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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH


Programa de Pós-graduação em História
Disciplina de Teoria e Metodologia II – Cultura e Representações

HISTÓRIA, IMPRENSA E REPRESENTAÇÃO:


aproximações para um Estudo do Brasil dos anos 50.
Lucas Rangel Nunes

Fluindo através de uma interdisciplinaridade cada vez mais intensa, iniciada no século XX
com os dilemas epistemológicos dos anos 80 (CHARTIER, 2002), a historiografia brasileira descreve
os avanços e as contradições de certas abordagens da Imprensa enquanto fonte e objeto relacionado: o
uso dos jornais e revistas na pesquisa em história, processo historicizável e bastante extenso, tem nos
últimos anos se destacado nas pesquisas acadêmicas – como por exemplo, no estudo da história
política, social ou criminal do passado – sem contudo esgotar o debate de seus limites e suas
problemáticas de aplicação. Poderíamos afirmar que hoje o que está em jogo não é a legitimidade da
Imprensa enquanto fonte ou objeto para o estudo do passado e do presente; de certo modo, a sua
relevância indiscutível contribuí para que surjam tendências que, por um lado participam desta
interdisciplinaridade necessária, por outro ainda exploram timidamente certas áreas do conhecimento
- urgentes para a pesquisa destas fontes/objetos.
Uma destas áreas pouco exploradas encontra-se nas recentes – em verdade, retrabalho de uma
linguística do século XIX-XX - ciências da linguagem (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU,
2016). Estas ciências, por apresentarem diferentes perspectivas, metodologias, conceitos teóricos que
dialogam mas não enrijecem uma disciplina, apresentam diversas ferramentas a análise do discurso,
do ato comunicativo, das relações que se estabelecem através da linguagem - e que vem sendo
exploradas nas últimas décadas, desconstruindo os pressupostos estruturalistas da Linguística da
primeira metade do século XX. Mesmo sendo a linguagem algo socialmente construído e sentido, os
estudos em História que utilizam a Imprensa como fonte/objeto não tem como característica principal
utilizar os conceitos das ciências da linguagem de forma aprofundada, mantendo a tendência de
análise política, da elaboração social do discurso – sem contudo perceber os aspectos linguísticos
deste como articuladores/articulados através do espaço social no qual participam. Isto fica bem claro

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quando analisamos os trabalhos que depositam sua atenção em disputas de poder através do jornal, ou
da noticiação de casos de polícia, de prisão de manifestantes, etc. Tende-se a pensar a Imprensa e o
Jornal como lugares relacionados ao poder econômico e político, ferramentas nas disputas pelo poder,
esquecendo-se que o vocabulário, as estruturações semânticas, a divisão de interprete/receptor está
alinhada às estas disputas do mundo, como parte fundamental.
A timidez para com os conceitos e teorias externas à disciplina da História não se limita às
áreas do conhecimento que pareçam distantes das ciências sociais e da pesquisa histórica; há uma
escassez de abordagens na própria análise do discurso ou da formação do discurso em relação a
alguns autores. Um exemplo: o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), propôs, ao longo de
sua riquíssima carreira acadêmica, conceitos fundamentais para o estudo das relações sociais, a
análise da formação de lugares e instituições, através de conceitos como o de habitus, campo, poder
simbólico. Atento às lógicas de produção e circulação de capitais que formalizam as distinções do
Espaço Social, Pierre Bourdieu está como referência para diversos trabalhos ligados ao estudo do
político e do mundo artístico, mas não tanto aos que se preocupam com o espaço de produção em seu
caráter linguístico; igualmente, é menos utilizado como referencial teórico na pesquisa histórica do
que se deveria, visto o caráter altamente explicativo de seu conceitos.
Inclinados por suas contribuições, e críticos à escassez de estudos que utilizem suas
observações no estudo da Linguagem – e da linguagem no âmbito dos estudos em História-,
propomos uma discussão que aproxime conceitos provenientes de diferentes disciplinas e que ressalte
sua importância no estudo da Imprensa. Resgatando uma bibliografia relacionada, nas páginas
seguintes buscamos explanar um pouco sobre a Imprensa – através de algumas manchetes do Correio
da Manhã (RJ) - e sua relação com os conceitos de representação, cultura e mercado linguístico, inter-
relacionados na atividade jornalística da década de 1950.

Brasil e Imprensa: um breve sobrevoo historiográfico.

Como bem observa Tânia de Luca (IN: PINSKY, 2006), até a década 1970 a historiografia
brasileira esboçava poucos estudos que explorassem a imprensa e jornal impresso como fonte de
pesquisa; até então mais atenta à uma História da Imprensa, que priorizava os avanços técnicos ao
longo do século XIX e XX, a historiografia relacionada incorporaria os debates teóricos das década
de 1970 e 1980, expandindo o horizonte de fontes trabalháveis (LUCA IN: PINSKY, 2006; p. 111).

