Вы находитесь на странице: 1из 5

Crítica e ideologia em tempos de “pós-verdade” https://blogdaboitempo.com.br/2017/05/17/critica-e-ideologia-em-tempo...

Crítica e ideologia em tempos de “pós-


verdade”

Por Christian Ingo Lenz Dunker.


Alguns consideram que o discurso da pós-verdade corresponde a uma suspensão
completa da referência a fatos e verificações objetivas, substituídas por opiniões
tornadas verossímeis apenas à base de repetições, sem confirmação de fontes. Penso
que o fenômeno é mais complexo que isso. Afinal, ele envolve uma combinação
calculada de observações corretas, interpretações plausíveis e fontes confiáveis em
uma mistura que é, no conjunto, absolutamente falsa e interesseira. Não se trata,
portanto, de pedir ao interlocutor que acredite em premissas extraordinárias ou
contra intuitivas, mas sim de explorar preconceitos que o destinatário já cultiva e que,
gradualmente, nos levam a confirmar conclusões tendenciosas.

1 of 5 28/12/2018 20:21
Crítica e ideologia em tempos de “pós-verdade” https://blogdaboitempo.com.br/2017/05/17/critica-e-ideologia-em-tempo...

Um exemplo. Tendemos a achar que uma coisa é a ciência, com sua autoridade neutra
e imparcial, e outra coisa é o que nós fazemos com a ciência – leia-se, disputar
ideológica ou politicamente suas implicações ou traduzindo suas descobertas em
aplicações tecnológicas. Isso nos leva à concepção errônea de que a ciência compõe-se
de ideias claras e consensualmente estabelecidas e não de controvérsias e polêmicas
que se transformam com o tempo. Conclusão: se há polêmica e controvérsia de
opiniões é porque estamos no campo da ideologia e da metafísica. A ciência silencia, a
ideologia faz falar. Nada mais equivocado para qualquer um que possua alguma
noção de teoria do conhecimento ou epistemologia. (Disso não decorre, obviamente,
que lá onde há polêmica e incerteza lá esteja apenas ciência).

A pós-verdade transfere a autoridade da ciência ou do jornalismo sério para a


produção e opiniões criando certos efeitos. Vejamos como isso opera nos seguintes
encadeamentos de proposições que têm circulado bastante nos últimos tempos:

“Parece óbvio pela ciência econômica que se não fizermos uma reforma
previdenciária o Brasil quebra” (verdadeiro), “logo precisamos aceitar esta
reforma indecente proposta por Temer” (falso).
“Parece evidente, pela ciência da administração, que diminuição de custos gera
aumento de receita” (verdadeiro), “logo temos que aceitar a privatização, a
redução e investimentos e a austeridade como políticas públicas” (falso).

É comum associar a “pós-verdade” à força e ausência de controle trazidos pela


internet e pelas redes sociais. Podemos examinar um caso específico de como este
processo acontece tomando como exemplo um site chamado Universo Racionalista,
onde nem tudo o que é publicado é falso e desinformado. Há bons links e um banco
razoável de informações sobre essa área tão deficitária que é a divulgação científica.
Mas a exigência de cobrir uma área muito extensa com preceitos simples e
abrangentes esbarra na dificuldade de abordar o problema da ciência em toda a sua
complexidade. Aliás, nada mais tentador do que pular os dados técnicos, os detalhes e
incertezas de um problema real, e partir para uma boa opinião de conjunto – ainda
mais se ela for sancionada pela “razão universal” que limpa o terreno e nos dispensa
de considerar certos ângulos adicionais e excessivos na matéria. Assim vamos
comprando a ideia de que existem coisas científicas e coisas “opinativas” – ou,
digamos, “políticas”. Quem se interessar por tais coisas estará automaticamente
desfavorecido e desautorizado na discussão, de acordo com um diagnóstico, cada vez
mais difuso no Brasil, de que nós padecerímos de um excesso de ciências humanas,
fato que explicaria nosso pouco desenvolvimento nas ciências ditas verdadeiras.

Tomemos como exemplo a matéria de Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira, uma


entre tantas a denunciar que a psicanálise seria uma pseudociência. O texto começa
bem, salientando que devemos olhar para uma disciplina não apenas segundo seus
próprios critérios, mas também a partir das críticas que sobre ela recaem e evitar de
emitir juízos totalizantes a partir de pontos de vista pré-constituídos. Sim! A atitude
científica é antes de tudo crítica, cética e não adesiva. O problema é que é exatamente
este tipo de juízo que será emitido sobre a psicanálise. Em seguida, o texto afirma que
pseudociências costumam tomar críticas contra si como produto de conspirações,
inveja ou falta de crença. Sim, de novo! Mas disso não decorre, em absoluto, que:

“A teoria de Sigmund Freud é muito completa e até bela em muitos


aspectos, mas, infelizmente, muitos dos seus princípios não têm muito a
ver com a vida real. Freud usou métodos duvidosos para realizar seus
experimentos, mentiu sobre alguns, plagiou outros e jamais comprovou
muitas de suas ideias.”

