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EXPEDIENTE

Edição: Ano 01 - Nº 08 - Novembro de 2018


Periodicidade da publicação: mensal
Idioma: Português (Brasil)

Editores: Marcelo Bizar e Marco Trindade

Conselho editorial: Marcelo Bizar, Marco Trindade, Sônia Elã, Kátia Botelho
Secretária-geral: Sônia Elã

Revisão: a revisão dos textos é feita pelo próprio autor, não sofrendo alteração pela
revista (a não ser tão-somente quanto à correção de erros materiais).

Diagramação: Marcelo Bizar

Capa: Concepção: Marcelo Bizar e Marco Trindade; Arte e Grafismo: Marcelo Bizar

Imagens: todas as imagens não creditadas foram retiradas da Internet, tendo


optado o Conselho Editorial da revista por não identificar seus autores quando
desconhecidos.
Contato: sarausuburbio@gmail.com, https://sarausuburbio.wixsite.com/revista.

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EDITORIAL
Subúrbio é consciência negra!
Subúrbio é Palmares!
Nesta edição a Revista Sarau Subúrbio presta sua homenagem ao mês da
consciência negra, saudando o dia 20 de novembro como um grande marco de luta
e resistência do povo negro, simbolizado na morte do ícone, do guerreiro que
tombou lutando pela libertação de seu povo.
Zumbi dos Palmares, expoente da História do Brasil, liderança maior do
Quilombo dos Palmares precisa ser lembrado e exaltado, sobretudo quando se tem
a clareza de que a História Oficial rigorosamente tenta apagar os personagens
indesejáveis, aqueles que representam uma verdadeira ameaça à ordem
estabelecida.
Exaltemos Zumbi, Dandara, Tereza de Benguela, Luísa Mahin, e a todos os
suburbanos anônimos que lutam diariamente contra a escravidão pós-moderna,
aqueles que participam das atividades culturais de seus bairros, que apóiam as
iniciativas comunitárias, os que fazem música e engrandecem a poesia, feito os três
grandes artistas, Luiz Carlos da Vila, Nei Lopes e Zé Luiz, os quais fizeram história
no subúrbio, e nos presentearam com tantas obras-primas, dentre as quais “Solano,
Poeta Negro”, uma jóia rara composta para o “Grêmio Recreativo de Arte Negra
Escola de Samba Quilombo”, e que retrata a vida de mais um grande personagem
da história do Brasil, igualmente símbolo de luta, de criação artística, e de
obstinação, o insuperável Poeta Solano Trindade.
Boa leitura, e não deixem de ouvir “SOLANO, POETA NEGRO”!

SOLANO, POETA NEGRO


(Zé Luiz, Nei Lopes e Luiz Carlos da Vila)
Recife, nas velhas guerras de libertação
Quilombo vem, com a singeleza de um no ano, dos 20 anos da abolição
maracatu nascia, esse gigante das idéias
cheiroso como um lote de caju que o Rio e a Paulicéia consagrariam
delicioso feito um mungunzá Neto de negra que lutou na Revolta dos
vem exaltar, render tributo ao quilombola Malês
pioneiro igual a coro de tambor quanto mais
gênio do pensamento afro-brasileiro quente mais tocou
filho dileto de Oxalá quanto mais velho mais zoada fez
que fez soar por isso agora que o poeta está
o tambor dos oprimidos dormindo
esses valores esquecidos sonhando com um dia lindo
negritude, liberdade que certamente vai raiar, raiar
poeta negro, em todas negras aquarelas Quilombo vem com a singela de um
cantor de páginas tão belas maracatu
a benção Solano Trindade cheiroso como um lote de caju
SUMÁRIO
02 - Expediente
03 - Editorial
04 - Sumário
05 - Mano Elói
06 - Entre o pastor e o pai-de-santo
08 - Viva o Dia da Consciência Negra
10 - Os tambores
12 - E aí, crioulo!?
13 - Dez anos sem Luiz Carlos da Vila (parte 2)
17 - Eu cravo
18 - Meus heróis não morreram de overdose
19 - Tempos sombrios
20 - Um lugar no subúrbio - Quilombo do Camorim
22 - Biblioteca Suburbana
22 - Discoteca Suburbana
23 - Evangelina, simplicidade e força
25 - Consciência delas
27 - Consciência negra: jamais esquecer
29 - A festa da consciência negra
31 - Um picolé com Zumbi
33 - Temposição das Almas Íncubas - 2º pentakapitel - II. Tatos
36 - A consciência negra na Matemática
40 - Jamais calar
41 - Remédios amargos e nada de cura
44 - Negro samba, vende peixe e se revolta
45- Coveiro de Irajá
48 - Comida de Pé-sujo
49 - Blog do Tiziu
Mano Elói

Oriundo de Vassouras, Elói Antero Dias, o Mano Elói, nasceu no ano da


abolição da escravatura e chegou ao Rio de Janeiro com quinze anos. Foi trabalhar
com seu tio como baleiro no Campo de Santana. Logo se tornou um dos maiores
nomes do samba carioca. Frequentou as rodas do Morro da Favela, Mangueira e
Portela. Batuqueiro e jongueiro, gravou “pontos” famosos como Não vai ao
candomblé, elogiado pelo escritor e pesquisador Mário de Andrade.
Como muitos que emigraram da região do Vale da Paraíba, se fixou no Morro
do Vintém (mencionado por Assis Valente no samba “Brasil Pandeiro”), na Tijuca. No
bairro fundou no início dos anos trinta a escola de samba Deixa Malhar, na rua
Delgado de Carvalho, próximo ao sopé do Morro do Turano. Casemiro Calça Larga,
líder da Azul e Branco do Morro do Salgueiro, afirma ter sido pioneira a agremiação
de Mano Elói, que contou ainda com a participação de Jamelão e seu irmão Zé
Linguiça, entre outros.

Em 1937, Mano Elói tornou-se o primeiro Cidadão Samba, quando já era


respeitado líder estivador e dirigente da União Geral das Escolas de Samba, que
teve a Deixa Malhar como sede nas primeiras reuniões. Mas os ataques alemães
aos navios brasileiros motivaram o governo Vargas a ordenar o fechamento de
clubes e associações, sob a alegação de medidas de segurança. Um texto de cunho
racista chegou a celebrar o fato: “A polícia resolveu fechar a escola de samba Deixa
Malhar. Não se conhecem os motivos da providência, mas o simples título de
‘escola’ estava a exigir remédio pronto e enérgico (...) O Brasil de hoje não admite
desocupados nem toadas afro-analfabetas.” 1
Com o fim do conflito mundial, houve um típico racha da guerra fria no
samba, com os simpatizantes do PCB de um lado e Mano Elói e Tancredo Silva, da
Federação Umbandista, ligados ao trabalhismo, de outro. Mesmo assim o
fechamento precoce da Deixa Malhar comprova que Elói Antero Dias não era um
pelego governista como seus opositores afirmavam. O surgimento do Império
Serrano em 1947 o levou a apoiar a escola da Serrinha, onde desfilou pela última
vez em 1966, cinco anos antes de sua morte. A quadra da verde e branco de
Madureira passou a ter o nome de Elói Antero Dias.

1- “Escola de samba Deixa Malhar: batuques e sociabilidades no tempo de Mano


Elói”, Sormani da Silva, pg. 7 (citando artigo de Berilo Neves em “A Manhã”), 27 de
maio de 1943.

Orl a n d o Ol i v e i ra
Entre o pastor e o pai-de-santo

Tava numa maré de azar danada. Tudo dava errado! Tudo dava errado! Pra
você ter ideia, num dia chuvoso avistei uma moedinha de cinquenta centavos meio
de longe, sorri, me agachei para pegá-la e um ônibus meteu a roda numa poça
d'água e me deu um banho. A camisa, branquinha, branquinha, ficou imprestável.
Tive um prejuízo de mais de vinte paus.
Foi aí que resolvi deixar de ser racional e entrei numa igreja dessas em que o
pastor fala alto à beça ao microfone e toda hora pede doações. Como estava na
primeira fila e ele olhava pra mim, depositei ali na sacolinha um real. O homem me
olhou de ladinho e começou a vociferar:
- Aquele que doa pouco não mostra fé verdadeira em Deus! Mais que isso,
tenta enganar a Deus,e é punido com o fogo do Inferno!
Sentindo que falava pra mim, levantei-me e entrei no meio de outros
doadores e dei mais dois reais. Mas o danado percebeu e bradou:
- As pessoas não entendem que com Deus não se brinca! Certas coisas são
humilhação ao Senhor!
Misturei-me a uns outros crentes que estavam também de pé e saí de fininho.
Ganhei a rua e fiquei pensando comigo:
- Fogo do Inferno... Poxa...! E eu não aguento nem calor de trinta e três
graus. O que faço de minha vida...? O que faço de minha alma...?
E andando com esses pensamentos deparei com uma casa modesta que tinha
uma placa na porta: "Desfaço trabalho, trago seu amor de volta, dou prosperidade."
Era tudo o que eu queria: prosperidade, nenhum amor de volta, mas quem sabe um
novo amor? Quem sabe ainda a salvação da própria alma?
Foi pensando assim que entrei, esperei uns quinze minutos e um pai-de-santo
me atendeu:
- Muzifio tá cum zica braba, precebi quando zoiei. Vô tirá tudo de uma vez!
- Opa! - pensei comigo - Vou sair daqui com todos os meus problemas
resolvidos.
Tomei um passe dos bons, desfiei um rosário de lamúrias pro homem, fiz um pouco
de manha (quem não chora, não mama, não é?) e ouvi o diagnóstico:
- Mandinga feia feita pro fio. Coisa botada em cemitério, prás alma pior das
alma.
Perguntei de imediato, sem conter a ansiedade:
- E pai tira de mim, tira?
- Pai tira. - ele respondeu de pronto - É só comprá sete vela vremeia e preta,
dez ramo de vence-demanda, três foia de tinhorão-brabo, trazer três galinha preta
pra abatê e deixá duzento real pro santo.
Matar animais!!!??? Duzentos reais!!!??? O que queria aquele sujeito?Que eu
fosse contra meus sentimentos e princípios e virasse assassino de galinhas?! E
ainda morresse numa grana daquelas!?
Levantei, dei nele aquele abraço de preto-velho e saí rapidamente
prometendo voltar no dia seguinte. Quando tava no portão, o cara cuidou logo de
me avisar:
- Se não voltá encosto não sai do costado, num abandona muzifio nunca mais.
O que fui arranjar pra mim?! Dar uma grana alta à igreja ou viver
eternamente no Inferno, matar animais e dar uma nota de respeito ao pai-de-santo
ou ficar com o encosto a vida inteira nas minhas costas. Nas minhas costas???!! E
quando eu fosse sentar? Ia ficar no colo do encosto?! Não sou disso! Coisa mais
feia!! E quando fosse transar? Ah, é?! O engraçadinho do encosto ia ficar agarrado
às minhas costas...Mas que coisa mais trágica! O que é que ele ia ficar fazendo
comigo? Xi! Não quero nem pensar! Imagine também: já ouvi que o encosto faz
tudo o que a gente faz através da gente: então ele também ia transar com a
mulher que transasse comigo. Tem graça a gente dividir a mulher com os outros?
Puxa! E eu só dividi mulher sem saber: nunca aconteceu voluntariamente. E
quando eu fosse beber, o egun ia beber a maior parte, tomar um porre daqueles às
minhas custas e ainda zumbizar no meu ouvido pra eu arranjar confusão com os
outros na rua, e eu que ia tomar as porradas enquanto ele ia ficar rindo
gostosamente de mim. Ah, não, não era possível! Não podia aceitar tudo aquilo!
Foi por isso que voltei à igreja, aproveitei que não havia plateia e o pastor
tava sozinho, me aproximei dele e perguntei:
- Quanto os Senhores acham que eu devo doar?
- Os senhores? - ele mostrou estranheza.
- É que eu falo em nome do Senhor Deus e do senhor pastor.
- Hmm! - ele fez com a cabeça que entendera, pensou um pouco e
sentenciou: - Uns duzentos reais.
Fiquei numa sinuca-de-bico. Pensei, pensei, pensei até me dar conta de que
ao menos não iria pro Inferno. Mas quis me certificar de outros detalhes:
- Mas se tiver algum espírito mau me atrapalhando, os Senhores também
tiram, não?
- Claro, meu filho!
Calei por um tempo, um tanto acabrunhado, até que falei:
- E os Senhores aceitam parcelamento?
- Hmmmmm...! - ficou a matutar o santo homem... e pensou e pensou... até
que fez uma contraproposta: - O filho vai depositar vinte reais por mês, por toda a
vida, na conta da igreja, e eu vou lhe passar o número...
Aceitei, mas não perdi a oportunidade de fazer mais uma pergunta:
- E isso vai me trazer prosperidade?
- Claro, meu filho - ele me assegurou com sua calma constante, bem diferente
de toda aquela ebulição que mostrava diante da platéia.
Peguei a número da conta e passei a depositar. Regularmente. Sem atrasar
um dia.
Devo dizer que já faz doze anos e doze meses que deposito na conta da
igreja, e não obtive graça nenhuma, não prosperei e as aporrinhações continuaram.
Mas pelo menos me salvei de ir pro Inferno.
Ba r ã o d a M a t a
Viva o Dia da Consciência Negra

