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ISSN: 1415-1138
clinica@psycheweb.com.br
Universidade São Marcos
Brasil
Rinaldi, Doris
A dinâmica da neurose obsessiva e os impasses no campo do desejo: o trajeto de uma análise
Psychê, vol. VII, núm. 12, dezembro, 2003, pp. 65-79
Universidade São Marcos
São Paulo, Brasil
Resumo
Unitermos
que imaginava que o outro esperasse dela. Mas não tinha a ver com esse
papel, não era autora. Estava aprisionada a uma imagem que acreditava
ser aquela que o outro amava, mas que estava a uma distância de si mes-
ma que é, como diz Lacan, aquela do sujeito consigo mesmo, na medida em
que tudo o que faz nunca é para ele – é um jogo que só beneficia a imagem
(1962-63, lição XXIV).
Nesse ponto da análise verifica-se uma reviravolta na interpretação que
dava aos episódios do “cocô nas calças”, não mais pela via da inveja do pênis,
mas sim pela relação com a mãe, em que se configura claramente de que
forma colocara-se como falo da mãe. Afirma que tudo o que fez sempre foi
para agradar a mãe, agradar ou agredir, trazendo à tona a ambivalência típica
do obsessivo, de amor e ódio. Ao dar-se conta disso, ela diz: “Não reconhecia a
minha parte, minha autoria, meu desejo, meu lugar” – o que representa uma
mudança discursiva.
Novamente expressa o desejo de terminar a análise, mas não me per-
gunta mais o que acho e diz: “eu não sei, nem você sabe quando será esse
final; é o meu inconsciente que vai dizer”. O reconhecimento da existência de
um saber inconsciente evidencia a disjunção entre saber e verdade, precipi-
tando o momento de concluir, por meio de um terceiro grande deslocamento.
A produção de um sonho nesse instante chama a atenção, ao trazer um menino
sendo cortado, “abrindo e soltando a língua”. Associa isso à castração do
Outro – esse Outro todo poderoso que sempre quis ser. Eu a remeto à sua
própria castração.
Daí em diante traça na falta, onde se viu por muito tempo mergulhada,
fixada em um gozo melancólico, o que chama de “limite do limite”, fazendo
com que a falta perca sua condição de absoluto. Diz: “antes era tudo ou nada,
a qualquer dificuldade me anulava. Estou percebendo agora o limite da falta”,
o que introduz uma ruptura no signo da negatividade que a representava. Diz
que está vivendo a perda, a separação, com alívio e tristeza. Observa-se aí
uma transformação da falta em perda, que aponta para um processo de
subjetivação da falta.
O terceiro grande deslocamento, que inaugura o momento de con-
cluir, ocorre quando diz que quer “mudar o esquema de escuta”, e acres-
centa: “me escutar”. A partir dessa fala, faz uma retrospectiva da análise
nas suas diversas fases, dizendo: “Antes era sempre o outro, depois o que
eu achava que o outro queria, depois o que eu queria que o outro quisesse,
e agora sou eu e meu desejo. Reconheço autoria na minha vida”. Diz que
estava “perdida na perda”, “ausente de minha própria vida. Era sempre os
outros, o Outro. Eu negava a minha vida”. Com isso assume o lugar de
intérprete de sua análise, apontando os momentos de resistência e o lugar
do analista na condução do processo. Permaneço em silêncio como teste-
munha desse movimento.
Nesse momento passa a abordar a relação com a analista, colocando em
foco a questão da transferência e seu destino no final de análise. Ao fazer isso,
fala da separação e do que isso representa de desconhecido, de vazio – um
vazio, segundo ela, diferente porque “produzido” por ela, “querido”, inaugu-
rando um processo de luto, em que algumas questões se recolocam, agora
diretamente vinculadas à própria análise e à relação transferencial.
A mudança discursiva realizada permitiu-nos supor que estávamos dian-
te de um final de análise que demandava maior elaboração. É justamente
nesse ponto, contudo, que a analisante se vê novamente embaraçada, ao pre-
cipitar-se em relação ao fim, fixando uma data para o encerramento da aná-
lise. O término da análise, apesar de sustentado por ela como conseqüência
do trabalho realizado, em que pôde se reconhecer como sujeito do desejo, é
vivido, na “hora marcada”, com grande perturbação, que evidencia a an-
gústia que a invade. Essa angústia traz para a boca de cena a questão da
morte, e é desse ponto extremo que ela recua, ao recobrir novamente seu
desejo com uma demanda – a demanda de final de análise. Essa demanda,
projetada no Outro, assume a forma negativa de uma suposta recusa da
analista em atendê-la, em que reproduz o sintoma de exclusão que marcou
sua vida. Manifesta-se uma vez mais sua dependência do Outro, pois ela
espera que a analista a autorize.
