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de alguns enunciados
Fabio Elias Verdiani Tfouni
INTRODUÇÃO
O presente trabalho dá continuidade à nossa pesquisa sobre o interdito e o si-
lêncio (TFOUNI, 2006, 2008). Nos trabalhos anteriores abordamos o interdito
como fundador do discurso e propusemos que ele possui uma ligação forte com
o silêncio tal como tratado por Orlandi (1995). Retomamos a tese (ORLANDI,
1995) de que o silêncio possui estatuto de fundador e de constitutivo e propomos
que ambos, o interdito e o silêncio, são fundadores e constitutivos do discurso
e da linguagem. Além disso, um dos objetivos centrais era verificar quais são
as condições para a existência da linguagem. Por isso, esses trabalhos podem
ser vistos como uma investigação sobre a origem da linguagem, não em uma
perspectiva histórica, mas sim lógica. Só se pode tratar a origem da linguagem
através da lógica. Assim, perguntamos: “por que existe linguagem ao invés de
nada?”.
O interdito é fundador e constitutivo do discurso porque se fosse possível
dizer tudo, não diríamos nada: se existisse uma enunciação ou um enunciado
completo que dissesse tudo o que há para dizer, após essa enunciação não have-
ria mais nada a dizer. Assim, a existência de uma enunciação completa seria a
morte da linguagem. Portanto, para que o campo do dizível permaneça aberto
é preciso que não se diga tudo e que a linguagem seja carregada também de um
não dizer, de um interdito ao dizer, do equívoco, da falta. Assim, o interdito é
um impedimento estrutural e estruturante ao dizer completo, impedindo que
se diga tudo, e, por isso mesmo, permitindo que se diga algo. O dizer é sempre
faltante, é sempre meio-dito, dito no meio, dito pela metade: inter-dito.
Vale dizer que os três conceitos — interdito, silêncio e não-dito — não são
a mesma coisa, embora estejam sempre juntos. O interdito seria como um ope-
rador que incide sobre o silêncio real, sobre a plenitude de sentidos do silêncio
permitindo que parte dessa matéria significante se transforme em linguagem
com a condição de que uma porção desses sentidos permaneça sempre em si-
lêncio (cf. TFOUNI, 2008).
Ao abordar o silêncio como constitutivo do dizer, Orlandi (1995) afirma
que o silêncio é o espaço diferencial da linguagem, é o espaço que permite à
linguagem significar. Para nós, ele é este espaço, mas o que cria tanto o silêncio
quanto o discurso é uma interdição. Essa interdição é ela mesma uma operação
linguística: é a entrada da linguagem que cria tanto o discurso quanto o silêncio.
Conforme Orlandi, haveria uma flutuação entre silêncio e dizer. Para nós, é uma
interdição que funda essa flutuação.
Orlandi afirma que “A hipótese de que partimos é que o silêncio é a condi-
ção da produção de sentido. Assim, ele aparece como o espaço ‘diferencial’ da
significação: lugar que permite à linguagem significar” (ORLANDI, 1995, p.70).
Aqui, Orlandi já aponta algo fundamental para a tese do interdito: o fato de que
para que a linguagem diga algo, para que se instaurem sentidos linguisticamente,
é preciso considerar que a linguagem necessita de um lugar “outro”. Esse lugar
“outro” ou “diferente” é o silêncio, que, por sua vez, é indistinto. Para que a
linguagem signifique, ela precisa atualizar sentidos desse silêncio e, ao mesmo
tempo, recusar alguns sentidos. É assim que lemos a definição do silêncio como
espaço diferencial da linguagem. Portanto, a afirmação de Orlandi de que o silên-
cio seria o “lugar que permite à linguagem significar” aponta para a necessidade
estrutural de um excluído, para que a linguagem possa, enfim, significar. Isto
quer dizer que a existência do não dito e, portanto, de um impossível de dizer,
é estruturalmente necessária ao dizer, ao discurso e à enunciação.
Antes da enunciação, todos os dizeres são possíveis. O que é dito seria uma
“escolha” contingente do enunciatário. Segue-se que, uma vez dito X, esse X
passa de contingente para impossível, pois não é possível que o sujeito não
tenha dito X. O impossível é entendido aqui, ao mesmo tempo como aquilo
que não pode ser simbolizado e aquilo que não pode ser de outro modo; como
afirma Pêcheux: “‘há real’, isto é, pontos de impossível, determinando aquilo
que não pode não ser ‘assim’. (O real é o impossível... que seja de outro modo)”
(PÊCHEUX, 1990, p. 29).