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De certa forma, Nelson Werneck Sodré (2007 [1966]) antecipa uma análise profunda da Imprensa
Brasileira retomada apenas na década de 1990, embora sua análise destaque o papel econômico da
Imprensa nas relações de produção do Brasil da primeira metade do século XX. Mesmo atento às
consequências que sua atuação produzia nas relações sociais e políticas estatais, Sodré não produziria
uma análise do lugar de produção de discursos que àquelas empresas jornalísticas ocupavam, o seu
aspecto simbólico e representativo.
É recente a abordagem da Hisória por meio ou através da Imprensa; alguns estudos nas
últimas décadas no Brasil procuram destacar acertadamente a Imprensa Brasileira em seu lugar no
espaço social. Heloísa de Faria Cruz e Maria do Rosário Peixoto (2007), dialogando com Robert
Darnton, resumem: “é preciso pensar sua inserção histórica enquanto força ativa da vida moderna,
muito mais ingrediente do processo do que registro dos acontecimentos, atuando na constituição de
nossos modos de vida, perspectivas e consciência histórica.” (CRUZ & PEIXOTO, 2007; p. 257).
Percebendo-a como agente nas relações políticas e sociais da sociedade brasileira, vários estudos nas
últimas décadas ressaltam o papel desta instituição em constante interação com o poder e sua disputa,
tarefa iniciada por Sodré, percebendo os agentes sociais com um papel ativo nestas relações
(CAPELATO & MOTA, 1981; CAPELATO, 1989; TOKARSKI, 2003; RIBEIRO, 2007; MARTINS,
2010; DOS SANTOS, 2015). Sendo um diálogo bastante intenso e extenso na historiografia
relacionada, que destaca a vinculação entre industrialização e o crescimento no número de jornais nas
primeiras décadas do século XX (BARBOSA, 2010), sua interação com o capitalismo na década de
1950, através da propaganda de produtos de bens de consumo e de bens duráveis na dinâmica
econômica própria do consumo em massa (RIBEIRO, 2007), gostaríamos de limitar suas observações
sobre o aspecto enunciativo do jornal. Unânime é para os pesquisadores da imprensa brasileira o
estado das relações entre as empresas jornalísticas e o Estado na década de 1950: se durante a
primeira metade do século XX a escrita jornalística sempre se posicionou diante dos dilemas do
mundo político, geralmente demonstrando os interesses dos proprietários, esta característica de
envolvimento não teria se modificado completamente nas novas configurações de mercado da década
de 1950, quando uma nova forma de escrita – menos rebuscada e mais direta, conforme os moldes do
jornalismo estadunidense - e de gerenciamento das empresas – administradas de forma empresarial
se articularia (RIBEIRO, 2007). Esta reformulação tanto estrutural como estética teve seu início
marcado pelo compêndio das “Regras da Redação do Diário Carioca”, proposto pelo editor-chefe
Pompeu de Souza, em 1950. Mas as conexões com os agentes do campo político permanecem como

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determinantes na elaboração do discurso midiático da década de 1950, período em que os
profissionais, organizando-se enquanto categoria com princípios e deveres específicos – Marialva
Barbosa (2010) os coloca como intelectuais orgânicos, de acordo com o conceito de Antoine Gramsci
(GRAMSCI, 1989 apud BARBOSA, 2010; p. 152) – que articulam a circulação de percepções do
mundo social. Barbosa (2010) sintetiza perfeitamente esta relação, seguindo uma interpretação
bourdiana das relações de poder:

As suas relações com o poder vão, portanto, além dos limites das relações explícitas com
o Estado e com grupos que detêm o poder político num determinado momento. As
relações de comunicação são relações de poder e a língua como sistema simbólico é
instrumento de conhecimento e construção do mundo, sendo suporte de poder absoluto, na
medida em que através dela se codifica o mundo social (BARBOSA, 2010; p. 153)

Ribeiro (2007) sustente o princípio de formação de um campo jornalístico na década de 1950,


quando se passa a ter uma espécie de lógica interna de ação e regulação do fazer jornalístico.
Algumas ressalvas devem ser feitas: não se pode esquecer a primazia do capital econômico sobre
todos os outros capitais, conforme observa Bourdieu (1989); nada diferente disso é a lógica de
mercado dos critérios de elaboração do discurso midiático: outras determinantes influenciam e
ultrapassam a dinâmica interna de captação de um capital jornalístico para sua hierarquização e
instituição. A autonomia da elaboração do habitus de um campo, do que seria um campo jornalístico
brasileiro neste período da década de 1950, não partem necessariamente de critérios jornalísticos
gradativamente elaborados ou incorporados, mas o inverso: além dos capitais econômicos e sociais
requeridos ou almejados, qualquer estratégia de comportamento, lógica de negociação - um habitus -
dos agentes da imprensa brasileira é definido antes por um discurso estrangeiro duplo – primeiro,
estadunidense; segundo, de um sistema de pensamento (CHARAUDEAU, 2009) cujas naturalizações
seguem uma percepção do liberalismo como caminho para o encontro da verdade, indissociável da
imprensa (TOKARSKI, 2003) importados e impostos pelos proprietários ou agentes hierarquicamente
destacados que estabelecem estas regras – que mesmo presente durante as primeiras décadas do
século XX na sociedade brasileira e até mesmo dentro dos jornais, não possuem um interesse
estritamente jornalístico. De forma explicitamente enunciada na década de 1950, estes agentes
posicionam-se como representantes do discurso desenvolvimentista e moderno, do povo, do Estado
democrático, para além do jornalismo em si, mas através da profissão jornalista.

