos socialistas, referindo-se aos casos da China e de Cuba, não obstante
reconhecerem que tais sistemas não são uma cópia do velho modelo soviético
(cfr. Comparative Law, trad. Inglesa, Kluver, Nordstats Juridik, Tano,
Göteborg, 1994, págs. 198 e segs.).
Tal reflecte-se nas obras aparecidas na década de 90, nomeadamente
na 3ª ed. da Einführung de ZWEIGERT e KÖTZ e, entre nós, nas obras de
CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA (Introdução ao Direito Comparado,
Coimbra, Almedina, 1994, 2ª ed., 1998; Direito Comparado . Ensino e
Método, Lisboa, Cosmos, 2000). Tal reflecte-se igualmente no Trattato di

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Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

Diritto Comparato, em curso de publicação em vários volumes sob a direcção


de RODOLFO SACCO a partir de 1992 (cfr. ANTONIO GAMBARO e
RODOLFO SACCO, Sistemi Giuridici Comparati, Turim, UTET, 1996,
págs. 411 e segs., sobre os direitos do Leste europeu e o “modelo epocal
socialista”).
12. Já vimos, pois, que, ao menos por convenção entre os comparatistas,
o Direito Comparado é uma actividade intelectual de confronto entre
sistemas jurídicos, instituições ou normas que pressupõe um elemento de
extraneidade.
Nos ordenamentos plurilegislativos– como sucede nos Estados
federais, em que há um ordenamento nacional ou federal e ordenamentos dos
Estados federados (ver os exemplos dos EUA, do Brasil, da Alemanha) –
podem levar-se a cabo actividades de comparação , mas tal comparação é
interna e não releva do Direito Comparado (a comparação do direito estadual
de Nova York com o direito do Estado da Califórnia ou da Luisiana não é
estudado pelo Direito Comparado).
Importa, porém, caracterizar brevemente a noção de sistema jurídico.
13. Existe uma noção mais restrita de sistema jurídico que é utilizada
pelos comparatistas e que visa descrever o conjunto de instituições, regras e
princípios de um direito nacional (sistema francês ou sistema espanhol, por
exemplo). Tal noção é sinónimo de ordem jurídica ou de ordenamento
jurídico. Poder-se-á nesta acepção falar de sistema jurídico comunitário, por
referência ao direito institucional das comunidades europeias.
A esta noção contrapõe-se uma noção ampla em que o sistema
jurídico designa diferentes direitos unidos por relações de parentesco. MARC
ANCEL, por exemplo, pretende que é esta noção ampla que deve ser
utilizada pelos comparatistas:

20
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

“Os quatro direitos que acabamos de contemplar


(alemão, francês, italiano e suíço) dão, como vimos,
soluções idênticas quanto as suas formulações, pelo menos
no plano da regra de direito. [o Autor refere-se à
presunção de paternidade quanto ao marido da mãe do
menor].
As diferentes instituições a que recorremos em
seguida são similarmente análogas ou, pelo menos, muito
próximas nos quatro direitos encarados. Distingue-se neles
a filiação legítima e a filiação natural, a família está
largamente organizada do mesmo modo, tal como o poder
paternal ou a ordem das sucessões. Mais ainda, as
categorias gerais, as grandes divisões do direito, os
processos de raciocínio e os métodos de apresentação das
matérias são igualmente e de forma muito ampla os
mesmos nesses direitos. As diferenças que podem, pois,
existir entre certas regras de direito, e que permitem
precisamente uma imitação de um sistema por outro, não
são de modo algum incompatíveis com uma comunidade
essencial (foncière) dos princípios e dos métodos.
Já não se passa o mesmo se atravessarmos o Canal da
Mancha. Notámos já que a Inglaterra ignorou a adopção e
a legitimação dos filhos até 1926. Mais ainda, se
pegarmos numa matéria em que os direitos da Europa
continental são muito próximos entre si, a de obrigação,
notaremos que a noção tradicional (para nós) de
obrigação, enquanto vinculum iuris, que comporta,
segundo a velha análise romana, um poder de dominação
ou de coacção de um indivíduo sobre outro, é estranha,
enquanto tal, ao direito inglês tradicional. Blackstone, nos
seus célebres Comentários sobre o Direito da Inglaterra
(na segunda metade do século XVIII), não lhe faz
qualquer menção. A obrigação é então considerada em
direito inglês como um valor patrimonial, uma chose in
action, segundo a velha terminologia anglo-normanda da
common law, em oposição à chose in possession,
propriedade corpórea em que o titular exerce directamente
o seu direito sobre este elemento do património.
Não existe, pois, no direito inglês clássico, uma teoria
geral das obrigações , e estudam-se separadamente os
contratos, de um lado, e os delitos (torts) do outro. Foi

21
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

apenas no século XX que o juristas ingleses se puseram a


falar de «obrigação civil».
Do mesmo modo, acabamos de ver que a legislação
inglesa só aceitou, por exemplo, a instituição da adopção
há menos de cinquenta anos.” (Utilité et Méthodes cit.,
págs. 41-42; deve notar-se que o autor escreve em 1971,
numa altura em que não tinha sido acolhida nos direitos da
Europa a solução de tratamento igual dos filhos nascidos
dentro e fora do casamento. )

A partir desta contraposição entre direitos da Europa Continental (ou


da família romano-germánica) e direitos da common law (de que o direito
inglês é paradigmático), escreve MARC ANCEL:
“Percebe-se, pois, claramente que o termo «sistema
jurídico» tem dois sentidos, o primeiro restrito (sistema
francês por oposição ao sistema italiano, por exemplo) e o
segundo mais amplo (sistema continental por oposição a
sistema anglo-americano). Para evitar estas ambiguidades,
certos comparatistas, como René David, preferem por
vezes falar, no segundo sentido, não já de sistema, mas de
família de direito.
A fórmula é porventura mais exacta, ainda que a
palavra «família» seja, em si mesma, susceptível de várias
acepções. De qualquer modo, o termo «sistema jurídico» é
geralmente aceite e, na linguagem do direito comparado
moderno, refere-se sempre ao segundo sentido da palavra.
É, pois, neste significado que o tomaremos a partir de
agora.
Diremos então que se entende por sistema jurídico um
conjunto mais ou menos extenso de legislações nacionais
unidas por uma comunidade de origem, de fontes, de
concepções fundamentais, de métodos ou de processos de
desenvolvimento. Tem-se feito, a este propósito, uma
comparação com o domínio das religiões em que, por
exemplo, o Cristianismo, o Islamísmo ou o Budismo
(entendidos no sentido amplo do termo «religioso»)
comportam uma unidade essencial, não obstante as
diferenças que se encontram entre as religiões (no sentido
estrito), as seitas, ou os cultos que podem existir no

22
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

interior de cada uma delas.” (Utilité et Méthodes cit. pág.


42).

14. É, no mínimo, duvidoso que a noção de sistema jurídico em direito


comparado tenha de ser a noção ampla propugnada por MARC ANCEL.
À semelhança de outros autores portugueses, tendemos a usar a
expressão sistema jurídico como sinónimo de ordem jurídica ou ordenamento
jurídico, utilizando em sentido amplo a expressão família de direito.
É indispensável, porém, estar prevenido quanto às diferentes
acepções do conceito de sistema jurídico.
b) O objecto do Direito Comparado – a macro-comparação
(comparação de ordens jurídicas ou de sistemas globalmente
considerados) e a micro-comparação (comparação de regras,
normas ou institutos jurídicos de diferentes ordens jurídicas).

15. ZWEIGERT e KÖTZ escrevem no seu bem conhecido Manual:


“Os comparatistas comparam os sistemas jurídicos de
diferentes nações. Tal pode ser feito numa escala ampla
ou mais limitada. Comparar o espírito e estilo de
diferentes sistemas jurídicos, os métodos de pensamento e
os processo que usam, é, por vezes, designado como
macro-comparação. Aqui, em vez de nos concentrarmos
em problemas individuais concretos e nas suas soluções, a
investigação é feita no que toca aos métodos de utilizar
materiais jurídicos, aos processos para resolver e decidir
litígios, ou ao papel dos que se dedicam ao direito. Por
exemplo, podem-se comparar diferentes técnicas de
legislação, estilos de codificação e métodos de
interpretação de leis escritas e discutir a autoridade dos
precedentes, a contribuição dada pelos professores
universitários para o desenvolvimento do direito e dos
diferentes estilos de decisão judicial. Aqui podemos
também estudar os diferentes modos de resolver conflitos
adoptados pelos diferentes sistemas jurídicos, e
interrogarmo-nos sobre o seu grau de efectividade real.
Pode dirigir-se a atenção para os tribunais estaduais
23
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

oficiais: como é tratada a questão da divisão, entre juízes


e advogados, das tarefas de provar os factos e de
determinar o direito? Qual o papel dos juizes não togados
(lay judges) nos processos civis ou criminais? Quais as
soluções especiais, se as houver, para as pequenas
demandas? Mas não devemos confinar o nosso estudo aos
tribunais do Estado e aos seus juízes. Os comparatistas
têm um campo muito promissor no estudo das diferentes
pessoas que se dedicam à vida do direito, perguntando o
que fazem, como fazem e por que razão o fazem. Em
primeiro lugar, dever-se-á olhar para os juizes e os
advogados, as pessoas, seja qual for a respectiva
designação, que aplicam o direito ou dão consultas sobre
o mesmo, em qualquer sistema. Mas também pode ser
proveitoso comparar outras pessoas que estão envolvidas
na vida do direito, tais como os juristas que, nos
Ministérios e nos Parlamentos, trabalham na preparação
da legislação futura, os notários, os peritos que
comparecem em tribunal, os reguladores de sinistros das
companhias de seguros e, no final mas não menos
importantes, os que ensinam direito nas universidades.
A micro-comparação, por contraste, tem a ver com
instituições jurídicas especificas, isto é, com as regras
utilizadas para resolver problemas reais ou concretos
conflitos de interesses. Quando é responsável o produtor
pelos danos causados a um consumidor por bens
defeituosos? Que regras determinam a imputação de
prejuízos no caso de acidentes de trânsito? Que factores
são relevantes para determinar a guarda dos filhos nos
casos de divórcio? Se um filho ilegítimo é deserdado pelo
pai ou pela mãe, que direitos tem? É infindável a lista de
exemplos possíveis.
A linha divisória entre macro-comparação e micro-
comparação é confessadamente flexível. De facto, temos
frequentemente de fazer as duas ao mesmo tempo, porque
temos de estudar os processos através dos quais as regras
são de facto aplicadas, de forma a compreender por que
razão um sistema estrangeiro resolve um problema
concreto do modo como o faz “(An Introduction to
Comparative Law cit. págs. 4-5).

24
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

16. A distinção entre macro-comparação e micro-comparação foi


também acolhida por CONSTANTINESCO.
Esta autor considerou, no 1º vol. da sua obra, que a micro-
comparação é “a aproximação comparativa de regras ou de instituições
jurídicas que pertencem a ordens jurídicas diferentes”. Equipara a micro-
comparação a um exame jurídico microscópico “tendente a revelar a
estrutura e a função de células jurídicas elementares”.
Na sua visão das coisas, a micro-comparação é uma aplicação do
método comparativo ao direito:
“Na escala microscópica de observação, as células
jurídicas não possuem verdadeira estrutura própria e, por
consequência, nem especificidade nem autonomia. Não é
de modo algum surpreendente que, utilizado unicamente
nesta perspectiva e para este género de análise
microscópica, o método comparativo só tenha podido
revelar entre as ordens jurídicas diferenças de ordem
técnica, logo sem grande alcance. Limitada à micro-
análise, a micro-comparação só pode revelar uma
infinidade de micro-resultados “(Traité, 1º vol., pág. 209,
sublinhado acrescentado).

CONSTANTINESCO recorre às ciências exactas e cita o cientista


HENRI POINCARÉ, o qual colocara no princípio do século XX, em 1906, a
seguinte pergunta aos naturalistas:
“Um naturalista que só tivesse estudado um elefante ao
microscópio poderia julgar que conhecia suficientemente
esse animal?”.

E continua CONSTANTINESCO, na linha do exemplo do estudo do


elefante pelos naturalistas:
“Como no exemplo acabado de citar, é ao passar da
micro-comparação à macro-comparação, única escala
capaz de revelar as estruturas características e as
morfologias específicas, que se pode captar a realidade
jurídica. Só a macro-comparação pode fazer ressaltar as

25
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

verdadeiras características das ordens jurídicas. O objecto


de investigação na Ciência dos Direitos Comparados não
deve ser um micro-facto ou um elemento jurídico isolado,
mas as estruturas fundamentais das ordens jurídicas
estudadas. Estas são as estruturas determinantes das
ordens jurídicas, compreendidas enquanto entidades
globais, e dos sistemas jurídicos, enquanto grandes
unidades tipológicas irredutíveis , que englobam várias
ordens jurídicas. O fim da comparação aqui é o descobrir
os elementos que caracterizam as ordens jurídicas, isto é,
as estruturas determinantes que formam o núcleo central
das ordens jurídicas” (Traité, 1º vol. , pág. 210. Chama-se
a atenção para o sentido em que CONSTANTINESCO
usa a expressão sistema jurídico, em contraposição à de
ordem jurídica).

17. A distinção entre micro-comparação e macro-comparação aparece


num artigo científico de CONSTANTINESCO escrito em 1967. Este autor
afirma que se deve a RENÉ DAVID a distinção entre micro-comparação e
macro-comparação (cfr. RODOLFO SACCO, Introduzione al diritto
comparato, Turim, UTET, 1992, págs. 23 e 24, em especial nota 43).
A verdade é que esta distinção é também acolhida por MAX
RHEINSTEIN no seu ensino. Na sua Introdução ao Direito Comparado,
publicada em 1974 por REINER VON BORRIES, escreve este comparatista
alemão radicado nos Estados Unidos:
“A Ciência Jurídica funcional pode ser concebida como
micro-comparação e como macro-comparação. Enquanto
que a macro-comparação se ocupa dos sistemas jurídicos
e dos círculos jurídicos (Rechtskreisen) na globalidade, a
micro-comparação tem a ver com normas jurídicas e com
institutos jurídicos especiais. As fronteiras entre a micro-
comparação e a macro-comparação são fugidias, antes de
mais quando se trata dos princípios do processo judicial e
dos métodos do pensamento jurídico.” (Einführung in die
Rechtsvergleichung, C.H. BECK, Munique, 1974, pág.
31).

26
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

E MICHAEL BOGDAN acolhe recentemente tal dicotomia (cfr.


Comparative Law cit., pág. 57-58).
18. As distinções entre micro-comparação e macro-comparação foram
aceites pela doutrina portuguesa (ISABEL MAGALHÃES COLLAÇO;
CASTRO MENDES; FERREIRA DE ALMEIDA).
Como refere RUI PINTO DUARTE.
“A comparação tanto pode incidir sobre sistemas
jurídicos considerados em globo como sobre fracções
deles; generalizam-se as expressões «macro-comparação«
e «micro-comparação» para designar estas duas vertentes
do Direito Comparado (...), havendo, porém, que chamar
a atenção para que a distinção tem zonas cinzentas; não
só a macro-comparação engloba micro-comparações,
como estas pressupõem a localização dos institutos a
comparar adentro dos respectivos sistemas, como, ainda,
são possíveis certas comparações que parecem fugir a um
fácil encaixe num destes tipos (F.C. SCHROEDER (...)
usou «meso-comparação» para referir a comparação de
ramos de Direito e também se poderia, por exemplo, usar
«mega-comparação» para referir a comparação de
famílias de Direitos)” (Uma Introdução ao Direito
Comparado, 1999/2000, texto editado nesta Faculdade,
págs. 5-6).

a) A macro-comparação e as grandes Famílias de


Direitos
19. A consideração das ordens ou sistemas jurídicos globalmente
considerados permite a sua comparação enquanto unidades complexas de
normas jurídicas e de instituições jurídicas.
Através da macro-comparação é possível classificar os diferentes
sistemas ou ordens jurídicas em famílias de Direitos.
Como referem RENÉ DAVID e CAMILLE JAUFFRET SPINOSI:
“A diversidade dos direitos é infinita, se considerarmos a
letra e o conteúdo das suas regras; é menor, em
contrapartida, se encararmos os elementos, mais

27
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

fundamentais e mais estáveis, com a ajuda dos quais


podemos descobrir as regras, interpretá-las, e precisar o
respectivo valor. As regras podem ser infinitamente
variadas; as técnicas que servem para enunciá-las, a
maneira de as classificar, os modos de raciocínio
utilizados para as interpretar reconduzem-se, pelo
contrário, a certos tipos que se encontram em número
limitado. É possível, por isso, agrupar os diferentes
direitos em «famílias», do mesmo modo que nas outras
ciências – desprezando diferenças secundárias – se
reconhece a existência de famílias no domínio das
religiões (cristianismo, islamismo, hinduísmo, etc.), da
linguística (línguas românicas, eslavas, semitas, nilóticas,
etc) ou das ciências naturais (mamíferos, répteis, aves,
batráquios, etc.).” (Les Grands Systèmes cit, pág. 15).

Vamos considerar apenas dois grandes grupos ou famílias de


Direitos no nosso estudo: a família romano-germânica (onde se inclui o
direito português, sendo certo que há autores que falam de direitos
continentais ou, na terminologia inglesa, de civil law systems; deve notar-se
que há autores que negam a existência de uma família única, distinguindo
antes os direitos de matriz francesa, os direitos de matriz germânica e os
direitos nórdicos) e a família dos direitos anglo-americanos (família da
common law, também chamada anglo-saxónica). Importa referir que, de um
modo geral, deixou de falar-se de uma família de direitos socialistas, a partir
da implosão da União Soviética e das alterações políticas na Europa Central
após a queda do Muro de Berlim (1989). Em rigor, poder-se-á dizer que o
direito cubano ainda é um direito dessa família, ao passo que o direito da
República Popular da China constitui um sistema sui generis, em evolução
acentuada, nomeadamente a partir das alterações legais da última década
(remodelação do direito das sociedades, do direito do investimento
estrangeiro e do direito dos valores mobiliários). Esta evolução culminou nas

28
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

alterações constitucionais de Março de 2004 , aprovadas pelo Congresso


Nacional do Povo em Pequim, onde, pela primeira vez desde a Revolução de
1949, se reconhece a garantia da propriedade privada de empresas e de casas
particulares (cfr. Jornal “Público” de 15 de Março de 2004, pág. 24).
20. Adiante veremos quais as classificações de sistemas ou ordens
jurídicas que têm sido sufragadas pelos comparatistas.
21. Sobre estas matérias sugere-se a leitura de :
- J. CASTRO MENDES – Direito Comparado (nos 1, 2 e 3)
- C. FERREIRA DE ALMEIDA – Introdução (nos 1, 2, 3, e 4)
- C. FERREIRA DE ALMEIDA – Direito Comparado (n.º 61)

2. O Direito Comparado e as outras disciplinas jurídicas. As fronteiras


respectivas
a) O Direito Comparado e os estudos de direito
estrangeiro
1. É cada vez mais frequente que os juristas formados em universidades
de certo país se ocupem com o estudo de direitos estrangeiros, frequentando
universidades estrangeiras ou exercendo funções profissionais em
organismos ou escritórios de advocacia estrangeiros.
Dada a importância de que se revestem as relações económicas com
diferentes países, é inevitável que os advogados de empresas dedicadas ao
comércio internacional acabem por ocupar-se com direitos estrangeiros. A
apetência por estudos de direito inglês e norte-americano é sentida em
múltiplos países do mundo.
Todavia, o estudo de um direito estrangeiro não se confunde com o
Direito Comparado.
Como escreve um comparatista italiano, GINO GORLA:
“Mas também quando estudamos o direito «estrangeiro»
tendo em vista a comparação com o «não estrangeiro»,
29
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

isto é, o direito vigente na sociedade em que vivemos e


que, para se entender, designaremos como o direito
«pátrio» (nostrano) (...), neste caso ainda o estudo do
direito estrangeiro não se confunde com o direito
comparado, ou comparação do direito:
a) antes de mais, a colocação como objecto de estudo
para fins comparatísticos do direito estrangeiro
circunscreve o âmbito dos interesses, dos problemas e, em
certo sentido, também dos métodos da comparação. E no
pressuposto latente e não descoberto de que o direito
comparado é um processo que vai do conhecido ao
desconhecido, onde o conhecido seria par excellence o
direito pátrio, tal acaba por limitar o próprio conceito de
direito comparado, e consequentemente, por falseá-lo,
trocando uma parte pelo todo.
Verdadeiramente a comparação pode fazer-se, isto é,
pode revestir-se de interesse, também entre dois direitos
estrangeiros ou, por assim dizer, desconhecidos e tornados
conhecidos para se operar a comparação, como o direito
romano clássico e a common law inglesa dos séculos XII-
XV (direitos estes que também se pode supor que não são
ainda conhecidos por quem pretende fazer a comparação).
É normal, no caso da comparação entre o direito pátrio
e o direito estrangeiro, que o direito pátrio, enquanto
direito em que se vive e com o qual se opera, seja
conhecido muito melhor que os dois direitos estrangeiros
acima mencionados ou que o próprio direito romano. O
que dará à comparação um interesse, um tom e também
um método particular (sendo perigoso fazê-lo aparecer
como geral!)
Portanto, o termo «direito estrangeiro» vai ser
substituído pelo termo «direito (ainda) não conhecido», no
pressuposto de que o outro direito a comparar seja já, mais
ou menos, conhecido.
b) Mas mesmo com esta correcção, o estudo (com a
finalidade de comparação) do direito estrangeiro,
entendido como direito ainda não conhecido, não se
confunde com a actividade de comparação.
Tal estudo representa ainda um meio em relação ao
fim: a verdadeira comparação só pode ocorrer depois de se
conhecer o direito não conhecido (que o seja, pelo menos,
30
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

de forma suficiente em relação aos problemas


comparativos, limitados, que se vão colocando passo a
passo e que é bom que sejam assim limitados ou
graduais).
Aqui se encontra o drama ou a suma ambiguidade do
que se entende ou se faz sob o nome de direito
comparado” (Voce Diritto Comparato, in Enciclopedia del
Diritto, vol. XII, Giuffrè, Varese, 1964, págs. 930-931;
deve notar-se que o autor se ocupa em especial da micro-
comparação e admite como actividade comparativa
própria do direito comparado a comparação histórica, no
plano diacrónico, entre direitos já não vigentes, como
sejam o direito romano clássico e a common law
medieval).

MARC ANCEL, por seu turno, nota que a distinção entre direito
comparado e direito estrangeiro era clássica mesmo antes de 1900. Tal não
significa, porém, que essa distinção seja sempre clara:
“Na sua essência, impõe-se a distinção, senão a oposição,
do estudo do direito estrangeiro e do estudo jurídico
comparativo. Como sublinhou Sauser-Hall, o direito
comparado vai além do estudo e da descrição das leis
estrangeiras. A vulgarização do direito estrangeiro é útil,
mas «não se deve confundir justaposição e comparação»,
tal como, conforme observa o grande comparatista suíço,
o conhecimento de diversas línguas não constitui a
linguística comparada. Quase na mesma época, von Liszt,
no prefácio à grande colectânea consagrada ao direito
penal dos povos europeus, opunha já os estudos de direito
comparado que visavam o conhecimento de uma ou várias
legislações penais e o direito comparado ou «legislação
penal comparada», que devia procurar operar a respectiva
síntese a fim de extrair os pontos comuns que existem
entre as diferentes legislações estudadas(...).
Acresce que, como vimos, um estudo sério do direito
estrangeiro, objectivo e tão completo quanto possível, é
indispensável antes de toda e qualquer comparação
propriamente dita. Há aí, seguramente, uma verdade
evidente, mas que é, por vezes, perdida de vista; e não nos
devemos esquecer dos erros ou das aproximações
apressadas que se fizeram em estudos que se queriam de
31
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

comparação, isto é, horizontais, sem um estudo vertical


prévio e suficiente.” (Utilité et Méthodes cit., págs. 89-
90).

