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Edição n.

1 – Outubro/ 2010

The New Gagá A revista quinzenal ou de seis em seis meses

rada. Acho que eu a faria gozar ser reinventado”. Mas eu não entusiasmo e paixão. Foder.
Bruta dentada feito louca, enquanto ela me quero me estender muito com Homem pensa muito nisso.
chuparia o lóbulo da orelha esse email, senão acaba viran- Mesmo com ternura. Mas o
Já botei até veneno pelas vei- esquerda, me chamando de do carta. Carta de amor. Ridí- desejo carnal é o primeiro sen-
as. Tô fissurado numa mulher amorzinho. culas cartas de amor. Pessoa timento que aflora no macho ao
de pernas tortas que trabalha também me agrada. Bye.. ver a mulher desejada. Seios.
como professora da disciplina Não sou feio. Feio é o que Boca. Pêlos. Dentes e língua.
de genética em uma faculdade pensam de mim por eu pensar Sujeito Encruado. Eu a desmanchei imaginaria-
particular, aqui, em Maringá. e dizer aquilo que todos que- mente como um carro roubado,
Minha doce prisão. Gosto da rem fazer, mas insistem em afinal, o parque estava cheio
tortuosidade de suas pernas e Depois que mandei o email
não falar. Pra isso é necessário fiquei com aquela sensação de de corredores, pescadores de
de seus cabelos cortados à ter coragem. Nunca sabemos a fim de semana e gente que
navalha. Ela tem seios gran- bicho babaca. Otário. Burro.
reação de uma mulher. Você Ela devia estar se arrebentan- simplesmente estava ali para
des. Não é muito alta. É média. me entende? Não é baixaria passar o tempo. Matar moscas
Imagino que as aréolas devem do de rir. Que sujeito mais
nem esculhambação com a sua ridículo. Quem pensa que é? com um bastão de beisebol. Ou
ter uma tonalidade entre um pessoa. É que eu digo aquilo planejar o assassinato da a-
marrom clarinho ou um negro Vem do nada e pensa que
que eu desejo. Eu te desejo pode me passar no bico, assim, mante ou do amante, essas
corcel árabe. Eu a amo. Mas desde os anos oitenta. Em 86 o coisinhas minúsculas que fa-
ela nunca me viu e nem imagi- fácil? Mas pra minha surpresa,
Santos teve uma campanha no ela respondeu ao meu email: zem o batimento cardíaco ser
na quem eu sou. Sou bonito. campeonato Brasileiro que foi comparado com a força de uma
Não sou feio. Mas nem todas um fiasco. Mas isso não inte- locomotiva Oriente Expresso. O
gostam de mim, porque além ressa. Um amigo meu, jornalis- Caro Sujeito Encruado, primeiro beijo foi debaixo de
de um beberrão, solto alguns ta, tinha o endereço eletrônico uma sibipuruna. Um pássaro
verbetes que incomodam os dela. Implorei para que ele me Você, para um sujeito tímido, preto olhava de soslaio o a-
ouvidos mais virgens. Já estu- desse o maldito email dela. está bem atiradinho. Quem masso do casal. Ela não deixou
prei tímpanos com frases bem Com muita relutância ele ce- pensa que eu sou? (risos) que eu me esfregasse muito,
urdidas, do ponto de vista de deu. Criei coragem e mandei Brincadeira... Eu acho reticên- disse que tinha uma reputação
quem as pronuncia, claro. O um email para minha professo- cias um pouco brega, mas... a zelar. Que conversa fiada,
resto é o resto. Detesto frase rinha: Para esta situação, acho bem pensei, mais depois achei que
feita, mais essa vale o risco. apropriado. Também gosto de ela tinha razão e aceitei o con-
Walter Hill. O Amor está para vite para ir até sua casa.
Fiquei um mês sem botar um Cara Professora Leila, ser reinventado? Mas é pra
gole sequer na boca. Foi por quando? Não precisa atraves- Uma casa bonita por sinal. Não
ela. Só pra falar coisas bonitas. Sei que pode parecer loucura, sar New York. Maringá já tá de
mas não paro de pensar em era pequena, pelo contrário,
Mas pensando bem, quando eu bom tamanho. Bj. era uma casa de andar. Com
chapo, também falo coisas você. Sou do tipo Encruado,
mas nem por isso fico enfiando dois lances de escadas que
bonitas. É só não me provocar Professora Leila. levavam a lugar nenhum. Esta-
que eu sou um cavalheiro e até a cabeça dentro da terra feito
avestruz. É que algo aconteceu va num bairro perto do cemité-
seu escravo. No duro. Escrevo rio municipal. Nem sei o nome.
poemas também, mas dizem comigo, porra, (desculpe) eu Foram muitos emails que aca-
nunca te vi pessoalmente e baram se transformando em Não me lembro... Isso não
que eu arrebento é na prosa. importava, eu já estava bem
Às vezes sou desconfiado com estou completamente tomado cartas de amor. Tantas, que ela
por um sentimento que me tomou iniciativa e disse num instalado no sofá cama da
o excesso de elogios. Como já professora Leila. Trouxe algu-
me disseram, às vezes, sou assaltou à luz do dia, apesar dos últimos emails que gostaria
d’eu me considerar um dos de me conhecer pessoalmente. mas latas de Itaipava, que logo
delicado, nunca derramado. A fui colocando pra dentro. E eu
única coisa derramada em mim seres da noite. Tipo The Warri- Marcamos para um final de
ors, do Walter Hill, aquele filme semana, no Lago do Buracão. que fiquei um mês sem beber
é um copo de cerveja bem em pensando que ela não bebia.
cima do distintivo da minha sobre uma gangue que precisa Quarenta e quatro anos e senti
chegar a Cone Island, pois aquela sensação adolescente Itaipava vai, Itaipava vem,
camisa do Santos. quando percebi estava com um
foram confundidos (acusados, de quando vamos conhecer
na verdade) com os assassinos uma namorada pela primeira dos seios de Leila na minha
Tô pensando em tatuar o distin- boca. Era como eu pensava, as
tivo do peixe no meu bíceps do futuro líder geral das gan- vez . Magnun 44. Droga! Não
gues de New York. Por você eu sou o inspetor Callahan, por aréolas eram de uma tonalida-
direito. Depois dos quarenta tô de marrom clarinho. Lindos. E
querendo me tatuar. Será que cruzaria a cidade toda, mesmo isso a sensação de encrua-
com os babacas dos skinheads mento aflorava em cada poro como no meu sonho, no meu
isso é uma espécie de regres- desejo mais solitário, lá, no
são adolescente ou só um atrás de mim. Você faz tri- da minha pele. Estava linda,
cô?Sempre sonhei com um suas pernas tortas me deixa- meu quartinho de fundos, no
desejo que foi reprimido aos Jardim Oásis, vivendo com as
quinze? Ai, meu Deus, estou suéter de lã feito pelas mãos vam louco, mesmo para um
da mulher que eu amo, com um quarentão como eu. Ela na baratas, eu estava sentindo o
de pau duro pensando nessa sabor e o cheiro daquela mu-
professorinha, enquanto as enorme W nas costas. Exage- base dos trinta e cinco, mas
ro, né?Amor... Como dizia o jovial, e de uma timidez que por lher que o meu cérebro e o
baratas praticam voyeurismo meu pau desejavam.
com minha ejaculação demo- poeta Rimbaud: “isso está para vezes sumia em uma nuvem de
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“Me penetra devagarzinho...” era de suma importância numa Toquei o interfone. ser reinventado. Mas eu não
Ela disse na minha orelha es- vida cheia de ausências, negli- sei mais que tipo de sentimento
querda. gências e um certo acúmulo de “Quem é?” mora dentro do meu peito. Sou
ódio e rancor. Tinham feito uma um tipo de senhorio que cobra
Então comecei devagar, como sutura. Dava pra sentir os pon- “Arnaldo, eu acho...” um aluguel caro quando esse
um Dom Juan que vai desposar tos. Pensei em arrancar a ca- sentimento resolve aflorar den-
uma donzela, mas Leila não beça da desgraçada com mi- Subi até o apartamento. Meu tro de mim. De madruga ouço
era mais donzela. Ora, que se nha próprias mãos. Mastigar amigo abriu a porta e meus apenas as malditas patas e
dane! Virgem nem papel higiê- seus dois olhos e cuspí-los em olhos se encheram d’água. antenas das baratas num rolê
nico é mais! Penetrei-a de uma sua cara dissimulada e ordiná- Pediu para que eu sentasse em pelas fissuras das paredes
vez e profundamente. Ela sus- ria. uma de suas poltronas. Narrei desse quartinho imundo. Elas
pirou e gemeu, cravando as todo o ocorrido. Vi que seus são as únicas que me amam,
unhas em minhas costas até “Cadê você sua puta sádica e olhos também estavam cheios acho. O pior, é que mesmo
que sangrasse. antropófaga!?” d’água. Tudo aquilo era consi- sem o meu pau, o desejo por
deração por mim? Mas num ato uma mulher não cessa. Às
“Porra, cê me rasgou as cos- Silêncio. súbito começou a abaixar as vezes sinto um pênis imaginá-
tas!” calças, e para minha surpresa, rio erguendo-se numa ereção
Apenas o assovio leve do vento pude ver que ele também não fenomenal. O poeta francês
“Cê não viu nada ainda...” beijando as águas profundas tinha mais o pau e as bolas. tem razão, mesmo morto há
do lago do buracão. Somente aqueles pêlos pubia- séculos. Mas eu sei que é
Senti uma forte pressão na nos que faziam a área atingida apenas essa prótese de látex
base do meu pau, acompanha- Levantei. Saí andando com parecer com a vagina de uma que uso como se fosse uma
do de uma dor fenomenal. certa dificuldade. Minhas rou- puta aposentada. cinta liga, que me consola nas
Senti como se o distinto tivesse pas estavam penduradas numa madrugadas em que os demô-
sido cortado por uma guilhoti- cadeira. Vesti bem devagar. O “Seu filho da puta, você sabia nios da libido resolvem sair e
na. Comecei a sangrar dema- lugar estava vazio. Sem viva que aquela maldita tinha uma me sacanear. Às vezes estou
siadamente. Eu era um hidran- alma. Abri a porta principal. Era guilhotina na buceta e mesmo bem. Às vezes mal. Mas com
te da Internacional Comunista. uma casa no meio de uma assim deixou que eu fosse até os diabos, na maioria das ve-
Sangue vermelho, vivo, abun- plantação de soja. Sempre a ela!?” zes as baratas se espantam
dante, jorrava por minhas per- maldita soja cúmplice de atro- com tamanha força que atiro
nas. Levantei num impulso pela cidades com anônimos. Saí Desferi um violento soco em essa merda na parede.
sobrevivência. E o que eu tinha caminhando. Não sei por quan- seu rosto. Caiu estatelado no
mais medo na vida, era com- to tempo andei por uma estra- chão, limpando o sangue dos * Nelson Alexandre
pletamente real diante dos da rural ora cascalhada, ora de lábios.
meus olhos. Aquilo não era chão bruto. Solo vermelho.
cinema. Não era um filme de Poeira da discórdia. Cercearam “Você implorou pelo endereço,
Lucio Fulci. Não era uma refil- meu saco escrotal também, lembra?”
magem em alta velocidade do mas não rasparam os pêlos Numa quarta-feira
estilo de Zack Snydeer. Era a pubianos. Parecia que eu tinha Filho da puta! Mandei uma
vida. A maldita vida lado B. Eu uma buceta no meio das per- bicuda na boca do estômago e Quarta-feira sempre fora o dia
não tinha mais o meu pau. Fora nas. Comecei a chorar e a no meio da cara. Acabou apa- de cortar os cabelos. Miércoles.
decepado por aquela vagina. A socar um eucalipto no meio do gando. Dei o fora rapidinho Sair e observar as ruas, o co-
maldita era uma planta carnívo- nada. Um sitiante num fiat 147 daquele lugar. Peguei um bu- mércio. Os protegidos de Mer-
ra? me viu socando o eucalipto. são pra casa. Sempre contan- cúrio, que pouco mudaram a
Parou o carro. do misérias para completar a maneira de negociar seus pro-
“Sua vaca, me arrancou o pau!” passagem. dutos na quarta-feira, desde a
“Cê Tá bem, amigo?” época em que primeiro houve
Era incrível, sua vagina masti- Desci do ônibus e comecei a uma quarta-feira. Hoje se ven-
gou o meu pau como uma boca Fiquei em silêncio por um mo- chorar novamente. O que seria de e se compra pela Internet,
faminta da Etiópia. Mastigava o mento. Respirei fundo e pedi de mim agora? Pensei em mas sobretudo em outros dias.
meu chucrute de Rolândia sem uma carona ao ponto de ônibus contar pra polícia, mas quem Era a ocasião de se observar a
cerimônia. Meu pobre pinto mais próximo. iria acreditar que na vagina de vida da cidade e esquecer-se
tinha se transformado em carne uma mulher havia uma boca da própria, o exercício de en-
moída. Ela não tinha uma vagi- “Te levo pra casa, cê parece dentada capaz de arrancar fora tender a vida como muito mais
na, ela tinha outra boca locali- que tá mal, amigo.” a rola de qualquer homem que do que a angústia que se car-
zada na região pélvica. Cuspiu fosse. Eu seria vítima da maior rega no peito. Como se casas,
um amontoado de carne e Uma boa alma. Coisa rara. chacota do século 21. Acho prédios, lojas e caminhos de
nervos retorcidos como uma Estávamos passando pelo que foi por isso que o Chanot- concreto pudessem ter qual-
obra de arte à la Marcel Du- centro quando me dei conta de to, aquele jornalista filho da quer angústia, palcos de um
champ. Tudo foi ficando escu- que o apartamento do meu puta que se dizia meu amigo, grande balé pleno de sentido
ro. Estava ficando fraco. Me amigo jornalista era nas proxi- ficou tanto tempo em silêncio. dançado por pessoas que ca-
esvaia em sangue. Acordei midades. Mandei o cara esta- Éramos todos covardes. minham apressadas em todas
numa sala toda branca. Parecia cionar por ali mesmo. Agradeci as direções, rostos sérios em
uma clínica particular. Estava e prometi que se um dia preci- Os dias passam da mesma roupas sérias. Numa quarta-
usando um camisolão de hospi- sasse de mim eu iria até o forma. As mesmas torturantes feira à tarde, ninguém pode ser
tal. Era um sonho? Porra ne- inferno para ajudá-lo. Mas 24 horas em que somos escra- poeta. É dia de cortar os cabe-
nhuma. Apalpei minhas partes sobre o ocorrido, nem uma vos do tempo e da oxidação da los como quem se formata um
e só senti aquele incômodo palavra. memória e da ternura. Rimbaud pouco, fazendo ligeiramente as
vazio. A ausência de algo que tinha razão, o amor está para