Antes da enunciação, o campo dos sentidos abre-se como um real da signifi-
cação, posto que é exterior à linguagem, sendo, nestes termos, impossível. Após
a enunciação, o silêncio se configura como o que deixou de ser dito, mas que
poderia ter sido dito; em outras palavras, o silêncio também é contingente. Para
Milner, o impossível e o contingente constituem os dois lados do real. Tanto o
que é dito como o que é silenciado possuem um real, devendo ser modalizados
pelo impossível e pelo contingente. A respeito do lado do dito, podemos lembrar
Milner (1987), para quem o real da língua é o impossível. Essa dinâmica entre o
que é dito e o que é silenciado é tratada por nós por meio da metáfora do lance
de dados (TFOUNI, 2008) presente em Milner (1996), que não aparece aqui
por necessidade de concisão. Esta metáfora permite conceber o dito e o silêncio
através das quatro modalidades aléticas da lógica aristotélica.
Em Orlandi (1995), o silêncio é a possibilidade de flutuação dos sentidos.
Em nossa proposta, esta flutuação só seria possível a partir de um operador: a
interdição ou o interdito. Esta operação seria o corte do interdito, que impede o
dizer completo e que permite, por isso mesmo, a existência de algum dizer.
O objetivo do presente trabalho é continuar essa reflexão já feita sobre o
interdito e o silêncio em suas relações com as modalidades lógicas aléticas
aristotélicas, a saber, o possível e o impossível, o necessário e o contingente,
utilizando para isso o quadrado lógico aristotélico (quadrado das oposições),
sobrepondo a ele o quadrado das modalidades.
“À esquerda, a linha inferior, ∀x Φx, indica que é pela função fálica que o ho-
mem encontra seu limite na existência de um x pelo qual a função Φx é negada,
∃x ¬Φx2. Aí está o que chamamos função do pai — de onde procede pela negação
a proposição ¬Φx, o que funda o exercício do que supre, pela castração, a relação
sexual — no que esta não é de nenhum modo inscritível. O todo repousa, portanto, aqui,
na exceção colocada, como termo, sobre aquilo que, esse Φx, o nega integralmente.” (LACAN 1985,
p. 107, grifo nosso.)
1 Embora seja comum chamar esse quadrado de aristotélico, a rigor, ele não foi construído
negação usada aqui é da lógica e aparece fartamente na literatura, como em Carnielli &
Pizzi (2001).
Nessa citação fica clara a lógica lacaniana, pois ele afirma que “o todo repou-
sa [...] na exceção”. De modo análogo, fazemos a hipótese de que, no universo
discursivo, a existência de algo (um “pelo menos um”) fora do discursivo possa
ser o que permite conceber o universo discursivo. É assim que lemos o seguinte
trecho de Leite:
1. O quadrado lógico
Apresentamos a seguir (fig.1) o quadrado lógico (ou quadrado das oposições) e
as relações entre os cantos:
Contrariedade
A E
Universal afirmativa Universal negativa
“As proposições categóricas de forma típica que têm os mesmos termos sujeito e
predicado podem diferir mutuamente na qualidade ou na quantidade ou em ambas
as coisas. Os lógicos de outrora deram a essa espécie de diferença o nome técnico
de ‘oposição’ e certas relações importantes dos valores de verdade foram correla-
cionadas com várias espécies de oposição.” (COPI, 1978, p.146)
Necessário Impossível
Possível Contingente
(Figura 2)
∀xΦx ∀xΦx
fora do simbólico, é o pai real, dono de todas as mulheres. Com inveja do pai
primevo os filhos matam o pai e o consomem num repasto canibalesco. O re-
sultado desse processo é que o pai real agora se torna o pai simbólico, se torna
o grande Outro, de modo que esse pai real, essa exceção que não é submetida
à lei, torna-se o elemento que dá origem à lei. Então, o pai primevo como ele-
mento excluído, contingente e contraditório, como o um que não é submetido
à função fálica (∃x ¬Φx), é o pivô em torno do qual se funda a sexualidade
masculina como submetida à lei, de onde temos que o excluído é o fundador
e se constitui como estruturante do todo (∀x Φx). Mais ao final, veremos como
isso se relaciona com o dito, o não-dito e o interdito. O que acontece então, é
que o contingente antecede o possível. Leite comenta a anterioridade do excluído
sobre o possível na lógica da sexuação:
3 Por uma questão de concisão não esclarecemos ao leitor de maneira mais detalhada como
Lacan concebe essas fórmulas da sexuação. Como na citação de Lacan, usamos um operador
de negação diferente do de Leite. Ambos usam um traço sobre o fi (Φ). Vale explicitar ao
leitor que esse símbolo (Φ) na fórmula representa a função fálica.
