Вы находитесь на странице: 1из 17

O debate entre centralizadores

e federalistas no século XIX


A trama dos conceitos

Ivo Coser

A análise do debate de ideias entre centraliza- um papel importante, fundamentando a investidu-


dores e federalistas no Império tem sido objeto de ra de novas elites no poder, fornecendo uma racio-
diversos trabalhos no campo das ciências sociais nalidade modernizadora para a integração com as
(Carvalho, 1993, 2002; Nunes, 1999; Rego, 1989; economias do Ocidente capitalista, para a ascensão
Werneck Vianna, 1997). Esses trabalhos abordaram do talento empresarial, bem como para a interna-
o debate a partir das obras de dois autores: Viscon- lização de regras jurídicas. Sua mensagem, entre-
de do Uruguai e Tavares Bastos.1 As obras desses tanto, não se expandiu a ponto de universalizar a
autores figuram como textos clássicos, não apenas mensagem do individualismo (Morse, 1988; Faoro,
acerca do debate político imperial, mas a partir de 1994; Santos,1978). Numa determinada leitura,
sua análise são formuladas chaves interpretativas esse bloqueio foi construído em razão de um Esta-
mais amplas acerca do pensamento político brasi- do patrimonial capaz de cooptar a sociedade e seus
leiro (Faoro, 1994; Santos, 1978; Werneck Vianna, movimentos (Faoro, 1994). Os valores liberais te-
1997, 2000). riam permanecidos presos ao modelo arquitetônico
Uma chave de leitura para o pensamento po- organicista das monarquias ibéricas (Morse, 1988,
lítico Imperial aponta que o liberalismo foi inte- pp. 87-93). A sociedade ganha forma a partir da
grado num modelo mais amplo, que levou esta intervenção do soberano, seus indivíduos encon-
doutrina a cumprir o papel de uma ampliação da tram espaço nessa configuração desenhada a partir
raison d’état. As doutrinas liberais desempenharam de cima, estando-lhes negada a via de uma indi-
Artigo recebido em julho/2010 vidualidade autodeterminada e conflituosa (Morse,
Aprovado em março/2011 1988). Nessa chave de leitura, o pensamento cen-
RBCS Vol. 26 n° 76 junho/2011

11041-rBCS76_af4.indd 191 7/7/11 3:04 pm


192  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 76

tralizador com sua ênfase na precedência do inte- dois aspectos: de um lado, discutir o livro em con-
resse público junto com a proeminência do poder junto com as demais obras que, publicadas no mes-
central, como leitor privilegiado e ator único desse mo período, compartilham das ideias do direito
interesse, configura-se como um caso típico do ibe- administrativo e, de outro, analisar a centralização
rismo (Morse, 1988, especialmente pp. 87-92).2 O como um instrumento fundamental da organização
modelo americanista, proposto por Morse, encon- do Estado brasileiro ante os interesses existentes na
traria no pensamento federalista e, em particular, sociedade e não apenas relativo ao tema do federa-
em Tavares Bastos um americanismo adaptado ao lismo.
contexto nacional. Identificamos nas obras clássicas o papel de
Essa incapacidade do liberalismo em moldar o sintetizar e revelar a natureza de uma concepção
conteúdo do pensamento político brasileiro apon- política (Brandão, 2007, p. 42), mas consideramos
ta para o papel dos instrumentos autoritários nesta também que ideias centrais presentes nessas obras
reflexão; não sem razão Morse integra na sua inter- podem permanecer em segundo plano, enquanto
pretação a proposta de Wanderley Guilherme dos não deslocamos esses trabalhos para um contexto
Santos (Idem, pp. 91-91). De acordo com essa in- mais amplo. A partir desses textos, podemos vis-
terpretação, no pensamento liberal brasileiro mani- lumbrar os conceitos políticos que os perpassam
festa-se um dilema: como não existe uma sociedade e que moldam seu conteúdo de maneira mais re-
liberal, não pode haver instituições liberais; para a levante do que a suposta captura da intenção do
construção dessa sociedade torna-se necessário um autor (Koselleck, 2002). Analisar a trajetória histó-
sistema político autoritário (Santos, 1978, p. 93). rica dos conceitos nos permite repensar o papel do
Ambas as leituras apontam para o papel proemi- liberalismo no pensamento imperial.
nente desses instrumentos não liberais na molda- Consideramos que esse pensamento molda
gem de seu conteúdo. decisivamente o conteúdo das três principais cor-
O presente artigo propõe uma abordagem dis- rentes: os liberais exaltados, os liberais moderados
tinta. Com relação às interpretações acerca do de- e os centralizadores. O projeto liberal moderado
bate entre centralizadores e federalistas, considera- busca reformar o Estado de maneira a que o inte-
mos dois aspectos. Em primeiro lugar, analisamos o resse das províncias e da sociedade desempenhe o
debate .deslocando a ênfase sobre as obras clássicas papel de princípio organizador. O recuo dessa cor-
para o debate realizado no parlamento e nos jornais rente diante do vasto contingente dos homens po-
durante a produção da legislação descentralizadora bres livres implica modificar o ritmo das mudanças,
ao longo dos anos de 1820 e 1830, e da sua revisão mas mantém a precedência do interesse como mola
centralizadora efetuada entre 1837 e 1842. Acre- do pacto entre as províncias. Os liberais exaltados,
ditamos que a análise do pensamento descentrali- reconhecendo as diferenças entre as trajetórias do
zador brasileiro produzido em defesa do Ato Adi- Brasil e do mundo liberal moderno, articulam
cional (1834) não deva ficar restrita à reflexão de o princípio da participação do cidadão na esfera
Tavares Bastos, escrita quase quarenta anos após a municipal com a construção do Estado nacional.
sua promulgação.3 Da mesma maneira, considera- O pensamento centralizador reconhece o cidadão
mos que conhecer o pensamento centralizador bra- ativo como portador de direitos civis e interesses;
sileiro implica analisar uma obra importante como estes, entretanto, somente ganham sua plenitude
o Ensaio, porém levando em conta o debate pro- quando associados à expansão da capacidade regu-
duzido entre 1836 e 1842. Os estudos, contudo, latória do Estado. Tal incorporação implica alterar
privilegiam unicamente o Ensaio, sem analisarem o a dinâmica desses diretos e interesses, retirando-os
debate travado no final da década de 1830 e come- da dinâmica individual e forçando-os a se ligarem
ço da seguinte. Ao realizarem esse estudo, centrado a um projeto mais amplo. Centralizadores e federa-
nas décadas de 1830 e 1840, não revelam a singu- listas operavam a partir de um modelo de Estado,
laridade desse livro, escrito ao final da década de o qual serve como parâmetro para o presente. Os
1850. O Ensaio deve ser pensado conjuntamente a valores do liberalismo – interesse, participação e

11041-rBCS76_af4.indd 192 7/7/11 3:04 pm


O debate entre centralizadores e federalistas no século XIX  193

direitos civis – apontam para um projeto de cons- da Câmara dos Deputados de 18 de setembro
trução de Estado-nação que não estava inscrito no de 1823, p. 130).
plano imediato da sociedade civil existente. Para
essas correntes, a dominação patrimonial e a es- No argumento federalista, a província desem-
cravidão construídas ao longo do período colonial penharia o mesmo papel do indivíduo com relação
se, de um lado, são entendidas como um resultado à sua casa; o indivíduo tem interesse em buscar a
natural da história, sobre a qual não se deve impor prosperidade e a felicidade da sua casa.7 Nesse sen-
uma mudança brusca, de outro, é o passado a ser tido, a província deve controlar as atividades que
superado, tendo em vista um projeto de futuro da dizem respeito à realização dos seus interesses. O
nação calcado no liberalismo moderno, por meio argumento federalista compreende a construção do
de um movimento lento no qual a forma política bem público a partir da mesma lógica do cidadão e
vai moldando o comportamento dos agentes sociais seus interesses no mercado; de cada indivíduo vol-
(Fernandes, 1975, pp. 37, 43, 53). tado para a consecução do seu interesse particular
emerge a utilidade:

