Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Uma das desordens clínico-laboratoriais mais comuns da medicina interna é a anemia. Mesmo assim,
ainda é uma das “campeãs” entre os erros diagnósticos na prática médica, dado o grande número e
diversidade de doenças que podem se apresentar com redução dos níveis sanguíneos de hemoglobina.
Os concursos de Residência são repletos de questões sobre anemia. Infelizmente, os textos sobre
anemia nos livros de referência são extensos, prolixos e não salientam os aspectos mais importantes
sobre “como descobrir a verdadeira etiologia” das síndromes anêmicas.
Vamos apresentar um exemplo real. Um paciente que realmente existiu (e ainda existe!). Neste exemplo,
fica bastante clara a importância de se realizar uma estratégia clínica criteriosa para encontrar a causa da
anemia. E isto não deve ser desprezado!! Aprenda com este caso clínico alguns conceitos básicos sobre
a etiologia e a investigação diagnóstica da síndrome anêmica.
A anemia é uma definição laboratorial. Em adultos, pela OMS, considera-se anemia Hb < 13 g/dL
(homens), < 12 g/dL (mulheres), < 11 g/dL (gestantes). O hematócrito (Hct) é aproximadamente três
vezes o valor da Hb. Por si só “anemia” não é um diagnóstico, mas a sua presença indica a existência de
uma doença séria. Não adianta somente corrigir a anemia (p.ex. com hemotransfusão), pois se o
diagnóstico etiológico for omitido, isto poderá trazer consequências drásticas ao paciente.
É importante separar quais são os sinais e sintomas atribuídos à própria anemia (fadiga, cansaço,
fraqueza muscular, dispnéia, dificuldade de concentração, palidez cutâneo-mucosa) daqueles decorrentes
da doença de base que está causando a anemia. Dados essenciais da anamnese e exame físico que
auxiliam na formulação de hipóteses diagnósticas são: icterícia, hepatomegalia, esplenomegalia,
linfadenopatia, glossite atrófica (anemias carenciais), padrão da febre e sangramentos cutâneo-mucosos
(p.ex. petéquias, equimoses, hematomas etc.). Contudo, na grande maioria das vezes, a anamnese e o
exame físico não são suficientes para a identificação correta do diagnóstico etiológico. Portanto,
precisamos lançar mão de uma criteriosa “semiologia laboratorial”. A bioquímica e a dosagem do TSH
podem trazer “pistas” importantes para a etiologia anêmica (ex. insuficiência renal ou adrenal, doença
hepática, distúrbios da função tireoideana). Mesmo assim, praticamente todos os casos de anemia
requerem, no mínimo, os seguintes exames:
- Hemograma completo
- Contagem de reticulócitos
- Esfregaço do sangue periférico
- Laboratório do ferro (ferro, TIBC, ferritina).
Pensando na possibilidade de anemia ferropriva, por conta da microcitose (VCM < 80 fL),
o médico solicitou pesquisa sérica de ferro, TIBC e ferritina. Os resultados foram: Fe =
16 mcg/dL (N = 40-150 mcg/dL), TIBC = 340 mg/dL (N = 250-400 mcg/dL), ferritina = 8,7
mg/dL (N = 30-200 ng/mL). Dividindo ferro/TIBC, calculamos a saturação de transferrina,
que foi de 4,7% (N = 20-50%). Como a paciente apresentava-se dispnéica e com Hb muito
baixa, optou-se por hemotransfundir dois concentrados de hemácia e iniciou-se a
reposição de sulfato ferroso, por via oral, na dose de 60 mg de ferro elementar 3x/dia.
Houve melhora da dispnéia, da febre e dos demais sintomas respiratórios.
Microcitose sempre indica anemia ferropriva? Não. Há outras causas de microcitose (VCM < 80 fL)
além da ferropenia: talassemias, anemia de doença crônica, anemia sideroblástica hereditária,
saturnismo, doença da HbE. Entretanto, é correto começarmos a investigar uma anemia microcítica com a
pesquisa do “laboratório do ferro” que, neste, caso confirmou anemia ferropriva (ferritina < 20 ng/mL e
saturação de transferrina < 10%).