Nome-do-Pai
Desejo da Mãe
. Significado
Desejo da Mãe
para o sujeito
Nome-do-Pai
( ) A
Falo
Necessário Impossível
xágono de Blanché, tal como apontado em Béziau (2003). Em trabalho posterior faremos o
tratamento deste hexágono.
∀x Dx ∃x Dx
∃x Dx ∃x Dx
(Figura 7)
3. Análise de enunciados
Como já dissemos, a entrada da linguagem no sujeito por meio da metáfora pater-
na, que tem o nome do pai como significante operador da castração, implica que
não se pode dizer o mais importante, o fundamental: com a entrada do sujeito
na linguagem, o sujeito não pode ter acesso ao significado de sua existência, no
sentido de que o desejo da mãe fica interditado. Há então a falta de um signifi-
cante que é, ao mesmo tempo, falta do sujeito e falta da linguagem, que deste
momento em diante será sempre falha, faltante, constituída pelo equívoco. Essa
falta se materializa na enunciação cotidiana, como aponta o trabalho de Authier-
Revuz (1994), que traz enunciados nos quais a autora indica a existência de um
impossível, de uma falta. Essa falta enquanto constitutiva e fundadora acaba
por motivar as estratégias do sujeito no processo de enunciação, estratégias que
visam a uma negociação do sujeito com esse impossível, seja para denunciá-lo,
para desviar-se dele, etc. Diz Authier-Revuz:
Poderíamos dizer, sobre este enunciado, que o sujeito tem uma necessidade
(necessário) de imaginar que o interlocutor é um sujeito completo, necessidade
constitutiva do sujeito que faz com que este sonhe com o enunciado completo
(no sentido de um enunciado que diga tudo) ou, que sonhe com uma língua
completa sem equívocos ou falhas.
Tomemos então alguns enunciados (a, b, c, d) presentes em Authier-Revuz
(1994):
b) “Este silêncio, digamos, grosso modo, sobre o Édipo como forma estruturante
do desejo do sujeito.” (Exemplo retirado de AUTHIER-REVUZ, 1994, p.257)
Neste exemplo notamos que o sujeito negocia com a falta sem corrigi-la, mas
não deixa de apontar que ali existe uma falta, presente sob a forma do dizer
“grosso modo”. Isto indica que o sujeito chega a aceitar um dizer imperfeito,
mas que o faz indicando esse dizer imperfeito, indicando que não é exatamente
aquilo que ele quer dizer.
d) [...] “era obrigado a falar primeiro dos aspectos códigos, quer dizer, coletivos
transindividuais, que asseguram a comunicação no sentido mais simples do
termo.” (Exemplo retirado de AUTHIER-REVUZ, 1994, p.263)
Este trecho indica que o sujeito vê uma necessidade de “falar primeiro dos
aspectos códigos”, ou seja: que para ele a enunciação tinha que iniciar por ali,
ou que não podia não começar por ali. Mesmo que esta seja uma impressão
imaginária, ela pode ser uma indicação de que existe o necessário e o impossível
na língua. O “quer dizer” entra aqui como uma estratégia de reparação que visa
consertar o mau-dizer, a falta do enunciado que é falta constitutiva da linguagem.
Essa operação recupera para o sujeito ao mesmo tempo a sua falta e a falta da
linguagem, sendo esses os objetivos apontados por Authier-Revuz (1994) como
das modalizações autonímicas.