De confederação a federação Cada cidadão é independente para tratar dos


seus interesses, salvas as relações que o unem
Na Constituinte de 1823, o conceito de fe- com a sociedade. E porque não havemos de
deralismo,4 seja para seus críticos, seja para seus conceder a mesma independência aos municí-
defensores, envolvia a ideia de que as províncias pios e províncias? Assim como cada um é inde-
poderiam sufragar ou não o pacto firmado na As- pendente para prover em seus interesses, sem
sembleia Constituinte; após a assembleia nacional oposição ao interesse geral, muitos reunidos
ter deliberado sobre as leis fundamentais, a sobe- devem ter a mesma independência circunscrita
rania retornava às províncias.5 Ambos os grupos do mesmo modo e sempre subordinada à ins-
reconheciam a possibilidade da compatibilidade peção geral do governo, a quem compete vigiar
entre monarquia e federação.6 Ao grupo federalista sobre os interesses particulares, porque da sua
interessava fundamentalmente assegurar a autono- soma resulta o interesse geral, que lhe toca pro-
mia para as províncias, a forma de governo – mo- mover (Vergueiro, sessão em 18 de setembro
nárquica ou republicana – seria apenas o meio para de 1823, p. 130).
obter tal fato. O argumento federalista realizava
uma análise das relações das províncias para com Vergueiro representava a corrente política que
o pacto constitucional partindo de uma ideia do até o começo da década de 1830 rechaçava a apli-
direito natural, substituindo a figura do indivíduo cação do federalismo pleno, no qual as províncias
no seu estado natural pelas províncias. eram soberanas, ou seja, o modelo confederativo,
em favor de um federalismo mitigado que conferis-
Que as províncias são ajuntamentos de ho- se autonomia sem que isso implicasse a perda ou a
mens com iguais direitos. Que neste exercício ameaça da unidade nacional.8
de direitos iguais e maneiras de maior utilida- Seu argumento entendia a construção do Es-
de se funda a união federal de homens, casas, tado-nação como o resultado de uma agregação
vilas, cidades, províncias e reinos sujeitando- de interesses provinciais; cada unidade buscando a
-se todos ao Império de um, a quem tribu- realização dos seus objetivos terminaria produzin-
tão mantença e honra para salvação certa de do uma política nacional. O poder central velaria
todos, ajuntando-se os seus procuradores em para que não houvesse conflitos armados, sem que
concílio comum, para se estabelecerem as re- isso significasse conduzir ou determinar os inte-
gras da prol da prosperidade geral, ficando a resses das províncias. Essa formulação constitui-se
prol de cada casa à indagação mais perspicaz e numa peça-chave para entendermos o conflito en-
interessada dos filhos (Ferreira França, sessão tre centralizadores e federalistas. Quando juntamos

11041-rBCS76_af4.indd 193 7/7/11 3:04 pm


194  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 76

as duas pontas do argumento federalista, isto é, o do interesse, chave na condução dos assuntos ma-
cidadão ativo gerindo a casa, as províncias e o apa- teriais, desempenhe um papel positivo nos assuntos
relho público, podemos perceber que esse modelo políticos (Coser, 2008, cap. 2). Para esse aspecto,
visava a dar passagem ao interesse particular e pro- torna-se fundamental a ideia de um interesse bem
vincial como a mola organizadora da sociedade. A compreen­dido.11 A abertura da máquina do Esta-
herança portuguesa é vista como o elemento que do à participação poderia, por intermédio de um
bloqueia a passagem desse tipo de interesse. A re- processo de aprendizagem, mobilizar o cidadão
forma do Estado de maneira que ele seja montado em direção ao bem comum. Para tanto, era funda-
a partir da província visava a esse objetivo político. mental mobilizar os cidadãos. Esse argumento foi
Nesse momento, o tema da liberdade, a participa- construído sem que os liberais exaltados ignoras-
ção dos cidadãos ativos nos assuntos públicos e a sem a distância do contexto brasileiro em relação
descentralização a partir da província caminham à experiência anglo-saxã. Sua reflexão é marcada
juntos e formam um único polo em oposição ao pela compreensão da necessidade de adequar as ins-
pensamento centralizador. Tal acordo irá ruir a par- tituições ao meio social e histórico brasileiro e, ao
tir da radicalização da experiência regencial. mesmo tempo, pela ideia de disseminar o poder do
O conceito de federalismo ganha um sentido Estado pelo país por meio dos mecanismos de par-
histórico e político distinto em razão do contexto e ticipação do cidadão ativo, sem que esses movimen-
dos argumentos mobilizados em torno da defesa da tos sejam vistos como contraditórios, como estará
Lei do Juiz de Paz (1827) e do Código do Processo presente na reflexão dos liberais moderados, na se-
(1832). A bibliografia sobre o tema refere-se às leis gunda metade da década de 1830 e, principalmen-
descentralizadoras, sem destacar a singularidade das te, dos conservadores. Essa articulação lhes confere
ideias federalistas mobilizadas em torno do Juiz de um caráter único na reflexão política imperial.
Paz e do Código do Processo quando comparadas A importância da eleição do juiz de paz a par-
com o Ato Adicional.9 O recuo efetuado pelos li- tir da promulgação do Código do Processo e as
berais moderados nos anos de 1830 somente pode consequências políticas da participação do cidadão
ser plenamente compreendido caso tenhamos em podem ser compreendidas pela análise de dois sig-
mente esta associação entre a ideia de federalismo e nificativos jornais da época, O Astro de Minas e o
a experiência gerada a partir da Lei do Juiz de Paz e Aurora Fluminense.12 Nesses jornais, podemos en-
do Código do Processo.10 contrar artigos exaltando os mecanismos de parti-
A chave de leitura para compreender o conteú­ cipação do cidadão nos assuntos da justiça a partir
do do pensamento liberal nesse período encontra- dos interesses presentes na sua esfera privada. O Au-
-se num enfoque que permite repensar o conceito rora Fluminense descrevia um eleitor apático situado
de americanismo (Morse, 1988; Carvalho, 1998; na capital do Império voltado para a sua esfera pri-
Werneck Vianna, 1997; Werneck Vianna e Car- vada (afeições, relações de comércio ou de família).13
valho, 2000). Esse conceito enfatiza a reflexão que Esse eleitor não ligava o seu destino às eleições do
busca organizar a vida política e social a partir dos juiz de paz, persuadido que estava de que os assun-
valores liberais do individualismo e do interesse de tos públicos não iriam interferir na sua felicidade
inspiração anglo-saxã. Sua leitura, no contexto bra- privada. Diversos conflitos desencadeados a partir
sileiro, destaca seu caráter de reforma, mas temero- da abdicação mostram-lhe que para proteger sua es-
sa do encontro com o vasto contingente de homens fera privada era necessário participar dos assuntos
pobres livres, e opta por um liberalismo de Estado, relativos ao juiz de paz, interagir com outros cida-
apostando no esclarecimento das elites (Werneck dãos, mobilizar valores distintos daqueles presentes
Vianna, 1997; Carvalho, 1993). na esfera privada.14 O Astro de Minas analisa com a
Consideramos que o conceito de americanis- mesma lógica um eleitor situado no mundo rural,
mo, quando pensado para os liberais no período no qual, lentamente, a partir das eleições de juiz de
de 1827 até 1834, requer uma inflexão; seus va- paz, o cidadão iria cuidar dos assuntos públicos com
lores operam com a possibilidade de que o tema o mesmo zelo utilizado em sua fazenda.15