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pazes com aquilo que as pes- bairro elegante, e agora ele *** Talvez seja por isso que o
soas esperam umas das ou- tinha que pagar um valor exa- Linhares tinha se afeiçoado a
tras. gerado, feminino, para cortar O barbeiro velho da velha bar- ele. Não sabia dizer o porquê.
os cabelos, paciência. Motivos bearia daquele centro comerci- Foi com a cara dele e pronto.
Naquela quarta-feira ensolara- para mudar havia, inúmeros. al do centro da cidade admitiria Linhares só notou isso quando
da, por volta das duas da tarde, Como motivos para as terças- que ficou perplexo por alguns já estavam trabalhando juntos,
ele saiu de casa com o dinheiro feiras. Também nunca impunha segundos quando aquele rapaz e bem, há mais de um mês.
exato para pagar o corte. Teria sua vontade sobre a tesoura da entrou com passos decididos,
uma entrevista de emprego mulher, deixando-a podá-lo sentou-se na sua cadeira com Em pouco tempo a convivência
logo mais, razão pela qual não como bem entendesse, limitan- uma nesga de sorriso no rosto, profissional evoluiu para um
poderia se atrasar com dinheiro do-se a pequenos palpites e a com os olhos inúteis, fixos num coleguismo, de forma que não
sobressalente na carteira. No sempre aprovar o resultado ponto do espelho, e disse pala- raras foram as vezes que eram
entanto, razão insuficiente para final. Tinha, sim, uma teoria vras que o velho ouvia com avistados juntos tomando al-
fazê-lo cortar os cabelos numa para explicar o modo como frequência, mas que ouviu guns tragos nos botecos da
terça-feira repleta de tempo agia sentado na cadeira ajustá- daquela vez como se as ouvis- Avenida Mandacaru.
livre. Marchou até o carro pra- vel, de que, apesar das quar- se pela primeira vez:
teado que possuía, presente do tas-feiras, a cabeleireira era Foi numa dessas conversas de
pai ao filho bom. uma artista, como uma esculto- -Raspa na zero. bar que o convite surgiu:
ra. E os artistas deviam ter
Dentro do carro, já a caminho, liberdade criativa sempre. * Bruno Vicentini - Amanhã não estamos de
em meio a tantos outros carros Mesmo arrancando risos mise- serviço...Vou queimar uma
iguais ao seu até mesmo na ricordiosos dos amigos com a carne na casa de uns parentes
tintura, sentia-se invisível. Mas explicação, sua namorada da “patroa”, tá a fim? - Pergun-
invisível assim era bom. Fazia sempre reclamava quando a tou de forma franca e convida-
parte do seu repertório um artista se excedia, cortava
Uma garrafa de tiva ao seu mais novo chegado.
monólogo cômico, que se pro- demais, e prometia acompa- Rum
vara muito eficiente em mesas nhá-lo da próxima vez, jurava - A idéia não é ruim! – Respon-
de bar com os amigos, sobre dar uns sopapos na artista se Nunca gostou dos dias nubla- deu Linhares com um sorriso
como os carros populares e fosse preciso. dos. Preferia as tardes escal- no rosto.
prateados eram invisíveis, dantes dos finais de fevereiro e
carros invisíveis de pessoas Com a carteira vazia de notas e as chuvas que nunca cessam Após uma pausa sistêmica
invisíveis, mas seu pai nunca o cheia de moedas, caminhou ao tom cinza e murcho do ou- para uma tragada no cigarro
conhecera. O pai não conhecia apressado até o carro que, tono. Sentia-se mais vivo as- ainda prosseguiu.
o lado cômico do filho. Em apesar de invisível, fora multa- sim. Atendia por Linhares, ou
verdade, como poderia conhe- do pelo fiscal do estacionamen- melhor, Tenente Linhares. - O pessoal bebe cerveja?
cê-lo? Invisível assim era bom. to rotativo. Paciência. Arrancou
com toda a delicadeza de um Já faziam três anos de serviços - Bebem, mas se tiver a fim de
Aconteceu que de nada adian- aprendiz do volante, ainda prestados a Polícia Militar e levar algo diferente, fique a
tou usar o carro, fosse da cor tinha que encontrar o lugar da ainda não havia se habituado a vontade.
que fosse. Ao chegar ao desti- entrevista, que distanciava dos nenhum parceiro de trabalho.
no ele não encontrou nenhum poucos lugares em que sabia Quando não falavam em de- - O pessoal é meio religioso.
lugar para estacioná-lo. Havia, chegar de carro. Ele, que sem- masia acabavam por se emu- Vai ter um culto lá ...Você se
aliás, uma vaga, mas a pers- pre morara na mesma cidade. decer em um silêncio quase importa?
pectiva de fazer a manobra de A cidade, tão planejada e reple- sacro na viatura. Gordos de-
baliza na rua repleta de carros ta de árvores. mais, magros demais, chatos - Bem...tem um certo tempo
o amedrontou antes mesmo de demais, prestativos demais. que não vou à Igreja...é até
qualquer tentativa. Parou o Chegou a tempo de ainda es- Todos tinham defeitos muito bom. – Concluiu com uma
carro longe, de forma que o perar elegantes minutos senta- latentes para serem seus par- risada sincera. Ainda prosse-
salão se situou, sem que ele do na recepção. Não sabia o ceiros. guiu.
soubesse, em um ponto eqüi- que esperar da entrevista,
distante entre o carro e sua tentou em vão ler um pequeno Todos menos o Soldado Var- - É no almoço mesmo ou é
casa. E se alguém o visse cartaz apregoado no mural gas, sujeito comedido que churrasco de fim de tarde?
agora? E se o mundo inteiro verde, que trazia os lemas da havia se tornado seu mais novo
soubesse da sua infâmia? instituição. Não queria levantar companheiro de viatura. Os - Almoço.
Apressou-se para não pensar, para olhá-lo sem autorização. quase cem quilos que preen-
sentiu vergonha dos pedestres, Quando enfim foi chamado, chiam com rigor farto a farda - Hum. E o qth?
mirou o chão durante todo o respondeu com nervosismo ao de trabalho e o riso engasgado,
trajeto como quem nunca fizera que lhe foi perguntado pelo que quase rouco, lhe davam um Com certa demora, entre uma
coisa diversa em toda a vida. seria seu futuro patrão. Como aspecto bonachão que fazia mordida no espetinho de carne
se a resposta para todas as esbanjar uma espécie de ca- de gato e uma golada razoável
Mas apesar de tudo, era um perguntas que lhe foram feitas risma único. Não possuía inte- de cerveja veio a resposta.
rapaz sério. Tinha teorias. Não fosse mesmo “nervosismo”. ligência capaz de fazer sombra,
podia ser de todo infame, como Mas conseguiria o emprego, contudo, não despertava a ira - É no Ney Braga, uma casa de
não podia ser de todo qualquer sabia que sim, impressionara, o de ninguém pela falta de com- uns tios da minha noiva.
outra coisa. E sempre cortava o corte de cabelo inclusive. Era preensão de comandos sim-
cabelo com a mesma cabelei- só esperar pacientemente em ples. O convite estava feito e foi
reira, desde menino. Se sua casa a chamada telefônica de entre algumas outras amenida-
cabeleireira venceu na vida e admissão. des que o papo se encerrou,
abriu um salão elegante, num assim como a conta, naquela

