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Nada como a incerteza

Um matemático decide arriscar


João Moreira Salles

Mathematics without Borders

Quando menino, Jacob Palis pensava que cientista era alguém que pensava
muito e fumava cachimbo. Cachimbo, ele nunca chegou a fumar de verdade;
já pensar muito, sim, ele é réu confesso, mas que ninguém ache que o hábito
coíba a impulsividade. “Diga aí, Elon, quem é o melhor matemático
estrangeiro que passou pelo Brasil nos últimos tempos?”, perguntou ele, em
1962, aos 22 anos, ao matemático Elon Lages Lima. “Steve Smale”,
respondeu Lima, na época com 33, doutor por Chicago, onde conhecera
Smale.

“Então é com ele que eu vou estudar.” E foi, o que estava longe de ser uma
decisão sensata. Smale tinha fama de não dar muita atenção aos alunos de
doutorado por se preocupar demasiado com política – não raro, pedia aos
doutorandos que deixassem a matemática de lado para participar de ações
contra a Guerra do Vietnã. Como se não bastasse, tivera pouquíssimos
orientandos, de forma que Palis seria um dos primeiros, quase um
experimentando. O conjunto da obra não foi o suficiente para que o brasileiro
mudasse de ideia. Smale era o melhor, só isso importava.

Mudou-se para Berkeley, e já no meio do doutorado começou a publicar


resultados importantes em parceria com seu orientador, um dos maiores
matemáticos de seu tempo. O título de doutor veio em 1967.

Não demorou muito para que Berkeley o contratasse como professor-


assistente. A vida parecia arranjada – a qualidade da matemática que vinha
produzindo permitia-lhe sonhar com uma carreira acadêmica estável e bem-
sucedida nos Estados Unidos. Tal idílio reconfortante veio abaixo assim que
lhe caiu nas mãos o pequeno volume que o cientista americano James Watson
escrevera sobre os Laboratórios Cavendish, na universidade inglesa de
Cambridge, nos quais ele e o inglês Francis Crick descobriram a estrutura do
DNA. Aquilo foi um descortino. A circulação de grandes cientistas, o
ambiente de conversas e discussões – pensou que tudo aquilo podia ser
reproduzido numa instituição brasileira dedicada à matemática, uma ciência
adequadamente pobre que não exige mais do que ideias, entusiasmo, papel e
caneta – itens baratos. Em meados de 1968, Palis pediu demissão de Berkeley
e em agosto estava de volta ao Brasil.

“Voltar nos anos 60 estava longe de ser óbvio”, conta Marcelo Viana, ex-
aluno de Palis. “Um colega de doutorado dele comentou que, enquanto todo
mundo queria fazer carreira na pesquisa, o Jacob tinha uma visão de futuro
muito mais abrangente, que incluía a ideia esquisita de voltar para o Brasil. Na
época, o que havia por aqui era uma pequena comunidade, muito sofisticada
no seu topo, mas era uma sofisticação de meia dúzia.”

Meia dúzia era o que bastava. Já estavam por aqui Manfredo do Carmo e Elon
Lages Lima, cientistas que fizeram um percurso semelhante ao de Palis e que
pensavam como ele, além de Mauricio Peixoto e Leopoldo Nachbin,
fundadores do Impa. (Lélio Gama, o terceiro fundador, figura muito
respeitada pelos colegas, àquela altura se dedicava mais à administração do
que à pesquisa.)

Peixoto e Nachbin dividiam o tempo entre os Estados Unidos e o Brasil.


“Mauricio fazia pesquisa em Brown; Leopoldo, em Rochester. Era uma
questão de sobrevivência absolutamente legítima”, diz Palis. Embora
compreensível, a dupla filiação levava a matemática brasileira a ser pouco
mais do que a soma das pesquisas realizadas por cientistas fora do país. Palis
era mais novo, podia arriscar. Decidiu não ter dois empregos, um lá, outro cá.
“Nunca tive. Isso foi muito importante.”