2 of 5 28/12/2018 20:21
Crítica e ideologia em tempos de “pós-verdade” https://blogdaboitempo.com.br/2017/05/17/critica-e-ideologia-em-tempo...

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira, “Psicanálise, uma pseudociência


escondida à vista de todos”, Universo Racionalista, 8 de janeiro de 2015.

Isso não tornaria a psicanálise assemelhada com a homeopatia nem com a astrologia,
como o texto procura sugerir – e, ainda assim, o que isso importa ao argumento? As
generalizações que se seguem são cada vez piores. Encontramos afirmações do tipo:
“na Argentina admite-se que todos lapsos são reveladores” (por acaso, o povo
argentino sofreria de algum tipo de déficit cultural?); ou “na França a psicanálise é
ensinada como verdade inquestionável” (quer dizer então que todos os professores
franceses de psicanálise são ignóbeis dogmáticos?); ou “a Holanda consome poucos
ansiolíticos e lá a psicanálise inexiste” (que relação há entre os dois fatos?).

Depois vem uma nota histórica lembrando que Freud, enquanto neurologista,
estudou os efeitos analgésicos da cocaína (verdadeiro), o que o torna um vigarista
(falso). Aliás, seu colega de laboratório continuou a estudar os efeitos anestésicos
desta substância ganhando o prêmio Nobel em Oftalmologia por esse trabalho. Em
seguida, o autor retoma as críticas compiladas de dois livros: A batalha da memória,
no qual a psicanálise e atacada porque um grupo de psicoterapeutas inescrupulosos
(assumidamente não-psicanalistas) usa a teoria freudiana para criar “falsas
memórias” em seus pacientes gerando muitos infortúnios jurídicos e familiares, e O
livro negro da psicanálise, uma compilação de observações históricas interessantes,
algumas rigorosas outras não, de como os relatos de Freud não correspondiam
sempre ao que seus pacientes (cinquenta anos depois) lembravam sobre os fatos
(verdadeiro). Uma vez enunciado o veredito, o resto são corroborações. A diversidade
de teorias e de reformulações não apresentada como sinal de que ideias questionáveis
ou provisórias ficam para trás, como se espera de qualquer ciência, mas sim de que
haveria aí um truque maligno por parte dos psicanalistas (lembram-se de como os
críticos seriam sempre neutralizados como conspiradores?). Os problemas na lógica
argumentativa de Freud são mencionados a partir da sagaz crítica de Grünbaum, mas
o reconhecimento, por ele mesmo, trinta anos depois, que suas críticas estavam
equivocadas simplesmente não é mencionado. E o retrato do que um psicanalista faz
é simplesmente caricato:

Em uma cura, o analista freudiano adota essencialmente três tipos de


atividades:

1. Escutar o estado de atenção flutuante, ou seja, sem o esforço de


atenção;
2. Emitir regularmente “hummmm”, para assegurar o cliente de que
você está ouvindo e que tem interesse em continuar a associar
“livremente” temas freudianos e;
3. De vez em quando, fazer interpretações, às vezes compreensíveis, às
vezes enigmáticas.

Apesar de ridiculamente imprecisa e parcial, essa “síntese” se enquadra muito bem no


que aqueles que jamais leram um ou dois livros de psicanálise (o que, pelo texto, seria
suficiente para tornar alguém psicanalista) podem imaginar do que seria um
tratamento analítico.

Expressões como “pseudociência” ou “pseudointelectual” são recorrentes entre


autores que se consagram à pós-verdade, justamente porque, na medida em que
elas o guarnecem na posição de quem pratica a denúncia, isso parece os blindar da
crítica de estarem, eles próprios, fazendo “pseudoepistemologia” ou “pseudocrítica”.

3 of 5 28/12/2018 20:21
Crítica e ideologia em tempos de “pós-verdade” https://blogdaboitempo.com.br/2017/05/17/critica-e-ideologia-em-tempo...

