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RELIGIÃO
2011
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Profa.Dra.Lieve Troch
Orientadora e Presidenta da Banca Examinadora
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Prof.Dr.Jung Mo Sung
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Às minhas avós, Maria Ferreira (in memoriam) e Maria Loiola (in memoriam)
―Nem tudo o que se enfrenta pode ser modificado, mas nada pode ser
modificado se não for enfrentado‖.
James Baldwin, para o epitáfio de
AGRADECIMENTOS
Aprendi com a minha família desde cedo, que a nossa existência depende de uma enorme teia
de solidariedade ampliada na medida em que vamos compreendendo que somos incuravelmente
dependentes de outras pessoas. Na vida acadêmica não é diferente. Não se aprende sozinho. Trata-se
de uma experiência não apenas criativa, mas profundamente coletiva. Com efeito, minha gratidão vai
para:
A Profa. Dra. Lieve Troch, por sua amizade e orientações efetivamente decisivas, disciplinadas
e iluminadoras durante a elaboração da presente dissertação;
O Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva, por suas palavras de incentivo que provocaram minha
decisão de iniciar os estudos;
O Prof. Dr. Cláudio de Oliveira Ribeiro, pelo incentivo na elaboração inicial do meu
anteprojeto de pesquisa e posterior motivação durante os estudos.
O Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth, por sua amizade e sugestões preciosas para a conclusão do
meu objeto de pesquisa;
A Profa. Dra. Sandra Duarte, por sua amizade e consistentes orientações metodológicas
durante o curso;
A minha companheira Lisette Jung com quem compartilho a vida, não apenas pelo incentivo,
ajuda nos trabalhos de correção e formatação do texto, pelos constantes questionamentos em relação
ao texto, mas, principalmente por sua compreensão.
A minha mãe, Rosélia Alves e meu pai, Joaquim Loiola, pelo grande incentivo e inspiração
para continuar os estudos;
Os amigos, Márcio Divino pelo grande incentivo para entrar no programa, mas também pela
solidariedade sempre disponível e surpreendente; Tarcísio e Paulo Nogueira pelo apoio e suporte
quando de minhas viagens à Piracicaba durante a pesquisa; Márcia, Rubens, Jefferson, Carlos José,
Fernando, Marcos David, Marcos Martins, Maryurí Grisales pelo estímulo e companheirismo durante
o curso.
O Grupo de pesquisa Netmall, pelas idéias e provocações ao meu projeto de pesquisa.
O Museu da Imigração de Santa Bárbara do Oeste e o Centro de Memória Martha Watts em
Piracicaba pelo acesso ao seu acervo.
Agradecimentos especiais ao Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião,
pela hospedagem de qualidade durante o curso e ao Sistema de Bolsas Capes, que através do
programa, tornou possível esta pesquisa.
A todos e todas que de alguma forma, contribuíram na elaboração desta pesquisa.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................. 10
RESUMO
Palavras chaves:
Imigração – Tensão inter-étnica – Metodismo – Missão – afro-brasileiro
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RESUMEN
Los inmigrantes metodistas americanos que llegaron al Brasil a mediados del síglo XIX, en la
región de Piracicaba, fueron en su mayoría del sur de los Estados Unidos y, por lo tanto, eran
favorables a la esclavitud. Encuentran aquí no solamente una oportunidad para reconstruir sus
vidas devastadas por la guerra de secesión (1861 – 1865), sino que también ven una nueva
posibilidad de revivir sus ideas esclavistas en un país en donde la esclavitud aún existía. De
esta forma, la presente disertación aborda algunos aspectos importantes de las relaciones con
la población inmigrante africano-brasileño, priorizando el período histórico comprendido
entre 1867-1930 y tratando de poner de relieve las situaciones históricas en la región de
Piracicaba. En un intento de reconstituir el potencial de la libertad de los afro-brasileña,
Llamando la atención para las ansias de libertad de los afro-brasileros, su resistencia y lucha
por la abolición, la investigación discute también el contexto de transición del país frente al
liberalismo emergente en la economía y en la política, lo cual facilitó en muchos aspectos la
entrada del protestantismo al país. Con base en lo expuesto, la fundamentación teórica contará
con la contribución de autores como Boaventura de Souza Santos, (2006), Frantz Fanon
(1968;2008), Abdias do Nascimento (1978), Eugene Genovese (1983), Justus Gonzalez
(2007), Antonio Gouveia Mendonça (2009), José Carlos Barbosa (2002), Júlio Chiavenato
(1988), Eugene Harter (1985), Peri Mesquida (1994), Judith MacKnight Jones (1967) entre
otros. El distanciamiento de la misión metodista con relación a las necesidades de las
poblaciones afro-brasileras demuestra que los metodistas orientaron su misión más para sí
mismos, como colonia, y posteriormente para las élites. Las poblaciones pobres, incluyendo
los afro-brasileros de la región, no fueron contempladas. Esto puede explicar su ausencia en
las instituciones metodistas hasta 1930, año en que se da la autonomía de la Iglesia Metodista
Episcopal del sur de los Estados Unidos.
Palabras clave:
Inmigración – Tensión inter-étnica – Metodismo – Misión – Afro-brasilero.
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INTRODUÇÃO
Num primeiro momento, vêm em busca de novos horizontes econômicos, apostando inclusive
no escravismo dos negros. Posteriormente, as constantes imigrações passam a ter cunho
vocacional com a chegada do missionário Rev. Junius E. Newman em 1867 na região de
Piracicaba-SP. Autores como Jones (1967), Dawsey (2005), Harter (1985) dentre outros serão
referenciais chaves para abordagens mais específicas sobre os Confederados que migram e se
estabelecem em Santa Bárbara do Oeste e Piracicaba.
Reily (1984:86-87) ao recuperar o contexto histórico da guerra de secessão americana
(1861-1865), considera que o perfil dos imigrantes metodistas que vem para o Brasil em
1867; ―derrotados pelo Exército dos Estados unidos e arruinados financeiramente...‖. Isto
posto, a pesquisa suscita a discussão sobre o desenvolvimento do fenômeno religioso
metodista em meio aos principais desdobramentos da história dos afro-brasileiros no período
dado.
A propósito, o fenômeno religioso não apenas catalisa e modela a cultura, mas
também pode interferir na economia e no próprio jogo de poder de uma dada sociedade.
Portanto, a religião pode propor transformação ou a manutenção do status quo de uma dada
sociedade. Entretanto, de acordo com Mo Sung (2008:41), tal transformação ou estagnação se
deve mais aos sujeitos religiosos que às instituições em si, pois a história é feita por atos de
gente.
As idéias de Fanon (1968) serão muito úteis tanto para a explicitação do perfil
relacional dos afro-brasileiros em relação aos brancos, quanto na demonstração do papel da
religião cristã, no período dado. A importância desse referencial se dá em função de sua
pertinência para uma leitura crítica do período colonial na qual recupera a perspectiva dos
grupos silenciados, dando-lhes voz e protagonismo.
Para pensar as principais implicações da inserção protestante no Brasil, os autores
Duncan A. Reily (1984), Gonzalez (2007), Mendonça (2008), Salvador (1982) serão
fundamentais.
Atrás da história oficial do Brasil, há uma história negada e sobreposta, a saber, a dos
afro-brasileiros. Para explicitar o seu protagonismo na história brasileira do século XIX,
usaremos as idéias de Nascimento (1978), Carneiro (1997), Neves (1986), Genovese (1983),
Chiavenato (1988) entre outros.
A questão do negro relacionada à religião no Brasil subjaz à própria história da
colonização brasileira.
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Introdução
mesma perspectiva, por sua vez Hinkelammert (2008:8) recupera o mito de Prometeu, O titã
que roubou o fogo dos deuses dando-o a humanidade. Que enganou a Zeus e que no seu
suplício no Cáucaso personificou a liberdade, a sabedoria e a serenidade. O mesmo é
eternizado na busca incessante pelo conhecimento e pelo aperfeiçoamento da vida, ainda que
sempre provisória. De certo modo, também pode ser comparado ao ethos do protestantismo
metodista estadunidense, quando relacionado à ―doutrina do destino manifesto‖.
Hinkelammert (2008) lembra-nos que a cultura ocidental foi alimentada pelo fogo e
pelos contraditos de Pandora, presentes do titã, descobrindo não apenas a ―consciência‖, mas
também o que é ―ser humano‖ e de sobra, aprendendo a manipular os deuses. E esse
conhecimento ou esse fogo esclarecedor faz emergir a ―era da civilidade‖ ou a civilização
européia. Para Hinkelammert, o cristianismo ocidental inverteu a proposição teológica: ―Deus
se fez homem‖ para; ―Homem se fez Deus‖ ou ―Deus se fez cristão‖, desenvolvendo um
teísmo prometéico, fundindo civilização ocidental com cristianização ocidental.
Posteriormente a doutrina do ―destino manifesto‖ irá refletir essa idéia, alimentando o
seguinte moto: Os Estados Unidos são brancos, protestantes e democráticos e é exatamente a
partir dessa perspectiva que as treze colônias se tornariam independentes da Inglaterra em
1776.
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O termo ―rebeldia‖ é usado aqui como atitude de indignação e contra-discurso de sujeitos silenciados pelos
discursos de dominação.
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necessidade de mão de obra barata, assim como o alto ―ônus‖ pago pelas populações
indígenas ao perder seus territórios, suas vidas, culturas e religião.
Para Boaventura de Souza Santos (2006:28), não se pode perder de vista ao analisar
sociedades colonizadas, os padrões discriminatórios latentes. A partir de Gonzalez (2007:19-
28) é possível inferir que no caso dos Estados Unidos, as constantes migrações durante seu
processo ―civilizatório‖, tanto provocou o ―encobrimento do outro‖3 no caso, os índios e os
negros, como ajudou também na construção de uma sociedade marcadamente fragmentada
cultural e religiosamente, o que explica as profundas tensões inter-étnicas na história
americana.
Nessa linha de pensamentos, um dos padrões discriminatórios muito presente na
história dos Estados Unidos foi a visão ―essencialista‖ que dicotomizou as relações entre
brancos e negros; indígenas e hispânicos, americanos e asiáticos. Não é gratuito, que o
―denominacionalismo religioso‖, tenha seu berço histórico nos Estados Unidos.
Gonzalez (2007: 20,37-42) ainda chama a atenção para o impacto da cultura
colonialista na religiosidade estadunidense:
[...] Boa parte da ideologia que serviu de base para o movimento separatista,
e para o estabelecimento da democracia capitalista norte-americana,
consistia de uma religiosidade ―ilustrada‖ e anti-dogmática, como a que
vimos surgir na Europa [...] A providência era, sobretudo um princípio de
progresso. A nova nação era prova palpável do progresso humano [...]
(GONZALEZ, 2007.p.20)
O autor entende que desde 1784, as relações polarizadas entre americanos nortistas e
sulistas irão explicitar cada vez mais os interesses antagônicos entre o sul agrário escravocrata
e o norte liberal com vocação cada vez mais industrial. Prova disso, foi a organização da
Igreja Metodista Episcopal do Sul, na Conferência de Natal e a exclusão simultânea dos
metodistas que insistiam em possuir escravos. Gonzalez indica que
[...] Tanto os metodistas como os batistas, a fim de atrair os brancos do sul,
amoldaram-se progressivamente ao fato da escravidão, até o ponto em que
em 1843, havia cerca de mil e quinhentos escravos nas mãos de mil e
duzentos ministros e pregadores metodistas [...] Outras denominações
adotaram posturas igualmente ambíguas [...] (GONZALEZ, 2007. p37).
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Dussel, Enrique. ―1492 o encobrimento do outro‖. O autor analisa a origem do mito da modernidade como
legitimador da ―invasão‖ e a subseqüente ―colonização‖ excluindo da comunidade hegemônica ―rostos‖,
sujeitos históricos e oprimidos. Para ele os ―índios‖ e os ―negros‖ são a outra face da modernidade.