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Não desejamos aqui nos estender na discussão do que seria a lógica de funcionamento de um
campo jornalístico propriamente dito – talvez os critérios que fornecem seu funcionamento,
hierarquização e autonomia diante do campo político seja o fato de que se posicione diante do mundo
social como guardião/autoridade do funcionamento dos outros espaços e campos do social através do
princípio autoevidente da verdade. Basta ressaltarmos aqui a característica fundamental das mídias
tanto nas sociedade contemporâneas quanto em seu período inicial de estruturação como agente:
como observa Charaudeau (2009), é na contradição de denunciar o poder – do Estado, das
instituições, de outros agentes – que as mídias exercem o seu poder, noticiando imparcialmente os
debates políticos e culturais sem contudo poderem se distanciar das relações de poder neles inscritas
(CHARAUDEAU, 2009; p. 118).
É nesta relação de denunciar/enunciar o que aconteceu no mundo, o que deveria acontecer –
casos de colunas de crítica, por exemplo -, que se explicita uma situação entre a prática jornalística, a
escrita do mundo e suas intenções: enquanto se pretende como valor de verdade, a escrita jornalistica
acaba por produzir muito mais seu lugar no espaço social como efeito de verdade (CHARAUDEAU,
2009; p. 49). Através do acúmulo de relatos, depoimentos e documentos articulados para a
estruturação de um discurso plausível, verossímil, crível, com credibilidade, a escrita jornalística
interage participa na produção de interpretações, significações, representações do real e de si –
indissociáveis das disputas do Espaço Social.

Cultura, Representação e Imprensa: aproximações necessárias

Representação e Cultura: dois conceitos centrais na pesquisa acadêmica recente, e mais ainda,
pertinentes no estudo da Imprensa. Dito anteriormente, o debate que a partir da década de 1970
propiciou a expansão do horizonte de fontes e objetos a serem analisados, permitindo que os
costumes, os ritos, as produções criativas, bem como as fontes anteriormente tidas como não
confiáveis – do ponto de vista documental, o jornal, o relato oral, a literatura – passassem a ter
credibilidade como objeto para o conhecimento histórico, permitiram encarar as múltiplas
manifestações materiais e simbólicas como aspectos das diferentes culturas e suas interações com o
mundo. Roger Chartier (2002) ressalta a complexidade do conceito, quando analisa as produções
textuais do Antigo Regime, destacando relação dupla que o conceito pode descrever: a primeira, de
ausência física do objeto referente, que se faz presente através de representação – um ato

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performativo ou um ícone, também performativo-; segundo, o de apropriação, quando a
representação é o resultado da apropriação e re-significação de um referente e a produção de uma
nova referência (CHARTIER, 2002; p. 74-75).
Neste debate da elaboração das representações, tidas como a própria regra de construção do
mundo social, diversos autores e autoras depositaram seu tempo na tentativa de compreender a
experiência humana e o tempo, o processo de construção das relações sociais que se baseiam em
referências com o vivido por outrem no passado e que possuem uma trama de conexões; dito de outra
forma, as sociedades humanas sempre possuíram relatos e histórias estruturadas em relação ao
passado – com significações, regulações, pressupostos, exigências de ordenamento – que, conforme
Paul Ricoeur (apud CHARAUDEAU, 2009, p. 96-97), são apresentadas através de narrativas
baseadas na intriga. Da exigência de ordenamento da configuração da informação, parte-se para a re-
figuração desta, no limite do compreender e interpretar(RICOUEUR, 1991 apud CHARAUDEAU,
2009, p. 97). O que fica evidente nesta relação de escrita do real é a necessidade inequívoca de um
agente interpretativo, posicionado por um movimento cíclico de relações de poder e dos usos da
interpretação/significação, inserido em um local que observa o ocorrido, o elabora como
acontecimento, o significa e o aloca em um sentido geral – ação guiada por uma interação com os
sistemas de pensamento existentes, o não-compreendido em um lugar compreendido
(CHARAUDEAU, 2009, p. 99 – 110), o estado de caos e o estado de ordem.
Perceber as representações como parte da constante apreensão da informação, ou da
circulação da linguagem, e da significação como trabalho socialmente realizado permite-nos
compreender sua inserção na disputa pelas interpretações do mundo, da percepção do que é comum à
ordem das coisas, dos enunciados, dos sistemas de pensamento, e o que é caótico diante destas – e
que talvez deva ser evitado, apreendido, transformado. As relações sociais e políticas, ao menos nas
sociedades ocidentais colonizadas e imperialistas, se dá de forma desigual, isto é, os agentes ocupam
posições assimétricas nas relações de produção, na distribuição de capital econômico, político e
simbólico. O processo de escrita do mundo do qual falamos anteriormente, nas representações
produzidas e interiorizadas no arcabouço de significações que dão sentido ao mundo, está inserido, ou
melhor dizendo, descreve a disputa pelo poder simbólico nas sociedades (BOURDIEU, 1989). Este
poder simbólico seria, na concepção de Bourdieu, o poder de enunciar as palavras, dar sentido ao
mundo (BOURDIEU, 1989; p. 9-10). O agente interpretativo e performativo está inserido de forma
variável nesta disputa, podendo estar em uma posição de dominante – ou de dominante/dominado,