Salve amigos, estamos no mês de novembro, mês de Zumbi dos Palmares,


morto em 20 de novembro de 1695.
Abdias Nascimento um dos maiores expoentes da cultura negra faleceu em
24 de maio de 2011 com 97 anos, poeta, escritor, professor universitário, defensor
da igualdade para a população de descendência africana e que também foi
Deputado e Senador da Republica.
Em 2006 em São Paulo ele criou no dia 20 de novembro data da morte de
Zumbi o dia oficial da Consciência Negra.
Abdias que já havia criado 1944 Teatro experimental do negro, idealizou o
Memorial Zumbi e o Movimento Negro Unificado ( MNU).
Zumbi- Símbolo da resistência negra contra a escravidão pregava a liberdade
do culto, religião e a pratica da cultura africana.
Sua morte não foi em vão e o povo negro escravizado jamais se entregou.
Escravizados ou não, a luta pela liberdade se intensificou.
Em 1822 o Brasil se tornou independente de Portugal, negros libertos e bem
articulados usam armas diferentes na luta contra a escravidão de seus irmãos.
São os pequenos Zumbis que num só ideal de liberdade utilizavam os meios
de comunicação da época, jornais, livros de poesias, movimentos populares para
chamar atenção da sociedade sobre o tema Abolição da escravatura.
Poetas, escritores e jornalistas negros assim eram os principais abolicionistas.
Luiz Gama, jornalista, escritor e advogado dos escravos.
José do Patrocínio, Jornalista dono de jornal abolicionista, foi quem mais se
destacou nessa luta.
André Rebouças, engenheiro e jornalista que também publicava sobre o tema.
Cruz e Souza, poeta e jornalista.
Enfim são tantos nomes que se destacaram e continuam se destacando nesta
luta que a historia omite.
Em 1888 como sabemos acabou-se a escravidão, mas o ideal da liberdade
não, os direitos, as oportunidades a educação para este povo descendente dos
escravizados não é a mesma dada a sociedade branca que naquele período de
escravidão proibia o negro de qualquer espécie de ascensão social.
Também hoje em consequência do seu passado, mesmo após mais de 100
anos da Abolição da escravatura as dificuldades para sua ascensão existe, mas a
luta começada por Zumbi continua.
O povo afro-brasileiro continua no seu firme propósito de valorização da
cultura negra que se mantem viva.
O Candomblé, o Batuque, o Jongo, a Capoeira, o Samba e outras
manifestações de origens africanas ou afro-brasileiras permanecem forte na nossa
cultura, ou seja, na cultura do Brasil como um todo.
Falando em samba, nossa maior herança cultural, já na década de 1910 ele
se manifestava nas casas das tias baianas que praticavam o candomblé e nos
fundo de quintais, permitiam que seus conterrâneos se reunissem para cantar e
tocar o samba amaxixado.
Pixinguinha, João da Baiana e Donga eram figuras pioneiras nestes
momentos musicais realizados na casa da Tia Ciata a mãe de santo baiana mais
famosa naquela região o que se propagava em casa de outras tias, como Tia
Presciliana, Tia Amélia e outras.
Os baianos, que começaram a chegar ao Rio de Janeiro a partir de 1870,
vinham de navios e eram negros livres e urbanos, acostumados com a cidade.
Eram os Jêjes-nagôs ou Iorubá. Dominavam a cultura afro-brasileira, tendo como
religião o Candomblé e eram da classe média baixa.
Tinham como profissão, alfaiates, pequenos comerciantes, pequenos
artesões e outras e se instalavam de preferencia na região do Porto.
Pois bem desses encontros musicais o compositor Donga e o jornalista Mario
de Almeida, registraram como sendo seu o primeiro samba gravado “Pelo Telefone”
em 1917, depois outros foram sendo gravados e Sinhô se denominou o Rei do
Samba.
Na verdade o samba que era meio maxixe até meados da década de 1920
teve uma grande transformação, liderada por Ismael Silva com a Turma do Estácio,
oriunda do Morro do São Carlos entrando em cena e colocando o surdo, uma
cadência sincopada, sem o piano do Sinhô, trocado pela percussão. Nasce o samba
pra sambar ( Ismael Silva).
Os compositores então começaram a compor já na nova batida e o samba
evoluiu.
O samba corre
Nas veias desta pátria mãe gentil.
É preciso atitude
Pra assumir a negritude
E ser muito mais Brasil.
( Luiz Carlos da Vila)

Salve 20 de novembro de 2018!


Salve Zumbi dos Palmares.
Salve o dia da Consciência Negra.

Onesio Meirelles
Os tambores

No terreiro, durante a sessão, a performance dos Ogãs era de causar arrepios,


tanto pela habilidade quanto pela precisão e, muito mais ainda, pela sonoridade
produzida. Parecia uma apresentação de títeres unidos e movidos por um comando
único.
As mãos, agitadas em sincrônicos movimentos, subiam e desciam com uma
rapidez vertiginosa e impressionante. Algo inconcebível para a imaginação humana
dada a refinada perícia demonstrada na execução. Tamanha era a velocidade
imprimida nos batuques que se tornava praticamente impossível perceber
completamente os movimentos manuais, com os olhos.
O couro dos atabaques, talvez como forma de agradecimento à maestria,
reagia aos toques das ritmadas palmadas, que o feriam percussivamente, com
sonoros lamentos de afinada euforia.
O som harmonioso, emitido pelos ruidosos atabaques, se misturava à cantoria
dos participantes e entranhava no espírito de quem ouvia provocando diferentes
reações. Era nítida a impressão na comoção estampada na maioria dos semblantes
que ali se encontravam. A energia emanada pelo conjunto gerava um êxtase
coletivo que resplandecia numa forma peculiar de felicidade. Era algo de outro
mundo e perturbava os espíritos, conduzindo-os por diversos tentáculos da
imaginação. E se entregar ao seu deleite era viajar numa esfera atemporal.
As lembranças, de tempos idos e visões de um tempo por vir, dançavam nas
mentes com uma incerteza que não apresentava pressa de acertar os passos no
descompasso marcado pelo tempo.
Era uma noite de sexta-feira, de um dia treze de maio.
A comunidade, formada por descendentes de escravos de uma única nação,
estava reunida numa sessão especial. Os presentes celebravam o dia em que, há
muitos anos passados, seus ancestrais foram jogados a sorte, sem direito a nada
que lhes proporcionassem um recomeço de vida digno de um ser humano. — Aliás,
a época, nem seres humanos eles eram considerados por aqueles que os
escravizavam, pois não possuíam almas, segundo muitos. Eram tão somente e
apenas instrumentos falantes. Nós, seres ditos racionais, somos desumanamente
criativos quando se trata de justificar as atitudes bestiais que condizem com os
nossos interesses. Estabelecemos critérios que contrariam o bom senso e o
discernimento com uma desfaçatez eivada de argumentos que ferem a dignidade
—.
As amargas lembranças dos infortúnios físicos e morais sofridos por seus
ancestrais eram celebradas ali sem tristezas, e somente a euforia de dividir aquele
momento de felicidade era compartilhada. Apenas enlevavam seus corpos e
espíritos agradecendo e saudando seus protetores. Como os escravos faziam no
passado, quando tinham oportunidades, nos seus raros momentos de folgas, em
folguedos.
Cada toque no couro dos tambores arrancava um lamento bem diferente
daquele produzido pelos açoites no couro dos negros escravos. Eram verdadeiros
unguentos musicais para amenizar as dores e as marcas que alguns espíritos, que
estavam presentes à sessão, precisavam. Não estavam ali em busca de vingança
ou justiça, mas de luz.
A mãe e os filhos nos santos, paramentados especialmente para aquela
celebração, dançavam e saudavam seus Orixás. A gira emanava uma energia que
enlevava seus corpos, aproximando-os dos espíritos que somos na realidade. Os
filhos nos santos, incorporados, pareciam nem tocar os pés no chão, dando a
impressão que flutuavam no ar ao sabor da energia gerada por meio da sinfonia
originada pelos mágicos toques dos tambores e a magia dos cantos.
A penumbra reinante no ambiente, iluminado somente pela luz de velas,
tornava o movimento das sombras projetadas na parede em algo fantasmagórico. A
oscilação entre a escuridão e a claridade provocava um fenômeno que aumentava
os mistérios que cercam estas sessões. Alguns descrentes, que tentavam
racionalizar o que presenciavam, eram tomados pelo desespero de não encontrar
explicações lógicas para o que viam e relutavam para se entregarem ao que
sentiam.
A magia depende de condições físicas e espirituais adequadas para interagir
com a verdadeira energia que nos move. Quando a encontramos, então o corpo
sucumbe ao espírito e nos aproximamos do que é sublime.
Todos os seres que habitam este planeta são energias fluídicas que animam a
matéria composta de essências de músicas e cores e suas variantes, as energias
são dosadas de acordo com a natureza de cada ser. Os condutores destas sessões
são seres escolhidos e dotados espiritualmente por uma força maior e, quando
manifestados, têm poderes para invocar, reunir e manipular estas energias de uma
certa maneira. Os seres das florestas, das águas, dos minerais, do fogo e de outras
naturezas são as entidades que se apresentam nos ofícios celebrados.
As oferendas: comidas e adornos, variam de acordo com o Orixá e a fartura é
de chamar a atenção. E mais uma vez ondas do passado trazem reminiscências:
“como podia aquela gente, dada a condição de penúria que vivia, ofertar tanto sem
quase nada ter para si? ”
Como se estivesse ouvindo meus pensamentos, minha mãe aproximou-se,
segurou-me de frente e, pondo as mãos nos meus ombros, sussurrou em meus
ouvidos:
— Um espírito alimentado pelos dons sublimes suporta dignamente todos os
maus tratos corporais.