11041-rBCS76_af4.indd 194 7/7/11 3:04 pm


O debate entre centralizadores e federalistas no século XIX  195

Os articulistas projetam para a esfera estatal necessidade de que a ação do poder central vislum-
um exemplo retirado da esfera privada. O cidadão brasse interesses estranhos aos da realidade local.
deve cuidar da máquina pública com o mesmo zelo Segundo esta corrente, a ideia federalista diminui
com o qual vela pela sua posse privada. Para que a força do poder central, impedindo-o de atender a
esse sentimento se manifeste, é fundamental que os necessidade de “defesa do Império e da prosperida-
cidadãos da localidade cuidem da administração da de geral”.17 Para os centralizadores, é da natureza do
Justiça. O interesse, nesse caso, desempenha um pa- arranjo federativo que os interesses provinciais bus-
pel positivo, capaz de conduzir a máquina pública quem a sua satisfação sem atentar para um interesse
de acordo com regras que assegurem o direito dos que está para além da província.
cidadãos. No argumento federalista, o motor que É importante assinalar que os centralizadores
move o cidadão e ergue o Estado nacional nasce apontam para dois problemas existentes no modelo
na esfera privada sem referência a valores externos. federalista: o uso clânico do poder político permi-
A ideia de interesse bem compreendido formulada tido pelo arranjo federativo/confederativo e a pre-
por Tocqueville nos permite compreender o con- cedência de que os interesses provinciais dispõem
teúdo desse argumento (Tocqueville, 1977, livro nesse modelo. Para os centralizadores, a construção
I, cap. III). Quando observamos o pensamento fe- do Estado-nação exige que esses interesses sejam
deralista brasileiro formulado nesse momento, não superados em favor de uma política mais ampla.
estamos diante de uma obra de arte política, que Usualmente, a bibliografia sobre pensamento cen-
combina elementos díspares, que pela engenhosi- tralizador destaca o seguinte aspecto: essa corrente
dade destacaria a habilidade do ator, mas de um manifestaria uma visão negativa acerca do controle
movimento simples, que se aferra aos interesses do exercido pelos chefes locais sobre os cargos políti-
cidadão ativo. Elementos como a capacidade do Es- cos. Tal leitura ignora o movimento presente no
tado em implementar ordens, aspecto que lhe con- argumento centralizador, qual seja, a necessidade
feriria força e unidade, não desempenham qualquer de introduzir nas províncias valores estranhos à sua
papel relevante nesse argumento. Por outro lado, dinâmica natural.
este programa político de construção do Estado
nacional a partir do interesse do cidadão nasce no
município, a dimensão mais próxima do cidadão. Ato Adicional
O “patriotismo municipal”, expressão de Tocque-
ville (apud Jasmin, 2000), aponta para a ideia de A promulgação do Ato Adicional (1834)18 e
que essa esfera é o espaço institucional primordial o conteúdo de sua defesa assinalam modificações
para a manifestação do interesse bem compreendi- fundamentais no conceito de federalista. Em pri-
do. As figuras sobre as quais o cidadão deverá ter meiro lugar, manifestava-se a percepção da inova-
controle abarcam do topo da administração provin- ção introduzida pela convenção de 1787 (Estados
cial (o presidente de província) até aquelas situadas Unidos). Em segundo, o tema do interesse provin-
no plano estritamente municipal (o delegado e o cial ganhava relevância em detrimento do exercício
serventuário). Estamos, portanto, diante de um da liberdade na esfera municipal, implicando uma
programa federalista que não está restrito ao re- reformulação do programa americanista, ganhando
forço dos poderes provinciais – assembleia provin- a sua feição de uma reforma pelo alto. E, em tercei-
cial –, mas que chega até o município, tomando-o ro, o pacto entre as províncias é pensado como um
como pedra de toque. O projeto federalista dos li- espaço de competição.
berais exaltados busca construir o Estado nacional Em maio de 1831, iniciava-se o debate do que
a partir dos interesses do cidadão ativo, sem que tal mais tarde viria a ser conhecido como o Ato Adi-
obra envolvesse uma dinâmica estranha ao cidadão. cional. Os federalistas enfatizam que a província
Em diversos contextos políticos,16 os centra- possuiria negócios particulares,19 interesses particula-
lizadores atacavam o controle dos funcionários a res,20 bem particular;21 em todos os usos, estava pre-
partir da província ou do município, enfatizando a sente a ideia de que a província possuía um conjun-

11041-rBCS76_af4.indd 195 7/7/11 3:04 pm


196  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 76

to de assuntos distintos daqueles que eram comuns dade (Lino Coutinho, Sessão da Câmara dos
a todo o Império. Deputados de 17 de maio de 1831, p. 49).
No aspecto relativo à distinção entre o concei-
to de confederação e o de federação, o caso norte- O trecho citado se revela de fundamental im-
-americano foi constantemente mencionado nos portância. No argumento federalista, a rivalidade
debates parlamentares. Os defensores do Ato Adi- provincial possui aspectos positivos. É ela que esti-
cional chamavam a atenção para as alterações que mula as províncias a buscarem o desenvolvimento,
estavam ocorrendo. Era um dado corrente que o pois cada uma não deseja ser ultrapassada por ou-
Estado norte-americano teria sido formado a partir tra. Se, de um lado, é da natureza da competição
da reunião de estados independentes, porém, essa que ocorra uma distribuição desigual dos bens, de
situação já não correspondia à realidade naquela outro, tal distribuição estimularia a província me-
ocasião. Naquele momento histórico, nos Estados nos desenvolvida a buscar os meios para atingir um
Unidos, o poder central estava empenhado em uni- padrão mais elevado de desenvolvimento. A mon-
formizar as leis, reforçando os laços comuns entre tagem do interesse nacional ocorre a partir de uma
as partes, uniformizando as diversas leis estaduais. competição entre as províncias. No argumento
O poder central determinava os códigos nacionais, federalista, o bem geral, ou a justiça, que ao final
cabendo aos poderes estaduais adequar-se a esses li- iria estabelecer-se entre as províncias, seria fruto de
mites previamente estabelecidos.22 uma ação de um agente (a província) voltada à con-
Nessa perspectiva, a província molda seus secução dos seus objetivos egoístas. Em nenhum
interesses com base na mesma lógica que o indi- momento, Lino Coutinho remete à busca da reali-
víduo orienta sua ação no mercado. Observemos zação dos interesses provinciais, a alguma referência
que no conceito de federação estava presente a externa à província. Aquelas mais prósperas servem
ideia de um desenvolvimento desigual entre as de modelo para as mais atrasadas. O Estado nacio-
províncias, e que tal consequência era inevitável. nal é um espaço comum às diversas províncias, no
O mal de um desenvolvimento desigual era o pre- qual cada uma busca maximizar sua situação den-
ço a ser pago por um bem maior: o progresso ad- tro de limites que impeçam o conflito armado.
vindo da competição. Dentro da corrente federalista, podemos encon-
trar divergências acerca do grau de atribuições que
Eu disse que as províncias devem ter toda a deveriam ser dados às províncias, porém o elemen-
amplitude para se governarem; mas que era to em comum que as une reside na precedência do
preciso que se afrouxassem o nó, e que fi- interesse provincial na montagem do Estado-nação.
cassem sujeitas ao governo central por uma E cada província é vista como o indivíduo movido
união doce e suportável; [...] Eu advoguei pelos seus interesses. Dentro desse espaço, ocorre
unicamente a causa da justiça com o objeto uma competição entre elas, e da racionalidade conti-
de impedir a separação. Eu não vejo, contu- da nessa competição emerge o motor do desenvolvi-
do, que já se tocou neste ponto, que ele traga mento. Ao centrarmos nossa análise na maneira pela
consigo tão graves inconvenientes, nem que qual os federalistas formulam a construção do inte-
dê lugar a verificar-se um quadro tão triste resse nacional a partir das províncias, não estamos
como o que foi apresentado pelo Sr. Cunha, postulando um “estatuto menor” para o argumento
acontecer-lhe-ia o mesmo que sucede a res- federalista. O projeto federalista explicitamente pen-
peito dos indivíduos, alguns dos quais são sa o tema da construção do interesse nacional; ocorre
mais ricos e outros mais pobres. Haviam de que ele o faz a partir da dinâmica provincial.23
florescer as províncias mais abundantes em A ideia do interesse provincial como uma di-
produtos e ficar atrasadas aquelas que produ- mensão fundamental do conceito de federalismo
zissem menos, as quais se verão por isso for- emerge conjuntamente com a crítica ao funciona-
çadas a limitar suas despesas, em proporção às mento do Código do Processo. A corrente federa-
suas rendas, até chegarem à maior prosperi- lista rechaçava a possibilidade de que, a partir dos