2. Importará acentuar que, por exemplo, um jurista português poderá


estudar um direito estrangeiro, sem pretender comparar esse direito com o
direito português, ainda que essa actividade de comparação acabe por surgir à
medida que se estuda o “direito desconhecido”. O Direito Comparado
pressupõe sempre o conhecimento de direitos estrangeiros, embora não se
confunda com esse conhecimento.
b) O Direito Comparado e as suas relações com outras
disciplinas jurídicas
3. Na vasta gama de disciplinas que se ocupam do fenómeno jurídico
surgem-nos várias que mantêm relações estreitas com o Direito Comparado.
Comecemos pela História do Direito.
4. Um dos pais fundadores do Direito Comparado, EDOUARD
LAMBERT, considerava que o Direito Comparado era composto por dois
ramos distintos, a História Comparativa, por um lado, e a Legislação
Comparada, por outro.
Na mesma linha, JOSEPH KOHLER sustentava, em 1915, que a
História Universal do Direito era frequentemente apelidada de Ciência do
Direito Comparado, considerando que se tratava de uma disciplina que tinha
como finalidade estudar, na medida do possível, o direito de todos os povos
vivos ou mortos, não somente enquanto ordem jurídica objectiva ou positiva,
mas também enquanto realização da ordem jurídica (enquanto reflexo da
ordem profunda das coisas e das suas relações). A História Universal do
Direito seria tão vasta quanto a história do espírito humano.

32
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

Este ponto de vista abrangente, que fazia reconduzir ao Direito


Comparado a análise diacrónica de direitos diversos (no exemplo de GORLA
citado, o estudo comparado do direito clássico romano e da common law
inglesa dos séculos XII-XV), e também a análise sincrónica entre direitos
contemporâneos, tem sido abandonada.
Todavia, ZWEIGERT e KÖTZ notam que toda a história jurídica
envolve sempre um elemento de comparação, já que o jurista historiador
parte sempre do conhecimento do direito actual, vigente na sua ordem
jurídica de origem:
“A história jurídica e o direito comparado têm muitos
pontos em comum: podem variar os pontos de vista sobre
qual destes irmãos gémeos é o mais atractivo, mas não há
dúvida de que o historiador jurídico deve frequentemente
usar o método comparativo e de que o comparatista, se
quiser compreender as regras e os problemas que aquelas
regras querem resolver, tem de frequentemente investigar
a respectiva história” (An Introduction cit., pág. 8)
Seja como for, o Direito Comparado toma como ponto de partida um
plano sincrónico, estudando diferentes ordenamentos jurídicos vigentes no
presente, embora recorra à história do direito para a compreensão cabal dos
institutos jurídicos desses ordenamentos.
5. O Direito Comparado mantém igualmente relações estreitas com a
Sociologia do Direito.
Como escreve JEAN CARBONNIER:
“A sociologia do direito ou sociologia jurídica pode
definir-se como um ramo da sociologia em geral –
digamos, por uma nova convenção, da sociologia geral. É
um ramo da sociologia geral ao mesmo título que, por
exemplo, a sociologia económica, a sociologia do
conhecimento ou a sociologia da educação. É o ramo da
sociologia geral que tem por objecto uma variedade de
fenómenos sociais: os fenómenos jurídicos ou fenómenos
do direito. A palavra fenómeno é essencial: marca de
imediato a intenção de se restringir às aparências, de

33
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

renunciar a atingir as essências. Mas trata-se de


fenómenos jurídicos.
Existindo o direito apenas para a sociedade, pode
admitir-se que todos os fenómenos jurídicos são, de uma
certa maneira pelo menos, fenómenos sociais. Mas a
inversa não é verdadeira: nem todos os fenómenos sociais
são fenómenos jurídicos. Existe um social não jurídico,
formado por aquilo que se designa como fenómenos de
costumes (...)”
(Sociologie Juridique, Paris, Armand Collin, 1972, pág.
16).

O mesmo autor nota que o carácter de exterioridade que é utilizado


para contrapor a sociologia jurídica à dogmática jurídica parece encontrar-se
em duas disciplinas auxiliares estudadas nas faculdades de direito: a História
do Direito (nomeadamente, a História do Direito Romano) e o Direito
Comparado:
“Os historiadores do direito, tal como os comparatistas,
estudam sistemas jurídicos em que não participam. A
circunstância de esses sistemas se situarem no passado ou
no estrangeiro é acessória. Se a sociologia jurídica, em
cada país, trabalha frequentemente sobre o direito nacional
em vigor não faz dele o seu objecto exclusivo. Prolonga a
sua investigação até aos direitos do passado e aos direitos
estrangeiros”. (Sociologie cit., pág. 23)
ZWEIGERT e KÖTZ referem-se às lições que a Sociologia do
Direito e o Direito Comparado podem dar.
A Sociologia jurídica considera que, se num certo sector da
experiência encarada – como nas ciências da natureza com a técnica do
“grupo de controle” utilizada na experimentação – dois sistemas jurídicos
tiverem regras diferentes e se se conseguir demonstrar que os factos sociais
relevantes nesses países também são diferentes, então tal pode apontar para a
hipótese de que os factos sociais e as regras jurídicas estão causalmente
ligados.
34
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

E acrescentam estes autores alemães:


“Se a sociologia comparativa do direito pode utilizar a
experiência e as descobertas do direito comparado, os
comparatistas têm indubitavelmente muito a aprender com
os sociólogos do direito. Tal é importante, em primeiro
lugar, para aquilo que se pode chamar a definição do
problema. Os comparatistas sabem há muito tempo que só
podem ser proveitosamente comparadas as regras que
desempenham a mesma função e se dirigem ao mesmo
problema ou conflito de interesses real. Também sabem
que devem desprender-se dos seus próprios preconceitos
doutrinais e jurídicos e libertar-se do seu próprio contexto
cultural para descobrir conceitos «neutros» com que
possam descrever tais problemas ou conflitos de interesses
(...)”
É neste contexto que se diz que o comparatista não deve ater-se
apenas à law in books (direito que decorre dos textos escritos) mas sobretudo
à law in action (direito efectivamente aplicado em determinado
ordenamento).
6. Igualmente os estudos de Direito Comparado têm-se cruzado
frequentemente com os estudos de Etnologia Jurídica e de Antropologia
Jurídica.
A Etnologia Jurídica destacou-se da Sociologia Jurídica.
Segundo JEAN CARBONNIER, a Etnologia Jurídica tem a ver com
os direitos primitivos ou direitos arcaicos. Segundo ele, uma regra ou uma
instituição jurídica é considerada arcaica quando se traduz num estádio de
evolução do direito que já foi ultrapassado pela sociedade actual há muito
tempo. Tal não exclui que possa ainda encontrar-se uma regra arcaica que
vigore como direito efectivo de uma ou outra etnia do planeta (povos
primitivos actuais).
Os direitos arcaicos surgem em situações em que os povos vivem
numa fase anterior à escrita (preliterate), em que as respectivas estruturas
psicológicas se distinguem radicalmente das do homem actual. Adaptando a
35
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

teorização de LUCIEN LÉVY-BRUHL sobre a mentalidade primitiva,


caracterizada por ser pré-lógica, mística e mágica, é possível contrapor os
direitos modernos, definidos pela sua racionalidade, aos direitos primitivos,
essencialmente pré-lógicos.
Escreve JEAN CARBONNIER:
«A existência de uma mentalidade jurídica primitiva está
atestada por numerosos factos. A ausência do princípio da
identidade explica, por exemplo (podendo o mesmo
objecto ser simultaneamente ele próprio e um outro) a
dificuldade sentida pelo primitivo para compreender a
alienação como uma ruptura clara das relações entre a
pessoa que aliena a coisa e esta última. Correlativamente,
a lei da participação traduz-se por uma concepção da
propriedade em que o bem possuído participa da
personalidade de quem o possui (...). Dum modo ainda
mais visível, os esquemas de causalidade indeterminada,
difusa, antropomórfica, estão na raiz de um sistema de
responsabilidade em que a repressão se exerce
indiferentemente sobre os homens e os animais, sobre o
autor do acto e os seus parentes ou vizinhos, ao mesmo
tempo que estão na base de um sistema de prova judiciária
– as ordálias – no qual fenómenos naturais são
reconduzidos à acção de um juiz sobrenatural” (Sociologie
cit., pág. 31)
A Antropologia Jurídica é uma ciência que se confunde
frequentemente com a Etnologia Jurídica. A Antropologia é, de um ponto de
vista literal, a ciência do anthropos, do homem enquanto género, o género
humano na série animal.
Não obstante as várias concepções da Antropologia jurídica (uma
que reconduz a ciência em causa à biologia, tendo por objecto as causas e os
efeitos do direito que têm relação com a natureza biológica do homem; outra
que se preocupa com o fundo natural que preexiste aos contributos culturais
que inspiram as regras jurídicas), pode considerar-se que esta ciência se

36
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

ocupa do homo iuridicus, do homem enquanto ser naturalmente jurídico,


capaz de viver numa sociedade organizada. (cfr. Voc. Anthropologie
Juridique da autoria de ANDRÉ-JEAN ARNAUD, in Dictionnaire
encyclopédique de théorie et de sociologie du droit, Paris, LGDJ, 2.ª ed.,
1993, págs. 34-35)
Ora, historicamente, o Direito Comparado procurou, em certa fase da
sua vida, uma explicação para a evolução dos diferentes direitos,
influenciado por certas teorias que surgiam na zoologia (por exemplo, o
transformismo de JEAN-BAPTISTE DE LAMARCK). A obra de POST,
publicada em 1880, influenciou fortemente o historiador e comparatista
JOSEPH KOHLER:
“A obra de Post (...), criador da etnologia jurídica bem
como desta expressão, é decisiva para a sua orientação
futura. Através do emprego do método comparativo,
propõe-se fundar a ciência jurídica na base da experiência
e de a tratar como uma ciência natural. Adversário do
direito natural, bem como de todo o direito elaborado de
modo especulativo, Post concebe o direito como um
reflexo da evolução etnológica, atravessando diversos
estádios. Estavam assim colocados os fundamentos para a
subordinação da história às leis da evolução e a divisão da
história em estádios de evolução” (CONSTANTINESCO,
Traité, I, págs. 115-116).
Em Inglaterra, Sir HENRY SUMMER MAINE estuda a etnologia
jurídica e fala, a partir de 1861, de Comparative Jurisprudence. Dedica o seu
estudo à comparação do ordenamento da Índia do Norte, no século XIX, com
as comunas feudais e pré-feudais do Ocidente, embora afirme que o Direito
Comparado não visa ilustrar a história do direito.
“HENRY MAINE insistiu no facto de que, através da
comparação, nos libertamos duma concepção limitada do
mundo e que adquirimos uma ideia adequada à imensidão
e à variedade das sociedades humanas (...). Nos seus
trabalhos (...), combinou cada vez mais a observação
directa e comparativa dos direitos actuais com a pesquisa

37
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

histórica: fez reviver e corrigir o método histórico pelo


comparativo. Isso permitiu-lhe extrair grandes similitudes
entre o antigo direito de propriedade e da posse do
domínio útil (tenure) com o direito feudal europeu. Ao
fazer história e etnologia comparada, esclareceu que a
origem da propriedade era colectiva, que se passa do
status ao contractus, que o direito sucessório deriva da
propriedade, etc.” (CONSTANTINESCO, Traité, I, pág.
118).
A obra de MAINE teve grande influência igualmente sobre KARL
MARX, o qual procurou ilustrar algumas das suas teses filosóficas com
recurso à comparação de certos institutos jurídicos em diferentes
ordenamentos (crédito hipotecário; arrendamentos; evolução da família).
Todavia, a descrença na descoberta das leis de evolução das
sociedades humanas acabou por afastar o Direito Comparado da Etnologia
Jurídica.
7. O Direito Comparado mantém relações de proximidade com a Filosofia
do Direito e a Teoria Geral do Direito.
BLAISE PASCAL, o filósofo autor da obra Pensées (publicada
postumamente em 1670), deu conta, no século XVII, das dificuldades de
entendimento das variações de soluções jurídicas em diferentes países.
Escrevia ele que dificilmente se poderia explicar e admitir
“que o justo e o injusto mudem de qualidade ao mudarem
de clima, que três graus de elevação do polo deitem
abaixo a jurisprudência, que um meridiano decida da
verdade?... Justiça travessa que um rio ou uma montanha
limita! Verdade aquém dos Pirinéus, erro além destes!”
E, já no século XIX, um jurista alemão, KIRCHMANN, pronunciou
uma frase célebre numa conferência realizada sobre a falta de valor da
jurisprudência:
“Três palavras rectificadoras do legislador convertem
bibliotecas inteiras em lixo”.

38
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

O filósofo do Direito, formado num determinado sistema, carece de


informação sobre outros sistemas jurídicos passados ou presentes, na sua
especulação sobre o fenómeno jurídico.
GUSTAV RADBRUCH começava assim a indicar o objecto da
Filosofia do Direito:
“A Filosofia do Direito é uma parte da Filosofia. Torna-se
por isso indispensável, antes de tudo, indicar os
pressupostos filosóficos gerais da Filosofia do Direito (...)
Entre os dados da experiência, no meio da matéria
informe das nossas vivências, «realidade» e «valor»
aparecem-nos caoticamente baralhados e confundidos.
Temos vivências de homens e coisas carregadas ou
saturadas duma ideia de valor ou de desvalor (valores
positivos ou negativos) que lhes associamos e todavia não
nos lembramos de que esse valor ou desvalor dependem
de nós, provêm de nós, e não das próprias coisas ou dos
próprios homens em si mesmos. A nobreza dum homem
resplandece na sua fisionomia, como se fora um nimbo
(...)” (Filosofia do Direito, 6.ª ed., trad. Portuguesa de L.
Cabral de Moncada, Coimbra, 1979, Américo Amado ed.,
págs. 39-40).

E, mais à frente, RADBRUCH referia-se a três maneiras por que se


podia encarar o direito:
“A primeira é a própria da atitude que refere as realidades
jurídicas aos valores (Wertbeziehend), considerando o
direito como facto cultural, é esta a atitude essencial da
Ciência do Direito. A segunda é a da atitude valorativa
(Bewertend) que considera o direito como um valor de
cultura; é esta a atitude essencial da Filosofia do Direito. E
finalmente é a terceira a atitude superadora dos valores
(Wertüberwindend) que considera o direito na sua
essência, ou como não dotado de essência; e é esta a
atitude ou o tema da Filosofia religiosa do direito (...)”
(Filosofia, pág. 46)
É curioso que RADBRUCH traça, num apenso à sua Filosofia do
Direito datado de 1947, as relações da Filosofia do Direito com o Direito

39
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

Comparado, aproximando esta disciplina da História Universal do Direito,


teorizada no princípio do século XX por JOSEPH KOHLER:
“II – Se a História do direito tem por objecto a sucessão
cronológica dos fenómenos jurídicos, a investigação
comparativista tem por objecto a simultaneidade das
diferentes ordens jurídicas nacionais ou dos diferentes
direitos positivos nacionais. As mais das vezes, esta
comparação dos direitos dos povos civilizados uns com os
outros é feita com intuitos de uma política do direito (cfr.
a obra monumental em 15 volumes, Vergleichende
Darstellung des deutschen und ausländischen Strafrechts –
trabalho preparatório para a reforma do direito penal
alemão). Outras vezes, quando os estudos comparativos
recaem sobre o direito dos povos primitivos
(jurisprudência etnológica), tais estudos têm então
simultaneamente o fim de construir a pré-história da
evolução jurídica das nações civilizadas a partir dessas
situações jurídicas primitivas: o comparativismo vai então
desembocar na História universal do direito (...) [são
citadas as obras de MONTESQUIEU, H. SUMNER
MAINE, FEUERBACH e JOSEPH KOHLER].
III A História universal do Direito crê poder fixar
determinados tipos de evolução jurídica universal, entre os
quais devem destacar-se os seguintes:
1 – Do comunismo originário até ao aparecimento da
propriedade privada;
2 – Do matriarcado até á família patriarcal, bem como da
endogamia à exogamia (roubo e compra de mulher) e
ainda da poligamia à monogamia (BACHHOFEN, Fr.
ENGELS, A. BEBEL);
3 – Do status ao contractus (H. SUMNER MAINE), isto é,
de uma ordem jurídica fundada em classes para uma
ordem jurídica fundada no contrato livre, ou seja, na
vontade livre dos membros da sociedade;
4 – Da comunidade (Gemeinschaft) para a sociedade
(Gesellschaft)(TÖNNIES), isto é, das formas totalitárias e
orgânicas para as formas individualistas e atomísticas da
vida social;
5 – Da evolução do direito criminal da vindicta privada
para a fase das penas públicas (...).
40
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

A História universal do direito também foi concebida


como filosofia do Direito (cfr. KOHLER e o seu
falsamente chamado neo-hegelianismo)” (Filosofia do
Direito cit., pág. 398-400).

8. Para além das relações estreitas entre a Filosofia do Direito e o Direito


Comparado, não poderá deixar de notar-se que esta disciplina também
mantém relações estreitas com a Teoria Geral do Direito, entendendo por esta
expressão um ramo científico do saber de tendência prática, na medida em
que essa Teoria visa, em última análise, a aplicação prática da norma
jurídica. O Direito comparado fornece exemplos necessários sobre a
variedade de fontes de direito que pode ser alcançada pelo estudo dos
ordenamentos típicos das diferentes famílias de direitos.
Convirá, porém, alertar para a complexidade dos problemas que
rodeiam a qualificação como científica da chamada ciência do direito.
Importa chamar a atenção para este texto de ULFRID NEUMANN:
“A discussão sobre o carácter científico da ciência jurídica
orientou-se inicialmente pelo conceito aristotélico de
ciência. Segundo Aristóteles, a ciência (episteme, scientia)
é um conhecimento metódico do ente a partir dos seus
princípios. Elementos constitutivos desse conceito de
ciência são, pois, a existência e a inalterabilidade do
objecto. A ciência jurídica só pode corresponder a esse
conceito desde que parta da ideia de uma ordem
estabelecida de princípios jurídicos invariáveis. Desde que
se ocupe de ordens jurídicas que estão sujeitas à variação
histórica, ela só pode ser concebida como arte (tecne, ars)
ou como prudência (phronesis, prudentia) (...).
É ainda o critério aristotélico de ciência que soa, quando
Julius von Kirchmann põe em dúvida o carácter científico
da ciência jurídica como uma disciplina que «faz do
ocasional o seu objecto» (...). As tentativas para proteger
(...) o carácter científico da ciência jurídica, com a
referência à constância de certos problemas no domínio do
social ou a «estruturas condicionadas por uma lógica
material», tomam em consideração apenas «um» aspecto
da ciência jurídica” (Introdução à Filosofia do Direito e à
41
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

Teoria do Direito Contemporâneo, organizada por A.


Kaufmann e W. Hassemer, trad. Portuguesa, F. C.
Gulbenkian. 2002, págs. 464-465).

Todavia, a ciência jurídica, na vertente da dogmática jurídica, tem


como objectivo a elaboração de regras jurídicas não existentes, o que lhe
confere um carácter distintivo. Mas através do seu método, a dogmática
acaba por se revestir de um carácter científico, como tem sido posto em
relevo pela teoria científica analítica.
Seja como for, o Direito comparado pode fornecer um vasto conjunto
de dados e de informações comparativas que permite o desenvolvimento da
ciência jurídica.
c) O Direito Comparado e o Direito Internacional Público, o
Direito Internacional Privado e o Direito Comunitário
9. O Direito Comparado mantém contactos estreitos com certos ramos do
Direito. Comecemos pelas relações com o Direito Internacional Público:

SCHWARZ-LIEBERMANN von WHALENDORF escreve:


“Existe um elo profundo entre o «direito das gentes», ius
gentium, entendido como direito dos povos, e o «direito
das gentes», ius gentium, entendido como direito
internacional publico. Este dado fundamental basta, por si
só, para explicar a importância capital, essencial no
sentido estrito do termo, do direito comparado, e do
direito privado comparado nomeadamente, para o direito
internacional público” (Droit Comparé – Théorie générale
et Principes, Paris, LGDJ, 1978, pág. 81).
E, mais à frente, este comparatista escreve:
“A própria ideia de «fundo comum legislativo» recebeu, a
seu modo, consagração graças ao célebre artigo 38.º (1c)
do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça
(designado, entre as duas Guerras, Tribunal Permanente
de Justiça Internacional). A fórmula de «princípios gerais
reconhecidos pelas nações civilizadas» pressupõe a ideia
42
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

de uma comunidade fundamental, de um «direito natural


concreto» de aplicação geral. A fórmula em questão
apenas implica uma ideia dada, para entrar no quadro de
definição, que se deve manifestar em todas as ordens
jurídicas; mas, como referiu Lauterpacht, a introdução
desta fórmula é destinada a garantir que o juiz
internacional não se abandone a uma inspiração que só se
baseia no seu próprio direito.
Um dos grandes domínios, por último, em que o «direito
comparado», a análise comparativa, é indispensável ao
direito internacional público é o da interpretação dos
tratados. Questões ligadas à perspectiva da ordem pública,
ou da public policy, são muito frequentes. A interpretação
dessas noções relativamente fluídas, e ao mesmo tempo
essenciais, põe problemas delicados. Não só deve ser
estudada com cuidado a jurisprudência dos países
eventualmente em causa, mas deve ainda ser pesado e
analisado o espírito do direito desses países. Também
frequentemente, os tratados internacionais contêm noções
de direito privado cujo relevo exacto é preciso extrair à luz
das circunstâncias que marcam a conclusão do acordo em
questão. Um tal trabalho pode atingir um grau muito
elevado de tecnicidade. Não esqueçamos, por fim, os
perigos que as cláusulas gerais comportam, as quais,
muito frequentemente e mesmo habitualmente, conhecem
concretizações específicas ao nível nacional (...).
Notemos igualmente que a aproximação comparativa
encontra hoje um terreno de aplicação extremamente
importante em virtude do peso que assume, no momento
actual, a questão dos minimum standards.” (Droit
Comparé cit., pág. 85).