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Ainda para este autor, a partir de 1845 o termo ―Destino Manifesto‖ irá consolidar a
formação ideológica americana a partir da combinação das idéias de progresso e liberdade
com a de superioridade do protestantismo sobre o catolicismo, reforçada pela atitude racista
com base no fato de que a raça branca era superior, o que fundamentava a instituição da
escravidão de pessoas negras e o saque dos territórios indígenas.
[...] Desde a chegada dos ―peregrinos‖ do Mayflower, existia a idéia de que
as colônias britânicas da América do Norte haviam sido fundadas com o
auxílio divino, para cumprir uma missão providencial. Para muitos dos
imigrantes posteriores, a América do Norte era uma terra prometida de
abundância e liberdade [...] (GONZALEZ, 2007.p.31)
De maneira muito visível o tema da escravidão dos negros é um fio que perpassa toda
a história dos protestantes e em especial dos metodistas americanos. Os Batistas,
Presbiterianos e Metodistas sempre estiveram divididos em torno da questão. Em 1844,
segundo registro de Reily (1984:86), os abolicionistas metodistas norte-americanos
conseguiram que a Conferência Geral condenasse o Bispo da Geórgia, Osgood Andrew, que
era dono de escravos. Este bispo nomearia o rev. Fontain Pitts em 1832 como missionário ao
Brasil. Bem, a decisão da Conferência provocou a saída dos metodistas sulistas do resto da
Igreja, oportunizando o surgimento da Igreja Metodista Episcopal do Sul em 1846;
[...] Em 1846, foi assim criada a Igreja Metodista Episcopal do Sul (IMES),
que aceitou Andrew como bispo e ainda elegeu bispo William Capers um
outro ministro sulista dono de escravos[...] (REILY, 1984. p86).
É evidente na história do movimento metodista americano o fato de que as tensões
inter-étnicas sempre foram conseqüências da assimilação da epistemologia hegemônico-
européia por parte do aparelho institucional e colocado em prática pelo pragmatismo
eclesiástico. A propósito, segundo Cobra (1999) nessa época as relações entre brancos e
negros tinham como referencial o racismo científico de Gobineau (1816-1882)4 e
Chamberlain (1855-1927). Portanto, pressupõe-se que os metodistas americanos do século
XIX, desenvolvessem esse tipo de mentalidade em suas relações inter-étnicas. Todavia, se
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O referido autor postulava a superioridade da raça branca sobre as demais, e nesta distinguia os povos Arianos,
os alemães, representando o povo mais civilizado. Sustentou a teoria de que o destino das civilizações é
determinado pela composição racial, que os brancos, e em particular as sociedades arianas floresciam desde que
ficassem livres dos pretos e amarelos, e que quanto mais o caráter racial de uma civilização se dilui através da
miscigenação, mais provável se torna que ela perca a vitalidade e a criatividade, e mergulhe na corrupção e
imoralidade. Os dois autores racistas mais importantes na história da ciência foram Gobineau (1816-1882) e
Chamberlain (1855-1927). Suas obras inspiraram Mussolini na Itália e Hitler na Alemanha, e movimentos
racistas contemporâneos do nazismo e do facismo em várias partes do mundo.
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faz necessário esclarecer que a propósito das considerações feitas, não se está afirmando que
João Wesley tenha sido escravagista. Barbosa (2002:82-83) ao abordar o tema da
escravização negra, lembra-nos que Wesley se manifestou inúmeras vezes contrário à
escravidão:
[...] Em seu diário de 23 de abril de 1737, por ocasião de sua permanência
na América do Norte, ele registra a conversa amistosa que teve com uma
jovem escrava. Ao perceber o profundo interesse dela pelos ensinamentos
bíblicos que ele estava ministrando, J.Wesley anotou em seu diário o
seguinte: ― A atenção com a qual esta pobre criatura escutou os
ensinamentos é indescritível‖[...] (BARBOSA, 2002. p82).
Barbosa entende que além de Wesley se opor ao tráfico de escravos africanos,
demonstrou tacitamente seu interesse pelo trabalho catequético para admissão destes no
movimento metodista.
[...] As convicções de Wesley foram fundamentais à formação da
mentalidade antiescravagista do metodismo norteamericano. Os primeiros
Concílios metodistas nos Estados Unidos continuaram refletindo esse
compromisso. No Concílio de Baltimore, realizado em 1780 com a presença
de 17 pastores metodistas, foi redigida a seguinte declaração: ―A escravidão
é contrária às leis de Deus, do homem, da natureza e danosa à sociedade‖.
Nesse mesmo Concílio foi aprovada uma norma proibindo os membros da
Igreja Metodista de possuir escravos. Caso os tivessem, eles deveriam ser
alforriados, e não vendidos [...] (BARBOSA, 2002. pp82-83).
O supracitado autor entende que a Igreja Metodista americana originária tinha
posições bem contrárias ao regime da escravização negra. Lembra-nos dos tempos dos
grandes avivamentos quando muitos negros se tornaram pastores, pregadores e pregadoras
metodistas.
[...] Em 1786, primeiro ano de uma estatística distinguindo a raça dos
membros, entre um total de 18.791 metodistas havia 1.890 negros, portanto,
mais de 10%. Em 1790 esse número aumenta para 11.682 e, em 1797, já
havia 12.215, significando um quarto da totalidade dos seus membros [...]
(BARBOSA, 2002. p84)
Barbosa (2002:84-87) conclui que à medida em que o metodismo cresce no sentido
norte-sul dos Estados Unidos, as idéias de João Wesley começam a ser contestadas e já no
início do século XIX, o bispo Francis Asbury, em consenso com Thomas Cok e outros
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5
Boaventura de Sousa Santos, ao caracterizar o paradigma da modernidade como discurso dominante, entende
que uma crítica consistente ao colonialismo não deve prescindir da construção de imagens desestabilizadoras,
ou seja, há que se devolver a voz dos sujeitos silenciados pela colonização. Há que se desconstruir a lógica
centro-periferia, construindo uma ética da emancipação social, combatendo o conhecimento - regulação
enquanto se elabora o conhecimento – emancipação.
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6
Cyrus B.Dawsey e James M. Dawsey são descendentes de confederados e organizadores do livro; Americans:
Imigrantes do velho sul no Brasil, publicado pela editora da UNIMEP em 2005. pp.49-63.
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bem avançada no século XX, boa parte dos membros do Klan eram também
membros de igrejas [...] (GONZALEZ, 2007. p.41).
Conforme já analisamos anteriormente, as idéias de Weber parecem ter eco em nossa
discussão, na medida em que se constata na história dos Estados Unidos uma relação
sistêmica entre doutrina religiosa e conduta política; protestantismo e movimento
republicano; metodismo e escravagismo; expansão territorial e evangelização. A propósito,
Mesquida (1994:102-103), lembra que desde a emancipação do metodismo americano da
Inglaterra, a Igreja Metodista americana é parte essencial da história dos Estados Unidos. O
autor corrobora citando discursos de alguns ex-presidentes americanos, A. Lincoln e
Roosevelt, nessa ordem.
[...] A Igreja Metodista... é, pelo número de membros, a mais importante
denominação americana...Não causa surpresa que a Igreja Metodista tenha
enviado mais soldados aos campos de batalha, mais enfermeiras aos
hospitais e mais orações aos céus que qualquer outra. Deus abençoe a Igreja
Metodista [...] Penso que em nenhuma parte do mundo a Igreja Metodista
desempenhou um papel tão importante e tão especial quanto nos Estados
Unidos. Sua história está indissoluvelmente ligada à história do nosso país
[...] (MESQUIDA, 1986.p 102).
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Imagens do acervo do Museu da Imigração em Santa Bárbara do Oeste, retratam as conseqüências da guerra
no sul estadunidense.
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regular no Rio de Janeiro em 1861. Reily também não tem dúvida sobre as expectativas
desses protestantes também oriundos do Sul dos Estados Unidos.
[...] Atraídos pela boa terra a preços acessíveis, pelo clima e pela ajuda do
governo imperial, e ainda a possibilidade de adquirirem escravos no Brasil,
o que não lhes era mais possível na sua terra de origem, estabeleceram
colônias em diversos locais do Brasil. A que mais prosperou foi a colônia
de Santa Bárbara do Oeste, onde foram constituídas Igrejas Presbiterianas,
Batistas e Metodistas[...] (REILY, 1987. p111).
Mendonça (2008:50) chamou atenção para o fato de os confederados de Santa Bárbara
terem servido de atração para os batistas, os quais também teriam sido escravocratas no velho
sul. O autor registrou a fundação da primeira igreja batista brasileira em 1º de Setembro de
1871, em Santa Bárbara.
A seguir será analisado o cenário histórico, político, social e econômico brasileiro,
quando da chegada dos imigrantes metodistas estadunidenses. Contudo, será priorizado
inicialmente um breve levantamento das origens e da história de luta dos negros afro-
brasileiros, buscando recuperar sua contribuição nos processos emancipatórios.
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O arquivo que se encontra disponível no site www.slavevoyages.org, contém cópia de quase 35.000 documentos
originais acerca do tráfico transatlântico de escravos entre os séculos XVI e XIX, com listas de navios negreiros e
as respectivas regiões de destino.
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Parafraseando Fanon (1968:38), pode se afirmar com base em Lepetit que os colonos
americanos que chegaram ao Brasil em 1867, faziam história e sabiam disso. E por isso se
referiam constantemente à história de sua metrópole natal. A partir das obras de Harter
(1985), Dawsey (2005) e Jones(1967) parece que os confederados estadunidenses
alimentavam a idéia de que o Brasil era o prolongamento dos Estados Unidos,uma espécie de
anexo. A propósito do colono, continua Fanon
[...] A história que escreve não é, portanto a história da região por ele
saqueada, mas a história de sua nação no território explorado, violado,
esfaimado. A imobilidade que está condenado o colonizado só pode ter fim
se o colonizado se dispuser a por termo à história da colonização, a história
da pilhagem, para criar a história da nação, a história da descolonização [...]
(FANON, 1968. p38)
Um claro exemplo disso é o caso dos protestantes anglo-saxões em sua experiência de
colonização na América nos idos de 1630, como já vimos anteriormente. O diagnóstico
fanônico pode ser aplicado a eles à medida que se estabeleceram a partir das treze colônias na
América, desterritorializando os índios e posteriormente escravizando os negros. Todavia, a
história de luta dos afro-americanos, prova que apesar de toda a domesticação e
amordaçamento que a religião possa provocar nas consciências dos colonizados, estes ainda
podem irromper sua descolonização. Segundo Genovese (1983:26-27), em fins do século
XVIII as revoltas de escravos tomaram outro sentido. Ao invés de ―assegurar a liberdade‖,
passaram a buscar tentativas de eliminar a escravidão como sistema social. Citando a revolta
de São Domingos, o autor chama a atenção para o caráter ―hemisférico‖ e quiçá, mundial
desses movimentos.
[...] As revoltas no Velho Sul, século XIX, formaram parte integrante da
transformação das relações de classe e de raça no Hemisfério Ocidental. As
revoltas de escravos mais importantes nos estados norte-americanos de fala
inglesa ocorreram na cidade de Nova Iorque, em 1712; em Stono, Carolina
do Sul em 1739; no sul de Luisiana, em 1811 e no condado de Southampton,
Virgínia, sob o comando de Nat Turner [...] (GENOVESE, 1983.p.27).
Para Merleau Ponty, segundo Santos (2006:82), se faz necessário não apenas recuperar
as interrogações e a rebeldia para uma nova teoria mais sustentável para a emancipação social.
Mas, também, junto com as imagens dos negros brutalizados recuperar suas ações históricas
de rebeldia. O autor está convencido da importância da raiva perdida e do espanto que se
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congelou ―perante o realismo grotesco do que se aceita só porque existe. Urge uma
reinvenção do passado como negatividade, produto da iniciativa humana‖, pois é a partir desta
reconstrução que se pode ter interrogações viscerais e poderosas.
