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Crises e impasses do mundo

contemporâneo

Maurício José de Sousa Junior

Cleber Rocha

Ana Cristina Borges

Carolina Rocha de Carvalho

Karem Elidiany Vieira Machado

Maria Aura Marques Aidar

Simone Afonso
© 2012 by Universidade de Uberaba

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser


reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio,
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Toninho Cartoon

Edição:
Universidade de Uberaba
Av. Nenê Sabino, 1801 – Bairro Universitário

Catalogação elaborada pelo Setor de Referência da Biblioteca Central UNIUBE

Crises e impasses do mundo contemporâneo /Maurício José de Sousa


C869 Júnior ... [et al.]. -- Uberaba : Universidade de Uberaba, 2011.
372 p. : il.

[Produção e supervisão] Programa de Educação a Distância –


Universidade de Uberaba
ISBN 978-85-7777-393-0

1. Guerra Mundial, 1914-1918. 2. Terceiro mundo. 3. História: Estudo e ensino. I.


Sousa Júnior, Maurício José de. II. Rocha, Cleber . III. Borges, Ana Cristina. IV. Carvalho, Caro-
lina Rocha de. V. Machado, Karem Elidiany Vieira. VI. Aidar, Maria Aura Marques. VII. Afonso,
Simone. Título.

CDD: 940
Sobre os autores
Maurício José de Sousa Junior

Pós-graduado em Metodologias do Ensino da Filosofia pela Universidade


Gama Filho. Graduado em História pela Universidade de Uberaba.
Pós-graduado em Docência na Educação Superior pela UFTM. Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em História, Filosofia
e Sociologia nos seus diversos níveis, atuando, principalmente, nos
seguintes temas: pós-modernidade, história e filosofia contemporânea.

Cleber Rocha

Graduado em História pela Universidade de Uberaba. Pós-graduado em


Docência na Educação Superior pela Universidade Federal do Triângulo
Mineiro - UFTM.

Ana Cristina Borges

Especialista em História Contemporânea, e Graduada em História pela


Universidade de Uberaba. Atualmente integra a coordenação, e é profes-
sora do Curso de História da Uniube, na modalidade a distância.

Carolina Rocha de Carvalho

Graduada em História pela Universidade de Uberaba. Atua como profes-


sora de História na Educação Básica.

Karem Elidiany Vieira Machado

Graduada em História pela Universidade de Uberaba. Atualmente atua


como preceptora do Curso de História on-line, da Uniube.
Maria Aura Marques Aidar

Mestre em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia.


Especialista em Educação a Distância em Docência Universitária pela
Universidade de Uberaba. Graduada em História pela Universidade de
Uberaba. Gestora do Curso de História EaD. Professora nos Cursos de
História, Serviço Social, Pedagogia e Comunicação Social.

Simone Afonso

Especialista em Docência Universitária pela Universidade de Uberaba.


Graduada em História pela Universidade Federal de Uberlândia. É pro-
fessora concursada da rede estadual de ensino e professora no curso de
História, da Universidade de Uberaba, na modalidade a distância.
Sumário
Apresentação................................................................................................................IX

Parte I Crises e impasses do século XX................................................ 1

Capítulo 1 A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Socialista........... 3


1.1 As origens da guerra..................................................................................................5
1.2 A Grande Guerra......................................................................................................11
1.3 Guerra total..............................................................................................................18
1.4 A Revolução Russa..................................................................................................23
1.4.1 O Czarismo....................................................................................................24
1.4.2 Revolução de Fevereiro de 1917...................................................................30
1.4.3 A Revolução de Outubro de 1917..................................................................32
1.5 Conclusão................................................................................................................41

Capítulo 2 A queda do liberalismo e a ascensão do totalitarismo........ 47


2.1 “Os anos vinte”.........................................................................................................49
2.2 A sociedade americana no período “entre guerras”................................................50
2.2.1 Economia no período “entre guerras”............................................................54
2.3 A Crise no mundo.....................................................................................................58
2.3.1 O combate à Crise.........................................................................................60
2.4 A Ascensão dos Fascismos.....................................................................................62
2.4.1 O fascismo na Itália........................................................................................64
2.4.2 A ascensão do Nazismo na Alemanha .........................................................69
2.4.3 O Franquismo e outros regimes totalitários ..................................................76
2.5 O Socialismo Soviético............................................................................................81
2.6 Conclusão................................................................................................................90

