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ste texto versa sobre duas ca- do dinheiro, entre outras características,
À>ÃiÀ>Ê `iÊ ÌÀ«}>]Ê Ài> racterísticas da Igreja Universal como veremos mais à frente.
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Ê`iÊÓää{]ÊÊ-«ÃÊ do Reino de Deus (Iurd) que A Iurd, segundo pesquisa recente reali-
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yÌÃÊ contribuem para torná-la, em zada pelo Instituto DataFolha e publicada
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vÀLÀ>ÃiÀ>Ã]Ê VÀ`i>`Ê «ÀÊ certo sentido, uma igreja neopen- no jornal Folha de S. Paulo (4/1/2004), é
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tecostal “macumbeira”. São elas: percebida pela população brasileira como
sua “religiofagia”, em que ela se apropria a instituição que mais ganhou poder de
e reelabora elementos de crenças de outras influência no Brasil entre os anos 1995 e
igrejas e religiões, mormente das afro- 20033.
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Õ>Ê v>>Ê `iÊ }À>ÌiÃÊ brasileiras (candomblé, umbanda, quim- É uma igreja que tem suscitado grande
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banda, macumba); e sua “exacerbação” interesse não somente no meio religioso
V>iÌiÊDÊ}Ài>Ê Û>Ê6`>]ÊiÊ desses elementos de crenças e das práticas mas também jornalístico e acadêmico do
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ÌiÃÊ`ÃÃ]ÊvÀiµØiÌÕÊ>Ê}Ài>Ê ritualísticas tomadas dessas organizações Brasil e do exterior.
V>ÌV>ÊiÊ>ÊÕL>`>° religiosas. Juntas, ambas vão revelar a “face De fato, quantas vezes ela não esteve
ÓÊ iÊv>Ì]Ê>Ê1ÛiÀÃ>Ê`Ê,iÊ`iÊ macumbeira” da Iurd, que aparece sobretudo presente nas páginas das revistas Veja,
iÕÃÊjÊÕ>Ê}Ài>Ê`>ÊÌiÀViÀ>Ê
`>Ê «iÌiVÃÌ>Ê ÃÕÀ}`>Ê Ê em determinados rituais, como nas Sessões Época, Isto é, ou outras importantes revis-
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Espirituais de Descarrego, em que se obser- tas brasileiras? No meio universitário um
VÊ,i>ÃViÀÊiÊ
ÀÃÌ]Ê->À>Ê va que, quanto mais ela constrói um discurso indício de sua importância pode ser visto
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>`>Ê Õ>Ê e procede a uma ritualística de oposição às no alto número de teses e dissertações
`>ÃÊ`>ÃÊVÌjÊÃÕ>ÃÊ«À«À>ÃÊ religiões afro-brasileiras, paradoxalmente produzidas sobre ela nos últimos anos.
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ÃV>ÃÊiÊVÕÌÕÀ>Ã]ÊiLÀ>ÊKÊ mais delas se aproxima e se assemelha. Segundo o Banco de Teses constante no
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?ʵÕiÊi>ÃÊKÊÃiÊÃLÀi«ªiÊ site da Capes, somente no período que
ÊÌi«ÊÀiÃÌ]ʣή°ÊÊÊ compreende os anos 1995 a 2001, foram
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µÕiÊ iÃÌ?Ê v>âi`Ê >ÕiÌ>ÀÊ >Ê defendidas 11 teses e 40 dissertações em
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,-Ê diferentes programas de pós-graduação
£¯Ê`>Ê««Õ>XKÊiÊ£ääÊiÊ do país, tais como sociologia, antropolo-
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1- gia, comunicação, letras e administração.
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ªiÃÊ`iÊ«iÃÃ>Ã°Ê No exterior, um levantamento provisório
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ViÀV>Ê`iÊxä¯Ê`ÊVÕÌÊ`ÃÊ A Igreja Universal do Reino de Deus, mostrou que já foram defendidas três teses
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>V>X>Ê iÝ>ÌÃÊ ÈÇ]È¯Ê `Ê ou simplesmente Universal, ou Iurd, como sobre a Universal nos Estados Unidos, uma
ÕÛiÀÃÊ iÛ>}jV°Ê Ê >ÀÊ também é conhecida, consiste num dos mais na França e uma na Suécia4. Ao menos cinco
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>Ê ÃÃiLj>Ê `iÊ iÕÃ]Ê VÊ impressionantes fenômenos religiosos do livros dedicados exclusivamente à Igreja
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Brasil dos últimos anos. Fundada em 1977 Universal já foram publicados no Brasil5 e
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ªiÃ]Ê por Edir Macedo1, essa igreja neopentecostal quatro no exterior6.
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ªiÃ]ÊiÊ`>Ê+Õ>`À> brasileira2 alcançou um crescimento espan- Como se vê, a Igreja Universal não é
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ªiÃÊ toso na última década. De 269.000 adeptos uma igreja como outra qualquer, e o seu
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ViÌi>ÃÊ `iÊ `viÀiÌiÃÊ }Ài>ÃÊ em 1991, atingiu 2 milhões em 2000, um surgimento até certo ponto contribuiu, ao
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µÕiÊ V«ªiÊ Ê µÕiÊ >ÀÊ crescimento anual de 25,7%. Está presente lado de outras instituições religiosas, para
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>ÕÊ`iÊÕ>Ê em 80 países de todos os continentes, tendo recompor o campo religioso brasileiro. Ou
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cerca de 600 mil fiéis no exterior. Implantou seja, se até algumas décadas atrás todas as
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iÊVVÊV>«Ì>ÃÊ-KÊ*>Õ]Ê 7.000 templos e possui 14.000 pastores, igrejas e religiões até certo ponto “sabiam
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17 catedrais estão sendo construídas no qual era o seu lugar”, dentro de um mode-
ÃÊ`>ÃÊnÊiÊ£ÓÊiÊÊ`>Ê£xÊ`iÊ Brasil por grandes construtoras como a lo religioso sincrético hierárquico – “o
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Queiroz Galvão e a Odebrecht (Folha de qual combina a relação não-exclusiva com
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`ÃÃiÀÌ>XªiÃÊ ÃiÊ iVÌÀ>Ê i\Ê S. Paulo, 7/12/2003, seção Dinheiro). Sua a aceitação da hegemonia institucional
"ÀÊiÌÊ>°]ÊÓääÎ°Ê visibilidade é enorme, por ser detentora da católica” (Freston, 1993, p. 20) –, sobretudo
xÊ -KÊiiÃ\ÊÕÃÌ]Ê£xÆÊ"Û>]Ê terceira maior rede de televisão do país, a após 1977 houve um relativo rompimento
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ÌÌ]ÊÓäääÆÊiÊ"ÀÊiÌÊ>°]ÊÓääΰ Rede Record, mas também pela sua diver- desse modelo, posto que a Iurd em certo
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]Ê £xÆÊ ,Ã>Ê sidade administrativo-econômica, pela sua sentido se insurgiu contra o lugar ocupado
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ÊEÊ, presença na política, pelos seus métodos ar- pelo pentecostalismo no campo religioso
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ÀÌiÊiÌÊ>°]ÊÓääÎÆ rojados de evangelização, pelo uso explícito brasileiro.
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Uma importante característica dessa deglutido; e R. de Almeida (2003, p. 341),
igreja, que em certo sentido constitui um referindo-se especificamente à Universal,
marco na história das religiões no Brasil, é o dizia que essa igreja, “no seu processo de
fato de ela construir seu sistema doutrinário constituição, elaborou, pela guerra, uma
e ritualístico mediante a apropriação e antropofagia da fé inimiga”.
reelaboração de elementos simbólicos to- Vejamos alguns exemplos do processo
mados de outras igrejas e religiões, como religiofágico iurdiano.
veremos a seguir. A Iurd prega a Teologia da Prosperi-
dade, que foi desenvolvida nos Estados
Unidos, sobretudo por Kenneth Hagin, e
implementada no Brasil pela igreja Vida
1Ê,
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Nova (Freston, 1993; Mariano, 1995).