Bastará recordar o exemplo dramático da necessidade de estudar


direitos estrangeiros e de encetar tarefas de comparação de direitos que foi
sentida pelos juristas alemães após a Guerra de 1914-1918, quando a
Alemanha foi obrigada a indemnizar as Potências vencedoras, no quadro das
normas do Tratado de Versalhes (cfr. ZWEIGERT e KÖTZ, An Introduction,
págs. 59-60, que referem o dito de RABEL de que os juristas alemães foram
forçados a abandonar a sua “notável introversão”; sobre a figura de ERNST
43
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

RABEL, professor alemão que veio a radicar-se nos anos trinta na América,
veja-se DAVID J. GARBER, Sculpting the agenda of comparative law: Ernst
Rabel and the facade of language, in Rethinking the Masters of Comparative
Law, ob. colect. editado por ANNELISE RILES, Oxford – Portland Oregon,
Hart Publishing, 2001, pags. 190-208).
10. O Direito Comparado está tradicionalmente ligado ao Direito
Internacional Privado, ou, na linguagem anglo-americana, ao Direito dos
Conflitos de Leis. Mas enquanto o Direito Internacional Privado é um ramo
do direito positivo nacional (cfr. arts. 14.º a 65.º do Código Civil português),
o Direito Comparado é um ramo de saber científico, uma “science pure”, no
dizer de ZWEIGERT e KÖTZ.
“O Direito Internacional Privado diz-nos qual o sistema de
direito, de entre vários sistemas possíveis, que deve ser
aplicado, num caso concreto que tem conexões com o
estrangeiro; contém regras de competência que
determinam qual o direito nacional específico que deve ser
aplicado e qual o que conduziu a tal aplicação. Pode , pois,
dizer-se que o direito internacional privado é mais
selectivo do que comparativo. O Direito Comparado, por
outro lado, lida com diferentes ordens jurídicas ao mesmo
tempo, e fá-lo sem ter em vista qualquer finalidade
prática.” (ZWEIGERT e KÖTZ, An Introduction cit., pág.
6)
O Direito Comparado é muito valioso para o direito internacional
privado, sendo os métodos de ambas as disciplinas parcialmente
coincidentes. A teoria de qualificação em d.i.p. (ou da characterization, na
terminologia anglo-americana) necessária para compreender conceitos como
casamento, contrato, responsabilidade civil, prescrição, etc. que aparecem
nas normas de conflitos dos países do continente europeu ou dos direitos da
common law, começou por partir dos sentidos existentes no chamado direito
do foro (lex fori, direito do país em cujos tribunais se discute um caso com

44
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

elementos de conexão com outras ordens jurídicas), mas acabou por evoluir,
com os estudos de RABEL de ISABEL MAGALHÃES COLLAÇO e
FERRER CORREIA,para um entendimento dado pelo direito comparado,
independentemente de soluções da lex fori. Por exemplo, se em Portugal for
aberta a sucessão de um súbdito inglês que deixou um testamento escrito em
inglês e utilizando a terminologia jurídica inglesa (em que nomeou, por
exemplo, o cônjuge como «life tenant»), importará tentar aproximar, na
interpretação da disposição testamentária, o instituto do direito inglês de um
instituto funcionalmente idêntico no direito português, por exemplo, o
usufruto vitalício (cfr. ZWEIGERT-KÖTZ, An Introduction, págs. 6-7).
11. Por último, importa chamar a atenção para a importância que o Direito
Comparado assume, nos países da União Europeia, na aplicação das normas
de direito comunitário.
Deve notar-se que, na interpretação do Tratado de Roma e dos outros
tratados constitutivos das Comunidades Europeias, a problemática é
semelhante à referida quanto ao Direito Internacional Público, no que
toca às contribuições do Direito comparado. O problema assume
particular acuidade com o novo Tratado Constitucional europeu
assinado em Roma em 29 de Outubro de 2004 e que foi ratificado
com o nome de Tratado de Lisboa, em 13 de Dezembro de 2007..
Também no que toca ao direito derivado, cada vez mais é necessário
valorar o contributo do Direito Comparado:
“Assim, as «recomendações», não obrigatórias mas que
reflectem a existência de necessidades comuns, devem
apoiar-se numa análise comparativa dessas necessidades e
também numa análise das regras e técnicas utilizadas
pelos Estados-Membros no domínio em questão. As
«directivas», por seu lado, favorecem uma diversificação
do direito no que toca às técnicas de execução, porque só
está fixada de forma vinculativa a finalidade a atingir,
enquanto que os Estados-Membros dispõem de uma certa

45
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

liberdade para chegar ao resultado a atingir. Mas, ainda


aqui, a própria fixação da finalidade, a formulação da
directiva, seria penosa sem um trabalho comparativo
quanto às «políticas» dos
Estados-Membros, o que comporta obrigatoriamente a
análise comparativa dessas políticas. Por último, os
«regulamentos» são «direito novo», na sua integralidade,
ex auctoritate communitatis” (SCHWARZ-
LIEBERMANN von WAHLENDORF, Droit Comparé
cit., pág. 88-89)

Deve notar-se que a aplicação do direito comunitário é feita pelas


instâncias comunitárias (Conselho de Ministros, Parlamento europeu,
Comissão e, no plano jurisdicional, pelo Tribunal de Justiça das
Comunidades Europeias e pelo Tribunal de 1.ª Instância) e também pelas
instâncias nacionais, sobretudo pelos tribunais dos Estados-Membros. A
comparação dos direitos dos Estados-Membros constitui um trabalho
constante das instâncias comunitárias e, cada vez mais, das próprias
instâncias nacionais. A eventual entrada em vigor da Constituição Europeia
contribuirá certamente para aprofundar as exigências de recurso ao Direito
Comparado.
No plano das fontes de direito, importa
“... referir o papel dos princípios gerais de direito
comunitário (...) que têm igualmente precedência sobre o
direito derivado (e também sobre os acordos celebrados
pelas Comunidades) e que o Tribunal de Justiça deduz a
partir das tradições comuns aos Estados-Membros, quer a
fim de preencher lacunas quer simplesmente porque
reconhece o seu carácter fundamental, aí tendo incluído
designadamente os direitos fundamentais, em ordem a
garantir a protecção dos particulares em relação às
Instituições e aos Estados-Membros” (RUI MOURA
RAMOS, Direito Comunitário, Coimbra, 2003, págs. 78-
79).
12. Remete-se para
46
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

- JOÃO DE CASTRO MENDES – Direito Comparado (n.º 9).


- CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA – Introdução ao Direito
Comparado (n.os 4 e 5).

3. A Natureza e Funções do Direito Comparado


a) A querela doutrinária sobre a Natureza do Direito
Comparado – ciência autónoma ou simples método (método
comparativo)
1. No Congresso de Paris de 1900, o ponto de vista prevalecente entre
os congressistas era o do que o Direito Comparado era uma disciplina
científica autónoma, muito embora não fosse unânime o seu carácter unitário
(LAMBERT, como vimos, distinguia a História Comparativa do direito e a
Legislação Comparada) ou a sua própria configuração (KOHLER tendia a
acentuar o pendor histórico da disciplina, aproximando-a da História
Universal do Direito).
De facto, na primeira metade do século XIX – e por força do
movimento da codificação, de que foram expoentes legislativos o Código
Civil francês (Code Napoléon, 1804) e o Código Civil Austríaco
(Allgemeines Bürgerliches Gesetzbuch, ABGB, de 1811) – os primeiros
comparatistas dedicaram-se ao direito comparado legislativo, sobretudo
tendo em vista tarefas de redacção de um código nacional. O nome de
ZACHARIÄ ficou célebre nessa primeira fase do comparatismo, ao ter
fundado em 1829 uma Revista Crítica da Ciência do Direito e da Legislação
do Estrangeiro.
Para além desta aproximação motivada pelas necessidades de política
legislativa, uma outra orientação mais desinteressada e especulativa ia
desenvolver-se, no domínio do Direito Comparado científico ou teórico.

47
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

Segundo esta orientação, procura-se estudar o Direito Comparado para


melhorar ou aumentar o conhecimento do fenómeno jurídico em geral.
Em 1903, FREDERICK POLLOCK afirmava o seguinte:
“Não faz grande diferença se falarmos em ciência jurídica
histórica (historical jurisprudence) ou em ciência jurídica
comparada (comparative jurisprudence), ou, como os
Alemães parecem estar inclinados, em «história geral do
direito» (transcrito em ZWEIGERT e KÖTZ, An
Introduction, pág. 59).
A verdade é que o Congresso de Paris tentou encontrar uma
disciplina científica uniformizadora, “droit commun législatif” propugnado
por LAMBERT, sobretudo a partir de uma comparação dos códigos civis da
Europa Continental, com especial relevo para o Code Civil francês, o BGB
alemão e o Projecto de Código Civil suíço de 1898, redigido por EUGEN
HUBER, professor de Direito em Basileia (deve notar-se que havia entrado já
em vigor na Confederação suíça, em 1881, o Código Federal das Obrigações,
contendo matérias de direito das obrigações e de direito comercial).
Nessa fase da evolução do Direito Comparado não se duvidava que a
ciência comparativa dos direitos, sistematizada cientificamente, devia servir
para descobrir, sob as diferenças de soluções das diversas leis nacionais e das
divergências das próprias legislações no que toca à arrumação das matérias,
um “fundo comum”, que SALEILLES vinha afirmando existir, sobretudo
após o estudo da comparação bilateral entre o Code Civil e o BGB. Tal fundo
comum era um traço de união entre os direitos dos Países Civilizados (cfr.
art. 38.º, 1, c; do Estatuto do Tribunal Permanente de Justiça Internacional,
órgão jurisdicional da Sociedade das Nações, criado em 16 de Dezembro de
1920).
Na euforia que se seguiu ao fim da Primeira Guerra Mundial, LEVY-
ULLMANN, comparatista francês, sustenta em 1925 que chegara a altura de

48
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

edificar o “direito mundial do século XX”, com vocação para se tornar


direito positivo vigente em diferentes países, tendencialmente em todo o
mundo civilizado.
Como escreve MARC ANCEL:
“Este mundialismo ambicioso, feito de uma mistura
singular de espírito científico, de generosidade e de
ilusão, dá uma finalidade nova e precisa ao direito
comparado: a aproximação das instituições jurídicas não
tem apenas como finalidade alcançar a unidade de um
direito subjacente para além das suas expressões
nacionais; deve levar a impor às Nações, já constituídas
em sociedade internacional, um direito único e uniforme,
ao mesmo tempo sinal da compreensão entre elas e
penhor do seu relacionamento pacífico” (Utilité et
Méthodes cit., pág. 23)
2. Após a Segunda Guerra Mundial, não é já a oposição entre o mundo
romano-germânico ou da civil law e o mundo da common law – que
começara a ser sistematicamente estudada entre as guerras, sobretudo nos
institutos franceses de Direito Comparado e também nos Estados Unidos da
América (Parker School of Foreign and Comparative Law, fundada em 1919;
American Foreign Law Association fundada em 1925; publicação em 1928
por J.H. WIGMORE de um Panorama of the World’s Legal Systems, em 3
volumes) – que ocupa os comparatistas. O direito da União Soviética, país
vencedor e aliado dos norte-americanos, ingleses e franceses contra as
Potências do Eixo, começa a ser estudado e prenuncia-se a comparação
contrastada dos anos cinquenta e sessenta (direitos ocidentais por oposição
aos direitos socialistas).
Neste novo contexto, não surpreende que haja vozes que tendem a
negar o carácter científico ao Direito Comparado, considerando que os
estudos comparativos têm apenas de recorrer a um método especial, o
método comparativo. GUTTERIDGE sustenta assim (em passo já atrás

49
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

transcrito – págs. 3 e 4 destes Sumários) que não há uma ciência comparativa


jurídica, mas apenas uma utilização pelos juristas do método comparativo.
Este ponto de vista gozou de bastante difusão, tendo sido aceite, por
exemplo, por RENÉ DAVID, nomeadamente no seu Tratado de Direito
Comparado publicado em 1950. Mais tarde, este comparatista tendeu a negar
que a questão da natureza do direito comparado tivesse grande importância
(cfr. o texto transcrito nestes Sumários, págs. 4-5).
Após os trabalhos de DAVID, CONSTANTINESCO, ZWEIGERT e
MARC ANCEL, tende a prevalecer a ideia de que o Direito Comparado é
uma disciplina científica, a qual tem a particularidade de não estudar
qualquer ramo de direito positivo.
CONSTANTINESCO considerava que só havia uma disciplina
científica autónoma quando se tratava da macro-comparação (Ciência dos
Direitos Comparados), evidenciando a micro-comparação uma utilização do
método comparativo.
Este ponto de vista não tem tido seguidores, prevalecendo hoje o
entendimento de que a macro-comparação e a micro-comparação constituem
divisões de uma disciplina científica designada por Direito Comparado (cfr.
sobretudo CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Comparado, nos IV,
3; V-1; MICHAEL BOGDAN, Comparative Law, cit., pág. 21-26;
RODOLFO SACCO, Introduzione al Diritto Comparato, UTET, Turim, 1.ª
ed., 1992, págs. 10-11).

b) As funções do Direito Comparado – finalidades e


utilidades

50
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

3. Ao interrogar-se sobre o porquê do estudo do Direito Comparado,


MARC ANCEL enumera as vantagens do Direito Comparado, chamando a
atenção para as funções que desempenha ou as finalidades que visa:
“Chega-se assim a trazer à luz as vantagens, os próprios
benefícios, do direito comparado. Demonstração hoje
banal de que nos contentaremos de recordar os termos
essenciais:
a) Não há, sob a diversidade das leis – ou das
legislações – senão uma unidade, pelo menos uma
universalidade do direito enquanto instrumento de
concórdia social e enquanto criação do espírito humano?
Eis uma questão primordial que devemos colocar desde
já, e à qual só poderemos responder, com pleno
conhecimento de causa, no fim das nossas explicações.
Notemos apenas por ora que formular esta questão é já
justificar o estudo comparativo do direito.
b) No terreno da prática concreta, pelo contrário, é
de toda a evidência que o conhecimento do direito
estrangeiro – pelo menos, o contacto com o direito do
estrangeiro – é frequentemente indispensável ao
advogado, ao juiz, ao árbitro (nomeadamente, em matéria
de arbitragem comercial internacional), ao homem de
negócios, ao negociador, ao diplomata. Todos os sistemas
de conflitos de leis admitem, em certos casos, a aplicação
da lei estrangeira - será possível ignorar a sua substância?
Como se poderia fazê-lo, de resto, quando esse mesmo
sistema de conflitos de leis nos obriga a confrontar essa
lei estrangeira com a nossa ordem jurídica nacional?
c) O papel formador do direito comparado já não
tem de ser sublinhado. Dá ao estudante novas aberturas
ao dar-lhe a conhecer outras regras e outros sistemas
diversos dos seus próprios. Permite ao jurista um melhor
conhecimento e uma melhor compreensão do seu direito,
cujos caracteres particulares se alcançam ainda melhor a
partir de uma comparação com o estrangeiro. Enriquece
a bagagem do jurista, mesmo o de melhor formação;
porque lhe fornece sínteses, ideias, argumentos que o
conhecimento do seu próprio direito só por si não lhe
ofereceria.
d) O método comparativo é necessário em qualquer
caso para o estudo aprofundado da história do direito ou
51
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

da filosofia do direito. É - o ainda para a teoria geral do


direito que só alcança o seu próprio valor quando
separada da técnica estreita de um sistema particular. Só
ele pode dar uma visão completa, não compartimentada,
do «fenómeno jurídico».
e) Enfim, desde a Antiguidade (como se vai ver),
sempre se pensou que o conhecimento dos direitos
estrangeiros era de primeira importância para o
legislador. Que legislação poderia, hoje sobretudo,
permitir-se ignorar as outras? Isto sucede especialmente
hoje na época das uniões regionais, como as
Comunidades Europeias, num tempo em que nos
esforçamos por organizar uma ordem jurídica de paz e de
coordenação. As dificuldades nesta matéria não são
seguramente desprezáveis; mas provêm precisamente de
que – entre as nações que tentam realizar tal ordem – a
supremacia do direito não é ainda plenamente
reconhecida. A prática sincera do direito comparado pode
servir aqui de um grande amparo.
Pedimos quase desculpa de ter de recordar estas verdades
de evidência. A causa do direito comparado, em si, não
tem, sem duvida, necessidade de continuar a ser
sustentada. Contudo, estas mesmas verdades, embora
afirmadas com frequência, não são, todavia, sempre
exactamente partilhadas; eis porque no seu efectivo
alcance, teremos de as reencontrar” (Utilité et Méthodes,
págs. 9-10)

De um modo geral, estão desacreditadas as teses daqueles que


entendiam ser possível construir um direito comum da humanidade. Trata-se
de teses utópicas, de realização impossível no presente momento histórico.
De facto, a Sociologia tem mostrado que, em numerosas sociedades
de países em desenvolvimento, se multiplicam os casos de pluralismo
jurídico, em que, a par de um direito oficial de características ocidentais (seja
do tipo ou família romano-germânica, seja do tipo da common law), vigoram,
a nível local, direitos de base consuetudinária, o que torna praticamente
impossível a unificação do direito dentro do próprio Estado soberano. Supor
52
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

a existência de um direito comum da humanidade releva assim da pura


utopia.
4. Muito critico quanto às finalidades do Direito Comparado, OTTO
PFERSMANN chama a atenção para o carácter “estranho” da disciplina,
escrevendo:
“A «globalização» do direito assim como a
interpenetração progressiva das ordens jurídicas,
reforçada pelo avanço das ordens jurídicas
supranacionais, parece dar toda a sua legitimidade a esta
nova caminhada. Na visão de uma economia mundial
cada vez mais integrada, os particularismos jurídicos
surgem como obstáculos e espera-se que o jurista os
contorne antes que o comparatista chegue à sua abolição.
Contudo depois de algumas tentativas que visam
constituir um corpo de doutrina e uma metodologia para
esta estranha disciplina, verificar-se-á que ela progride
sempre de maneira perfeitamente caótica e que poucos
comparatistas se mostram de acordo com a própria
natureza do seu objecto. Assim, o direito comparado fez
nascer inúmeras esperanças, empreendimentos
ambiciosos, mas apoia-se sempre sobre a mais fraca das
epistemologias.
Se é possível julgar segundo as actividades
desenvolvidas sob esse rótulo, as crenças seguintes, mais
ou menos implícitas, circulam de modo dominante a
propósito do direito comparado: 1) é um sistema jurídico
transnacional; 2) é uma ciência que permite unificar
direitos diferentes ou antecipar a unificação (ou, por
defeito, a homogeneização) inerentes à evolução dos
sistemas jurídicos globalmente considerados; 3) é a
ciência dos direitos estrangeiros; 4) é uma ciência que
permite melhorar a solução dos casos jurisprudenciais.”
(Le Droit Comparé comme Interprétation et comme
Théorie du Droit, in Revue Internationale de Droit
Comparé, 2001, 2, págs. 275-276)

Este comparatista austríaco, professor em Paris e Director Adjunto


do Instituto de Direito Comparado da Universidade de Oxford, procede à

53
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

critica dessas quatro convicções acerca da natureza e finalidade do Direito


Comparado, mostrando que, no início do século XXI, se está longe de uma
qualquer “utopia prescritiva”, porquanto nem o Direito Comparado é uma
ordem jurídica positiva, nem pode ser uma legislação transnacional,
correspondente a uma “ordem ideal em que estariam reunidas as «melhores»
soluções dos diferentes direitos positivos” (artigo cit., revista cit., pág. 279).
Num plano descritivo, o Direito comparado não é a ciência dos
direitos estrangeiros, como vulgarmente se afirma. Segundo este
comparatista, poder-se-ia chamar «direito comparado»
“... à disciplina que permite descrever as estruturas de
seja qual for o sistema jurídico com o auxílio de conceitos
gerais que apresentem a necessária e suficiente finura.
Ela permite assim interpretar os enunciados da
ciência do direito que só tem necessidade dos conceitos
apropriados a cada um dos sistemas que descreve e para a
qual desenvolve o conjunto das soluções possíveis dos
casos que se apresentam. A ciência do direito dirá que os
«human rights» são os que são definidos como tais no
statute «Human Rights Act» na ordem jurídica do Reino
Unido; o direito comparado interpretará esses human
rights como libertés publiques ou como direitos
protegidos pelo legislador contra violações resultantes de
normas infra-legislativas através da via dos recursos
jurisdicionais ou de outros conceitos gerais que se
considerem mais finos.
O direito comparado assim entendido deve
consequentemente permitir qualificar seja qual for a
estrutura de seja qual for a ordem jurídica, diferenciando-
a de seja qual for a estrutura de seja qual for qualquer
outra (ou a mesma) ordem jurídica. Esta disciplina será,
pois, tanto mais comparatista quanto permita fazer
diferenciações de forma mais fina entre estruturas
possíveis” (art. cit., in revista cit., pág. 286)

Este ponto de vista restritivo tende a reduzir a finalidade do direito


comparado a uma espécie de léxico ou de dicionário que permite
54
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

compreender conceitos nacionais ou estrangeiros por meio de “qualificações


comparatistas”. Esta função acaba por redundar na função de melhor
compreensão do direito nacional do comparatista, que é uma das funções
“realistas” tradicionalmente apontadas ao Direito Comparado. Mas convém
acentuar que a problemática das finalidades de um ramo de saber científico
(seja esse ramo a Astronomia ou o Direito comparado) parece ser um falso
problema – cfr. RODOLFO SACCO, ob. cit., págs. 3-5).
5. Com as cautelas decorrentes da existência de pontos de vista
conflituantes, pode afirmar-se que há um relativo acordo quanto às seguintes
funções práticas do Direito Comparado:
- auxilio às tarefas de política legislativa (auxílio aos
legisladores);
- contribuição para o aperfeiçoamento e o conhecimento do
próprio direito e para a interpretação das suas regras;
- contributo para um melhor compreensão internacional
O Direito Comparado tem, tradicionalmente, contribuído para as
tarefas de unificação do direito e mesmo para um esforço de criação de
sectores de direito privado comuns a toda a Europa. No fundo, trata-se da
procura dos melhores “modelos jurídicos”, de modo a influenciar as soluções
de direito a constituir numa certa ordem jurídica.
Escrevem ZWEIGERT e KÖTZ:
“O Direito Comparado não pode continuar a confinar-se a
apresentar propostas de reforma do direito nacional, por
valioso que tal possa ser, porquanto, enquanto o fizer,
continuará inevitavelmente manchado pelo nacionalismo,
encarando os sistemas jurídicos nacionais como dados,
dotados de fixidez, e olhando para as divergências e
convergências para ver o que pode ser útil quanto a
ambas. O Direito Comparado tem de ir para além dos
sistemas nacionais e fornecer uma base comparativa sobre
a qual se possa desenvolver um sistema de direito para
toda a Europa; pode fazer isto debruçando-se sobre áreas
55
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

concretas do direito como as dos contratos, da


responsabilidade civil, dos instrumentos de crédito,
direito das sociedades, direito de família, mostrando quais
as regras que são geralmente aceites em toda a Europa e
se elas se desenvolvem segundo linhas convergentes ou
divergentes (...)
Em 1989, o Parlamento Europeu de Estrasburgo
aprovou uma resolução (OJ EC No C 158/400), pedindo
«que se iniciem os necessários trabalhos preparatórios
para a redacção de um Código europeu comum de Direito
Privado», mas está muito longe de ser certo que exista no
presente a necessária vontade política; nem que seja claro
que qualquer necessidade real desse código tenha sido
demonstrada ou que cai nas competências da União
Europeia” (An Introduction, págs. 29-31).

Deve, em todo o caso, destacar-se que a comissão internacional de


juristas europeus presidida por OLE LANDO se ocupa desde 1980 com a
preparação de uns “Princípios de Direito Contratual Europeu”, tal como, de
resto, o UNIDROIT preparou um idêntico projecto (Princípios relativos aos
Contratos Comerciais Internacionais, elaborados a partir de 1971 e
concluídos no final de 1994; tradução portuguesa publicada pelo Ministério
da Justiça em 2000).

4. O Direito Comparado e a Unificação do Direito no plano


internacional
a) Unificação legislativa no interior dos Estados e unificação
do Direito entre diferentes Estados.

1. É um dado da experiência que a pluralidade de sistemas jurídicos


dificulta as relações de troca comercial entre cidadãos e empresas, quando
actuam no plano internacional. De facto, os conflitos de leis são resolvidos de

56
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

forma diversa nos diferentes Estados, tornando possíveis soluções diferentes


para o mesmo litígio, consoante o país do foro, isto é, o país em cujos
tribunais são propostas acções judiciais, em caso de incumprimento de
contratos com elementos de conexão com vários sistemas ou ordenamentos
jurídicos.
Tais dificuldades não se verificam apenas no que toca às relações
comerciais internacionais, afectando também as relações de natureza familiar
ou sucessória.
É natural, por isso, que se ponha com acuidade o problema de
unificação dos direitos.
Simplesmente, os movimentos de unificação do direito não se põem
só ao nível internacional.
Historicamente, os problemas de unificação dos direitos puseram-se
primeiro no interior dos Estados.
2. Vejamos como RENÉ RODIÈRE descreve a unificação interna dos
direitos:
“A maior parte dos países da Europa só realizou a
unificação do seu direito no século XIX; a França com a
codificação napoleónica (...), a Itália em 1865, a
Alemanha em 1896-1900. Mesmo nestes países, a
unificação encontra-se por vezes comprometida por
acidentes históricos.
Em França, o ano de 1804 apenas marca um ponto
célebre de chegada relativamente ao direito civil. Esse
ano não faz esquecer nem a obra revolucionária,
considerável em matéria de direito das coisas e das
sucessões, nem mesmo anteriormente o lavor da doutrina
e a obra de algumas das grandes Ordonnances. O trabalho
da doutrina exprimiu-se especialmente na pesquisa do
«Droit commun de la France», exposta da forma mais
magistral na obra a que Bourjon deu esse nome (1747).
Segundo Bourjon, existe, na base dos costumes tão
diversos da França, um conjunto fundamental de
princípios que é preciso encontrar. A insuficiência dos

57
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

costumes quanto a certos pontos é explicada pelo


enfraquecimento da monarquia na Idade Média, pelo
desmembramento dos direitos regalistas que acompanha
esse enfraquecimento [...].
Assim, Bourjon esforça-se por procurar através dos
múltiplos costumes diversos da França os princípios
comuns que lhe permitirão propor soluções convenientes
quando o costume é omisso (muette) [...].
A Itália, em 1865, unificou a sua legislação civil
interna, mas, depois da guerra de 1914-1918, o Véneto
Juliano permanecerá em parte submetido ao Código Civil
austríaco. Manteve-se aí nomeadamente o sistema de
registo predial da lei austríaca, considerado melhor que o
sistema de conservação predial da lei italiana.
Posteriormente, a unificação refez-se com o Código Civil
de 1942, mas certos movimentos de separatismo jurídico
(Sardenha, Sicília) impedem-na de ser perfeita.
A unificação espanhola é mais antiga mas acha-se
parcialmente comprometida pelos fueros a que tanto se
apegam certas províncias ou mesmo certas regiões mais
delimitadas, como os fueros da Catalunha, de Navarra ou
de Aragão” (Introduction au Droit Comparé, Paris,
Dalloz, 1979, págs. 84-86).