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noite de sábado no boteco da ouvir um samba rock animando No momento de sua chegada tratava de um travesti. Qual
vila. o ambiente e a fumaça da todos os presentes, com exce- seria a próxima surpresa, pen-
churrasqueira subindo ao céu. ção de Linhares e Cissa se sava: Bodes? Galinhas pretas?
Despediram-se de forma fra- prostaram a velha senhora
ternal e tomaram seus rumos. - Vamos chegando pessoal! – como se fosse uma espécie de Levou uma das mãos a testa e
Fazia um leve frio e o vento Disse Vargas, segurando um líder religiosa. Alguns chega- proferiu uma gama de pala-
cortante dava uma sensação copo de cerveja pela metade. ram a beijar suas mãos engor- vrões impronunciáveis para si
térmica de inverno adiantado. duradas. Linhares achou aque- mesmo. Não conseguiu evitar a
Foi dessa forma que Linhares, - Grande Vargas, a galera já ta le clima todo meio esquisito e risada com a situação. Se aqui-
satisfeito e honroso com o toda aí? resolveu perguntar, na base do lo tudo fosse uma espécie de
convite recebido voltou pra cochicho, para Vargas quem pegadinha, estavam, definiti-
casa e comunicou, por telefo- Vargas fitou-o por um instante era aquela pessoa. vamente, conseguindo o cons-
ne, Cissa, sua namorada, do e respondeu com um tom de tranger. Não que tivesse algo
evento, a qual, prontamente mistério. - Essa é a Clô. Ela é mãe san- contra qualquer tipo de religião,
concordou. ta. Tia da Délia. mas para quem estava espe-
- Falta só um, mas ele chegará rando um almoço e tarde tran-
Foi sem maiores alardes que a em breve. - Ta de sacanagem comigo, né qüilos, aquela coisa toda o
noite passou e o sol invadiu de Vargas? pegava, literalmente, de sur-
forma orgulhosa os cômodos Sem entender o clima criado presa.
modestos da casa de Linhares. por Vargas, e nem mesmo - Claro que não. Eu não te
Custou um tanto para levantar, imaginar quem, ou o que, esta- disse que ia rolar um culto - Não dá Cissa...Não podemos
mas após o esforço se compôs va por vir, segurou na mão de aqui? sair assim sem mais nem por-
rapidamente e iniciou seus Cissa, que observava desliga- que. – Disse Linhares, distribu-
lépidos hábitos de higiene da as crianças jogando bola na - Cacete mano, não era bem indo sorrisos sociais de pseu-
pessoal. rua. isso que eu estava esperando. do-satisfação e acenos àqueles
Não sabia que a tia da sua com quem conversava anteri-
Enquanto escovava os dentes Ao entrar passaram por um noiva era macumbeira, porra... ormente.
se olhava no espelho trincado estreito corredor que conduzia – Protestou Linhares em tom
do banheiro e percebe a barba à edícula da casa principal, mais exaltado, mas ainda na Imediatamente, ao som de
por fazer. Empunhou o trinta e denunciando um pátio de pedra base dos múrmuros. atabaques e cantigas esquisi-
oito, o qual negava-se a se em forma de circunferência tas o ritual teve início. Alguns
separar até mesmo nos mo- onde as pessoas tomavam - Relaxa Linhares...Você não jogavam grãos de milho de
mentos de lazer, e o alojou na seus lugares junto a cadeiras e precisa participar, é só ficar pipoca sobre os outros. Cissa
altura da cintura.. Sorriu para si um pequeno muro e conversa- olhando pô. envolvia Linhares em um abra-
e não mais hesitou para buscar vam espalhafatosamente. ço cúmplice e sorria, tentando
Cissa e rumar para o almoço Já inquieto e percebendo que o demonstrar normalidade e
combinado. De forma educada cumprimen- pessoal começava a se posi- conforto.
taram todos os presentes, os cionar em uma espécie de
- Oi amor! – Disse a moça já quais foram muito polidos e roda, Linhares não conseguia Notava-se que senhora mulata,
entrando no carro, inebriando o simpáticos com o casal. Quan- disfarçar seu descontentamen- a Clô, havia trocado o vestido
ambiente com o perfume de do menos puderam perceber já to e indagou em tom de inquiri- por uma calça jeans azul e uma
lavanda, e se adiantado a lhe estavam a vontade e desfruta- ção seu parceiro. camiseta branca desbotada,
dar um estalinho carinhoso nos vam da hospitalidade daquela tentando personificar a emble-
lábios. gente simples e acolhedora. - E que porcaria de bebida é mática figura do marinheiro. Já
aquela que ela trouxe? havia abandonado forçada voz
Galanteador, não deixou de Enquanto Linhares contava feminina e proferia palavras
elogiar. casos engraçados junto com - Rum. sem nexo num tom grave.
Vargas aos mais velhos, Cissa
- Cheirosa como sempre, em? mantinha conversas femininas - Rum?? - Cadê o meu Rum?! – Interro-
com a noiva do último, Délia, gava o marinheiro de forma
A moça encheu seu ego e uma mulata alta de quadris - Sim, é que hoje ela vai incor- emputecida, quando, pronta-
antes que pudessem conversar largos e pernas bem torneadas. porar o espírito do marinheiro... mente lhe entregaram a bebida
assuntos mais prolixos a traje- Um clima aprazível pairava encantada.
tória até o local se faz ágil. sobre aquele meio dia de sol Nesse momento Linhares riu
quente. pra si mesmo em tom de tragi- Em goladas longas e fartas não
Linhares observou por alguns comédia e tratou de virar o demorou a secar quase metade
instantes a casa e tratou de Foi entre umas goladas de copo de cerveja que portava da garrafa enquanto prosse-
retirar um papel amassado da cerveja e conversas mais exal- com a mão direita. Simples- guia, junto com o restante dos
calça jeans, onde constava o tadas, sempre acompanhadas mente não podia acreditar no fiéis, em danças cabalísticas
número, para que pudesse de risos altos, que a última das que, involuntariamente, havia que se assemelhavam a um
conferir. Estava correto, pelas convidadas, chegou; uma se- se metido. Olhou para Vargas ritual indígena. Os presentes
coordenadas passadas o lugar nhora mulata de baixa estatura em um tom misto de reprova- ofereciam espécies de iguarias
deveria mesmo ser aquele. e cabelos presos. Usava um ção e descrença do que estava como oferendas a divindade do
vestido de estampas coloridas prestes a realmente acontecer. marinheiro, o qual provava tudo
Antes que tocasse a campai- um tanto extravagante e trazia Fitou mais atentamente a se- vagarosamente.
nha foram recebidos pelo pró- consigo uma garrafa com um nhora recém chegada perce-
prio Vargas, o qual cumprimen- liquido transparente. beu uma protuberância esquisi- Os reunidos em círculo passa-
tou Linhares com um aperto de ta na altura da genitália. Irrefu- ram, então, a fumar espécies
mão amistoso. Ao fundo podia tavelmente concluiu que se de charutos artesanais com um