Capítulo 3 A Segunda Guerra Mundial e a participação do Brasil no


conflito................................................................................. 97
3.1 A Alemanha Nazista.................................................................................................99
3.1.1 A política de anexações...............................................................................102
3.1.2 O teatro de operações.................................................................................104
3.2 O Brasil na Segunda Guerra Mundial...................................................................114
3.3 A definição da Guerra............................................................................................118
3.4 A Bomba atômica...................................................................................................123
3.5 Conclusão..............................................................................................................126
Capítulo 4 A Guerra Fria..................................................................... 129
4.1 Sobre o termo “Guerra Fria”..................................................................................131
4.2 As origens da Guerra Fria......................................................................................132
4.3 O sistema bipolar...................................................................................................136
4.3.1 O Plano Marshall .........................................................................................138
4.4 O expansionismo americano.................................................................................143
4.5 A expansão socialista.............................................................................................149
4.6 A política do Degelo...............................................................................................152
4.7 Os conflitos que marcaram a Guerra Fria.............................................................153
4.7.1 A Revolução Chinesa (1949).......................................................................154
4.7.2 A guerra da Coreia (1950-1953)..................................................................155
4.7.3 A guerra do Vietnã........................................................................................157
4.7.4 A Revolução Cubana...................................................................................158
4.8 Uma “nova” Guerra Fria.........................................................................................162
4.9 O fim da Guerra Fria..............................................................................................163
4.10 Conclusão............................................................................................................172

Parte II A nova ordem mundial............................................................ 177

Capítulo 5 O nascimento do Terceiro Mundo: o processo de emancipação


da África e da Ásia no pós-guerra..................................... 179
5.1 O contexto político, econômico e social da Europa após a 2ª Guerra Mundial e o
termo “descolonização”: os exemplos da Inglaterra e da França........................182
5.2 As configurações de uma nova geopolítica e da história contemporânea...........187
5.2.1 A Descolonização.........................................................................................187
5.2.2 O Anticolonialismo........................................................................................190
5.2.3 A Bipolaridade..............................................................................................191
5.2.4 Guerra Fria e o equilíbrio do terror..............................................................193
5.3 O estudo de algumas colônias e seus respectivos processos de emancipação
política...................................................................................................................195
5.3.1 O caso da Índia............................................................................................195
5.3.2 O caso da Indochina....................................................................................199
5.3.3 O caso da Argélia.........................................................................................202
5.3.4 “Liberdade ainda que tardia”: o exemplo de Angola....................................204
5.3.5 A Palestina e a formação do Estado de Israel ............................................208
5.4 Conclusão..............................................................................................................213

Capítulo 6 Século XX: o desmoronamento das utopias.................... 225


6.1 Uma breve explicação sobre Comunismo............................................................227
6.1.1 Stálin & Kruchev: um paralelo entre os dois governos................................231
6.2 O desmantelamento da URSS..............................................................................233
6.3 A crise globalizada.................................................................................................238
6.3.1 Movimentos de libertação no chamado “Terceiro Mundo”..........................246
6.4 Multipolarização & Multicivilização........................................................................249
6.5 A Internet e a Biotecnologia...................................................................................256
6.6 Conclusão..............................................................................................................260

Capítulo 7 A fluidez das relações na sociedade contemporânea: a pós-


modernidade...................................................................... 267
7.1 Construção e Estruturação da Sociedade Contemporânea.................................269
7.1.1 Síntese da evolução do pensamento histórico para o mundo
globalizado...................................................................................................269
7.1.2 Os elementos sociais na pós-modernidade................................................277
7.1.3 Os diferentes conceitos e visões sobre a pós-modernidade......................280
7.2 Arte Pós-moderna..................................................................................................282
7.2.1 Os significados na arte pós-moderna..........................................................288
7.3 História e Pós-modernidade..................................................................................292
7.4 Política e Pós-modernidade...................................................................................297
7.5 Religião e Pós-modernidade.................................................................................300
7.6 Conclusão..............................................................................................................304

Capítulo 8 Oriente Médio: questões e debates.................................. 315