Mas além de enfatizar tal teologia a Iurd
A Igreja Universal se autoproclama pen- vai dedicar todos os cultos das segundas-
tecostal. No entanto, e de forma semelhante, feiras a expressá-la, no que chama hoje de
embora com mais ênfase, a outras igrejas Congresso Empresarial10.
da terceira onda pentecostal, ela se coloca Além disso, a Iurd faz uso extensivo
numa relativa situação de fronteira inter- de símbolos e objetos mediadores com o
religiosa, que é explicitada de formas dife- sagrado, que são práticas correntes nas
rentes por alguns autores. Por exemplo, para religiões mediúnicas e no catolicismo. Os
P. Freston (1993), ela é a mais católica das fiéis iurdianos são mesmo aconselhados
igrejas evangélicas; para R. Valle e I. Sarti pelos pastores a levarem tais símbolos para
(1994, p. 11), ela é “uma reedição urbana casa, que, dependendo de sua natureza, serão
do catolicismo popular tradicional”; para P. dispostos em certos locais da mesma, ou
Sanchis (1994, p. 63), um fenômeno que, misturados à comida, ou, então, carregados
além de desafiar uma tradição cultural (a da na carteira, na bolsa, no corpo. A própria
cultura católico-brasileira), sabe reencon- Bíblia entra nessa mesma lógica já que,
trar algumas das suas linhas mestras; para segundo Bittencourt Filho (1994, p. 32),
R. Mariano (1995, p. 127), uma igreja que ela é pouco lida e mais usada como recurso
“rearticula sincreticamente no seu próprio mágico nos atos de exorcismo e outros ri-
interior crenças e práticas rituais dos ad- tuais, algo “impensável em qualquer igreja
versários”7; para R. de Almeida (2003, p. de tradição protestante…”.
340), uma igreja que se situa “a um meio Na Iurd é também importante a rea- ÇÊ ->V
ÃÊ£{]Ê«°Ê{ήÊÀiVÀ`>Ê
µÕiʺµÕ>µÕiÀÊÀi}K]Ê>ÊÃiÊ
caminho entre os evangélicos e as religiões lização de “correntes” e o pagamento do «>Ì>ÀÊ ÕÊ ië>XÊ ÃV>]Ê
afro-brasileiras”; e, enfim, para P. Birman dízimo. Ora, isso também preexiste ao >`µÕÀiÊ >}Õ>Ê «À«Ài`>`iÊ
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(2001), uma igreja da “bricolagem”. neopentecostalismo e à Iurd (Mariano,
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De minha parte, considero-a, sem ne- 1995, p. 31). O dízimo consiste numa marca v>}VÌÃiÊÃ}wV>Ê>ʺ}iÃÌKÊ
nhuma conotação pejorativa, uma igreja evangélica, retornando agora também em iÊ`iÃÌÀÕXKÊ`iÊÕ>Ê«>ÀÌVÕ>Ê
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religiofágica; literalmente, “comedora de muitas dioceses católicas. As “correntes” e «ÀÊÕ>ÊVjÕ>»°Ê
religião”, ou, como diz R. de Almeida (2003, “sessões” também fazem parte das religiões Ê ,iÃÃi>Ìâ>XKÊVÀÀiʵÕ>
p. 341), uma igreja que procedeu a uma mediúnicas, assim como do repertório do `ÊVÌiÖ`ÃÊ`>ÃÊÀi}ªiÃÊ`iÊ
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“fagocitose religiosa”8. Isto é, uma igreja catolicismo popular e seu regime de promes- >ÌiÀ>`ÃÊ «ÀÊ VÌiÖ`ÃÊ `>ÃÊ
V>`>`iÃÊiÊ`ÃÊ}ÀÕ«ÃʵÕiÊÃÊ
que construiu seu repertório simbólico, suas sas e novenas. >`Ì>ÆÊÀiÃÃLâ>XKÊVÀÀiÊ
crenças e ritualística, incorporando e res- Do catolicismo, além disso, a Iurd µÕ>`ÊVÌiÖ`ÃÊÌÀ>`V>ÃÊ
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semantizando9 pedaços de crenças de outras incorporou as noções de milagre, inferno, iÝ«ÀiÃÃKÊ >ÌÀ>ÛjÃÊ `iÊ vÀ>ÃÊ
ÃLV>ÃÊ«ÀÌ>`>Ã]ÊÛ`>ÃÊ
religiões, mesmo de seus adversários. pecado e demônio. Assumiu, também, a sua `iÊvÀ>Ê-i}>Ì]ʣǮ°Ê
Esta idéia não é nova. Por exemplo, P. forma organizacional episcopal, igualmente £äÊ iÃÃiÃÊVÕÌÃ]Ê`i>`ÃÊ`iÊ
Sanchis (1994, p. 52) se indagava acerca presente na igreja anglicana, consagrando- ºV}ÀiÃÃû]ÊÃÊ«>ÀÌV«>ÌiÃÊ
ÀiViLiÊ Õ>Ê «>ÃÌ>Ê VÊ
do pentecostalismo em geral: “Quem, do se Edir Macedo o seu primeiro bispo em VÀÀiÊÃÊV}ÀiÃÃîÊVÌi
Brasil ou do pentecostalismo, vai comer 1981. Da católica, ainda, sugere Mariano, `Êv
>ÃÊÌiÀ>ÃÊ`iÃÌ>`>ÃÊ>Ê
Ài}ÃÌÀÊ`iÊ`iÃiÃÊiÊ}À>X>ÃʵÕiÊ
o outro?”. E respondia que o Brasil seria em razão do crescimento do número de «ÀiÌi`iÊ>V>X>À°Ê
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6-/Ê1-*]Ê-KÊ*>Õ]Ê°Èn]Ê«°ÊΣÎÎÓ]Ê`iâiLÀÉviÛiÀiÀÊÓääxÓääÈ ÎÓ£
empresas, patrimônio imobiliário e volume cas, e mesmo consagrou as terças-feiras à
de recursos, a Iurd, “[…] talvez tendo por “libertação dos demônios”, nas concorridas
referência o Vaticano, resolveu ingressar Sessões Espirituais de Descarrego, sempre
no mercado financeiro”11. embasada na Teologia da Guerra Espiritual,
Também da católica, para justificar também desenvolvida nos Estados Unidos
o próprio uso e eficácia da Teologia da e por ela adaptada à realidade cultural e
Prosperidade, Edir Macedo assumiu aber- religiosa brasileira.
tamente o alto padrão de vida que leva e a Além disso, um importante elemento do
preferência por carros luxuosos como Mer- exorcismo iurdiano é a entrevista com os
cedes e BMW, comparando-se ao “Papa que demônios12. Nesse caso, segundo Mariano
mora e utiliza um palácio em representação (1995, pp. 30-1), a Iurd também não inova,
da sua igreja” (Mariano, 1995, p. 58). pois dá continuidade a uma prática iniciada
Do catolicismo/cristianismo, ainda, a pela igreja pentecostal Nova Vida.
Iurd defende abertamente o adágio francis- A Iurd também realiza hoje em dia
cano “é dando que se recebe”, e reconhece rituais de “fechamento de corpo” e a “cor-
os feriados nacionais da Sexta-Feira Santa e rente da mesa branca”13, práticas específicas
de Nossa Senhora Aparecida, promovendo, do campo religioso mediúnico brasileiro.
nessas datas, grandes concentrações de fé. Ainda do campo religioso mediúnico os
No Dia de Finados, é também comum os pregadores da Universal usam todo um con-
obreiros evangelizarem nos cemitérios. junto de termos próprios àquele segmento
Também reconhece o dia de São Cosme religioso. Por exemplo: “Esta pessoa está
e São Damião, ocasião em que costuma com a vida amarrada; o demônio amarrou
oferecer “balas ungidas” para as crianças os negócios dele; está tudo amarrado”; “Tá
que vão aos cultos, lembrando, nesse caso, amarrado, em nome de Jesus”; “O problema
a prática de dar doces aos erês na umbanda financeiro se deve a um trabalho”; “Foi feito
(Mariano, 1995, p. 127). um trabalho de bruxaria”; “Foi pago no
Além disso, como sublinha P. Birman cemitério, na cachoeira”; “Este óleo santo
(2001, p. 60), a própria forma de operar da é para ‘fechar o corpo’”; “Fazer a corrente
Iurd é “católica”, “isto é, buscando alianças da saúde, da libertação”.
e mediadores religiosos para reforçar um Evidentemente que a lista da fagocitose
projeto de integração social e política de iurdiana não está completa; mas ela é su-
seus adeptos […]”. ficiente para reforçar a hipótese de que a
Mas, especialmente, como se sabe, a Iurd alimenta-se dos elementos de crenças
££ÊºQoRÊ>`µÕÀÕÊ«ÀÊÌÀkÃÊ
ªiÃÊ Iurd é uma igreja em que o exorcismo e a existentes no pluralismo religioso brasileiro.