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cheiro inusitado e em pouco embora. Na casa todos ficaram Pensativo e com um certo
tempo o local, embora fosse - É que o marinheiro sempre paralisados olhando uns para receio de que o acontecido
aberto, era dominado por uma escolhe uma das mulheres do os outros. tivesse se tornado público,
névoa densa que ia se dissi- local para dormir com ele e Linhares perguntou:
pando à medida que a fumaça acho que dessa vez a sua foi a Enquanto Linhares dirigia de
subia. Agora todos da roda escolhida. – Explicou Vargas, volta para casa junto com Cis- - Ele deu alguma razão para a
comungavam do rum encanta- de forma paciente, como se sa se perguntava se aquilo troca?
do do marinheiro. ceder com bondade a própria tudo havia acontecido mesmo.
mulher a um travesti vestido de Logo o Vargas? Sujeito tão - Deu sim. Ele disse que queria
Cissa batia os pés levemente marinheiro fosse coisa corri- comedido tinha, na verdade, mudar de parceiro, pois espe-
no chão e segurava com força queira. hábitos tão bizarros. rava trabalhar com alguém
as mãos de Linhares, que por mais religioso, pode?
sua vez assistia a tudo atônito - A minha mina não. Cede a Custava a acreditar no aconte-
já não se importando com o sua então pô!! Ta ficando lou- cido, e conversando com Cissa * Adriel Simoni
que os outros pensariam sobre co? – Bradou mais uma vez o acabaram caindo na risada
o seu desconforto com o pano- oficial indignado. sobre todo o caso. Fizeram
rama. Não conseguia entender amor e quando de noite Linha-
como um sujeito feito o Vargas, - É que ele quer a sua... res deixou sua enamorada em
O encontro
que lhe parecia tão “normal”, sua casa.
participava daquele tipo de Não acreditando no que estava
A Rita insistiu para que eu
celebração, a seu ver tão bizo- ouvindo, Linhares olhou para - Não vá sonhar com o Mari-
levasse o pão de queijo a Lílian
nha. Cissa e depois olhou para nheiro em? – Disse ela piscan-
naquela tarde. Não era meu
Vargas. Olhou novamente para do um dos olhos.
plano. Tinha de voltar ao traba-
Sem perceber sua cara estava Cissa, que tremia feito vara
lho. Ficara já um tempão fora; e
mais fechada e já rangia os verde (e suplicava para irem - Engraçadinha. Não era a mim
ali falando com ela, uma eter-
dentes, denunciando sua com- embora), e novamente olhou que ele queria não...
nidade. A Rita trabalhava numa
pleta inquietação. Fitava o para Vargas. Não acreditava no
loja de pão de queijo e sucos,
marinheiro com a feição fecha- que estava acontecendo. Che- - Deus me livre.
localizada na Avenida Cerro
da, quando seus olhares se gou até a olhar para os arredo-
Azul, próxima à Praça, dita, da
encontraram por alguns segun- res para avistar as câmeras de Gargalharam mais uma vez e
Patinação. Sempre que eu
dos. Foi quando a mulata, que pegadinha televisiva. Nada. despediram-se em um beijo
aparecia por lá ela me dava um
na verdade era o mulato, que Todos pareciam sérios e con- rápido. Linhares tomou o cami-
pãozinho. Às vezes eu com-
na verdade era o Marinheiro victos. nho de volta. Pensava que não
prava para não ficar chato.
proferiu. saberia mais como proceder
Talvez por isso lhe cedi a insis-
O Marinheiro, que se encontra- com Vargas, afinal, embora o
tência.
- Gostei da sua garota! Se você va sentado, levantou-se e se quisesse bem, a situação vivida
não tomar conta vou ficar com dirigia em sua direção. à tarde deixaria um clima pra lá
ela pra mim! – Apontando de de estranho entre os dois, que
forma indubitável para Cissa. Linhares não pensou duas iriam se ver, inevitavelmente,
Num saquinho de papel colo-
vezes, sacou a arma e apontou no outro dia, uma vez que eram
cou o pãozinho, após aquecê-
Rapidamente, em ato quase pro espírito tarado e andante. parceiros de trabalho. Como
lo no forno. Demonstrando
que ensaiado, todos se viraram deveria proceder numa situa-
estar com pressa, reprovei o
para os dois. Cissa empalide- - Negócio é o seguinte Mari- ção dessas?
trabalho vão, sua falta de cen-
ceu. Linhares embasbacado e nheiro. Mais um passo e eu
so em requentar o pão. Ao que
descrente com o que havia vou te pipocar de bala, ta liga- Já no outro dia, pela manhã,
ela, me empurrando para a
ouvido lançou. do? – Disse ele ao melhor fez-se fardado rapidamente e
porta, me despediu dizendo "se
estilo Zé pequeno. rumou para o quartel para
você for rápido".
- Como é que é? buscar a viatura de trabalho,
Os fiéis, ao ver tal ato se joga- tentando ensaiar o que dizer
A resposta veio em frase quase ram no chão. O marinheiro, a para seu companheiro. Quando
idêntica. essa altura já mais branco que lá chegou foi surpreendido. De bicicleta, rumei ao encontro
as paredes da casa, deu um Vargas não era mais seu par- da Lílian. Pensei em entregar-
- Gostei da sua garota, vou passo assustado pra trás e se ceiro de patrulha. lhe a encomenda, rodar nos
ficar com ela pra mim. preparava pra abandonar o calcanhares e voltar correndo
corpo e deixar só o corpo pos- Surpreendido, foi à área admi- para a oficina. Já demorava
Linhares se pôs de pé de forma suído com o pepino arrumado. nistrativa do quartel e conver- demais na rua. Imaginava o
abrupta e completamente irado sou com o Sargento escalante. patrão consultando o relógio,
interrogou Vargas. - Calma Tenente, não faça onde foi parar aquele sem
isso! – Disse Vargas em tom de - Fala Linhares! vergonha? Eu fazia, também,
- Vargas, que porra que é es- súplica. serviços externos e sempre
sa?? – Gesticulando feito um - Opa. Escuta, Sargento, por aproveitava as saídas para
genuíno italiano. - Calma o cacete Vargas! Que que o Vargas não está mais rever os amigos. Ir ao cinema.
palhaçada que é essa? comigo na patrulha? Ler algo na biblioteca pública.
- Calma, Tenente, faz parte do Revirar sebos. Ouvir lançamen-
ritual. Juntou a namorada, virou as - Pô Tenente, ele esteve aqui tos musicais numa loja de dis-
costas e saiu batendo pé sem ainda mais cedo e pediu para cos no Centro Comercial. Ou
- Como é que é??– Interrogou, se despedir de ninguém. Pas- mudar de parceiro...Desculpe. simplesmente tirar uma soneca
mais uma vez, sem acreditar no sou pelo corredor estreito abriu no jardim de alguma praça.
que havia ouvido. o portão, entrou no carro e foi

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The New Gagá - A revista quinzenal ou de seis em seis meses
Edição n. 1 -2010

A Lílian atendia num comitê Se anjo era, revelou-se torto, Gordão Tudo o que eu quero é que ela
político na Avenida Duque de pensei, saindo para o corredor Aquele cara que agora dorme cale a boca
Caxias. Depois de subir alguns à meia luz de onde ele surgira. do meu lado, né? Quero parar de tomar esses
lances de escadas, de luz es- Dormia? remédios
cassa, principalmente quando *Flauzino Que pena E parar de usar essa blusa
uma nuvem obstruía a luz do Gostei dele desde o início escrota
sol, era confortador ser recebi- -eu Que prende minhas mãos
do pelo seu sorriso. Atrás de Ela não E só livra minhas pernas e
uma escrivaninha, sua tarefa Eles não se identificaram cabeça
se resumia em preencher fi- O gordão e a voz Aliás, a voz está mandando eu
chas de algum novo partidário
Treze Gordo filha da puta, ela me levantar dessa cadeira
que ali aparecia e atender ao disse Ficar de pé
telefone. Ela era a única fun- Se eu tivesse um revólver E ficou zunindo E saltar no chão de ponta
cionária. Os patrões raramente Mataria essa voz Zunindo E que se me mandarem para
davam as caras durante o Tem uma voz na minha cabeça Zunindo aquele quarto sozinho
expediente. Tinha medo de Uma voz que me dá ordens Até que eu tive de falar por ela -novamente nessa semana
ficar ali sozinha, embora hou- Essa voz não me deixa dormir Gordo filho da puta Ela entra em todos vocês
vesse outras salas no prédio. Ela ecoa de um lado Gordo filho da puta E faz ainda pior
Ficava receosa quando ouvia Ecoa de outro Gordo filho da puta
passos contínuos na escadaria. E nunca sai lá de dentro Depois ela mandou eu pular * Alexandre Gaioto
Para despreocupá-la eu asso- Feito um sonâmbulo nele
biava algo, uma senha, anunci- Insone Pular e bater com os punhos
ando desde lá de baixo minha Rondando fechados
chegada. Não vá quebrar seus dedos,
remoto controle
Se eu tivesse uma faca Treze
Neste dia, mal eu chegara com Eu cortaria meu peito adentro 4, 6, 8, 10, 13, fora do ar, 23,
Pule e puxe a barba, Treze
o pãozinho, os ouvidos treina- Depois esfaquearia meu olho 25, fora do ar.
Corte um pouco para mim,
dos da Lílian perceberam que -talvez o direito primeiro 4, tiro, 8, 10, pastor, fora do ar,
Treze
alguém avançava escadas Enquanto o sangue jorra des- 23, menina com maquiagem
A ideia de furar o olho do gordo
acima. Apreensiva, sem saber controlado córnea afora esquisita, fora do ar. Bosta de
com os óculos dele?
quem poderia ser, ela abando- Eu não esqueceria o pulso televisão! O médico avisou que
Dela
nou a encomenda da Rita. -só para garantir depois dos 70, insônia era
De quem mais seria?
Olhava para a penumbra, en- Se me restassem forças ainda comum. A menina da maquia-
Duvido que ela pedirá descul-
quanto o visitante mantinha o deceparia meu pau gem até que tinha as pernas
pas
propósito de continuar subindo, Mas isso eu não prometo grossas, mas dançava feito
Não
sem parar em outra sala. bêbada. Acendeu um cigarro e
Ela nunca me chama pelo
Se eu tivesse uma chave fumou numa tragada só. Ai, se
nome
-de moto, de carro, de aparta- a filha descobrisse que estava
Nunca quis tomar um chope
mento, de treminhão fumando, tomava castigo. Ve-
comigo
Emergindo da sombra, o dono Eu a engoliria lho não serve pra nada. Só pra
Nunca quis ficar de porre comi-
daquelas passadas se concre- E tentaria engasgar tomar sopa, remédio e castigo.
go
tizou à porta. Ademir, disse ela. Quantas vezes fosse necessá- Ele sabia se vingar: dia desses
Eu não passo de um número
Não, não foi simplesmente um rio ficou tão nervoso, que se mijou
Treze
"ademir". A pronúncia veio Um controle remoto talvez inteiro de propósito. Lalinha o
Treze
carregada de estrógeno. Per- fosse mais eficiente xingava lá do tanque enquanto
É assim
cebia-se nela uma alegria dife- Mas a voz não quer chave nem lavava suas calças e ele ria
Treze aquilo
rente da surpresa que teve com controle tanto, que se engasgava. Ria,
Treze aquilo
o pão de queijo. Fosse quem Ela quer algo preciso tossia e engasgava.
Pegue os óculos do Gordo,
fosse, o forasteiro vinha de Eu preciso encontrar algo para 4, tiro e pneu queimando, jô,
Treze
mãos vazias. Tentei ainda a voz 10, pastor segurando copo
Pegue os óculos e mete no
contabilizar minha ínfima van- Ela me manda balançar o bra- d'água, fora do ar, 23, música
olho dele, Treze
tagem. ço desse jeito insuportável, fora do ar. Ele
Agora
Se eu falo gritando, assim, ó, a prometeu se comportar e parar
Sabe o que ela diz?
Media o intruso, enquanto a culpa é dela de fumar quando ela ameaçou
Que vocês são idiotas
Lílian em êxtase parecia estar E ela diminui o tom, olha só, da vender a tv. Pura implicância
Que a roupa de vocês é idiota
perante um ente celestial. Um minha voz quando bem quer da Lalinha, dizia quando al-
Que vocês estão querendo
anjo, talvez, desses retratado E começa a gritar novamente guém perguntava. O único que
mesmo é ver meu pau, grande,
na Capela Sistina. Era flagrante Que não há nada nem alguém se importava com o pai era o
babando, decepado na guilho-
o genótipo europeu dele, com- mais triste do que “O Cão” do tina
Jorge, filho mais velho. Toda
provadamente italiano viria Goya vez que Lalinha ranhetava, já ia
Ninguém mais aguenta o bran-
saber mais tarde pelo nome de -exceto eu o velho pegar telefone pra ligar
co deles, Treze, fala para eles,
família. Tinha poderes sobrena- Que nada no mundo soa tão pro Jorge. Ele nunca atendia as
Treze
turais, como todo anjo. Num triste quanto os acordes de ligações e lá vinha a capeta da
-nessa sala, nessas roupas, no
soslaiar do olho me tornou "Spiegel im Spiegel" do Arvo Lalinha com a história de que o
corredor, no banheiro
invisível. O pão de queijo frio Part Jorge nunca atendia por não
Se eu pudesse deixar a voz
jazia petrificado, sob efeito de -exceto eu querer mais saber do pai. Mas
Você não acha que eu já teria
um milagre ao avesso dele. Ela não gosta de vocês de ele sabia que o filho tinha seus
saído daqui?
branco negócios e qualquer dia fretaria
E deixado ela vagando no meu
Nem do Gordão uma Perua, e buscaria ele e a
lugar?