8.1 O Islã e o mundo árabe.........................................................................................318
8.2 Os judeus e o mundo árabe..................................................................................325
8.2.1 Judeus e Palestinos: as raízes do ódio.......................................................330
8.3 Do Sionismo ao Terrorismo: entenda os conflitos.................................................335
8.3.1 As guerras árabe-israelenses......................................................................336
8.3.2 As Guerras do Golfo.....................................................................................343
8.4 Conclusão..............................................................................................................351
Apresentação
Este livro compreende os estudos do cenário mundial nos séculos XX e
XXI. Compreender as “Crises e impasses do Mundo Contemporâneo” é
um dos objetivos dessa unidade temática, porque nos permite entender a
configuração global que se delineou ao longo do século XX e analisarmos
suas consequências para o mundo atual. Afinal, objetivamos formar um
professor/educador cônscio de seu papel social e, por sua vez, colabo-
rador na formação de alunos mais problematizadores de sua realidade.

Na Parte I, que será estudada durante a Etapa 5 do curso, abordaremos


as “Crises e Impasses do Século XX”. A primeira metade desse século foi
um período marcado por grandes conflitos – locais, regionais e nacionais
– que ganharam dimensão ampla. Tivemos duas guerras mundiais, num
intervalo de 20 anos.

Esta primeira parte começa com a Primeira Guerra Mundial. Nesse confli-
to, vamos ver que a entrada dos norte-americanos rompeu a situação
de equilíbrio entre as forças até então envolvidas, forças que, em sua
maioria, eram governadas por descendentes da Rainha Vitória da
Inglaterra, que teve nove filhos, muitos netos e bisnetos, e que formavam
a teia das cabeças coroadas da Europa. A mesma Inglaterra de descen-
dentes da rainha Vitória foi quem menos se beneficiou do conflito genera-
lizado, visto que a guerra atrapalhou acordos comerciais em andamento.
Para alguns dos participantes, a I Guerra poderia vir a solucionar conflitos
internos e potencializar os sonhos expansionistas e devaneios naciona-
listas de diversos soberanos.

Em meio às atrocidades da I Grande Guerra Mundial, na qual lutavam


com fervor nacionalistas alemães, austríacos e franceses entre outros,
estava acontecendo uma Revolução de operários, camponeses pobres,
soldados, marinheiros, intelectuais e profissionais revolucionários. Era
a Revolução de outubro de 1917, que ocorria no país que ainda não se
destacava entre os capitalistas. Assim como da Primeira Grande Guerra,
X UNIUBE

restaram milhões de mortos. A Primeira Grande Guerra e a Revolução


Russa serão os temas do primeiro capítulo.

Com o fim da Guerra, em 1918, a Europa estava devastada e as potências,


enfraquecidas. Os Estados Unidos, como o país mais rico do mundo,
naquele momento, fornecia para a Europa manufaturas e alimentos. Durante
boa parte da década de 20, o aumento da produção gerou crescimento
e prosperidade ao país, que dominou outros mercados, como a América
Latina. O otimismo era grande, a insanidade também. Pouco se cuidou de
verificar que uma grande bolha especulativa estava prestes a estourar. Era
outro outubro, agora de 1929. A grande crise econômica dos Estados Unidos
respingou nos países em recuperação e houve fome e desemprego.

Os resultados da Guerra, e a vitória, pelo menos inicial, da Revolução, e a


situação gerada pela quebra da economia norte-americana, possibilitaram
o fortalecimento dos regimes totalitários, nazistas e fascistas contra
comunistas e liberais, que serão abordados no capítulo 2. Cabe a
pergunta: por que tantos mortos, por que tanto sofrimento para justificar
ideologias, para fortalecer o poder?

Em virtude da escalada da intolerância, das desigualdades sociais, do


não reconhecimento do outro como seu semelhante, formou-se o ambien-
te propício para que, no período entre primeiro de setembro de 1939 e 2
de setembro de 1945, o mundo vivesse o maior confronto da história da
humanidade. Em campos opostos, o bloco de países regidos por líderes
totalitários e o bloco da aliança entre democratas e comunistas lutavam
para deter a marcha do nazifascismo que pretendia conquistar pela força,
parte do mundo. No fim da luta, a liberdade prevaleceu, mas, novamente,
milhões de pessoas estavam mortas.