O recurso à demanda do Outro, como modo de viabilizar seu desejo
opera ao mesmo tempo como uma defesa em relação ao que ela mesma
designou como um “suicídio”. A hipótese do fim da análise, apreendida
como realização de desejo, coloca-a na iminência da morte, mostrando cla-
ramente o modo como seu desejo se constituiu. O que vemos ressurgir
nesse instante é o desejo como condição absoluta, na medida em que com-
porta a destruição do Outro, isto é, como desejo de morte, o que a coloca
no impasse de sustentá-lo como impossível, recobrindo-o com uma de-
manda negativa em que se agarra ao Outro (Cf. Lacan, 1957-58, p. 399-
434). Nesse curto-circuito em que se precipita, é a subjetivação da morte
como perda, castração, que é negada. Lembramos aqui a observação feita
É por não suportar assumir esse lugar de desejo, naquilo que acarreta
em termos de separação, que reproduz em relação à própria análise esse lugar
excêntrico – sempre “fora” – em que situou seu desejo, o que a leva a anulá-lo
por meio de uma posição agressiva. O término da análise, ao ser vivenciado
como “situação-limite”, reativa a fantasia de “cair fora”, em que a perda é
evitada. É contudo a perda, que paradoxalmente exerce uma forte atração
sobre ela, apresentando-se sob a forma de uma “fixação”.
O momento de concluir
O que esta experiência de análise nos ensina? Não resta dúvida de que
o modo como se constitui a dialética da demanda e do desejo no caso da
neurose obsessiva tem valor determinante nos destinos da análise e nos
impasses que ela enfrenta. Mas será este um destino inelutável, em que se
dá relevo ao caráter “incurável” da neurose obsessiva? Sem entrar no méri-
to da discussão sobre a noção de cura em psicanálise – o que demandaria um
outro trabalho – até que ponto pode-se esperar nesses casos, quando a aná-
lise é levada muito longe, um fim de análise concebido como acesso a um
novo discurso, isto é, “uma nova resposta dada à afetação pelo Real” (Weill,
1993, p. 11)?
Algumas questões colocaram-se para mim, particularmente na fase final
desta análise. De um lado a continuidade do tratamento, sustentada pelo
desejo do analista, apresentou-se como o único caminho a seguir nesse ponto
crucial de virada da experiência, que viabilizaria uma elaboração da angústia
de castração. De outro, não poderia esquecer a advertência de Lacan, quando
chama a atenção para o fato de que a análise comporta uma dimensão análoga
à da demanda, que é justamente por onde o obsessivo tenta escapar. Algo
desse modo característico do obsessivo de se relacionar com seu desejo sub-
siste até um ponto muito avançado, e Lacan chega a indagar-se se esse ponto
é passível de ser ultrapassado.
Com isso entramos na questão da irredutibilidade da neurose de trans-
ferência e, portanto, dos limites da análise. Se a análise da transferência deve
girar em torno do objeto a, para não rodar em círculos, no ritornello dos
significantes que não fazem ato, como isso ocorre no caso da neurose obsessi-
va, uma vez que esse objeto como causa situa-se no nível da demanda, isto é,
Nota
1. A utilização das duas expressões – grande Outro e pequeno outro – em uma mesma formu-
lação é proposital, tendo em vista que o obsessivo opera uma degradação do Outro em
outro, como já foi indicado no texto.
Referências Bibliográficas
FREUD, S. (1920). Além do princípio do prazer. In: ___. Obras completas. Rio de Janeiro:
Imago, 1976. vol. XVIII.
WEILL, Alain. D. Os três silêncios. In: ___. (org). Fim de uma análise, finalidade da
psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
The obsessive neurosis presents a complexity and a wealth of aspects challenging the
analysts’ theoretical tenets and its clinical practice. The difficulties faced in the conduction
of the treatment of obsessive neurotics are not small, in view of the way it processes the
dialectic of the demand and the desire in these cases. Therefore, our intention is to discuss
the dynamics of the obsessive neurosis and its impasses in the field of the desire, through
the reflection on the trajectory of an analysis, particularly its final stages, when the end of
the analysis is in question.
Keywords
Doris Rinaldi
Psicanalista; Professora do Mestrado em Psicanálise do Instituto de Psicologia/UERJ;
Coordenadora do Curso de Especialização em Psicanálise e Saúde Mental (IP/UERJ);
Membro da Intersecção Psicanalítica do Brasil.
– recebido em 14/04/03 –
– aprovado em 22/07/03 –