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RESUMO: Na metade do século XIX, mais precisamente nas Exposições Internacionais ocorridas na
Europa entre 1862 e 1878, era notável a influência do Japão nas artes plásticas europeias. Tal interesse
pelo estudo das artes japonesas fez com que, em 1872, o crítico e colecionador de arte Phillipe Burty
cunhasse o termo Japonisme . Quase dois séculos depois, o termo Neo-Japonismo vem sendo usado
em diversos campos — incluindo Moda, Gastronomia, Design e Cinema— para se referir a uma nova
penetração da cultura japonesa no ocidente. Com as facilidades de acesso promovidas pela internet e
uma abordagem mais agressiva no comércio exterior, as barreiras que isolavam o arquipélago do resto
do globo foram plenamente derrubadas, permitindo aos apreciadores acesso a áreas até então
inexploradas. De acordo com Nissim Otmazgin, em seu artigo de 2008 para o The Asia-Pacific
Journal, o governo do Japão “vê agora os produtos culturais tanto como um setor econômico lucrativo
tanto como um meio de se obter “soft power”, (OTMAZGIN, 2016) o conceito delineado por Joseph
Nye. Este conceito pode ser também comparado ao que Peter van Ham chama de “brand state”, o que
poderia indicar o interesse do Japão em criar para si uma imagem que seja não apenas atraente em
termos de marketing, mas politicamente agradável. O objetivo do artigo é discutir o fenômeno tanto
pelo viés econômico, com base no consumo de suas produções culturais, quanto pelo ponto de vista
político e social, questionando as motivações do país para promover sua cultura pelas mais diversas
regiões do globo.
ABSTRACT: At the first half of the Nineteenth century, precisely during the International
Exhibitions held in Europe between 1862 and 1878, it was remarkable the Japanese influence in the
European artistic production. Such an interest for the study of Japanese arts made Phillipe Burty to
come up with the term Japonisme, in 1872. Almost two centuries later, the term Neojaponism started
being used in several areas — including Fashion, Gastronomy, Design and Cinema — in order to
approach a new penetration of the Japanese culture in the West. With the easy access provided by the
internet and a much more aggressive approach of the foreign trade, the barriers that long ago isolated
the archipelago from the rest of the world have been completely shattered, allowing the enthusiasts to
access areas that were so far uncovered. According to Nissim Otmazgin, in his article at The Asia
Pacific Journal, Japan’s government “now see popular cultural products as both a profitable economic
sector and a means to attain "soft power”,” (OTMAZGIN, 2016) a term created by Joseph Nye. This
concept may also be compared to what Peter van Ham calls brand state (HAM, 2001), which could
explain Japan’s interest in create for itself an image that would not only be attractive in terms of
marketing, but also politically agreeable. This article purpose is to discuss this phenomenon
economically, based in the consumption of its cultural products, but also though a political and social
point of view, questioning Japan’s motivation to promote its culture all through the most diverse
regions of the globe.
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Pós-graduanda em Estudos Japoneses pela Universidade do Rio de Janeiro (Departamento de Letras Orientais
e Eslavas, UFRJ). Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estácio de Sá.
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1. INTRODUÇÃO
O termo Japonisme surgiu originalmente no século XIX, cunhado por Phillipe Burty
à época das Exposições Internacionais ocorridas na Europa. Este termo se referia à influência
das obras japonesas levadas àquele continente principalmente através de mercadores, as quais
faziam referências a cenários, pessoas e costumes exóticos do país.
Assim definido o tema, nos deparamos com a questão principal deste artigo: este
consumo contemporâneo da cultura japonesa é realmente impulsionado pelo interesse do
público ocidental ou existe um interesse nacional na exportação de seus costumes e valores?
Para tal estudo, analisamos diversas teorias como a de soft power, de Joseph Nye, assim como
a de brand state de Peter van Ham, a fim de embasar nossa perspectiva acerca do
posicionamento japonês no cenário político. Além disso, buscamos o ponto de vista de críticos
e produtores de bens culturais, com o objetivo de obter um panorama do consumo da cultura
japonesa nos dias atuais.
Lázár cita diversas definições variando desde “uma programação coletiva da mente
que distingue os membros de um grupo ou categoria de pessoas de outro” (Hofstede) a “um
sistema comum de padrões para perceber, acreditar, avaliar e agir” (Kramsch). Porém, a
melhor analogia é baseada em Brembeck, o qual “compara a noção de cultura a um iceberg
onde apenas a ponta é visível (linguagem, comida, aparência, etc.) enquanto a maior parte do
iceberg é difícil de ver ou compreender (estilo de comunicação, crenças, valores, atitudes,
percepções, etc.)”. Esta visão é extremamente importante para a compreensão do que iremos
definir como “cultura japonesa” e, por isso, voltaremos a ela mais à frente.