`iÊ`>ÀiÃÊÊ >VÊi]ÊiÊ demonização das entidades afro-brasileiras Importa também frisar que toda essa apro-
ÛiLÀÊ `iÊ ££]Ê µÕiÊ ÃiÊ
ÌÀ>ÃvÀÕÊiÊ >VÊ`iÊ
Àj ocupam um lugar central no seu discurso e priação é “intencional, estudada, encerra
`ÌÊiÌÀ«Ì>]Ê`À}`Ê«ÀÊ
ÕÊ«>ÃÌÀ»Ê>À>]Ê£x]Ê«°Ê em sua ritualística quotidiana. Ora, como claro propósito proselitista. A liderança tem
xή°Ê observa Mariano (1995, p. 98), plena consciência da eficácia desta estra-
£ÓÊÃÊiÌÀiÛÃÌ>ÃÊVÊÃÊ`iÃÊ tégia” (Mariano, 1995, p. 127). Exemplo
VÃÌ>]ÊvÕ`>iÌ>iÌiÊ`iÊ
ÌÀkÃÊ µÕiÃ̪iÃ\Ê º+Õ>Ê jÊ Ê ÌiÕÊ “[…] há muito tempo os rituais, as crenças, disso é esta frase, escrita pelo próprio Edir
i»]ʺ"ʵÕiÊÛVkÊÌiÊviÌÊ os deuses e guias dos cultos afro-brasileiros Macedo: “Aconselha-se no uso na prática do
>Ê Û`>Ê `i>Ê Q`>Ê «iÃÃ>R»Ê iÊ
ºVÊÛVkÊiÌÀÕÊ>ÊÛ`>Ê`i>Ê e espíritas são percebidos e classificados ‘exorcismo’, de linguagem e ações familiares
Q`>Ê«iÃÃ>R»Êi`>]ÊÓääÎ]Ê
««°ÊÎÓÎx®° como demoníacos pelos evangélicos e até ao indivíduo da ação. Isto funciona como
£ÎÊ iÃÃiÊÖÌÊV>Ã]ʺVV>ÃiÊ por alguns expoentes da Igreja Católica. um código de comunicação com a pessoa”
Õ>ÊiÃ>ÊLÀ>V>ÊiÊvÀiÌiÊ>Ê Os rituais de exorcismo também não são (Macedo, 1995, p. 55 – grifos meus).
«Ö«ÌÊVÊÕÊV«Ê`iÊ?}Õ>Ê
Liâ`>ÊiÊÃiÕÊViÌÀ°Ê
Êw>Ê novidade nos meios pentecostais”. É de se perguntar até que ponto todo
`>>]Ê ÃÊ wjÃÊ V>
>Ê iÊ
«>ÃÃ>Ê>ÃÊKÃÊÃLÀiÊ>ÊiÃ>Ê
esse caráter mimético da Iurd não tem a
ÕÌ>`>Ê`iÊiÊiÊ`i«ÃÊiÊÃÕ>ÃÊ Porém, enquanto outras igrejas se ver com a própria trajetória pessoal de seu
V>LiX>Ã]ÊÕÊÃLÀiÊ>Ê«>ÀÌiÊ`Ê
VÀ«ÊiviÀ>]Ê«>À>ÊÀiÌÀ>ÀÊÃÊ mostram relativamente discretas na ex- fundador, que conheceu e transitou por
>ÕÃʼyÕ`ýÊÕÊLiÀÌ>ÀÃiÊ`iÊ pressão das práticas exorcistas, a Iurd faz diferentes igrejas e religiões antes de fundar
ÃiÕÃÊ>iûÊ>À>]Ê£x]Ê
«°Ê£ÓÈ®°Ê disso o centro de suas atividades ritualísti- a sua própria igreja.
ÎÓÓ ,
6-/Ê1-*]Ê-KÊ*>Õ]Ê°Èn]Ê«°ÊΣÎÎÓ]Ê`iâiLÀÉviÛiÀiÀÊÓääxÓääÈ
Mas, é claro, a Iurd não somente se apro- então ser expurgado, mas sempre de forma
pria de elementos simbólicos preexistentes provisória (Segato, 1997).
na relação com o sobrenatural (Soares, Por essas reelaborações nota-se que na
1990). Ou, então, segundo a metáfora que Iurd não ocorre a negação do afro-brasileiro
venho empregando, ela não somente “en- – terreiro, rituais, poder das entidades – mas
gole” as crenças apreendidas de outros seg- “uma alteração do sentido imbuído a sua
mentos religiosos. Ela também as “digere” prática religiosa pelos atuais adeptos pen-
e transforma de acordo com o seu próprio tecostais e antigos freqüentadores do seu
“aparelho digestivo”. Ou seja, além de terreiro” (Birman, 1997, p. 107 – grifos
“reencontra[r] linhas do universo simbólico meus).
brasileiro tradicional […]” (Sanchis, 1994, Porém, a Iurd não vai somente se apro-
p. 53), a Iurd vai proceder a sua resseman- priar e ressemantizar pedaços de crenças e
tização, sobretudo daquelas concernentes de concepções procedentes de outras igrejas
às religiões afro-brasileiras14. e religiões que, com ela, estão em disputa
Assim, por exemplo, no que tange às no campo religioso pela conquista de fiéis.
entidades afro-brasileiras, a Iurd não as Como veremos a seguir, ela vai também
nega, mas muda o seu significado. Como efetuar um movimento contrário de grande
lembra M. C. Soares (1990, p. 87), “seria envergadura, a saber: exacerbar a presença
bastante ineficaz chegar para uma pessoa do religioso no espaço público (templos e
que durante anos recebeu um determinado catedrais, na mídia, na política, grandes
guia dizendo que tais coisas não existem. O espaços públicos); superdimensionar o
que o pastor faz é mostrar que elas existem, poder do demônio; hipertrofiar os rituais
mas que ele tem poder sobre elas”. Assim de exorcismo; redimensionar o significado
procedendo, recorda L. E. Soares (1993, do dinheiro, etc.
p. 50), a Iurd segue semelhante prática do
catolicismo medieval que, relativamente
à aparição de entidades espirituais aos
acusados de feitiçaria, não as colocava em 1Ê,
ÊÊ
8
, "
dúvida mas as renomeava e submetia “a
outro crivo valorativo, a partir da aplicação Um olhar panorâmico e retrospectivo
do código católico”. sobre o campo religioso brasileiro dos úl-
Também o exorcismo é ressemantizado. timos anos permite perceber a importância
Ao invés de ser concebido como ponto cul- nele detida principalmente, embora não
minante de extrema sacralização do ritual, exclusivamente, pela Igreja Universal.