Outros Estados europeus vieram a unificar o seu direito comercial ou


civil no final do século. É o caso do Império alemão com a promulgação do
BGB em 1896, entrado em vigor em 1900. Foi o que aconteceu com a Suíça
no final do século XIX com o direito das obrigações e, em 1907, com a
publicação do Código Civil suíço que substituiu os direitos cantonais em
matéria de família e sucessões.
A unificação dos direitos nos Estados da Europa central pressupõe
uma estabilização de fronteiras que não ocorreu no século XIX e que só veio
a
dar-se após a Segunda Guerra Mundial (mas o “mosaico” centro-europeu
veio a entrar em crise após 1989, com a cisão da Checoslováquia em dois

58
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

Estados soberanos, a República Checa e a Eslováquia, ou com as fracturas


ocorridas nas repúblicas que constituíam a antiga Jugoslávia).
Igualmente nos Estados Unidos, a Constituição federal operou uma
certa unificação do direito, sendo certo que as jurisdições federais
contribuíram para um efeito de harmonização da interpretação do direito
federal. Simplesmente, e como se verá mais tarde, da convicção de que
existia segundo o Supremo Tribunal Federal uma common law federal (caso
Swift v. Tyson, julgado em 1842), veio a evoluir-se para a solução de que
“there is no federal general common law” (caso Erie Railroad Co. v.
Tompkins, julgado pelo Supremo Tribunal em 1938, sendo relator o Juiz
BRANDEIS). Simplesmente, a partir dos anos vinte do século passado, quer
a American Bar Association, quer sobretudo o American Law Institute (ALI)
vieram a empreender uma tarefa de redução da complexidade do direito
casuísta (case law), através da publicação de Restatements of Law.
“A primeira série de Restatements levou mais de 20 anos
a acabar, cobrindo as matérias essenciais ministradas nas
faculdades de direito de contratos, propriedade,
responsabilidade civil (torts) e sentenças, bem como
mandato (agency), conflitos de leis, enriquecimento sem
causa (restitution), garantias (security), e trusts. Cada
Restatement é dirigido por um universitário eminente,
designado como relator. A partir da segunda série de
Restatements em 1952, as notas dos relatores passaram a
ser publicadas a seguir a cada artigo (nos volumes de
apêndice aos volumes dedicados ao mandato,
responsabilidade civil e trusts). A terceira série começou
em 1987, incluindo a lei das relações internacionais dos
E.U.A., seguida pela concorrência desleal (1995),
garantias e cauções (1996), e a lei que rege os advogados
(2000), tal como ainda partes dos Restatements dedicados
à propriedade, responsabilidade civil e trusts em 2001.
A recepção dos Restatements variou de área para área,
havendo certos comentadores que criticam o ALI por
explicitar o que devia ser direito, em vez de afirmar o que
ele efectivamente é. De uma maneira geral, contudo, os

59
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

tribunais consideram de algum valor esses trabalhos,


tendo citado até agora 151.000 vezes os Restatements”
(DAVID S. CLARK, The Sources of Law, in
Introduction to the Law of the United States, ob. colect.,
Haia-Londres - Nova York, Kluwer Law International,
2002, pág. 49).

3. A unificação legislativa no plano estadual pressupõe frequentemente


que seja confiada a um tribunal supremo único a tarefa de uniformização da
jurisprudência, de forma a conseguir-se uma interpretação mais estável das
normas jurídicas.
Não é de estranhar, por isso, que os Estados soberanos tenham
procurado concentrar num único órgão jurisdicional a tarefa de pronunciar a
última palavra sobre a interpretação das leis, criando supremos tribunais. A
centralização dos tribunais reais constituiu um factor de grande importância
no desenvolvimento histórico do Direito inglês.
RENÉ RODIÈRE chama a importância para este factor de
uniformização interna do direito, considerando despiciendo o modo de
funcionamento em concreto do modelo de supremo tribunal:
“Há dois tipos de tribunais supremos: o tipo francês da
Cour de cassation que revoga [casse] [a decisão recorrida]
e reenvia para decisão sobre o mérito, que julga mais as
decisões [dos tribunais recorridos]que os processos, e o
tipo inglês da Câmara dos Lordes que revê ela própria a
sentença quanto ao mérito. Após a decisão da Câmara dos
Lordes, os litigantes vêem o seu processo definitivamente
decidido (tranché). Após a decisão do Tribunal da
Cassação francês, o processo não fica decidido: tem de
ser remetido à jurisdição de reenvio.
Estas diferenças são secundárias. Qualquer destes
tribunais realiza a unificação da interpretação das leis”
(ob cit., pág. 94).

60
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

Demonstrativo desta afirmação é o caso italiano. Por razões


históricas chegou a haver cinco Tribunais de Cassação no território italiano,
acabando com a reunificação italiana por se criar uma Cassazione única em
Roma, embora o seu reconhecimento como tribunal de última instância em
todo o território só viesse a ficar estabelecido no domínio penal em 1898 e,
no domínio civil, em 1923.
4. O Direito Comparado tem estado ligado à unificação do direito no
plano externo ou interestadual.
Têm sido tentadas várias experiências de unificação, as quais
pressupõem, por regra, fortes afinidades no plano da história, da cultura, da
religião e da língua.
O grupo dos Estados nórdicos ou escandinavos é apresentado como
um exemplo de sucesso da unificação no plano regional. Tal foi, porém,
facilitado pela união política historicamente vivida entre a Suécia e a
Dinamarca (entre 1536 e 1814), sendo certo que a Suécia e Noruega
estiveram unidas no plano político entre 1814 e 1905. Não é de estranhar, por
isso, que a Dinamarca, a Noruega e a Suécia tenham criado legislações
uniformes em matéria comercial a partir de 1880 (sobre letra de câmbio; em
matéria marítima em 1892; sobre o cheque em 1897). Já no século XX, o
movimento unificador estendeu-se ao direito da família (regimes de tutela, de
casamento e divórcio, em 1922; regime da adopção em 1923; regime dos
efeitos do casamento em 1925). A Finlândia, embora não partilhando a
língua dos seus vizinhos, alterou a lei do casamento em 1929, influenciada
pela legislação uniformizada.
Todavia, basta olhar para a América latina para concluir que as
afinidades históricas e linguísticas não são suficientes para que se possa
alcançar uma uniformização no plano legislativo. Em todo o caso, os
Códigos civis chileno (de 1855) e argentino (de 1867) acabaram por

61
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

influenciar fortemente alguns países vizinhos. O Paraguai adoptou em 1871 o


código civil argentino e a Colômbia e o Equador adoptaram o código civil
chileno.
Todavia, o Brasil manteve em vigor as Ordenações Filipinas até à
entrada em vigor do seu primeiro Código Civil, em 1916, o qual foi
substituído pelo Código Civil de 2001, o mais moderno diploma de língua
portuguesa que regula não só o direito civil, como parte do direito comercial.
5. RENÉ RODIÈRE chama a atenção para o efeito unificador que decorre
da admiração intelectual que suscita em certo Estado ou território uma
grande obra legislativa de outro Estado, exemplificando tal situação com a
irradiação do Code NAPOLÉON. De facto, este grande Código de 1804
chegou a vigorar na Bélgica (onde, aliás, se mantém ainda hoje em vigor,
embora com alterações introduzidas nesse país), na Holanda, no
Luxemburgo, no Palatinado e noutras regiões alemãs, no cantão suíço de
Genebra, em certas zonas do norte de Itália. Por outro lado, inspirou as
codificações civis de Portugal, Espanha, Grécia, Chile, Argentina e Itália,
bem como o Svod russo de 1833 (tomo X – Leis Civis).
A colonização francesa acabou por levar o Código Civil para outros
continentes.
Mas também o BGB alemão teve uma influência para além das
fronteiras germânicas. Neste caso tal influência irradiadora deveu-se à sua
nova sistematização em cinco livros (Parte Geral, Direito das Obrigações,
Direito das Coisas, Direitos da Família e Direito das Sucessões) e à alta
qualidade técnico-científica da sua formulação:
“A fortuna do Código Civil alemão parece ter sido
inversa até aqui [não foi pelo sucesso das armas que se
expandiu, diferentemente do Code NAPOLÉON]. A sua
influência deve-se em primeiro lugar à sua audiência
intelectual. O Código Civil alemão é uma obra em grande
62
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

parte teórica; sublinha-se com gosto que na Alemanha o


direito é obra de professores. Em França, numerosos
juristas admiraram profundamente esta produção do
espírito jurídico alemão [foi o caso de SALEILLES] (...).
Como é mais uma obra de juristas do que de práticos, era
normal que a sua audiência intelectual fosse grande. A
sua irradiação política foi menor. Só a Áustria sofreu
directamente esta influência. Depois da primeira guerra
mundial, a legislação jugoslava sofreu também tal
influência e um autor sérvio notava melancolicamente
nessa ocasião como a vitória militar franco-aliada sobre
os impérios centrais (Alemanha, Áustria e Hungria) tinha
sido acompanhada por uma submissão espiritual quase
total ao modo de pensamento jurídico destes; tinham
perdido no terreno militar, mas ganho imediatamente no
terreno espiritual [...]” (RENÉ RODIÈRE, ob cit., págs.
109-110).

A influência do BGB fez-se sentir no Código Civil italiano de 1942,


no Código Civil português de 1966 e no recente Código Civil brasileiro de
2001.
6. Há situações históricas curiosas de recepção por acto voluntário de
diplomas estrangeiros.
Na Turquia, já no século XX, MUSTAPHA KEMAL PACHA,
conhecido por ATATURK, adoptou o Código Civil suíço, o Código de
Processo Civil alemão (ZPO – Zivilprozessordnung), o Código Penal italiano
e, relativamente ao direito comercial, uma mistura dos códigos comerciais
italiano e alemão. A adopção destes Códigos inseriu-se no desígnio de
modernização e ocidentalização da Turquia, afastando-a da aplicação do
direito islâmico, tendo a Revolução dos Jovens Turcos procurado romper
com a tradição deste grande país asiático e criar um Estado laico. A evolução
subsequente mostra que a aproximação da Turquia à Europa – que teve sua
origem na revolução dos anos vinte do século passado – poderá culminar,
num futuro mais ou menos próximo, na entrada do país na União Europeia.

63
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

Igualmente no Japão, a preocupação de ocidentalizar o país no final


do século XIX levou a que fossem contratados professores franceses e
alemães para auxiliar a preparação de leis de influência ocidental, necessárias
para permitir a plena instauração de um regime capitalista. Todavia, não pode
falar-se de uma pura e simples adopção de leis estrangeiras ou de tradução
apressada de códigos, tendo havido antes um estudo comparatista profundo
de soluções dos direitos francês, alemão e inglês.
7. A situação actual não propicia qualquer ilusão sobre a existência no
futuro de um direito único, um direito mundial unificado.
Todavia, no âmbito da União Europeia a aproximação dos direitos
dos Estados-Membros é inevitável, à medida que se vão alargando as
matérias reguladas pelo direito comunitário, obrigando ao estudo das
soluções adoptadas nos diferentes países, quer pertençam à família da
common law (Reino Unido e República da Irlanda), quer pertençam à família
romano-germânica.
Como afirma PIERRE LEGRAND:
“Mas, para a common law inglesa, a hora já não é de
importações livremente consentidas de certos pedaços
escolhidos do corpus romanista, uma vez que o direito
comunitário lhe impõe desde agora que prossiga um
entendimento autêntico da tradição jurídica romanista,
tanto na sua expressão histórica como contemporânea.
Imagine-se uma questão prejudicial proveniente dos
tribunais alemães, resolvida de certo modo pelo Tribunal
Europeu de Justiça. A resposta do Tribunal Europeu
constitui direito comunitário, logo – a interpretação
judiciária do Tratado de Roma, que favorece a tese do
efeito directo, assim o impõe – do direito inglês. Porque
um litígio alemão dá origem, no termo de um processo de
transmutação pelo Tribunal Europeu de Justiça, a uma
manifestação do direito inglês, torna-se essencial para a
comunidade jurídica inglesa, desejosa de apreender a
passagem do facto ao direito através das suas diferentes
64
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

fases, que capte o próprio direito alemão a fim de avaliar


a medida do quadro em que este último considerou
pertinente juridificar, europeizando-a, uma qualquer
trama factual. Esta compreensão do direito alemão exige,
quanto a essa comunidade, um bom conhecimento da
cultura jurídica alemã no seu conjunto, porque é ela que
confina os saberes jurídicos aquém de uma gama finita de
soluções possíveis. Já deverá ser um lugar comum, com
efeito, afirmar que um direito se inscreve inelutavelmente
numa cultura jurídica” (Le Droit Comparé, Paris, Puf.,
1999, pág. 53; o autor refere-se ao reenvio prejudicial
regulado no art. 234.º do Tratado de Roma, na versão em
vigor).

b) A Unificação de Direito entre Estados soberanos –


As Técnicas de Unificação Internacional

8. Abandonada a utopia do “direito mundial”, a experiência mostra que


tem havido movimentos de unificação sectoriais, em certos ramos de direito,
sobretudo no que toca ao comércio internacional.
Diversos processos técnicos têm sido tentados.
O processo clássico é o de celebração de Convenções Internacionais
que criam soluções substantivas uniformes para aplicação pelos Estados
signatários.
Tais Convenções têm sido celebradas desde o final do século XIX,
em diferentes ramos do Direito:
- no domínio do direito marítimo (convenções sobre
abalroação, salvação e assistência de navios; privilégios e
hipotecas sobre navios; arresto e penhora de navios;
transporte de mercadorias, bagagens e passageiros).
Muitas dessas convenções têm sido preparadas por um
instituto privado, o Comité Maritime International (CMI),

65
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

e aprovadas em conferências diplomáticas,


frequentemente realizadas em Bruxelas;
- no domínio do direito de autor (em que avulta a
Convenção de Berna de 1884 sobre a propriedade
literária, seguida por numerosas convenções);
- no domínio do direito dos transportes (Convenção
sobre transportes aéreos de Varsóvia, assinada em 1929;
Convenção relativa aos transportes internacionais de
mercadorias por caminho de ferro, versão revista em
1971; Convenção de Genebra C.M.R., relativas aos
transportes terrestres por estrada, etc.);
- no domínio do direito laboral (Convenções
preparadas pelo Bureau International du Travail, hoje
Organização Internacional do Trabalho);
Algumas destas convenções internacionais são mais ambiciosas,
pretendendo unificar o direito interno dos países signatários, mesmo quando
não há relações jurídicas com elementos de extraneidade. Paradigmático é o
caso das Convenções de Genebra de 1930 e 1931 que aprovaram duas leis
uniformes, a primeira sobre letras e livranças, e a segunda sobre cheques
(além das Convenções que aprovaram essas leis uniformes, há outras sobre a
uniformização do direito internacional privado em matéria cambiária e sobre
aspectos tributários). Deve notar-se que alguns países não se vincularam a
estas leis uniformes, como sucedeu com a Espanha, Reino Unido e os
E.U.A..
9. Noutros casos, a unificação é tentada através da preparação de leis-
modelo, destinadas a ser adoptadas pelos Estados interessados como seu
direito interno.

66
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

É paradigmático o caso da Lei-Modelo sobre Arbitragem Comercial


preparada sob os auspícios da Comissão das Nações Unidas para o Direito
Comercial Internacional (CNUDCI ou, na abreviatura inglesa, UNCITRAL),
que veio a inspirar a nossa Lei sobre Arbitragem Voluntária de 1986 e a Lei
inglesa sobre Arbitragem Voluntária de 1996, vindo mesmo a ser adoptada
como direito interno na Alemanha, país que integrou a sua regulamentação
na Zivilprozessordnung (ZPO) em 1997.
A elaboração de leis-modelo tem sido também levada a cabo pelo
Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT),
com sede em Roma, fundado em 1928 e cujos trabalhos foram retomados em
1956, após a Segunda Guerra Mundial. Destaca-se o seu projecto de lei
uniforme sobre a venda de objectos mobiliários corpóreos (deve notar-se que
em 1980 foi aprovada em Varsóvia uma Convenção das Nações Unidas sobre
os Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias).
Noutros casos, têm sido preparados textos sobre princípios gerais dos
contratos (casos de Comissão LANDO e do UNIDROIT atrás citados), os
quais se procuram configurar como uma recolha de uma lex mercatoria, um
direito autónomo do comércio internacional formado a partir dos usos do
comércio internacional.
10. Como formas de unificação do Direito, podem ainda referir-se os
fenómenos de auto-adopção de Códigos estrangeiros e ainda a extensão de
vigência de códigos por via hetero-impositiva, sobretudo nos casos de
colonização ou de domínio militar (a imposição pelos E.U.A. ao Japão, em
1945, de uma constituição de modelo democrático constitui um exemplo
marcante).
11. Remete-se para
CASTRO MENDES – Direito Comparado, nos 5, 6, 7
e8

67
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

C. FERREIRA DE ALMEIDA – Introdução, nos 10-


13
C. FERREIRA DE ALMEIDA – Direito Comparado,
III, 2 e 3

5. Os métodos utilizados no Direito Comparado


a) O método na macro-comparação e os critérios de distinção entre
Famílias jurídicas

1. Já vimos atrás que as querelas metodológicas atravessaram todo o


século XX, desde o Congresso de Paris, tendo alternado as teses que
sustentam o carácter científico do Direito Comparado e as que reduziram o
comparatismo jurídico a uma simples aplicação do método comparativo
utilizado nas ciências sociais.
MARC ANCEL considerava que as questões do método se punham
de forma diversa nos planos da regra jurídica, das instituições e, finalmente,
nos sistemas jurídicos. No plano da macro-comparação entre sistemas,
notava este comparatista francês:
"A comparação é então mais complexa, mas finalmente
menos perigosa ou menos sujeita a erros e, quaisquer que
sejam as diferenças entre os sistemas, ela surge como
podendo sempre justificar-se. O sistema, com efeito,
existe enquanto dado sócio-jurídico, cuja aproximação,
descrição e medição são sempre lícitas, se assim se pode
dizer. Diremos mesmo que a apreensão global do
sistema, de que falámos diversas vezes, é tanto mais
68
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

natural e necessária quanto o sistema estiver mais


afastado. Assim ocorrerá quanto à common law para o
romanista, quanto ao sistema socialista para o jurista
ocidental, e quanto aos sistemas do Terceiro Mundo
simultaneamente para os ocidentais e para os juristas
socialistas. Somos assim logicamente conduzidos a
encarar agora os diferentes métodos em presença"
(Utilité et Méthodes cit., págs. 99-100; deve notar-se que
o Autor escreve em 1971, quando era uma realidade a
existência de uma Família de Direitos Socialistas).
O mesmo autor chama a atenção para que, a nível do estudo
comparativo dos sistemas jurídicos, não basta a informação sobre os
diferentes direitos. Tal informação deve ser completada por uma pesquisa
sobre a estrutura:
"... porque o que importa aqui é, como vimos,
compreender o sistema integralmente (tout entier), na sua
origem, na sua evolução, nos seus princípios
fundamentais, nas suas fontes, nos seus processos de
aplicação, no seu espírito e no seu sistema geral de
valores. Diremos que, neste nível, o método ou a
aproximação deve ser então essencialmente estrutural."
(Utilité et Méthodes cit., pág. 100)
2. A problemática dos critérios de distinção entre famílias jurídicas ou
círculos jurídicos é relativamente recente, remontando ao aparecimento dos
tratados de Direito Comparado de ARMINJON, NOLDE E WOLFF e de
RENÉ DAVID, ambos publicados em 1950, muito embora desde os anos 30
tal problemática atraísse as atenções de alguns comparatistas.
RENÉ DAVID, no seu Traité Elementaire, considerava que os
sistemas jurídicos se podiam distinguir entre si em função de ideologia e da
técnica jurídica. A partir dos Grands Systèmes (1ª ed. de 1964), este
comparatista francês deixa de considerar os elementos estruturais da
ideologia e da técnica jurídica, passando a distinguir os elementos constantes
e os elementos variáveis de um sistema.

69
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

A alteração de uma instituição em certo momento histórico não


chega para operar a mudança de família de um certo sistema (o acolhimento
de adopção como fonte de relações familiares em Inglaterra só ocorreu em
1926, sendo certo que a adopção era regulada no direito francês anterior à
Revolução de 1789. Tal acolhimento em Inglaterra não ocorreu quanto a um
elemento constante, não podendo sustentar-se que, por tal facto, a Inglaterra
passou a integrar a sistema romano-germânico; já o desaparecimento dos
sistemas socialistas na antiga URSS e nos Estados centro-europeus implicou
uma mudança de família jurídica quanto à Rússia e aos seus antigos satélites
porque a mudança de sistema económico incidiu sobre um elemento
constante do sistema).
3. ZWEIGERT, por seu turno, sustentou que os sistemas jurídicos se
distinguem entre si por se reconduzirem a um estilo, tal como as catedrais se
distinguem entre si pelo estilos (uma catedral românica e gótica ou barroca
não se deixam confundir).
Segundo ZWEIGERT e KÖTZ, retomando os resultados da análise
do primeiro destes comparatistas:
"O aspecto insatisfatório da maior parte das tentativas
anteriores para distinguir as famílias jurídicas e para
atribuir os sistemas individuais a cada uma delas reside
em que são unidimensionais, ou seja, procuram fazer
tudo depender de um critério único.
Do nosso ponto de vista a questão crítica acerca dos
sistemas jurídicos é o seu estilo, uma vez que os estilos
dos sistemas jurídicos individualmente considerados são
bastante distintos entre si. O comparatista deve lutar para
captar estes estilos jurídicos, e usar os traços estilísticos
distintos como base para arrumar os sistemas jurídicos
em grupos.
O conceito de estilo que teve origem nas artes literárias
e nas belas artes tem sido usado durante muito tempo
noutros campos (...).

70
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

Devemos por isso perguntar quais são os factores que


contribuem para o estilo jurídico de grupos inteiros de
sistemas jurídicos; para esta finalidade, a experiência,
por inadequada que indubitavelmente seja, deve ser o
nosso guia. Não é qualquer diferença trivial entre
sistemas jurídicos que pode alinhar-se como elemento do
respectivo estilo. Só as qualidades diferenciadoras
«importantes» ou «essenciais» são marcas indeléveis.
(...)
Parece-nos que os seguintes factores são os que se
mostram cruciais para o estilo de uma família ou sistema
jurídico: (1) origem e desenvolvimento históricos; (2) o
seu modo predominante e característico de pensamento
em questões jurídicas; (3) instituições especialmente
distintivas; (4) espécies de fontes de direito que
reconhece e o modo como as trata, e (5) a sua ideologia"
(An Introduction, cit., págs 67-68).