Na verdade, como explica Gina Barnes ao falar sobre as falácias sobre as relações
entre China, Coreia e Japão, o fluxo de cultura na região não partia unicamente da China, mas
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era multidirecional. E isto não se aplica apenas a estas três regiões, mas inclui até mesmo a
Eurásia e o Sudeste Asiático. O que havia, certamente, eram “períodos de intensa interação e
períodos de relativo isolamento entre estas áreas geográficas”. Portanto, embora certamente
exista uma forte característica nacional na cultura japonesa que a diferencie das demais
nações ao redor, é possível, em uma análise profunda, identificar elementos similares aos
demais.
Em 1872, o termo Japonisme foi usado pela primeira vez pelo crítico e colecionador
de arte Phillipe Burty em seu artigo para o jornal La Renaissance littéraire et artistique,
definindo-o como “o estudo da arte e do gênio japonês” (ONO, 2003). Àquela época, a
abertura forçada do Japão aos estrangeiros gerou na Europa uma inundação de produtos
nacionais como leques, quimonos, sedas e caixas de laca decoradas, sem falar nas obras de
ukiyo-e que despertaram a atenção de consumidores de arte, principalmente na França e na
Inglaterra (IVES, 2004). Estas obras não apenas foram adquiridas com voracidade por
colecionadores, mas também passaram a influenciar obras de artistas da época como Edouard
Manet, Claude Monet, Vincent van Gogh, James Tissot e Edgar Degas.
Designers e arquitetos como Edward William Godwin e Frank Lloyd Wright também
foram inspirados pela arte e cultura japonesa em seu processo criativo. Houve uma “tentativa
de entender e adaptar as qualidades essenciais da arte japonesa” o que foi traduzido não em
uma imitação da arte japonesa, mas em um trabalho novo e original (ONO). Por ser, portanto,
um processo de consumo acompanhado de um processo produtivo, Japonisme não deve ser
confundido com Japonaiserie, o interesse por objetos e motivos japoneses por seu caráter
exótico. Ele implica, obrigatoriamente, na produção pós-consumo.
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Porém, além das cores vivas e objetos exóticos, o que no Japão encantou tanto o
Ocidente? Uma citação de Elisa Evett é bastante esclarecedora ao afirmar que essa paixão da
Europa refletiam ao mesmo tempo um primitivismo e um modo de fuga:
Uma evidência de que o interesse europeu não era puramente artístico está na paixão
pelo Ukiyo-e. A maioria quase absoluta de vendedores e colecionadores era composta por
homens e uma parte significativa dessas obras eram shungas, ou seja, imagens eróticas.
Assim, “o lado altruísta apresentado exclusivamente em estudos formais é mais que
questionável” (REYNS-CHIKUMA, 2005).
Takashi Murakami, em seu livro Superflat, localiza o boom da arte japonesa como
tendo ocorrido no final dos anos 1960, com o crescimento econômico pós-guerra. No entanto,
diferentemente da arte ocidental, baseada mais em pinturas e esculturas, o que realmente
interessava, dentro e fora do Japão, eram a cerâmica e o artesanato tipicamente japonês. As
artes visuais eram, à época, más imitações de trabalhos reais que passavam a ser importados
de fora. Faltava aos artistas japoneses uma “identidade nacional”.
E é assim que uma arte, considerada “excêntrica” para o historiador de arte Nobuo
Tsuji, começa a criar raízes. As obras dos autores Iwabe Matabei, Kano Sansetsu, Ito Jakuchu,
Soga Shohaku, Nagasawa Rosetsu e Utagawa Kuniyoshi possuíam fortes semelhanças com os
mangás e artes de pôster, mas foram consideradas avante-garde por ele. Para Murakami
“todos os artistas “excêntricos” partilhavam uma certa metodologia estrutural, na qual eles
criavam imagens superficiais que apagavam interstícios e, assim, deixavam o observador
ciente da extrema planaridade das imagens.”
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perspectiva ou excesso de detalhes. E este movimento do olhar é o que Murakami utiliza para
criar sua teoria do Superflat. O termo se refere não apenas aos espaços planificados na arte
tradicional japonesa, nas artes gráficas, mangás, animes e pop art, mas também ao
consumismo vazio e crônico da cultura japonesa contemporânea (ELLIOT).