Kaju Filho
E a í , c ri o u l o ! ?

E aí crioulo, quanto tempo, aí cara, ainda dizem que eu não gosto de negro,
me amarro em tu crioulo, fala ai, como tá, bem, mal, mal, mal por que, não, que
pejorativo o que, crioulo é apelido carinhoso, para com isso, sabe que a gente é
amigo há mó tempão, a gente sempre teve liberdade pra falar um com outro, tu
sabe que crioulo não é humilhação, é amizade, intimidade.
Vem com essa historia agora de afirmação? Te chamo assim desde moleque
quando sua mãe ia lá pra casa fazer faxina e a gente ficava jogando Nintendo,
aprendi com meu pai a falar contigo assim, não é pra denegrir não.
Denegrir é um problema agora também? Tornar mais negro? Você virou
historiador das palavras agora? A gente fala, cara, é só uma palavra, que nem
judiar, quando digo que uma pessoa foi judiada, não quero que ela vire um judeu,
Deus a livre, mesma coisa denegrir, não quero que vire negra.
Não, problema nenhum com ser negra. Problema nenhum.
Tudo bem. Não quer mais, não falo mais. Te chamar pelo nome, é isso?
Tá bom. Vou te chamar pelo nome agora.
É roberto, né?
Maicon. Claro, Maicon, como vai sua mãe, Maicon?
Confundi com outro amigo negro. Tenho muitos amigos negros. Viu?
É, Maicon, espero que a nossa amizade antiga sobreviva ao politicamente
correto. Acabou a liberdade, os amigos não brincam mais, parece que o mundo tá
dividido, a gente não pode mais falar, eu sei que tu não gosta, eu sei que tu não é
escravo, sei que crioulo tem a ver com os negros que vinham da África, é o que, vai
me dar aula de História agora, tá me chamando de burro, na moral, é humilhante o
que tu tá fazendo comigo, cadê seu diploma de doutorado, porra, ah, tá aí, deixa eu
ver, Maicon da Silva Lessa, doutor em História, UFRJ, ah, doutorzinho, agora vai
querer o que, dar aula em universidade, já tá dando, professor substituto, é cota,
né, só podia ser cota, quer saber, Maicon, não vim aqui pra ser humilhado, vá te
tomar no cu, seu crioulo de merda.

J o n a ta n M a g e l l a
Dez anos sem Luiz Carlos da Vila (2ª parte)

Na medida em que se aproximava a comemoração do seu cinquentário, Luiz


Carlos da Vila aumentava a sua relação com o bar Papo de Esquina, a rádio
comunitária Bicuda. Também íamos nos seus espaços, como a Banda Raízes da Vila
da Penha, comandada por um velho compositor, Waldyr Asty e seu filho, Jorge Asty.
Os dois moravam no IPASE, conjunto habitacional populoso na avenida Vicente de
Carvalho e Luiz gravara os dois no seu segundo CD pela gravadora Velas. Nesse
segundo, CD "Festa no Samba", ele apareceu mais como intérprete, mas não era
muito do seu gosto.
Luiz me deixou dez CDs do "Raças Brasil", o primeiro e elogiadíssimo disco
gravado pela "Velas", e dez do "Festa no Samba" para divulgar. Vendi rápido,
"casando" o primeiro com o segundo disco. Em seguida, me deixou uma caixa com
30 discos. Também saiu rápido. "Das Vilas" passou a ir no meu trabalho, o TJ, de
surpresa. Aproveitei um dia e levei ele a um compositor Oficial de Justiça, Marco
Antônio Lacerda, ex-secretário geral do SINDJUSTIÇA, conhecido no samba como
Marquinho China, compositor gravado por Beth Carvalho, Zeca Pagodinho e Fundo
de Quintal. Luiz era simplesmente o padrinho musical do grupo que Marquinho
China e Jotabé comandavam, o "Cravo na Lapela".
Falando em afilhado musical de Luiz, conhecemos outro compositor, Bira da
Vila (São José, Duque de Caxias). Bira estava tentando dar prosseguimento a
carreira, iniciada com a gravação e o sucesso relativo de "Sorriso de Banjo",
cantada por Jovelina Pérola Negra. Bira virara fã de Luiz, em 1981, com o
lançamento do compacto disco, "Horizonte Melhor". A faixa foi exaustivamente
tocada por Adelson Alves, o "Amigo da Madrugada". Segundo o próprio "Das Vilas",
nem ele mais "aguentava" em se ouvir mais na Rádio Globo.
E Luiz Carlos da Vila passou a ir contando cada vez mais detalhes da sua vida
e da sua carreira. Contou que largara um emprego estável público no setor de
processamento de dados para se dedicar integralmente a música, mesmo com o
chefe procurando lhe ajudar, fazendo "vista grossa" às suas ausências para
cumprimento da nova agenda profissional. Lembrou que "Artigo Esgotado", primeiro
sucesso gravado por Mussum em um "Pau de Sebo" onde também aparecia Zeca
Pagodinho, deu-lhe a coragem de abraçar a nova profissão.
Confidenciou também que mesmo com a gravação de "Graça do Mundo" pelo
Conjunto Nosso Samba, liderado por Carlão Elegante (seu ídolo, compositor de um
samba-enredo antológico na Unidos de Lucas, ator na novela "Pai Herói" e morador
da Vila da Penha) chegou à roda de samba do Cacique por acaso. Fora levar uma
ex-namorada em casa, no Catumbi, e diante do adiantado da hora, teve que pegar
outro ônibus para casa, que passava na rua Uranos. Ao ouvir a roda de samba que
acontecia na quadra do Cacique e já era famosa, decidiu saltar da condução e
emburacou madrugada adentro para nunca mais sair.
Mas, mesmo sendo compositor já gravado, foi olhado com reservas no
Cacique: Neoci, do grupo Fundo de Quintal e filho do lendário João da Baiana, não
apreciava as suas composições. Foi preciso apresentar "Doce Refúgio", o hino em
homenagem ao Cacique de Ramos, para que as resistências fossem definitivamente
quebradas. Aliás, foi dessa forma que Luiz virou caciqueano, porque na verdade
tinha simpatias pelo Bafo da Onça. "Doce Refúgio" foi gravado no segundo disco do
Fundo de Quintal, já sem Jorge Aragão, Almir Guineto e Neoci, mas o primeiro com
Arlindo Cruz e entrou de última hora, se tornando a melhor faixa do disco.
Luiz também falava da sua relação com a Vila Isabel. Segundo muitos
contemporâneos da sua juventude, Da Vila era imperiano e craque das peladas do
bairro, botafoguense de acompanhar e sofrer pelo time de Garrincha, Didi,
Amarildo, Manga, Zagallo, Nílton Santos, Gérson, Jairzinho e Paulo Cézar, nos anos
sessenta. Chocado por ter presenciado uma tragédia depois de um jogo, acabou
virando um torcedor do Botafogo distante. E se "tornou" Vila Isabel, fazendo um
samba para ingressar na Ala de Compositores com nomes como Paulo Brazão,
Rodolpho, Jonas, Arroz, Garganta de Ferro, Tião Graúna, Tião Grande, Irany, Jorge
King, Dida. Quando ganhou o seu primeiro samba-enredo, em 1979, sequer estava
na quadra da escola, pois não acreditava que ia conseguir: estava na Imperatriz
Leopoldinense e soube da vitória no dia seguinte, através de um telefonema de
Martinho da Vila.
Também me mostrou o samba que tinha perdido para Martinho e Tião Graúna
no enredo "Sonho de um Sonho", Estandarte de Ouro de 1980: se o samba de
Martinho era antológico, o dele não ficava nada a dever, era muito bom, talvez
melhor. Contou-me das derrotas injustas nos anos de 1982, gravado no seu
segundo long-play, "Esfriando a Cabeça", e o de 1983, este último um dos sambas
gravados no primeiro disco de carreira, com o título "Pisando Forte", por insistência
do produtor do disco, o próprio Martinho da Vila, que ficou inconformado com o
resultado do certame interno. Tinha grande gratidão por Martinho e tinha grande
orgulho de ter entrado em um dos melhores discos da carreira de "Zé Ferreira", o
Martinho da Vila Isabel, com a composição "Graça da Vila", em 1984. Foi quando
decidiu sair da escola, com a chegada do "Capitão" Aílton Guimarães na presidência
da Vila: Luiz não admitia uma pessoa acusada de práticas de tortura no regime
militar no comando da agremiação.
Quando saiu da Vila Isabel pela primeira vez, Luiz já tinha um currículo como
autor de sambas-enredos. Na escola alternativa Grêmio Recreativo Artes Negras
Quilombo tinha feito dois: um, em parceria com Zé Luís do Império e Nei Lopes,
belíssimo, sobre Solano Trindade. Mas, o samba foi cortado, porque Nei já tinha
emplacado dois sambas na Quilombo, com Wilson Moreira, e "era preciso abrir vez
para outros compositores", argumentaram. No segundo samba, Luiz não decorou a
própria letra e cantou o samba com o papel na mão, que foi cortado de cara. Seria o
consagrado "Um Dia de Graça", em 1984.
Aliás, esse ano de 1984, um samba-enredo seu, em parceria com Iba Nunes, e
com Edmundo Souto e Paulinho Tapajós (autores da consagrada "Andança"), levou a
Unidos do Cabuçu ao primeiro grupo. Era em homenagem a Beth Carvalho, com
quem Luiz tivera um breve namoro, iniciando-se os enredos de homenagem da
brava agremiação que exaltaram, posteriormente, Roberto Carlos, Os Trapalhões e
Milton Nascimento. Apesar disso tudo, disse-me que sua vitória no samba
desagradou muita gente da escola, que não pode ir nem na quadra quando foi
anunciado o resultado do certame interno, e o quanto foi difícil o trabalho de
parceria a oito mãos, sendo que um pouco menos com o parceiro Iba Nunes.
Fomos ficando íntimos. Aliás, não só eu: a rapaziada do Bar Papo de Esquina e
da Rádio Comunitária, muitas vezes saía do boteco e era convidado a ir a sua casa,
na Travessa da Amizade, nº 60, perto do Largo do Bicão: Luiz Carlos Máximo, Luiz
Carlos Patropi, Sérgio do Carmo, a sua esposa, a professora Graça, Antônio
Schittino, Nélson Marques, Cézar Lima, Ernâni Costa, Chico Pereira, Viola, Horácio.
Era sempre uma rabada pra comer, um peixe, muita cerveja, e nesses encontros,
Das Vilas se sentia entre amigos e contava: o samba "E fez-se a luz", belíssima
composição, em parceria com Sombra e Sombrinha, foi uma "primeira" que ganhou
de presente dos dois irmãos para que fosse homenageada a filha de Sombrinha.
Luiz, apaixonado por Jane Pereira, acabou fazendo a segunda pensando em Jane.
Sombrinha não gostou muito, mas ficou tão bonito que deixou para lá.
Contou-nos que o seu samba mais rápido foi feito "Amor agora não", com
Sombrinha, quando os dois foram em uma gravadora: o samba começou no térreo
do edifício e quando eles voltaram de elevador da gravadora, a composição já
estava concluída. Já o ""Samba que nem Rita adora" era um trocadilho, brincando
com a música de Chico Buarque e fustigando uma separação pretérita, em que ele
chegou em casa não encontrou nenhum mobiliário, nem um colchão para dormir. E
nos mostrou de primeira, uma das suas belas composições, feita após o contato
estabelecido com o nosso pessoal do bar, "Sempre Acesa", que seria gravada pelo
Quinteto Branco e Preto, com a participação especial de Beth Carvalho.
"Das Vilas" procurava dar força ao pessoal novo do samba, que resistia ao
neo-pagode: o Quinteto Branco e Preto era um conjunto paulista, parte fundamental
do evento "Samba da Vela", na noite paulistana. Luiz acompanhava também novos
nomes do samba carioca, como Marquinho de Oswaldo Cruz, Renatinho Partideiro e
Dorina. Discretamente, preparava um disco sobre "Mestre Candeia", com a
produção de Claudio Jorge e sob o selo da CPC-UMES, que ia dar muito o que falar.
Já tinha participado do disco em lembrança dos vinte anos da morte de Candeia,
que fora produzido por João de Aquino, com a excelente "A Luz do Vencedor",
parceria pós-mortem, com o compositor portelense, em melodia entregue pela
jornalista Lena Frias.
Luiz não conhecera o fundador da Quilombo, só tivera com ele uma conversa
telefônica, com o antigo compositor adoecido e o desencorajando para seguir a
carreira. Com a morte de Candeia, "Das Vilas" pediu para Nei Lopes fazer uma
segunda para uma composição que ele pretendia que fosse gravada por Clara
Nunes. Luiz acabou preferindo a sua segunda àquela que tinha sido feito por Nei.
Procurada para gravar o samba, Clara disse que não gravava samba em
homenagem. Quem deu sorte foi novamente Beth Carvalho que pôs a sua voz em
uma das mais belas composições de Luiz Carlos da Vila: "O Sonho não Acabou".
Marquinhos de Oswaldo Cruz, outro que tinha sido parceiro pós mortem da
Candeia através da mesma Lena Frias, elogiava Luiz, dizendo que ele era o único
dos grandes compositores surgidos no pagode do Cacique de Ramos que não
legitimava o neo-pagode, nem fazendo músicas, nem gravando. "Das Vilas"
simplificava o porquê não fazia: "eu não sei compor o que eles querem". Não dava
um cunho político a essa posição, como se precisasse.
Até que veio o evento dos 50 anos de Luiz Carlos da Vila, no dia 21 de julho
de 1999, no Teatro João Caetano, organizado por Túlio Feliciano. Promessa de casa
cheia, tendo como convidados confirmados Arlindo Cruz e Sombrinha, João
Nogueira, Beth Carvalho, entre outros. No domingo, dia 18 de julho, Luiz deu uma
entrevista bomba ao Jornal do Brasil. Atacou, como nenhum outro nome do samba
tivera coragem de fazer, o neo-pagode. Disse que o conjunto "Só Pra Contrariar", no
auge do sucesso, tinha plagiado uma composição sua, "Fogueira de uma Paixão".
Detonou o "É o Tchan!", também na crista da onda, dizendo que o conjunto
musicalmente não era nada. E, por fim, desafiou: "quem quiser gravar bom samba,
é só me procurar".
O João Caetano lotado não viu Beth Carvalho, nem João Nogueira (chegou
depois, confundira o horário). Mas, viu um Luiz Carlos da Vila impecável, com
"canjas" inesquecíveis de Arlindo Cruz e Sombrinha e também de Nélson Sargento.
A história de um sambista que só estava gravando "samba de doideira", já estava
ultrapassada e o próprio que emitira esse conceito já revisara a sua posição. Na
semana seguinte, no número zero da revista "Bundas", Aldir Blanc escreveu um
artigo emocionado, elogiando Luiz, chamando o "Zumbi", por ter tido a coragem de
dar o grito de guerra contra o neo-pagode no Jornal do Brasil.
No dia seguinte à publicação, compramos uma moldura e colocamos o artigo
na parede externa do bar: o subúrbio da Vila da Penha e o seu modesto boteco
tinham orgulho do seu morador e do seu freguês mais ilustre. Toda nossa luta
contra a pausterização da indústria cultural de massas, via atividades no bar, nos
eventos na casa de Chico Pereira e nos programas da rádio comunitária tinha
conseguido ser verbalizada na entrevista de Luiz Carlos da Vila no JB e no artigo
sobre ela feito por Aldir Blanc para a "Bundas".
No mês da consciência negra, nada como recordar o exemplo de negritude e
coragem de Luiz Carlos da Vila, o Zumbi do samba.