Como o VCM ajuda na investigação etiológica da anemia? O VCM mede o volume (“tamanho”) médio
das hemácias circulantes. Valor de referência: 80-100 fL (fentolitros). De acordo com o padrão do VCM,
podemos classificar as anemias em
- Normocíticas: VCM 80-100 fL
- Microcíticas: VCM < 80 fL
- Macrocíticas: VCM > 100 fL.
Quando a anemia é normocítica, o VCM não ajuda muito na busca da etiologia, já que as possibilidades
são inúmeras. Entre as macrocíticas, destacam-se: megaloblástica, hemolíticas, mielodisplásicas,
mieloftísicas, sideroblástica adquirida, aplásica, alcoolismo, hipotireoidismo. Entre microcíticas, as mais
comuns são: ferropriva, talassemias, anemia de doença crônica, sideroblástica hereditária, saturnismo,
doença da HbE. Contudo, existe uma grande interseção entre as diversas anemias quanto ao VCM. Por
exemplo: a anemia ferropriva pode ser microcítica ou normocítica; a anemia de doença crônica
geralmente é normocítica, sendo levemente microcítica em 25% dos casos; a maioria das anemias
macrocíticas também podem ser normocíticas. De qualquer forma, existem algumas regras raramente
violadas: (1) anemias acentuadamente microcíticas (VCM < 70 fL): quase sempre são ferroprivas ou
talassêmicas; (2) anemias acentuadamente macrocíticas (VCM > 120 fL): quase sempre são
megaloblásticas.
Você está satisfeito com o diagnóstico de anemia ferropriva? Nunca fique totalmente satisfeito com a
confirmação de uma anemia ferropriva. É fundamental investigar algum sítio de perda crônica de ferro,
geralmente sangue oculto. As anemias ferroprivas exclusivamente carenciais são vistas apenas em
crianças ou em multíparas. Este não parece ser o caso da nossa paciente, não é mesmo?
Quais são os dados novos que poderiam modificar o seu diagnóstico etiológico? Em primeiro lugar,
não houve uma resposta adequada à reposição de ferro oral. Isto pode significar três coisas: (1) a perda
de ferro é mais rápida do que a reposição, (2) existe uma síndrome intestinal disabsortiva duodeno-jejunal
(área de absorção do ferro), (3) a paciente tem mais de um tipo de anemia, além da ferropriva. Os itens
(2) e (3) devem ser avaliados primeiro... Por exemplo, uma causa clássica de anemia ferropriva não-
responsiva à ferro oral é a doença celíaca – esta doença costuma positiva para auto-anticorpos anti-
transglutaminase (anti-tTG). Para verificar o item três, voltemos aos fundamentos da investigação de uma
anemia: Lembre-se que já mencionamos que “praticamente todos os casos de anemia requerem, no
mínimo, os seguintes exames:
- Hemograma completo
- Contagem de reticulócitos
- Esfregaço do sangue periférico
- Laboratório do ferro (ferro, TIBC, ferritina).
Dentre os quatro acima, foram esquecidos os dois do meio. Além disso, um dado novo no hemograma
apareceu: uma pancitopenia (anemia + leucopenia + trombocitopenia). Anemia com pancitopenia sugere
doença hematológica medular, ou hiperesplenismo (comum na esquistossomose), ou ainda hemólise
associada à destruição periférica de leucócitos e plaquetas. Então, o que devemos fazer agora? Que tal
seguir o protocolo de investigação inicial? Vamos pedir uma contagem de reticulócitos e o esfregaço do
sangue periférico?
Afastando-se hemorragia aguda, devemos pesquisar uma das diversas causas de anemia hemolítica. Ou
seja, a presença de reticulocitose muda tudo!! O mecanismo da anemia deve-se á destruição de
hemácias na periferia, que significa hemólise. Além da reticulocitose, existem outros parâmetros
laboratoriais frequentemente presentes nas síndromes hemolíticas:
- Aumento da bilirrubina indireta
- Aumento da LDH (desidrogenase lática)
- Redução da haptoglobina
- Exame de urina contendo hemoglobinúria (hemólise intravascular).