Genovese (1983:108) concorda que as revoltas negras contribuíram significativamente
para os novos tempos de liberdade e igualdade para as populações negras.
[...] À parte as formas de militância e ação guerreira negras, tais como elas
se manifestaram durante a grande guerra americana de 1861-1865, a eficácia
direta da insurreição escrava se faz presente mais notavelmente nas bem
sucedidas guerras quilombolas do Caribe e nas lutas quase insurrecionais
dos escravos, nas Índias Dinamarquesas Ocidentais e no Brasil, durante as
crises abolicionistas de 1848 e 1871-1889, respectivamente. Muito antes da
emergência do abolicionismo e da Era da Revolução, as guerras
quilombolas e as revoltas de escravos inibiram, mesmo moderadamente, a
expansão e consolidação da escravidão [...] (GENOVESE, 1983. p108).
Nesse sentido, a história de espanto das populações negras no Brasil e no mundo, pode
inspirar principalmente a tomada de consciência cidadã frente às várias formas de escravidão
ainda em curso. A propósito, o profetismo da religião cristã, apesar de suas profundas
contradições históricas, ainda pode ser viável a partir do seu legado revolucionário dos
hebreus a Jesus de Nazaré. O autor nos lembra que;
[...] O cristianismo dos escravos celebrava a liberdade e a salvação e fundia-
se facilmente com a mensagem política da guerra revolucionária. A religião
dos escravos, pelo menos durante o século XIX, normalmente evitava os
apelos à insurreição e seguia o caminho da sobrevivência a longo prazo,
num mundo de desigualdades sem esperanças, mas poderia voltar-se para
canais revolucionários em determinados momentos[...] (GENOVESE, 1983.
p122).
Em sua crítica ao colonialismo, Fanon expõe as fragilidades históricas da religião cristã
[...] Os costumes do colonizado, suas tradições, seus mitos, sobretudo seus
mitos, são a própria marca desta indigência, desta depravação
constitucional. Por isso é preciso colocar no mesmo plano o DDT que
destrói os parasitas, portadores de doença, e a religião cristã que combate no
nascedouro as heresias, os instintos, o mal. O retrocesso da febre amarela e
os progressos da evangelização fazem parte do mesmo balanço. Mas os
comunicados triunfantes das missões informam, na realidade, sobre a
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pelos colonos. Como iria se repetir na guerra dos emboabas em 1700, quando índios e negros
são cooptados pelos paulistas em suas batalhas contra estrangeiros. Para Chiavenato
(1988:20), ―não há indícios ou documentos que demonstrem por que índios e negros lutaram
pelos interesses dos brancos, a não ser vagos depoimentos a posteriori sobre a ―abnegação e
fidelidade‖ dos escravos‖.
Contudo, Fanon explica porque isso acontece:
[...] O colono alimenta a cólera do colonizado e sufoca-a. O colonizado está
preso nas malhas apertadas do colonialismo. Mas vimos que no interior o
colono logra apenas uma pseudopetrificação. A tensão muscular do
colonizado libera-se periodicamente em explosões sanguinárias: lutas
tribais, lutas de sobas, lutas entre indivíduos [...] lançando-se
impetuosamente em suas vinganças, o colonizado busca persuadir-se de que
o colonialismo não existe que tudo se passa como antes, que a história
continua [...] (FANON, 1968. pp40-41).
Netto (2000) chama a atenção para o fato de que a diversidade étnica entre os
escravizados trazidos da África dificultou muito a resistência à escravidão, mas apesar disso,
muitos reagiram ao cativeiro.
[...] das mais variadas formas, na luta pela manutenção da identidade:
suicídio, aborto, boicote ao trabalho [...] Porém, as formas abertas de
rebelião foram muito freqüentes, apesar da rigorosa repressão[...] As fugas,
tanto individuais como coletivas, os assassinatos do fazendeiro ou do feitor
e as insurreições[...] Nas fugas coletivas, os escravos organizavam-se em
quilombos, por exemplo; Palmares, Sapucaí, Paraibuna, Inficionado,
Pitangui e Campo Grande-MG[...] (NETTO, 2000. pp23-24).
Chiavenato (1988:80-81) pontua a revolta dos Malês em 1835 na Bahia, negros
sudaneses, na sua maioria mulçumanos, que apesar de derrotada a revolta, exigiu todo o
aparato repressivo do exército branco.
Segundo Chiavenato (1988:22-25), no período entre 1838-1841, sob a liderança de
Cara Preta, Balaio e o negro Cosme, acontece também a guerra da Balaiada no interior do
Maranhão, um levante sertanejo contra os latifundiários da época, que também foi esmagado,
deixando um saldo de 12 mil combatentes mortos, numa época em que o Maranhão tinha
apenas 200 mil habitantes. Ironicamente, o autor pontua; ―É um povo que luta. E morre. Sem
saber bem por quê. Quando souber, o que fará?‖.
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Para este autor, a historiografia oficial classifica as lutas dos negros africanos ―à
margem da história‖, tornando-as insignificantes e em meros casos policiais.
[...] Por que é assim? Essa falsificação histórica de preconceitos ideológicos
que preservam o mito de que a história é feita pelos ―grandes homens‖, ao
mesmo tempo que apresenta todo o processo de abolição como fruto de um
entendimento harmonioso e humanitário, onde o branco concede a liberdade
ao negro por se condoer de sua situação. Como os senhores eram bons e
sábios, faziam a história; como eram magnânimos, libertaram os negros.
Admitiam que um ou outro era cruel: seriam a exceção. É justamente contra
essas exceções que os escravos se rebelam. Portanto, na visão tradicional,
rebeliões negras não aconteceriam pelo desejo de liberdade dos escravos,
mas pela revolta aos maus tratos de alguns senhores [...] (CHIAVENATO,
1988. p74).
Ao criticar Nina Rodrigues9, Chiavenato chama a atenção para sua perspectiva
colonialista ao considerar que as revoltas negras não seriam ―casos de protesto social, mas
fenômenos de criminalidade multitudinária ou, na melhor das hipóteses, de regressão tribal‖.
Contudo, sabemos que tais falácias não subsistem no tempo histórico. Nascimento
(1978:59) ao reafirmar a contribuição dos negros na luta pela independência do Brasil, o autor
diz
[...] Muitos negros e mulatos imolaram suas vidas combatendo a tirania
portuguesa. E quando o Brasil em 1822 se tornou independente de Portugal,
continuou o mesmo país escravizador do africano [...] As insurreições
negras se espalhavam por todo o território do país desde o começo da
colonização, e permaneceram até às vésperas da abolição em 1888.Mais de
vinte quilombos, verdadeiras cidadelas reunindo africanos fugidos da
escravidão, se contam nas províncias do Rio de Janeiro, Mato Grosso,
Minas Gerais, Pará, São Paulo, A lagas, Sergipe, Bahia e Pernambuco[...]
(NASCIMENTO, 1978. p59).
9
Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906). Médico legista, psiquiatra e antropólogo brasileiro, defensor ardente
do racismo científico.
42
sempre estiveram presentes. A historiografia ocidental, a passos bem lentos, caminha cada vez
mais para explicitar a resistência feminina em relação aos desmandos tanto de machos negros
quanto de machos brancos ao longo da história brasileira e mundial. Certamente esta é outra
proposta de pesquisa. Chiavenato (1988:76-77) não se furta, mesmo que de maneira
―machista‖, de denunciar os maus tratos às mulheres negras pelas mulheres brancas e das
mulheres brancas pelos homens brancos.
[...] As negras jovens eram violadas pelos brancos. Essa violação, gerando
filhos mulatos, às vezes foi planejada porque o negro mais claro tinha maior
valor e, assim, estabeleceram-se alguns ―criatórios‖, produzindo-se mestiços
para vender como escravos domésticos [...] Numa sociedade fechada,
cinicamente moralista, como é peculiar no sistema colonial, a mulher das
classes dominantes era sexualmente reprimida, péssima parceira. Por isso os
senhores fartavam-se nas negras, provocando os ciúmes das sinhás, que se
vingavam cruelmente mutilando escravas: arrancavam-lhes dentes,
cortavam-lhes seios e furavam olhos. Há casos de sádica vingança: sinhás
que cozinham pedaços de negras, especialmente seios, e os servem a seus
maridos etc[...] (CHIAVENATO, 1988. pp.76-77).
Diante do exposto, elas foram iguais na luta durante as revoltas abolicionistas,
tornando-se fundamentais no processo de resistência contra a escravidão em todo o mundo.
Neves (1986:34-39)10 organizou as principais definições e conclusões sobre o papel da
mulher nas Américas ao longo da história de luta contra o escravagismo. Para ela, a
contribuição da mulher é indiscutível como ―doadora da vida, guarda principal e transmissora
das tradições religiosas e culturais, educadora de novas gerações‖.
Se para o homem negro a escravidão foi aviltante, para as mulheres negras a
escravidão teve impactos muito mais profundos. Consideradas inferiores por serem mulheres;
tanto na senzala quanto na casa grande, as mulheres foram usadas e abusadas de várias
maneiras. Carneiro (1997:8) chama atenção para o que era considerado ―normal‖ no Brasil do
século XIX. Em 1853, o Jornal do Comércio publicava: ―Ama de leite, a melhor que se pode
desejar, parida há 15 dias...‖ Apesar de aviltadas em seus corpos, mentes e em sua
maternidade, estas mulheres não entregaram seus espíritos de forma dócil como a
historiografia dominante, insiste em afirmar. Elas lograram êxito nas estratégias de lutas e no
10
Conclusões da Consulta sobre cultura negra e teologia na América Latina promovida pela ASETT (Associação
Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo) realizada em São Paulo de 6 a 8 de Dezembro de 1984.
43
auxílio a fugas. Estamos falando de Francisca E. Gonzaga, Francisca da Silva, das mães de
santo anônimas e tantas outras como as ―quituteiras‖ que com os seus tabuleiros nas praças
eram verdadeiras ―agentes secretas‖ da abolição.
Schumaher e Brazil (2000:33-34, 50,148,151, 530) resgata mulheres como Almerinda
Faria Gama, negra e pioneira na política brasileira. Nasceu em 16 de Maio de 1899 em
Maceió, foi advogada, feminista e líder sindical combativa e muito consciente abrindo o
caminho para as mulheres brasileiras na política nacional; Ana de Alencar Araripe (1789-
1874) cearence participante das revoltas liberais de 1817 e 1824; Outra mulher muito
importante foi a escrava quilombola Zeferina. Schumaher, afirma que ela participou de uma
revolta em 16 de Dezembro de 1826 em Salvador. Incentivando os negros do quilombo do
Urubu, Zeferina dava gritos de guerra que impressionava até os inimigos.
Oportunamente, Netto (2000:161) lembra que a primeira Igreja Pentecostal de
Piracicaba, foi fundada por uma mulher negra. ―em 4 de Abril de 1920, instala-se a primeira
igreja pentecostal de Piracicaba, depois denominada Congregação Cristã do Brasil. Iniciativa
coube à negra Maria Ventura, vinda do Rio de Janeiro. A primeira Igreja funcionou na rua
Benjamim Constant‖.