Alex Brasil - Historiador


E u c ra v o !

Estou tão carente!


E você tão linda e doce!
Me deixou assim.
Como um botão querendo desabrochar!

Solto num jardim oculto.


Sem luz e calor.
Apenas com o sereno
Que da noite cai...

E que as paredes do silêncio


Me proíbem de senti-lo.
Me trazendo o frio
E o desejo de querer sonhar!

Espero o dia, e uma manhã


De primavera com o brilho do Sol.
E o orvalho da vida!
Que me fazem sorrir.

E eu cravo, me faço escravo.


Do teu perfume, tua cor.
Me arranho em teus espinhos
Que te protegem a alma.

E mesmo sem tua permissão


Eu sigo, em verso e prosa.
E me aproximo de forma cautelosa.
Só para poder ter, o teu amor de rosa!!!

Junior da Prata
Meus heróis não morreram de overdose

Os meus heróis
Não morreram de overdose
Faltou cuidado
Carinho e oportunidades
Morreram no navio negreiro,no Cais do Valongo
E conforme a cidade do Rio de Janeiro,foi sendo povoada morreram pelas ruas e nas
favelas , nos becos e vielas,que tiveram que habitar
pois,não tinham para onde ir.
Não tinham direito a escola, a casa e se sambistas, eram tratados como fora da lei
Cumpriam vadiagem.
Ninguém busca a miserabilidade, todos querem triunfar.
Na sua maioria eram negros e o racismo corroia suas entranhas, mas mesmo assim,
lutar pela vida era uma meta
No século XXI perduram estas desigualdades
E isto nos torna cada dia mais perplexos,
Como as desumanidades permanecem na humanidade
Meus heróis não morreram de overdose.
Eles estão por aí pelas ruas tentando concretizar seus objetivos
Minha esperança é a juventude negra que transforma nossas iniquidades em
valores potentes para construir um caminho...
Correm pelo meu rosto lágrimas por tantos
Jovens que à cada dia são assassinados. No lugar aonde nasci e vivo, eu uma
mulher negra que me dediquei a cuidar do corpo do outro, hoje tenho que chorar
por estes corpos aonde me vejo
Clamo por justiça...Marielle sempre presente. E representando todas as mulheres
que choram pelas vidas ceifadas e por aquelas que buscam viver dias melhores.

Márcia Lopes
Tempos sombrios

Ouça, chegue mais perto! Não houve? Talvez, porque venha de longa data!
Vem das cabeças calcinadas de bois estraçalhados, das vísceras expostas de
milhares de pessoas que, atônitas pelo barulho ensurdecedor das bombas, não
tiveram tempo de se abrigar. Abrigo, mas que abrigo? Pobres daqueles que o
procuraram em vão. Guernica já não mais os guardava! Restou-lhes o pincel, o
painel e a tristeza infinita!
Vedes ali? Ainda não? Toque as paredes, os sulcos produzidos por unhas
desesperadas, refletindo o último suspiro na câmara de gás! Auschwitz, Treblinka e
tantos outros não nos deixam esquecer!
Fascias, suásticas, sigmas, são tantos o símbolos e signos, braços estendidos
e falta de sentido! Vociferam bestas iracíveis que mutilam, queimam, quebram,
vibram e espumam com o sangue derramado daqueles que, “diferente do modelo”,
não merecem viver!
Acorda! Desperta da letargia alienante que te submergiram! Abra teus olhos e
corrija a miopia enquanto há tempo! Não levante falsas bandeiras. Olhe a periferia,
os grotões, as veredas, os becos e vielas, palafitas, e favelas! Olhe o mendigo, o
menor abandonado, o negro, o gay, a prostituta, o índio, o feio, o desdentado, o
velho, o nordestino e o caboclo! São feitos do mesmo barro que você!
Por que de repente, se sente tão diferente? Tu és elo da mesma corrente. Se
te disseram que és melhor e acreditastes! Se para ser melhor, tivestes que sangrar
os que estão ao teu redor! Sinto em te dizer, traz em ti o pior! Mas, atenta-te! A
palavra fácil aluga a mente rasa! A mente rasa arrasta-se a esmo, seguindo,
incontinente, os oportunistas de plantão, que adoram tanger gado.
O sangue a ser derramado hoje será o meu, amanhã o dos outros e depois o
teu! A máquina lubrificada com ódio não poupa ninguém, não tem apreço pela
consciência e nem pela poesia. Não enxerga vida na sua saga de identificar no que
é “diferente”, o mal!
Apressa-te! Para salvar-te no outro que queres exterminar e, se no final
perguntar – me pasmo: afinal “por quem os sinos dobram”? Dir-lhe-ei: eles dobram
por ti!