Pode notar-se que RENÉ DAVID e ZWEIGERT não estão longe


entre si, visto o primeiro se ocupar, no estudo das famílias, com a estrutura
conceptual dos direitos, com a importância reconhecida às diferentes fontes
de direito, tipo de sociedade, o papel dos juristas e das universidades, após ter
analisado o respectivo desenvolvimento histórico.
4. CONSTANTINESCO criticou vigorosamente o critério do "estilo"
de ZWEIGERT, baseado numa concepção social do direito considerada no
seu aspecto funcional:
"Esta «teoria» apresenta vários grandes defeitos. O
primeiro consiste em que ela parte do falso
postulado de que os «problemas jurídicos são
idênticos em todos os países» porque as
necessidades sociais são as mesmas em toda a
parte. Esta teoria, expressão do egocentrismo
ocidental, desconhece a grande diversidade de
problemas jurídicos, consequência da variedade de
estruturas que separam as sociedades cuja gama vai
das sociedades ditas primitivas até as sociedades a
caminho de se tornarem pós- industriais. O segundo
defeito da «ciência jurídica comparativa universal»

71
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

é o de apenas ser um inventário de «soluções-tipo»,


logo uma tentativa de sistematização dos resultados
obtidos pela
micro-comparação em matéria de direito privado.
Assim, esta ciência não é nem científica, nem
universal." (Traité vol. III, ed. póstuma publicada
por VLAD CONSTANTINESCO, 1983, pág. 63).
CONSTANTINESCO critica a postura dos comparatistas que se
situam apenas no campo do direito privado, não atendendo à importância de
elementos ligados às estruturas político-jurídicas e à constituição económica.
Em sua opinião:
"O objecto da macro-comparação é formado pelas ordens
jurídicas: o seu objectivo é o de as agrupar em Sistemas
Jurídicos; o seu método é o método comparativo.
Todavia a macro-comparação defronta-se com uma
dupla dificuldade. Por um lado, uma comparação
incidente sobre a totalidade dos elementos que compõem
as ordens jurídicas é praticamente impossível. É por isso
que a macro-comparação deve comparar os elementos
que caracterizam e formam a especificidade das ordens
jurídicas, o que é impossível antes de saber quais são
esses elementos. Por outro lado, a macro-comparação
deve englobar todos os direitos que existem actualmente
no planeta, quer dizer também os direitos das sociedades
ditas primitivas, o que põe problemas particulares."
(Traité, III, pág. 164)
CONSTANTINESCO vai procurar quais os elementos determinantes
que precisam a especificidade de uma ordem jurídica (ou sistema jurídico,
numa das acepções de expressão), elementos que indicam a sua finalidade.
Além dos elementos determinantes, há igualmente elementos fungíveis, que
podem variar sem descaracterizar um sistema jurídico.
Os elementos determinantes caracterizam-se por cinco atributos:
carácter determinante; forte aderência dos elementos determinantes em
relação às ordens jurídicas; unicidade; insubstituibilidade; forte

72
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

homogeneidade e solidariedade existentes entre eles. Os elementos fungíveis


caracterizam-se por atributos opostos.
Os elementos determinantes abrangem a concepção e tipo de direito,
a ideologia e o seu papel, o dado social e o construído jurídico, a constituição
económica, a organização social e o Estado, a imagem do homem e a sua
posição, as liberdades e direitos fundamentais, as fontes de direito e a sua
forma, a posição e papel dos juízes e a interpretação do direito e o modo de
conceber e de "pensar juridicamente", incluindo as noções, instituições e
categorias jurídicas.
A propósito deste último elemento determinante,
CONSTANTINESCO contrapõe os direitos de Common Law e os
continentais (da Civil Law):
"Em primeiro lugar, o direito inglês nasceu da prática
judiciária; a Common Law é obra dos juízes pertencentes
aos Tribunais Superiores e não do legislador. O seu
carácter casuístico explica-se também pelas formas de
acção (os writs), isto é, pelo facto de que o sistema
processual o determinou em larga medida (...). As
decisões judiciárias resolviam os conflitos criando uma
norma individual e não geral, isto é, tendo valor
primeiramente apenas inter partes. O espírito casuístico
estava aliado a uma certa repugnância contra as
formulações abstractas, as teorias e as generalizações.
Assim a Common Law desenvolveu-se sem vista de
conjunto, nem sistema, nem generalizações, de forma
lenta, com pequenos passos, de decisão em decisão, antes
de se tornar num corpo de regras mais ou menos
homogéneo (...).
(...) No continente, a evolução do direito romano
durante o período pré-clássico (...) e clássico (...),
baseado, no princípio, num sistema de acções
susceptíveis de extensão é igualmente obra de práticos; a
sua elaboração foi casuística e progrediu de julgamento
em julgamento, como no direito inglês (...)
Depois de Bolonha, a evolução dos direitos continentais
segue o modelo legislativo.

73
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

Este direito já não é obra dos práticos e dos tribunais,


dos juízes, etc., mas do legislador, isto é, dos teóricos e
dos sistematizadores. Partindo de uma realidade social,
esta forma de direito generaliza os casos típicos,
elaborando normas abstractas e princípios gerais, o que
torna necessárias as suas sistematizações. Os direitos
continentais apresentam-se como sistemas completos,
procedendo através de normas abstractas e de princípios
gerais (...). O direito inglês é produto de práticos e não de
teóricos, de juízes e não de professores.
Constitui uma verdade banal verificar que os grandes
juristas foram juízes em Inglaterra, professores na
Alemanha e teóricos em França." (Traité, III págs 383-
384)

5. Entre nós, ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO procurou, no seu


ensino oral, proceder a uma síntese destas concepções de DAVID,
ZWEIGERT e CONSTANTINESCO, considerando que, no plano da macro-
comparação, importa construir uma grelha comparativa, sendo essencial
destacar a história dos sistemas (ao contrário de CONSTANTINESCO, que
considerava um elemento externo a evolução histórica dos ordenamentos), os
elementos estruturais e os elementos ideológicos. Estes elementos
subdividem-se em outros sub-elementos. Esta comparatista dividiu os
sistemas jurídicos entre sistemas de base pessoal (por ex. o direito islâmico) e
sistemas de base territorial.
Na mesma linha, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA afirma que o
processo macro-comparativo:
"... consiste em preencher, de modo progressivo e
dialéctico, o «interior» da grelha comparativa,
descobrindo, em relação a cada um dos elementos do
modelo, quais são os dados relevantes dos sistemas em
comparação, considerando um por um. A cada lugar do
quadro corresponde um elemento de cada ordem jurídica.
Estes elementos são, apesar das referências comuns para
efeito de comparação, diferenciados, existenciais e
74
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

concretos para cada sistema jurídico" (Direito


Comparado. Ensino e Método, pág. 142)
Este último autor preconiza uma grelha comparativa tridimensional,
explorando elementos internos (ou estritamente jurídicos), elementos
externos ou metajurídicos e elementos históricos.
Os elementos internos abrangem os seguintes sub-elementos:
a) concepção do direito e estrutura das regras jurídicas;
b) estrutura e funcionamento das instituições constitucionais;
c) fontes de direito;
d) descoberta do direito aplicável;
e) órgãos de aplicação do direito, com relevo para a
organização judiciária;
f) profissões jurídicas;
g) ensino do direito e formação dos juristas.
Já os elementos externos ou metajurídicos englobam: a) as relações
entre o sistema jurídico e outros sistemas normativos; b) concepção
dominante acerca da posição do indivíduo e dos grupos na sociedade; c)
outros valores fundamentais que inspiram a ordem jurídica; d) organização
económica-social; e) cultura e línguas.
O autor nota que "a função dos elementos metajurídicos e históricos
é complementar e mais explicativa do que descritiva. A dimensão histórica é
a face nuclear que sobreleva as outras duas: a evolução jurídica confere-lhe
profundidade; a envolvente metajurídica relaciona os sistemas jurídicos com
os restantes sistemas sociais existentes na mesma comunidade" (Direito
Comparado, cit. pág. 144).
6. Veremos, na parte dedicada às famílias jurídicas, a propósito das
características das diferentes famílias, como estes elementos são
indispensáveis para a respectiva caracterização e tipologia.
RUI PINTO DUARTE acentua a este propósito :
75
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

"Falando em geral, são recrutáveis para tal «grelha» (ou


melhor, «grelhas») quer elementos estruturais (isto é,
dizendo respeito à forma e dotados de permanência, bem
como de uma função de enquadramento dos restantes),
quer elementos ideológicos (isto é, aptos a significarem o
conteúdo ou conformadores deste).
Aqueles, parece-me, poderão ser deduzidos a partir da
análise da própria ideia de sistema jurídico. Teremos,
assim, as formas de revelação das normas que compõem
o sistema (fontes de direito), a estrutura das próprias
normas, os modos de constituição e funcionamento dos
órgãos de aplicação de Direito, os métodos por que os
juristas operam no «achamento» do Direito, os processos
de formação dos juristas, incluindo o papel do ensino do
Direito, etc.
Os elementos ideológicos deverão traduzir as ideias
recebidas pelo sistema: assim, poderemos referir o papel
atribuído ao Direito na sociedade, as relações entre o
Estado e o Direito, as relações entre este e as outras
ordens normativas (nomeadamente as religiosas), o
posicionamento relativo dos indivíduos e o Estado, a
organização sócio-económica (a constituição económica,
etc.)
Estará assim construída a «grelha comparativa».
Advirta-se, porém, que antes da sua «aplicação» a cada
sistema, haverá toda a vantagem em conhecer as linhas
básicas de formação deste, isto é, a sua evolução
histórica, perspectiva esta que será um elemento
coadjuvante na comparação." (Uma Introdução ao
Direito Comparado, texto de 2000, pág. 14)

b) O método na micro-comparação
7. O debate metodológico no domínio do Direito Comparado faz-se
sobretudo no plano da micro-comparação. Compreende-se facilmente a
curiosidade sobre a regulamentação do direito matrimonial ou do direito de
filiação e das sucessões nos diferentes ordenamentos jurídicos, atendendo à

76
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

frequência com que surgiram questões de direito internacional privado que


pressupunham o conhecimento de direitos estrangeiros.
Chegou mesmo a afirmar-se que o Direito Comparado estava
afectado por um espírito doentio de sistemática discussão metodológica.
No fundo, importava referir quais as regras essenciais do método
comparativo.
Num livro clássico escrito em 1956, o civilista JOSEF ESSER
afirmava:
"Mesmo nos casos em que não há uma necessidade
urgente de unificação que obrigue, como no direito
contratual, à harmonização dos sistemas (...), produzem-se
coincidências apelativas nos elementos (...), que nos
fazem descobrir a existência de princípios gerais na base
de instituições de análoga finalidade e nos sugerem uma
teoria comparativa das instituições a partir da
configuração da função.
O Direito Internacional Privado deu alguns passos neste
sentido, na medida em que não poderia obter certificado
de origem um só conceito jurídico se só estivesse
encarnado em cada caso numa figura francesa, anglo-
saxónica ou alemã. A realidade mostra, porém, que não
só se demonstrou a efectiva coincidência de numerosas
instituições com base em princípios universais (...) como
também qualquer aplicação de um direito estrangeiro
repousa na compreensão do seu significado funcional
segundo «os princípios da justiça natural», sem o qual
nenhum juiz pode decidir se a instituição em causa é
«essencialmente estranha» à lex fori" (Principio y Norma
en la Elaboración Jurisprudencial del Derecho Privado,
trad. espanhola, Bosch, Barcelona, 1961, págs 43-45).

Também ZWEIGERT e KÖTZ põem em relevo a importância do


principio da funcionalidade :
"O principio metodológico básico de todo o direito
comparado é o da funcionalidade. Deste principio básico
derivam todas as outras regras que determinam a escolha
dos direitos a comparar, a finalidade do empreendimento,

77
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

a criação de um sistema de direito comparado, etc.


Realidades insusceptíveis de comparação não podem ser
utilmente comparadas, e, em direito, as únicas coisas
que são comparáveis são as que preenchem a mesma
função. Esta proposição pode parecer auto-evidente, mas
muitas das suas aplicações, embora familiares ao
comparatista experiente, não são óbvias para o
principiante.
A proposição repousa naquilo que todo o comparatista
aprende, a saber, que o sistema jurídico de qualquer
sociedade se confronta essencialmente com os mesmos
problemas, e resolve tais problemas através de meios
bastante diferentes, embora muito frequentemente com
os mesmos resultados. A questão a que se dedica
qualquer estudo comparativo deve ser colocada em
termos puramente funcionais, devendo o problema ser
formulado sem qualquer referência a conceitos do
sistema jurídico próprio da pessoa envolvida. Assim, em
vez de se perguntar: «quais as exigências formais
previstas para os contratos de compra e venda no direito
estrangeiro?», é melhor perguntar: «Como protege o
direito estrangeiro as partes da surpresa, ou de ficarem
vinculadas a um acordo que seriamente não
pretendiam?». Em vez de se perguntar: «Como regula o
direito estrangeiro a Vorerbschaft e a Nacherbschaft?»,
dever-se-á procurar como actua o direito estrangeiro para
satisfazer o desejo de um testador relativamente ao
controle do seu património muito tempo depois da sua
morte. Para se dar outro exemplo: só na Alemanha
somos confrontados com o conceito de
«desaparecimento do enriquecimento» (Wegfall der
Bereicherung, §818, nº (3) BGB), embora todos os
sistemas devam resolver o conflito que surge quando
uma pessoa vinculada a devolver uma coisa recebida
como efeito de um contrato inválido já não dispõe da
coisa que tem de restituir. Não se deve permitir que a
nossa visão fique enevoada pelos conceitos do nosso
próprio sistema nacional; no direito comparado, temos de
nos concentrar sempre no problema concreto." (An
Introduction cit., págs. 34-35; as referências à
Vorerbschaft e à Nacherbschaft têm a ver com os
78
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

§§2100.º (substituição fideicomissária) e 2105.º BGB


(deixa a um herdeiro sem a faculdade de este deixar os
bens desta herança aos seus sucessores, sendo chamados
a suceder os herdeiros legítimos do primitivo autor de
sucessão); a referência à subsistência do enriquecimento
aparece, por exemplo, nos arts. 289.º, n.º 2, 476.º, n.º 3, e
479.º, n.º 2, do Código Civil português, claramente
influenciados pela disciplina do BGB)

Ainda segundo ZWEIGERT e KÖTZ, o princípio da funcionalidade,


na sua vertente negativa, consiste em fazer o comparatista erradicar os
preconceitos do seu sistema jurídico nacional, ao passo que a vertente
positiva indica quais as áreas do sistema jurídico estrangeiro que devem ser
investigadas em ordem a descobrir o ponto análogo para a solução que
interessa ao comparatista. Por isso, no que toca às fontes de direito, o
comparatista deve tratar como tais todas as realidades que moldam ou
afectam o direito vivo no sistema escolhido, tudo o que os juristas desse
sistema consideram como fonte de direito ou facto normativo. Utilizando a
velha contraposição entre law in the books and law in action, devida ao
norte-americano ROSCOE POUND, importa descobrir the law as it works.
8. Por exemplo, GUTTERIDGE chamava a atenção na sua obra
clássica para certas regras metodológicas básicas:
"A extensão da comparação, todavia, será muitas vezes
restringida por certas considerações, como a
inacessibilidade dos materiais ou as dificuldades
linguísticas. Tal é mais especificamente o caso quando a
pesquisa se estende além dos limites dos principais
sistemas jurídicos europeus. A menos que haja boas
razões em contrário, a prudência manda que o número de
sistemas a comparar seja limitado, tanto quanto se possa
fazê-lo sem comprometer a finalidade da comparação.
Quanto mais alguém se propõe examinar diversos
direitos, maiores serão evidentemente as dificuldades que
se encontrarão em todas as formas de pesquisa
comparativa" (Le droit comparé cit., pág. 103)

79
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

9. CONSTANTINESCO, por seu turno, indicava deste modo os


elementos do método comparativo, depois de definir esse método como "o
conjunto de tarefas e procedimentos, encadeados numa sequência racional,
destinados a conduzir o espírito jurídico a verificar e a captar, por um
processo ordenado, metódico e progressivo de confrontação e de
comparação, as semelhanças, as diferenças e as suas causas, isto é, a
encontrar as relações existentes entre as estruturas e as funções dos termos a
comparar pertencentes a ordens jurídicas diferentes" (Traité, II, pág. 24):
"Esta definição põe em evidência a importância
essencial de quatro elementos.
O primeiro é que o método comparativo compreende
toda uma série de processos encadeados numa tarefa
sistemática e racional.
Tal exclui qualquer comparação feita apressadamente,
ao acaso, de modo desordenado ou reduzida a uma
simples informação (...).
É preciso sublinhar em seguida que qualquer tarefa,
ordenada e sistemática, é posta ao serviço de um fim
preciso: a comparação destinada a captar as relações
existentes entre os termos a comparar e as suas causas.
Nisto o objectivo do método comparativo é sempre o
mesmo: precisar as relações de semelhança e de
diferença existentes entre os termos a comparar (...).
Mas os fins em vista do quais se aplica o método
comparativo não se confundem com o método
comparativo propriamente dito: distinguem-se do método
comparativo que é o instrumento apropriado para os
atingir.
A terceira observação nasce do facto de que essa tarefa
coloca em presença duas ou mais partículas jurídicas
elementares: os termos a comparar (...), a fim de os
confrontar e de os comparar.
A quarta observação verifica que estes termos a
comparar devem pertencer necessariamente a duas
ordens jurídicas diferentes, pelo menos, de modo a que
através delas as próprias ordens jurídicas sejam
parcialmente confrontadas (...)." (Traité, II, pág. 25).
80
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

A este propósito da comparação entre partículas jurídicas


elementares, costuma falar-se de tertium comparationis (o terceiro elemento
da comparação).
"O tertium comparationis, enquanto problema
metodológico, resulta da questão posta pelos filósofos do
direito, e mais especialmente, por Radbruch (...), o qual
afirmava que não se podem comparar directamente mais
de dois termos a comparar (...); que quando se
confrontam mais de duas ordens jurídicas só se pode
fazê-lo de modo indirecto, isto é, por relação a uma
terceira ordem que deve ser sempre a mesma (...)" (L.J.
CONSTANTINESCO, Traité, II, pág. 34)
A noção de tertium comparationis veio a ser adoptada por vários
comparatistas alemães, como RABEL, ZWEIGERT e KÖTZ, SANDROCK
e ESSER e também por juristas do campo socialista como VITOR KNAPP, a
propósito da chamada comparação contrastada. Os termos a comparar seriam
o primum e o secundum, o tertium comparationis, serviria como bitola ou
padrão. KNAPP fala de um comparatum e de um comparandum, entre os
quais se insere o tertium comparationis.
Mas CONSTANTINESCO criticou com vigor a necessidade de um
tertium comparationis, afirmando que, sendo certo que a comparação se faz
sempre entre as ordens jurídicas confrontadas, seria evidente que a micro-
comparação nunca se faria por relação a uma unidade de medida pré-
estabelecida, a qual "não existe para o direito, nem pode existir" (Traité II,
pág. 37).
O problema metodológico importante residiria na comparabilidade
dos termos a comparar:
"O problema da comparabilidade analisa-se em direito
comparado em dois planos diferentes. Em cada um, a
comparabilidade versa sobre outros elementos. É, pois,
importante ver quais são esses elementos e esses planos
(...).

81
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

O primeiro plano é o dos elementos ou dos objectos que


comparamos e que pertencem a ordens jurídicas
diferentes. Neste caso, pode-se falar dos termos a
comparar (...) que englobam as partículas jurídicas
elementares, isto é, as regras, as instituições jurídicas, as
funções ou os problemas jurídicos que comparamos. O
segundo plano é o das ordens jurídicas a que pertencem
os textos a comparar, que são postas em presença pela
facto da comparação. Os problemas postos em cada um
desses planos para a comparabilidade são diferentes."
(Traité, II, pág. 59)

Importa recordar que, para CONSTANTINESCO, a comparação é


feita sempre num plano sincrónico, no que toca ao direito comparado
(comparar o direito romano clássico com o direito inglês medieval, como
referido por GINO GORLA em texto atrás transcrito, não é tarefa que caiba
no Direito Comparado).
CONSTANTINESCO chama igualmente a atenção para as relações
entre o paralelismo jurídico e a identidade linguística:
"Bem entendido, a identidade linguística pode andar a
par da identidade jurídica. É o caso dos direitos
pertencentes à mesma família jurídica e linguística,
como, por exemplo, os direitos francês, italiano,
espanhol, português e latino-americanos, por um lado, o
direito alemão e o direito austríaco ou os direitos
nórdicos, por outro. O número de casos em que a
identidade ou a equivalência jurídica se exprimem no
plano linguístico, por uma identidade ou por uma
equivalência semântica, é de tal modo grande, nesses
direitos, que é inútil ilustrá-los através de exemplos. Mas
isso só é um aspecto do problema e seria erróneo
generalizar uma observação parcialmente válida. A regra
metodológica nesta matéria é que o paralelismo jurídico
não existe e não pode existir quando se manifesta
unicamente no plano linguístico (...). Assim não há
nenhum paralelismo jurídico entre a equité francesa e a
Billigkeit alemã, de um lado, e a Equity inglesa enquanto
fonte de direito, categoria jurídica do lado da Common
82
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

Law, do outro, e isto ainda que a equidade tenha


desempenhado um papel fundamental na elaboração da
Equity.
À sua identidade jurídica corresponde uma ausência de
elementos jurídicos comuns e a comparação seria então
absurda" (Traité, II, pág. 69)

CONSTANTINESCO formula a regra dos três "C":


"Em minha opinião, estas fases são em número de três e
cada pode ser resumida em uma palavra-chave. Cada
palavra subentende uma série de acções (...) e de
operações que devem ser realizadas durante a fase
correspondente.
Assim, o método comparativo consiste em conduzir
um estudo comparativo através de três estádios
sucessivos, a saber: conhecer, compreender, comparar
(...). É a regra dos três C." (Traité II, pág. 122)

A primeira fase tem natureza analítica e compreende todas as acções


necessárias ao conhecimento dos termos a comparar. A segunda implica as
operações metodológicas necessárias à compreensão dos termos a comparar
no seio das ordens jurídicas a que pertencem. A terceira fase, de natureza
sintética, compreende as acções levadas a cabo pelo comparatista para
comparar, encontrando as verdadeiras relações (de semelhança ou de
diferença) entre os termos a comparar pertencentes a ordens jurídicas
diferentes.
Na primeira fase dever-se-ão adoptar certas regras metodológicas
assim enunciadas:
a) - estudar o termo a comparar tal como é;
b) - examinar o termo a comparar nas suas fontes originais (aqui se
colocando questões complexas como a dos obstáculos
linguísticos );
c) - estudar o termo a comparar na complexidade e na totalidade das
fontes do direito considerado;
83
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

d) - respeitar a hierarquia das fontes jurídicas do ordenamento


considerado;
e) - interpretar o termo a comparar segundo o método próprio de
ordem jurídica a que pertence.
Na segunda fase do processo de comparação, importa compreender o
elemento a comparar no contexto da sua ordem jurídica.
Segue-se a síntese comparativa.
Vejamos o seguinte confronto entre duas soluções para o mesmo
problema de direito de família:
"Tomemos o exemplo das convenções respeitantes às
renúncias ou transacções sobre a pensão de alimentos
após o divórcio, nos direitos francês e inglês. O principio
fundamental nos dois direitos é o de proibir que o
divórcio seja preparado ou tornado possível por
transacção entre as partes. Aí reside uma regra d’ordre
public para um, de public policy para o outro. As duas
ordens jurídicas esforçaram-se, pois, por proibir às partes
que exerçam influência sobre o resultado da acção de
divórcio e que facilitem a ruptura do casamento por
convenções que incidam sobre a pensão de alimentos.
Contudo, o modo de realização técnica deste princípio é
diferente nos dois direitos.
Voltando completamente atrás relativamente a uma
jurisprudência constante e quase secular, a Cour de
Cassation francesa estabeleceu em 1949 o princípio de
que a pensão de alimentos do artigo 301.º, n.º 1, do
Código Civil não pode ser objecto de transacção (...) ou
de renúncia. Tal convenção, concluída antes da decisão
de divórcio com força de caso julgado, é sempre nula
pelo seu objecto, e tal sem haver a preocupação de saber
se a sua finalidade era, ou não, de facilitar o divórcio
(...). Partindo da ideia de que tais convenções são sempre
susceptíveis de facilitar o divórcio, os tribunais franceses
admitem que, quando são celebradas antes que a decisão
de divórcio obtenha a autoridade de caso julgado,
constituem (...) uma prova inilidível nesse sentido.

84
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

Fundando-se sobre a public policy, os tribunais ingleses


(...) declaram nula a renúncia prévia da mulher à pensão
de alimentos. Com efeito, a decisão é explicada também
pela vontade de evitar que, na sequência da renúncia, a
Administração deva conceder uma subvenção à mulher
que tenha renunciado à sua pensão. Contudo,
contrariamente ao direito francês - para a qual toda a
convenção é nula - o direito inglês admitia que a
nulidade da renúncia da mulher não acarretava
automaticamente a nulidade da obrigação do marido, na
medida em que não houvesse outras razões para tal. O
direito inglês legalizou a solução dos tribunais. A sec. 23
(1) (b) do Matrimonial Causes Act (...) determina de
forma expressa que, em caso de nulidade da promessa de
renúncia à pensão alimentar feita pela mulher, a
obrigação do marido permanece válida, enquanto que,
por outras razões, a convenção não seja declarada nula"
(CONSTANTINESCO, Traité, II, págs. 246-247; omite-
se a referência à evolução do direito inglês, alterado em
1963; no que toca ao direito português, em matéria de
alimentos em geral, e não só na relação matrimonial, o
direito a alimentos não pode ser objecto de renúncia ou
de cessão, embora os alimentos possam deixar de ser
pedidos e possa haver renúncia às prestações vencidas;
por outro lado, é possível que os cônjuges declarem não
precisar reciprocamente de alimentos, nomeadamente no
divórcio por mútuo consentimento, embora tal
declaração, ainda que homologada, não tenha eficácia
temporal ilimitada - cfr. arts. 2008.º e 2016.º do Código
Civil. O contrato de transacção, por seu turno, é regulado
nos arts. 1248.º a 1250.º do mesmo diploma. É nula a
transacção sobre alimentos de que resulte a renúncia aos
mesmos - arts.1249.º e 2008.º, n.º 1 do mesmo diploma).

10. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA põe em relevo que na fase


sintética há, por vezes, uma tendência para acentuar as semelhanças ("direito
comparado das concordâncias", no dizer de GINO GORLA) ou as diferenças:
"A primeira tendência, que no passado foi abertamente
defendida por comparatistas tão ilustres como Lambert
com a sua busca de um «fundo comum» (...), mantém-se
viva em todos quantos, na esteira de Rudolf Schlesinger,
85
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

continuam a colocar na descoberta do common core dos


sistemas jurídicos (...) o primeiro objectivo da
comparação jurídica. Este autor reafirmou recentemente
«que o processo de comparação tende a ser mais
interactivo do que contrastante» (...). Nem o próprio
Zweigert escapou completamente a esta tentação,
referindo-se a propósito da comparabilidade, a uma certa
praesumptio similitudinis [presunção de semelhança],
entendida no sentido de que a diversidade de princípios
esconde em última análise soluções semelhantes (...).
A segunda tendência, reunindo porventura mais
adeptos, está menos teorizada. Mas aflora em frases
como esta: «Em primeira linha, o direito comparado
preocupa-se mais com as divergências do que com as
concordâncias».”
(Direito Comparado cit., pág. 121)

Tende hoje a ser acolhida uma concepção de análise estrutural do


direito através da comparação jurídica:
"O modelo comparativo adequado configura-se como
uma «grelha comparativa» (quadro ou tabela de duas
entradas (...), formada por dois eixos: o eixo
sintagmático é formado por uma selecção de elementos a
considerar na comparação; o eixo paradigmático indica
as variações desses elementos em cada uma das ordens
jurídicas contempladas (...)" (C. FERREIRA DE
ALMEIDA, Direito Comparado cit., pág. 127;
recomenda-se a leitura cuidadosa dos Capítulos V e VI,
págs. 113 a 157 desta obra).
11. Importa ainda acentuar a necessidade de uma comparação integral de
certos institutos jurídicos, considerando uma pluralidade de soluções
decorrentes de diversos mecanismos funcionais. Como refere OTTO KAHN-
FREUND:
"Capítulos importantes dos princípios dos contratos
franceses e alemães aparecem em Inglaterra como regras
de prova (...). Nenhum estudo do direito da subsistência
da família (law of family maintenance) é digno do seu
nome a menos que as subvenções familiares, os
86
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

benefícios da segurança social, os benefícios do imposto


sobre o rendimento, bem como os direitos dos pais sobre
os bens dos menores sejam tomados em consideração.
(...) Quem poderia dar um relato preciso da protecção
dos investidores se olhasse apenas para as leis e as
decisões jurisprudenciais e ignorasse as regras das bolsas
de valores e mesmo os entendimentos mútuos das
entidades emissoras?" (transcrito em SCHWARZ-
LIEBERMANN von WAHLENDORF, Droit Comparé
cit., pág. 187; este comparatista francês acrescenta: "qual
seria a impressão que se teria do regime predial, da land
registration e dos seus efeitos, nos Estados Unidos, por
exemplo, se se ignorasse a existência e o papel das title
insurance companies (companhias de seguros de
documentos que titulam a propriedade e a posse)?")

12. No Dictionnaire encyclopédique de théorie et de sociologie du droit


(2ª ed., 1993, publicado sob a direcção de André-Jean Arnaud, Paris, LGDJ),
pode ler-se, na entrada relativa à comparação em direito, o seguinte texto de
JERZY WRÓBLEWSKI, professor polaco de Lodz:
"1. No discurso jurídico, comparamos três tipos de
objectos, a saber: as regras e as instituições tratadas
como conjuntos de regras; as decisões dos casos que
determinam as consequências dos factos provados; os
sistemas de direito concebidos seja de um modo formal
(a estrutura), seja de um modo substantivo (o conteúdo,
os princípios), seja como parte do sistema sociopolítico
(os tipos ou as grandes famílias de direito).
2. Há fórmulas de base dos enunciados da comparação
em que “O” significa o seu objecto:
/1/ O1 é comparável com O2, segundo as características
C1, C2... Cn, na língua L;
/2/ O1 é similar a O2, segundo as características C1, C2...
Cn, na língua L;
/3/ O1 é diferente de O2, segundo as características C1,
C2...Cn, na língua L
/4/ O1 é incomparável com O2, na língua L.
O enunciado de comparabilidade /1/ significa ou /2/,
ou /3/, e é relativo à base da comparação, isto é, às
características determinadas.

87
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

A noção de incomparabilidade (enunciado /4/) é


bastante complexa. Em primeiro lugar, trata-se ou de
incomparabilidade objectiva quando O1 e O2 não
pertencem à mesma categoria de objectos; por exemplo:
no sistema S2 não existe instituição que possa ser
comparada com um objecto de S1. Em segundo lugar,
existe uma incomparabilidade atributiva que diz respeito
às características da base de comparação; por exemplo:
as características dos objectos não são comparáveis. Ora,
deve diferenciar-se a situação, conforme se trate de
características descritivas e valorativas, ou da
possibilidade teórica de comparar, por vezes oposta ao
argumento pragmático segundo o qual as características
que servem de base à comparação são «formais»,
«superficiais» e «não significativas».
A oposição da comparabilidade teórica até à
incomparabilidade pragmática é importante nas
discussões que visam os sistemas capitalistas e
socialistas de direito e as suas instituições.
3. A comparação em direito é tratada ou como elemento
de uma investigação no quadro da teoria de direito, da
dogmática jurídica e da historia do direito, ou como
disciplina especializada do direito comparado." (pág. 76)

Deve notar-se que este texto foi redigido numa altura em que se
discutia frequentemente sobre a possibilidade teórica e o interesse prático da
comparação entre sistemas ocidentais ou capitalistas e sistemas socialistas,
como atras se referiu. Tal discussão perdeu a maior parte do seu interesse
após a queda do Muro de Berlim, a reunificação alemã e a democratização
dos países do antigo Bloco de Leste. Todavia, a comparação de um direito de
uma República centro-americana com o direito de Cuba terá de levar em
conta as características socialistas do ordenamento cubano.
13. Por último, importa referir que RODOLFO SACCO, responsável
pela publicação a partir da década de noventa do passado século de um
Tratado de Direito Comparado em vários volumes que conta com diversos

88
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

colaboradores italianos, utiliza o conceito de formantes, a propósito do


objecto da comparação, revelando uma concepção estruturalista da
comparação de direitos, influenciado pelos estudos do norte-americano
RUDOLF SCHLESINGER (1908-1996). Tal concepção estruturalista afasta-
se da aproximação funcional de ZWEIGERT.
Notando que a primeira resposta óbvia à pergunta sobre qual a
realidade que se compara no direito é a de que o objecto de comparação são
as normas jurídicas dos diferentes ordenamentos, RODOLFO SACCO chama
a atenção para a pluralidade de significados da expressão “norma”. O autor
considera que coexistem normas legais (constitucionais ou
infraconstitucionais), normas jurisprudenciais, normas de elaboração
doutrinal, etc.. Para as designar o autor usa as letras L (regras legais), D
(regras doutrinais), E (regras que podem extrair-se dos exemplos da
doutrina), M (regras que os tribunais enunciam numa máxima
jurisprudencial) e A (regras que os tribunais aplicam). Esta análise é válida
no direito interno e no plano comparativo.
O comparatista italiano exemplifica com o estudo de um problema
concreto em quatro ordenamentos nacionais (designados pelas letras a, b, c, e
d), a saber, o da responsabilidade do produtor de uma mercadoria defeituosa
perante um sujeito diverso daquele que lhe adquiriu a mercadoria:
“Neste ponto, podemos controlar qual é a posição
recíproca dos formantes dentro de qualquer sistema
considerado. Se duas leis uniformes comportarem duas
regras judiciárias uniformes, é possível que qualquer das
leis seja paralela à regra judiciária do próprio
ordenamento (se La=Lb, e Ma=Mb, pode suceder que
La=Ma e Lb=Mb). Mas se duas leis uniformes
comportam duas regras judiciárias opostas, pelo menos
uma das duas regras judiciárias não foi condicionada pela
lei.
Pode encontrar-se, naturalmente, a situação inversa.
Dois sistemas podem comportar duas leis diferentes, ou

89
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

dois entendimentos doutrinais diferentes, aí onde o direito


aplicado é uniforme. Também aqui, o direito aplicado não
é a simples tradução da fonte oficial, e o teoria não
determinou nem seguiu a prática (...).” ( cit., pág. 48)

O recurso ao conceito de formantes – importado da linguística – é


muito útil ao nível da micro-comparação, porquanto é possível ao
comparatista estabelecer qual é o grau de dissociação dos formantes, ou seja,
determinar em que medida as fontes de direito formais de um certo país, o
direito aí aplicado e o conhecimento que os juristas têm do seu próprio
sistema se encontram em concordância.
SACCO considera ainda outros formantes, além dos cinco acima
referidos, nomeadamente as motivações e as declarações de ciência
(definições, proposições filosóficas, etc.).
Por outro lado, SACCO designa como criptotipos os formantes não
verbalizados (modelos implícitos). Considera-os muito importantes, sendo
parte deles transmitido entre gerações de juristas, de tal forma que cada
jurista tendo a considerar a regra não verbalizada óbvia, sendo difícil libertar-
se da mesma no raciocínio jurídico.
14. UGO MATTEI, um dos discípulos de SACCO, traça um paralelo
entre este autor e o norte-americano de ascendência e cultura alemã
SCHLESINGER (1909-1996) responsável pelo projecto de Cornell sobre a
comparação no domínio do direito dos contratos, para encontrar o núcleo
comum (common core) dos sistemas jurídicos. Escreve MATTEI:
“A proposição que deseja testar [o exercício de
comparação entre os dois comparatistas] (à la Sacco),
uma aproximação ao direito comparado que incide na
estrutura e nos diferentes componentes das instituições
jurídicas (formantes jurídicos) pode ser interpretada como
um desenvolvimento europeu pós-moderno, cujas raízes
podem ser localizadas nos Estados Unidos da América e

90
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

reconduzidas ao trabalho de Schlesinger e do realismo


jurídico americano. Na passagem do modernismo
americano para o pós-modernismo europeu reside a chave
da compreensão da relação entre Schlesinger e Sacco bem
como da sua influência continuada na ciência
comparatista (Comparative Jurisprudence)
contemporânea (...).
Na minha opinião, a comparação de fenómenos
jurídicos é um exercício complexo que deve incluir as
seguintes actividades (...): Primeiro, uma comparação tem
de juntar e descrever analogias e diferenças. Segundo,
tem de encarar os objectos de observação em relação uns
com os outros para detectar os transplantes, em vez de
reinventar a roda. Terceiro, uma comparação tem de
desenvolver uma teoria para explicar as observações. Por
último, a comparação poderá retirar algumas lições
normativas do processo de observação e explicação [...]”
(The Comparative Jurisprudence of Schlesinger and
Sacco: A Study in Legal Influence in Rethinhing the
Masters of Comparative Law, ob. Colect. editada por
ANNELISE RILES, Hart. Publishing, Oxford and
Portland, Oregon, 2001, págs. 238-239).
É, de facto, interessante ver como SCHLESINGER, autor de um
manual muito conhecido em todo o mundo – Comparative Law. Cases. Text.
Materials (1.ª ed 1950; 8.ª ed. 1998) – influenciou o professou italiano de
Turim, sendo certo que este só foi conhecido nos Estados Unidos quando aí
foi publicada em 1999 uma tradução de um estudo seu sobre os formantes
jurídicos.

91
CAPITULO II

HISTÓRIA DO DIREITO COMPARADO

6. A pré-história do Direito Comparado

1. A comparação entre normas e instituições de diferentes


ordenamentos é muito antiga, remontando seguramente à Grécia Clássica. É
na civilização grega, berço da cultura clássica que inspira a Europa do Século
das Luzes, que surgem os primeiros esforços de confrontação entre soluções
jurídicas das diferentes cidades-Estado.
SCHWARZ-LIEBERMANN von WAHLENDORF escreve o
seguinte:
"O direito comparado, tal como o entendemos hoje, isto
é, enquanto esforço de análise sistemática dos conceitos
e das soluções adoptadas pelas diferentes ordens
jurídicas e a sua comparação, nasceu, é verdade, pelo
menos quanto ao essencial, no século XIX. Seria, porém,
inexacto pensar que a história do direito comparado lato
sensu só começa nesse momento. É, pelo contrário,
legítimo investigar um período várias vezes milenar com
a finalidade de encontrar aí desenvolvimentos que são de
interesse directo quando se quer pintar o quadro da
história do direito comparado.
Na origem, o direito e a ordem sagrada estão, como
sabemos, estreitamente ligados, a ponto de formarem um
todo. Este facto tem como consequência que, no dealbar
dos tempos históricos, a ideia de uma comparação
empreendida na óptica duma eventual aproximação,
mesmo com a finalidade de uma interpenetração mútua,
dificilmente pode tomar corpo. Os contactos entre etnias
limitam-se normalmente aos vizinhos imediatos, e
mesmo quando organizadas expedições mais longínquas,
utilizando, por exemplo, a via marítima, o projecto de
estudar o direito dos outros – fora de um eventual olhar
93
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

sobre o «exotismo» dos costumes estrangeiros – não


constitui uma das preocupações dos
exploradores/comerciantes. Nas regiões vizinhas de
acesso imediato, pelo contrário, o estudo geral da
civilização conduz a uma certa comunidade de
perspectivas, e isto sem prejuízo das diferenças que
podem existir entre uma etnia e a outra. Este facto
«insensibilizou» um pouco, com toda a probabilidade, o
olhar intelectual que se lança sobre os vizinhos. O que
for radicalmente diferente será então facilmente
considerado sem interesse imediato, como «bárbaro».
O estudo da relação entre direito e civilização,
verdadeira condição de uma aproximação lúcida aos
problemas do direito comparado, exige uma
maleabilidade de espírito, uma mentalidade científica
particular, que certas culturas antigas, mesmo altamente
desenvolvidas, não conheceram de modo algum. As
culturas da Grécia e de Roma, a que remonta, em linha
recta, a nossa própria herança intelectual e moral, são as
primeiras a testemunhar a presença dessa mentalidade;
ainda assim temos de nos defender de uma identificação
fácil do que foi feito, na época, nesse domínio com as
novas ideias próprias sobre uma investigação científica"
(Droit Comparé cit., págs. 95-96).

2. Na Grécia clássica PLATÃO, na sua obra sobre "As Leis", procedeu


à comparação das leis das diferentes cidades-Estado gregas, descrevendo-as e
testando-as face à constituição ideal que constrói a partir delas.
ARISTÓTELES analisou as constituições de 153 cidades-Estado, embora só
se conheça hoje um fragmento sobre a constituição de Atenas, demonstrativo
de uma "especulação filosófica com base no direito comparado"
(ZWEIGERT e KÖTZ). THEOFRASTO procedeu à comparação no domínio
do que chamamos "direito privado" (a sua aproximação é "bastante
moderna", segundo os citados comparatistas alemães: o autor tentou
"descobrir os princípios gerais nos diferentes sistemas jurídicos gregos e,
depois, num outro capitulo, confrontar com esses princípios as regras
94
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

concretas desviantes - o próprio método usado mais recentemente por OTTO


Von GIERKE na sua descrição do direito privado germânico e, de forma
mais espectacular, por EUGEN HUBER no seu retrato dos direitos privados
dos cantões suíços" - An introduction cit., pág. 49)
3. Na mesma linha evolutiva, em Roma parece que, num período
historicamente afastado, a Lei das XII Tábuas teria sido precedida de um
estudo comparativo das leis de diferentes cidades-Estado gregas.
Todavia, os romanos dedicaram-se pouco à comparação do seu
direito com o dos vizinhos, "por estarem demasiado convencidos da
superioridade do seu sistema político e jurídico, o que levava a que
prestassem pouca atenção às leis estrangeiras":
"CÍCERO descreveu todo o direito não-romano
como «confuso e bastante absurdo». As referências
ocasionais a regras jurídicas estrangeiras
constituem apenas notas históricas de pé de página
ou divertimentos teóricos. Mas um trabalho
interessante de direito comparado surge na época
pós-clássica, entre o terceiro e o quarto séculos
depois de Cristo. Trata-se da Collatio Legum
Mosaicarum et Romanorum, obra em que se
confrontam excertos dos juristas romanos clássicos
com as leis de Moisés, presumivelmente com a
finalidade de expandir a crença cristã através da
demonstração da identidade entre o Direito romano
e o direito bíblico." (ZWEIGERT e KÖTZ, An
Introduction, pág. 49)
Deve notar-se que os Romanos criaram um direito próprio aplicável
nas suas relações com os estrangeiros, o que afasta a necessidade de
comparação com os direitos desse estrangeiros:
"Quanto ao âmbito de vigência do direito privado
romano distingue-se:
1. O ius civile, isto é, o direito consuetudinário
primitivo e o contido nas leges e nas fontes equiparadas à
lei (plebiscita, senatusconsulta, etc.), vale (em geral)
apenas para os CIDADÃOS ROMANOS. Só eles estão

95
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

vinculados a este «privilégio de cidadania» (G. 1, 1 =


Inst. 1, 2, 1) […]
2. a) A estrutura peculiar da federação romana, à qual
pertencem numerosos Estados, mais ou menos
autónomos e subordinados a Roma por acordos de direito
das gentes, explica que vivam muitos não-cidadãos
(hostes, mais tarde peregrini) sob dominação romana.
Nas relações de uns com os outros (desde que pertençam
à mesma nação) e mesmo depois de o seu Estado ter
ficado submetido à soberania romana, estes
«estrangeiros» são julgados segundo o seu direito
ancestral, por ex., os atenienses segundo o direito
ateniense, os alexandrinos segundo o alexandrino; é,
contudo, duvidoso que o fossem perante tribunais
romanos [...]
3.a) Às relações jurídicas entre Romanos e Peregrinos
ou entre peregrinos de nacionalidades DIFERENTES
não era aplicável, como ficou dito, nem o ius civile
romano, nem outra das ordens jurídicas não romanas.
Para o comércio jurídico com ou entre estrangeiros, os
Romanos desenvolveram uma série de institutos
jurídicos que deviam valer para TODAS as pessoas e são
independentes da cidadania dos interessados [...]
b) A partir da República tardia designou-se como ius
gentium o direito vigente tanto para cidadãos como não-
cidadãos" (MAX KASER, Direito Privado Romano, trad.
de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle, Lisboa,
Fundação C. Gulbenkian, 1999, págs. 48-50)

4. Durante a Idade Média europeia, renascem os estudos de Direito


Romano e de Direito Canónico nas universidades, mas os costumes locais e
as leis dos diferentes reis e príncipes não gozam do prestígio suficiente para
serem objecto de comparação. No final do século XV, FORTESCUE (que
morreu em 1485) publicou duas obras em que procedeu à comparação do
direito inglês com o francês (De Laudibus legum angliae; The Governance of
England).

96
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

5. Na Idade Moderna, é muito desigual o interesse pelo comparatismo


jurídico.
Escrevem ZWEIGERT E KÖTZ:
"Na Idade do Humanismo, quando os juristas se
interessavam pela elegantia iuris, houve tentativas mais
sérias de análise jurídica comparativa. Deve fazer-se uma
alusão especial a STRUVE e STRYCK, no final do
século XVII, por causa das suas comparações entre os
direitos privados romano e alemão. Os primeiros
representantes da Idade do Iluminismo e do Direito
Natural, académicos como WOLF e NETTELBLADT,
estavam muito pouco vocacionados para ajudar o
progresso do direito comparado. Para eles, o direito
natural era uma construção intelectual a realizar através
de especulação apriorística sem referência a qualquer
material descoberto empiricamente, embora tenhamos o
direito de duvidar se, por detrás do seu sistema
presumivelmente a priori, não se acha emboscado algum
«direito comparado escondido».Todavia, dois espíritos
cimeiros da época, BACON e LEIBNIZ, impulsionaram,
de forma enfática, a causa do direito comparado sem que
efectivamente praticassem tal direito. No seu ensaio De
dignitate et augmentis scientiarum (1623) BACON
afirmou que o jurista se deve libertar dos «vincula» do
seu sistema nacional antes de poder avaliar a sua
verdadeira valia: o objecto do julgamento (o direito
nacional) não pode ser o padrão do seu julgamento.
Esta percepção, tão válida agora como sempre, justifica
todas as pesquisas comparatístas. Por seu turno,
LEIBNIZ baseia o direito comparado no ponto de vista
da História Universal: o seu plano para escrever um
«Theatrum legale» implicava um retrato comparativo das
leis de todos os povos, lugares e épocas. Nada derivou,
de imediato, destes escritos, mas descobrimos que os
jusnaturalistas subsequentes, tais como GRÓCIO,
PUFENDORF e MONTESQUIEU usaram de forma
expressa o método do direito comparado para obter apoio
empírico para os ensinamentos do direito natural. A
contribuição desta época reside menos na prática
sistemática da comparação jurídica do que no
reconhecimento do valor teórico dos seus métodos. Deve
97
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

referir-se também o antecessor de SAVIGNY em


Göttingen, HUGO (falecido em 1844) que tentou criar
um direito natural empírico através da comparação de
todos os direitos políticos existentes.
Em contrapartida, a Escola Histórica do Direito de
SAVIGNY teve um efeito particularmente repressivo
sobre o desenvolvimento do direito comparado. À
primeira vista, tal não é fácil de entender, uma vez que o
direito comparado podia (embora também não pudesse)
ter dado algum apoio ao ponto de vista dessa Escola de
que todo o direito é o produto do Volksgeist [Espírito do
Povo]. Mas SAVIGNY e os seus discípulos rejeitaram o
estudo de tudo aquilo que não fosse o Direito romano e o
Direito germânico: « É a história das nossas leis
próprias- as leis germânicas, o Direito romano e o
Direito canónico - que é e será sempre o mais
importante» (Stimmen für und wider neue Gesetzbucher,
Sav. Zt. (1816), 5 e segs.)" (An Introduction, cit., pág.
50)

6. Vale a pena recordar a este propósito a grande polémica entre os


defensores da codificação nos Estados germânicos, admiradores do Code
NAPOLÉON, em que pontifica THIBAUT, e os seguidores da Escola
Histórica, capitaneados por FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY (autor do
Sistema do Direito Romano Actual, cujo 1.º volume foi publicado em 1840)
opondo-se os últimos a que se codificasse o direito privado germânico.
FEUERBACH aliou-se a THIBAUT, afirmando que "dez aulas vivas
sobre o conceito de direito persa ou chinês fariam mais para estimular a
verdadeira inteligência jurídica do que cem comunicações sobre as
lamentáveis confusões do direito da sucessão intestada entre Augusto e
Justiniano" (1814).
7. Importa acentuar que MONTESQUIEU, autor do Esprit des Lois e
das Lettres persanes, pratica um certo comparatismo, embora eivado de
traços algo folclóricos, ilustrador de um certo diletantismo da época.
98
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

7. O Direito Comparado no Século XIX

1. O desenvolvimento das ciências sociais no século XIX, sobretudo no


domínio da sociologia, vai despertar o interesse dos cientistas sociais para o
método comparativo, influenciando os cultores do Direito.
Os estudos de inspiração histórica e sociológica vão marcar o
interesse pelo comparatismo jurídico
Escreve SCHWARZ-LIEBERMANN von WAHLENDORF:
"Dirigindo o nosso olhar para um domínio incidente da
forma mais imediata sobre o direito, e talvez também
mais imediatamente «científico», é preciso recordar que
o século XIX vê nascer igualmente as escolas de
inspiração histórica - sociológica cujos representantes
escreveram obras que, até hoje, não perderam o interesse
nem a importância. Evoquemos aqui Bachhofen (a sua
obra sobre matriarcado, «Mutterrecht»), Post (a sua
«Ethnologische Jurisprudenz» em que tenta encontrar a
tipologia fundamental das instituições - universelle
Institutionstypen - tais como a reciprocidade, o
julgamento, o processo, o tribunal, o casamento, a
família, o parentesco, a tutela, a expiação, a restituição),
Mazzarella (nomeadamente a sua obra « Gli elementi
irriduttibili dei sistemi guiridici») e Maine
(nomeadamente a sua obra «Ancient Law»)
Um prolongamento desta corrente histórica -
comparativa será formada, entre outros, pelo esforço
feito para alargar os parâmetros do estudo de direito
romano e para chegar a uma antike Rechtsgeschichte,
empreendimento já recordado atrás. Mencione-se
também aqui o grande universalista Josef Kohler." (Droit
Comparé pág. 110)

2. A estes estudos de natureza histórico - comparativa vão seguir-se as


comparações bilaterais entre o novo direito civil francês e outros direitos

99
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

privados nacionais, sobretudo quando começam a ser publicados códigos de


matriz francesa (em 1865 em Itália; em 1867 em Portugal; em 1888 em
Espanha).
É também incontornável a comparação entre as soluções do Código
Civil Francês e as derivadas do Direito romano, através do Usus modernus
Pandectarum, sobretudo dada a circunstância de aquele código ter vigorado
nas zonas fronteiriças da Renânia e de Baden (estudos de ZACHARIÄ e
MITTERMAIER)
3. As primeiras cadeiras de legislação comparada aparecem na primeira
metade do século XIX, tal como as primeiras revistas da especialidade.
Em França, em 1801 é criado um Bureau de Législation para estudar
legislações estrangeiras, mas só trinta anos mais tarde é criada no colégio de
França uma cadeira de "História geral e filosófica das legislações
comparadas", de que foi primeiro regente LERMINIER, a quem sucedeu
LABOULAYE, fundador da Societé française de legislation comparée
(1869). Em 1846 foi criada em França uma cadeira de Direito Criminal
Comparado, na Universidade de Paris.
Idêntica disciplina apareceu em universidades espanholas e italianas.
Em Inglaterra, POLLOCK e MAINE ministram cursos sobre História
Jurídica Comparada. MAINE assegurou em 1869 a regência em Oxford de
uma cadeira de Historical and Comparative Jurisprudence.
4. Aparecem também no século XIX revistas de direito comparado:
assim, em 1829 aparece a Revista Crítica de Ciências do Direito e de
Legislação do Estrangeiro, fundada por ZACHARIÄ e MITTERMAIER, e
que atingiu 28 volumes.
Em França, FOELIX fundou uma Revista Estrangeira de Legislação
em 1834.