11
Segundo Joel Rufino dos Santos, Machado de Assis era filho de um pintor negro com uma lavadeira
portuguesa. ―como todo mulato, Joaquim Maria era meio preto e meio branco. Perdera sua mãe cedo, foi criado
por uma preta doceira, Maria Inês. Conforme se tornou importante e admirado, na maturidade,os retratos de
Joaquim Maria foram retocados para esconder a pele escura,o cabelo, o nariz. Para chegar onde chegou – Pai da
literatura brasileira, presidente perpétuo da Academia Brasileira de Letras – Era natural que fosse branco‖ vide
em .www.carosamigos.com.br
44
trabalho. Entre nós, as mesmas idéias seriam falsas num sentido diverso, por
assim dizer, original. A Declaração dos Direitos do Homem, por exemplo,
transcrita em parte na Constituição Brasileira de 1824, não só não escondia
nada, como tornava mais abjeto o instituto da escravidão [...] Como é
sabido, éramos um país agrário e independente, dividido em latifúndios,
cuja produção dependia do trabalho escravo por um lado, e por outro do
mercado externo. Mais ou menos diretamente, vem daí as singularidades
que expusemos [...] (SCHWARZ, 1988. p14)
Na medida em que o escravismo desmentia as idéias liberais, estas se
metamorfoseavam em epistemologia do favor. Então tínhamos o latifundiário, o escravo e o
―homem livre‖. Para Schwarz, ―o favor assegurava às duas partes, em especial à mais fraca,
de que nenhuma era escrava‖.
Mesquida (1994: 31,68-69) nos ajuda a entender que desde 1850 quando a monarquia
se consolidou, a economia passou crescer por conta do aumento da exportação do café.
Naturalmente, o Tratado de Methuen em 1703, tornava isso cada vez possível. A propósito, o
autor registra que em 1866, foi inaugurada a estrada de ferro, Santos-Jundiaí construída com
capital inglês. Enquanto isso, o capitalismo mundial nascente continuava a bater nas portas do
imperador. Cada vez mais ameaçado pela economia americana externamente e pelo Partido
Liberal internamente o império irá enfraquecendo até que em 1868,
[...] começou, concretamente, a desintegração do grupo dominante-dirigente
que sustentava o regime e era sustentado por ele. A ruptura da camada
sócio-política, constituída pelo imperador, os grandes proprietários rurais, a
Igreja Católica e o Exército, em nível nacional, e pela Inglaterra, em nível
internacional, provocou a crise do regime [...] Todavia, essa crise não
irrompeu espontaneamente. Foi estimulada e acelerada por atores e forças
sócio-políticas cuja identificação e descrição são importantes para se
compreender o contexto de tensão social, política, econômica e cultural
(desestruturação da sociedade) que tornou possível a presença [...] do
protestantismo missionário de origem norte-americana, particularmente, o
metodismo[...] (MESQUIDA, 1994. p70)
A iminente abertura do Brasil para a modernidade irá despertar a imigração
principalmente dos americanos que começaram a se movimentar na direção do Brasil.
[...] Foram fundadas associações no Sul dos Estados Unidos, como a
Southern Colonization Society, criada em outubro de 1865, com a finalidade
45
de ouro de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, pela via fluvial; c) como um
centro republicano e maçon, a frente de combate de Manoel e Prudente
Moraes de Barros[...] (MESQUIDA,1994. p124).
12
Cópia da carta de Alforria cedida pelo Centro de Memória Martha Watts
13
Histórico de Zuleika Mesquita e comprovante de encaminhamento informativo sobre a história de Flora
Blummer ao Prof. Dr. Almir de Souza Maia, reitor da UNIMEP (Universidade Metodista de Piracicaba).
48
família Blummer que era luterana e que depois de comprada pela missionária metodista é
contratada pelo colégio Piracicabano. A propósito, Mesquita (2001:24) flagra a ortodoxia
típica do protestantismo da época, a partir do diálogo entre a missionária e uma pobre menina
negra
[...] No domingo uma garota negra veio à nossa porta com uma caixa de
enfeites para vender, e perguntou-me se queria comprar algum deles. Eu lhe
disse que era domingo, no que ela respondeu de maneira simples possível
que isso não fazia diferença. Atônita, repeti suas palavras, e lhe disse que
não comprávamos ou vendíamos no domingo, e que servíamos a Deus nesse
dia [...] (MESQUITA, 2001.p.24)
Conforme já mencionado anteriormente, o fato do Coronel William H. Norris,
confederado metodista que ao chegar ao Brasil em 1865 se encarregou de garantir a compra
de dois escravos para trabalhar em suas terras e ao se analisar o conteúdo do diálogo entre a
missionária Martha Watts e a menina negra, no mínimo é mais um exemplo que compõem o
contexto relacional contraditório entre os imigrantes estadunidenses e a população afro-
brasileira.
Nesse sentido, podemos afirmar com Barbosa (2002:154-155) que a ética protestante
foi ao mesmo tempo conservadora e paternalista, longe de propor algo libertário e
revolucionário. Estavam os confederados metodistas mais interessados em implantar suas
doutrinas e o fizeram de forma polêmica e dogmática, faltando-lhes a sensibilidade de captar
os rostos silenciados pela escravatura. Ensinaram uma religião que domesticava os escravos,
conformando-os à situação escravista sob o pretexto de orações e mensagens de consolo,
instando-os a serem pacientes e submissos. Cumpriram a agenda da doutrina da igreja
espiritual.
De fato, a abolição da escravatura no Brasil foi um exercício a partir da típica lógica do
conhecimento regulação, apontado por Santos. Os negros saíram de um colonialismo político
para um colonialismo social.
A liberdade dos negros levou-os a outra forma de colonização, a saber, a social. E isso
foi possível em função do capitalismo emergente do século XIX que a partir da
competitividade que impunha no mercado de trabalho, excluiu a população afro-brasileira.
49
autor oferece-nos uma teoria assaz consistente para uma análise da construção da
subjetividade do negro.
No Brasil, o mito da democracia racial, paralelo às políticas de embranquecimento e a
sua introjeção no psiquismo do afro-brasileiro, é um dos impedimentos para a sua
emancipação social. Bastide (1971:419) nos lembra que o advento da urbanização no Brasil
não apenas destruiu a comunidade dos negros, mas também a reorganizou em uma
comunidade de proletários com a garantia de livremente ganharem a vida. Para Lowrie
segundo Batisde (1971:420-421), na livre disputa por emprego com os imigrantes (italianos,
japoneses, portugueses, alemães e americanos) restou aos negros apenas os empregos
subalternos reservados à mão de obra não qualificada. Bastide ressalta que em São Paulo, por
exemplo, a preferência por uma criadagem doméstica branca e japonesa irá justificar os
seguintes números; de 1000 carregadores, 997 são negros; de 1000 comerciantes, 2 são negros
ou pardos, razão pela qual, continua o autor, os negros estiveram sempre num baixo padrão de
vida, morando em zonas marginalizadas como cortiços ou favelas.
14
O escritor hebreu, no salmo 137, ao lamentar o cativeiro babilônico, reafirma sua indiferença em relação à
cultura e à religião estrangeira.
15
O patriarca Abraão realiza ritual a Javé (Deus) à base de sacrifício de animais. Cap.15. versículos 10-12
52
indiferença dos imigrantes metodistas a partir de sua prática missionária em relação aos
negros afro-brasileiros se constitui um reflexo de tensão inter-étnica, pelo menos velada.
Bastide (1971:432-435) recorda que quando em 1863 o espiritismo chega ao Brasil,
consegue ser uma religião mais viável aos negros, por sua capacidade de ―tranqüilizar o
homem de cor sobre o seu próprio valor, mostrando-lhe que não é um ―primitivo‖, um ―semi-
civilizado‖, mas que pensa e sente exatamente como os demais membros da comunidade
brasileira‖, mesmo considerando que o espiritismo reproduzisse as mesmas representações
culturais negativas nutridas pelos protestantes, em relação aos negros.
Diante dessa realidade, explicam-se também os condicionamentos sociais impostos
aos afro-brasileiros na pós-abolição no século XIX.
16
Sob o título: ―Escola para as elites, cadeia para os vadios: relatos da imprensa piracicabana (1889-1930)‖, a
pesquisa analisa entre outros grupos excluídos na sociedade de Piracicaba, como os negros se inscreviam no
imaginário local no período dado.
54
Piracicaba durante os festejos da população negra desta cidade iriam forçar a organização da
sociedade beneficente 13 de maio, fundada em 1901 e conhecida como ―Sociedade Antonio
Bento‖, em homenagem ao abolicionista Dr. Antonio Bento de Souza e Castro. Terci e
Oliveira (1991:8) chamam atenção para o fato de que no dia da festa de S. Benedito, ―Santo
Branco‖, os negros encontravam uma oportunidade estratégica para reafirmarem-se diante da
sociedade que lhes negavam a cidadania no cotidiano.
Para Terci segundo Netto (2000:52), os ex-escravos permaneceram em Piracicaba após
a abolição, ainda que em situações insalubres. ―a libertação dos escravos não ocasionou a
saída em massa dos negros do município, houve apenas um deslocamento dos ex-escravos
com relação a mudança de patrões‖.
4. Conclusão Provisória
A cultura e a prática missionária dos primeiros imigrantes metodistas estadunidenses,
assim como a maioria dos protestantes que vieram para o Brasil na metade do século XIX,
estavam profundamente enraizadas no pensamento hegemônico europeu e na manutenção da
escravatura . As principais causas de sua imigração estão relacionadas aos desdobramentos
históricos, sociais, políticos e econômicos que tiveram como epicentro a guerra de secessão
americana em 1861, motivada pela questão da abolição da escravatura.
Aparentemente, migraram para o hemisfério sul e outras partes do mundo em busca de
estabilidade econômica, já que sua terra estivera assolada pela guerra.Nesse sentido,o Brasil
foi escolhido por ainda oferecer possibilidades de continuarem a mesma atividade econômica,
a saber, a agricultura ou provavelmente a escravatura.
A teologia predominantemente fundamentalista, os valores republicanos dos
imigrantes metodistas e a nova tendência liberal conservadora brasileira se harmonizaram
em torno da consolidação do projeto do estado republicano.
Diante do exposto, a aparente subserviência e invisibilidade da capacidade e cultura
da população afro-brasileira na historiografia brasileira não se sustenta diante da história de
luta e resistência e contribuição para a sua emancipação.
No tocante ao cristianismo em suas duas vertentes, católica e protestante, foi
significativamente omisso no envolvimento do abolicionismo brasileiro, a partir de seus
discursos dominantes e prática missionária voltadas às elites.
56
Neste capítulo, conclui-se que ―a doutrina do destino manifesto‖, cujo objetivo foi
Civilizar Educar e Evangelizar, explica tanto o silêncio do metodismo face às expectativas e
lutas das populações afro-brasileiras no século XIX, quanto em tempos posteriores.
Não obstante, há uma latente história protagonizada tanto pelos negros escravizados,
quanto pelos libertos, que foi dissolvida nos sulcos da historiografia oficial que ainda está
por ser explicitada ou captada.
57
Introdução
Este capítulo apresenta a análise das representações culturais e sociais dos negros e
negras no imaginário da sociedade piracicabana, incluindo os imigrantes radicados ali e como
esses imigrantes metodistas estadunidenses figuravam no imaginário das populações negras.
Aborda também os possíveis impactos da abolição entre os imigrantes metodistas e avalia a
perspectiva missionária metodista, procurando explicitar suas principais conseqüências para a
população de negros e negras em Piracicaba. Finalmente, verifica os possíveis indícios de
tensão na relação inter étnica no contexto do metodismo de imigração de 1888 até 1930.
17
No século XIX, o ―mulato‖ gozava de status de ―branco‖ na sociedade brasileira.
58
ainda que dez anos depois, uma nota no ‗Expositor cristão‘18 iria confirmar, por exemplo, que
o público alvo do Colégio Piracicabano organizado pela Missionária Martha H. Watts era
predominantemente de filhos(as) de latifundiários da região.
Conforme Mesquida (1994:104, 107), a perspectiva da missão metodista era calcada na
crença de que ―Deus elege nações para realizar projetos‖ nesse caso, os americanos seriam
essa ―nação de dirigentes‖. Lembrando um Pastor metodista americano, o autor afirma que a
noção do imperialismo americano seria uma ―resposta à voz de Deus e ao seu mandamento‖.