O primeiro emprego foi na Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas logo


percebeu que não se tratava do lugar adequado para construir o seu
Cavendish. “A universidade era complexa. Não queria marcar passo, queria
atropelar.” O Impa era mais leve, mais ágil. Foi para lá.

Jacob Palis desceu do ônibus com livros escorrendo pelas mãos. Naquele
sábado, voltava para casa depois de um dia de estudos. No caminho, deu com
José Pelúcio Ferreira, homem-chave no desenvolvimento da ciência no Brasil.
Ferreira criara, dentro do BNDE (ainda sem o S), um fundo pioneiro para
financiar programas de pós-graduação em universidades brasileiras, e era,
naquele ano de 1970, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos, Finep.

Em parte, Palis regressara ao Brasil estimulado pelo novo ambiente de auxílio


à ciência criado pelo homem com quem acabara de topar. Por orientação de
Ferreira, recursos públicos passaram a ser destinados aos melhores grupos de
pesquisa, não às instituições de maior renome – “Instituições são pesadas, não
devem ser premiadas pela sua história”, diria Palis anos mais tarde, num vídeo
produzido pelo Impa. A ideia era música para o jovem matemático.

“De onde você está vindo assim num sábado, Jacob?”, perguntou Ferreira, de
olho na pilha instável de livros. “Do Impa”, respondeu Palis. “E o que você
tem feito por lá?”, quis saber Ferreira. “Sonhado com um encontro
internacional de matemáticos”, respondeu Palis. E foi assim, dessa troca de
frases numa esquina de Laranjeiras, que nasceu o Simpósio Internacional de
Sistemas Dinâmicos de 1971, de importância capital para o desenvolvimento
da matemática brasileira.

Financiado pela Finep – Ferreira estendeu ali mesmo, na rua, o apoio ao


evento e ainda estimulou Palis a ser mais ambicioso – e organizado por Palis,
Lima e Peixoto, o encontro, ocorrido em Salvador, reuniu o que havia de
melhor na matemática mundial. Vieram cerca de sessenta convidados de fora,
muitos deles figuras capitais em seus campos, medalhistas Fields e futuros
medalhistas Fields. Alunos e jovens matemáticos brasileiros puderam trocar
ideias com os príncipes da ciência, numa convivência que confirmava a
convicção de Manfredo do Carmo de que a matemática é uma “ciência de
tradição oral”. Nunca havia acontecido encontro tão destacado de matemáticos
no país.

Construíam-se ali as bases de uma cultura científica cosmopolita e de ambição


intelectual, sem a qual nenhum processo de fertilização é capaz de prosperar.
Basta um contraexemplo: nos anos seguintes ao fim da Segunda Guerra
Mundial, dois dos maiores matemáticos do século XX, os franceses Alexander
Grothendiecke André Weil (irmão da pensadora Simone Weil), lecionaram
por dois anos na Universidade de São Paulo. Ao partirem, não deixaram nem
seguidores nem legado aparente. A terra não estava preparada. Faltava um
solo propício capaz de acolher o que tinham a ensinar.
A partir do congresso de 1971, tudo se acelerou. “Eu mandava brasa”, lasca
Palis, no tom divertido que parece ser o seu modo de interagir com o mundo.
Dois de seus primeiros alunos, o mineiro Welington de Melo e o uruguaio
Ricardo Mañé, completaram o doutorado em cerca de dois anos. “A rapidez
não era em sacrifício da qualidade”, esclarece, “só não tinha burocracia.”

É outro ponto importante: não só a pesquisa matemática brasileira era agora


realizada no Brasil, como alunos talentosos não precisavam mais encarar o
estrangeiro como único destino para um doutorado de qualidade. Numa
conversa de Palis com Melo e Viana gravada pelo Impa em 2011, Viana
chamou a atenção para esse aspecto: “Em muitos países ainda há a ilusão de
que o pesquisador pode fazer a sua matemática longe e com isso desenvolver
o campo em seu próprio país. A meu ver, isso é um erro de proporções
históricas. No Brasil essa é uma etapa vencida.”