Silvio Silva
• U m l u g a r n o s u b ú rb i o

Qu i l o mb o d o C a mo ri m

A Revista Sarau Subúrbio, neste mês do dia da consciência negra (de todos os
dias), presta uma justa homenagem ao Quilombo do Camorim.
Tendo à frente como responsável direto o Sr. Adilson Almeida e com ele,
representantes de várias famílias descendentes de escravos e uma equipe de
colaboradores, que atuam incansavelmente, o Quilombo do Camorim é sem dúvida
um lugar de memória, ou melhor, de múltiplas memórias.
Localizado no sopé da Reserva do Maciço da Pedra Branca, em Jacarepaguá,
o citado quilombo é um espaço consagrado de memória e história da ancestralidade
negra na cidade do Rio de Janeiro.
Compondo com outras áreas quilombolas (Vargem Grande e Pau da Fome) um
conjunto de espaços territoriais que guardam importância ímpar na construção e
ampliação do conhecimento das heranças africana e afro-brasileira no contexto da
História de Jacarepaguá, em particular e da cidade do Rio de Janeiro, em geral.
A luta do Sr. Adilson e dos seus colaboradores para a certificação definitiva do
Quilombo do Camorim (recurso tramitando na Justiça contra a decisão negativa do
INCRA apesar de robusta documentação probatória) demonstra que não são poucos
e nem pequenos os desafios.
Na cidade do Rio de Janeiro, a especulação imobiliária e a ganância
financeira, agem de maneira predatória tentando ostensivamente apagar a
memória social e os traços mais profundos e longevos das culturas dos povos
indígenas e africanos que construíram sob ferro, fogo, suor e sangue a riqueza
dessa cidade e do país.
O Quilombo do Camorim é exemplo de resistência na preservação dos valores
identitários da população afrodescendente da Região de Jacarepaguá e adjacências.
Os importantes trabalhos de arqueologia desenvolvidos pela Arqueóloga Sílvia
Peixoto ( Museu Nacional / UFRJ) demonstram isso. Para além das atividades
arqueológicas, a educação ambiental, aulas de campo de História para alunos das
redes públicas e visitas guiadas compõem o rol de atividades desenvolvidas no
local.
Portanto, vale ressaltar, sobretudo, a luta em prol da preservação da memória
e da História que visam manter viva e valorizada para as futuras gerações a nossa
herança sociocultural africana e afro-brasileira. Com isso, a Revista Sarau Subúrbio
parabeniza o Quilombo do Camorim, o Sr. Adilson Almeida e toda a sua equipe e
grita a plenos pulmões: “ZUMBI VIVE”!
• Bi b l i o t e c a S u b u r b a n a

• Di s c o t e c a S u b u r b a n a
Evangelina, simplicidade e força

Nesse mês da Consciência Negra eu gostaria de falar sobre uma mulher que
eu particularmente admiro, embora não muito conhecida: Evangelina de Lima
Barreto, a irmã do grande escritor carioca Lima Barreto.
Neta de escravos, Evangelina nasceu no Rio de Janeiro em 1882, um ano após
o seu irmão famoso. Era a segunda de quatro irmãos, e a única mulher. Muitos
estudiosos de Lima Barreto dizem que ela era a única dentre os irmãos do escritor
que partilhava com ele o gosto por assuntos culturais. O pai João Henriques
estudava com os filhos, sempre estimulando o seu desenvolvimento. Foi ele que
convenceu Ginoca, como era carinhosamente chamada, a enviar um conto para um
concurso da revista “A Universal” em 1902. Esse conto intitulado “O noivado da
montanha” ganhou o segundo lugar, ficando atrás apenas de uma história de uma
escritora famosa na época. Será que Evangelina teria o mesmo talento literário do
irmão?
Seria complicado tentar responder esta pergunta. A vida de Evangelina não
foi fácil. Perdeu sua mãe ainda criança, nunca se casou e aos vinte e um anos
começou sua jornada de cuidadora do pai, João Henriques, que tendo enlouquecido
não podia mais trabalhar. O irmão Afonso, afundado no alcoolismo, também foi
objeto de seus cuidados. O escritor se preocupava com a irmã pelo fato dela ser
mulata numa sociedade machista e racista. Não queria que Ginoca tivesse o mesmo
destino de sua Clara dos Anjos. Durante anos, Evangelina seria mãe do pai e do
irmão. Isso duraria até 1922, quando num espaço de dois dias perdeu seus dois
“filhos”.
Mas a história de Evangelina não terminaria aí. Ela teve papel fundamental ao
preservar os manuscritos do irmão que seriam na década de 1950 objeto de estudo
de Francisco de Assis Barbosa, o primeiro biógrafo do escritor. Evangelina foi
também uma fonte oral da vida de Lima Barreto, tão bem retratado por Barbosa em
seu livro biográfico “A vida de Lima Barreto” que ajudou a consolidar o
reconhecimento de Lima como grande escritor brasileiro.
Evangelina esteve presente em diversas homenagens póstumas feitas ao
irmão (estas homenagens foram tema de um artigo meu no número 3 da RSS). Em
1951, foi recebida no Palácio do Catete pelo então presidente Getúlio Vargas. Esse
encontro deveu-se ao fato da família Lima Barreto ter finalmente conseguido os
direitos autorais de “Os Bruzundangas”, que até então pertenciam a uma empresa
do ramo da imprensa.
Após as mortes do pai e do irmão, Evangelina começa e dedicar-se ao piano,
tornando-se professora de Teoria e Piano do Colégio Santa Rita dos Pilares, além de
dar aulas particulares. Religiosa que era, tocava órgão em diversas igrejas do
subúrbio e participava de atividades religiosas. Era membro assistente da Casa
Santa Martha, organização fundada pelo padre da paróquia de Inhaúma e que
auxiliava “moças que lutam pela vida, contando apenas com o próprio trabalho”.
No dia 8 de março de 1956, falecia aos setenta e três anos Evangelina de
Lima Barreto em sua residência na Rua Amaro Cavalcante 923 no Méier. Foi
enterrada no Cemitério de Inhaúma. Evangelina, para mim, simboliza aquelas
mulheres que deixam de viver a própria vida para cuidar de entes queridos com
carinho e dedicação. Uma mulher modesta, porém guerreira, que sabia do valor da
obra do irmão e que lutou à sua maneira para o reconhecimento desta obra. Negra,
suburbana, professora, dona de casa, de vida simples, e que nos deixa um
tremendo exemplo de vida.

Ana Cristina de Paula

Fontes:

BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. Rio de Janeiro: José Olympio,
2002
LIMA, Elizabeth Gonzaga. Do conto ao romance: o processo criativo de Lima Barreto
entre a forma literária e o suporte. In: O eixo e a roda, Belo Horizonte, v.25, n.2, p.
105-126, 2016.
- Jornal A Cruz, ed.40 de 1932, p.3.
- Jornal Diário de Notícias, ed. 8769 de 29/05/1951.
- Jornal Última Hora, ed. 365 de 20/08/1952.
- Jornal do Brasil de 09/03/1956 ed. 56 p. 12.
Co n s c i ên c i a d el a s

Em 14 de novembro de 2018, houve um evento no colégio municipal Darcílio


Ayres Raunheitti, do município de Nova Iguaçu, onde leciono Língua Portuguesa
para turmas de jovens e adultos. A projeto celebrava, antecipadamente, o Dia
Nacional da Consciência Negra, que é festejado no dia 20 do mesmo mês. Diante
dessa missão mais do que justa dada aos professores e alunos, chegamos à
conclusão de que nosso objetivo seria pesquisar escritoras negras contemporâneas
que estivessem em militância contra a segregação racial e a favor da afirmação da
mulher negra no cenário literário brasileiro. Após inúmeras seleções, presos a
diversos impasses por conta da escolha, chegamos a estas que destacaríamos em
nosso projeto: Rayane Leão, Carina Castro e Alzira Rufino.
Antes de começarmos a falar brevemente dessas poetisas, vamos a uma
reflexão: acredito que o grande desafio do professor do século XXI é incentivar seus
alunos a tornarem-se pesquisadores. No entanto, surge uma dúvida: como dar
estímulo ao estudante se a formação do professor nas universidades públicas e
privadas é deficiente por conta da falta de ânimo na geração de docentes-
pesquisadores? É uma pergunta em que precisamos nos debruçar...
Voltando a elas, o interessante do projeto foi – de modo incipiente, mas eficaz
– a organização com o objetivo de que os alunos pesquisassem as poetisas com as
quais eles naturalmente mais se identificassem. E a Rayane Leão, professora e
poeta, saltou aos olhos de todos, por exemplo, por conta destes versos libertários:
“Meu coração é tal qual / batuque de terreiro / carrega força ancestral / e dança pra
homenagear / o amor”. E por que não falar destes de Carina Castro, intitulados
Sinais de Oyá: “De longe barulham falas acumuladas / rasga-se o céu com
luminescente gume: / arma-se a tempestade.” Por fim, Alzira Rufino nos
presenteia: “Nos movimentos / lutas feministas / diálogo apaixonado / passando a
luta da mulher / entrelaçada emoção / sensibilidade / transformações.”
Este foi o título do projeto “Mulheres que escrevem”. Não vou dizer que
atingimos todos os objetivos. Mas, na verdade, quais foram os objetivos apontados
mesmo? Não se sabe. Tampouco necessário é mencioná-los. Talvez o importante é
revelar que todos e todas ficaram entusiasmados por saber que há uma infinidade
de mulheres que os representam. Porque falam a eles. Porque discutem o que eles
sentem. Porque revelam a dor que eles têm. Porque... quem sabe, nas curvas dos
subúrbios, encontremos outras novas mulheres que escrevem sobre o vento que
passa, a alegria que nos contagia, a liberdade que nos assalta.

Leonardo Bruno
C o n s c i ê n c i a n e g ra : j a ma i s e s q u e c e r

O que vou dizer


se esguia como a noite
Minha pele preta
provou do açoite?

Jamais esquecer!

O que posso querer


se não me deram comida
tiraram minha liberdade
furtaram-me a vida?

Jamais esquecer!

E qual meu parecer


Se estupram minha filhas
Meus filhos assassinam
como se fossem matilhas?

Jamais esquecer!

O que posso aprender?


Na fila do trabalho
Pedem o que não deram
E me tiram por falho?

Jamais esquecer!
Não posso enlouquecer
Lutei pela liberdade
contra o trabalho forçado
e escondes a verdade?

Jamais esquecer!

O que vou oferecer?


Já ergui países inteiros
Com o brilho do meu suor
e nos chamam de rasteiros?

Jamais esquecer!

Mas já é melhor parar


Pois minha consciência
Que ferve de cor preta
Virou grande resistência?

Lembro-me e vou lutar!