como ocorre no candomblé, ele passa a ser Vejamos alguns exemplos:
o “pólo negativo extremo da manifestação
do sagrado por tratar-se da irrupção do • Relativamente aos templos. Sobretudo
mal” (Almeida, 1996, p. 76-7)15. Da mesma até a década de 70, as igrejas católicas
£{ÊÊ«ÀÌ@V>Ê`iÃÃiÊviiÊjÊ
forma, ele não será mais visto somente como ocupavam os lugares centrais das cidades, Ì>ʵÕiÊ
?Ê>ÕÌÀiÃʵÕiÊ>ÌÀLÕiÊ
>ÊiiÊÊÃÕViÃÃÊiÊ«ÀXKÊ`iÊ
o momento de expulsão de uma entidade com suas matrizes e catedrais, sendo esses VÛiÀêiÃÊ`>ÊÕÀ`ÊiÊ«>ÀÌVÕ>ÀÊ
maligna do corpo de uma pessoa, como os espaços sagrados de maior presença e iÊ `Ê i«iÌiVÃÌ>ÃÊ iÊ
}iÀ>Ê iÊ Ài}ªiÃÊ `iÊ >ÃÊ
ocorre na concepção católica, mas tam- visibilidade pública. Os templos evangéli- Ài}ªiÃÊ >vÀLÀ>ÃiÀ>ÃÊ iÃÌKÊ
bém como um “mecanismo para bloquear cos, sobretudo os de igrejas pentecostais, «>Ì>`>ÃÊ
ÀÌi]ʣǮ°
a circulação do Mal […]” (Birman, 1997, eram geralmente acanhados e se situavam £xÊ*ÀÊÃÃÊiÃÊ`â]Ê>ViÀÌ>`>
iÌi]ÊiÃÃiÊ>ÕÌÀʵÕiʺÊVÕÌÊ
p. 55), revelando, em primeiro lugar, que nas periferias das cidades, tendo pouco `iÊ LiÀÌ>XKÊ «`iÊ ÃiÀÊ `Ê
VÊÕ>ÊÛiÀÃKÊÃLV>Ê
o médium possuído, de respeitado agente destaque. Não era muito diferente a situa- `ÃÊÀÌÕ>ÃÊiVÌÀ>`ÃÊÃÊÌiÀ
nos terreiros, torna-se uma marionete nas ção dos espaços sagrados das religiões ÀiÀûÊi`>]Ê£È]Ê«°ÊÇÇ®°Ê
mãos dos pastores nos templos (Boyer, mediúnicas. Ora, a Iurd surgiu e impôs £ÈÊ
ÃÃ>Ê >ÕÌÀ>Ê iviÌÕ>Ê Õ>Ê L>Ê
>?ÃiÊ`ÃÊiiiÌÃʵÕiÊ>«À
1996)16, e, em segundo lugar, que o cenário outra lógica nesse processo. Primeiramente, Ý>ÊiÌÀiÊÃÊÃÊ`ÃÊÃÃÌi>ÃÊ
do culto afro-brasileiro é trazido para den- nessa igreja a implantação de um templo Ài}ÃÃ]Ê i«iÌiVÃÌ>ÃÊ iÊ
VÕÌÃÊ `iÊ «ÃÃiÃÃKÊ ÞiÀ]Ê
tro do culto pentecostal (leia-se Iurd) para obedece a um estudo prévio de mercado de £È®°Ê
,
6-/Ê1-*]Ê-KÊ*>Õ]Ê°Èn]Ê«°ÊΣÎÎÓ]Ê`iâiLÀÉviÛiÀiÀÊÓääxÓääÈ ÎÓÎ
possíveis consumidores de bens religiosos, in Action e City News, na Inglaterra; Stop
contrariamente ao procedimento usual das Suffering, na África do Sul; Pare de Sufrir,
igrejas em que a instalação de um templo no Chile e na Bolívia; Tribune Universelle,
ocorre em razão da demanda de fiéis. Em na França. Além disso, é proprietária de
segundo lugar, ao invés de espaços reli- uma gravadora (Line Records, que, com
giosos modestos e retirados dos espaços dez anos de existência, vendeu cerca de
nobres das cidades, a Iurd vai alugar grandes 900 mil CDs somente no ano de 2000) e
espaços físicos – cinemas, garagens ou uma produtora de vídeos (Frame) (Mariano,
fábricas desativadas – ou erguer templos 2003; Fonseca, 2003)19.
e, ultimamente, catedrais, de dimensões Além disso, na Iurd a mídia não é so-
impressionantes, que se situam em locais es- mente um elemento de evangelização, mas,
tratégicos das cidades, geralmente ao longo também, e sobretudo, um instrumento de
de grandes avenidas e vias movimentadas. marketing e de propaganda, visando a atrair
Além disso, os templos oferecem conforto as pessoas para seus templos, diferente-
para os freqüentadores, contendo estacio- mente de outras igrejas, mesmo as eletrôni-
namento, ar-condicionado, sonorização, cas norte-americanas, nas quais, segundo
recreacionistas para crianças17. Edir Macedo, “o pastor fica no vídeo e as
pessoas o assistem em casa, distraindo-se
• A presença na mídia. Historicamente com a campainha da porta que toca ou com
as igrejas católica e evangélica se faziam o gato que mia” (Veja, 14/11/1990).
presentes na mídia radiofônica, impressa e
mesmo televisiva. Mas hoje, olhando para • A presença na política. A Igreja Católica
trás, e tomando como ponto de comparação a teve historicamente uma importante partici-
Iurd, pode-se afirmar que tudo ocorria dentro pação na vida política nacional. Durante o
de padrões relativamente modestos. Império, entre os anos 1835 e 1837, o padre
De fato, a Universal surgiu como uma Diogo Feijó tornou-se regente do Império;
igreja midiática, e hoje seus números nesse por ocasião da Constituinte de 1823, 15
domínio impressionam: é detentora de entre os 93 eleitos eram sacerdotes. Mas,
duas redes de televisão: a Record, com 63 a partir da separação oficial entre igreja
emissoras, sendo 21 de sua propriedade, católica e Estado, instituída na primeira
£ÇÊ
Ê?Ê`ÃÃi]Ê>ÊÕÀ`ÊjÊ`iÌi
e a Mulher, presente em 85% das capitais constituição republicana de 1891, a igreja
ÌÀ>Ê
i]ÊÃiÌiÊÊ À>Ã]Ê`iÊ brasileiras e em cerca de 300 municípios. foi se afastando do político propriamente
ViÀV>Ê`iÊÃiÌiÊÊÌi«Ã°Ê
Exporta seus programas para vários países dito sendo hoje a inserção de sacerdotes na
£nÊ ÊÃÌiÊ`>Ê1ÛiÀÃ>ÊVÃÌ>ʵÕiÊ
>Ê
>Ê 1ÛiÀÃ>Ê jÊ Ê >ÀÊ (especialmente México, Chile, Panamá, política um tema bastante controvertido e
Ãi>?ÀÊ`>ÊjÀV>Ê>Ì>]Ê Equador, Venezuela, Colômbia e Porto polêmico no âmbito dessa instituição.
VÊ >ÃÊ `iÊ £]ÇÊ
KÊ `iÊ
iÝi«>ÀiÃ°Ê Rico). É também proprietária de 62 emis- Os evangélicos, por seu turno, detêm
£Ê/`ÊiÃÃiÊV«iÝÊ`?ÌVÊ soras de rádio no país. No exterior, possui também uma histórica, embora modesta,
ÀiÛiÃÌiÃiÊ`iÊÖÌ«ÃÊÃiÌ`Ã]Ê
iÌÀiÊÃʵÕ>Ã\ÊÊ`iÊ>ÀiÌ}]Ê
emissoras de rádio e TV em vários países, presença na vida política brasileira. Fres-
«À«>}>`>Ê`>Ê}Ài>ÆÊÃÌÀ>À entre os quais Portugal, Argentina, Moçam- ton (1993) divide essa presença em quatro
Ãi]ÊiÝ«ÀÊ«ÕLV>iÌiÊÃÊÃiÕÃÊ
«À`ÕÌÃÊ iÊ ÀiÃÕÌ>`ÃÊ `>Ê Ê bique e África do Sul. No que tange à mídia fases: a primeira é a metodista (de 1946 a
Õ}>ÀÊ vÕ`>iÌ>Ê VÕ«>`Ê impressa, difunde o jornal Folha Universal 1951), seguida da presbiteriana (de 1951 a
«iÃÊ iÝÀVÃÃÊ iÊ ÃLÀiÌÕ`Ê
«iÃÊÌiÃÌiÕ
Ã]Ê`i«i (cuja tiragem semanal supera a cifra de 1,5 1975), da batista (de 1975 a 1987) e, após
ÌÃ]ʵÕiÊÃKÊ>Ê«ÀÛ>Ê`>ÊiwV?V>Ê
`>Ê}Ài>]ÊÃʺÀiÃÕÌ>`û]ÊVÊ milhão de exemplares)18; edita as revistas 1987, pela primeira vez, o predomínio de
`âi]ʺÕ>Ê}Ài>Ê`iÊÀiÃÕÌ> Ester, Mão Amiga e Plenitude; é proprietária uma igreja pentecostal, a Assembléia de
`ûÆÊ ºÊ «ÛÊ iÃÌ?Ê V>Ã>`Ê
`iÊL>L>L?»®ÆÊiÊ`iÊ>«iÊ>ÃÊ de uma gráfica (Editora Gráfica Universal) Deus. Porém, segundo Flávio C. dos Santos
vÕÌÕÀÃÊ VÃÕ`ÀiÃÊ `iÊ LiÃÊ
ÃLVÃÊ «>À>Ê vÀiµØiÌ>ÀÊ ÃÊ
e de uma editora (Universal Produções, Conrado (2000), a partir de 1990 a Igreja
Ìi«ÃÊ`>Ê}Ài>Êi`iÀiXÃ]Ê pela qual Edir Macedo publicou seus 34 Universal dá início à quinta fase20.