Sobre isso, já foi tratado mais detalhadamente no capítulo anterior, sendo retomado aqui
apenas com o objetivo de consolidar o entendimento de que a missão metodista, ao chegar ao
Brasil e mais especificamente a de origem estadunidense, sempre esteve mais preocupada
com seus próprios patrícios e com as famílias da elite brasileira.
O autor lembra que ‗ ―os metodistas estavam convencidos de que a ―vitória de Jesus
Cristo‖ nos Estados Unidos apelava aos americanos para serem os ―salvadores‖ da raça
humana decaída‖. ‘ Infelizmente, populações empobrecidas e marginalizadas não se tornaram
merecedoras desta redenção, pelo menos no plano social concreto. Como diz Bosch
(2002:483), ―o dualismo consistente de Deus-mundo, espírito-corpo, herdado de Agostinho e
dos gregos e reforçado pela mentalidade iluminista, destruiu o ideal do amor‖, necessário não
apenas para o combate da escravização dos negros como forma de resgate de seus direitos
humanos, como também reduziu as ações missionárias endereçadas a esse segmento
populacional a meros manifestos sentimentalistas, na sua maioria de forma privada e
raramente pública.
Mesquita (2001), ao reorganizar as memórias da missionária Martha H.Watts a partir
de suas cartas, demonstra várias narrativas onde podemos flagrar o imaginário dos
confederados metodistas em relação aos negros:
[...] Eu, diante desta situação, sentindo-me impotente e muda. Por trás desta
cena o drama da escravidão. O velho e bom proprietário desta escrava
morreu recentemente e a mulher e as crianças eram parte da herança de uma
de suas filhas dele, que não é boa pessoa [...] (MESQUITA,2001. pp37-38).
Como justificar o juízo da missionária, ao considerar o falecido dono de escravos a
partir da frase: ―o velho e bom proprietário desta escrava‖? Esse discurso denuncia uma visão
etnocêntrico-escravagista. A boa senhora branca e de fé, que sente muito pelo desespero
18
EC, 12 de Setembro de 1891, p.2
59
circunstancial das senhoras negras, é a mesma que reafirma a execrável instituição que as
dilacera. A propósito, não parece exagero pressupor que a política de conteúdo defendida
pela missionária no colégio piracicabano, provavelmente obedecesse a essa mesma lógica
aristotélica.
Em todo caso, a retórica discursiva da missão metodista no século XIX em Piracicaba,
estaria eivada de influências ideológicas dominantes, pelo menos é o que as evidências
encontradas puderam demonstrar no capítulo anterior. De fato, nesse tempo o Brasil vivia a
contradição de um liberalismo conservador, protagonizado por um capitalismo emergente e
que conjugava de maneira cínica, o slogan da fraternidade, igualdade, liberdade, honra, amor
e pátria, com discursos racistas. É nesse contexto que conviviam índios e negros, missionários
protestantes americanos e senhores de engenho.
Em situações desse tipo, o fenômeno da aculturação euro-americana ―domesticaram‖
os negros e os índios no Brasil. Oportunamente, Harter (1985:75,77), ao avaliar a situação do
negro no Brasil no século XIX, assinala que ser mulato configurava ―status‖ de branco na
sociedade da época, porém ― vários confederados de primeira geração nunca se acostumaram
totalmente a este hábito [...] Para eles, um homem com qualquer quantidade de sangue negro
era negro e devia ficar restrito à sua própria sociedade‖. O autor ressalta que mesmo quando
um negro era bem sucedido como o americano Columbus Watson que imigrara para o Brasil,
―ainda assim, muitos Confederados encontravam dificuldades para aceitar os negros como
iguais‖. A discriminação era tão aguda por parte dos Confederados que Harter registra que
―quando um senador se opôs à escravidão e foi assassinado às vésperas da emancipação
brasileira, os Confederados foram os primeiros suspeitos‖.
A propósito da mulatização do negro apontado por Harter, no Brasil, foi uma estratégia
lingüístico-social para reconhecer alguns cidadãos afro-brasileiros, mas ao mesmo tempo
reafirmar a sua inferioridade frente aos brancos.
Frantz Fanon (1968: 33-34) indica como a linguagem reforça o fenômeno da
aculturação a partir da construção cultural colonialista, que nesse caso estabeleceu uma
relação de superioridade entre confederados estadunidenses e os negros brasileiros . A partir
das idéias de Bakhtin19 conforme Comin (2010), pode se inferir que tanto a imprensa secular e
o discurso religioso dos missionários, quanto a perspectiva educacional do Colégio
19
Mikhail Bakhtin, filólogo soviético que revolucionou os estudos da Lingüística. Sua obra chegou ao Ocidente,
a partir da década de 1970, para ele, a linguagem é um dos pontos de maior destaque quando se objetiva
conhecer qualquer fenômeno humano.
60
primeira iniciativa uma possibilidade real para a construção de uma nova escola bem mais
estruturada e com ajuda da elite piracicabana, representada pela família do primeiro
presidente civil do Brasil, Prudente de Moraes Barros. Em março de 1881, chegaria em
Piracicaba após apelos do rev Newman, o rev. J. W. Koger e família, Miss. Martha Watts e
J.L.Kennedy. Martha Watts assume a direção do que veio a ser ―O Colégio Piracicabano‖,
funcionando por três meses com apenas uma aluna, Maria Escobar. Todavia, em 1886,
segundo Jones, o sucesso do Colégio iria justificar matérias de elogios na Gazeta de
Piracicaba;
[...] Livre do convencionalismo que caracteriza o ensino oficial, a instrução
almejada ali visa o alargamento do horizonte mental e espiritual e a
investigação científica, e não parando nos limites indicados para o ensino
obrigatório da religião, segue o caminho da verdade sem apreensões e medo
[...] (JONES, 1968.p.260)
Esse fragmento jornalístico ajuda-nos a identificar a filosofia que norteava a prática
pedagógica do Colégio Piracacibano, revolucionária para a época. Os autores De Luca (2003:
706)20, por ocasião do sesquicentenário da médica Maria Rennote, lembram o ano 1885 em
que a médica foi contratada pela missionária Martha Watts como coordenadora pedagógica e
Profa de Ciências Naturais. Conforme De Luca, o colégio piracicabano foi influenciado por
duas tradições epistemológicas: uma européia e outra americana; o intuicionismo, o
positivismo e as doutrinas evolucionistas a partir de referenciais como Rousseau, Pestalozzi,
Froebel, Comte e Spencer formavam o paradigma da época.
Em 1870, os presbiterianos organizam a Escola Americana, futura Mackenzie. Além
do Colégio Piracicabano, os metodistas organizaram outras escolas em várias partes do país:
Colégio metodista de Ribeirão Preto (1899), Colégio Bennett (1882) no Rio de Janeiro,
Colégio Isabela Hendrix (1897) em Belo Horizonte e o Colégio Noroeste de Birigui (1918).
Contudo, a política educacional se mantinha claramente elitista. No caso do Colégio
Piracicabano, com toda sua perspectiva educacional iluminista não é possível perceber com
nitidez nos vários documentos pesquisados, grandes preocupações com as classes mais
empobrecidas da população de Piracicaba em meados do século XIX. Mesquida (1994:140)
20
De Luca, João Bosco Assis e Leonora. Marie Rennotte, pedagoga e médica: subsídios para um estudo
histórico-biográfico e médico-social. História, Ciências e Saúde. Manguinhos, Rio de Janeiro, 2003. vol.
10(2):703-25, maio-ago. 2003.
63
indica a existência na época de um sistema de bolsas que atendia segundo ele ―aos mais
aptos‖. Certamente, por conta das várias representações negativas que os discriminava, os
negros e os índios não seriam alvos dessas bolsas. O autor aponta que ―se havia um sistema de
bolsas era porque os alunos pagavam por seus estudos. Isto o leva a constatar que a ação
educativa da Igreja Metodista [...] não representava uma obra desinteressada e democrática,
isto é, aberta a todos [...]‖. O autor considera, portanto, que esse sistema pressupunha tanto
uma discriminação econômica, quanto social. Conseqüentemente, isso explica a ausência de
alunos(as) afro-brasileiros(as) nas salas de aulas, atividades recreativas e sociais de acordo
com a iconografia piracicabana entre os anos de 1881 a 1930.
É óbvio que na época não havia por parte da escola ou das escolas emergentes uma
preocupação com um currículo multicultural e uma consciência de que os negros analfabetos
devessem ser contemplados por uma política da inclusão. Aliás, essa questão nos remete a
uma digressão histórica sobre a inserção do negro na escola no Brasil.
21
fotos do acervo do Centro de Memória Martha Watts.
64
instituição da escravatura em seu país de origem, até 1865, o que se configura uma situação
paradoxal, já que os metodistas alimentavam ideais progressistas.
Mesquida (1994:173) confirma depoimento de João Sampaio, ex-aluno do Colégio
Piracicabano (1890), advogado e genro de Prudente de Moraes Barros, que em 1907,
reconheceu ser o colégio, ―a célula mater da reforma da instrução pública de São Paulo.‖
Infelizmente, os negros não fizeram parte deste projeto.
Florestan Fernandes (2008:268) ao analisar a integração do negro na sociedade de
classes, reproduz o depoimento de um homem negro na aurora do século XX:
[...] minha vida foi na rua, onde cresci, aprendendo a ler um pouco aqui,
outro lá. Cheguei a fazer tentativa de freqüentar escola. Via muitos meninos
com quem brincava irem à escola. Depois de rondar durante algum tempo
uma delas (Escola 13 de Maio, particular), indo muitas vezes esperar a saída
dos meninos conhecidos, acabei me apresentando à professora. Disse que
desejava ir à escola mas não tinha dinheiro para pagá-la. Propunha-me então
a prestar serviços a troco do ensino. Três meses depois a professora, que
viera do interior por causa de um noivo e montara a escola para se manter
aqui, tendo desmanchado o compromisso, fechou a escola e voltou para o
interior. Na última aula, ao despedir-se, deu-me alguns livros, aconselhou-
me a ir procurando ler e disse que uma das coisas que mais sentia era
deixar-me. Perante a classe, indicou-me como exemplo. Foi a minha grande
alegria dessa época [...] (FERNARNDES, 2008. p268).
Paralelo à exclusão das populações negras da escola no Brasil do século XIX, Barbosa
(2002:156-157) em significativa pesquisa, já demonstrou que o mesmo ocorreu em relação à
igreja protestante, até porque, para fazer parte do protestantismo, os negros precisariam
aprender a ler, no mínimo. Segundo o autor, apesar de alguns terem se convertido a algumas
igrejas protestantes, o número foi insignificante, o que não configura que alguns pastores
protestantes não alimentassem esse interesse. No entanto, o catolicismo também teve a sua
influência nesse processo; não esqueçamos que historicamente, os senhores de escravos no
Brasil império eram majoritariamente católicos. Portanto, conforme pontua Barbosa, ―as
chances de um escravo aderir ao protestantismo, sem que estivesse acompanhando ou
doutrinado por seu senhor, eram praticamente nulas‖.
Essa constatação também ajuda esclarecer as razões da ausência dos negros em
escolas protestantes, pois sendo estas escolas confessionais e o protestantismo um rival
65
a nossa ajuda‖. Continua o autor: ―Noutras palavras: as igrejas devem, para isso, oferecer-lhes
fraternidade e os meios para se sustentarem e progredirem‖.
Elencando mais um exemplo da percepção dos metodistas sobre a situação dos ex-
escravos negros, o autor cita a organização de uma ‗Sociedade Protetora dos Libertos do
Brasil‘ pelo metodismo rio-grandense. Todavia, de maneira concreta, os autores pesquisados
não identificam no período, nenhum projeto educacional ou similar, voltado para o público de
ex-escravos, além dos discursos e do papel.
Pergunta-se por que os metodistas confederados foram tão ambíguos em sua prática
missionária no Brasil? Como entender ex-escravocratas do sul dos Estados Unidos, tornando-
se ―progressistas‖ num Brasil escravocrata?