De modo geral, nos parece que esses exemplos podem ser explicados pelos
esquecimentos descritos por Pêcheux. O sujeito imerso nos esquecimentos No1
e No2 (Ver Pêcheux & Fuchs, 1993) imagina que ele pode dizer exatamente o
que ele pensa, e não percebe que isso é uma ilusão. Ou seja: o sujeito imagina
que ele é a origem do enunciado e que ele é capaz de dizer exatamente o que
pensa de modo transparente e inequívoco. Ele acredita em um casamento per-
feito (necessário) entre a palavra escolhida e o que ele quer dizer, então a falta
do dizer, que é falta do próprio sujeito, é vista como contingente, como um
engano contornável.
Essa falta constitutiva é cara à AD e, um dos pontos onde ela aparece em
Pêcheux é no texto “Só há causa daquilo que falha ou o inverno político fran-
cês: início de uma retificação” (PÊCHEUX, 1995). Ora, a máxima no título do
texto é própria de uma abordagem lacaniana do sujeito e do desejo. Ela indica
que a falta não é apenas ausência (é presença da ausência), mas causa de desejo,
sendo por isso mesmo estruturante da linguagem. A linguagem necessita de um
ponto cego, de um impossível para que possa existir, e não é só isso: esse ponto
cego é causa mesmo do sujeito e da linguagem, já que o sujeito é sujeito da/na
linguagem. Pode-se dizer que na própria obra de Pêcheux há indicações dessa
falha necessária à existência da linguagem (como o texto referido antes). Então,
existe a necessidade de um excluído que funda a regra, esse excluído é o ponto
cego, a falta constitutiva, que para nós é também falta fundadora. É havendo falta
que existe linguagem, de onde se aponta também que o gesto inaugurador da
falta, aqui chamado de interdito, é fundador também. Então, percebemos que
a lógica segundo a qual “o excluído funda a regra” possui lugar nos estudos da
linguagem. Vale apontar também que essa abordagem se constitui numa aporia
lógica, o que significa dizer que numa leitura tradicional o fundamento lógico
da existência da linguagem é uma aporia lógica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditamos que o que foi exposto é suficiente para corroborar nossa tese de
que o interdito é fundador do discurso (e para discuti-la a partir do quadrado
lógico) e, principalmente, para ir além. Essa tese é a de que é preciso que não se
diga algo para que seja possível alguma enunciação. A interdição de uma parte
do domínio do dizer e do discurso é fundadora e constitutiva, já que para dizer
X deixamos de dizer Y.
O todo do silêncio não pode se atualizar como todo, então é preciso que
restem enunciados não ditos ou silenciados para que exista discurso. Se fosse
possível dizer tudo, se existisse um enunciado completo, que dissesse tudo, esse
enunciado seria a morte da linguagem.
Apresentamos duas versões do quadrado lógico e discutimos como pensar,
a partir delas, a lógica lacaniana de que a exceção funda a regra. Na lógica da
sexuação, o pai primevo, enquanto único que não é submetido à função fálica,
funda a possibilidade de estruturação da sexuação humana. É justamente porque
esse um (esse pai) excluído não é submetido à lei, à função fálica, que todos os
homens o são. Em relação ao dizer, afirmamos, de modo análogo, que também é
a existência de um excluído que funda o possível. Esse excluído ocupa a posição
do canto-O no quadrado do dito, independentemente se consideramos que esse
canto é modalizado pelo contingente ou pelo possível não.
Com base nisso propomos a criação do quadrado do dito ou da enunciação,
que forneceu a possibilidade de pensarmos de outra maneira uma consideração
já cara à AD: a de que o silenciado, que o não-dito enquanto excluído, tem an-
terioridade sobre o dito e, que o não-dito é constitutivo e fundador do dito.
Referências
BEZIAU, J-Y. (2003) New light on the square of oppositions and it’s
nameless corner, in Logical Investigations, v. 10. Rússia: Nauka Publishers.
A versão citada está disponível em: <http://www.unine.ch/unilog/
jyb/sep.pdf.> Acesso em 28/9/2009.
CARNIELLI, W.A. & PIZZI, C. (2001) Modalità e multimodalità. Milão:
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DA COSTA, N. (1989) Entrevista, Isso — dispensa freudiana, n.1. Belo Ho-
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DARRAULT, I. (1976) Présentation, Langages, n.43. p.3-9.
DOR, J. (1991) O pai e sua função em psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge
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Obras consultadas