À?ÀÃÊ`iÊÀiÕªiî°
livros). No exterior, é proprietária dos A Iurd debutou na política em 1986 ele-
ÓäÊ*>À>Ê Õ>Ê >?ÃiÊ
ÃÌÀV>Ê iÊ
>ÌÕ>Ê`>ÊÃiÀXKÊiÛ>}jV>Ê>Ê jornais: Tribuna Universal, em Portugal; gendo um deputado federal. A partir daí sua
«ÌV>ÊLÀ>ÃiÀ>ÊÛiÀ\ÊÀiÃÌ]Ê Universal News e Pare de Sufrir (destinado progressão foi constante: elegeu três depu-
£ÎÆÊ
>«Ã]ÊÓääÓÆÊiÊ"À]Ê
Óääΰ aos hispânicos), nos Estados Unidos; Faith tados federais e seis deputados estaduais
ÎÓ{ ,
6-/Ê1-*]Ê-KÊ*>Õ]Ê°Èn]Ê«°ÊΣÎÎÓ]Ê`iâiLÀÉviÛiÀiÀÊÓääxÓääÈ
em 1990; seis deputados para o Congresso Ou seja, contrariamente a uma mentalidade
Nacional e oito nas Assembléias Legisla- laica, assumida por certas igrejas e religiões,
tivas dos estados em 1994; 17 deputados em seu processo de secularização interna,
federais (sendo 14 pastores egressos da segundo a qual é possível contribuir com as
própria igreja de várias unidades federativas finanças das instituições religiosas sem pagar
e três deputados apoiados pela igreja), e 26 pelos serviços religiosos, a Iurd introduziu a
deputados estaduais em 1998; dezenas de monetarização na relação com o sagrado e
vereadores em 2000; nas últimas eleições escolheu o dinheiro como a principal medida
de 2002 elegeu 16 deputados federais e 19 da fé e mediação com o sagrado, dentro de
deputados estaduais – todos egressos da uma lógica sacrificial, inserindo-o, também,
própria igreja –, representantes de 10 esta- na perspectiva da Teologia da Prosperidade
dos da federação, além do bispo Marcelo (Oro & Semán, 1999)21.
Crivella, eleito senador da República pelo Por outro lado, como já vimos, o uso de
Rio de Janeiro, com mais de 3 milhões de bens e objetos na mediação com o sagrado
votos, que nas eleições de outubro de 2004 é também recorrente no catolicismo, nas
concorreu à prefeitura do Rio de Janeiro, religiões mediúnicas e nos grupos e movi-
obtendo o segundo lugar. mentos esotéricos. No entanto, a Universal
extrapolou o uso dos tradicionais e reco-
• O empreendimentismo econômico. Até o nhecidos símbolos religiosos, como velas,
advento da Iurd, o investimento financeiro imagens, cálices, sal, flores, água, óleo,
das igrejas católica e evangélicas circunscre- arruda, enxofre, ervas, mel, giz, retratos,
via-se sobretudo ao campo da educação, das roupas, etc., e introduziu em seus rituais
mídias e da assistência social. A Iurd vai dar novos mediadores com o sagrado, retirados
continuidade a esses investimentos, menos do quotidiano das pessoas, tais como sham-
no educacional formal, e, além disso, ampli- poo, sabonete, brinquedos, garrafas, sabão
ar e diversificar as áreas de empreendimento em pó, saco de lixo, travesseiro, etc., reve-
econômico. Por isso, hoje ela é proprietária lando, assim, o alto grau de “imaginação”
da Ediminas S/A (que edita o jornal secular detido por essa igreja. Isso porque, segundo
Hoje em Dia, de Belo Horizonte); de uma Patrícia Birman (2001, p. 69),
empresa de processamento de dados (Uni
Line), de uma construtora (Unitec), de uma “[…] a Universal parte do princípio de
seguradora (Uni Corretora), de uma agên- que todos os artefatos humanos e todos os
cia de viagens (New Tour) e das empresas elementos da natureza podem servir para se
Unimetro, Cremo Empreendimentos, LM conectar com o mundo divino: podem ser
Ó£Ê
Û`iÌiiÌiʵÕiÊiÃÃiÊv>ÌÊ«À
Consultoria Empresarial, além de duas utilizados como mediadores eficazes com a `ÕâÊ`iL>ÌiÃÊiʵÕiÃÌ>iÌÃÊ
jÌVÃ]Ê ÃLÀiÌÕ`Ê iÊ Ài>XKÊ
instituições financeiras, Invest Holding e esfera extramundana, desde que consagra- >Ê >LÕÃÊ iVVÊ `>ÃÊ
Cable Invest, com sedes em paraísos fiscais dos, ‘ungidos’ por seus pastores”. }Ài>ðÊ>Ã]ÊVÊ?ÊiÃVÀiÛÊ
iÊ ÕÌÀÊ Õ}>À]Ê «ÀÊ ÕÊ >`]Ê
do Reino Unido: Ilhas Cayman e Jersey ºÊiÌ>Àâ>XKÊ`>ÊÀi>XKÊ
VÊ Ê Ã>}À>`Ê KÊ `iÛiÀ>Ê
(Channel Islands) (Mariano, 2003). Assim sendo, acrescenta essa autora, o ÃÕÀ«Àii`iÀÊ ÃiÊ iÛ>ÀÃÊ iÊ
efeito desse procedimento aponta para uma VÌ>Ê `Õ>ÃÊ ÃÌÕ>XªiÃÊ VÛiÀ
}iÌiÃ\Ê >Ê «iÀ>kV>Ê `>Ê
• A mediação do dinheiro e outros bens. desqualificação dos mediadores religiosos }V>Ê Ã>VÀwV>Ê «À«À>Ê `>Ê
Tradicionalmente, as igrejas e religiões tradicionais e para o estabelecimento de no- iÌ>`>`iÊ VÃ}V>®Ê iÊ
>Ê }iiÀ>â>XKÊ `>Ê i`>]Ê
instaladas no Brasil procediam, de forma vas “conexões” com o sagrado, geralmente >L>ÃÊ«`i`ÊV`ÕâÀÊ}
V>iÌiÊDÊviÀÌ>ÊiÊ`
iÀ»Ê
variada segundo elas, a coletas financeiras, retiradas ou associadas com passagens bíbli- "ÀÊEÊ-i?]Ê£]Ê«°Ê{ήÆÊ
realizavam campanhas de arrecadação, cas, realizadas por pastores “bricoleurs”, i]Ê«ÀÊÕÌÀÊ>`]ÊÃÊiL>ÌiÃÊ
jÌVÃÊVÀÀiÊiÊÀ>âKÊ`iÊ}
recebiam doações, efetuavam cobranças em em seu processo de banalização e de exac- V>ÃÊVÕÌÕÀ>ÃÊ`viÀiV>`>ÃʵÕiÊ
ÃiÊiVÌÀ>]ÊÃiÊVÌÀ>«ªiÊiÊ
troca de serviços religiosos e arrecadavam erbação dos mediadores do contato com o ÃiÊVL>Ìi\ÊÕ>]ÊVÃ}
o dízimo. Porém, sobretudo a Universal, invisível (Birman, 2001, pp. 70-1). V>]ʵÕiÊÕÌâ>ÊÊ`
iÀÊVÊ
viÀÌ>Ê>Ê}V>Ê`ÊÃ>VÀvV]ÊiÊ
mas não só, introduziu no Brasil a noção de ÕÌÀ>]ÊÃiVÕ>Àâ>`>ÊiÊ>V>]ʵÕiÊ
religião paga (Pierucci & Prandi, 1996) e • O diabo e o exorcismo. O que mais nos ÌiÀ«ÀiÌ>Ê>ÊviÀÌ>Êw>ViÀ>ÊDÃÊ
}Ài>ÃÊ VÊ ÃÕLÃÃÌkV>Ê `Ê
procedeu a uma ressemantização do dinheiro. interessa aqui, porém, é discorrer sobre as «`iÀÊ«ÀiÃÃÀÊ`>ÃÊ}Ài>ðÊ
,
6-/Ê1-*]Ê-KÊ*>Õ]Ê°Èn]Ê«°ÊΣÎÎÓ]Ê`iâiLÀÉviÛiÀiÀÊÓääxÓääÈ ÎÓx
representações acerca do demônio nessa
igreja e o ritual do exorcismo. Novamente,
como já indicamos acima, a Iurd não está
inovando mas exacerbando um sistema
preexistente.