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The New Gagá - A revista quinzenal ou de seis em seis meses
Edição n. 1 -2010

tv pra morar no seu apartamen- encostaria nele, ele fugiria de dendo, inclusive, que talvez a bonito. Corri até a cozinha, abri
to. O velho iria na caçamba da medo e não voltaria a entrar alma do animal ainda penasse a geladeira procurando alguma
Perua, sentindo o vento esvoa- em sua casa. Pé ante pé, foi em sua cozinha por todas as coisa para levar a Lucy, logo
çar os poucos cabelos que lhe chegando mais perto, curvando maldades que já devia ter co- peguei duas maçãs. Uma ver-
restavam. O filho, preocupado, o corpo sobre si mesmo para metido na vizinhança. A mãe melha. A outra estava um bo-
daria ordem que ele segurasse se aproximar mais da pouca postiça do bicho entristeceu, cado verde, perfeita combina-
com força pra não cair. estatura do animal. chorou, amaldiçoou a sorte e ção de cores. Coloquei dentro
4, jornal, um beijo do gordo, 10, Quando a vassoura estava a orou para que o deus dos gati- da mochila. Fitei os olhos na
pastor gritando noutra língua, alguns centímetros daquele nhos o levasse a algum lugar mesa e no balcão procurando
fora do ar, 23, menina de cabe- corpo peludo, o animal voltou- melhor. O vizinho secretamente uma possibilidade de agrado a
lo rosa e brinco na boca, fora se, como que pressentindo discordava dessa possibilidade, Lucy. Peguei a broa de fubá. O
do ar. A luz começou a entrar algo e, em um leve estremeci- mas não se manifestou: deve- que me fez lembrar do café. O
sem pressa pela cortina da mento, sem nenhum ruído, caiu mos respeitar a dor alheia. café que eu já ia me esque-
sala. Controle-remoto caído no para o lado. Morto. cendo. Pronto: poemas, maçãs,
chão, passos na escada, tv fora Menos de meia hora mais tar- broa de fubá, café. Tudo certo.
do ar, Lalinha chorando em Ele imediatamente soltou a de, cada um já estava em sua Não poderia me atrever a ficar
desespero. O velho enfim con- vassoura. O que havia feito? O própria casa, o funeral do bi- pensando quais coisas estava
seguiu dormir. que havia acontecido? Ele chano se organizava na casa esquecendo – e certamente
sequer tocara o bicho, será que ao lado e ele tomava tranqui- algo ficaria pra trás, minha
* Michel Queiroz fora um ataque cardíaco pelo lamente mais uma xícara de memória não é de elefante.
susto? E justo para ele, que café quente. Sem gatos, sem Mp4. Não falei? Estava me
não queria problemas com a brigas. Não que quisesse matá- esquecendo. Fiz uma seleção
vizinhança! lo, mas, se soubesse que teria de músicas para se ouvir de
Café faz mal ao tão poucos problemas com a casalzinho, eu e Lucy. Amanhã
coração (ou 'A Tocou no gato, deu uns tapi- vizinha, talvez tivesse dado um de manhã vou pedir um café
nhas em sua cara e corpo, fez susto naquele serzinho bem para nós dois. Sim, lotei o apa-
vingança nunca é massagem cardíaca, espirrou- antes. relho de Roberto Carlos. Gal e
plena...') lhe água. Sem sucesso. Sua Bethânia. Olhei para o relógio.
alma já devia estar a caminho Uma semana depois, seu ca- Fudeu! Foi a primeira palavra
De manhã, na cozinha, ele viu do céu dos gatos. Ou do infer- chorro morreu envenenado. Ele que me veio à mente. Já tinha
o gato. no (até mais provavelmente). não teve dúvidas da autoria do passado cinco minutos do
Ou então seu fantasminha crime. horário combinado. Lucy já
O gato descansava na porta da vagaria pela casa miando e devia estar me esperando.
cozinha e olhava para fora estragando comida, quem Entristeceu também, mas logo Com um vestido florido. All star
como se esperasse o sol se sabe? O fato é que o bicho deu de ombros. Ainda estava sujo. Uma fita no cabelo. E as
pôr, ainda que tivesse acabado estava morto em sua casa e em vantagem, pois, pelo me- pernas semi-abertas. Dizendo:
de raiar. Já estava se tornando tinha que fazer algo a respeito. nos depois de morto, seu cão vem, mas vem com calma.
costume do bichano invadir a Chamou a mulher: poderia caçar aquele gato o Imaginei a cena e fui. Porque
casa e agir como se fosse sua, - Acho que matei o gato da quanto quisesse. Em paz. se eu ficasse, certamente iria
e isso não era algo muito agra- vizinha. parar no banheiro. Trêmulo
dável. Em breve, subiria nos * Thays Pretti tateava os bolsos da calça
móveis e na pia, roubaria co- Ela se assustou com a afirma- procurando a chave. Onde
mida, seria o inferno. E ele nem ção, preocupada. Ele teve que enfiei a chave? A chave. Tá
contar a história quase duas aqui. Tranquei a porta, pelo
sequer poderia deixar seu cão
vezes para convencê-la de que
lucy&jude sem menos acho que tranquei, uma
dar-lhe umas bocadas, pois a
vizinha, dona da peste, tinha não tinha culpa daquilo. E am- Ringo Starr no ve- euforia que cega. Um frio na
bos continuavam sem saber o espinha. Só pensava nela. Na
ele tão em conta como a um
filho. Um filho peludo e abusa- que fazer a respeito. Enterrar?
lho hotel boca dela na minha boca. Bei-
do - convenhamos -, mas um Deixar em um saco para que o ços carnudos. Ela dá um beijo
lixeiro levasse? Chamar a vizi- And when the broken hearted ousado com a dose certa de
filho. E que fazer se o filho
nha? Acabaram entrando em people recato. Ah! As santas putas.
peludo da vizinha se tornava Living in the world agree,
agora uma inconveniência? consenso e decidindo que o Corri. Corri pro velho hotel
melhor a fazer era levar o pelu- There will be an answer, let it Bandeirantes. Aquele velho
do defunto para a vizinha e be. hotel ao lado da prefeitura. Lá é
Ele o observava enquanto
explicar o que havia aconteci- Beatles o nosso ninho de amor, o jar-
tomava uma xícara de café, o
vapor a lhe embaçar os óculos, do. Afinal, a sinceridade sem- dim dos nossos sonhos. Nosso
pre compensa (ou não?). Peguei uns livros na prateleira ninho de nós. Lá a gente se
e pensava. Talvez pudesse
do quarto. Livro de poemas. despe das máscaras e se atre-
pregar uma peça no folgado.
Ele chamou o filho mais novo, Livro de poemas românticos. ve, mesmo que só por determi-
Não seria algo agressivo a
contou-lhe a história (para que Porque hoje, meus amigos, nado momento a sermos. Ser-
ponto de despertar a ira da
o filho não risse do aconteci- num século onde fidelidade é mos o que a gente tem vonta-
vizinha e, ao mesmo tempo,
mento enquanto o pai contava raridade falar de amor é hype. de. Sermos o que o mundo não
seria o suficiente para mantê-lo
para a vizinha) e pediu que o Gosto desse assunto: amor. nos deixa ser. Sermos! Saí de
longe de sua cozinha. Perfeito.
acompanhasse até lá. Enrolou Por mais clichê que seja. Gos- casa. Correndo subi a avenida.
o gato em um saco plástico e to. Gosto de amor. Gosto de Tentei evitar o barulho, já era
Alcançou uma vassoura que
foi. falar sobre. Apesar de que, quase 00 hora. Seria imperdo-
estava um pouco atrás do feli-
falar que falar de amor é clichê ável permitir que roubassem as
no e preparou-se para dar-lhe
Contou a história da forma que é um belo de um clichê. minhas maçãs. Não, as maçãs
um susto. Silenciosamente
mais suave que pode, escon- Amor é bonito. Piegas. Mas não. Andei rápido, mas piani-