Nos anos seguintes, Palis seria um orientador ativíssimo. A sua genealogia


acadêmica inclui hoje 42 alunos e 141 descendentes – doutores formados por
doutores que ele formou. Tamanho empenho pedagógico se deu a par de seu
trabalho de pesquisador. Palis é um dos pesquisadores mais respeitados da
matemática brasileira, com trabalhos que vêm apontando direções para o
campo em que atua. Parte importante de sua pesquisa se debruça sobre as
regiões mais caóticas de várias famílias de sistemas dinâmicos, lugares
arredios ao conhecimento, identificando neles o que pode ser sabido.

À pesquisa e ao ensino, Palis acrescentou a ação institucional. Os


Laboratórios Cavendish não surgiram a partir do éter: integravam um sistema
complexo, em que as dimensões acadêmica, política e econômica se
interpenetravam. Não haveria de ser diferente por aqui. Para que a ciência
prosperasse, era necessário articular-se com o poder público e estabelecer
vínculos com instituições fortes fora do país.

A partir da década de 80, Palis começou a ocupar cargos na burocracia


internacional da matemática. Concomitantemente, assumia obrigações
importantes por aqui. De 1993 a 2003, foi diretor do Impa. Em 1998, foi eleito
presidente da União Internacional de Matemática (IMU), cargo máximo da
organização que representa o conjunto dos matemáticos do mundo. Em , livro
que conta a história da IMU, Palis é mencionado logo nos agradecimentos; no
índice onomástico, seu nome tem doze remissões, mais do que a maioria dos
outros cientistas citados ao longo de uma narrativa que começa na virada dos
anos 1900. Desde 2007, preside a Academia Brasileira de Ciências.

Palis foi também protagonista da criação de estruturas correlatas à IMU, como


por exemplo a União Matemática da América Latina e Caribe, Umalca,
fundada em 1995 numa das salas do Impa. “Acredito muito em redes
internacionais”, diz ele, “e desde que surgiu a Umalca a colaboração entre a
América Latina e o Impa passou a fluir bem.” Mais que isso: como a presença
do Impa dentro da Umalca é forte, o instituto brasileiro passou a ser o destino
preferencial dos alunos mais brilhantes da região.

“Com o decorrer dos anos”, escreveu Elon Lages Lima, “os limites do Impa
deixaram de ser os limites geográficos do Brasil.” De fato, hoje 50% dos
alunos de mestrado e doutorado da instituição – o Impa não oferece cursos de
graduação – são estrangeiros. Interagem com professores do quadro da
instituição oriundos dos Estados Unidos, da Rússia, da Letônia, do Chile,
além de se exporem a um fluxo constante de visitantes internacionais, tradição
iniciada pelos fundadores no final da década de 50, quando Stephen Smale,
Fields de 1966, e o francês René Thom, Fields de 1958, passaram temporadas
no Impa.

Essa lenta construção de uma massa crítica de bons pesquisadores brasileiros,


essa abertura para o mundo aliada à ambição de fazer parte dele, foi aos
poucos chamando a atenção da matemática internacional para uma
comunidade que não era central no mundo científico.

“As pessoas odeiam a incerteza”, declarou Palis numa entrevista a Jô Soares,


“pois eu tenho a mania dela: eu acho a incerteza ótima.” Falava sobre a
natureza de seu trabalho – o estudo de fenômenos cujo desfecho é incerto.
Mas podia ser também uma receita de percurso. Todas as apostas que fez
foram tiros no escuro. Deram certo, podiam não ter dado. Palis precisou de
apenas duas palavras para responder sobre que conselho daria a quem
estivesse começando na profissão: “Sejam ousados.”
João Moreira Salles

João Moreira Salles é documentarista e editor da piauí.