De fato, a representação de uma figura
invisível associada ao mal – o demônio
– ocupou um lugar importante no imaginário
cristão medieval, como o mal absoluto,
bem como nos tempos modernos e atuais.
No Brasil, a imagem do diabo cristão tra-
zida pelos portugueses se encontrou com
noções próximas de entidades cultuadas
pelas religiões não-européias, não se re-
cobrindo, porém. Mesmo assim, deu-se
um compartilhamento de crenças segundo
o qual o mundo se encontra em constante
tensão entre forças invisíveis: de um lado,
os demônios causadores do mal e da desor-
dem, e, de outro lado, os deuses associados
ao bem e à ordem22. A teologia católica, no
entanto, desde o século XVIII,
ÎÓÈ ,
6-/Ê1-*]Ê-KÊ*>Õ]Ê°Èn]Ê«°ÊΣÎÎÓ]Ê`iâiLÀÉviÛiÀiÀÊÓääxÓääÈ
implícita ou declaradamente, constitui um
dos personagens centrais e é o móvel fun-
damental na explicação dos eventos, das
situações e dos comportamentos.
Relativamente aos evangélicos, porém,
no dizer de Wenisch (1992, pp. 42 e segs.),
se, por um lado, os teólogos liberais distan-
ciaram-se da tradicional demonologia cristã
bem mais cedo do que os teólogos católicos,
de outro lado os fundamentalistas sempre
mantiveram a crença de que os espíritos
demoníacos se imiscuem diretamente na
história do mundo.
É este último, também, o posiciona-
mento doutrinário do pentecostalismo e do
neopentecostalismo brasileiros. De fato,
para eles,
,
6-/Ê1-*]Ê-KÊ*>Õ]Ê°Èn]Ê«°ÊΣÎÎÓ]Ê`iâiLÀÉviÛiÀiÀÊÓääxÓääÈ ÎÓÇ
Ó{Ê*ÀÊÃÃÊiÃÊÃKÊÀiVÀÀiÌiÃÊ 43)24. Portanto, para a Universal, “o diabo procedeu à demonização sobretudo das
ÃÊ Ìi«ÃÊ ÕÛiÀÃ>ÃÊ >wÀ>
XªiÃÊVÊiÃÌ>ÃÊ«ÀÊ«>ÀÌiÊ`ÃÊ não é somente a antítese (o arquiinimigo) religiões não-cristãs (Wynarczyk, 1995)26.
«>ÃÌÀiÃ\Ê ºÌÕ]Ê `iÊ µÕiÊ de Deus. Ele é a encarnação do Mal; uma Esse procedimento também não é novo
>>ÀÀÕÊÃÊi}VÃÆÊ`iÊ
µÕiÊ>ÌÕ>ÊÊÌÀ>L>
Ê`iiÆÊ`i presença constante (e ameaçadora) na vida e pois, ao longo da Idade Média e da Idade
ʵÕiÊ>>ÀÀÕÊ>Êi«ÀiÃ>ÆÊ
`iÊ`>Ê`Û`>ÆÊ`iÊ`>Ê no cotidiano das pessoas” (Barros, 1995, p. Moderna cristã européia, bem como na
v>kV>ÆÊ`iÊ`>Ê`iX>ÆÊ 146). Disso resulta que as representações do Judéia vetero-testamental, já ocorria a iden-
`iÊ µÕiÊ ÛiÊ >ÌÕ>`Ê
ÃLÀiÊ iÃÌ>Ê «iÃÃ>Ê V>ÕÃ>`Ê diabo “constituem o eixo a partir do qual o tificação dos deuses dos “pagãos”, ou seja,
Ì`>Ê iëjViÊ `iÊ «ÀLi>ÆÊ
`iʵÕiÊiÃÌ?Ê`iÃÌÀÕ`Ê>Ê
universo simbólico desta igreja é construído das religiões dos outros, com os demônios.
Ã>Ö`i]Ê>Êw>X>]Ê>Êv>>ÆÊjÊÊ […]” (Barros, 1995, p. 1). Nesse caso, porém, como destaca Mariz
`iʵÕiÊiÃÌ?Ê>>`ÊiÃÌ>Ê
«iÃÃ>ÆÊi
ÕÊj`VÊÀiÃÛiÊ Porém, e como nos itens acima referidos, (1997, pp. 35-6), a acusação demoníaca
Ê«ÀLi>Ê`ii]ÊÃÊ>ÊLiÀÌ>XKÊ a Iurd, além de assumir essa representação consistia num instrumento dos poderosos
iÊiÊ`Ê-i
ÀÊiÃÕû°
relativamente generalizada do poder do para desqualificar a cultura oprimida, o que
ÓxÊ
Ê ÀiVÀ`>Ê ,°Ê >À>Ê
£x]Ê«°Ên®]ʺ
?ÊÕÌÊÌi«Ê demônio, vai exacerbar uma concepção já não é o caso nos dias atuais.
ÃÊÀÌÕ>Ã]Ê>ÃÊVÀiX>Ã]ÊÃÊ`iÕÃiÃÊ
iÊ}Õ>ÃÊ`ÃÊVÕÌÃÊ>vÀLÀ>ÃiÀÃÊ
presente nas igrejas católica, evangélicas Identificados os demônios e seus ter-
iÊ iëÀÌ>ÃÊ ÃKÊ «iÀViL`ÃÊ iÊ e pentecostais, embora ali ocorra de forma ritórios, a Iurd vai se atribuir a missão de
V>ÃÃwV>`ÃÊVÊ`i>VÃÊ
«iÃÊ iÛ>}jVÃÊ iÊ >ÌjÊ «ÀÊ mais branda25, qual seja, a identificação combatê-los para libertar as pessoas27. É
>}ÕÃÊ iÝ«iÌiÃÊ `>Ê }Ài>Ê demoníaca das entidades das religiões novamente Edir Macedo (1987, p. 16) quem
>ÌV>»°Ê />LjÊ
°Ê >ÀâÊ
£]Ê «°Ê Î{®Ê iÃVÀiÛiÊ µÕiÊ afro-brasileiras. No dizer de Edir Macedo escreve: “[…] nossa igreja foi levantada
ºQoRÊ>ÊVÀiX>Ê`iʵÕiÊiÝÃÌiÊ
Ài}ªiÃÊ`i>V>ÃÊiÊ`iʵÕiÊ (1987, p. 113), “a Umbanda, Quimbanda, para um trabalho especial […] a libertação
>ÃÊÀi}ªiÃÊiëÀÌ>ÃÊiÊ>vÀLÀ>à Candomblé e o espiritismo de um modo de pessoas endemoninhadas”. E completa:
iÀ>ÃÊÃKÊ`i>V>Ã]Ê>jÊ`iÊ
ÃiÀÊ}iÀ>ÊÊÕÛiÀÃÊiÛ>}jVÊ geral, são os principais canais de atuação “Lidamos com esse tipo de coisa há alguns
LÀ>ÃiÀ]ÊiÃÌ?ÊÌ>LjÊ«ÀiÃiÌiÊ
Ê V>ÌVÃ]Ê iëiV>iÌiÊ
dos demônios, principalmente em nossa anos e três ou quatro vezes por dia, de se-
iÌÀiÊÃÊ}ÀÕ«ÃÊV>ÀÃ?ÌVû° pátria”. Não é por outra razão, segundo seu gunda a segunda, estamos preocupados em
ÓÈÊ*>À>Ê 7Þ>ÀVâÞÊ £x]Ê «°Ê dizer, que “essa religião (afro-brasileira) que libertar as pessoas de toda a obra do diabo”
£Óä®]ÊÊ«ÀV«>Ê«ÀÌ>}ÃÌ>Ê
`>Ê}ÕiÀÀ>ÊiëÀÌÕ>ÊjÊÊ«>ÃÌÀÊ está tão popular no Brasil é uma fábrica de (Macedo, 1987, p. 46). Em outras palavras, o
ÀÌi>iÀV>Ê *iÌiÀÊ 7>} loucos e uma agência onde se tira o pas- fundador da Iurd está dizendo que sua igreja
iÀ]Ê`>Ê}Ài>ÊV}Ài}>V>°Ê
-i}Õ`Ê iÃÌi]Ê LiÊ VÊ ÃÊ saporte para a morte e uma viagem para o nasceu para a “guerra espiritual”28. E mais,
«>ÃÌÀiÃÊ -i
À>Ê iÊ >Ã]Ê
KÊÃiÊ«`iÊÃi«>À>Àʺ>Ê}ÕiÀÀ>Ê inferno” (Macedo, 1987, p. 86). a sua estratégia é não ficar na defensiva, na
iëÀÌÕ>Ê `>Ê iÛ>}iâ>XKÊ Além disso, acrescenta, seus centros se- retaguarda, esperando que os inimigos, os
Õ`>°Ê iViÃÃÌ>ÃÊ iÌÀ>ÀÊ
ÊÌiÀÀÌÀÊ`Ê}ÊiÊ«>À>Ê riam “moradas de demônios”; seus deuses, demônios ataquem, mas agir na ofensiva,
ÃÃÊ «ÀiVÃ>ÃÊ iÝ«ÕÃ?»°Ê
"Ê À>VVÊ iLÕÌ`Ê iÃÃ>Ê
“espíritos malignos”; seus cultos, “rituais do na vanguarda, antecipando-se à ação dos
Ìi}>ÊjʵÕiÊi>ÊV`ÕâÊDÊ demônio”; seus líderes religiosos, “serviçais inimigos. Escreve Macedo (s/d, p. 114):
LiÀÌ>XKʵÕiÊ«ÀÊÃÕ>ÊÛiâÊV`ÕâÊ
DÊÃ>Ö`i]ÊVÕÀ>ÊiÊ«ÀëiÀ`>`i°Ê do diabo”; seus fiéis e clientes, “pessoas
`>ÊÃi}Õ`Ê7Þ>ÀVâÞ]Ê>Ê ignorantes que caíram na armadilha de “Muitos cristãos vivem pedindo oração
}ÕiÀÀ>ÊiëÀÌÕ>ÊjÊÕ>Ê`>ʵÕiÊ
>ÌÀ>ÛiÃÃ>ÊL>Ê«>ÀÌiÊ`ÃÊ}ÀÕ«ÃÊ satanás”. Em outro momento do livro men- porque estão sendo perseguidos pelo diabo.