100
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

Em 1869, passa a ser publicado o Boletim da Sociedade de


Legislação Comparada, hoje designado Revista Internacional de Direito
Comparado.
5. Sociedades Cientificas de Direito Comparado são fundadas em
França (1869), em Inglaterra (1894) e na Alemanha (1894).
Os historiadores do direito como KOHLER, POLLOCK e MAINE
vão desempenhar um papel muito importante na formação científica do
Direito Comparado, preparando o Congresso de Paris de 1900.

8. O Direito Comparado no Século XX: do Congresso de Paris (1900) até


ao presente

1. O Congresso de Paris de 1900 é geralmente considerado o momento


fundador desta disciplina científica, tanto mais que os congressistas
discutiram com profundidade a definição, o objecto, a metodologia desta
disciplina. Os grandes inspiradores do congresso foram, como se viu atrás,
RAYMOND SALEILLES E EDOUARD LAMBERT, do lado francês, o
alemão KOHLER e o britânico POLLOCK.
Já atrás se referiu que se discutiu se o Direito Comparado era, em
primeira linha, uma disciplina de História do Direito ou de comparação
sincrónica de direitos ou de legislações. EDOUARD LAMBERT distinguia,
como se referiu, a História Comparada dos Direitos e a Ciência da Legislação
Comparada. SALEILLES sobrevalorizava a função de descoberta, através da
comparação de Direitos, de um fundo comum ou direito comum da
humanidade civilizada, ideia partilhada também por LAMBERT (este autor
falara de droit commun législatif) e por ZITTELMANN (falava de stock
comum de soluções).

101
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

2. Na periodificação da fase moderna do Direito Comparado é costume


distinguir três fases:
a) - do Congresso de Paris (1900) até à Grande Guerra (1914 -
1918);
b) - o período entre as Guerras (1919 - 1945);
c) - o período após 1945.
3. a) Na primeira fase, alem do debate metodológico que se seguiu ao
Congresso, o Direito Comparado ocupa-se sobretudo da comparação bilateral
entre o Code Civil francês e o BGB (Código Civil alemão de 1896).
4. b) A segunda fase segue-se à assinatura do Tratado de Versalhes
(1919) e ao desenvolvimento dos esforços de cooperação entre as Potências
vencedoras da Primeira Guerra Mundial que fundam a Sociedade das
Nações.
Em 1920, é fundado em Lyon o Instituto de Direito Comparado de
ÉDOUARD LAMBERT. Doze anos mais tarde, LÉVY - ULLMANN
fundava o Instituto de Direito Comparado da Universidade de Paris.
Em 1924 era fundada a Academia Internacional de Direito
Comparado, entidade promotora de Congressos Internacionais periódicos
sobre esta disciplina.
Em 1926, sob a égide da Sociedade das Nações e inspirado por
VITTORIO SCIALOJA, era fundado em Roma o Instituto Internacional para
a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT), onde um jovem francês,
RENÉ DAVID, começa a exercer as funções de secretário.
VITTORIO SCIALOJA patrocinou uma tarefa de preparação de um
texto uniformizador do Direito das Obrigações de influência latina,
contraposto ao modelo germânico acolhido no BGB, que devia ser adoptado
pela França e pela Itália. Trata-se do Projecto Franco - Italiano de Direito das

102
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

Obrigações, concluído em 1929. Embora não tenha sido posto em vigor em


nenhum dos países destinatários, influenciou os trabalhos preparatórios do
Codice Civile italiano de 1942, tendo sido transformado em lei positiva na
Albânia. LEVY - ULLMANN e LAMBERT começam a interessar-se pelos
direitos de Common Law, tal como RABEL, na Alemanha.
ERNST RABEL, cultor do Direito Internacional Privado, sustentou
que o Direito Comparado devia abandonar a busca de um "droit commun
législatif", a partir da mera comparação de leis e códigos, passando a
interessar-se pela comparação de soluções jurídicas que "são dadas aos
mesmos problemas reais pelos sistemas jurídicos dos diferentes países vistos,
como um todo completo" (1937)
O advento do Regime Nazi levou vários juristas alemães a emigrar
para países de common law (OTTO KAHN FREUND, M. WOLLF, ERNST
RABEL, MAX RHEINSTEIN, H. KELSEN), os quais iriam influenciar a
comparação com os direitos continentais das soluções dos Direitos inglês e
norte-americano.
5. c) A terceira fase da história do Direito Comparado desenrola-se do
final da Segunda Guerra Mundial até ao presente.
Já vimos que, em 1950, aparecem os tratados de ARMINJON,
NOLDE e WOLFF e de RENÉ DAVID e que existem condições propícias
para o estudo comparado dos direitos europeus e do direito norte-americano.
RENÉ DAVID publica em 1964 a primeira edição dos seus Grands
Systèmes, na linha do programa que enuncia no Traité Elémentaire de Droit
Comparé de 1950:
"No mundo actual, constitui um dever imperioso, para
todos os que pretendem constituir uma elite, a feitura de
um esforço para conhecer os países estrangeiros,
compreender o seu modo de ver, e não julgar as
respectivas instituições, a sua política, a sua moral à luz
das nossas concepções e dos nossos preconceitos. As

103
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

circunstâncias actuais exigem a compreensão da parte de


todos, e especialmente dos que podem ser chamados a
dirigir a opinião dos seus países. O estudo dos direitos
estrangeiros é, para os juristas, um meio de se desobrigar
dessa tarefa e de adquirir o espírito internacional
necessário no mundo novo" (pág. II)
O interesse pelo Direito Comparado revela-se na proliferação de
institutos universitários a ele dedicados, na constituição de associações
internacionais de juristas, na publicação de revistas e de monografias sobre a
metodologia do Direito Comparado, as suas finalidades e os seus exercícios
práticos.
A partir do final dos anos setenta, a doutrina da coexistência pacifica
entre os Blocos capitalista e socialista vai permitir o contacto entre juristas
"burgueses" e "socialistas" e a teorização da comparação contrastada
(WRÓBLEWSKI, KNAPP, IMRE SZABÓ, BLOGOJÉVIC, PETÉRI). A
intensificação do comércio internacional com o Bloco de Leste, leva os
juristas ocidentais a interrogar-se sobre o conceito de legalidade socialista e a
estudar os modos de resolução de litígios do comércio internacional, em
especial o regime das arbitragens institucionalizadas previstas nos contratos
de comércio internacional. Do lado do Bloco Socialista, a comparação com
os direitos ocidentais destina-se sempre a pôr a nu a expressão da exploração
do homem pelo homem nestes últimos e a mostrar a superioridade ética dos
direitos socialistas.
No início dos anos setenta são publicados o primeiro volume da obra
de ZWEIGERT e KÖTZ, dedicada à macro-comparação, e os dois primeiros
volumes do Tratado de L. J. CONSTANTINESCO.
Os acontecimentos subsequentes à queda do Muro de Berlim vêm a
convencer os comparatistas de que desapareceu na Europa a família dos
Direitos Socialistas. Começa a assistir-se ao renascer de algum interesse

104
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

pelos direitos islamitas, sobretudo quando ocorrem situações de guerra que


envolvem países ocidentais e países de população muçulmana (1ª Guerra do
Golfo; invasão do Afeganistão e do Iraque).
Durante este período começa a publicar-se a partir de 1971 a
International Enciclopaedia of Comparative Law, editada por ZWEIGERT e
DROBNIG, em 16 volumes.
Os sucessivos Congressos de Direito Comparado permitem reunir
juristas com formações muito distintas e proceder a estudos temáticos de
micro-comparação.
A evolução das Comunidades Europeias e das suas fontes de direito,
sobretudo após os Tratados de Maastricht, Amsterdão e Nice, tem uma
profunda influência no comparatismo europeu. A eventual entrada em vigor
da Constituição Europeia assinada em 2004 levará seguramente a um
aprofundamento da comparação sistemática do direto dos vinte e cinco
Estados Membros da União Europeia

9. O Direito Comparado em Portugal

1. Conforme se pode ver referido na obra de CARLOS FERREIRA DE


ALMEIDA, Direito Comparado. Ensino e Método, só em 1911, na reforma
dos estudos jurídicos da Primeira República, é que aparecem duas disciplinas
de Direito Comparado, uma de Direito Público (Direito Constitucional
Comparado) e uma, anual, de Legislação Civil Comparada.
Na Faculdade de Direito de Coimbra foram encarregados da regência
do Direito Constitucional Comparado ARTUR MONTENEGRO e PAULO
MERÊA. Mais tarde, FESAS VITAL assegurou a regência.
Da regência das cadeiras de Legislação Civil Comparada foram
encarregados, em Coimbra, GUILHERME MOREIRA, MACHADO
VILELA, JOSÉ GABRIEL PINTO COELHO, PAULO MERÊA e, a partir
105
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

de 1924-25, MANUEL DE ANDRADE. Este último Professor, além do


estudo sobre as principais codificações, versa já as fontes do direito inglês.
Publicou lições quanto à matéria das codificações europeias.
Em Lisboa, o Direito Constitucional Comparado foi regido por
diferentes Professores, entre outros, BARBOSA DE MAGALHÃES,
MARTINHO NOBRE DE MELO e ROCHA SARAIVA.
A cadeira de Legislação Civil Comparada foi assegurada por
FERNANDO EMÍDIO DA SILVA, JOSÉ GABRIEL PINTO COELHO,
MARTINHO NOBRE DE MELO, CARNEIRO PACHECO e JOAQUIM
PEDRO MARTINS.
Em 1928, com a Nova Reforma de Estudos, deixou de ser professada
essa cadeira.
A partir dos anos quarenta, as cadeiras de Direito Comparado
aparecem nos Mestrados (Cursos Complementares).
2. Só após a Constituição de 1976, com as novas reformas de estudos
jurídicos, aparecem de novo cadeiras de Sistemas Jurídicos Comparados
(Coimbra) e Direito Comparado (Lisboa). Asseguram a regência dessas
cadeiras, em Coimbra, CARLOS MOTA PINTO e FERNANDO JOSÉ
BRONZE. Em Lisboa, asseguram a mesma regência dois Professores, JOÃO
DE CASTRO MENDES e ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO. No
domínio do Direito Público, JORGE MIRANDA, ANDRÉ GONÇALVES
PEREIRA e FAUSTO QUADROS, com outros colaboradores, asseguram a
regência de Direito Constitucional Comparado.
Em 1983, o novo Plano de Estudos da Faculdade de Direito da
Universidade Clássica passou a ter uma cadeira de Sistemas Jurídicos
Comparados, no 2º Ano, cuja regência foi assegurada por ISABEL DE
MAGALHÃES COLLAÇO, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, RUI
PINTO DUARTE, ANA PRATA e JOSÉ ACÁCIO LOURENÇO.
106
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

Têm sido intermitentemente incluídas nos programas de Faculdade


de Direito da Universidade Clássica disciplinas de Direito Comparado.
Na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa tem
havido sempre uma cadeira de Sistemas Jurídicos Comparados, com vários
regentes (CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, RUI PINTO DUARTE,
NUNO PIÇARRA).
3. Têm sido poucos os cultores do comparatismo jurídico em Portugal.
Trata-se de uma matéria algo periférica, cujo interesse académico tem sido
considerado escasso.
Na Procuradoria-Geral da República tem funcionado durante
bastantes anos um Gabinete de Direito Comparado, tendo sido publicados
pelo Ministério da Justiça Boletins de Direito Comparado, em anexo ao
Boletim do Ministério da Justiça ("Documentação e Direito Comparado").
São pouco frequentes em Portugal os estudos de Direito Comparado
havendo um certo preconceito quanto à disciplina, acusada de "diletantismo
jurídico".

107
CAPÍTULO III
A DISTINÇÃO ENTRE FAMÍLIAS JURÍDICAS

10. Noção de famílias ou círculos de ordens jurídicas. A mega-comparação

1. A noção de famílias jurídicas é correntemente utilizada no Direito


Comparado, nas análises macro-comparativas.
Segundo ZWEIGERT e KÖTZ, "a teoria das «famílias jurídicas»
procura dar resposta a diferentes questões em direito comparado. Podemos
dividir o vasto número de sistemas jurídicos em apenas alguns grandes
grupos (famílias jurídicas)? Como decidimos o que deverão ser estes grupos?
E, supondo que conhecemos o que deverão ser os grupos, como decidimos se
um sistema jurídico específico pertence a um grupo em vez de a um outro?
"E os mesmos autores acrescentam:
"Fazemos estes agrupamentos para efeitos taxinómicos,
de forma a arranjar a massa de sistemas jurídicos numa
ordem compreensível. Mas há outro meio através do qual
se pode tornar mais fácil a tarefa do comparatista. Se um
ou dois sistemas jurídicos constituírem prova de que são
representativos de cada um desses grandes grupos, então
o comparatista pode, em certas condições, concentrar-se
nesses sistemas, pelo menos no estádio presente do
direito comparado" (An Introduction, págs. 63-64) .
No mesmo sentido se pronunciam RENÉ DAVID e CAMILLE
JAUFFRET SPINOSI:
"O agrupamento dos direitos em famílias é adequado
para facilitar, reduzindo-os a um número restrito de
tipos, a apresentação e a compreensão dos diferentes
direitos do mundo contemporâneo. Não se obteve,
todavia, acordo para saber como efectuar esse
agrupamento e quais as diferentes famílias de direito que
devem consequentemente reconhecer-se." (Les Grands
Systèmes cit., pág. 15).
109
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

2. Todavia, como em outros campos do Direito Comparado, a situação está


longe de ser pacífica.
Por exemplo, ERIC AGOSTINI põe em causa as vantagens do
estabelecimento de famílias de direito, referindo-se às análises de RENÉ
DAVID e de ZWEIGERT :
"Não é preciso dissimular nem o interesse, nem os
méritos destas análises. Nem o interesse, porque é
perfeitamente exacto que podem ser realçadas
importantes afinidades jurídicas de país para país. Assim,
o continente traz a impressão indelével do direito
romano, enquanto que este mesmo direito impregnou
menos a Inglaterra. Nem os méritos também, porque se
trata de um trabalho conduzido à escala planetária, o que
supõe um investigador dotado de um domínio poliglota
(glossolalia). Não obstante, não seguiremos este
caminho, e isso por três razões. Em primeiro lugar,
sendo puramente didácticas, as classificações dos
sistemas de direito variam até ao infinito, consoante os
autores que se decidiram a estabelecê-las. Em seguida,
este método faz acreditar o estudante (ainda que os
autores visados se defendam deste argumento) que as
«famílias de direito» ou Rechtskreise constituem tantos
blocos sem falhas, impermeáveis uns aos outros. E
depois, sobretudo, o direito comparado não é a descrição
das legislações estrangeiras, mas a ... comparação dos
sistemas estrangeiros entre eles e o nosso" (Droit
Comparé, Paris, Puf, 1988, pág. 25; deve notar-se que a
glossolalia é uma suposta capacidade de falar línguas
desconhecidas quando em transe religioso, sendo
também uma doença mental estudada pela psiquiatria
quando certos doentes crêem inventar uma linguagem
nova).
3. Seja como for, a noção de família de direito e de círculo jurídico são
aceites pelo maior parte dos comparatistas.
Com a presunção de que pode ser criticável reconduzir toda e
qualquer ordem juridica a uma família de direitos, estabelecendo, porventura,

110
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

um parentesco discutível, iremos em seguida ver algumas das classificações


mais usuais.
4. Importa conhecer a noção de mega-comparação, avançada por
CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA.
Este comparatista, ao descrever as tarefas da macro-comparação,
indica as seguintes três:
"1ª-Comparação entre ordens jurídicas («sistemas
jurídicos»);
2ª- Classificação ou agrupamento dos sistemas jurídicos
em famílias (ou círculos) de direito;
3ª- Comparação entre famílias de direito (tarefa para a
qual se sugere o termo «megacomparação»)
(Introdução ao Direito Comparado cit., pág. 10).

A mega-comparação faz-se, pois, a um nível superior, entre famílias


de direitos. Assim, comparando a família romano-germânica com a common
law, estaremos no plano da mega-comparação (recorda-se que F. C.
SCHRÖDER fala, além da macro-comparação e da micro-comparação, de
meso-comparação, a qual é utilizada para descrever a comparação entre
ramos de direito: comparação, por exemplo, do direito penal sueco com o
direito penal português).

11. Principais classificações doutrinais

1. É usual na doutrina francesa restringir a classificação dos sistemas


jurídicos aos "países civilizados", deixando de fora certos direitos primitivos
actuais estudados pela Etnologia Jurídica. Este ponto de vista é criticado por
autores como CONSTANTINESCO
RENÉ RODIÈRE escrevia em 1979:
"Pode-se estabelecer esta classificação a partir de certas
bases, mas qualquer classificação deve fazer-se no
mesmo plano: apenas se podem em seguida combinar
111
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

várias classificações, levando em conta numa as bases


sócio- políticas, na outra a ética moral, numa terceira
dados históricos... Assim, GLASSON (...) [em 1880, no
prefácio do seu livro "O Casamento Civil e o Divórcio"]
quedava-se pela influência respectiva do direito romano
e do direito germânico e distinguia três grupos de
sistemas jurídicos: o primeiro constituído pelos países
em que a influência romana se tinha manifestado de
modo principal: a Itália e a Espanha; o segundo, em
antítese do primeiro, era constituído pelos países em que
a influência romana era fraca: a Inglaterra, os países
escandinavos, a Rússia; o terceiro agrupava os sistemas
jurídicos que tinham acolhido de modo igual a influência
romana e a germânica: a França, a Alemanha, a Suíça.
Esta classificação era criticável; o segundo grupo só se
definia por uma ausência - ausência de influência do
direito romano. Não há nenhuma homogeneidade; não há
nenhuma relação entre a Common Law e o sistema russo
que GLASSON colocava na mesma categoria. Teria sido
também possível incluir aí, ultrapassando o seu quadro
geográfico, o direito muçulmano, o direito chinês e o
direito hindu que mostram como ponto comum a
ausência de influência do direito romano ou uma
influência mínima."
(Introduction au droit comparé cit., pág. 25)

2. CASTRO MENDES procurou catalogar as tentativas de classificação


feitas no século XX segundo o critério adoptado, distinguindo critérios
simples (homogéneos; não homogéneos) e critérios complexos (Direito
Comparado cit., págs. 128 e segs.)
Os critérios simples atendiam a uma característica, definida com
maior ou menor clareza, que seria possível encontrar em cada ordenamento
considerado ou, então, que não seria possível encontrar (critério simples
homogéneo).
O critério simples não homogéneo seria o que atende a uma
característica aparentemente simples e unitária, mas designada "por um
112
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

termo ou conceito que abrange em si uma pluralidade de aspectos diferentes"


(Direito Comparado cit., pág. 129).
Os critérios complexos atenderiam a vários factores ou
características.
3. O civilista A. ESMEIN, participante no Congresso de Paris,
distinguiu as famílias romanística, germânica, anglo-saxónica, eslava e
islâmica.
SAUSER-HALL, em 1913, elegia a raça como factor essencial na
classificação das famílias, afirmando categoricamente que "só dentro de uma
raça individual" seria possível traçar a evolução jurídica.
Distinguia as famílias de direito indo-europeia, semita, mongólica, a
par de um grupo das nações não civilizadas. A família indo-europeia
subdividia-se nos subgrupos das famílias hindu, iraniana, céltica, greco-
romana, germânica, anglo-saxónica e lituaniana-eslava.
Trata-se de um critério simples homogéneo.
Em 1934, MARTINEZ-PAZ utilizava um outro critério simples
homogéneo, a saber, a origem ou o elemento genético: distinguia consoante a
influência na evolução tivesse sido o ius gentium, o direito romano, o direito
canónico ou as recentes ideias democráticas.
O grupo romano-canónico-democrático abrangia os sistemas da
América Latina, Suíça e Rússia (cfr. ZWEIGERT e KÖTZ, An Introduction,
pág. 64; CASTRO MENDES, cit., págs. 130-131).
LEVY-ULLMAN considerava, nos anos trinta, de importância crítica
as fontes de direito, distinguindo consoante o predomínio, num ou outro
direito, do papel da lei, do costume ou da religião.
4. A partir dos anos cinquenta do século XX aparecem classificações
mais complexas que atendem a diferentes critérios, no plano macro-
comparativo.

113
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

ARMINJON, NOLDE e WOLLF dividiram o mundo em função da


substância de cada família, atribuindo o devido valor "à originalidade,
derivação e elementos comuns". Assim, encontraram sete famílias: a
francesa, a germânica, a escandinava, a inglesa, a suíça, a islâmica e a hindu.
RENÉ DAVID começou, no Tratado, por classificar os
ordenamentos em função de dois critérios, o ideológico e o da técnica legal.
Distinguia cinco famílias: os sistemas ocidentais, os socialistas, o direito
islâmico, o direito hindu e o direito chinês.
Mais tarde, nos Grands Systèmes, 1964, passou a falar de elementos
constantes e variáveis nos sistemas, e distinguiu três " grandes" famílias, a
romana-germânica, a da Common Law e a família socialista. Num grupo
heterogéneo de outros sistemas incluiu o direito judaico, o direito hindu, o
direito do Extremo Oriente e um grupo de direitos africanos e de
Madagáscar.
Nas edições mais recentes, a cargo da CAMILLE JAUFFRET
SIPNOSI, deixa de falar-se em direitos socialistas, passando a apontar-se o
direito russo como um sistema diferente.
ZWEIGERT e KÖTZ, com base na teoria dos "estilos" (que atrás
analisámos) distinguem os Direitos romanistas, germânicos, nórdicos, anglo-
americanos, o Direito do Extremo Oriente (direito chinês e japonês) e os
sistemas jurídicos religiosos (Direito islâmico e Direito hindu). Em edições
anteriores da obra, ainda faziam referência à família dos direitos socialistas.
FELIPE DE SOLA CÃNIZARES (1954) distinguiu três famílias: os
sistemas ocidentais, os sistemas socialistas e os sistemas religiosos.
5. Não vale a pena debater os méritos e deméritos de cada uma destas
classificações e escolher qual é a melhor.