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como é o caso dos intelectuais – ou em uma posição de dominado, o caso das classes subalternas, das
etnias marginalizadas, das sexualidades reprimidas e perseguidas. Como veremos adiante, a imprensa
brasileira estava posicionado na enunciação de uma determinada perspectiva do mundo, das relações
sociais, das valorações morais e estéticas, que condizia com a permanência de alguns lugares, seja, o
status quo, a (sic) identidade nacional, os valores ocidentais. Isto é, no processo de interpretação dos
fatos noticiados e sua transformação em acontecimento – que Charaudeau denominaria “processo
evenemencial” (CHARAUDEAU, 2009, p. 99) -, ao arrogar poder fazer um retrato fiel da realidade
para o leitor – nada mais do que uma representação, na interação entre ausência e presença, percepção
e re-figuração -, pretenderem ser porta-vozes da cidadania e da democracia ocidental – um
posicionamento político, uma defesa de um sistema cultural -, a imprensa brasileira anunciava a
cultura como lugar autoevidente, associado à verdade – a retomada do diálogo intrínseco entre
representação e cultura.
O que é cultura? O que é a Cultura? De todos as definições, da ortodoxia marxista que a
coloca como refém da infraestrutura, ao dito pós-modernismo que a dilui em todos os momentos e
lugares, ressaltamos o papel da Cultura – e sua defesa – na distribuição e regulação de capitais,
explícito nas páginas da imprensa brasileira da década de 1950 e intrínseco às representações. Isto
porque, nas palavras de Alfredo Bosi

O termo, na sua forma substantiva, aplicava-se tanto às labutas do solo, a agri-cultura,


quanto ao trabalho feito no ser humano desde a infância ; e nesta última acepção vertia
romanamente o grego paidea. O seu significado mais geral conserva-se até nossos dias.
Cultura é o conjunto das práticas, das técnicas, dos símbolos e dos valores que se devem
transmitir às novas gerações para garantir a reprodução de um estado de coexistência
social. […] Aculturar um povo se traduziria, afinal, em sujeitá-lo ou, no melhor dos casos
adaptá-lo tecnologicamente a um certo padrão tido como superior. [grifo nosso] (BOSI,
2014, p. 16-17)

A cultura em sua concepção fluída, que se transforma e se inscreve em qualquer lugar, é válida
para a desconstrução de hierarquizações arbitrárias e exclusões estratégicas; todavia, a cultura
enquanto concepção tradicional nas sociedades ocidentais é utilizada como bastião na estruturação
das distinções, nas assimetrias na participação do político (BOURDIEU, 1989; p. 164), na definição
das regras da divisão do trabalho e da produção artística. A classe dominante, os grupos que
concentram forças associadas no estado do mundo capitalista inserem-se neste mecanismo de
distinção; por isto, estabelecem-nas como as únicas válidas nas disputas internas pelo poder, Todas as

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outras manifestações artísticas, religiosas, criativas, ritualísticas, simbólicas que estão à margem da
definição de cultura válida dominante, e que apenas são consideradas válidas quando são
parcialmente apropriadas pela classe dominante, como é o caso do Jazz (BOURDIEU, 2015), estão
alinhadas em uma lógica de produção e circulação de bens simbólicos que limita as possíveis
produções, enunciações, semânticas. O discurso - enquanto enunciação de um texto e seu sentido
pretendido - da imprensa brasileira possuí diversos posicionamentos; os jornais, independente do
posicionamento – liberal, comunista, trabalhista, anarquista, etc -, estão inseridos nesta complexa
produção simbólica como representações duplas: primeiro, como representações enquanto estratégias
discursivas – que Pierre Bourdieu percebe inseridas nas disputas de representações, isto é, no
processo de di-visão do mundo (BOURDIEU, 1989; p. 113) - conscientes ou interiorizadas, mas
ainda sim estratégicas na elaboração do mundo, das relações sociais e dos significados dos
acontecimentos – com expectativas sempre presentes e jamais desinteressadas – e que reproduzem
aquelas percepções de cultura especificamente válida. Em segundo lugar, a notícia veiculada é
resultado destas estratégias dos agentes responsáveis pela escrita da notícia – seja o repórter, o
proprietário do jornal, o empresário ou o político que constrange a escrita do texto -, mas também é
produto de uma percepção, interpretação e significação inevitáveis no processo de cognição da
informação e do mundo.
Em resumo, a escrita jornalística participa do mundo enquanto Linguagem através de escolhas
semânticas e conceituais, respondendo aos interesses/pressupostos de seus agentes dominantes, e se
estabelecida uma relação de reconhecimento, pelos agentes dominados e subordinados na hierarquia
interna da empresa; neste sentido, as notícias das páginas da imprensa liberal brasileira da década de
1950 operam como denúncia de uma ameaça à cultura democrática – logo cultura ocidental, logo,
cultura a ser defendida, a única válida -, não chegando a omitir a intenção/consequência imediata
desta denúncia, a manutenção das regulações de capital tal como são no status quo. Deste modo,
cultura e representação são mais do que conceitos relevantes, ferramentas na análise da imprensa: são
parte de um vocabulário constitutivo da época, que precisa ser explorado.