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The New Gagá - A revista quinzenal ou de seis em seis meses
Edição n. 1 -2010

nho. Atravessei aflito o grama- tempo havia parado. Tudo Certa vez, convidou o filho e a
do da igreja. Faltavam poucos estava congelado. O mundo respectiva para lhe acompa-
minutos para encontrá-la. Ela era nosso, meu e dela. Dela e nharem no casamento de uma
estava a minha espera. Com meu. A abracei exercendo
A velhinha amiga. A celebração seria na
seu vestido tênis fita no cabelo minha função de machinho. Igreja Santo Antônio, próxima
Ela não suportava mais olhar
pernas semi-abertas ela estava Protegendo-a com um braço da casa da noiva. Porém, como
para a namorada de seu filho.
a minha espera. Minha. De peguei a garrafa de café com a de costume, a insuportável pelo
Tinha náuseas só de imaginar
mais ninguém. Rompi a faixa outra mão, nós pequenos bur- o caminho inteiro dizendo que
o dia do casamento. Isso mes-
de pedestre sem olhar para os gueses e metidos a intelectuais na semana seguinte seria ma-
mo, casamento. Augusto havia
lados. Filho de uma puta, acor- gostamos de café. Gostamos drinha de uma amiga e que o
lhe falado dias antes que iria
da - gritou um motorista revol- de café & cigarros. Coloquei casamento seria na Catedral.
pedir a mão de Maíra. Isso não,
tado com a minha desatenção. dois dedos da bebida num Isso sim que era uma igreja
era demais para ela. Imaginava
Achei engraçado. Mande um copo descartável, compartilha- digna de presenciar o “sim” e
como seriam os almoços de
beijo pra sua mãe também, mos. Enquanto ela tateava a não aquela que ficava num
domingo, sua nora sentada na
respondi. Ela estava me espe- minha calça, eu a acariciava os bairro de gente pobre. Não, a
frente da TV assistindo Silvio
rando. Lucy num céu com dia- cabelos. Lentamente passava a velhinha não ouviu isso, ou
Santos enquanto a velha cozi-
mantes. Apertei o passo, e no mão nas minhas pernas. Mão- fingiu não ouvir, apenas cerrou
nhava para toda a família. A
mesmo apertar meu coração zinhas tão ingênuas. As mãos o punho.
megera nunca a ajudara em
pulsou forte, senti as minhas subiam e desciam por minhas
nada, pior ainda: reclamava de
mãos molharem tamanha a pernas. Gosta disso Peter A gota d’água foi a festa de
tudo.
emoção de poder sentir o chei- Pan? – perguntava com certa despedida da faculdade. Au-
ro de Seda no cabelo dela. O indecência no olhar. – Mas gusto estava se formando em
Lembrava bem daquele dia em
cheiro de sabonete aloe vera óóó, sua tara sexual é uma Engenharia Mecânica e, como
que resolveram ir à Expoingá
no cangote. Segurar a cintura criança, brinquei. Garoto atre- seria o último encontro somen-
para se divertirem. Foi o dia
de Lucy. Ela gosta. Ela gosta vido, eu sou a Sininho, e a te da turma, foi dar aquele
mais insuportável de sua vida.
que eu segure com força. Gos- Sininho e o Peter ficam juntos. último tchau para seus amigos
Seu primogênito teve que com-
ta de ser dominada, uma gati- Na minha história ficam. Peter antes da formatura. Era na
prar quatro maçãs do amor até
nha manhosa. Gatinha ousada, e Sininho – bravinha retrucou. chácara Alice, velha conhecida
que aquela mulher insignifican-
grrr. Já podia ver o brilho dos Quando ela cora eu acredito dos universitários. Acontece
te ficasse satisfeita. Como
olhos dela. Como brilhavam em Deus. Acredito em mim. E que no dia anterior havia cho-
assim quatro maçãs!? Ela ha-
fortes aquelas duas jabutica- eu grito para o nada, mocinha, vido, então havia barro em todo
via dado uma mordida nas três
bas. Estava sentada fumando não há nada que eu precise lugar.
primeiras e em seguida recu-
um cigarro. Quando me viu, mais do que você. Do teu jeito
sado: “Não, esta não tá de
tratou logo de apagá-lo, levan- de lambuzar os dedos. Por Augusto deixou o carro fora da
acordo”. E depois da cena
tou-se e correu ao meu encon- favor, você é a mostarda da chácara, pois por ter chegado
ainda quis ir à roda gigante.
tro. Jude! – exclamou me abra- minha salada. Treparíamos se tarde na festa, já havia perdido
Era o cúmulo! Só de ter essa
çando. Você está atrasado a gente gostasse de trepar. todas as vagas que ficavam
recordação, cerrava o punho
littleboy – completou. Te trouxe Mas a gente fez amor. A gente dentro da chácara. Ele e sua
direito e o batia na coxa.
maçãs, foi a única conexão que fez amor na varanda do velho namorada foram pisando na-
o meu cérebro conseguiu fazer hotel Bandeirantes. Unhava-me quela mistura de barro com
Não era a primeira namorada
com as cordas vocais. Ela riu. as costas e dizia baixo no ouvi- pedras. O barro de Maringá
de Augusto. As outras três
Iluminou tudo. Iluminou a va- do: - eu te amo littleboy. As parece ser mais complicado
foram iguais àquela, mas do
randa do velho hotel. Iluminar e mãos percorriam as minhas que o barro das outras cidades.
mesmo modo que as maçãs,
só, esse é o meu lema, e o do costas, o meu peito. Percorriam Como a terra é vermelha, ou
logo foram descartadas. Não
sol. Citei um trecho de Maia- como se dissessem estou em roxa, quem sabe, o barro aca-
eram muito melhores que a da
kovski, achei que ela fosse casa quando estou com você, e ba por ficar extremamente
vez, mas com certeza lhe a-
gostar. E gostou. Cruzou os estava. Era o meu corpo dentro pegajoso ou espesso. Aquela
gradavam mais. Não que lhe
dedos miudinhos com os meus do dela. A junção de duas coisa de virar uma crosta no
agradavam, eram suportáveis.
e me puxou para a varanda do peças de um quebra-cabeça. sapato de qualquer um.
As outras pelo menos pergun-
velho hotel, encostamo-nos na Nos amamos. Nos amamos a
tavam como ela estava, se o
parede. Dei um beijinho no olho noite inteira embriagados do Mas tudo bem, eles haviam
dia havia sido proveitoso, es-
dela. Um no pescoço. Outro no melhor que a vida nos propor- levado chinelos e com aquele
sas coisas de rotina.
canto da boca. Ela fez o mes- cionara, maçãs. Nos amamos. calor que fazia, já ao chegarem
mo. É a nossa cena preferida O guarda que nos olhara a à chácara trataram de tirar os
Essa não fazia perguntas,
do cinema. É o primeiro encon- noite toda num tom de ameaça, sapatos que já pesavam quase
apenas mandava. A única
tro da Amélie e do Nino. A agora reforçara a mesma, era um quilo cada par. Todos de
pergunta que fazia era “Por
gente insiste que todos os preciso tomar uma atitude chinelos, biquínis, shorts, ca-
quê” e com um “e” tão prolon-
nossos encontros serão os antes que ele chamasse a necas da faculdade, dirigiram-
gado que lhe dava vontade
primeiros. Sempre são. Depois polícia e nos jogasse em um se à piscina.
quebrar aqueles dentes bran-
nos beijamos, nos beijamos fétido camburão, o fiz: - Lucy,
cos. Além de mandar, também
como se fosse o último encon- casa comigo e foge daqui? – Confesso que aquilo perturbou
reclamava. A megera tinha um
tro. Sempre é. Até o próximo. convidei. Mas fugir pra onde? – Augusto. Duas horas de con-
repertório extenso de vontades,
As tuas maçãs – disse sacando assustada e com os olhos versa cheia de risadas com
e por qualquer coisa dizia “Ah,
as maçãs da mochila. Deixa cheios de lágrimas. - Não im- alguém que até então era des-
amorzinho, eu preferia...”. A
isso pra depois – me respon- porta onde, eu quero o mundo conhecido acaba por abalar
situação se mostrava cada vez
deu num tom de eu quero fazer e com você, respondi. Quan- qualquer namorado. Ainda
pior para nossa querida mãe
outra coisa agora, meu amor. do? – Agora. mais quando o desconhecido
desesperada.
Me deu um beijo na boca. Um era o presidente da atlética, ou
beijo lento. Quente... intenso. O *André Fabrício seja, o cara de papo fácil que

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The New Gagá - A revista quinzenal ou de seis em seis meses
Edição n. 1 -2010