11041-rBCS76_af4.indd 196 7/7/11 3:04 pm


O debate entre centralizadores e federalistas no século XIX  197

interesses do cidadão ativo situado no município, O conceito de centralização


fosse possível construir o Estado-nação. Nos rela-
tórios de ministro da Justiça de Limpo de Abreu e A Lei de Interpretação esvaziava a autonomia
Alves Branco, ambos defensores do Ato Adicional do Legislativo provincial em controlar os cargos
e adversários da centralização, podemos encontrar mais importantes do Judiciário. Quando os de-
a referência da eclosão de inúmeros conflitos arma- fensores do Ato Adicional tomam a palavra para
dos provocados pelo Código do Processo (1834e defendê-lo, emergem os temas do interesse provin-
1836). Diante desse quadro, Limpo de Abreu e Al- cial e da casa.25 Ao discutir o controle que o Le-
ves Branco encaminharam propostas de reforma do gislativo provincial possui sobre a polícia judiciária,
Código do Processo. os federalistas mobilizam a ideia do domínio sobre
O pensamento federalista procura deslocar a economia doméstica; o pacto federativo deveria
a primazia política para o Legislativo provincial ser o instrumento capaz de unir as diversas partes
como um meio pelo qual seriam podados os exces- que compõem o Império brasileiro, permitindo a
sos descentralizadores presentes no Código do Pro- cada província manifestar livremente seus interesses
cesso. Tendo por base os mecanismos presentes no sem referência a valores externos. A província deve
Ato Adicional, os diversos legislativos provinciais encontrar, no pacto federativo, vantagens que lhe
iniciaram a reforma do Código do Processo (Co- digam respeito exclusivamente. Dessa liberdade,
ser, 2008, cap. 4). Os atos do Legislativo provincial podem emergir laços comuns, mas que brotam dela
atacavam as atribuições dos cargos eleitos ou esco- própria, e não da centralização que oprime.26
lhidos a partir do município em favor do juiz de Segundo Teófilo Ottoni, de fato, os centrali-
direito e dos prefeitos. O Ato Adicional realizava zadores têm razão em apontar a existência de leis
a mesma tarefa do regresso conservador, qual seja, provinciais absurdas.27 Em Minas, porém, desde a
o esvaziamento dos cargos eletivos em favor dos promulgação do Ato Adicional, a administração da
cargos nomeados, mas com uma diferença funda- Justiça havia melhorado. O motivo pelo qual isso se
mental: quem realizava essa tarefa era o Legislativo dava residia no fato de Minas ser uma das provín-
provincial, tendo em conta os interesses provinciais cias mais ilustradas. Um pouco mais adiante, o ar-
e não os motivos do poder central.24 gumento de Ottoni indicava que o progressivo de-
Estamos, portanto, perante uma inflexão de- senvolvimento da civilização no Brasil contribuiria
cisiva no argumento federalista. Se, no contexto para que cada vez um número menor de leis absur-
regencial, a corrente federalista pensou a constru- das fosse promulgado. Estabelecendo essas premis-
ção do Estado nacional baseada no interesse bem sas, Ottoni conclui que a supressão do Ato Adicio-
compreendido, gestado no município, conciliando nal não poderia ser realizada, porque nas províncias
interesse e liberdade, a partir da segunda metade mais civilizadas não eram encontrados motivos su-
da década de 1830, essa formulação irá perder sua ficientes para cancelar a descentralização.
força. As elites provinciais situadas no Legislativo Em 1843, o ministro da Justiça escreve um
nacional e provincial conduzirão a reforma do Esta- relatório fundamental para a compreensão do
do, de maneira que os interesses privados moldem pensamento centralizador. Logo na sua abertura é
seu conteúdo, sem que nessa tarefa sejam mobiliza- estabelecida uma contraposição essencial para com-
dos os setores turbulentos ativos nas localidades, os preender o pensamento centralizador: a vontade
quais ameaçavam cancelar o programa. Essa exclu- nacional e os interesses provinciais:
são tornava o projeto americanista uma obra con-
duzida a partir do Estado. O conteúdo do projeto A linguagem ameaçadora e frenética dessa
político dos liberais moderados, qual seja, tornar mensagem e afoiteza com que exigia de um dos
o interesse provincial a base do Estado nacional, Poderes Supremos do Estado, que destruísse
permanece como um modelo que guia a ação no atos nos quais acabava de concordar tão sole-
presente; entretanto, o ritmo das reformas deve ser nemente com uma imensa maioria das Câma-
freado de maneira a realizar seu conteúdo. ras legislativas, e que a vontade Nacional, legi-

11041-rBCS76_af4.indd 197 7/7/11 3:04 pm


198  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 76

timamente representada, se curvasse diante do ma do Código do Processo. Segundo os centraliza-


capricho de Representantes de interesses me- dores, é a partir da centralização que o Estado cha-
ramente provinciais, exorbitando das suas atri- ma para si o exercício da justiça e dos seus agentes;
buições, e ostentando o seu caráter orgulhoso centralizar significa ter controle exclusivo sobre os
(Uruguai, Relatório de Ministro da Justiça de agentes encarregados de aplicar a justiça criminal.
1843, pp. 4-5). Ao mesmo tempo, o argumento centralizador en-
fatizou o tipo de funcionário que seria nomeado.
O pensamento centralizador estabelecia uma Podemos recortar nessa corrente uma definição
contraposição entre vontade nacional e interesses desse funcionário; sua natureza era distinta da-
meramente provinciais. Somente podemos entender quela do funcionário eleito. Aquele funcionário
essa contraposição caso tenhamos em mente a dis- nomeado deveria possuir um conhecimento espe-
cussão estabelecida previamente acerca da ideia de cífico para o desempenho do seu cargo, deveria se
interesse provincial conforme foi formulada entre dedicar exclusivamente às suas tarefas e para tanto
1831 e 1834.28 A adjetivação crítica –“meramente” – deveria dispor de um salário e poderia ser desloca-
faz referência à ideia defendida pelos federalistas de do pelo território nacional para não criar vínculos
que a província deveria se mover tendo em vista com a localidade, além de ser dotado de um sa-
seus negócios particulares, sem alusão ao todo. Na lário e treinamento específico. Esse conteúdo foi
ótica dos centralizadores, essa ideia era incapaz de confrontado com as características dos funcioná-
articular o Império brasileiro, fato que justificaria o rios eleitos ou escolhidos na província – Juiz de
sentido negativo de meramente. O argumento cen- Paz, Juiz Municipal e Promotor.31
tralizador apontava para a necessidade de um poder As interpretações acerca do debate entre cen-
central capaz de alterar os interesses provinciais, de tralizadores e federalistas enfatizam um aspecto do
guiá-los em direção a objetivos que não estariam argumento centralizador: o poder central seria um
presentes a partir da própria província. Nabuco poder mais distante dos conflitos locais e, portanto,
de Araújo apontava para essa ideia em um discur- um árbitro mais confiável. Esse traço está correto,
so na câmara dos deputados: “essa tendência cen- entretanto é apenas parte do argumento. Os deba-
tralizadora me parecia necessária como um dique tes em torno da Reforma do Código do Processo
imposto à torrente dos desvarios das Assembleias apontam para um aspecto tão importante quanto
provinciais;” (sessão da Câmara dos Deputados de aquele: o tipo de funcionário que deveria emer-
6 de abril de 1843 apud Uruguai, 1865, p. 45). O gir a partir da substituição do funcionário amador
uso do termo vontade 29 por Uruguai, bem como de eleito ou escolhido na província.
dique por Nabuco de Araújo, é revelador dessa ideia Segundo os centralizadores, os funcionários
de uma intencionalidade com vistas a um fim que amadores eram incapazes de enfrentar réus que
de outra maneira não iria emergir. Nesse sentido, dispusessem de proteção; estes contratavam advo-
afastamo-nos da abordagem que restringe a polêmi- gados, que, com o domínio da lei, derrotavam facil-
ca entre centralizadores e federalistas a uma querela mente aqueles.32 O funcionário assalariado possui
entre um grupo federalista, que assume explicita- vínculos mais fortes com o Estado em virtude da
mente seus interesses regionais, e a corrente centra- sua dependência, na medida em que sua única fonte
lizadora, que, por meio de um subterfúgio, oculta de sustento provém do Estado. Ao mesmo tempo,
seus interesses sob o manto da unidade nacional;30 o programa político dos centralizadores, expresso
a nosso ver, a questão central reside no conjunto de na Reforma do Código, sustentava a superioridade
valores que essas correntes mobilizavam para pensar das normas escritas em face do conhecimento que
a ideia de interesse provincial. os funcionários locais possuíam decorrente do fato
O conceito de centralização envolve uma outra de habitar a localidade.33 Alguns dos funcionários
dimensão que diz respeito ao agente que leva a cabo importantes – delegados e subdelegados – perma-
as ações do poder central. Devemos compreender o neciam, entretanto, presos à dinâmica local.34 Os
passo seguinte do programa centralizador: a Refor- centralizadores reconheciam que eles eram tirados