Um pequeno Mercado Linguístico: o caso do Correio da Manhã

Analisando um período específico de instabilidade política noticiada, podemos observar


alguns dos comportamentos, do que é escrito, como é escrito e porque é escrito; perceber os limites

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do mercado linguístico daquele jornal, inserido em uma sociedade que o estrutura. Utilizamos para a
análise as tiragens da semana do dia 16 ao dia 23 de Junho de 1955 do Correio da Manhã (RJ) –
como parte de uma pesquisa mais ampla em andamento, através do programa de Pós-Graduação em
História da UFRGS, que busca observar a escrita jornalística de 1955 à 1958 na imprensa brasileira e
suas representações da realidade política da Argentina.(NUNES, no prelo).
É um requisito situar o discurso em seu período específico – especialmente se ele possui um
caráter dialógico explícito com a realidade -, bem como o seu lugar de produção/enunciação.
Segundo Bourdieu, existem diferentes habitus linguísticos (BOURDIEU, 2003) – pressupostos,
valorações internalizadas pela trajetória individual ou coletiva – que são participantes no processo de
escrita do discurso – seja de forma escrita, imagética ou oral. Este habitus linguístico está inserido em
um mercado linguístico constitutivo do processo de escrita textual, de elaboração dos bens simbólicos
a ela atrelados, de di-visão do mundo; através de capitais linguísticos se estrutura a hierarquização
dos agentes, uma organização semântica do discurso – enunciados possíveis e impossíveis que
pretendem a verdade, palavras permitidas e não permitidas, rituais que condicionam o tipo de
apreensão do discurso, como sugere Michel Foucault (2016) - que confere ao enunciado/enunciador
um poder de elaboração simbólica, e logicamente, um poder simbólico.
Algo determina o vocabulário e a “inflação” do Mercado Linguístico: a década de 1950 pode
descrever relações inteiramente novas entre o Estado, a sociedade civil e as Forças Armadas; a
elaboração de identidades coletivas, inclinadas em organizações políticas partidárias ou não, como foi
o caso do Trabalhismo e do Petebismo (GOMES, 2005 [1988]; BENEVIDES, 1981), do que foi
chamado Populismo (WEFFORT, 1970; FERREIRA, 2017 [2001]; LACLAU, 2005), do Udenismo –
complexo em si, mas com alguns padrões -, do desenvolvimentismo como fim em si mesmo. Mas a
década de 1950 também é constituída de um vocabulário político específico, de limites de tipos de
texto e de sentidos possíveis, de “guerra econômica” : o anticomunismo trabalhado ao longo das
últimas décadas toma novos contornos com a corrida espacial; a política econômica estadunidense de
Eisenhower suscita os debates do planejamento econômico nacional; a tecnocracia como sistema
naturalizado, e a crítica ao corporativismo da era Vargas e de qualquer outro regime semelhante ou
próximo, como o peronismo na Argentina. Na Argentina da mesma década ocorre semelhante
instabilidade política, consolidação de identidades coletivas, tentativas de golpe de Estado – mal ou
bem sucedidas -, que participam da escrita jornalística de igual modo, por dialogarem com questões
internas do país – indissociáveis dos interesses, dos pressupostos e do espaço de percepção e re-

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figuração da informação no qual os jornalistas brasileiros estão posicionados. Entre Junho e Setembro
de 1955, na Argentina se descreve uma série de afrontamentos, distúrbios e instabilidade política,
fruto da oposição heterogênea ao peronismo e ao governo de Juan Domingo Perón – para uma
bibliografia aprofundada do anti-peronismo e do peronismo: SPINELLI, 2004; TORRE, 2001. Como
afirmado acima, vamos utilizar uma semana para analisar sucintamente estas representações, este
mercado linguístico específico, mas ilustrativo de um quadro maior. Para elucidar o que ocorreu na
semana que gostaríamos de analisar: no dia 16 de Junho uma insurreição militar, com o auxílio de
alguns civis oposicionistas, bombardeia a Casa Rosada em Buenos Aires, com a intenção de
assassinar o presidente e por fim à “pesadilla peronista”. A insurreição é dominada, sem antes deixar
um grande número de civis mortos, além da instabilidade política no governo. Ao lado do general
Lucero e do general Sosa Molina, Perón governa uma espécie de triunvirato, visto que as forças
militares permanecem em estado de alerta e intervém nos ministérios para a manutenção do governo.
O Correio da Manhã, com sede no Estado da Guanabara, foi fundado em 1901 por Edmundo
Bittencourt. De viés liberal, o Correio da Manhã declarava-se “Isento de qualquer tipo de
compromisso partidário, o Correio da Manhã apresentou-se como o defensor ‘da causa da justiça, da
lavoura e do comércio, isto é, do direito do povo, de seu bem-estar e de suas liberdades’.” (CPDOC,
“CORREIO DA MANHÔ, 2018) Na década de 1950, tinha Antônio Callado como editor-chefe e
Álvaro Lins como redator; pretendia-se direto, completo, utilizando diversas agências de notícias
internacionais – prática usual do período -, tais como Reuters (Reino Unido), France Presse (França),
United Press (EUA) -, contando ainda com alguns correspondentes da casa quando de coberturas de
maior destaque. Na capa do dia 17 de Junho, o Correio trás a manchete “Insurreição Militar contra a
tirania de Perón” (CORREIO DA MANHÃ, 17/06/1955). Na capa o Correio também trás a reedição
de uma entrevista do dia 11 de Junho com um emigrado, possivelmente da Unión Cívica Radical –
partido oposicionista da Argentina -, Arnaldo Massone, que revela a realidade por trás da “Cortina
Descamisada”; ali, uma série de tópicos são numerados e que sintetizam a fala do entrevistado. Entre
outras observações, Massone teria dito que