A propósito, ao se referir à intersecção dos imigrantes confederados metodistas com a
corrente do liberalismo no Brasil do século XIX, Dawsey (1995:248) esclarece que ―Se
alguns historiadores argumentam que muito do que os republicanos fizeram era para ―inglês
ver‖ (ou ―americano ver‖), talvez também seja verdade que os confederados eram americanos
para brasileiro ver. Aparentemente, falavam como ―americanos progressistas‖, todavia,
pensavam e agiam como ―defensores da escravidão‖. O autor aponta indícios de que os
confederados da região de Piracicaba representavam de certa forma uma ameaça ao
movimento abolicionista, pois, ―[...] quando um senador abolicionista foi assassinado, em
1888, as primeiras suspeitas em forma de boatos voltaram-se contra os imigrantes
confederados de Santa Bárbara‖.
Destarte, se havia na época esse tipo de receio, é razoável o entendimento de que os
confederados eram vistos como escravagistas na sociedade de Santa Bárbara do Oeste.
MacKnight Jones (1967:290) registra, por exemplo, a indiferença dos confederados em
relação ao aniversário do dia 13 de Maio: ―O 13 de maio de 1889, Libertação dos Escravos,
quase passou despercebido [...]‖ Harter (1985:128) assinala que nem mesmo no dia 13 de
1888, a colônia de Confederados também não tiveram reação comemorativa como as que
houve em várias partes do Brasil. Para eles, a única vantagem agora seria poder despedir o
negro quando quisessem.
Vale sublinhar o discurso da própria autora, reproduzindo a mesma indiferença em
relação a realidade dos negros: ―os pretos, por indolência ou insegurança, não mudavam
muito de patrão. Alguns chegaram a viver tantos anos em uma só casa que adquiriram o nome
dos patrões [...]‖. Certamente, Jones não considerou a fragilidade social do negro, num tempo
67
em que tinham que concorrer de maneira desigual com imigrantes europeus, americanos e
asiáticos por uma vaga no mercado de trabalho. É claro que uma vez empregado teriam que
se manter o máximo de tempo possível no emprego, a fim de garantir sua sobrevivência a
despeito de toda a insalubridade comum aos tipos de trabalho que lhes restavam.
Ademais, o assassinato do Cel. Oliver por seu escravo não parece um reflexo de
bondade de seu senhor: ―como tinha se aprontado mais cedo, resolveu dar uma volta a cavalo
pela roça; quando chegou à plantação de batatas doces, viu um escravo seu arrancando e
roubando suas batatas‖. Indignado, Oliver teria repreendido o escravo, que o atingiu com uma
enxada, matando-o. A autora chama a atenção para o fato de que casos como aquele não eram
novidade para os americanos do velho Sul, ou seja, de escravos matando seus senhores.
―Defenderam-se da maneira mais acertada para eles: os moços se reuniram e enforcaram o
negro numa árvore da própria fazenda‖, conclui a autora, informando os nomes dos moços
que executaram o escravo negro, a saber; Dick Crisp, Robert Mc Fadden e Bony Mc Alpine.
Com efeito, podemos inferir não apenas que os Confederados alimentavam
perspectivas racistas, como esse preconceito se traduzia no modelo de relacionamento que
iriam estabelecer com as populações afro-brasileiras, tanto em nível pessoal, como em nível
social por meio de suas iniciativas profissionais, educacionais e missionárias.
A situação dos afro-brasileiros era de intensa fragilidade na sociedade brasileira do
século XIX. E isso, conforme já vimos, em função de toda uma história de escravização.
22
Lista das pessoas que acompanharam D. Margarida da Graça e Castro, fundadora da cidade.
23
Fotos de Famílias de confederados, reuniões religiosas e outras atividades. Acervo do Museu de Imigração.
70
Gussi (1997:35) visualiza a Vila de Santa Bárbara nessa época como basicamente
dependente do plantio de cana-de-açucar e aguardente. O pioneiro Cel. William Norris,
Confederado, teria iniciado nesse período o plantio do algodão. Posteriormente, em 1875,
viria a estrada de ferro e o desenvolvimento econômico.
Uma das possíveis explicações para a dificuldade de se objetivar as tensões entre
imigrantes metodistas e afro-brasileiros também nessa cidade, é o fato de que as populações
afro-brasileiras não eram tidas como ―igual‖ . Aparentemente a condição social dos pobres,
em especial dos negros e negras, não justificaria provavelmente confrontos pelo menos no
campo das idéias, como acontecia entre protestantes confederados metodistas e católicos.
Todavia, ainda assim, fica evidenciada uma relação de tensão, pela negação da história e da
imposição do anonimato aos homens e mulheres negras, ficando aparente uma relação de
opressão. Talvez, por isso, o grito de liberdade dos negros a partir de 1888, não tenha
ecoado24 no ambiente da missão metodista do século XIX, pois eles não eram o principal
problema a enfrentar. A questão principal no momento seria as intermináveis réplicas e
tréplicas doutrinárias entre a religião protestante e a católica.
Com efeito, conforme registro do museu da imigração de Santa Bárbara do Oeste
(Anexo 22)25, entre os anos de 1868 e 1869, o impedimento para sepultar o corpo da esposa
do Confederado Cel. Thompson Oliver no cemitério público administrado pela Igreja
Católica, não apenas evidenciou as profundas tensões entre as duas religiões, como
oportunizou a organização de um cemitério para protestantes, conhecido como ―Cemitério do
Campo‖. E as populações afro-brasileiras, onde eram enterradas? Há pelo menos um registro
atribuído à Professora Jair Lopes, docente do Piracicabano na década de 30, de que o primeiro
sepultamento de uma pessoa negra no cemitério ―Campo Santo‖, em Piracicaba, se deu em 2
de Dezembro de 1872. Todavia, essa informação ainda é muito superficial em relação ao que
ainda pode ser pesquisado sobre a forma como os corpos de negros escravizados e libertos
foram tratados ao longo do século XIX.
24
De certa forma, o som que o grito da abolição produziu em 13 de maio de 1888, não foi percebido pelos
metodistas, pois, estes não produziram ―ecos‖ ou feedbaeck significativos. i,e não responderam
missionariamente.
25
Foto mostra histórico do cemitério criado pelos Confederados.
71
Segundo este autor, a historiografia brasileira possui dois referenciais basilares: Karl
Von Martius (1840) e Francisco Adolpho de Varnhagen (1854). O primeiro inaugurou a
discussão ainda que de maneira colonialista, da possível contribuição da ―raça‖ negra na
formação do Brasil. Contrariando Ortiz (1994), o autor insinua que questões como
miscigenação etnicorracial e mescla cultural já estavam postas em Martius.
Para Vainfas, é com Varnhagen que o historicismo branco, elitista e imperial
determinou o início da história do Brasil nos limites históricos de 1500 a 1808. Nesse caso,
antes dos metodistas chegarem à colônia brasileira, assinala que apesar de Capristano de
Abreu em 1907 perguntar pelos ―antecedentes indígenas‖, para o autor, a ―raciologia
cientificista‖ que lhe era peculiar, o incluía na clássica lista de narradores ilustrados, a saber
―intelectuais do porte de Nina Rodrigues, Euclides da Cunha, Silvio Romero, Mello Moraes,
Oliveira Vianna e outros que, como já se disse certa vez, eram ―racistas por ofício‖.
Outro construtor da historiografia brasileira foi Manoel Bonfim (1902), que tenta
trazer o negro para a lista de colaboradores na construção do Brasil. Todavia, conforme
Vainfas (1999), o mesmo ainda estava preso também à raciologia científica. Assim como
Paulo Prado (1928), cuja perspectiva o tornava um defensor do ―arianismo brasileiro‖, ou
seja, ―branqueamento‖ do negro como forma de civilização do Brasil e Gilberto Freyre
(1933), que não via preconceito na ação colonizadora dos portugueses e por fim, a visão
histórica nostálgica de Sérgio Buarque de Holanda (1936).
Essa breve resenha apresentada por Vainfas ajuda não apenas a visualização da
evolução histórica da historiografia brasileira como um discurso acentuadamente conservador,
como também possibilita a constatação do fato de como o preconceito inter-étnico que atingiu
principalmente os índios e os negros estava profundamente amalgamado na estrutura da
sociedade brasileira desde meados do século XIX e início do século XX.
As possíveis tensões entre imigrantes metodistas estadunidenses e população afro-
brasileira podem ser identificadas num primeiro momento, nos distanciamentos relacionais,
quer pela localização de moradia dos negros, normalmente nas periferias e em situação de
risco, quer pela não priorização dos afro-brasileiros como alvos missionários por parte da
missão metodista, e ainda pela pouca visibilidade destes nas instituições metodistas, e mais,
no silêncio da historiografia metodista brasileira em relação aos principais fatos em torno da
abolição da escravatura.
73
Num segundo momento, pode se inferir tensões inter-étnicas entre americanos e afro-
brasileiros, a partir do choque cultural, assim como a partir de perspectivas teológico-
religiosas. Isso tudo, aliado à idéia racista escravagista comum a época, parece determinar
objetivamente situações históricas onde operavam o desfavorecimento ou a exploração e a
dominação de uma etnia sobre a outra. Os termos ―exploração e dominação‖ podem ser
entendidos aqui, tanto como a manutenção de um discurso colonialista, quanto de uma prática
conservadora.
Ainda é possível aprofundar a análise das tensões inter-étnicas entre a população do
velho sul estadunidense e a população afro-brasileira, principalmente se perguntarmos sobre
quem detinha a propriedade na cidade de Piracicaba e região, ou ainda como sugerem Jones
(1967:375-408) e Harter (1985:149-156), se analisarmos entre 1910 a 1930, as histórias de
desavenças familiares em torno do casamento misto entre americanas e brasileiros, italianas e
americanos, entre outras.
Contudo, será que apesar de toda essa dinâmica histórica é possível visualizar os afro-
brasileiros inseridos na estrutura institucional da Igreja Metodista até 1930?
Paulo a ter o maior número de escravos negros na época. O autor ainda indica uma população
afro-brasileira em Piracicaba na ordem de cinco mil, superada apenas por Campinas e
Bananal.
Terci e Oliveira (1991:5, 14) recuperam algumas memórias da situação dos afro-
brasileiros em Piracicaba. Entendem que a relação dos negros com a elite branca de
Piracicaba ora, era de uma resistência ativa, reafirmando seus valores culturais, religiosos e
étnico, através do ―Clube 13 de Maio‖; resistiam mais passivamente, resignificando seus
valores a partir da ideologia da elite branca piracicabana.Todavia, é no arquivo do tribunal
judiciário de Piracicaba que o perfil relacional entre afro-brasileiros e brancos fica mais
evidentemente tenso.
No tocante a exemplos de processos, crimes e fugas de escravos, denúncia de fugas
com promessas de recompensas eram constantemente registradas por proprietários de
escravos como o de Anacleto (Anexo 23)26, que fugiu da fazenda do Dr. Antonio Rodrigues
do Prado, o qual reclamou sua posse em 1871.
O escravo Theodoro (Anexo 24)27 que matou a facadas seu patrão Antonio Fernando
de Barros em 1879. Outro processo registra outro crime envolvendo o escravo Anselmo
(Anexo 25)28, supostamente foragido, que é encontrado por seu senhor Antonio de Almeida
Barros e um amigo e que, ao abordá-lo reclamando sua propriedade, o mesmo se defende
matando o amigo do patrão a facadas. Esse fato se dá em 1881.
Ainda o processo da ex-escrava Preta Rosa (26)29 que protesta na justiça contra o fato
de seu nome continuar constando no edital de bens de seu falecido proprietário José Marçal
de Souza, uma vez que antes de sua morte, o mesmo já a tinha alforriado. Certamente, os
herdeiros a queriam mantê-la ou ainda, a mantinha como escrava da família, apesar da mesma
ter sido liberta. E finalmente, o processo em que a justiça intima Pedro A. Barros (Anexo
27)30, acusado de matar seu ex-escravo Filomeno.