11041-rBCS76_af4.indd 198 7/7/11 3:04 pm


O debate entre centralizadores e federalistas no século XIX  199

dentre os mesmos cidadãos que poderiam servir maior número de facínoras” (Uruguai, Relatório de
como juiz de paz. É fundamental assinalar que os Ministro da Justiça, 1841, p. 19).
centralizadores não atribuíam a essas figuras ne- O termo homens bons designa uma parcela que
nhuma qualidade decorrente do seu treinamento, dispõe de recursos materiais que lhe permitam ocu-
salário ou vínculo, traços presentes na sua defesa par uma posição social elevada na hierarquia social:
do juiz de direito, promotor e chefe de polícia. Na os grandes proprietários. A ação desses homens
nossa visão, revela-se o fato de que, no pensamen- bons é descrita não como um procedimento que
to centralizador, esses funcionários não possuem depende das suas vontades, mas como parte neces-
as mesmas qualidades positivas que caracterizam sária de um sistema que os leva a agir dessa forma.
os funcionários mencionados anteriormente. A Os elementos desse sistema são, em primeiro lugar,
ação do poder central nunca pode prescindir da co- a legislação descentralizadora, um fator proveniente
laboração obtida na localidade. Tal aspecto é um da intervenção humana. Em segundo, um aspecto
traço fundamental para compreender os limites da que diz respeito a processos sociais que fogem à in-
capacidade do Estado Imperial (Carvalho, 1980; tervenção humana, a dicotomia entre regiões mar-
Werneck Vianna, 1997, pp. 33-47). cadas pela barbárie, a maior parte do país, e aquelas
Destacar este tipo de funcionário nos permite civilizadas.38 Nesse sertão bárbaro, encontram-se a
assinalar quais eram os adversários que deveriam dispersão populacional, a ausência da disciplina pro-
ser combatidos. No argumento centralizador pode- duzida pelo trabalho, a falta de uma educação for-
mos recortar dois grupos que eram mencionados mal, os partidos clânicos, a precariedade dos meios
como obstáculos aos funcionários amadores: os ho- da Justiça em se fazer presente e uma massa de ho-
mens pobres livres e os potentados. No Relatório mens sem vínculos para com o mundo do interesse
de Ministro da Justiça de 1841, eram analisadas as e facilmente mobilizados para participar de disputas
grandes revoltas regenciais.35 Sua atenção voltava-se eleitorais com finalidade de obtenção de empregos.
para a massa de homens mobilizados nos conflitos Esses traços sociais, combinados com a legislação
que irrompiam pelos sertões. Homens que, nesses descentralizadora, forçam homens bons a oprimir
conflitos desencadeados pelas disputas políticas, para não serem oprimidos.
praticavam “crimes alheios à política e contra a pro- Ilmar Rohloff de Mattos, tomando como pon-
priedade”36 e o faziam porque não tinham o “amor to de partida o mesmo trecho do relatório de minis-
à propriedade” que o trabalho e a posse conferem tro da Justiça elaborado por Uruguai, no qual este
aos cidadãos. deplorava o envolvimento dos homens pobres livres
Na descrição do ministro da Justiça, a ação nos conflitos regenciais, argumenta que os Saquare-
desses homens não tinha nenhum caráter político, mas, após as revoltas regenciais, buscavam reorde-
sendo uma manifestação do atraso no qual eles vi- nar as distinções calcadas numa sociedade desigual
viam. Esses “homens ferozes”37 não possuíam pro- (1994, pp. 133-134 e 154-155). Sem discordar
priedade e laços de interesse, eram os homens po- inteiramente dessa hipótese, interpretamos o pen-
bres livres. Sua ação adquiriu, diante dos olhos dos samento dos centralizadores de maneira distinta.
centralizadores, um sentido contrário aos valores da Tendo por base o mesmo relatório, consideramos
civilização. Sua entrada na arena da política, com necessário segui-lo até o final, quando o ministro
os conflitos ocorridos durante a Regência, traz con- da Justiça deplora o comportamento dos grandes
sigo os valores provenientes dos sertões. proprietários. Nesse sentido, para compreender in-
Analisando o argumento centralizador, contu- tegralmente a reflexão dessa corrente, é fundamen-
do, podemos assinalar outro ator político direta- tal assinalar a crítica que eles fazem ao personagem
mente envolvido nos conflitos regenciais: os gran- principal da Casa: o grande proprietário rural.39
des proprietários. Segundo os centralizadores, “os A possibilidade aberta pela legislação descen-
homens bons veem-se forçados, em defesa própria, tralizadora de que os cidadãos elegessem funcioná-
a oprimir para não serem oprimidos; constituem-se rios no Poder Judiciário gerou, segundo Uruguai,
pequenos centros de força, a que se aglomeram o “pequenos potentados”,40 os quais controlam a

11041-rBCS76_af4.indd 199 7/7/11 3:04 pm


200  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 76

justiça eletiva. Nesses locais, “não parece que a po- de onde os centralizadores falam.43 Seu argumento
pulação desses lugares possa ser chamada de popu- não fala do lugar das classes subalternas e da am-
lação de homens livres, e Cidadãos de um Império pliação dos seus direitos políticos. Sua descrição
Constitucional, mas sim hum complexo de peque- negativa da ação política dos homens bons deve-
nos feudos onde há senhores e vassalos”41. Vassalo -se ao fato de que sua avaliação procede de um
denota o homem que recebia do senhor honra e be- ator político que pensa a relevância da construção
nefício, tendo a obrigação de prestar serviços. Esta- de um Estado-nação numa dimensão que supera
belecia-se, portanto, um vínculo em razão do favor os interesses imediatos dos grupos sociais, sejam
prestado. Observando a expressão que lhe serve de aqueles presentes no Legislativo provincial ou no
antítese, qual seja, “cidadão de um Império Consti- município.
tucional”, podemos perceber que Uruguai desejava Nesse aspecto, a ideia de iberismo constitui-se
ressaltar no vassalo o seu aspecto de dependência num instrumento fundamental para que possamos
pessoal para com o senhor, em oposição ao cida- compreender o pensamento centralizador.44 Deslo-
dão que vivia protegido pela lei. A palavra cidadão car o tema dos direitos civis da figura do indivíduo
apontava para aquele que vive sob um conjunto de tomado isoladamente, traço crucial no liberalismo
leis que lhe confere direitos e deveres, independen- anglo-saxão, para pensá-la como parte de um instru-
temente da vontade pessoal daquele que as aplica. mento da pacificação e da construção do Estado-na-
Temos nessa ideia a temática dos direitos civis do ção demonstra que, no pensamento centralizador,
cidadão. O outro termo, feudo, permite-nos men- o cidadão é considerado a partir de uma obra mais
cionar a ideia de que os traços que caracterizam o ampla. O modelo de construção do Estado-nação
Estado seriam “a concentração do poder, a unidade encontra-se na teoria liberal moderna, proveniente
e a força”, ao passo que a “qualidade essencial do do liberalismo francês, que articula direitos civis e
elemento federal é o fracionamento do poder”.42 A força do Estado.45 Na nossa leitura, o pensamen-
descentralização produziria feudos que impediriam to saquarema não emerge como uma experiência
a qualidade essencial do Estado moderno, a unida- refratária aos valores liberais, mas como uma in-
de. A junção dessas duas ideias é fundamental para corporação desses valores numa matriz distinta do
que possamos compreender o argumento centrali- liberalismo anglo-saxão.
zador: o tema dos direitos civis é produzido pelo
reforço da unidade do poder central. Em outras
palavras, os centralizadores propunham silenciar os A década de 1860 e as grandes obras
conflitos armados, reforçando o poder do Estado-
-nação, por meio do qual garantiriam os direitos No final dos anos de 1850 e começo da década
civis dos cidadãos. Os direitos civis, nessa perspec- seguinte, os conceitos de centralização e federalis-
tiva, são pensados como um instrumento de paci- mo incorporam novos temas, sofrendo modifica-
ficação do Império; a ênfase não recai na ideia do ções relevantes quando comparados ao período an-
indivíduo portador de direitos universais, mas na teriormente analisado. A década de 1850 assinala o
capacidade do Estado em exercer seu poder e de fim das revoltas regenciais; ao mesmo tempo, o país
garantir a ordem social. passava por um período de realizações materiais e
Os debates em torno da Reforma do Código estabilidade política. Nos debates parlamentares,
oferecem uma perspectiva fundamental para com- os centralizadores passam a ser confrontados com
preendermos a relação entre os centralizadores e os a ideia de que a legislação produzida no contexto
federalistas com o meio social, marcada pelo dis- dos anos de 1830 e 1840 já não era mais adequada
tanciamento e pela tentativa de superação da práti- para esse novo momento histórico.46 Os centrali-
ca usual na condução da justiça (Fernandes, 1975, zadores modificam seu argumento, reconhecem
p. 50). Seus projetos são determinados pela tentati- que podem ter ocorrido exageros, os ajustes podem
va de superar a absorção privada dos cargos públi- acontecer pontualmente, mas a centralização deve
cos pela elite local. É fundamental assinalar o lugar permanecer como um princípio político perma-