9 – Perón sempre mostrou a ansiedade de domínio para com o Brasil


10 – O Sr, Getúlio Vargas soube repelir as intenções peronistas
11 - O Brasil cresceu mais que a Argentina
12 – Os fascistas, saídos do nada e de volta para ele, antes enchem os bolsos

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13 – E vergonhoso que a revolução peronista tenha sido tramada e executada por uma
nação estrangeira – a Alemanha – visando a garantir um refúgio para os dirigentes nazis
caso perdesse a guerra (CORREIO DA MANHÃ, 17/06/1955)

Na década de 1950 a imprensa, ao mesmo tempo que se coloca como imparcial e direta,
igualmente se reserva a capacidade de interpretação isenta dos acontecimentos. Como bem observa
Charaudeau (2009), o próprio processo de elaboração de fatos em acontecimentos – tornar algo em
evento – requer uma percepção posicionada das relações, repercutindo nos significados, nas escolhas
semânticas, no que significa o acontecimento em si. O Correio é apenas um exemplo deste processo
deliberado de interpretação – que perpassa outras questões, como o dever de informar a verdade e a
incapacidade do leitor, através de si mesmo, perceber as nuances da realidade -, que nos possibilita
perceber as forma explícitas e implícitas de seleção. Em primeiro lugar, é somente no dia 21 de
Junho que o Correio conta com um correspondente própria na divisa entre Argentina e Uruguai. Ou
seja, todas as reportagens são trazidas por agências de notícia internacionais, o que poderíamos situar
como uma reinterpretação, visto que há uma primeira interpretação – produzida pela agência – e a
reinterpretação, realizada pelo jornal que a publica, provavelmente sempre sintetizada, visto o
reduzido espaço de publicação, o fato das agências se comunicarem por telegrama, entre outras
limitações da escrita. Logo, além de (re)interpretar - através do testemunho, das notas oficiais do
governo, dos especialistas, das agências -, tarefa complexa que perpassa as problemáticas da tradução
(SELIGMANN-SILVA, 2005), o jornal se reserva a capacidade de síntese, arroga para si a
legitimidade de veicular as partes fundamentais do testemunho, e por isso mesmo produz a
legitimidade que precisa para veicular o que considera fundamental (CHARAUDEAU, 2009) – um
exemplo: embora exista a entrevista do dia 11, o jornal, através da credibilidade que arroga e
conquista, coloca a síntese da notícia; dificilmente um leitor irá comparar duas edições separadas no
tempo.
Parte desta legitimidade provém deste processo específico de escrita e legitimidade
pressuposta; entretanto, a capacidade de se colocar como intérprete da realidade e de apresentar para
o leitor a síntese verdadeira dos fatos está relacionada às regras daquele mercado linguístico da
grande imprensa brasileira, isto é, menos determinado pela circulação elevada de exemplares do que
pelo capital político e social reconhecido pelas classes sociais abastadas e pelas relações entre Estado
e sociedade. O verdadeiro poder da imprensa do período vem não da sua capacidade de dizer, mas do
reconhecimento que a sociedade possui destes dizeres, que podem exercer pressão, percepção do real,