pegava todas tranquilamente. E chão, enquanto estrangulava manuscritos não digitalizados os falsos ídolos”(Iconografia
1
Augusto quando chegava perto sua vítima até o seu derradeiro da Universidade Estadual de Sintética etc., 2033, p. 36).
não conseguia entrar no assun- suspiro. Maringá, veio em minhas mãos
to, puxar uma conversa com os um esboço denominado “Ico- Nada confirma que Jerônimo
dois. Diante disso, foi para a No jornal do meio-dia do dia nografia Sintética dos Icono- Diderot perfilhava do ideário
piscina brincar de vôlei com o seguinte, o repórter questiona clastas Maringaenses” (Autoria político de seu amigo. Por
pessoal da sua sala. sobre o motivo de um crime tão desconhecida; 2033, EDUEM – sinal, nada afirma que Jerôni-
torpe. A velhinha olha fixamen- Maringá, PR) que, confesso, mo tivesse algum ideal. Pelo
Quando acabou a conversa te para o repórter. Demora chamou-me mais atenção pela que consta do livro, implicita-
com o presidente, Maíra procu- alguns segundos para respon- galhardia e bizarrice de seu mente, tem-se a impressão
rou como uma águia seu namo- der enquanto segura entre os título do que propriamente pelo que, enquanto um queria mu-
rado e o encontrou na piscina dedos da mão direita seu cigar- seu conteúdo. dar o mundo, o outro só se
jogando para o time das mulhe- ro que faz uma curva de cinzas interessava pelos atos de van-
res. Não disse nada. Apenas e com a esquerda faz movi- A história contida no livro não é dalismo, pelas polêmicas, pela
olhou para os olhos de Augus- mentos repetidos lentamente somente curiosa. É sim escla- irrestrita balburdia. Esta é uma
to, franziu a testa e fez um para frente e para trás. recedora de muitos fatos pas- interpretação que eu concluí de
bico. Aquele era o sinal, era a sados que, por vontade dos metáforas de gosto duvidoso
chegada a hora de partir. - Filho meu não foi criado pra dirigentes, nunca foram com- do autor de Iconografia Sintéti-
lavar sapato de mulher. provados e assim se tornaram ca, como, por exemplo: “pode-
No carro, nenhum comentário lendas urbanas desta cidade. se afirmar, tanto por depoimen-
também. Clima pesado, Augus- * Michel Roberto Passo, portanto, ao que verda- to de quem os conheceu, bem
to não sabia se se desculpava deiramente interessa: A estória como pelas fichas subseqüen-
ou se brigava com sua amada. dos Iconoclastas, que se mistu- tes da polícia, que um era aris-
Afinal, o que tanto aqueles dois ra à História de Maringá, no totélico, racional, cartesiano,
haviam conversado ao lado da
Os Iconoclastas século XXI. enquanto o outro era idealiza-
piscina? Será que Maíra não dor, platônico...” (op. cit. p. 54).
Sabem todos os déspotas e
via os olhares do presidente Os Iconoclastas eram dois. Por
tiranos que a mais rápida e
para o seu corpo? Ele parecia humildade própria ou por ver- O primeiro ato terrorista atribuí-
eficiente forma de dominar o
um faminto vendo um prato de gonha de suas famílias, seus do e de autoria confirmada dos
povo não é tirando suas armas,
feijoada! Resolveu não falar nomes foram acobertados por Iconoclastas foi o incidente do
mas sim, retirando-lhes sua
nada até que ela se manifes- codinomes. Um era alcunhado Calil Haddad, em 2017. Os
história. Disso também sabia
tasse. Foram para a casa de de Afonso D’Alembert e o outro dois, ainda estudantes do curso
Borges, que em Os Teólogos
Augusto, como sempre. A casa de Jerônimo Diderot. É fato de Direito, embrenharam-se no
afirmou: “Arrasado o jardim,
da namorada era um território notório que cursaram Direito na Centro Acadêmico e ajudaram
profanados os cálices e os
proibido, não podiam namorar Universidade Estadual de Ma- na organização de um evento
altares, entraram a cavalo os
em paz. ringá entre 2015 e 2020. No de grande porte jurídico que
hunos na biblioteca monástica
entanto, seus propósitos, bem aqui ocorreria, com a presença
e rasgaram os livros incompre-
Chegaram de chinelo mesmo, com suas identidades, são de muitos juristas de renome
ensíveis e os injuriaram e
levando os pesados sapatos fatos controversos. Segundo do Brasil e também com a
queimaram, talvez temerosos
nas mãos. Depois de abrir a consta na Iconografia Sintética, presença do então prefeito de
de que as letras encobrissem
porta com dificuldade, entram os Iconoclastas não tinham Maringá, Jean Marques, e de
blasfêmias contra seu deus,
no apartamento e encontram a uma doutrina definida. Afonso outras autoridades locais.
que era uma cimitarra de ferro”.
velhinha na sala fazendo um tinha intenções políticas e soci- Consta no livro que o ato foi o
Também é de conhecimento de
cachecol para o frio que estava ais e foi o autor do nome do início de uma luta contra os tais
todos os historiadores que, se
por vir. Augusto apenas ouve o Grupo. Para maior compreen- ídolos e, desta vez, tinha como
há a loucura e a estupidez, há
grito estridente de sua amada: são (ou não), retiro um excerto alvo os representantes ilustres
também sempre imbecis poste-
“Amor, não esquece de lavar do texto: “Tinha este (Afonso) a e as autoridades. Deve ter sido
riores para adorar a estupidez
meu sapato!”. Aquilo fez a intenção de quebrar todos os fácil eles terem sido colocados
pretérita. E que, por isso, o ídolos comportamentais que
velhinha enrubescer de raiva. na ajuda dos apetrechos que
melhor remédio contra a estu- norteiam a Sociedade moder-
Deixou a sala com passos comporiam a Mesa Diretiva. E,
pidez é o esquecimento. Não
firmes e determinados. Parou na. Achava-se na obrigação de conseqüentemente, foi fácil aos
por acaso, apenas para citar
na cozinha e pegou uma sala- quebrar os paradigmas co- dois sabotar a água que seria
um dos vastos exemplos que muns, os repositórios da medi-
deira de vidro. ofertada aos presentes. Com a
nos dá a História, os restos ocridade, os sustentáculos que ajuda de seringas, injetaram
mortais de Hitler foram jogados
Já na lavanderia, ergueu aque- nos conduzem ao conformismo uma considerável quantidade
em um rio alemão por ordens
le objeto de vidro com as duas e impelem às perguntas de de laxante em todos os copi-
da KGB, evitando-se assim que como nossas vidas são sem
mãos e acertou seu querido nhos de água, aparentemente
o local se tornasse um futuro sentido. Escreveu assim o
que caiu no tanque na mesma
centro de adoração ao Nazis- Manifesto Iconoclasta, parafra-
hora. Não estava morto, via-se
mo. 1
Apenas por curiosidade, procurei o
a sua respiração. Ao ouvir o seando Marx em seu manifes-
Pela soma das conjecturas to, quando este afirmou que um
Manifesto Iconoclasta na Internet e, para
barulho, Maíra correu horrori-
acima expostas – retirada obvi- Espectro ronda a Europa. O
minha surpresa, encontrei algumas
zada para a cozinha. Só teve dezenas de manifestos distintos. Por
amente a pompa da apresenta- nosso manifestante confirmou exclusão, encontrei o do meu conterrâ-
tempo de dar dois passos no
ção – é que se deve o fato do neo, perdido em um blog de esquerda,
piso de cerâmica quando levou o espectro que ronda Maringá sem referência aos autores ou ao signi-
esquecimento quase completo e despediu-se, páginas depois,
uma pancada bem no meio da ficado de seu movimento. O Manifesto
dos Iconoclastas de Maringá. prometendo acabar com todos
cara. Depois desse golpe, a era um folhetim barato e raivoso, metra-
velhinha pulou em cima do lhando para todos os lados, sem nada
Friso o quase justamente por- que me soasse importante. Certamente,
pescoço de sua maior inimiga, os Iconoclastas eram melhores nas
que, na sessão caótica de
fazendo-a bater a cabeça no ações do que nas palavras...

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vedados. No primeiro dia do Haddad foi divulgado – inclusi- fricção das mãos, no corpo proporções maiores. Consta-se
congresso, distribuíram pesso- ve com uma notinha de rodapé todo. O maior problema é que o que um dos jovens pegou o
almente os copinhos na Mesa no Diário - como uma sabota- Dr. Fernando Gomes Garbelini, carro escondido de seu pai e o
principal. E logo que o evento gem aos políticos, como um delegado da cidade, corinthia- cobriu inteiro com uma redoma
começou, trancaram as portas movimento de pretensos co- no roxo, estava também pre- enorme de isopor, coberta de
de todos os banheiros do tea- munistas, anarquistas ou coi- sente na Tiradentes. Dessa compensados e fitas isolantes
tro. sas do tipo, o que irritou pro- época data-se o primeiro inqué- e que só dava espaços para o
O resultado - não perdeu a fundamente Afonso. rito policial contra os iconoclas- vidro frontal. A redoma, pintada
oportunidade de mencionar o Assim, inconformado com a tas, arquivado, para desespero de um azul brilhante, sobrepos-
inominado autor - foi uma “tra- reputação que começavam a do delegado, que equipara o ta ao carro, ia até perto do
gicomédia em seu devido lugar, lhe imputar, iniciou a imaginar ato vândalo a um crime hedi- chão, não permitindo a um
um teatro” (op. cit. p. 123). Em uma oportunidade em que ondo. espectador externo a visão das
poucos minutos em que um pudesse sabotar também as portas e das rodas; por fim, era
palestrante falava algo que massas populares. Mas o susto e o envolvimento também adornada de luzinhas
ninguém compreendia, o prefei- Encontrou essa oportunidade com a polícia fez os dois muda- amarelas, azuis verdes e ver-
to se adiantou: pediu polida- no dia 02 de Julho de 2018, dia rem de tática. Provavelmente melhas, que piscavam em
mente desculpas e disse que em que o Corinthians venceu por isso, deu-se o inicio da fase sincronia rígida e por neons
recebera uma mensagem em pela primeira vez em sua histó- cosmogônica dos Iconoclastas, prateados, que colocados por
seu celular informando um ria a Copa Libertadores da como “tentativa de demonstrar baixo da aba da redoma, da-
compromisso de trabalho ur- América. Há relatos de presen- a falácia das crenças.” (op. cit. vam a sensação que o veículo
gente, impreterível. Pouco a tes (antes do incidente) que p. 231). flutuava no ar.
pouco, um a um, os participan- nunca, nem mesmo após o Consta a lenda que distribuí- Terminado o protótipo de sua
tes da mesa foram se levan- Brasil ganhar a Copa de 2014, ram panfletos e anunciaram em própria nave espacial, que ficou
tando, cada qual com sua des- a Avenida Tiradentes ficou tão diversos outdoors, nas rádios e devidamente escondida na
culpa, filha doente, avó hospita- cheia. Os dois Iconoclastas, nos jornais locais que o fim garagem da casa de um deles,
lizada, dores em diferentes prevendo o que de fato ocor- estava próximo e que extrater- esperaram a noite alta para a
locais, súbita pressão baixa, reu, dias antes da grande final restres invadiriam a Terra muito volta inaugural. E a fizeram
artrose crônica. Pouco a pouco, compraram de estagiários de em breve. Então desenvolve- com estilo, após a meia noite
a Santa Ceia de juristas e figu- biologia um pulguedo enorme. ram uma pequena nave espa- de uma segunda feira, para as
rões já não existia mais e os E na caixa enorme que levaram cial, oca, simples, composta de poucas pessoas que estavam
últimos a saírem já foram cor- para casa, havia pulgas de dois pratos fundos de papelão, nas ruas. Foram até a Avenida
rendo, não para suas casas, todos os tipos, de todas as justapostos com fita crepe e Colombo e lá aceleram o sufi-
mas para os banheiros, apenas formas, pulgas carnívoras, adornados de luzinhas colori- ciente para que o radar os
para constatar que, nesta peça, pulgas sedentas, todas parasi- das de natal. Dentro dos pratos pegasse, sem danificar a leve
eram eles os responsáveis tas, esperando um corpo hos- de papelão, colocaram uma carenagem de isopor coberta
pelos risos. E os risos vieram, pedeiro, esperando alimenta- bexiga de gás hélio, dando de compensados. O radar os
um pouco depois da incompre- ção. E estas tiveram sua ali- propulsão natural ao objeto fotografou e, nos dias seguin-
ensão inicial e um pouco antes mentação no alto da Avenida desconhecido. Sempre no tes, eram capas dos jornais de
do mau cheiro, que, assim Tiradentes, no mar alvinegro horário de pico, no fim da tarde, toda a região que noticiaram o
como as más notícias, não que festejava feliz na noite sempre em avenidas movimen- fato, como por exemplo, o
perdeu tempo em se espalhar. maringaense. Os Iconoclastas tadas, soltavam as navezinhas Diário, que assim retratou em
O congresso foi um fracasso e – precavidos com roupas im- que não demoravam em ga- sua página inicial: RADAR
alguns meses depois, pelo permeáveis – fingiram também nhar o céu maringaense, con- PEGA NAVE EXTRATERRES-
burburinho do D-34, ficou-se comemorarem e, aos poucos, fundindo-se com o poente, com TRE COM VELOCIDADE ACI-
sabendo a autoria do ato e da soltaram os parasitas. Segundo as nuvens, com o principio das MA DA PERMITIDA.
existência de um certo grupo relato do livro, os dois chega- estrelas e com toda a contem- Mais uma vez a polícia abriu
denominado Os Iconoclastas. ram a imaginar uma falha em plação do firmamento. Quando inquérito policial, que restou
seu plano, por que o som con- soltas de noite, o espetáculo arquivado por ausência de
O segundo ato terrorista se deu tinuava alto e todos continua- ficava ainda belo, quando as provas e por ausência de tipo,
um ano depois e, se o primeiro vam bebendo e dançando luzinhas não emulavam natal, já que não se conseguiu en-
serviu como cartão de visitas como se nada houvesse ocor- nem árvores ou presépios, mas quadrar a nave de brinquedo
ao mundo jurídico, o subse- rido. Mas logo foram perceben- sim promessas terríveis, advin- em nenhuma infração existen-
qüente foi um cartão de visitas do que a dança se alterava, das de galáxias distantes, re- te.
a toda Maringá. Supõe-se que, com golpes de mãos, com lembrando que não estávamos
apesar do sucesso e da mo- pulos desencontrados, com sozinhos. E, sempre que as Após alguns atos que não
mentânea fama no curso intei- sacolejos estranhos, uma dan- navezinhas ganhavam o céu, deram visibilidade nem fama
ro, Afonso não ficou feliz com o ça parecida com a dança haki com suas luzes coloridas, o aos Iconoclastas, o próximo e
que fizera. Não queria confun- dos all-blacks. Mais um pouco espetáculo era o mesmo: en- famoso ato foi o caso do Par-
dir seu movimento com um e o álcool não foi suficiente garrafamento, diversas colisões que do Ingá, muito provavel-
movimento anti-burguês, de para conter a realidade, que ocasionadas pelas distrações mente em 2020. Com um sis-
cunho político. Segundo cons- era de dor, coceira e manchas dos motoristas, transeuntes tema simples, os dois jovens
ta, o objetivo dos Iconoclastas vermelhas, contrastando com o apavorados, aumento de fiéis adequaram duas lanternas que,
era maior que qualquer preten- branco e negro das camisas. nos cultos religiosos. Assim foi quando acesas, davam a im-
são política. E em sua quixo- Assim a confusão se fez, junto na Paraná, na Colombo, na pressão de dois olhos, averme-
tesca guerra e seu propósito, com brigas de grupos, que Herval e muitas outras aveni- lhados e raivosos. Junto às
afirmar que deveriam derrubar também pouco duraram, por- das visitadas pelos Iconoclas- duas lanternas, acoplaram uma
os ídolos significava sabotar que a única vencedora daquela tas. caixa de som, que emitia rugi-
com todas as classes sociais. batalha quase não se via, e O ato subseqüente foi um des- dos de um animal enfurecido.
No entanto, o incidente do Calil muito se sentia, na pele, na dobramento do primeiro, em Por fim, juntaram as lanternas