11041-rBCS76_af4.indd 200 7/7/11 3:04 pm


O debate entre centralizadores e federalistas no século XIX  201

nente. Isso implicava fundamentar a centralização Entretanto, quando se associa, o homem não
em outras bases, distintas daquelas presentes nos renuncia às suas liberdades, aos seus direitos
anos de 1830 e 1840. Nesse período, serão escritas individuais; [...] reserva para a sua inteligência
as principais obras em defesa da centralização e da e faculdades, o direito de suas relações priva-
descentralização. das... [...] Com efeito, é desde logo manifesto
Se, nos anos de 1830-1840, o argumento cen- que a gerência das relações do cidadão com o
tralizador enfatizou a polarização entre vontade Estado, daquelas em a lei deu predomínio ao
nacional e interesses meramente provinciais, o novo interesse coletivo, em que colocou este debaixo
contexto político assiste à emergência da contrapo- da alçada e proteção do Direito Público ou Ad-
sição entre interesse público e interesses particulares. ministrativo... (Pimenta Bueno, 1978 [1858] ,
Esse tema emerge, principalmente, por meio do pp. 5 e 7).
Direito Administrativo, o qual foi introduzido no
debate político brasileiro no começo dos anos de A maneira pela qual podemos compreender
1860 (Cabral, 1859; Rego, 1860; Uruguai, 1997 tal precedência está na definição de interesses e di-
[1862]; Ribas, 1866). reitos dos particulares dada por esses autores e sua
O motivo teórico pelo qual se justificava a in- relação com o interesse público. No campo do di-
trodução do Direito Administrativo era o seguin- reito administrativo, interesse significa algo que é
te: o Estado como portador do interesse geral não útil ou resulta em vantagem ao indivíduo: “O inte-
pode entrar em contato com o particular como resse [...] é o que é útil [...] a vantagem que resulta
outro particular; as regras jurídicas destinadas a para este ou aquele indivíduo [...]” (Uruguai, 1997
dirimir os conflitos entre interesses e direitos par- [1862], cap. XV, p. 62). A ideia de interesse emer-
ticulares, nesse caso, revelam-se inadequadas. Para ge de maneira tal que as vantagens são usufruídas
esses autores, o Judiciário e o Legislativo seriam apenas pelo indivíduo em razão da sua capacidade
ramos do Estado mais afeitos aos interesses e aos de tirar vantagens da sua ação. É da natureza do
direitos particulares47 e o poder central, como ór- interesse individual a tendência “ao estéril egoísmo”
gão que comanda a administração seria, por sua (Idem, p. 61). É importante que não considere-
vez, aquele que incorporaria o interesse público. A mos o pensamento centralizador como portador
administração seria movida, conforme escreveu Vi- de uma visão pré-moderna do interesse. O pensa-
cente Rego, por outro princípio: “A administração, mento centralizador compartilha da ideia de que
independente na sua marcha, e fundada no interes- o interesse é a mola do desenvolvimento da civili-
se público, fonte da razão governamental, é sempre zação. Um dos motivos apontados para a eclosão
senhora de fazer novos regulamentos, de revogar ou dos conflitos armados dos anos de 1830-1840 era
alterar os antigos” (Rego, 1860, Item 8). O Estado, a precariedade do interesse, visto como um freio
como portador do interesse geral, pode vir a ferir que conteria o indivíduo.
legitimamente direitos e interesses particulares, sa- Por sua vez, o direito diz respeito àquilo que é
crificando o bem particular ao bem público. Nesse inerente ao cidadão ou proprietário em virtude da
sentido, torna-se necessário estabelecer o conten- lei.48 A maneira pela qual o pensamento centrali-
cioso administrativo e a dualidade jurisdicional, zador apresentava a ideia de interesses e de direitos
reconhece-se que os direitos e os interesses não po- colocava a ênfase na figura do indivíduo tomado
dem ficar à mercê do arbítrio estatal (Rego, 1860, isoladamente. Para essa corrente política, nem o in-
item 8; Uruguai, 1997 [1862], p. 62; Ribas, 1866, teresse nem o direito individuais, com a sua dinâ-
p. 5). O argumento centralizador reconhece que os mica voltada para o próprio indivíduo, produzem
direitos individuais são utilizados segundo a lógi- benefícios para a sociedade. É sua captura pelo po-
ca do homem na sua individualidade; entretanto a der central que os conduz em direção ao interesse
condução do interesse público e suas relações com público.
o indivíduo obedecem a uma lógica distinta daque- Segundo Joaquim Ribas, o Estado tem duas
la, expressam a primazia do interesse maior. tarefas. Como primeira, compete-lhe defender a

11041-rBCS76_af4.indd 201 7/7/11 3:04 pm


202  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 76

população das agressões externas; a segunda seria Perante essa ampliação do princípio da cen-
“subordinar ao fim social todos os fins parciais das tralização, o pensamento federalista amplia seu ar-
individualidades” (Ribas, 1866, p. 46). Conforme gumento. O modelo federalista será o instrumen-
esse autor irá escrever em outro trecho, cabe ao to mais apropriado para que os interesses privados
“Estado promover os interesses gerais ou coleti- fecundem e desenvolvam a sociedade brasileira. O
vos” (Idem, pp. 46-47). A necessidade do Estado federalista alagoano estabelecia que o progresso
em conduzir a precedência do interesse público social dependeria da expansão do interesse indi-
sobre os interesses individuais não é entendida vidual. O pensamento centralizador não discorda-
como um traço do atraso existente na sociedade ria, em parte, dessa ideia, entretanto o pensamen-
brasileira. Ao contrário, é um traço de todas as to de Tavares Bastos dá um passo que o argumento
sociedades civilizadas: “Há certos interesses gerais centralizador intencionalmente repudia. Segundo
ou coletivos de tão grande importância, que as leis ele, o Estado não deve estar anteposto ao interesse
de todas as nações que possuem alguma civiliza- individual; ao contrário, deve estar ligado ao in-
ção não podem deixar de reconhecer ou definir” teresse individual, pois é sua expansão que gera o
(Idem, p. 5).49 O pensamento centralizador par- progresso; caso isso não ocorra, o órgão público se
te de um modelo de Estado no qual o interesse transforma num “ente imaginário, abstrato e arbi-
particular deve ser capturado pelo poder central trário frente aos indivíduos” (Bastos, 1937 [1870],
de maneira a considerar o interesse público. Não parte 1, cap. I, p. 19). O diagnóstico de que nos
houve receio de que o interesse individual condu- anos de 1830-1840 as províncias foram sufocadas
zisse o cidadão ao abandono da liberdade pública, agora recebe uma formulação mais ampla: “os er-
tema relevante em Tocqueville.50 Sua preocupação ros administrativos e econômicos que afligem o
reside no dano que o interesse individual alçado Império, não são exclusivamente filhos [...] de tal
a princípio organizador do Estado venha a causar ou qual partido que há governado. Eles procedem
na unidade nacional e na sua projeção no plano todos de um princípio político: a onipotência
externo.51 do Estado” (Idem, Carta, I, p. 12). Na década de
A chave de leitura que nos permite compreen- 1860, a maneira pela qual o Ato Adicional é ava-
der o Ensaio consiste em articular a discussão dos liado sofre a influência dessa nova perspectiva. O
anos de 1830-1840 com a nova temática surgida Ato Adicional teria concedido maior liberdade às
da discussão entre interesses privados e interesses províncias superiores em civilização (Idem, p. 173)
públicos. Nesse sentido, o trecho fundamental do e também autorizou os interesses particulares a
Ensaio, no qual esses dois planos estão articulados, moldarem o Estado (Idem, p. 263).
vem a ser o seguinte: “Sem centralização como li-
gar o Sul e o Norte do Império, quando tantas
dessemelhanças se dão nos climas, territórios, es- Conclusão
pírito, interesse, comércio, produtos e estado so-
cial” (Uruguai, 1997 [1862], p. 395). O pensa- O presente artigo buscou mostrar as prin-
mento centralizador parte da inexistência de uma cipais mudanças no conteúdo dos conceitos de
unidade, seja no plano dos interesses particulares centralização e federalismo. A compreensão des-
existentes na sociedade, seja entre as províncias. sas alterações nos foi permitida por uma análise
Sua polêmica para com o pensamento federalista que mobilizou um material mais amplo do que as
esteve centrada na sua concepção de que os in- grandes obras sobre o tema. Dessa maneira, pude-
teresses provinciais, inclusive das províncias mais mos revelar uma complexidade maior no sentido
civilizadas, eram incapazes de conferir uma uni- político desses conceitos. Nesse percurso analisa-
dade a esse conjunto de regiões heterogêneas e se mos o papel central que ideias importantes da teo-
desdobra na sua avaliação de que os interesses par- ria liberal do século XIX tiveram nesse debate. Nas
ticulares não eram capazes de conferir unidade e décadas de 1830 e 1840, o conceito de centraliza-
legitimidade ao Estado. ção foi pensado a partir de uma contraposição en-