i«iÌiVÃÌ>ÃÊ >À}iÌÃÊ iÊ
ÃiÊVÃÌÌÕÊÕ>ÊiÃÌÀ>Ìj}>Ê`iÊ cionado, o fundador da Iurd acrescenta: É de estarrecer, porque a realidade deveria
iÛ>}iâ>XK°ÊÊ`vÕÃKÊ`iÃÃ>Ê ser outra. Os cristãos é que devem perseguir
VÀÀiÌiÊÌi}V>Ê>ÊÀ}iÌ>Ê
VÀÀiÊ`iÃ`iÊ£n]Ê>Ê«>ÀÌÀÊ`iÊ “Com nomes bonitos e cheios de aparatos, os demônios. Nossa luta é muito mais de
V>«>
>ÃÊ `iÊ iÛ>}iâ>XKÊ
iÊ Ãi?ÀÃÊ qÊ `iÀ>`ÃÊ «ÀÊ
os demônios vêm enganando as pessoas com combate do que de defesa; devemos nos ar-
«>ÃÌÀiÃÊiÃÌÀ>}iÀÃ]ÊÃLÀiÌÕ`Ê doutrinas diabólicas. Chamam-se orixás, mar de toda a armadura de Deus para libertar
ÀÌi>iÀV>ÃÊ qÊ iÊ `iÊ ÕÊ
«ÀÌ>ÌiÊ>ÌiÀ>ÊLL}À?wVÊ caboclos, pretos-velhos, guias, espíritos de os oprimidos. A igreja deve ser triunfante
`iÊ>«°Ê luz, etc. Dizem-se ser exus, erês, espíritos de e estar sempre na ofensiva”.
ÓÇÊ"ÊÌiÀʺLiÀÌ>À»]ÊÕʺLiÀÌ> crianças, médicos famosos, poetas famosos,
XK»]ÊjÊvÕ`>iÌ>]Ê>ÃÊ>L
}Õ]Ê>Ê1ÛiÀÃ>°Ê°Êi
>Ê etc., mas na verdade são anjos decaídos” É justamente a ausência da luta contra
£È]Ê «°Ê £Î®Ê >ÃÃ>>Ê µÕiÊ
iiÊ ÌiÊ ÕÊ `Õ«Ê Ã}wV>`\Ê
(Macedo, 1987, p. 32). os demônios que E. Macedo vai recriminar
ºLiÀÌ>ÀÊÃÊ`Û`ÕÃÊ`ÃÊ`>LÃÊ às outras denominações evangélicas que,
µÕiÊ ÃÊ «ÃÃÕiÊ >ÃÊ Ì>LjÊ
LiÀÌ>ÀÊÊ>ÕÊiëÀÌʵÕiÊiÃÌ?Ê Como já frisei, a demonização iurdiana segundo ele, “pregam apenas o evangelho
`iÌÀÊ`Ê`Û`ÕÊVÕÊVÀ«Ê das religiões afro-brasileiras se inscreve na ‘chocolate’, ou ‘água com açúcar’, e não
iÊViÀÌÊÃiÌ`ÊÊ>«ÀÃ>»°Ê
*ÀÊÃiÕÊÌÕÀ]Ê>ÃÊ`i>XªiÃÊ chamada Teologia da Guerra Espiritual, libertam verdadeiramente as pessoas da
iÛ>}jV>ÃÊ
ÃÌÀV>ÃÊiÊiÃÊ
>}Õ>ÃÊ «iÌiVÃÌ>ÃÊ VÀÌV>Ê surgida na década de 80 no meio evan- influência dos demônios” (Macedo, 1987,
>Ê1ÛiÀÃ>]ÊKÊÃiÌiÊ«i>Ê gélico norte-americano, que, por sua vez, p. 113). Por isso, continua o fundador da
ÎÓn ,
6-/Ê1-*]Ê-KÊ*>Õ]Ê°Èn]Ê«°ÊΣÎÎÓ]Ê`iâiLÀÉviÛiÀiÀÊÓääxÓääÈ
Universal: “temos de sair da mera pregação mediante um processo de entrevista com
pentecostal, que está na moda, para a prega- os “demônios”, que obedece, basicamente,
ção plena” (Macedo, 1987, p. 131). a “três perguntas-chave, que revelam a
Na prática isso significa que a Iurd, origem, os males causados e a maneira
desde a sua fundação, conduz um ataque pela qual o demônio entrou no corpo do
sem trégua, contumaz, radical, contra endemoninhado” (Almeida, 2003, p. 326).
as religiões afro-brasileiras, a tal ponto Esse ritual, reconhece Edir Macedo (1995,
que esse combate “tornou-se um de seus p. 36), constitui o “lugar central no culto”.
principais pilares doutrinários” (Mariano, Nele, “os demônios são humilhados e até
1995, p. 103). mesmo achincalhados” (Macedo, 1987, p.
De fato, os vilipêndios contra os afro- 134). É Deus, continua o fundador da Iurd,
brasileiros aparecem desde a fundação que “permite que os demônios se mani-
da igreja. Menciono, por exemplo, essa festem para que sejam envergonhados e,
declaração que ouvi num templo em Porto principalmente, desmascarados” (Macedo,
Alegre, no início dos anos 80: 1987, p. 136). A ridicularização ocorre de
várias formas. A mais usual é o ordenamento
“Tu, espírito imundo, que foi pago no para que a “entidade” se ajoelhe diante do
cemitério, na cachoeira. Isto é obra de ma- pastor. Outra é que ela “bata cabeça” para o
cumbaria, feitiçaria. Omolu está aqui de pastor, ou bispo. Mas pode, também, quem
joelho […]. Você que vai consultar Maria preside o ritual convocar toda a assembléia
Mulambo, olha ela aqui de joelhos na Igreja para repetir com ele um refrão comum nos
Universal […]. A Macumba é uma porcaria jogos infantis, como este: “O Exu Caveira
e nós vamos lutar contra esta porcaria até é um bobão, olha a cara dele”.
o fim […]. Na Macumba tem uma legião Embora manifestações demoníacas
de demônios; estes demônios da macumba ocorram quase que diariamente nos templos
só querem roubar, matar, destruir […]. Ele iurdianos, é especialmente nas terças-feiras,
é um exu em forma de caboclo”. nas Sessões Espirituais de Descarrego, e nas
sextas-feiras, nas Reuniões, ou correntes,
Ronaldo de Almeida (1996, p. 55) tam- de Libertação, que os rituais de exorcismo
bém recorda que são fartamente reproduzidos. Nesses casos,
como lembra Ronaldo de Almeida (2003,
“A primeira publicação da Igreja Univer- p. 332), a libertação acaba assumindo na
sal foi a revista Plenitude, criada pouco Iurd estruturalmente o papel de um con-
tempo depois da sua fundação e, desde o trafeitiço diante do feitiço das religiões
seu primeiro número, o ataque à Umbanda afro-brasileiras, que ela reconhece e aceita
e ao Candomblé imperaram como matérias a veracidade.
principais. A Folha Universal, que substi- Nessas situações, porém, como veremos
tuiu posteriormente a revista, traz todas as a seguir, a Iurd revela a sua face que mais
semanas diversas reportagens a respeito dos nos interessa explorar neste texto.
males causados por estas religiões”.