Malkia Usiku
A Festa da Consciência Negra

Numa crônica passada eu falei um pouco sobre a Isaurinha, personagem


ilustre do Itanhangá.
Se não me falhe a memória foi na Revista Sarau Subúrbio de número três.
Sim. Foi exatamente isso.
Pros leitores que começam a ler essas páginas somente agora, podem
recorrer à busca na web que poderão ler sobre a personalidade dela.
Mas, um pouquinho, somente bem pouquinho, podemos falar aqui como
introdução.
Bem, a Isaurinha (ou Dona Isaurinha, como é mais conhecida) é uma mulher
muito engajada em sua comunidade aqui no Itanhangá, subúrbio carioca. É aquela
pessoa que agrega, que "chama todo mundo" pra organizar os festejos e
brincadeiras de rua, do futebol de mulheres, casadas contra solteiras, até os
festejos juninos e setembrinos (é que ela já inventou até uma tal de Festa da
Primavera).
Estamos no mês de novembro. E todo ano, quando chega o mês de novembro
ela organizava ou tentava organizar uma "Festa da Consciência Negra".
Nos festejos folclóricos brasileiros não existe tal festa, diga-se. Entretanto, ela
começou a organizar essa festa em novembro de 1997, há mais de vinte anos.
Lembro-me ainda do fato que motivou a criação do festejo: o episódio de
racismo ocorrido na Internet brasileira em meados daquele ano e que ficou
conhecido na média nacional como "caso rancora".
Muitos dizem se tratar do primeiro de racismo em âmbito virtual brasileiro.
Deu-se na cidade de Juiz de Fora (Minas Gerais).
Para divulgarem mensagens preconceituosas contra negros numa lista de
discussão da Unicampo, utilizaram-se de computador instalado na Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais.
O episódio por vários dias ocupou as principais manchetes dos periódicos
brasileiros.
Nas vinte mensagens de cunho racista enviadas, um estudante da UFJF,
utilizando-se de suposto anonimato, pregou o racismo e ainda ensinou técnicas
violentas para o extermínio de negros e homossexuais, bem como os instrumentos
a serem utilizados na execução do ato violento e para tortura, sendo que o absurdo
não parou por aí, até mesmo indicações de quais álibis deveriam ser utilizados para
desorganizar investigações foram apresentados nas mensagens.
Dona Isaurinha disse na praça, encontrando-se com amigos comuns, que ao
assistir à matéria no telejornal chorou compulsivamente. E que teve uma ideia pra
que tais atitudes não sejam jamais esquecidas. Ela nos disse:
- Minha tristeza foi muito amarga. Mas, não vamos ficar quietos, não! Fiz uma
pesquisa e sei que muitos grupos de combate ao racismo no Brasil comemoram o
Dia da Consciência Negra no dia vinte de novembro, que foi a data da morte de
Zumbi dos Palmares, pronto! A partir deste ano vamos ter aqui no bairro a "Festa da
Consciência Negra". Como vai ser numa quinta-feira, faremos a festa no dia vinte e
dois de novembro, num sábado."
- "Festa do negro! Que isso, Dona Isaurinha. Que coisa doida é essa!?" A
polêmica logo se instalou com o Onofre, farmacêutico.
- "Não é festa do negro. É "Festa da Consciência Negra". A ideia é que seja um
dia para refletirmos sobre como os negros vivem em nosso país." Disse Dona
Isaurinha.
- "Você é festeira mesmo, disso todo mundo sabe. O povo vai estranhar essa
comemoração." Seu Argemiro continuou.
- "Não sei qual seria o motivo. Será um dia de cultura negra brasileira. Tudo o
que você já conhece, Seu Argemiro: samba, bambelô, acarajé, cuscuz."
- "Bambelô? Ora, que diabo é isso? Nunca ouvi falar!" Disse espantada a Dona
Otília.
- "É uma dança nossa lá do Norte, menina." Você vai adorar quando estiverem
dançando, vai ver só!" Respondeu Dona Isaurinha.
- "Tá certo! Sabemos como você é Isaurinha! Colocou isso na cabeça é não
tem jeito: a festa vai acontecer." Afirmou Seu Onofre, arrematando a conversa.
- "Isso é muito importante, vocês nem imaginam! Na minha pesquisa descobri
que existem muitos sites que divulgam ódio e racismo. A justiça tira do ar alguns e
em seguida muitos outros são criados. Nossa Festa da Consciência Negra é só um
pouquinho do que a gente pode fazer." Completou Dona Isaurinha de forma
emocionada.
E assim, aqui no Itanhangá, no ano de 1997, surgiu a "Festa da Consciência
Negra".
A festa fazia parte do calendário de festejos do Itanhangá. E era bastante
concorrida. Depois, por diversos motivos, não houve mais o festejo.
No Brasil atualmente, divulgar racismo pela internet é crime. Alguns sites
insistem em fazê-lo e são retirados do ar. Só que reaparecem, multiplicando-se em
outros servidores e domínios, até estrangeiros, evidenciando que há uma rede por
trás dessas mensagens de cunho racista. Sejamos conscientes!

Antero Catan

* A crônica "A festa da consciência negra" é uma crônica fictícia, sem qualquer
correlação com fatos ocorridos.
U m p i c o l é c o m Zu m b i

Quinta da Boa Vista, 1950

Em 15 de Novembro comemoramos a Proclamação da República, estamos em


2018 e lá se vão 129 anos do Golpe Político Militar executado pelo Exército
Brasileiro com Sucesso na Época. Bem verdade que uns outros caras estavam muito
putos com a abolição da escravatura no ano anterior ( 13 de maio de 1988 ) , pois
esses donos de escravos não receberam da então Monarquia constitucional
Parlamentarista ou seja do Imperador Chefe do estado Brasileiro nenhum centavo
sequer de indenização em função das perdas com as “mercadorias”; olha a
motivação para o apoio a mudança :
“ perdi meus escravos e não ganhei um tostão”...
Sabe; na verdade dentro dessa História descrita acima lembrei do meu Avô ,
o Velho Laurindo Soares dos Santos. Um Homem nascido já na então República
Presidencialista constituída. Filho da ancestralidade africana nascido na Cidade de
Milagres bem no Sul do Ceará a sessenta quilômetros de Juazeiro do Norte. Meu Vô
um cabra forte e destemido resolveu mudar de Estado; chegou no Rio de Janeiro ali
pela década de 20 e logo se chamegou por Maria Rosa uma Cearense Linda que já
estava na Cidade Maravilhosa; desse chamego nasceram cinco meninas: Maria,
Iracema, Dalva, Deolinda e Regina.
Sou o Filho mais velho da Dalva e o segundo neto mais velho de Laurindo;
com meu Avô vivi momentos de extrema Felicidade principalmente quando juntos
seguíamos para Niterói, sim Vovô escalava um Neto e levava para passear o dia
inteiro, saíamos de Marechal Hermes logo cedo; direto para a Estação das Barcas na
Praça XV, quão imensa era nossa alegria ao embarcar e seguir pelas águas da
Guanabara. Vovô me falava sobre tudo, cada detalhe da nossa excursão nas terras
de Araribóia era desbravado; veja só, com lágrimas nos olhos lembro agora do meu
Grande Herói, meu Zumbi dos Palmares que estava ali chupando um picolé comigo;
eu nem sabia mas ele já era meu amigo de Aruanda; de Angola e de Luanda, a
inspiração dos bambas Feital e Altay ( 300 anos ) que me levaram a essa prosa
meio tira gosto enquanto estava ouvindo o Samba “trezentos anos” cantado no
DVD do grupo Bom Gosto.

Rodolfo Caruso
Temposição das Almas Íncubas - 2º pentakapitel

II. Tatos

Acordei num pequenespaço. Eu entre pessoas presas em correntes. Muitas


pessoas. Eu espremido entrelas: sendumdeles.
Pouquíssima luz. Quase cegados só rápidos lampejos de um quasesol
quebrando a rotina de negrumentão. Quase não vi, mas vi, uma espécie de
vigiolhando, carregando um chicote e vezoutra desferindo alguém: ouviam-se os
gritos de ais. Todos nosotros cegados praticamente e sem conseguirmos ficar numa
posição digna de gente, espremidentros, espremipresos, como animais sendo
torturados em gaiolas.
Meu corpo sentia cansadores em seutodo. Quase que a alma sentia junto em
tal agonia.
Os ferrolhos apertandoemlaços, as correntes no pescoço quase sufocando-
nos, quase-mortos. Pésemãos atados nos enferrujados apetrechos escravizantes.
Vermelhomarcados pelo sangue que escorria em rios. Os aiuis se ouvindo por
todespaço.
As mãos alcançavam tão-só um pedaço de madeira que se colocava à nossa
frente. Segurando-o entra-se no ritmo em movimentos de elipses disformes quase
semi-retas. No espaço pouco meu corpemtranse provava o balouçar da nave.
Os corpos tocando-se em intervalos regulares de balouçamentos. Ombros
unidos pelo pouco espaço, como dito.
Entre os homens escravizados eu, Hombre Tonto, era um deles agora dentro
de um tumbeiro. Um porta-escravos. Um navio preteiro. Em minha busca escudeira
pelas Almas Íncubas acabeivindoparar num navio cantado por Castro Alves. Meu
Navio Negreiro.
Sabia que era um tumbeiro. Minhas células mnemônicas o sabiam. Cada
centímetro táctil o sabia. Cada uma das bilhões delacélulas respondia ao toques-
entre-ombros, ao calor intensomuito dentro do porãoprisão, ao arranjo composto
táctilsentido.
Eis que derrepente a mão de alguém, num grandesforço despendido veio
tocar-me o ombro esquerdo.
Ela batia em meu ombro. Batia váriasemuitas vezes. Batia quase fazendo
barulho. Não o fazia. Era o cuidado de não ser ouvido por quem nos vigiava. Apesar
de tanto sofrimento que nos abatia, não demorei a perceber que se tratava de uma
tentavia de comunicação.
Para compreender o que meu companheiro ao lado queria me dizer tinha que
primeiro entender o signo de seus toques, o signesignificado da novelinguagem.
Eram toques com um, outros com dois e também com três dedos.
Os toques com um e dois dedos eram mais frequentes e o de três dedos
vinham apósumtempo, intervalando irregularmente.
Tinha que confiar no meu tato. E os movimentos eram conhecidos... bastante
conhecidos...
Comunicação táctilbinária. Isso era uma comunicação em zeros e uns, pontos
e traços... talvez fosse... sim: uma espécie de código morse.
Concentrei-me e pude entender o signosignificando-se: o toque de um dedo
seria um ponto, o toque de dois dedos era um traço e o toque de três dedos era a
pausa, a marca de mudança de palavra.
Depois de algum tempo pude entender o que ele queria dizer:

.- ... / .- .-.. -- .- ... / .. -. -.-. ..- -... .- ... / --.- ..- . .-. . -- / -.-. .- -. - .- .-. /
. .-.. .- ... / - . -. - .- -- / ... .- .. .-. / -.. . / --- -. -.. . / . ... - .- --- /
-. .- --- / -.-. --- -. ... . --. ..- . -- /
-. .- --- / ... .- -... . -- / --- / -- --- - .. ...- --- /
. .-.. .- ... / -. .- --- / -.. . ...- . -- / ... . .-. / .- - --- -- .. --.. .- -.. .- ... /
... .- -... . -- / -.. .. ... ... --- /
- . -. - .- .-. .- -- / ..-. ..- --. .. .-. /
-. .- --- / -.-. --- -. ... . --. ..- .. .-. .- -- /
..-. --- .-. -.-. .- ... / .- .. -. -.. .- ... / -.. . ... -.-. --- -. .... . -.-. .. -.. .- ... /
.- ... / .- .--. .-. .. ... .. --- -. .- .-. .- -- /
. .-.. .- ... / .--. .-. . -.-. .. ... .- -- /
-.. . / - --- -.. .- / .- .--- ..- -.. .-

"AS ALMAS INCUBAS QUEREM CANTAR


ELAS TENTAM SAIR DE ONDE ESTAO
NAO CONSEGUEM
NAO SABEM O MOTIVO
ELAS NAO DEVEM SER ATOMIZADAS
SABEM DISSO
TENTARAM FUGIR
NAO CONSEGUIRAM
FORCAS AINDAS DESCONHECIDAS
AS APRISIONARAM
ELAS PRECISAM
DE TODA AJUDA"
Ele me disse ainda que era um Macua.
Bantos que habitaram Moçambique e que eram conhecidos como "aqueles
que guardam segredos".
Dizem os Macua que eles foram criados por Muluku às margens do rio
Zambeze, lá nas montanhas Namuli.
Dizem ainda que são feitos de raízes do Baobá (a árvore dos milanos).
Foram responsáveis por diversas revoltas e tomaram muitos tumbeiros.
Depois disso perguntei-lhe:

-.-. --- -- --- / ... .- .. .-. / -.. .- --.- ..- ..