11041-rBCS76_af4.indd 202 7/7/11 3:04 pm


O debate entre centralizadores e federalistas no século XIX  203

tre interesses meramente provinciais e vontade nacio- Notas


nal. No argumento centralizador, está presente a
ideia de pacificar o país por intermédio da ação do 1 Paulino José Soares de Souza (Visconde do Uruguai)
poder central, na qual os direitos civis, para serem publicou seu principal trabalho, Ensaio sobre o direi-
garantidos, requerem o seu reforço. Na década de to administrativo, em 1861, enquanto Tavares Bas-
1860, o conceito de centralização foi ampliado tos publicou Cartas do solitário (1865) e A Província
(1870).
englobando o tema da precedência do interesse pú-
blico em face dos interesses particulares. Tal subor- 2 Devemos assinalar as análises inovadoras desenvolvi-
das por Werneck Vianna e Carvalho (2000), acerca
dinação não nasce da compreensão de um atraso
do pensamento saquarema a partir da interpretação
existente na sociedade, o qual caberia ao Estado
proposta por Morse.
corrigir por meio de instrumentos autoritários,
3 Usualmente os trabalhos tomam como a principal
mas de uma precedência necessária decorrente
fundamentação do Ato Adicional (1834) os textos
da legitimidade que esse órgão possui perante a de Tavares Bastos (1861-1870), enquanto a defesa do
sociedade e que o autoriza a interferir e a regu- regresso conservador (1837-1843) tem como base o
lar os comportamentos sociais. Essa legitimidade Ensaio (1862).
está vinculada a um modelo de Estado moderno 4 A definição contemporânea de federalismo apresenta-
proveniente da teoria liberal. O cidadão, seus di- -o como um sistema de governo no qual o poder é di-
reitos civis e interesses particulares devem ser con- vidido entre o governo central (a União) e os governos
duzidos a seguir a dinâmica do interesse público regionais. A experiência histórica que gera esse novo
formulado pelo poder central, de outra maneira conteúdo é a construção do Estado norte-americano
serão apenas expressão do egoísmo individual. a partir de 1787.
Inicialmente, o conceito de federalismo emerge 5 Ver Sessão de 17 de setembro de 1823, p. 158.
associado à ideia de confederação. Posteriormen- 6 Ver, por exemplo: “Federação não se opõe à monar-
te, os liberais exaltados formulam a descentraliza- quia constitucional, como há exemplos, tanto na his-
ção como um veículo pelo qual a participação e a tória antiga, como na moderna, e mesmo na Europa”
justiça se articulam positivamente. Os cidadãos, (Assembleia Constituinte, 17 de setembro de 1823,
mediante o exercício da liberdade política, inter- pp. 152-153).
nalizam a lei e protegem sua esfera privada. Tal 7 Sobre a ideia de casa como uma chave de leitura para
ato decorre do seu interesse individual, o qual, a compreensão do pensamento imperial, ver Rohloff
deslocado do seu egoísmo pela política, constrói Mattos (1994).
a separação entre público e privado. A construção 8 Os federalistas não desconheciam as diferenças nas
do Estado-nação seria feita sem a necessidade de distintas trajetórias de Brasil e Estados Unidos. Um
exemplo nesse sentido é a fala de Carvalho Melo, Ses-
mobilizar valores externos aos interesses do cida-
são de 21 de outubro de 1823, p. 155.
dão ativo, estando ausentes temas como a unidade
do Estado nacional ou a sua projeção no plano 9 A bibliografia sobre o debate usualmente não se de-
tém no Código do Processo efetuando um salto his-
externo. A mudança do conceito de confederação
tórico entre a Constituinte de 1823 e o Ato Adicional
para federalismo implicou uma maior ênfase ao (1834). Os autores comentam os aspectos formais do
tema da competição pacífica entre os interesses das Código do Processo, sem analisar os valores mobiliza-
províncias. Ao mesmo tempo, a articulação virtuo- dos no debate.
sa entre participação e justiça a partir do município 10 A lei que regia o cargo de juiz de paz permitia aos ci-
foi substituída pelo tema da precedência do Legis- dadãos ativos situados nos municípios a eleição direta
lativo provincial como intérprete desse interesse. do Juiz de Paz. O promotor e o juiz municipal eram
Na década de 1860, a esses temas foi acrescida a escolhidos dentre os cidadãos locais pela câmara dos
ideia de que o Estado Imperial teria sido refratário vereadores, enquanto o júri era sorteado dentre os ci-
aos interesses individuais, cabendo ao modelo fede- dadãos da localidade.
ralista sua reforma. 11 Sobre a ideia de interesse bem compreendido, ver To-
cqueville (1977, livro II, parte II, cap. IX).

11041-rBCS76_af4.indd 203 7/7/11 3:04 pm


204  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 76

12 O Astro de Minas, ano de 1832, e Aurora Fluminense, do debate ocorrido em torno do Ato Adicional nos
anos de 1832-1833. anos de 1830.
13 Aurora Fluminense, 3/9/1832. 29 Esse termo, segundo Moraes (1844), significava “a
14 Aurora Fluminense, 3/9/1832 e 15/2/1833. faculdade que alguém tem de querer”. O significado
de vontade denotava uma deliberação tomada pelo
15 O Astro de Minas, 28/6/1832.
agente no sentido de realizar um ato intencionalmen-
16 Ver, por exemplo, o jornal O Brasil, 20/11/1841. te buscado.
17 Sessão de 17 de setembro de 1823, p. 158. 30 Tal chave interpretativa pode ser encontrada em
18 O Ato Adicional transferia as principais atribuições da Mello (2001, p. 16).
justiça para o controle do Legislativo provincial, que 31 Ver, por exemplo, Souza, Relatório de Presidente de
compartilhava o controle sobre funcionários da justi- Província do Ano de 1839, p. 4. Sobre uma análise
ça com o poder central e possuía poder sobre os cargos detalhada dos debates em torno destes cargos, ver Co-
judiciários na esfera municipal. O debate acerca do ser (2008, cap. 5).
Ato Adicional tem início em 6 de maio de 1831, sua
32 Ver sessão da Câmara dos Deputados de 3 de novem-
aprovação ocorre em agosto de 1834.
bro de 1841, p. 815.
19 Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 17 de maio
33 Ver Sessão do Senado de 6 de julho de 1840, p. 14
de 1831, p. 48.
34 Esse aspecto é mencionado na sessão de 5 de agosto
20 Idem, p. 47.
de 1846, na Câmara dos Deputados, nas palavras do
21 Idem, p. 48. Cônego Marinho: “E por que oferece o subdelegado
22 Ver, por exemplo, Evaristo da Veiga, Sessão da Câma- mais garantias do que o juiz de paz? Porque o subde-
ra dos Deputados de 26 de junho de 1834, p. 182; legado é da nomeação do governo?”.
Paula Araújo, Sessão da Câmara dos Deputados de 35 A Cabanagem e a Farroupilha.
25 de junho de 1834, p. 173; ou Bernardo Pereira de
36 Ver Relatório de 1841, pp. 7-10.
Vasconcelos, Sessão da Câmara dos Deputados de 1
de julho de 1834, p. 10. 37 Idem, ibidem.
23 Nesse sentido, discordamos da crítica bem elaborada 38 Sobre o par conceitual civilização/sertão no pensa-
por Ferreira (2009). Segundo a autora, teríamos asso- mento político imperial, ver Coser (2008, cap.4).
ciado o argumento federalista a uma incapacidade em 39 Ver também Nabuco (1997, vol. I, pp. 101-105). O
formular o interesse nacional. autor, abordando os conflitos da política regional en-
24 Sobre a força das províncias no pacto político imperial tre partido da ordem e praieiros, analisa a reação dos
ao longo do século XIX, ver Dolhnikoff (2005). senhores de engenho contra a Reforma do Código.
25 Ver, por exemplo, o discurso de Feijó na sessão do Se- 40 Ver Relatório de Ministro da Justiça, 1843, p. 26.
nado em 26 de julho de 1839, p. 371. 41 Idem, ibidem.
26 Álvares Machado designa a centralização como cadeia 42 Ver Sessão de 17 de junho de 1839.
de ferro que comprime os interesses das províncias. 43 Sobre a importância de análise do argumento a partir
Ver sessão de 3 de junho de 1839. de onde é proferido, ver Wolin (1976, pp. 26-27).
27 Sessão da Câmara dos Deputados de 12 de junho de 44 Uma releitura da ideia de iberismo pode ser encontra-
1839, p. 383. Segundo os centralizadores, em algu- da em Werneck Vianna e Carvalho (2000).
mas províncias, o Legislativo provincial extinguiu
45 Sobre as diferenças entre o liberalismo anglo-saxão e o
cargos previstos no Código do Processo, transferindo
francês no século XIX, ver Sidentop (1979). Sobre o
suas atribuições para outros cargos, ou simplesmente
liberalismo francês, ver Rosanvallon (1985).
suprimindo-os, mas sem definir quais cargos herda-
riam suas tarefas. No debate da época, eram chamadas 46 Ver, principalmente, os Anais dos debates parlamenta-
de Leis provinciais absurdas. res do Senado no ano de 1850.
28 A bibliografia sobre o tema ignora a contraposição 47 O Judiciário cuida do interesse privado e do direito dos
entre interesse meramente provincial e vontade nacio- associados. Ver Ribas (1866, p. 78).
nal, presente num dos mais importantes relatórios de 48 “O direito [...] está inerente a alguém por virtude da
ministro da justiça. Tal silêncio é compreensível, na lei. Tal é o que está inerente à qualidade de proprietário
medida em que seu material de análise passa ao largo ou cidadão” (Uruguai, 1997 [1862], cap. XV, p. 63).

