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Ressaltemos algumas das características chaves para entender em que consistiria esse
"pensamento decolonial".
Isso é menos complicado do que parece à primeira vista. Quando se diz que a
colonialidade é produzida pela modernidade, nos referimos que quando algo ou alguém
é imaginado ou definido como moderno ao mesmo tempo está implicitamente indicando
um algo ou alguém que não o é. Não há um nós (modernidade) sem que ao mesmo
tempo se defina um não-nós (não-modernidade). Ao definir um espaço, ao traçar
limites, ao mesmo tempo se define um interior e um exterior. Então, se pensamos a
modernidade como um projeto civilizatório, como uma tecnologia de governo de
populações e de governo sobre si mesmo, o que está em jogo é a configuração de um
nós-moderno em nome do qual se intervém sobre territórios, populações,
conhecimentos, corporalidades, subjetividades e práticas que em sua diferença são
produzidas como não-modernas. É precisamente esse "fora" da modernidade, essa
diferença, a que no pensamento decolonial denomina-se "diferença colonial". Noções
como colonialidade do saber e colonialidade do ser derivam dessa conceituação.
1
Escobar, referindo-se a Quijano, define a colonialidade do poder como "um modelo
hegemônico global de poder, instaurado desde a Conquista, que articula raça e trabalho, espaços
e gentes, de acordo com as necessidades do capital e para o benefício dos brancos europeus"
(Escobar, 2003, p. 62). Por sua vez, Castro-Gómez e Grosfoguel escrevem a respeito: "No
centro da 'colonialidade do poder' está o padrão de poder colonial que constitui a complexidade
dos processos de acumulação capitalista articulados em uma hierarquia racial/étnica global e
suas classificações derivativas de superior/inferior, desenvolvimento/subdesenvolvimento e
povos civilizados/bárbaros" (2007, p.18-19).
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Um corolário dessa proposição é que a modernidade não surge nos séculos XVII e XVIII com
processos como o Iluminismo, a Reforma, a Revolução Industrial e a Revolução Francesa,
senão que deve ser pensada muito mais atrás, nos séculos XV e XVI associada à constituição do
sistema mundo-moderno.
3. Problematização dos discursos euro-centrados e intramodernos da modernidade. As
narrativas históricas, sociológicas, culturais e filosóficas que circulam sobre a
modernidade (referidas por Escobar em seu artigo), são o resultado de enfoques euro-
centrados e intramodernos, isto é, de um lado supõe que a modernidade se origina na
Europa e que dali é exportada com maior ou menos êxito a outros lugares do mundo e,
por outro lado, assumem que a modernidade se entende desde problemáticas e
categorias modernas. Em contraposição a essas suposições, o pensamento decolonial
argumenta que há que entender a Europa desde uma perspectiva do sistema-mundo e,
portanto, a própria Europa é também resultante desse sistema geopolítico incluindo as
tecnologias de governo e as formações discursivas que a produzem como tal. Esse ponto
é fascinante porque descentraliza concepções que têm uma profunda força sobre o senso
comum até o ponto de serem impensáveis, verdadeiros pontos cegos para muitos
importantes filósofos e teóricos da modernidade.
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Daí que na entrevista a Walter Mignolo, ele argumente: "Sou de onde Penso, no qual se
articulam a geopolítica (marcada pela classificação territorial imperial, por exemplo, terceiro
mundo, países subdesenvolvidos, etc.) e a corpo-política (corpos e línguas que estão fora da
epistemologia imperial)" (p. 193).
Como assinalado, o projeto decolonial retoma de maneira crítica e estabelece diálogos
construtivos com outros projetos intelectuais e políticos da América Latina e do Caribe,
assim como de outras latitudes do planeta, constituindo uma inovadora alternativa para
refletir sobre o sentido de pensar desde a especificidade histórica de nossas sociedades,
mas não só para ou sobre elas. Dessa maneira, retoma e discute com projetos centrais da
experiência intelectual latinoamericana e do Caribe, como os debates sobre o
colonialismo, a filosofia da libertação, a pedagogia crítica e a teoria da dependência,
entre outras, com as quais compartilha sua intenção de construir alternativas políticas e
epistêmicas às dominantes.