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Com o passar dos anos, porém, tais LÀ>ÃiÀ>ÃÊVÊÌ>LjÊ«i>Ê
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as igrejas neopentecostais, sobretudo a Iurd pastor ou bispo para interpretar e explicar
[…] não são influenciadas e trazem para o os seus comportamentos e termos usados.
interior de seus cultos e doutrinas elementos Isso revela que os “ex-pais/mães-de-santo”
da crença, da lógica e da visão de mundo detêm um status especial e cumprem um
das religiões inimigas? Não é necessária papel importante nos cultos que ocorrem
a realização de observações sistemáticas nas terças-feiras nos templos da Iurd.
anos a fio para perceber que é significativa É importante frisar que em tais Sessões
a influência que sofrem. Isto pode ser visto, Espirituais de Descarrego tanto os pastores
desde logo, no fato de que a eficácia da quanto os ditos “ex-pais-de-encosto” se
experiência religiosa do adversário acaba vestem totalmente de branco, como ocorre
sendo legitimada, assumida como real”. nos rituais da umbanda. Algumas vezes
os próprios fiéis são também solicitados a
Também Ronaldo de Almeida (2003, comparecerem vestidos de branco. Além
p. 340) sublinha que “paradoxalmente, disso, da mesma forma como nos terreiros
a Igreja Universal ficou parecida com pode ocorrer a “chamada” coletiva das enti-
sua inimiga” (isto é, as religiões afro- dades, na “balança do Xangô” (no batuque
brasileiras). gaúcho), também nas sessões de descarrego
Mas não são somente os iurdólogos geralmente ocorre a invocação coletiva para
que percebem uma face “macumbeira” os demônios se manifestarem.
na Iurd. O seu próprio fundador o admite Igualmente, pode também o pastor ou
quando escreve: “Se uma pessoa chegar à bispo que preside o culto/sessão, quando
Igreja no momento em que as pessoas estão pretende acelerar os trabalhos, proceder à
sendo libertas, poderá pensar que estão em “libertação” conjunta dos fiéis exorcizando
um centro de macumba, e parece mesmo” coletivamente os demônios, também de
(Macedo, 1987, p. 135 – grifos meus). forma semelhante ao que às vezes ocorre
Vejamos como isso ocorre. nos terreiros quando as entidades são “des-
Em certas Sessões Espirituais de Des- pachadas” juntas.
carrego, os que já “pisaram nas casas dos Nas mencionadas sessões, as entidades
encostos” – esse termo genérico sendo que ali se manifestam reproduzem uma
hoje usado para se referir ao conjunto das performance similar ao que ocorre nos
entidades das religiões afro-brasileiras29 terreiros, em termos de comportamento
– são convidados a formarem um grande corporal. Por exemplo, exus e pombagiras
círculo na igreja, chamado de “círculo ficam com o corpo retorcido e mãos nos
da divindade”, reproduzindo, assim, as quadris em forma de garras.
“correntes” dos terreiros. Em tais rituais, Também nessas sessões os pastores
além dos pastores, participam ativamente podem fazer uso de galhos de arruda, de
os, assim chamados na Iurd, “ex-pais e uso comum nos terreiros, com os quais
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ºiÝ«>`iiVÃÌ»ÊÃKÊÌiÀÃÊ mães-de-encosto”. Antes do início do culto aspergem seus fiéis. Nesse caso são “ga-
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das mencionadas Sessões Espirituais de lhos de arruda, molhados em bacias com
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ÌiÀÊ ÕÌâ>`Ê Ê iëÀÌÃÊ “ex”, vestidos de branco e sentados diante demônios e deles sejam libertos” (Mariano,
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µÕiÊ ÃiÊ ÀiVÕÃ>Ê >Ê >L>`>ÀÊ toalha branca, tal como ocorre nos ter- Além disso, em tais sessões, mas não
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ViÃÃÌ>Ê `>Ê iiÀ}>Ê `ÃÊ ÛÛÃ°Ê reiros, dão “consultas” às pessoas que os só nelas, são utilizados vários termos em-
Ê ÕL>`>Ê Ì>LjÊ >ÃÃÕiÊ procuram, evidentemente, agora demoni- pregados nas religiões afro-brasileiras, e nas
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>VÀiÃViÌ>Ê >Ê VVi«XKÊ `Ê zando as entidades que defenderam durante mediúnicas em geral, como “trabalho”, “en-
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anos e colocando-se do lado das forças e costo”, “carrego”, “descarrego”, “amarrar”,
iëÀÌÊ `iÊ ÕÊ ÀÌÊ µÕi]Ê poderes divinos. Posteriormente, durante “amarrado”, “despacho”, “despachar”, etc.
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VÃ}Ê ÕÌÀ>ÃÊ «iÃÃ>Ã°Ê /Õ`Ê os cultos, por ocasião das “manifestações Mas, principalmente, nessas sessões, e
`V>ʵÕiÊ>ÊÕÀ`ÊVÀ«À>ÊÃÊ dos encostos”, é comum algum “ex-pai- em outras, é de tal importância a presença
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ÌiÀʺiVÃÌ»°ÊÊÊ ou-mãe-de-encosto” ser chamado pelo de entidades do panteão religioso afro-
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brasileiro, embora com sentido resseman- religiões afro-brasileiras – ultimamente
tizado, que elas passam a integrar o próprio denominadas pelo termo genérico de “en-
sistema de crenças da Iurd. O que significa, costos” – em seu panteão simbólico e no seu
como lembra R. de Almeida (2003, p. 337), corpo doutrinário, não sem atribuir a elas
que “não só os ex-praticantes das religiões significações específicas, “relacionadas a
afro-brasileiras comparecem aos cultos da males concretos da vida” (Almeida, 2003,
Universal, mas também suas antigas divin- p. 39). Embora este não seja um fenômeno
dades, ainda que transformadas”30. exclusivo dessa igreja, nela tais entidades
Disso decorre que ser bispo, pastor, são de tal maneira e com tal intensidade
obreiro e mesmo freqüentador da Univer- referidas, invocadas e exorcizadas em seus
sal, ao menos aqui no Brasil, implica não rituais, sobretudo nas performáticas Ses-
somente conhecer a Bíblia e a doutrina pen- sões Espirituais do Descarrego, que estaria
tecostal, mas também dominar os códigos a revelar uma importante característica da
simbólicos, as crenças e o discurso das re- Universal, a sua semelhança com as religiões
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ligiões afro-brasileiras, embora não só delas. afro-brasileiras, das quais paradoxalmente `>ÊÓääÎ]Ê««°ÊÎÎ{ä®ÊiLÀ>Ê
procura se opor e se distanciar. µÕi]Ê ºÃi}Õ`Ê ÃÊ «Ài}>`ÀiÃÊ
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Esse fato mostra o alto grau de “brico- Ài«ÀiÃiÌ>ÀÊÕ>Ê«ÀÃÌÌÕÌ>ÊiÊ«ÀÊ
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1-" lagem” religiosa e de “abrasileiramento” iÛ>ÀÊ>ÃÊ«iÃÃ>ÃÊ>Ê
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Universal do Reino de Deus procedeu à como uma igreja multifacetada, uma das ÃÊiÀkÃÊ>Ì}iÊwÃV>iÌiÊ>ÃÊ
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fixação de determinadas entidades das suas faces sendo a “macumbeira”. ÃÕ>ÊÛiâ]ÊÌÛ>ÊÊÃÕV`»°
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