"COMO SAIR DAQUI"

Ao que ele me disse:

... --- -- . -. - . / .--. . .-.. .- / -.. --- .-.

"SOMENTE PELA DOR"

Entendi o que ele queria dizer e comecei a gritar. Gritava sem parar até que o
vigiolhando veio até mim e começou a desferir em minhas costas as chicotadas e
eu gritava e gritava, gritava muito para que ele me desferisse os golpes. Ele não
sabia minha intenção.
Aquela injustiça e os gritos fizeram com que os outros presos encontrassem
forças de onde nem imaginavam. Rapidamente eles começaram a se soltar e os que
conseguiam ajudavam os outros. Derrepente o chicoteador caiu com um golpe em
minha cabeça. Nós seguimos, gritando e lutando com todos aqueles que nos
prendiam naquele navio. Demoramos algumas horas, perdemos muitos homens,
tomamos o tumbeiro exatamente quando passávamos próximos a uma ilha. Para lá
guiamos nosso barco.
Chegamos á ilha e pelos três montes pontiagudos como pães-de-açúcar e
tamanhos tipo numa escada de alturas soube onde estávamos. Ilha dos Mistérios de
Mundãozãoespírito.

Pazuzu Silva
A C o n s c i ê n c i a Ne g r a n a M a t e m á t i c a

Os editores da Revista Sarau Subúrbio propuseram para o mês de novembro o


tema da Consciência Negra. Como a nossa coluna é de Matemática Suburbana,
Matemática das Periferias pensei em falarmos sobre uma questão que envolve
Matemática, História e Política.
Na parte da Matemática um pouco sobre como a ciência matemática surgiu
na África.
Em História vamos falar de uns ossos, o de Lebombo e o de Ishango e um
pouco sobre Papiros Matemáticos Egípcios.
A parte da Política é a importância de se ter consciência, no caso em tela a
Consciência Negra, pra sempre ficarmos alertas diante dos conhecimentos
originados na África e que foram lhe foram usurpados numa tentativa geo-política
de diminuir a importância do continente africano na produção do conhecimento
humano.
Então, vamos lá!
A África é o berço de muitos saberes que muitas das vezes não lhe são
imputados e um deles é a Matemática.
Sim, tenha consciência que quando você ouvir de alguém sobre a África você
deve dizer: "Aquele continente onde o conhecimento matemático se iniciou! Sei do
lugar que você está falando!"
Muitas foram as apropriações feitas neste campo científico também. Vamos
falar sobre alguns deles neste nosso encontro.

A MATEMÁTICA SURGIU NA GRÉCIA ANTIGA? NÃO! A MATEMÁTICA SURGIU NA


ÁFRICA

São diversos os objetos arqueológicos que comprovam o surgimento de uma


Matemática bastante sofisticada na África Antiga.
Dentre os mais importantes temos dois ossos, que inclusive já foram citados
numa crônica anterior. São eles: O Osso de Lebombo e o Osso de Ishango. Na
edição de setembro de 2018 da Revista Sarau Subúrbio nós falamos um pouco
sobre esses ossos, mas o assunto é tão vasto, interessante e importante que vamos
falar ainda algumas outras vezes sobre esses ossos.
O primeiro, o de Lebombo, foi encontrado nos Montes Lebombos, entre a
África do Sul e a Suazilândia.
Trata-se de um osso com a idade aproximada de 37.000 anos de forma quase
cilíndrica que era utilizado, segundo estudos feitos até o momento, como
instrumento matemático.
O Osso de Ishango foi encontrado no Congo. Tem aproximadamente 22.000
anos de idade.
Entretanto, com um olhar mais apurado perceberam os cientistas que não era
tão simples assim e os ossos passaram a ser estudado com maiores detalhes,
revelando a sofisticação dos cálculos em torno de si. Não era somente contagem.
Os ossos apresentam calendário lunar, bases numéricas mistas (nós nos utilizamos
de uma base numérica só, que é a decimal, e já achamos complicada a Matemática,
imagina fazer cálculos em mais de uma base numérica, pois é os antigos africanos
faziam).
Abaixo, matando nossa curiosidade, as imagens dos Ossos de Lebombo e de
Ishango:

Osso de Ishango Osso de Lebombo

Na presente edição a questão dos ossos é para que tenhamos sempre a


consciência de que os negros contribuíram decisivamente para a produção e o
crescimento de muitos saberes humanos. Saberes científicos importantes
aconteceram na África, entretanto muitos deles foram usurpados, mascarados e até
mesmo destruídos para que não passassem para a História como produto de
conhecimento dos negros, dos africanos.

PAPIROS DE RHIND E DE MOSCOU? NÃO! PAPIROS MATEMÁTICOS DO ANTIGO


EGITO
Quando se fala em Matemática na África sempre vêm à tona as Pirâmides do
Egito. Para os estudiosos também aparecem à mente dois papiros extremamente
importantes para o estudo da História da Matemática.
Os papiros em questão deveriam ser chamados de Papiros do Egito, Papiros
Matemáticos do Egito, Papiro dos Escribas Matemáticos do Egito ou algo parecido.
Afinal de conta são papiros escritos por matemáticos egípcios. Eles são conhecidos
como Papiros de Rhind e de Moscou.
No Papiro de Rhind (que deveria se chamar Papiro de Ahmes, o escriba que o
copiou) temos diversos problemas e suas resoluções. Observe a figura abaixo:

Alguns problemas e suas resolução também fazem parte do mal chamado


Papiro de Moscou. Veja aqui embaixo:
O leitor deve ter consciência que apenas introduzimos o assunto. A
Matemática no Continente Africano é muitíssimo vasta e tem sido encontrado
saberes matemáticos que estão sendo estudados pelos centros de pesquisa em
Matemática no mundo inteiro atualmente.
Com certeza falaremos mais sobre o legado que a África tem deixado para a
Humanidade em relação à Matemática.
Parto deixando-lhes uma fala do meu amigo Marcelo Bizar, que ele me disse
num barzinho lá em Ricardo de Albuquerque, subúrbio do Rio de Janeiro enquanto
bebíamos umas cervejas: "A consciência é o começo de postulações por mudanças
e estas transformarão nossa realidade."

Harold Costa - Amante da Matemática


J a ma i s c a l a r

Mesmo cansada a voz


Jamais vai se calar
correntes rebentaram pelo mar
dos ecos que à América se ouviu
chicotes nos sangraram ao falar
das dores deste nosso estoril... virou Brasil!

Printaram sua voz


em pleno mês de abril
em sesmarias de Marias e Oz
os gritos revelaram os thumbscrew
em máscaras de flandres, rococóis
Xangô fez samba-blues em Illinóis... ora pois, pós!

Reluzem girassóis
jongos aos arrebóis
A diáspora negra conduziu
A Riqueza das Nações e O Capital
E das Gerais: El Dorado ou Playmobil
Gritou o poeta: geléia geral... o cultural!

Da Etiópia o sal
Vinho tão natural
Com ouro negro e cabras de Kaldi
Serviço da Guiné em recital
Cornetas gulturais, nosso halali
viver, vencer é o nosso cabedal

Marcelo Bizar
Remédios amargos e nada de cura

Governos sempre tomam decisões impopulares, isso é verdade e todos


constatariam facilmente o que estou dzendo.
É um mal de todos os governos, sem exceção.
Como não poderia ser diferente o Governo Brasileiro toma também decisões
bem impopulares.
Eles gostam de se justificar dizendo uma frase célebre: "às vezes a cura
depende de remédios amargos", não encontrei o autor da frase mas ela bem que
poderia ser de um médico falando de fato sobre o tratamento de doenças. A
questão é que muitos gostam de usar esta frase metaforicamente, para os mais
diversos intentos.
Não gosto dessa frase.
O que não gosto nela é o seguinte: ela não diz qual a doença e nem a quem o
remédio será administrado, que metaforicamente poderíamos interpretar como
sendo o motivo e a finalidade (quem ministra e quem toma o remédio). Quem é o
médico e quem é o paciente (me deu uma vontade imensa de escrever: "Quem é o
médico e quem é o monstro!", mas me furto a dizê-lo).
O mês da Consciência Negra é um dia para pensarmos sobre essa frase, com
certeza.
Basta pensar quem é que no Brasil ministra os remédios amargos e quem os
toma, com o triste detalhe: sempre de barriga vazia. E não é bom tomar remédio
amargo de estômago limpo.
A conjectura me fez lembrar de um encontro. Passo a narrá-lo.
Num digno pé-sujo do subúrbio carioca, no bairro do Méier, plena Dias da Cruz
(não sei nem se hoje em dia ainda existem pé-sujos por lá) peço um pedaço de
torresmo pra tirar gosto com meu maracujá e um sujeito ao lado diz:
- Acho besteira do Governo esse negócio de cotas para estudantes negros. O
vestibular é para todos. É tão simples: passou na prova, entrou na faculdade.
Olho pro senhor que acabava de falar. Ele é preto, assim como eu sou, mesmo
tendo em nossas certidões a palavra "pardo". E entro na conversa:
- Oi, amigo, estava aqui pensando no que o senhor disse. Concordo que quem
faz a prova e passa merece fazer faculdade, mas a cota não seria para tentar tornar
iguais os desiguais. Em outras palavras, o senhor acha que têm as mesmas chances
de passar no vestibular quem estudou a vida inteira em colégios particulares e fez
cursinho preparatório e o estudante que estudou a vida inteirinha em colégios
públicos e não vai fazer cursinho porque não tem dinheiro?
- Amigo, concordo com quem estudou a vida inteira em colégio público, mas
não pela cor da pele.
- Mas essa questão é só a primeira questão levantada para termos as cotas,
existem outras mais, muitas outras questões. As cotas fazem parte de política de
reparação. Se terão cotas para pretos é porque algo deve ser reparado, algo lhes foi
tomado e agora as cotas tentam minimizar as perdas passadas.
- Discurso muito bonito, mas não entendi nada. E continuo sendo contra, falei!