Dirigiu Santiago, Entreatos e Nelson Freire, entre outro
esquina

PROBLEMÁTICO
As inquietudes de um matemático
BERNARDO ESTEVES

E m 1960, antes que o Instituto Nacional de Matemática Pura e

Aplicada se tornasse um centro conhecido no exterior, o Brasil inscreveu


seu nome na história de modo indireto. Aqui se desenvolveram trabalhos
fundamentais para dois campos diferentes da matemática, ambos em
menos de seis meses e frutos de um mesmo pesquisador. Se o cenário
era brasileiro, o protagonista era o americano Stephen Smale, no Rio
para uma temporada como pós-doutorando no Impa. A Medalha Fields
que lhe coube em 1966 deveu-se em parte aos resultados obtidos aqui.
Smale era então um jovem prodígio da topologia, ramo da matemática
que se preocupa com as formas e suas propriedades no espaço. rês anos
antes, o pesquisador assombrara os colegas ao mostrar que uma esfera
podia ser virada pelo avesso, um pouco como se faz com uma luva. A
prova veio numa demonstração matemática audaz e intricada, sob a
forma de um artigo de dez páginas desprovido de qualquer figura. Smale
mal acabara o doutorado na Universidade de Michigan.

Em 1956, aos 26 anos de idade, o americano participou de um congresso


internacional de topologia na Cidade do México, onde conheceu o
matemático alagoano Elon Lages Lima, que teve a ideia de apresentá-lo
ao cearense Mauricio Peixoto. Peixoto chamou a atenção de Smale para
seu campo de estudo, os sistemas dinâmicos – uma área que investiga a
evolução no tempo de uma série de fenômenos. De volta ao Brasil,
Peixoto, um dos fundadores do Impa, convidou o colega para uma
temporada no Rio.

Smale tinha uma bolsa do governo de seu país e veio com a mulher e os
dois filhos, o mais velho com 2 anos e meio, a caçula com 9 meses.
Alugaram o apartamento de um oficial da Aeronáutica que se refugiara
na Argentina depois de uma tentativa frustrada de golpe contra Juscelino
Kubitschek. Era um apartamento de onze cômodos num prédio de luxo
com vista para o morro da Babilônia, a poucas quadras da praia do
Leme, conforme ele descreveu num memorial escrito anos depois.
“Também contratamos as duas empregadas dele. O dólar rendia bem
naquele tempo.”

N o Impa, Smale encontrou interlocutores com quem discutir os

problemas que estava atacando nas duas áreas que lhe interessavam. “Eu
podia falar sobre topologia com o Elon Lima e sobre sistemas dinâmicos
com o Mauricio Peixoto”, contou o americano.
Um dos resultados notáveis que obteve no Rio foi a resolução parcial da
conjectura de Poincaré, problema formulado no começo do século XX e
considerado dos mais difíceis da topologia. O matemático francês
propunha que seria uma esfera todo objeto que obedecesse a
determinadas condições. Matemáticos se perguntaram se tais condições
valeriam para dimensões mais altas. Smale provou que sim para
dimensões superiores a 4.

O outro resultado importante obtido na temporada carioca foi na área de


sistemas dinâmicos e nasceu de um erro de raciocínio. Inspirado por
Mauricio Peixoto, Smale começou a estudar as condições para a
existência de um certo padrão no caos. Mesmo num sistema caótico,
sobre o qual falta informação que permita fazer prognósticos sobre seu
estado futuro – pense na previsão do tempo para daqui a uma semana –,
há réstias de ordem. O americano propôs uma conjectura sobre a
questão, mas um colega lhe escreveu uma carta apontando uma falha em
seu raciocínio. Ao se debruçar sobre a objeção, chegou a um resultado
que foi um divisor de águas no estudo dos sistemas dinâmicos.

O estalo foi a descoberta de uma função matemática indicando que a


evolução de um sistema podia se tornar imprevisível dependendo de suas
condições iniciais. Uma borboleta bate as asas na Ásia (condição inicial)
e provoca imprevisíveis maremotos no Ocidente, na famosa imagem que
ressalta a sensibilidade do sistema a alterações sutis no ponto de partida.
A descoberta de Smale se tornou uma ferramenta indispensável para o
estudo do comportamento caótico (embora o termo “caos” só viesse a ser
introduzido na academia quinze anos depois).