Os argumentos de Freud são, ainda, comparados à defesa argumentativa dos


criminosos nazistas. Afirma-se que seus resultados são medidos “com a vara dos
testemunhos de cada caso definitivamente curado.” Freud, no entanto, era um crítico
da própria ideia de cura. O autor afirma que a psicanálise “culpa os pais”, o que não
passa de preconceito tolo, pois o tratamento psicanalítico começa justamente pela
implicação do sujeito. Afirma, ainda, que a psicanálise patologiza homossexuais, mas
omite-se que a medicina, o direito, a literatura e a filosofia o faziam, e que de fato
muitos psicanalistas fazem a crítica vigorosa desse erro e procuram as razões para
que ele não se repita. E arremata afirmando que a psicanálise seria muito pior do que
a terapia cognitiva-comportamental – algo que se “comprova” por meio de um
depoimento pessoal de um paciente, método de prova antes criticado pelo próprio
texto(!). Tudo isso é coroado com argumentos de Mario Bunge e Karl Popper, dos
eminentes teóricos da ciência, que de fato criticam a psicanálise com bons
argumentos. Mas tais argumentos foram também refutados pela inadequação com os
quais se aplicam à psicanálise, mas também pela pretensão genérica de definir a
ciência a partir de um tipo específico de conhecimento e de método decalcado direta
ou indiretamente da lógica formal (que exclui, por exemplo, quase todas as ciências
humanas).

A pós-verdade explora uma característica muito curiosa da internet que é sua relativa
flutuação de autoridade – o que, considerado por outro ângulo, é um de seus aspectos
mais democráticos. O autor desta aula de “pseudo-pseudociência” posiciona-se com
juízos amplos e assertivos, em uma avaliação de contornos morais evidentes (haja
vista o léxico utilizado: “farsantes”, “mentirosos”, “plagiários” etc.). Observando o
currículo Lattes, o cartão de vistas de qualquer pesquisador, vemos que seu autor,
aluno do curso de Filosofia na Universidade de Franca, realiza Iniciação Científica em
Microbiologia com enfoque em Astrobiologia. Surpreendentemente, ele não publicou
nenhum artigo sobre psicanálise nem psicologia. Pior, ele não publicou nenhum
artigo em nenhuma outra área científica ou fora dela. Ele simplesmente cortou e
colou opiniões da internet, aumentando sua reputação “crítica”, contando com a falta
de consequência, explorando a complacência geral do novo irracionalismo brasileiro.
Eis a definição de ideologia em tempos de pós-verdade. Não é apenas a infiltração de
ideias, interesses e doutrinações, mas a sua contra-apresentação como denúncia
científica e crítica.

Na ciência, há uma espécie de unidade de medida básica, chamada “artigo científico”.


Um artigo científico requer avaliação por pares. A revista na qual ele o artigo é
publicado é ranqueada e o fator de impacto de cada citação do artigo é calculado
formando uma espécie de sistema que guia os investimentos, a concessão de bolsas de
estudos e de classificação de programas de pós-graduação, definindo indiretamente a
política científica da área. Argumentar pela autoridade não é simpático nem delicado.
Alguém pode ter muitos títulos e muitos artigos científicos, livros e reconhecimento
social, e mesmo assim seus argumentos podem estar completamente errados. No jogo
da ciência, valem as razões e evidências não as imagens e posições. Mas,
aparentemente, a pós-verdade se aproveita deste fato (verdadeiro) para concluir que
qualquer um pode dizer qualquer coisa impunemente: “se colar colou” (falso).

***

***

Christian Ingo Lenz Dunker é psicanalista, professor Livre-Docente do Instituto


de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Analista Membro de Escola
(A.M.E.) do Fórum do Campo Lacaniano e fundador do Laboratório de Teoria Social,

4 of 5 28/12/2018 20:21
Crítica e ideologia em tempos de “pós-verdade” https://blogdaboitempo.com.br/2017/05/17/critica-e-ideologia-em-tempo...

Filosofia e Psicanálise da USP. Autor de Estrutura e Constituição da Clínica


Psicanalítica (AnnaBlume, 2011) vencedor do prêmio Jabuti de melhor livro em
Psicologia e Psicanálise em 2012 e um dos autores da coletânea Bala Perdida: a
violência policial no Brasil e os desafios para sua superação (Boitempo, 2015). Seu
livro mais recente é Mal-estar, sofrimento e sintoma: a psicopatologia do Brasil
entre muros (Boitempo, 2015), também vencedor do prêmio Jabuti na categoria de
Psicologia e Psicanálise. Desde 2008 coordena, junto com Vladimir Safatle e Nelson
da Silva Junior, o projeto de pesquisa Patologias do Social: crítica da razão
diagnóstica em psicanálise. Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente, às
quartas.

5 of 5 28/12/2018 20:21

Вам также может понравиться