Apesar disso, Murakami deixa claro que o superflat é uma forma de arte avante-
garde, tão real quanto os “ismos” ocidentais — Cubismo, Surrealismo, Minimalismo —
porém, este foi verdadeiramente criado pelos japoneses.
Como Ives esclarece em seu ensaio para o Museu Metropolitano de Arte, para alguns
artistas, os temas simples do cotidiano japonês foram encarados como uma brisa de ar fresco,
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inspirando gravuras coloridas sobre a vida das mulheres; para outros, como Toulouse-Lautrec,
a atração estava nas cores fortes e expressões faciais do teatro Kabuki. Acima de tudo, houve
uma popularização do uso da litografia, baseada nas gravuras feitas em blocos de madeira
provenientes do Japão.
Kazuo Ogoura (2009) descreve a diplomacia cultural como uma forma de ampliar a
influência política de uma nação. Essa descrição está bastante alinhada à que Nye oferece para
o soft power, ou seja, a “habilidade de conseguir o que se quer através de atração mais que por
coerção ou pagamentos, (...) originada da atratividade da cultura, política, ideais e diplomacia
de um país”. Embora Nye posicione o Japão como o país com maior soft power na Ásia, em
grande parte isso ocorre por seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento. A exportação
de produtos culturais de maneira intencional é bastante tímida, por exemplo, em comparação à
Coreia, cujos avanços na Netflix foram objeto de estudo de Urbano e Araujo (2017).
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O intercâmbio cultural, por outro lado, não possui a mesma carga política, mas seria
fruto de um empreendimento criativo com o objetivo de gerar inspiração mútua. E, de fato, a
maior parte do consumo de produções culturais, principalmente no ramo musical e
audiovisual, vem de sites de streaming e projetos de fansubbing, conforme Araújo (2016)
detalha em seu trabalho acerca de doramas japoneses. Este intercâmbio, surgido de modo
espontâneo e produzido parcialmente pelos próprios consumidores, embora não possa ser
medido oficialmente gera um aumento do consumo de outros produtos culturais, no que
Araujo chama de “busca por experiências complementares”.
Embora pareça que o intercâmbio cultural esteja longe das mãos do estado, porém
nada poderia estar mais longe da verdade. Ogoura aponta que a globalização forçou o Japão a
redefinir sua própria identidade. Para isso, “o Japão precisava se apresentar como um pioneiro
da cultura pós-moderna”. E que melhor maneira de fazer isso que dar destaque a mangás,
moda, música pop, culinária e novelas?
E talvez seja a combinação dos esforços incipientes das autoridades japonesas e das
iniciativas voluntárias de consumidores o que acaba por criar o que, para fins deste artigo,
chamamos de “neo-japonismo”.
6. CONCLUSÕES
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Muito embora, como bem definiu Keohane, o Japão não possua a capacidade de se
tornar uma potência hegemônica no futuro próximo, isso não significa que não possa estender
sua influência para além do eixo geográfico em que está inserido. Assim, é possível que estes
braços culturais que se estendem cada vez mais longe possam se traduzir futuramente em
parcerias mais consistentes e, obviamente, em mais peso em sua balança de poder.
Esta análise teve por base os padrões de consumos ocidentais de produtos culturais
japoneses. No entanto, é importante deixar claro que existem outros fatores que também
devem ser levados em conta em se tratando de poder político, como domínio de estratégias
militares ou poderio bélico, fatores que não foram levados em consideração para este estudo.
No entanto, considerando as atuais negociações do Japão com a Coreia do Norte, é possível
que estes fatores venham a modificar drasticamente nos próximos anos. Portanto, é possível
que novos trabalhos venham a trazer ainda mais luz a estas questões.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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https://www.academia.edu/31112795/Dramas_de_TV_japoneses_da_participa
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ELLIOT, David. Bye bye Kitty!!!: between heaven and hell in contemporary Japanese
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KEOHANE, Robert Owen. After Hegemony: Cooperation and Discord in the World of
Political Economy. Princeton: Princeton University Press, 1984.
NYE, Joseph. Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York. Public Affairs,
2004.
ONO, Ayako. Japonisme in Britain: Whistler, Menpes, Henry, Hornel, and 19th century in
Japan. Abingdon: RoutledgeCurzon, 2003.
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VAN HAM, Peter. The Rise of the Brand State: The Postmodern Politics of Image and
Reputation. Foreign Affairs, vol. 80, no. 5, pp. 2–6, Set-Out 2001.