Dito isso, o senhor olhou pro lado onde estava o homem que parecia ser o
dono do bar e riram muito. Continuei depos que sorvi o último trago do conhaque
que agora bebia:
- Simples, amigos: os escravos negros trabalharam muito e construíram a
riqueza brasileira. Quando a escravidão foi abolida eles foram lançados à própria
sorte. Analfabetos, miseráveis, sem profissão a não ser servir de escravo. Vocês
acreditam que os donos de escravo da época queriam uma indenização. Quem
trabalhou de forma forçada e desumana foram os escravos e a elite escravocrata da
época queria ser indenizada. Quem deveria ter sido indenizado e não foi? Imaginam
quem seja?
Como diz a frase: "Pra curar precisamos às vezes de um remédio amargo!",
pensei comigo mesmo qual seria o sentido de tal frase no contexto pré-
abolicionista.
Lembrei também que não vivo sem cinema, uma constatação. Essa frase nos
leva longe.
Na verdade eu não vivo é sem filmes. Atualmente até mesmo no celular eu os
assisto. Mas, deixando bem claro, cinema é anos-luz de distância melhor do que
qualquer outro meio por onde podemos ver filmes.
Uma constatação é que existem poucos filmes que tratam da temática da
escravidão moderna. Menos ainda filmes que tratam da escravidão de africanos
trazidos à colônia portuguesa Brasil.
Alguns filmes homenageiam, glorificam a figura histórica da Princesa Isabel
ou glorificam os abolicionistas. Uns poucos falaram sobre personagens negros
escravizados importante. A maioria dos filmes tratam de Zumbi dos Palmares ou do
Quilombo dos Palmares. E sobre a escravidão em si, a questão ideológica da
escravidão moderna, a questão mercadológica e de formação do chamado Mundo
Moderno? São quantos? Muito poucos.
Uma das coisas que mais me incomodam em relação à escravidão no Brasil é
o fato de o país ter sido o último a aboli-la por completo.
Precisamos urgentemente de mais filmes, mais livros, mais análises sobre
questão, sobre o assunto. E acredito que também de mis pesquisas históricas.
Não sou historiador, longe disso, entretanto acredito que para uma correta
análise histórica da documentação de um período historiografado algumas
perguntas importantes precisam ser respondidas, dentre elas: "qual a motivação do
que ocorreu pra ocorrer tal fato?" e também "qual a finalidade de do que ocorreu?".
Acho essas perguntas importantes porque tive bons professores de História
na escola e um deles sempre procurava a justificativa do fato histórico (que quase
sempre revelava o motivo e a finalidade do fato ocorrido).
Meu professor de História sempre dizia: "Se vocês querem conhecer História e
de quebra entrar pra uma boa faculdade devem procurar a análise crítica dos fatos
históricos. Esse negócio de ficar decorando data e nome de figurões foi lá no
primário e até em alguns ginásios, infelizmente, mas segundo grau não tem mais
isso não. Vocês precisam pensar! Pensar!".
E o Dia da Consciência Negra existe pra isso: pra pensarmos sobre a questão
racial brasileira, sua gênese, sua história, seu tempo, sua herança.

J o n a s H é b ri o
Negro samba, vende peixe e se revolta

O som do tambor me ensinou


que sofrer é uma questão de opção.
Já desde menino que eu ouço sorrindo
o toque da libertação.

E o navio que me fez prisioneiro,


depois me fez guerreiro,
o mestre sala dos mares,
o retinto insurgente que fez
a nossa gente sorrir de alegria.

Com minha roupa branca,


e meu bonezinho,
Eu cantei, rodei, girei,
saracoteei.

Meu nome é João,


sou um pobre mestiço,
que nunca desiste de sua missão.

Vou no fundo dos mares


buscar meu ganha-pão,
É no mercado ali perto do Paço,
que eu vendo meu peixe
pregando um refrão:

“Negro sim-senhor,
encontre o seu valor,
só compra meu peixe
com toda razão, aquele negro tinhoso,
o tal da insubmissão”

Marco Trindade
Coveiro do Irajá

Seu Zé era coveiro no cemitério de Irajá. Dia de finados, nos deixava arrumar
um troco, limpando os túmulos. Hoje, depois de tantos anos, o reencontro no bar ao
lado do cemitério.
O semblante cansado, introspectivo. Sempre foi assim: quase não sorria.
Parecia que era por respeito aos que enterrava todos os dias.
Conversa vai, conversa vem, Seu Zé, já com quase 80 anos diz que está
aposentado. E não tem saudade de quando trabalhava. Também, quem teria
saudade de uma profissão igual àquela?
Seu Zé veio do Piauí, chegou ao Rio no começo dos anos cinquenta, para casa
de uns parentes em Caixas. De onde vinha, já não se tinha nada. A seca daquele
ano levou o pouquinho que lhe restava. O mais velho dos nove filhos de Dona Cida,
Zé tentaria a sorte aqui no sudeste, para depois trazer a Mãe e os irmãos. O pai
falecera de tuberculose, há a quase um ano.
Chegando em Caxias, não encontrou os tais parentes. A informação é que
foram morar num conjunto residencial recém-inaugurado, conjunto dos marítimos,
próximo a Freguesia de Irajá. Zé partiu para lá a pé, diziam não ser muito longe.
Deram-lhe a indicação da igreja de Nossa Sra da Apresentação. Depois de algumas
horas, chegou ao largo onde tinha a igreja e ponto do bonde. Decidiu antes de
procurar Jeremias e Dolores, rezar um pouco. Pediu a Nossa Senhora que arrumasse
um emprego digno naquela terra, para que pudesse trazer a família. Depois foi ao
ponto, onde tinha uma vendinha, e perguntou sobre os parentes. Ninguém
conhecia.
Seguiu como indicado para as casas do conjunto residencial. Tinha uma
praça. Em torno dela as casas, que desciam arrumadas em quadras até uma última
curva de rua que dava num mato.
Já anoitecendo, Zé voltou à igreja, qualquer coisa dormiria por lá, pensou. O
padre perguntou se precisava de algo. Zé contou sua história, e o padre
sensibilizado ofereceu pousada numa das casas ao lado da igreja, próximo a
sacristia. “Ao lado do cemitério?”! Preocupado Zé pensou em desistir, com medo
dos mortos. Logo depois viu que não era com os mortos que teria que se preocupar.
Na segunda noite, depois de ter andado pra tudo que é lado tentando descobrir o
logradouro dos parentes de sua mãe e morrendo de fome e sono, Zé deitou-se na
cama do seu quartinho e desmaiou. Já alta madrugada, sente alguém mexer em
sua calça e em seu peito. Levanta assustado. Era o Padre. Incrédulo e abestado o
empurra, e grita: “Virgi Maria que não quero isso não.” Deus lhe perdoaria, diz o
Padre, mas Zé sai aos tropeços vestindo a calça e a blusa por dentro da noite.
E logo no cemitério foi que encontrou a tranquilidade para dormir, piada do
destino.
Pela manhã quando foi marcar mais duas sepulturas, o coveiro deu de cara
com Zé dormindo numa delas. “Mas que povo é esse que usa até sepultura pra
dormir?!” Zé levantou assustado, acreditando ser o coveiro uma assombração que
sabia de tudo e tinha vindo para levá-lo para o inferno. O coveiro, um homem velho,
desconfiou se não teria de novo o padre se feito de lobo. Suspirou como os sábios
quando não têm o que dizer. Apiedou-se do jovem e ensinou-lhe o ofício de coveiro.
“Não era lá o que eu tinha vindo procurar, mas se é o que se apresenta,
aceito, pensa Zé com seus botões, dois apenas.
Terei casa e comida, e ainda vou ganhar uns trocados no final do mês. Só
tenho que tomar conta dos mortos, e morto não dá trabalho”, pensa Zé.
Com a partida do Seu Ari, que ele mesmo enterrou. Assumiu o cargo. Com o
passar dos anos aprendeu a gostar do que fazia. Aprendeu a ler e escrever na
Escola Noturna dos padres ao lado do cemitério. Enviava cartas para os irmãos e
mãe, certo de que alguém leria pra eles. Não escreveu o que fazia, mas que estava
bem. Trabalhando, estudando as letras e os números, e já namorando. Sim, Zé
conheceu sua amada Elza, com quem viveu toda a vida. A enterrou quando
completavam 30 anos de casados. “Morreu dormindo, tinha uma alma tão boa que
Deus não lhe deu sofrimento na partida”, declarou seu Zé. Tiveram um filho, que já
estava formado e só lhe dava alegria.
Olhando o rosto sofrido de Seu Zé, perguntei sobre o filho. Disse que estava
na Alemanha com um bolsa de estudo de engenharia. Continuou falando como se
quisesse dar voz aos mortos: Minha vida foi aqui, enterrando homem, mulher,
jovem, criança, só tinha que fazer o buraco e cimentar, as dores eram por conta das
famílias, na sepultura eu só colocava o corpo. Me convencia disso, para que
pudesse exercer minha função corretamente. E quando às vezes a noite de lua
cheia trazia casais para namorar por aqui, via que era isso a vida, os mortos
acalentavam o amor fortuito de jovens corações apaixonados.
“Dona Neuza, sua mãe, quando a enterrei foi com pesar. Não por ela, mas
por vocês que iriam ficar sem mãe tão novos, me confidenciou numa voz amiga.
Cada um tem sua hora e eu tenho o numero certo da cova onde o corpo vai
ficar, porque o espírito foi para longe revoar em outros caminhos. Eu dizia para meu
filho, paciência na vida, que o certo lá na frente, só a morte.
nos convidava pra festas. Um coveiro na festa de batizado? De quinze anos?
Diziam que dava azar. Mas eu suportava. Meu filho tinha vergonha de mim, do meu
oficio, mas era o que nos garantia o sustento, e ainda de quando em vez gorjetas
de familiares, para que eu desse um carinho especial aquele morto.
Na minha função enterrei pessoas famosas. O último foi o nosso campeão da
Copa de 70 Carlos Alberto Torres, fiz uma linda sepultura. Antes, há anos foi Jorge
Lafond. Até me entrevistaram. Nos últimos tempos só o Pai do Zeca, seu Jessé, nos
trouxe visibilidade. Foi muita cervejada das boas, até eu bebi.
Lembro de uma vez que Zeca trouxe uma grande sambista para o Bar do
Cemitério que era o único aberto na madrugada pelo subúrbio. Foi emocionante.”
Seu Zé se despediu. fiquei pensando: quantas histórias deve ter para contar
o seu Zé Coveiro? quantas coisas que ele já viu? Pensei em escrevê-las, mas não
deu tempo. Seu Zé morreu algumas semanas depois do nosso encontro e soube que
pediu para ser cremado.
Onde já se viu coveiro ser cremado?!
E foi feita a sua vontade.
Nina na Peleja.

Do r i n a G u i m a r ã e s
Ab a r á

Ingredientes: 1 kg de feijão fradinho em metades; 300 g de camarão seco


defumado 2 cebolas grandes; 1 pedaço de gengibre; Fios de azeite doce; 300 ml
de azeite de dendê -folhas de bananeira passada no fogo (para poder fazer a dobra)
-200 ml de água natural.

Modo de preparo:

Colocar o feijão fradinho de molho, ir trocando de água para soltar a pele e o


olhinho preto. Triturá-lo num processador. Triturar a grosso modo o camarão seco.
Descascar a cebola

Passar as folhas de bananeira no fogo para poder dobrá-las. Passar no liquidificador


a cebola juntamente com a água e o gengibre até obter uma massa homogênea
Colocar a massa do feijão fradinho numa panela juntar a cebola batida com o
gengibre, bater com as costas da colher de pau até a massa ficar aerada, ela
aumenta o tamanho; a massa fica numa textura de um mingau grosso (obs. quanto
mais a massa batida mais fica macio o abará).

Temperar com os azeites e sal se necessários. Cortar as aparas das folhas de


banana e cortá-las em pedaços de +- uns 15 cms de largura. Apanhar com uma
colher de sopa a massa e enrolar na folha de banana, de forma triangulada, colocar
para cozinhar num cuzcuzeiro no vapor por uns 40 minutos até adquirir a
consistência dura.

Malkia Usiku

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