114
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

RODIÈRE, porém, critica a solução por si qualificada de


"superficial", de classificar em famílias diferentes os direitos romanistas (em
especial, o direito paradigmático que é o francês) e os direitos germânicos
(alemão, austríaco e suíço), afirmando que as diferenças existentes não
afectam nenhuma estrutura fundamental e confinam-se ao "emprego de
técnicas diferentes que são explicadas por diferenças do processo, por um
lado, e por hábitos mentais de raciocínio, mais concretos nuns direitos e mais
metafísicos nos outros, por outro lado" (Introduction cit., págs. 27-28).
Tudo dependerá, no fundo, dos critérios de base (o "estilo" para
ZWEIGERT e KÖTZ; os "elementos determinantes" para
CONSTANTINESCO, os elementos "constantes" para RENÉ DAVID).
Deve notar-se que CONSTANTINESCO parecia inclinar-se para uma
classificação em função das "civilizações", distinguindo na civilização
ocidental o sistema europeu continental do anglo-americano, a par dos
sistemas soviético, hindu e islâmico, pelo menos (Traité, III, págs. 462 e
segs.).
RENÉ RODIÈRE aborda ainda uma outra classificação, a de MARC
ANCEL:
"Sem pretender traçar um recenseamento completo,
citemos uma última classificação: a de M. ANCEL que
distingue três grupos essenciais de sistemas jurídicos (o
sistema romano-germânico, a Common Law e os direitos
socialistas) e grupos complementares (os sistemas de
direitos religiosos e os do Terceiro Mundo) (...). As
palavras são características: o que parece essencial a um
francês é o que ele apreende melhor (a família dos
direitos romano-germânicos e a Common Law) ou que o
ameaça de mais perto (os direitos socialistas); o resto do
mundo jurídico, isto é, o que enforma quatro quintos do
planeta perde-se numa névoa longínqua que faz
classificar esses sistemas como «complementares» (de
quê?)" (Introduction, pág. 28).

115
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

Este texto mostra, de facto, a existência de um preconceito europeu


(ou ocidental?) na abordagem de chamada "geografia jurídica". Dever-se-á
notar que a realidade se alterou profundamente com o colapso da família de
direito socialista na Europa (restará, por ora, a Coreia do Norte, Cuba...) e
com a evolução contemporânea do Direito chinês e dos outros direitos do
Extremo Oriente.
6. Uma nova contraposição ou comparação contrastada vai aparecendo
nas últimas décadas entre os direitos de inspiração cristã (direitos ocidentais,
englobando os antigos direitos dos Estados de Leste Europeu) e os direitos
islâmicos, correspondentes a sistemas antagónicos, do ponto de vista
civilizacional.
Escreve CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA:
"I. O principal contraste entre direitos islâmicos e os
direitos de raiz europeia verifica-se desde logo na
concepção de direito.
É óbvio que a xaria não coincide actualmente com o
sistema jurídico de qualquer Estado islâmico. É mesmo
certo que nunca, em parte alguma, coincidiu com o
direito vigente, antes completou, de variadas formas,
direitos tribais ou estaduais. Não é menos certo porém
que, em todos os direitos islâmicos e por definição
destes, a xaria continua sendo fonte de direito.
Como se viu, a xaria é um conjunto normativo
complexo, legitimado pela revelação, cuja base religiosa
se projecta em toda a vida social. No âmbito próprio da
xaria, não há distinção entre religião, moral e direito,
entre actos religiosos e relações humanas, nem sequer
entre direito canónico e direito civil (ou laico),
expressões que só têm sentido noutro contexto.
A xaria vigora a diferentes títulos, em diferentes
matérias e com diferente intensidade nos diferentes
direitos islâmicos actuais.
A xaria pode ser invocada pela lei ordinária a título de
direito suplementar ou consagrado pela Constituição.
Como critério de interpretação de lei, como uma fonte de
116
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

direito entre outras ou como principal fonte de direito.


Nalguns Estados, a Constituição explicita a necessidade
de as leis se conformarem com a xaria ou nela se
inspirarem [...].
De forma directa ou indirecta e com graduações
diversas, continua portanto a haver nos direitos islâmicos
um lugar para o Corão, fonte revelada e origem primária
de toda a xaria. Daqui resulta a subsistência nos
modernos sistemas jurídicos islâmicos, mesmo quando
considerados na globalidade das suas fontes, incluindo a
lei e outras fontes laicas, de uma certa indistinção
conceptual entre religião e direito.
De modo simbólico e sintético, esta indistinção tem a
mais clara expressão na consagração constitucional do
Islão como religião do Estado. Quanto maior for a
influência da xaria nos direitos islâmicos, maior é o
predomínio desta concepção difusa do direito.
II. Bem diferente é, sob este aspecto, a concepção de
direito nos sistemas jurídicos romano-germânico e da
common law, que convergem na distinção entre direito e
outros sistemas normativos, tais como a religião, a moral
e as normas de convivência social (...).
Esta observação não colide com a influência da
religião, elemento metajurídico comum aos direitos
destas duas famílias (...). Na verdade, foi em ambiente
cristão que a separação destas ordens normativas se
gerou. Embora com antecedentes na filosofia e na prática
greco-romana, a máxima a partir da qual se desenvolveu
está repetida em três ou quatro relatos evangélicos do
Novo Testamento: «Dar a César o que é de César e a
Deus o que é de Deus» (Mateus 22, 21; Marcos 12, 17;
Lucas 20, 25).
Mas nem estes episódios nem a inspiração religiosa
(cristã) das doutrinas jurídicas dominantes durante
muitos séculos na Europa impediram a progressiva
distinção institucional e cultural cujo marco decisivo
coincide com o advento do liberalismo e com a crescente
implantação do laicismo a partir da Revolução Francesa.
No limite máximo, compreende a permissão do ateísmo
e a sua difusão programática" (Direitos Islâmicos e
«Direitos Cristãos», in Estudos em Homenagem ao
Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. V,

117
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

Coimbra, Almedina, 2003, págs. 743-744; sobre o Islão e


os direitos islâmicos veja-se ainda ERIC AGOSTINI,
Droit Comparé cit., págs. 31 a 74 ou, na tradução
portuguesa, os nos 16 a 34.)

7. A coexistência, no mesmo ordenamento jurídico, de instituições


jurídicas ocidentais e de instituições islâmicas (por exemplo, tribunais onde
se aplica a xaria), tem suscitado questões dramáticas, como a de
convalidação de sentenças de condenação à morte por crimes de adultério da
mulher, com execução por apedrejamento (vários casos relatados na
imprensa, passados na Nigéria ou em Estados Islâmicos, onde coexistem
comunidades cristãs e comunidades islâmicas).
8. Por razões pragmáticas, só será possível no presente curso de
Sistemas Jurídicos Comparados abordar a macro-comparação entre
ordenamentos típicos de duas famílias, a família romano-germânica
(abordando os casos paradigmáticos dos direitos francês e alemão) e a
família da common law (direitos inglês e norte-americano).
Como escreve RENÉ RODIÈRE:
"Se nos ativermos ao mundo cristão ou cristianizado, isto
é, principalmente à Europa e às Américas, a melhor
classificação é a dos sistemas de tipo continental ou de
Civil Law e dos sistemas da Common Law. O primeiro
grupo compreende os direitos francês, alemão, espanhol,
soviético...
O segundo grupo abrange os direitos do Reino Unido, da
Grã-Bretanha e da Irlanda [do Norte], os diversos países
da Commonwealth e dos U.S.A. Esta distinção foi
admitida de forma bastante generalizada pelos
comparatistas (...)" (Introduction, págs. 29-30; deve
notar-se que o direito soviético era classificado como
prototípico dos direitos socialistas segundo a grande
maioria dos autores, incluindo RODIÈRE)

118
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

Importará não esquecer, porém, que a classificação das famílias


deverá ser abrangente, não podendo ficar da fora os direitos religiosos e
tradicionais.
9. A questão da arrumação dos sistemas jurídicos em famílias e as suas
classificações têm sido objecto de crítica pelo comparatismo pós-moderno ou
crítico.
Por exemplo, PIER GIUSEPPE MONATERI considera que "os
projectos para desenhar um «mapa» dos sistemas jurídicos... são realmente
deformados, projectos políticos não neutrais de governance apreciados pelo
uso da disciplina académica de direito comparado" (transcrito em JAAKKO
HUSA, Classification of legal families today. Is it time for a memorial
hymn?, in Revue Internationale de Droit Comparé, ano 56, 2004, n.º 1, pág.
15).
A queda dos sistemas socialistas do Leste europeu suscita amplo
debate sobre os critérios científicos das classificações de famílias de direito,
em termos diversos dos postulados pelo comparatismo tradicional ou
mainstream. A acusação feita aos critérios tradicionais passa pelo seu
carácter estático.
Uma das tentativas mais conseguidas é a de UGO MATTEI que, em
1997, expôs num artigo a sua teoria dos "três padrões do direito" (patterns of
law), dando especial relevância ao agrupamento de fontes de normas (a
política, o direito e a tradição filosófica ou religiosa). A sua classificação
distingue três tipos de sistemas jurídicos consoante as regras imperantes: 1) a
regra do direito profissional; 2) a regra do direito político; 3) a regra do
direito tradicional. Consoante o padrão ou protótipo hegemónico, assim se
podem classificar os direitos: a família do direito profissional abrange as
subfamílias romano-germânica e da common law; os direitos chinês e
japonês são membros da família dos direitos tradicionais, embora o Japão se

119
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

aproxime do modelo do direito profissional e a China da família do direito


político.
O comparatista finlandês JAAKKO HUSA procura, tal como
MATTEI, uma classificação dinâmica através da metamorfose. Procura
distinguir as esferas culturais diferentes, destrinçando três tipos diferentes de
sistemas: o sistema ocidental, os sistemas não ocidentais e os sistemas
híbridos.
O grupo predominante é o ocidental, que engloba os direitos romano-
germânicos e os direitos da common law, caracterizado pelo conceito de
regra de direito, direitos do Homem e direitos constitucionais, e uma
profissão jurídica específica. São inconvenientes deste grupo o seu legalismo
e a juridificação (Verrechtlichung) sempre crescente.
Os sistemas não ocidentais abrangem os direitos religiosos islâmicos
e o judaico, em que os sacerdotes desempenham papel jurídico importante
(os cadis e os mulahs nos países islâmicos; os rabis no direito judaico).
Os sistemas híbridos abrangem os direitos de Israel e do Québec e,
num registo de enfraquecimento, os direitos escocês e da Luisiana.
Como pode concluir-se, trata-se de uma matéria muito discutida.

12. As famílias Romano-Germânica e da Common Law


Características Gerais

1. Como acima se disse, iremos confinar a nosso estudo de macro-


comparação a duas famílias de direitos diversas, por um lado, a família da
direitos continentais ou romano-germânicos, por outro lado, a família de
Common Law.

120
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

Só no final do nosso estudo deveríamos estar em condições de


encontrar as características gerais distintivas das duas famílias em presença e
de, eventualmente, podermos levar a cabo uma síntese "mega-comparativa",
na acepção em que CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA utiliza esta última
expressão.
Todavia, a beneficio do desenvolvimento posterior, procurar-se-á
caracterizar brevemente cada grupo ou família de direitos.

2. Escrevem RENÉ DAVID e CAMILLE JAUFFRET-SPINOSI :


"A família romano-germânica tem uma longa história
atrás de si. Liga-se ao direito de Roma antiga, mas uma
evolução mais do que milenária afastou de modo
considerável não só as regras de fundo e de processo,
mas também a própria concepção que se tem do direito e
da regra de direito em relação ao que era admitido no
tempo de Augusto ou de Justiniano (...)
Os direitos da família romano-germânica são os
continuadores do direito romano, de que aperfeiçoaram a
evolução; não são de modo algum a cópia dele, tanto
mais que muitos dos seus elementos provieram de fontes
diversas do direito romano.
[...] Esta expansão deveu-se em parte à colonização, em
parte às facilidades que foram dadas por uma recepção
da técnica jurídica da codificação, de um modo geral
adoptada pelos direitos romanistas no século XIX [...].
A dispersão do sistema e a própria técnica da
codificação, que tende a gerar confusão entre o direito e
a lei, tornam difícil ver o elemento de unidade que liga
direitos muito diversos, que aparecem à primeira vista
como tantos direitos nacionais inteiramente distintos uns
dos outros. Os desenvolvimentos que consagraremos à
common law, ajudar-nos-ão a tomar consciência da
unidade que, apesar de tudo, realmente existe, a despeito
das aparências, entre esses múltiplos direitos" (Les
Grands Systèmes cit., págs. 25-26)

121
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

3. Em especial, os conceitos jurídicos e as grandes divisões dos ramos


de direito são comuns aos direitos da família romano-germânica.
Tudo gira à volta da distinção chave que contrapõe o direito público
ao direito privado e que remonta ao Direito romano.
De facto, e não obstante a equivocidade da expressão ius publicum
no velho Direito romano (nuns casos, as fontes referiam-se ao direito público
como aquele que provinha de fontes públicas ou estaduais, noutros casos era
sinónimo de direito imperativo, que não podia ser afastado pela vontade dos
particulares - PAPINIANO, D. 2.14.38 - Ius Publicum privatorum pactis
mutari non potest), a verdade é que foi preponderante a concepção que o
define pelo objecto, como sendo o direito que respeita ao Poder público, à res
publica: ULPIANO, D.1.1.1.2-Publicum ius est quod ad statum rei romanae
spectat.
Contrapõe-se ao direito privado, o que respeita à utilidade dos
cidadãos individualmente considerados: privatum, quod ad singulorum
utilitatem; sunt enim quaedam publice utilia, quaedam privatim. Trata-se do
texto inicial do Digesto, uma das compilações justinianeias que compõem o
Corpus Iuris Civilis (século VI DC).
Como escreve RAÚL VENTURA
"A dúvida mais grave que o texto [de ULPIANO] suscita
consiste em saber qual é verdadeiramente o critério de
que ULPIANO se serve para distinguir o direito público
do direito privado. O texto serviu de importante
fundamento para a doutrina que quanto à distinção
moderna entre direito público e direito privado é
chamada do interesse e que assim teria pergaminhos
romanos [...].
Segundo esse critério, o direito público regula relações
públicas e o direito privado regula relações privadas,
sendo públicas aquelas relações em que predomina o
interesse público e privadas aquelas em que predomina o

122
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

interesse privado. Quanto a D.1.1.1.2., é sobretudo a


definição de direito privado que serve para esse fim, com
a sua referência à utilidade de cada um, e o glossema
seguinte ainda acrescenta força à doutrina, ao contrapor à
utilidade privada a utilidade pública " (Manual de Direito
Romano, I, Lisboa, depositário Coimbra Editora, 1963,
págs. 157-158).

Relativamente aos conceitos basilares como o da obrigação, direito


real, posse, usucapião, direitos subjectivos, ónus, etc., têm os mesmos origem
romana e são aceites pelos direitos desta família.
4. Já quanto à família da common law, a origem não é a do direito
romano.
De novo, escrevem RENÈ DAVID e CAMILLE JAUFFRET-
SPINOSI:
"A common law (...) - é o sistema de direito que foi
constituído em Inglaterra, principalmente pela acção dos
Tribunais reais de Justiça, após a conquista normanda. A
família da common law compreende, além do direito
inglês, que foi a sua origem, e sob reserva de certas
excepções, os direitos de todos os países de língua
inglesa. Fora dos países de língua inglesa, a influência da
common law foi considerável na maior parte dos países,
senão em todos os países, que, politicamente, estiveram
ou estão associados à Inglaterra (...). Esses países podem
ter conservado, em certos domínios/tradições,
instituições e conceitos que lhe são próprios. A
influência inglesa não deixou de marcar profundamente,
em todos os casos, a maneira de pensar dos seus juristas,
em razão, nomeadamente, da circunstância de que a
organização administrativa e judiciária, por um lado, a
matéria de processo (civil e criminal) e das provas, por
outro lado, foram estabelecidos e regulados em toda a
parte segundo o modelo. Qualquer estudo da common
law deve começar por um estudo do direito inglês - a
common law é um sistema marcado profundamente pela
história e esta história é de modo exclusivo, até ao século
XVIII, a história do direito inglês. Esta circunstância é
determinante, mesmo se dever ser corrigida pela
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Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

observação de que certos direitos, como o direito dos


Estados Unidos, são profundamente diferentes do direito
inglês, e que outros, como o direito da Índia,
permaneceram, na matéria do «estatuto pessoal», fiéis a
uma tradição diversa do direito inglês" (Les Grands
Systèmes, pág. 221).
Ao nível dos conceitos aparecem institutos que não têm origem
directa romana (trespass, trust, tenures), sendo certo que tradicionalmente a
grande divisão do direito não abrangia os termos direito público - direito
privado, mas antes a de common law (comune ley, na terminologia
normanda) e equity.
O papel da lei parlamentar foi relativamente modesto até ao final da
primeira metade do século XIX. A evolução no século XX do Reino Unido
parece apontar para uma tendência de "continentalização" desse direito, para
se utilizar a terminologia de FERNANDO JOSÉ BRONZE (autor de uma
tese de mestrado denominada "Continentalização" do direito inglês ou
"insularização" do direito continental?, in Boletim da Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra, 1974).

A expansão das famílias

5. De um modo geral, pode dizer-se que a família romano-germânica


tem uma larga representação em toda a Europa continental, no México, na
América Central e do Sul, na África lusófona e francófona, em alguns países
do Médio Oriente (por exemplo, Turquia e Líbano).
A common law, por seu turno, estendeu-se para todas as antigas
colónias inglesas que adoptaram a língua inglesa: Estados Unidos, Canadá,
Austrália, Nova Zelândia, Hong-Kong, Índia.

124
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

6. Situação muito curiosa é a do direito russo. Após a Revolução de


Outubro de 1917 e até ao final dos anos 80 do século XX, a União das
Republicas Socialistas Soviéticas (URSS) procurou edificar o direito
soviético da fase socialista, utilizando a conceptologia dos direitos
continentais, mas acolhendo uma nova ideologia, a da revolução proletária,
com a apropriação colectiva dos meios de produção.
"O desmoronamento do sistema socialista na URSS
acarretou reformas jurídicas de uma amplitude
excepcional. A vontade de dotar a Rússia de uma
economia de mercado, fez surgir problemas novos (...).
Os juristas ficaram conscientes de um vazio jurídico ou
de uma inadaptação das regras até então aplicadas.
A constituição e as diferentes codificações tinham sido
elaboradas numa sociedade socialista. Os princípios
recebidos até então numa economia planificada e a
concepção socialista da propriedade tornaram-se
incompatíveis com a adesão às noções de Estado de
direito e de propriedade, princípios fundamentais das
democracias ocidentais. Era preciso legislar em quase
todos os domínios.
Nos anos que precederam a implosão do sistema
político tinha-se iniciado um movimento de reforma
económica.
Tinham sido aprovadas numerosas e diversas leis que
davam um certo lugar à iniciativa privada durante o
período designado por Perestroïka.
Mas depois de 1991 surgiu uma vontade determinante de
reformar o sistema jurídico. Essas mudanças vão
exprimir-se essencialmente pela privatização das
empresas, a redacção de uma nova Constituição e a
elaboração de novos códigos. Os políticos e os juristas
desejaram, para renovar o edifício jurídico e as
instituições russas, inspirar-se nas legislações
estrangeiras dos países desenvolvidos de economia de
mercado.
Está em curso uma transformação fundamental. Assiste-
se actualmente a um verdadeiro nascimento de um
direito privado e ao abandono da concepção
essencialmente publicista do direito da URSS" (R.

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Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

DAVID e CAMILLE JAUFFRET SPINOSI, Les Grands


Systèmes, pág. 183).

Parece, por isso, razoável considerar que o sistema jurídico da Rússia


- tal como, de resto, dos países do antigo Bloco de Leste, muitos dos quais já
se tornaram membros da União Europeia e já passaram, parte deles, a
integrar a NATO - é hoje um sistema jurídico da família romano-germânica.
A nova Constituição da Rússia foi adoptada por referendo em 12 de
Dezembro de 1993.
Em 1994 foi publicada a primeira parte do Código Civil da Rússia,
que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1995. Foi adoptado o modelo do
BGB, com parte geral, direito da propriedade e parte geral do direito das
obrigações. A segunda parte, abrangendo os contratos em especial e a
responsabilidade civil, foi publicada em 1995. A terceira parte, consagrada
ao direito das sucessões e ao direito internacional privado, foi publicada em
2000 e entrou em vigor em 2002. Admite-se a publicação de uma quarta
parte dedicada à propriedade intelectual. O Código Civil contém também a
regulamentação do direito comercial, na linha da tradição do Código das
Obrigações suíço, do Código Civil italiano de 1942 e do Código Civil
brasileiro de 2002.
O art. 1º do Código Civil russo dispõe:
"A legislação civil está baseada no reconhecimento da
igualdade dos intervenientes nas relações por ela regidas,
na inviolabilidade da propriedade, na liberdade
contratual, na proibição de toda e qualquer ingerência
arbitrária nas questões privadas, no exercício sem
entraves dos direitos civis, na reparação dos direitos
violados e na garantia da sua defesa perante a justiça".

126
Armindo Ribeiro Mendes y Teresa Da Cunha Lopes

Seguindo, porém, a tradição soviética, foi mantido em codificação


separada o direito da família. O novo Código da Família russo foi
promulgado em 1995, tendo entrado em vigor em 1 de Março de 1996.
7. As concepções próprias da família romano-germânica influenciaram
o direito da Indonésia, de Singapura, do Vietname, do Japão e da própria
China, sobretudo no domínio do direito das obrigações, do direito comercial
e do direito penal.
O mesmo ocorreu também em países islâmicos do Norte de África
(Tunísia, Argélia, Marrocos).
Mesmo em países com sistemas jurídicos da common law, aparecem
"ilhas" com influência romano-germânica: bastará referir os casos do Estado
da Louisiana, nos EUA, e a Província de Quebec, no Canadá, os quais
mantiveram até agora a tradição jurídica da codificação continental, muito
embora sejam numerosos os elementos mistos, decorrentes da influência da
common law, tanto mais que os respectivos direitos federais são de outra
tradição. Como se viu atrás, JAAKKO HUSA fala de sistemas híbridos
quanto aos direitos do Québec e da Louisiana, considerando o primeiro um
direito estabelecido e o segundo um direito enfraquecido.
8. Em África, um caso curioso é o da Etiópia que, embora não
colonizada por nenhuma Potência europeia, adoptou códigos de direito
substantivo do modelo francês (código penal, código civil, código
comercial), ao passo que os processos civil e penal são regidos por diplomas
de modelo inglês.
9. A República da África do Sul é considerada um "caso de escola" em
Direito Comparado.
Pertenceu, antes da sua anexação pelo Reino Unido, à família do
direito romano-germânico, em virtude da tradição dos colonos holandeses
(direito romano-holandês). A Inglaterra produziu alterações nesse direito,

127
Sistemas Jurídicos Comparados Vol. 1 / Introdução Ao Direito Comparado

anglicizando-o em parte. Como Estado independente, passou a vigorar aí um


direito misto, situação que ocorreu também em alguns dos seus vizinhos
(Zimbabwe, Botswana, Lesotho, Suazilândia).
10. Também o caso das Filipinas e do Sri Lanka (Ceilão) mostram
simultaneamente a influência dos direitos romanistas e da common law
(influência da ocupação norte - americana durante 50 anos nas Filipinas;
influência inglesa no Ceilão).
11. Cuba, na América Central, demonstra nas suas leis a matriz
espanhola, embora seja uma sobrevivência dos direitos socialistas.

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KONRAD ZWEIGERT e HEIN KÖTZ, An Introduction to Comparative
Law, trad. inglesa, 3ª ed., Oxford, Clarendon Press, 1998

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Editado
6 de julho 2011

SISTEMAS JURÍDICOS COMPARADOS VOL. I

INTRODUÇÃO AO DIREITO COMPARADO

Colección
“Transformaciones Jurídicas y Sociales en el Siglo XXI”
5 serie/No. 3

Coordinadores de la Colección
Hill Arturo del Río Ramírez
Teresa M. G. Da Cunha Lopes

Arbitraje

Comisión Editorial de la Facultad de Derecho y Ciencias Sociales


Comisión Editorial del CIJUS

Coordinador de la Edición y Diseño Gráfico


Luis López Ramírez

Copyright ©: Teresa Da Cunha Lopes e Armindo Ribeiro Mendes


Editado por : CIJUS/Facultad de Derecho, CAEC “Derecho, Estado y Sociedad
Democrática” en colaboración con Ediciones AAA
Impreso por: Ediciones AAA , Sociedad Cooperativa de Responsabilidad Limitada
Calle Dr. Ignacio Chávez, no. 71, Colonia Las Camelinas, CP 58290, Morelia,
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