U ma foto de Smale da época exibe os mesmos traços que ainda o

distinguem: o rosto oblongo, as sobrancelhas arqueadas e o lábio inferior


um pouco caído. O matemático se beneficiou da proximidade com o
mar. “Eu passava as manhãs naquela praia de areia larga e bonita” – o
Leme –, “nadando ou pegando jacaré, dependendo da altura das ondas”,
escreveu ele. “Levava também uma caneta e um bloco de papel para
fazer matemática.” À tarde, ia para o Impa.
Anos mais tarde, Smale diria que o resultado mais conhecido de sua
carreira foi obtido nas praias do Rio em 1960, uma frase que ficou
famosa entre seus colegas. Jacob Palis, que fez doutorado com Smale,
riu ao evocar a declaração, meio século depois. “Esse é o Steve… Ele
estava frequentando o Impa, pô!” Numa entrevista ao próprio Palis em
1990, Smale contou que sua prova da conjectura de Poincaré
provavelmente foi desenvolvida também no instituto, mas insistiu que o
resultado de sistemas dinâmicos fora feito só no Leme. Mas pouco
importa o lugar. “Smale pôs o Rio e o Impa no mapa da matemática
mundial”, disse César Camacho, também ex-aluno do americano e atual
diretor do instituto.

Smale deixou 676 descendentes acadêmicos. Gerações de pesquisadores


brasileiros atacaram problemas trilhando os caminhos abertos por ele.
Sua influência é sentida mesmo entre os mais jovens, que nem eram
nascidos quando o americano obteve seus resultados mais importantes
em dinâmica. “É uma figura mítica”, disse Artur Avila, que não chegou
a discutir seus problemas com o mito. Smale, por sua vez, tem notícia
dos trabalhos do seu bisneto acadêmico, mas disse não conhecê-los a
fundo para avaliar.

Os trabalhos feitos no Rio elevaram o valor de mercado de Smale e seu


passe foi disputado por instituições de renome. Ele esnobou um convite
de Princeton, onde estava o mais prestigioso departamento de
matemática da época, e foi para a Universidade da Califórnia em
Berkeley. Dentre os alunos de doutorado que recebeu, havia alguns
estudantes vindos do Brasil, que mais tarde ajudariam a consolidar no
Impa uma escola forte no estudo dos sistemas dinâmicos. Primeiro, o
mineiro Jacob Palis, depois o peruano César Camacho, que fizera
mestrado no Impa orientado por Elon Lages Lima. Camacho se lembra
do ambiente de ebulição e criatividade criado em torno de Smale, e dele
guarda a imagem de um semeador de questões surgidas a partir da sua
abordagem inovadora. “Era como se ele estivesse jogando uma série de
problemas importantes para uma turma de alunos famintos.”

Smale também chamava a atenção por sua militância política. Durante a


graduação, envolveu-se com organizações estudantis comunistas;
professor consagrado, ajudou a articular eventos de protesto contra a
Guerra do Vietnã. A encrenca maior que arrumou veio com uma
entrevista que deu em Moscou durante o congresso de 1966, quando
ganhou a Medalha Fields. A coletiva começou com a leitura de uma
declaração que condenava não só a presença americana no Vietnã, como
também a intervenção de tropas soviéticas na Hungria. A fala desastrosa
constrangeu os anfitriões, que trataram de afastar o orador impertinente
dos holofotes. Na volta aos Estados Unidos, o governo cancelou parte de
seu financiamento.

A trajetória acadêmica de Stephen Smale é marcada por uma

capacidade reiterada de se fascinar por objetos de pesquisa totalmente


novos. O matemático muda de campo com a facilidade com que um
menino deixa um brinquedo de lado para se divertir com outro que lhe
parece mais interessante. Foi assim com a topologia, que largou depois
de resolver um problema de magnitude maior – trabalho que já bastaria
para inscrever seu nome entre os grandes da matemática.
Não foi muito diferente com os sistemas dinâmicos, campo que ele
transformou e do qual se afastou gradualmente para se dedicar à
matemática econômica. Não seria sua última metamorfose. O
pesquisador se aventurou por áreas tão díspares quanto mecânica celeste
ou ciência da computação. Mais recentemente, voltou-se para as ciências
da vida, investigando fundamentos matemáticos de fenômenos como a
resposta imunológica do organismo ou a estrutura tridimensional de
proteínas.
Aos 84 anos, Smale continua na ativa, vinculado a Berkeley e à City
University de Hong Kong. Numa entrevista telefônica que ele marcou
para as cinco da manhã, horário da Califórnia, o pesquisador designou o
que tem feito ultimamente de biologia computacional, ou bioinformática.
Por que as constantes mudanças de campo? Seria tédio? Smale riu e
desconversou. “Sabe como é, o mundo está mudando, a matemática está
mudando e eu também.”