Tais processos de crimes, assim como o caso de fuga, não apenas exemplificam a
condição concreta dos afro-brasileiros na sociedade piracicabana, como também questionam a
26
Anacleto, crioulo, cor fula, maior de 30 anos, 1871: 1º Of.43/A. Arquivo do Tribunal Judiciário de Piracicaba.
CCMW.
27
Theodoro escravo da herança de Antonio Fernando Barros, 1879:1º Of. 30/C. Arquivo do Tribunal Judiciário
de Piracicaba. CCMW.
28
Anselmo, escravo de Luis Antonio de Almeida Barros, 1881: 1º Of.36/D. Arquivo do Tribunal Judiciário de
Piracicaba. CCMW
29
Preta Rosa, 1884: 1º Of. 43/A. Arquivo do Tribunal Judiciário de Piracicaba. CCMW.
30
Pedro de Almeida Barros, 1888: 1º Of.45/C. Arquivo do Tribunal Judiciário de Piracicaba. CCMW.
75
idéia de que os escravos negros brasileiros eram conformados com a escravatura. Pelo menos
em Piracicaba, isso não é verdade. Aliás, todos os processos citados datam antes da abolição,
o que sugere a luta dos negros de Piracicaba por sua liberdade, mesmo que forma individual.
Isto posto, parece pouco provável que os Confederados estivessem alheios a esses
fatos, a julgar pela possibilidade desses imigrantes protestantes metodistas e não-metodistas,
residentes na região de Piracicaba, possuírem também escravos, como o Cel. William Norris e
a família Blummer já mencionados. Assim, infere-se que as mesmas tensões poderiam
acontecer no contexto dos metodistas que imigraram para Piracicaba.
impõem-se como ―a verdadeira‖ civilização, um paradigma a ser seguido por todos. Um novo
tempo de prosperidade e sabedoria.
Fanon diz que ―a despeito do sucesso da domesticação, malgrado a usurpação, o
colono continua sendo um estrangeiro [...] vem de fora [...] e não se parece com os
autóctones‖. Nesse caso, se a verdade vem de fora, resta aos autóctones, imitá-la. Destarte,
provavelmente os missionários metodistas confederados se situaram no imaginário das
populações negras em Piracicaba, não muito diferentemente dos colonos europeus em geral.
Dawsey (2005:234-236) ao descrever o americano que o brasileiro viu e o brasileiro
que o americano percebeu, fala do universo histórico de Piracicaba e região por ocasião da
missão metodista de imigração, como uma experiência de identidades contrastivas e
singulares, que reforçaram a binaridade do ―nós‖ versus ―outros‖.
Para o autor, houve certa ―fricção inter-étnica‖ na relação entre as populações nativas
de Santa Bárbara e Piracicaba e as famílias de imigrantes metodistas confederadas oriundas
do sul dos Estados Unidos em meados do século XIX.
Ao se admitir que as populações negras em Piracicaba viram-se nos olhos dos ―outros‖
(brancos europeus ou americanos) como prova da assimilação de estigmas e etnocentrismos
alheios, a idéia de que a ação da missão metodista no Brasil foi significativamente conivente
com esse imaginário, é reforçada.
Todavia, o autor problematiza o fato de que igualmente, os Confederados também
assimilaram a realidade brasileira, ou seja, um Confederado vendo-se como um nativo
brasileiro (negro ou índio). O autor defende a idéia de deslocamento de subjetividades, o que
equivale olhar para o negro Benedicto MacFadden e considerá-lo mais como um jogador
mimético, do que como um alienado. De fato, muitos ―gringos‖ se adaptaram à cultura
brasileira para tirar dela sua sobrevivência ou explorá-la.
Aliás, Dawsey (2005:241) se preocupa muito mais em dar voz à memória de seus
ancestrais confederados do Sul dos Estados Unidos do que aos nativos(negros e índios) a
quem chama de ―caboclos‖.
porque, o metodismo inicia no Brasil exatamente num período em que o país quer se auto-
afirmar na comunidade internacional como um país moderno, civilizado, um estado-nação,
apesar de ainda escravocrata. As políticas de incentivo de emigração estrangeira que
beneficiam a vinda das famílias de americanos confederados cumpriam, portanto, a agenda da
modernização da sociedade brasileira. É uma pena que a historiografia brasileira não vá além
dessa imigração ―branca‖, pois cerca de 300 anos antes, de maneira forçada, já tinha havido a
imigração de africanos negros, que prepararia o solo para a modernidade.
O que Dawsey (2005:98) precisava mencionar é que antes que o vapor ‗Marmion‘
saísse de Nova Orleans no dia 1º de Abril de 1867 com 260 imigrantes, centenas de navios
negreiros já tinham singrado e sangrado o oceano com famílias de imigrantes africanos negros
escravizados em direção ao Brasil. Se as condições de viagem para os emigrantes
confederados foram difíceis como lamenta umas das confederadas, Sarah Bellona Smith T.
Ferguson, segundo Dawsey (2005:69-82), o que dizer das condições dos homens, mulheres e
crianças nos porões dos navios ‗negreiros‘?
Dawsey comenta como os confederados foram recebidos no porto do Rio de Janeiro:
―Todos foram levados para um magnífico prédio, chamado Casa do Governo, ou Casa de
Saúde [...] Nessa mansão receberam comida e moradia, enquanto esperavam o transporte para
os novos lares no Juquiá‖. Todavia, não é justo esquecer de incluir na historiografia as
condições infames com as quais os negros africanos encontraram nos portos de Salvador, de
Pernambuco, Rio de Janeiro, Santos, etc, quando do seu desembarque. Quem receberam as
famílias de escravos africanos? Os mercados, os traficantes de gente, o sofrimento, a solidão,
a morte.Portanto, os confederados americanos metodistas participaram do processo de
colonização do Brasil, ainda que tardiamente.
Com efeito, Santos (2006:32) sublinha que nesse processo de dominação, a ausência
da ―solidariedade‖, presentificada pela ignorância colonialista que além de desperdiçar
conhecimentos alternativos, resulta na rejeição do reconhecimento do outro como igual e na
sua conversão em objeto, sob o rótulo de ―selvagem = não civilizado, estranho aos hábitos,
costumes, religião e cultura hegemônico-européia.
Tais considerações se encontram com a prática missionária metodista, na medida em
que o público alvo da missão no Brasil, no recorte histórico dado, foi basicamente, a ‗elite
brasileira‘. Além do que, o fato das colônias americanas se organizarem geográfica e
78
4. Conclusão provisória
Durante o processo de implantação do metodismo em Piracicaba, desde a imigração
até o estabelecimento do Colégio Piracicabano e da própria Igreja Metodista, uma perspectiva
etnocêntrica americana aliada à ideologia escravagista, encontra no Brasil do século XIX um
ambiente significativamente acolhedor. Apesar da ideologia do ―branqueamento‖ ter
favorecido as imigrações dos Confederados para o Brasil, estes tiveram muitas dificuldades
para aceitar o ―status‖ que a mulatização impunha sobre alguns afro-brasileiros.
Em pleno contexto de organização social e consolidação do Estado Brasileiro, os
fazendeiros metodistas trazem contribuições significativas; seja para agricultura, por meio de
inovações tecnológicas como o arado e outros implementos agrícolas. Seja na área da
educação, com as novas perspectivas pedagógicas que fizeram do Colégio Piracicabano um
importante centro de ―ciência e virtude‖ a partir de ênfases filosóficas pragmáticas e
compatíveis com o anseio da elite piracicabana do século XIX. Na política, o caráter
progressista do pensamento liberal não apenas fortaleceu o partido liberal brasileiro, como
também ajudou no aniquilamento do império de D. Pedro II.
Diante do exposto, os metodistas tiveram em Piracicaba um forte apoio da elite, em
especial do Presidente Moraes de Barros e sua família, principalmente na fundação do
Colégio Piracicabano.
Com efeito, não houve relações consistentes entre missionários Confederados e
abolicionistas brasileiros e tampouco com afro-brasileiros. Em Piracicaba, apesar das
79
Introdução
Perguntar pela inserção e ascensão dos afro-brasileiros na Igreja Metodista no final do
século XIX permite a possibilidade de avaliação do trabalho missionário dos imigrantes
metodistas estadunidenses. Nesse sentido, este capítulo aborda o recorte histórico de 1867,
quando tudo começa, até a transição para sua consolidação institucional, em 1930.
A partir da análise nos arquivos da Igreja Metodista Central de Piracicaba e do Museu
Martha Watts, se procurará explicitar o rosto afro-brasileiro buscando sua presença no rol de
membros da igreja, nos quadros docente , discente e de funcionários do colégio Piracicabano,
assim como no quadro de pastores da Igreja Metodista em Piracicaba.
Finalmente, será feita uma abordagem das possíveis dificuldades metodológicas para
atingir esses objetivos.
característica muito denominacionalista tenha sido o primeiro obstáculo para uma eclesiologia
protestante brasileira mais inclusiva. Os americanos viveram uma experiência de esforço
comum na construção de um templo que se reuniam periodicamente, mas, apesar de todos
vierem do sul estadunidense, cada grupo professava uma tendência protestante.
Bosch (2002:334, 342) avalia esse tempo, identificando a missão protestante ―no
espelho do iluminismo‖, em que a missão praticada pelos missionários era ―em um grau
muito significativo, produto do iluminismo‖. Todavia, esse cristianismo ―iluminista‖ iria, a
partir de o segundo despertar, construir um senso de urgência que iria alavancar empresas
missionárias oriundas de várias igrejas protestantes dos Estados Unidos, para quase toda parte
do mundo. No caso da Igreja Metodista Episcopal do Sul, Salvador (1982:72) lembra que sob
a insistência do Rev. Newman, enviou seu primeiro missionário, a saber, o Rev. J. James
Ramsom.
Parece relevante perguntarmos pelo tipo de igreja que o movimento metodista iria
consolidar em Piracicaba no século XIX. A propósito, Bosch (2002:451, 452), ao analisar a
relação entre a igreja e o mundo, chama a atenção para o fato de que durante muito tempo, a
igreja passou a ser um mundo em si mesma e que ―o ministério e a vida cristã eram definidas,
exclusivamente, em termos de pregação, culto público, pastorado e caridade‖. Para o autor,
esse tipo de paradigma missionário reduz a missão a uma mera institucionalização, em que a
manutenção da freqüência regular de membros, muitas vezes tende a circunscrever-se a um
tipo de perfil étnico, social, cultural ou econômico, daí, conforme o autor teríamos um tipo de
igreja estática. Para Moltmann (1977) segundo Bosch (2002:453), ―a palavra final da Igreja
não é ‗igreja‘...‖ ou seja, a kerigma da igreja precisa transcender a mera institucionalização.
Parece que a igreja metodista instituída em Santa Bárbara do Oeste possuía esse perfil
estático; quem afirma é Salvador (1982:146): ―a reduzida congregação de Santa Bárbara,
ilhada na zona rural, com seus 35 membros de língua inglesa, pouco se esforçou no sentido de
evangelizar os brasileiros‖.
Para Bosch, ―a igreja não é o reino de Deus‖; pode ser um início deste. E tampouco
fazer missão é chamar pessoas para dentro da Igreja como se esta fosse uma sala de espera
para o céu. É por isso que a igreja não deve se manter alheia às demandas da sociedade e de
seus mecanismos estruturantes.
Quando se analisa alguns órgãos e ambientes institucionais da Igreja Metodista em
Piracicaba entre os anos de 1867 a 1930 o quê pode ser constatado? Em vista de suas
82
empresas missionárias motivadas pelo moto: ―espalhando a santidade bíblica por toda a terra‖,
numa terra em que a base econômica era o plantio de algodão e da cana de açúcar e a mão de
obra era escrava, seria plausível a expectativa de que a Igreja contemplasse em sua membresia
os afro-brasileiros. Todavia, não foi o que aconteceu.