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alinhamento político. Mas este reconhecimento está alinhado àquela lógica de mercado linguístico,
onde apenas o que é considerado legítimo pode ser vendido e capitalizado. Além de determinar pelas
lógicas internas deste mercado - que compreendem uma disputa dissimulada de poderes e de posições
assimétricas no Espaço Social – os conceitos, enunciados, textos, discursos legítimos estão
determinados pelos interesses ou percepções que os agentes que dominam este mercado possuem da
realidade, da circulação da informação e de seu papel nos outros lugares das relações sociais – há
uma revolta sobre alguns pressupostos, mas que marginalizam o jornalista para publicações de menor
circulação, menor prestígio social e político estabelecido, mas talvez, maior prestígio social e político
nos espaços marginalizados de escrita jornalística, como são os jornais de militância política de
esquerda.
Logo, não se pode esperar que não esteja impresso, que esta seleção apresente outras e não
estas palavras, já que o Correio da Manhã, seu proprietário na época Paulo Bittencourt, possuem
interesses específicos, pretendem representar interesses específicos, embora generalizantes –
representar o povo brasileiro, a democracia brasileira, a verdade, a liberdade de expressão – e se
posicionam pela crítica ao que se opõe a estas percepções. O Correio da Manhã, através de Álvaro
Lins, inclinava-se pela campanha de Juscelino Kubitschek em 1955. O trabalho de Rodolpho dos
Santos (2015) nos apresenta um panorama das notícias relacionadas à ameaça justicialista veiculadas
ao longo do segundo governo Vargas (1951-1954): desde a comparação entre Perón e os ditadores
nazistas e fascistas da Europa da década de 1930, até a definição de Vargas como subalterno de
Perón, ou que este último aprendera com o Estado Novo de Vargas os mecanismos de doutrinação e
controle social - ou indo além, colocando-os como aliados da União Soviética. Neste sentido, o
Correio da Manhã destaca o resultado dos conflitos: um número de mortos superior à 400 vítimas,
além de 600 feridos. Em nome da democracia e da nação argentina, o levante tinha como objetivo
assassinar o então presidente Perón e dar fim aos quase 10 anos de peronismo e sua “tirania”. Na
capa, também há uma reportagem destacando o destino dos sublevados, derrotados pelas forças
legalistas, que refugiaram-se no Uruguai e tiveram de realizar um pouso forçado; “a inegável perícia
perícia do piloto impediu um trágico fim de acidentada travessia do Rio da Prata” (CORREIO DA
MANHÃ, 18/06/1955).
O jornal ainda destacaria nas edições dos dias seguintes o insustentável governo tríplice que
Perón fingiria presidir; além, destacar-se-ia o apoio geral da população (21/06/1955), que não admitia
mais o governo peronista. Oyama Teles, correspondente do próprio Correio da Manhã na fronteira

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entre Uruguai e Argentina, será o autor de uma série de reportagens especiais entre 24 e 28 de Junho,
que destaca o clima de denuncismo, insatisfação e insustentabilidade do governo do “caudilho
fascista”.
Muito se discutiu sobre o golpismo dos partidos políticos brasileiros da década de 1950 e
1960 (GOMES, 2011; BENEVIDES, 1981) e das justificativas propostas pelos revolucionários
argentinos quando saíram vitoriosos do golpe de 1955 (SPINELLI, 2005). Mas dentro da perspectiva
que acreditamos poder explicar se não as conclusões, ao menos elucidar em certa medida os
caminhos de elaboração do discurso, as motivações de criações simbólicas, as representações como
um jogo complexo de ausência, apropriação, refiguração, nos é possível concluir algumas palavras. A
imprensa da década de 1950 incita uma indissociável conexão entre o povo, a democracia, a verdade
e a liberdade de expressão, próprios dos pressupostos liberais do século XIX e XX (TOKARSKI,
2003); a sua escrita sobre a realidade da Argentina, a sua tentativa de apresentar uma representação
fiel do que ocorre na cidade portenha, obedece à lógica de escrita do mundo como representação, isto
é, percepção e re-figuração de acordo com pressupostos e um ponto de observação específico –
imbuído de interesses econômicos, políticos; orientado pelos limites de escrita, de usos de conceitos,
de opções para descrever um acontecimento -, utiliza das categorias de povo e de liberdade como
fundamentos para qualquer manobra política que pretenda por fim à um regime político e a um estado
de divisão dos poderes do Estado e dos capitais múltiplos não favoráveis aos interesses destes agentes
jornalísticos, de seus patrões, das classes dominantes ou em nome dos agentes que pensam e
pretendem ser representantes.
Na coluna assinada por Edmundo Moniz da edição do dia 21 de Junho, encontramos uma
crítica direta à candidatura do militar Juarez Távora pela UDN; enquanto coluna, a liberdade de
posicionamento explícito encontra certos limites, devido ao risco da produção de discursos
divergentes (TOKARSKI, 2003), mas de todo modo não revela a contradição de isenção como
símbolo do jornalismo. Entretanto, o que gostaríamos de destacar é a circulação do debate
estrangeiro, ou melhor dizendo, a associação entre as questões da política nacional e as questões da
política estrangeira que repercutem na escrita do jornalismo brasileiro do período – com a condição
de não esquecermos o que foi discutido até aqui, ou seja, os interesses específicos, os limites dos
enunciados, as representações produzidas e em disputa-:
O juarezismo é o peronismo brasileiro. Um peronismo cem mil vezes mais perigoso do
que o falado peronismo do sr. Jango Goulart. [...] Ambos jogam igualmente com a
demagogia populista, para conquistar as simpatias das massas. A república sindicalista do

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Sr. Jango Goulart é uma variante do social sindicalismo do general Juarez. Sejamos justos.
Já que não se trata de uma campanha pessoal contra um ou contra o outro, os motivos que
se evocam para combater o sr. Jango Goulart são os mesmos que se podem evocar para
combater o general Juarez. No momento, o General Juarez mais do que o sr. Jango
Goulart representa a ameaça da ditadura peronista. Uma ditadura que pode basear-se,
ficticiamente, na ordem legal, talvez pela reforma da Constituição, aliás já prometida, mas
que destrói, na prática, as liberdades democráticas. (CORREIO DA MANHÃ,
21/06/1955; p. 6)