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e a caixa de som a uma pe- ainda guarda carros no centro encontrava em uma cama de o Tezza. Brilhante, pensava.
quena bateria, que ligava e de Maringá. Sobre o real pro- hospital. Tentou imaginar o Ficou extremamente zangado
desligava automaticamente e pósito do grupo, também pouco quanto de idade poderia ter o quando se recordou que, na
que produzia o som do rugido e há a se relatar com certeza. A sogro de um homem que já sua estante, não havia livro
os olhos vermelhos, de forma disparidade, a ampla gama de publicou 100 livros. Bom. Tal- algum daquele autor. Empres-
simultânea. Embrenharam seu assuntos em que se envolve- vez, como fazem muitos velhos tara o seu “O filho eterno” e, os
equipamento do lado de dentro ram, o descaso e a raiva com ricos, Scliar tenha casado com demais livros lidos de Tezza,
do parque do Ingá, entre as que realizaram seus atos não uma mulher 30 anos mais nova tinham sido consumidos vo-
frondosas árvores, perto da nos leva a uma conclusão e, certamente, teria um sogro razmente em uma época em
grade que divisa o parque; correta se eram um grupo com com idade semelhante a sua. que a biblioteca era pratica-
fizeram seu ato perto das oito algum fim ou se apenas queri- mente a casa de Clariovaldo.
horas, horário sem sol e que am promover a desordem. Acabou não indo, o Clarioval-
conta com uma enorme quanti- Quanto à veracidade das coi- do, ao Sesc, conhecer de perto Mesmo assim, conseguiu dor-
dade de pessoas correndo e sas acima ditas, também nada o autor de dois ou três livros mir tranquilamente naquela
andando em volta do parque. posso mais dizer. Meu relato é que sentiu prazer em ler. Mas, noite seca de setembro. Ama-
Não se contentaram em ape- fruto de um livro apócrifo e de mesmo com o público e crítica nhã cedo, poderia ler algumas
nas observar a cena: ficaram lendas, ditas, conhecidas e extremamente contrário ao seu crônicas de Tezza no jornal da
próximos, escondidos, gravan- transmitidas pelas gerações gosto, ele não achava tão bom capital.
do: e gravaram por algumas desta cidade do interior de um assim o “O filho eterno”. Gosta-
vezes o susto, quando, dentro país de terceiro mundo. Os va mais é do “Trapo”. Identifi- *Wilame Prado
do parque, um par de olhos critérios de verdade e de menti- cava-se bastante.
vermelhos surgia entre as ra são tênues. O que não é
sombras escuras das árvores, comprovado não pode se afir- Já perdido pela indecisão, no
ao mesmo tempo em que se mar peremptoriamente como meio da rua, lembrou-se de
escutava um rugido alto e com mentira, mas muitas vezes uma história que um jornalista
furor de algum animal desco- como verdade desconhecida. de Curitiba o contou uma vez e
nhecido. Gravaram, sem segu- Os fatos narrados estão inscul- que dizia respeito ao Tezza,
rar as risadas, uma, duas, três pidos nessa linha tênue, entre grêmio estudantil e certa prepo-
vezes, o susto, a corrida, os a verdade que nunca será tência por parte do escritor,
gritos, os medos de crianças, comprovada e, portanto, nunca que, na época, deveria ser
senhores, atletas, de jovens será oficial e a mentira, que estudante de Letras ou já pro-
namorados. dita e redita, tem o condão de fessor universitário. História
Até gravarem seu próprio fim, virar realidade. estranha, ouvida enquanto
que se deu quando uma senho- tomava uma garrafa de vinho
ra idosa passava e o rugido e o *Marcos Peres doce Paschoetto. Para conse-
os olhos vermelhos surgiram; a guir tal proeza, a de tomar um
senhora teve um ataque fulmi- vinho doce Paschoetto, coloca-
nante de coração, morreu no va meio copo de vinho e meio
local e os Iconoclastas foram de água. No final das contas, já
pegos em flagrante, para ale-
Não tem Tezza na não tão sóbrio, acabou sentin-
gria e descanso do Dr. Garbeli- estante do Clario- do que talvez houvera, no dis-
ni. curso do jornalista contador de
valdo histórias, uma pitada de inveja.
Algum tempo depois, ficou Naqueles tempos, com seu
decidido que o caso deveria Então perguntaram para Clari- último romance publicado,
correr em segredo de justiça, ovaldo se ele daria o ar da Tezza estava ganhando tudo
porque a memória de um grupo graça no bate papo literário quanto é prêmio de literatura.
subversivo poderia ser mais com o escritor Cristovão Tezza,
prejudicial que o próprio grupo. que estaria na cidade só para Clariovaldo, reclinando mais
Assim, esconderam os nomes discorrer sobre tal assunto e uma vez a sua ida ao reconhe-
e as identidades desses tais que certamente reuniria uma cimento pessoal dos homens
iconoclastas. Quando instados, multidão de estudantes de das letras, sentiu-se amedron-
as autoridades se limitavam a Letras, poetas, escritores, mú- tado e preferiu ficar só com os
dizer que tal grupo não passa- sicos, artistas plásticos, jorna- escritos dos escritores e não
va de lenda de uma cidade do listas e apreciadores de conta- com as palavras faladas. Ainda
interior que não tinha mais ção de histórias infantis. não conseguia ser convencido
nada a inventar. E o tempo aos de que um homem que escreve
poucos foi carregando de des- Ele respondeu nem que sim bem vai falar bem, ou para o
fazer a memória dos ocorridos nem que não. Chateou quando bem de algo.
nos blocos da Universidade e soube que o outro convidado
da boca e do falatório de toda a famosinho, Moacyr Scliar, o No final das contas, teve de
cidade. homem dos 100 livros publica- inventar uma desculpa. E, para
Hoje, além do que já foi dito, dos, não poderia conferir de não mentir, foi procurar algum
pouco se sabe sobre a origem perto as árvores, a Catedral e livro do Tezza na sua estante,
e o declínio dos Iconoclastas. as moças bonitas de Maringá. para depois justificar a sua
Há relatos que, após a prisão, Homem de família, talvez não ausência de uma maneira no-
um acabou virando andarilho pudesse viajar sossegadamen- bre: diria a todos que, enquanto
na América Latina, vendedor te sabendo que o sogro se todos estavam ali, ouvindo o
de miçangas, enquanto o outro Tezza, ele estaria acolá, lendo

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