Com a teoria pós-colonial. Não se deve confundir o pensamento decolonial com a teoria
pós-colonial. A teoria pós-colonial e os estudos pós-coloniais se referem à experiência
colonial como estruturante tanto do colonizado como do colonizador, e isso não
somente no passado senão também no presente. O colonialismo continua tendo efeitos
estruturantes de subjetividades, corporalidades, espacialidades e práticas sociais. O
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Nesse sentido, Arturo Escobar destaca: “[…] o programa MC [modernidade/colonialidade]
deve ser entendido como uma maneira diferente de pensamento, na contramão das grandes
narrativas governistas - a cristandade, o liberalismo e o marxismo - localizando seu próprio
questionamento nos próprios dos sistemas de pensamento e investigações para a possibilidade
de modos de pensamento não eurocêntricos" (Escobar, 2003, p.54).
trabalho de Edward Said, Orientalismo, constitui um referente fundacional dos estudos
pós-coloniais e da teoria pós-colonial. Autores como Franz Fanon são redescobertos nas
genealogias dos estudos pós-coloniais.
Agora bem, três são os principais aspectos que diferenciam o pensamento decolonial
dos estudos pós-coloniais ou da teoria pós-colonial. Primeiro, a distinção entre
colonialidade e colonialismo a que nos referimos anteriormente. O pensamento
decolonial opera dentro do espaço de problematização aberto pela colonialidade,
enquanto que os estudos pós-coloniais no constituído pelo colonialismo. Segundo, as
experiências históricas e os locus de enunciação são diferentes: o do pensamento
decolonial é a diferença colonial que remonta à colonização da América Latina e do
Caribe entre o século XVI e XIX pelas primeiras potências europeias Espanha e
Portugal no contexto da primeira modernidade 5; enquanto que os estudos pós-coloniais
referem-se à colonização da Ásia e da África do século XVIII ao XX, por parte das
potências do norte europeu (França, Inglaterra, Alemanha) no contexto da segunda
modernidade. Finalmente, como propõe Mignolo, "o pensamento decolonial se
diferencia da teoria pós-colonial ou dos estudos pós-coloniais em que a genealogia
destes se localiza no pós-estruturalismo francês mais que na densa história do
pensamento decolonial" (2007, p. 27).6
O trabalho de Stuart Hall, para mencionar a uma das figuras mais visíveis dos estudos
culturais (e uma de suas tendências mais interessantes), examina as relações entre a
cultura e o poder desde uma perspectiva contextualista que problematiza os
reducionismos de qualquer índole. Se alimenta do marxismo, do estruturalismo, do pós-
estruturalismo, da psicanálise, da teoria da performatividade, dos estudos pós-colonais;
em outras palavras, marcos conceituais considerados eurocêntricos pelo pensamento
decolonial.
Para além dessas correntes, o que o pensamento decolonial procura articular são
tradições e modalidades de pensar que tenham estado subalternizadas, silenciadas pela
colonialidade do saber. Nesse sentido, é muito mais profunda a ancoragem que o
pensamento decolonial busca estabelecer com o pensamento produzido desde a
diferença colonial na região da América Latina e do Caribe. Como bem ressaltava
Grosfoguel: "É que com o pensamento decolonial, nós não estamos propondo nada
novo, nós estamos recuperando formas de pensamento que foram suprimidas pela
modernidade/colonialidade"8. Por fim, insistir em que, ainda que o pensamento
decolonial seja um pensamento desde a América Latina, não pretende limitar-se à
região.
Referências citadas
8
Oficina realizada no Instituto de Estudos Sociais e Culturais, Pensar. Universidade Javeriana. Bogotá. 27
de Novembro de 2006.
Castro-Gómez, Santiago y Ramón Grosfoguel. 2007. “Prólogo. Giro decolonial, teoría
crítica y pensamiento heterárquico” En: Santiago Castro-Gómez y Ramón
Grosfoguel (eds.), El giro decolonial. Reflexiones para una diversidad epistémica
más allá del capitalismo global. pp. 9-23. Bogotá: Iesco-Pensar-Siglo del Hombre
Editores.
Maldonado, Nelson. 2007. Walter Mignolo: una vida dedicada al proyecto decolonial.
Nómadas. (26): 187-194.