Em resumo, está relacionado com a escrita jornalística - com seus pressupostos de


imparcialidade e representação fiel da realidade – as questões políticas indissociáveis da própria
elaboração do espaço social e das relações sociais como representação, isto é, disputas pela
classificação dos lugares, de di-visão do mundo (BOURDIEU, 1989). Em meados do ano de 1955, a
“ordem do dia” era a ameaça peronista e o inevitável desmonte do autoritarismo de Perón, pois a
democracia do povo iria prevalecer, deveria prevalecer. Mas também estava na “ordem do dia” a
instabilidade política brasileira, o futuro econômico e político do país, cujo debate traria tópicos
relacionados à Argentina, como mais tarde a liberdade de imprensa trazida pela Revolução
Libertadora – que retornaria as empresas jornalísticas apropriadas pelo governo peronista aos seus
antigos proprietários – e que se veria ameaça no país pela censura ao fim de 1955, sob a prerrogativa
de manter a estabilidade política pós-eleições, quando os senhores Juscelino Kubitschek e João
Goulart saíram-se vitoriosos – como presidente e vice-presidente, respectivamente. Vale dizer que,
embora fosse opositor de Jango, o Correio da Manhã apoiou -e mais necessariamente, o seu
proprietário Paulo Bittencourt – a candidatura de JK pelo PSD. Bittencourt e JK tinham uma relação
próxima, convivendo em um círculo social restrito, estabelecendo conversas entre empresa privada e
Estado. Relação comum naqueles dias. Naqueles dias?

À guisa de conclusão

Nossa intenção foi apresentar algumas reflexões sobre o uso dos conceitos de representação e
cultura no estudo da Imprensa. Além de conceitos explicativos, são parte de um vocabulário ativo
neste objeto de estudo, tanto no período que analisamos, como no século XXI. A imprensa inseriu-se
naquele espaço como lugar complexo, contraditoriamente imparcial e participativa, em defesa
sociedade livre e com escrita menos autônoma por parte dos jornalistas (TOKARSKI, 2003; p. 107-
120). Naquele mercado linguístico dos anos 1940 e 1950 – tanto de tipo de produção escrita, como

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hierarquia social de agentes que escrevem - , os jornais demonstraram um duplo momento: primeiro,
de paulatina migração de um espaço de acensão erudita para um espaço de acensão profissional e
política (BARBOSA, 2010), e logo, com novas regras de produção escrita, isto é, estilo e objetivo –
anteriormente rebuscado e ideologicamente idealista, para ideologicamente simples e politicamente
intencionado. Segundo, a escrita do jornal, mesmo que antes houvesse restrições à vozes dissonantes
de uma mesma intenção geral de escrita – um editorial oposicionista e uma coluna favorável ao
governo, por exemplo -, a partir das reformas da década de 1950 passaram a restringir quaisquer
polifonias das páginas do jornais. Como bem observa Tokarski (2003), os níveis de produção e
seleção das notícias na redação do jornal demonstravam-se assimétrica (como ainda demonstram-se),
havendo o que os jornalistas e correspondentes apresentavam vs o que o redator-chefe, os acionistas e
o proprietário preocupavam-se em veicular, fosse em benefício político – chantagens, denúncias,
escândalos - ou que atende-se uma nova forma de enriquecimento, através da propaganda de produtos
(TOKARSKI, 2003; p. 119).
Com o Correio da Manhã não foi diferente. Obedecendo às reformas estruturais, e
parcialmente às estéticas, de gerenciamento do jornal, de seu dever cidadão, nem o Correio, nem
outros jornais de trajetória semelhante distanciaram-se da linha de defesa do pensamento liberal da
qual faziam parte, do anti-varguismo construído ao ao longo da década de 1940, tendo papel
importante na crise de agosto de 1954, que culminou com o suicídio de Getúlio Vargas. Alinhado à
este anti-varguismo, encontramos nas páginas dos jornais brasileiros, e logicamente nas páginas do
Correio da Manhã, uma crescente oposição ao governo de Juan Domingo Perón, na Argentina, que
configurará uma escrita marcada por comparações, analogias, e consequentemente, generalizações
entre os dois presidentes sul-americanos. Esta tendência estruturou e estruturou-se a partir de uma
perspectiva compartilhada pelos proprietários dos jornais e pelos agentes jornalistas, convergindo
ideias para o campo político - e das regras de estruturação do Estado – com as inovações tecnológicas
e a ideia de evolução da humanidade, depositando-se em uma disciplinação do fazer jornalístico:
“Essa ‘voz interior’, esses ‘dons inatos e magníficos da alma e da personalidade’, deveriam ser
aprimorados pela formação cultural e pelos conhecimentos técnicos, pela prática do jornalismo,
através da qual seriam consolidados e desenvolvidos. (BELTRÃO, 1960 apud TOKARSKI, 2003; p.
120) A verdade é autoevidente, basta definir o que é mentira. Dai decorre a luta pelo poder de dizer,
através de uma disciplinação e hierarquização das vozes e das palavras.

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