A paciente foi novamente internada, em franca anemia: Hb = 4,6 g/dL, Hct = 25,3%, VCM
= 82 fL, leucograma = 2.600/mcL, plaquetas = 76.000/mcL, reticulócitos (corrigidos) =
6,2%. Novos exames foram solicitados: bilirrubina indireta = 3,7 mg/dL (elevada), LDH =
1.200 UI/L (elevado), haptoglobina = indetectável. Foi confirmado o diagnóstico de
anemia hemolítica.
Perceba que a paciente tinha, na verdade, duas anemias: ferropriva (já corrigida) e hemolítica (a ser
investigada). Esta situação não é rara em hematologia! Há muitos casos de anemias “duplas” ou “triplas”,
reforçando a importância do protocolo inicial de investigação inicial! Cuidado com uma armadilha! A
anemia megaloblástica também aumenta a bilirrubina indireta e o LDH, mas não cursa com reticulocitose
e nem com redução da haptoglobina!
Agora precisamos descobrir qual é a anemia hemolítica que ela apresenta. Para começar, precisamos
saber quais são as anemias hemolíticas a serem investigadas:
Para começar a investigação de uma anemia hemolítica, vamos às causas mais frequentes
(hemoglobinopatias, esferocitose hereditária, deficiência de G6PD, anemias imuno-hemolíticas, anemias
microangiopáticas). A primeira bateria de exames indicada é composta por:
- Esfregaço do sangue periférico (analisado por especialista)
- Eletroforese de hemoglobina
- Teste da fragilidade osmótica
- Teste de Coombs direto
- Exame de urina.
O esfregaço do sangue periférico, bem preparado e analisado por quem sabe, é uma ferramenta
diagnóstica poderosa nas anemias, tanto as hemolíticas como as não-hemolíticas! Só para citar alguns
exemplos clássicos... No esfregaço, a presença de blastos indica o diagnóstico de leucemia aguda; o
encontro de neutrófilos hipersegmentados praticamente confirma o diagnóstico de anemia megaloblástica.
Há também achados característicos no esfregaço da LMC, da LLC, da metaplasia mielóide agnogênica e
de alguns linfomas. Mas o foco a ser dado aqui é a para as alterações morfológicas das hemácias.
Algumas delas são elementos essenciais no diagnóstico; por exemplo: o encontro de múltiplos
esquizócitos (hemácias fragmentadas) é um critério obrigatório para as anemias microangiopáticas (ex.
púrpura trombocitopênica trombótica). Inclusões eritrocitárias também devem ser pesquisadas – algumas
delas são extremamente sugestivas de algumas desordens. Na FIGURA abaixo listamos os principais
achados do esfregaço e a sua relação com o diagnóstico etiológico...
Bem... mais uma vez, foi esquecido um exame de rotina, na investigação das anemias hemolíticas. A
saber, o exame de urina. Para que serve o exame de urina na investigação das anemias hemolíticas? Ele
serve para identificar hemoglobinúria!! Se presente, o foco deve voltar-se para as anemias hemolíticas
intravasculares, como as microangiopáticas e outras mais raras. Mas lembre-se: como não há
esquizócitos no esfregaço periférico, as microangiopáticas já estão eliminadas...
Finalmente, alguém se lembrou de pedir um exame de urinálise simples (urina tipo I), que
revelou hemoglobinúria ++++, na ausência de hematúria. Reunindo todos os dados da
evolução clínica (dor abdominal, TVP, ferropenia, hemoglobinúria), foi feia a suspeita de
hemoglobinúria paroxística noturna e solicitada citometria de fluxo (para CD55 e CD59).
O exame foi positivo (50% das hemácias eram deficientes em CD55 e CD59 – células
PNH. Foi iniciado tratamento com anticoagulantes, danazol, prednisona, sulfato ferroso,
ácido fólico e eculizumab (anticorpo monoclonal anti-C5). Houve resposta dramática do
quadro clínico laboratorial e a paciente voltou a uma vida praticamente isenta de
sintomas, embora mantendo o uso dos fármacos e acompanhamento hematológico.
Equipe Medicina 1.