31
Acervo do Centro de Memória Martha Watts
83
também advém dos limites impostos pelos critérios de catalogação de dados da época.Em
Piracicaba, os modelos dos Livro de rol de membros permanente ou mesmo do colégio
piracicabano, não dispunham de campos específico indicando etnia/raça ou qualquer outra
explicação que pudesse dar visibilidade aos eventuais membros da igreja local , apesar de que
a quantidade de documentos analisada não é suficiente para uma conclusão definitiva tanto da
ausência, quanto da presença de afro-brasileiros nessas instituições. Nascimento (1978:74)
afirma que apesar dos dados do IBGE entre os anos 1872 a 1930 apresentarem uma crescente
diminuição da população negra no país, isso não condizia com a realidade concreta dessa
população. Pois, tal distorção fazia parte do projeto de ―embranquecimento‖ do Brasil,
política fortemente defendida no período. Essa ideologia que inclusive prognosticava o
enbranquecimento total do Brasil até o ano 201233, não apenas tentou esconder os afro-
brasileiros na historiografia e pesquisas do IBGE, como afetou significativamente sua relação
com a igreja metodista.
33
João Batista de Lacerda, teria predito no 1º Congresso Universal de Raças, acontecido em Londres em 1911
que a raça negra seria extinta do Brasil em 2012.
34
O livro de Rol de membros foi reescrito a partir de 1883. Acervo da Igreja Metodista Central de Piracicaba
35
Acervo do Centro de Memória Martha Watts
85
36
Com uma lupa foi possível identificar o nome completo de Ludgero, escrito a lápis já bem desgastado pelo
tempo na seção de observações do livro
86
37
Galeria de pastores da Igreja Metodista Central de Piracicaba
38
Nas fotos, é quase impossível identificar afro-brasileiros nas várias atividades sociais e acadêmicas do colégio
87
grande legado Wesleyano de ―Espalhar a santidade bíblica por toda a terra‖, incluindo todas
as pessoas e preferencialmente os excluídos.
Oportunamente, Heitzenrater (2006:167) lembra a percepção sócio-educacional de
John Wesley (1703-1791) que transformou uma antiga fábrica de fundição em escola no
contexto inglês do século XVIII. ―Wesley começou a equipar a Fundição para atender muitas
outras crianças que vagavam pelas ruas como ―potros selvagens‖, e seus pais não podiam
enviá-las à escola. Ele contratou dois professores para ensinar a ler, escrever, fazer contas‖.
Com essa mesma filosofia educacional, Cardoso (2003:227) indica que Wesley fundaria a
Escola ―Kingswood‖ em 1748.
A propósito, Barbosa (2005:57) cita uma escola alternativa criada pela Professora
Francis S.Koger, que muito provavelmente tenha alcançado os filhos de famílias afro-
brasileiras. Destaca que esse projeto teria sido resultado de sua percepção da realidade social
das famílias pobres da periferia de Piracicaba. Organizada no início de 1883 e encerrada no
final deste mesmo ano, a escola foi reaberta ainda em Dezembro do mesmo ano pelo
professor Severo Augusto Pereira. Kennedy afirma segundo Barbosa, que a escola tinha
muitas limitações financeiras, já que era um projeto basicamente beneficente e funcionou por
apenas 3 anos. Outro fator que ocasionou também o curto funcionamento da escola foi o fato
de não ter sido muito bem aceita pela clientela majoritariamente católica da periferia
piracicabana. Acredita-se que tal desconfiança, tenha sido alimentada ainda mais pelo tom
proselitista dos dirigentes da mesma.
Cardoso (2003:228-230) concorda que a ênfase do projeto educacional metodista
privilegiou o individualismo e a competitividade. No entanto, de acordo com Mattos (2000)
segundo Cardoso, ―podemos hoje discordar das premissas ideológicas missionárias, mas
temos de entender as circunstâncias históricas que acabaram condicionando a implantação do
metodismo no Brasil‖. Contudo, Cardoso entende que ―também é preciso reconhecer que tal
filosofia, elitista, não produziu mudanças estruturais na sociedade, apenas reforçou o status
quo característico do capitalismo liberal.‖
tornaria diretor do Piracabano, a saber, Cly de Lloyd, seguido de Mister Cooper, ambos
americanos. Em 1935, o professor Irineu Guimarães assumiria a o cargo de diretor da escola,
sendo, portanto, o primeiro diretor brasileiro. Quiçá, sejam encontrados afro-brasileiros tanto
no corpo docente, quanto na diretoria nas décadas subseqüentes, porque de 1881 a 1930 não
há registros.
XIX, amplia a discussão em termos da América Latina, chamando a atenção para um tempo
em que tanto a doutrina Monroe era vista pelo nacionalismo ―crioullo‖ com muita
desconfiança. O autor entende que essa desconfiança era visível nas discussões das ―grandes
reuniões missionárias‖. Josgrilberg (2005:49-51) considera que os missionários americanos
eram constrangidos nessas reuniões, por conta de um acentuado anti-ianquismo.
Curiosamente, apesar do autor achar que o nacionalismo latino emergente tenha contribuído
para a idéia de autonomia do metodismo brasileiro, sugere que isso não significou a
construção de um projeto missionário e eclesiástico com nítida fisionomia nacional. Ou seja, a
doutrina de Monroe prevaleceu na estrutura, organização, teologia e missão da Igreja
Metodista Brasileira. Para Josgrilberg, o projeto de autonomia para uma igreja brasileira
falhou. Ela não se ―abrasileirou‖. ―O perfil da Igreja continuou, depois da autonomia, uma
derivação do metodismo americano do sul‖.
Se consideradas as avaliação de Josgrilberg e Reily (1981:34-41) fazem da década de
vinte, mais especificamente quando Reily, destaca inclusive, o contexto da eleição do
primeiro bispo para atender a recém organizada Igreja Metodista brasileira, pode se inferir
que tais perspectivas e tensões mencionadas anteriormente pelos autores, ajudaram
provavelmente a definir o resultado das eleições episcopais. A propósito, o autor indica que
apesar dos dois candidatos brasileiros, Guaracy Silveira, César Darcoso Filho, parecerem os
―candidatos prediletos‖, H.C.Tucker e J.W.Tarboux ambos não-nacionais, foram os bispos
eleitos para a Igreja Metodista brasileira.
Se Guaracy Silveira e César Darcoso foram considerados ―prediletos‖ e o processo
eleitoral foi ―disputadíssimo‖ conforme pontua Reily, pelo menos um desejo latente de
reafirmação da identidade nacional pulsava nos corações dos conciliares brasileiros do
primeiro Concílio Geral, realizado de dois a nove de setembro de 1930. Prevalceu o
pensamento hegemônico americano mais uma vez sobre os nacionais? Essa hipótese parece
passar no teste. Todavia, não sem a resistência dos brasileiros. A propósito, Reily (1981:43)
admite ter havido ―desavenças e conflitos pessoais entre nacionais e missionários‖,
―arrogância de certos missionários‖ e ―inépcia de secretários da Board‖. Dentre as indagações
feitas pelo autor sobre o processo de autonomia, as questões, por que a Igreja Metodista
Episcopal do Sul, ―... mandou Mouzon e não Cannon como o bispo da Comissão sobre a
Igreja Metodista? Por que Cannon não participou da sagração de Tarboux?‖, parece que
90
foram respondidas por Josgrilberg (2005:14), quando afirma que Cannon era contra a
autonomia da Igreja Metodista Brasileira.
Na verdade, a autonomia não pressupunha independência total e imediata. Teria um
período probatório de 3 anos conforme assinala Oliveira (2005:61). ―A maioria das igrejas
optou pela autonomia, planejando alcançar o sustento próprio dentro de três anos. Elas
optaram pela forma de governo episcopal e por um bispo estrangeiro [...] Para as escolas e
colégios, optaram pelo status quo‖. Segundo o autor, Guaracy Silveira e César Darcoso Filho
não queriam uma independência radical da Igreja Metodista Episcopal do Sul, como queriam
principalmente. Autonomia para eles seria num controle financeiro pela conferência nacional,
todavia, mantendo uma certa dependência de recursos financeiros e humanos da IMES. Ferraz
avalia que desde 1896, muitos clérigos desejavam uma igreja nacional. Todavia, uns foram
mais enfáticos. Por exemplo, Oliveira (2005:66) registra que ―Em 1918 organizou-se um
grupo – denominado por Otilia Chaves de ―Ala da resistência‖ — constituído principalmente
pela primeira turma de diáconos formados no Granbery‖.
Com efeito, parece que na época essas questões eram mais urgentes que a questão da
inserção ou mesmo a evangelização dos afro-brasileiros. Pode se inferir que a questão
econômica e política está sempre determinando as pautas de discussão do metodismo
brasileiro não apenas no século XIX. Portanto, conforme se observa nas fotos (Anexo 36)39
desde a quinta Conferência anual brasileira em 1890, até a Comissão Constituinte da Igreja
Metodista do Brasil e finalmente entre os participantes do 1º Concílio Geral em São Paulo, é
peremptória a invisibilidade de afro-brasileiros(as) no contexto de consolidação da autonomia
da Igreja Metodista Brasileira.
Para Reily (1984:195), a eleição em 1934 do Rev. César Darcoso Filho, como o
primeiro bispo brasileiro, ―marcou um passo importante na nacionalização da Igreja
Metodista do Brasil‖. Contudo, o bispo J.W.Tarboux ainda foi eleito nesse mesmo Concílio,
em primeiro lugar. De fato, a Política missionária e eclesiástica desde 1867 esteve
definitivamente sob a direção dos missionários americanos. A possibilidade da eleição do
bispo César Darcoso Filho marcaria um momento de transição na política institucional, que
precisaria de muito mais tempo para incluir a possibilidade de um bispo afro-brasileiro.
39
Foto In: SOUZA, José Carlos. Caminhos do metodismo no Brasil: 75 anos de autonomia. São Bernardo do
Campo, Editeo, 2005.20.
91
6. Conclusão provisória
A propósito, a narrativa histórica do ―órgão de comunicação oficial‖ da Igreja
Metodista de 1886 a 1930, não considerou, por exemplo, a realidade do segmento
populacional afro-brasileiro e tampouco a realidade interna da missão metodista brasileira.
92
Aliás, essa ignorância foi proposital e estava em perfeita harmonia com a ideologia burguesa
do século XIX e XX, o que demonstra que a transição movimento-instituição do metodismo
brasileiro, reproduziu o status quo.
A perspectiva positivista e pragmática americana foi determinante na organização
eclesiástico-administrativa do metodismo brasileiro, de forma que a catalogação de
documentos e prioridades temáticas, assim como os modelos de arquivos também não
favoreceu o registro da participação de afro-brasileiros. É possível que tenham inúmeros
membros afros no rol de membros da Igreja Metodista de Piracicaba no período, todavia não
foi possível identificá-los.
No que tange à inserção dos afro-brasileiros na instituição metodista, pode-se
inferir,provisoriamente, que a causa de sua invisibilidade deveu-se ao fato de não terem sido
alvo da missão metodista no século XIX. E em razão disso, os baixos índices de catecúmenos
afro-brasileiros nas igrejas locais e nas escolas metodistas explicam a ausência destes, tanto
no corpo pastoral ordenado da Igreja Metodista, quanto no corpo docente e administrativo do
Colégio Piracicabano, até 1930.
O processo histórico de autonomia do movimento metodista e de organização da Igreja
Metodista Brasileira no final do século XIX deveu-se a alguns atores e a algumas variáveis de
ordem política e administrativa. Conseqüentemente, pode-se pontuar que uma política
conservadora e marcadamente exclusivista foi um dos fatores que impediram a ascensão de
homens e mulheres brasileiros(as) e afro-brasileiros(as) na instituição metodista até o início
do século XX.
93
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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