Smale explora novos terrenos de forma intuitiva, abrindo caminho sem


saber onde vai dar, às vezes de forma meio estabanada. Está sempre atrás
de grandes problemas. Na cerimônia de entrega da sua Fields, o francês
René Thom disse dele o seguinte: “Se as obras de Smale talvez não
possuam a perfeição formal do trabalho definitivo, é porque ele é um
pioneiro que corre riscos com coragem e serenidade.”

D esafios de outras esferas da vida do professor eram enfrentados

com o mesmo ímpeto que ele aplicava à matemática. Foi assim quando
Smale se entusiasmou por barcos nos anos 80, por influência de Charles
Pugh, seu colega em Berkeley, dono de um pequeno veleiro. Decidido a
navegar até um destino incomum – as ilhas Marquesas, no meio do
Pacífico Sul, a 5,5 mil quilômetros de São Francisco –, comprou um
veleiro de 13 metros de comprimento, o , e começou a planejar a viagem
com dois anos de antecedência. Recrutou dois colegas para a empreitada:
Pugh e o mineiro Welington de Melo, seu amigo desde 1972, quando
esteve em Berkeley para um pós-doutorado.
A viagem ocorreu no verão de 1987. O trio navegou por 7 mil milhas
náuticas, ou 13 mil quilômetros, ao longo de três meses. Enfrentaram
vários percalços, incluindo temporal, fim do combustível, motor
quebrado, vazamento no casco, pane na bomba d’água e derretimento do
estoque de gelo. Cumprido o objetivo estipulado, navegar perdeu a graça
e Smale vendeu o .

O interesse mais duradouro de sua vida é a coleção de minerais e pedras


preciosas que ele formou com a mulher a partir do fim dos anos 60.
Depois que seu pai lhe deu um espécime de presente, o matemático
passou a frequentar museus, feiras e salões. Não admitiria o papel de
figurante nesse mundo, e em pouco tempo reuniu uma das mais notáveis
coleções particulares dos Estados Unidos, premiada num salão
importante em 1976.

O acervo se renovava constantemente, à medida que o colecionador


vendia e comprava novas pedras. Com a mesma intuição com que
enfrentava os problemas matemáticos, ele dava lances que causavam
espécie no meio. Foi acusado de pagar preços irreais e inflacionar o
mercado, como quando, em 1980, ofereceu 40 mil dólares por uma
turmalina (270 mil reais em dinheiro de hoje). As conexões de Smale
com o Brasil eram úteis a sua obsessão. Sempre que vinha ao país, o
matemático dava um jeito de arranjar viagens a Governador Valadares
ou Teófilo Otoni, no interior mineiro, onde negociava diretamente com
fornecedores locais. “As turmalinas de Minas estão entre as minhas
prediletas”, contou. Smale diz ter cerca de 2 mil pedras, num conjunto
avaliado em dezenas de milhões de dólares.

Nos anos 80, seu amor pelas pedras ficou mais refinado quando decidiu
fotografar o acervo. Não lhe bastaria um padrão de qualidade amador, e
ele comprou câmeras, montou um estúdio em casa e mergulhou de
cabeça. Chegou a investir de quarenta a cinquenta horas semanais na
tarefa, organizou exposições individuais e lançou um livro de mesa com
fotos de sua coleção. Espanto dos espantos, declarou que sua maior
ambição era ser reconhecido como um grande fotógrafo. Continua a ser
apenas um matemático monumental.
BERNARDO ESTEVES
Repórter da piauí desde 2010, é autor do livro Domingo é dia de ciência, da Azougue
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