11041-rBCS76_af4.indd 204 7/7/11 3:04 pm


O debate entre centralizadores e federalistas no século XIX  205

Segundo o Visconde do Uruguai, “pertencem a todos CARVALHO, Maria Alice Rezende de. (1988), O
independentemente da sua capacidade” (Idem, nota 8). quinto século: André Rebouças e a construção do
Ver Pimenta Bueno (1978 [1858], pp. 381-382). Brasil. Rio de Janeiro: Revan/Iuperj/Ucan.
49 Ver também Uruguai (1997 [1862], p. 73) e Rego COSER, Ivo. (2008), Visconde do Uruguai: centra-
(1860, p. 8). lização e federalismo no Brasil. (1823-1866).
50 Sobre o uso de Tocqueville pelo Visconde do Uruguai Belo Horizonte/Rio de Janeiro, Editora da
e por Tavares Bastos, ver Ferreira (1999). UFMG/Iuperj, 2008.
51 Sobre a incapacidade dos interesses privados em com- DOLHNIKOFF, Miriam. (2005), O pacto impe-
preender a necessidade da abolição do tráfico, ver rial: origens do federalismo no Brasil do século
Anais do Senado, 1850, vol. I, p. 319, e Uruguai (1997 XIX. São Paulo, Globo.
[1862], p. 72). FAORO, Raymundo. (1994), Existe um pensamen-
to político brasileiro? São Paulo, Ática.
FERNANDES, Florestan. (1975), A revolução bur-
BIBLIOGRAFIA guesa no Brasil. Parte 1: As origens da revolução
burguesa. Rio de Janeiro, Zahar, 1975.
Fontes Primárias FERREIRA, Gabriela Nunes. (1999), Centraliza-
ção e descentralização no Império: o debate entre
Anais da Câmara dos deputados dos anos de: 1823, Tavares Bastos e visconde do Uruguai. São Paulo,
1827, 1831, 1832, 1833, 1834. Departamento de Ciência Política da Universi-
Anais do Senado dos anos de 1840 e 1850. dade de São Paulo/Editora 34.
Relatórios de Ministro da Justiça dos anos de 1834, . (2009), “Um debate em aberto: cen-
1836, 1841,1843. tralizadores e federalistas na construção do
JORNAIS: O Astro de Minas (1832), Aurora Flumi- Estado nação do Brasil”. Revista Brasileira de
nense (1834), O Brasil, (1841). Ciências Sociais, 24 (71): 176-179.
JASMIN, Marcelo. (2000), “Interesse bem com-
Livros preendido e virtude em A Democracia na Amé-
rica”, in Newton Bignotto (org.), Pensar a Re-
BASTOS, Aureliano Candido Tavares. (1937 pública, Belo Horizonte, Editora da UFMG.
[1870]. A Província. 2 ed. São Paulo, Editora KOSELLECK, Reinhart. (2002), The practice of
Nacional. conceptual history. Stanford, Stanford Univer-
BRANDÃO, Gildo Marçal. (2007), Linhagens do sity Press.
pensamento político brasileiro. São Paulo, Ade- MATTOS, Ilmar Rohloff. (1994), O tempo de Sa-
raldo & Rothschild. quarema: a formação do Estado imperial. 3 ed.
BUENO, José Antônio Pimenta. (1978 [1858]), Rio de Janeiro, Acess.
Direito público brasileiro e análise da Constitui- MORSE, Richard. (1988), O Espelho de Próspero.
ção do Império. Brasília, Senado Federal. São Paulo, Companhia das Letras.
CARVALHO, José Murilo de. (1980), A construção MELLO, Evaldo Cabral de. (2004), A outra In-
da ordem. Brasília, Editora da UnB. dependência: o federalismo pernambucano de
. (1993), “Federalismo y centralización 1817 a 1824. São Paulo, Editora 34.
en el Imperio brasileño: historia y argumento”, NABUCO, Joaquim. (1997), Um estadista do Im-
in Marcelo Carmagnani (org.), Federalismos la- pério. 5 ed. Rio de Janeiro, Topbooks.
tinoamericanos: Mexico/Brasil/Argentina. Méxi- REGO, Walquiria. (1989), Um liberalismo tardio:
co, Fondo de Cultura Económica. Tavares Bastos, reforma e federação. São Paulo,
. (2002), “Entre a autoridade e a liber- tese de doutorado, Departamento de Ciência
dade”, in Visconde do Uruguai (org. e introdu- Política, USP (mimeo.).
ção de José Murilo de Carvalho). São Paulo, REGO, Vicente Pereira. (1860), Elementos de direi-
Editora 34. to administrativo brasileiro. 2 ed. Recife. Dispo-

11041-rBCS76_af4.indd 205 7/7/11 3:04 pm


206  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 76

nível em <www.bdjur.stj.gov.br>.
RIBAS, Joaquim. (1866), Direito administrativo
brasileiro. Rio de Janeiro, Pinto Livreiros. Dis-
ponível em <www.bdjur.stj.gov.br>.
ROSANVALLON, Pierre. (1985), Le moment Gui-
zot. Paris, Gallimard.
SANTOS, Wanderley Guilherme. (1978), Ordem
burguesa e liberalismo político. São Paulo, Duas
Cidades.
SIDENTOP, Larry. (1979), “Two liberal tradi-
tions”, in Alan Ryan (ed.), The idea of freedom:
essays in honour of Isaih Berlin. Oxford, Oxford
University Press.
TOCQUEVILLE, Aleixs de. (1977), A democracia
na América. Belo Horizonte, Itatiaia.
WOLIN, Sheldon. (1976), “Filosofía política y fi-
losofía”, in , Política y perspectiva.
Buenos Aires, Amorrortu Editores.
Uruguai, Visconde do. (Paulino José Soares de Sou-
za). (1858), Bases para uma melhor organização
das administrações provinciais. Rio de Janeiro,
Typografia Nacional.
. (1997 [1862]), Ensaio sobre o direito
administrativo. Brasília, Ministério da Justiça.
. (1865). Estudos práticos sobre a admi-
nistração das províncias no Brasil. Rio de Janei-
ro, Imprensa Oficial.
VIANNA, Luis Werneck. (1997), A revolução pas-
siva: iberismo e americanismo no Brasil. Rio de
Janeiro, Revan.
VIANNA, Luis Werneck & Carvalho, Maria Alice
Rezende de. (2000), “República e civilização
brasileira”, in Newton Bignotto (org.), Pensar a
República, Belo Horizonte, Editora da UFMG.

11041-rBCS76_af4.indd 206 7/7/11 3:04 pm


RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS  227

O DEBATE ENTRE THE DEBATE BETWEEN LE DÉBAT ENTRE CENTRALI-


CENTRALIZADORES E CENTRALIZERS AND SATEURS ET FÉDÉRALISTES AU
FEDERALISTAS NO SÉCULO XIX: FEDERALISTS IN THE 19th XIX e SIÈCLE: LA TRAME DES
A TRAMA DOS CONCEITOS CENTURY: THE PLOT OF CONCEPTS
CONCEPTS

Ivo Coser Ivo Coser Ivo Coser

Palavras-chave: Pensamento político; Keywords: Political thought; Central- Mots-clés: Pensée politique; Centralisa-
Centralização; Federalismo; Autoritaris- ization; Federalism; Authoritarianism; tion; Fédéralisme; Autoritarisme; Améri-
mo; Americanismo; Iberismo. Americanism; Iberism. canisme; Ibérisme.

Este artigo tem como objetivo entender This article aims at understanding the Cet article a pour objectif de comprendre
as principais mudanças no conteúdo dos main changes in the content of concepts les principaux changements dans le
conceitos de centralização e federalismo of centralization and federalism along contenu des concepts de centralisation et
ao longo do século XIX, articulando-as the 19th century, combing them with de fédéralisme au cours du XIXe siècle,
com as linhas de interpretação do pensa- the lines of interpretation of the Brazil- en les reliant aux lignes d’interprétation
mento político brasileiro. No pensamento ian political thought. In the centralizing de la pensée politique brésilienne. La pri-
centralizador esteve presente a precedência thought there was the precedence of pub- mauté de l’intérêt public face aux intérêts
do interesse público ante os interesses par- lic interest in confrontation with private privés a été présente dans la pensée cen-
ticulares. Tal subordinação não nasce da interests. Such subordination does not tralisatrice. Une telle subordination ne
compreensão de um atraso existente na arise from realizing an existing delay in naît pas de la compréhension d’un retard
sociedade, o qual caberia ao Estado cor- the society which would be up to the existant dans la société – et qui devrait
rigir por meio de instrumentos autoritá- state to correct by duty means of au- être corrigé par l’État par l’emploi d’ins-
rios, mas de uma precedência necessária thoritarian instruments, but rather from truments autoritaires – mais d’une précé-
decorrente da legitimidade que esse órgão the legitimacy that this body has had to- dence nécessaire découlant de la légitimi-
possui perante a sociedade. O pensamen- wards society. The federalist thought was té que l’État possède auprès de la société.
to federalista foi marcado pela ideia do marked by the idea of individual interest La pensée fédéraliste a été marquée par
interesse individual articulado à busca da established by the search of the citizen’s l’idée de l’intérêt individuel articulé à la
liberdade do cidadão e da autonomia das freedom and the autonomy of provinces. recherche de la liberté du citoyen et de
províncias. Buscamos interpretá-lo por We have tried to interpret it by means of l’autonomie des provinces. Nous cher-
meio do conceito de americanismo e das historical context changes. chons à l’interpréter par le concept de
alterações no contexto histórico. l’américanisme et des changements dans
un contexte historique.

11041-rBCS76_af4.indd 227 7/7/11 3:04 pm

Вам также может понравиться