Estados Unidos e União Soviética aliados durante a II Guerra, ao final do


confronto, demonstram a incompatibilidade entre as ideologias defendidas
por cada lado. Com sistemas políticos e econômicos diferentes, uma vez
que Estados Unidos são partidários do capitalismo, da democracia, e de
princípios como a defesa da propriedade privada e a livre iniciativa. A União
Soviética defendia justamente o contrário, ou seja, o socialismo e princí-
pios como o fim da grande propriedade privada, a igualdade econômica e
um Estado forte capaz de garantir as necessidades básicas de todos os
cidadãos. Compreende-se, portanto, por que não eram compatíveis.
UNIUBE XI

No capítulo 4, enfocaremos a Guerra Fria, assim denominada por não ter


havido confronto bélico direto entre as duas superpotências, que foi respon-
sável por muitos conflitos ocorridos na periferia do mundo moderno, confli-
tos esses acirrados pelo confronto ideológico e de interesses econômicos.
O cenário mundial que se desenhou a partir de 1945 caracterizou-se pela
divisão das fronteiras geopolíticas, uma vez que os sistemas socioeco-
nômicos e as instituições políticas foram marcadas pela bipolaridade,
representados pelas potências dominantes União Soviética e Estados
Unidos. Para os países que desejavam superar essa ordem, restava o não
alinhamento e o estigma de pertencer ao chamado bloco de países em
desenvolvimento. Com a tensão entre as potências que gerou a chamada
Guerra Fria, finalizamos a primeira parte do nosso livro.

A Parte II será estudada somente na Etapa 6. Nela, vamos abordar as


configurações políticas, econômicas e socioculturais da “Nova Ordem
Mundial”. O mundo que se configurou após a Segunda Guerra Mundial
pouco lembrava o que lhe antecedeu.

As grandes potências europeias que lutaram contra o totalitarismo


nazifascista em prol da liberdade, viram-se em situação contraditória:
embora lutassem em nome da liberdade, possuíam colônias cativas na
África e na Ásia, que contribuíam significativamente para a manutenção
do status de “império”. De outro lado, essas regiões colonizadas
passaram a reivindicar veementemente sua independência a fim de
(re)construir suas próprias instituições, suas tradições e costumes, sua
própria história. Os processos de descolonização afro-asiáticos serão o
tema do primeiro capítulo dessa segunda parte do nosso livro.

No capítulo 6, abordaremos o mundo “pós-URSS”, e veremos como


a queda da União Soviética desarticulou as relações internacionais,
a política e o pensamento de uma vasta gama de intelectuais. Nesse
estudo sobre o fim da utopia socialista, você irá compreender que mais
do que a simples queda de um governo, foi uma crise de paradigmas.

A derrocada do mundo socialista, as reestruturações socioeconômi-


cas, como o neoliberalismo e o neofordismo, os movimentos culturais
e religiosos, conflitos étnicos, a globalização, o acelerado desenvolvi-
mento tecno-científico, mudanças de paradigmas e revalorização das
tradições, contribuíram para que o mapa do planeta fosse redesenhado.
XII UNIUBE

De certo modo, podemos afirmar que vivemos em uma aldeia global em


que, de maneira extremamente desigual, os sujeitos participam da vida
social. Para muitos é a pós-modernidade ou mesmo a ruptura de um
estágio histórico. O estudo da pós-modernidade e a análise das principais
consequências que surgiram a partir das mudanças ocorridas no mundo
contemporâneo, por meio da alteração dos paradigmas socioculturais da
sociedade moderna, será o tema do capítulo 7.

Para finalizarmos nossas abordagens sobre o processo de configuração


dessa “Nova Ordem Mundial”, vamos debater, no capítulo 8, sobre
algumas questões que nos inquietam sobre o Oriente Médio, região
histórica de grandes conflitos, da qual emergem uma gama de povos e
línguas, culturas e sociedades distintas. Conhecer a explosiva situação
do Oriente Médio, principalmente os conflitos entre árabes e israelenses,
nos mostra que deles e de sua história ainda sabemos pouco.

Nesse sentido, encerramos nossos estudos nesta unidade temática,


apontando os inúmeros sentidos e possibilidades de abordagens, que
devem levar, você, aluno, a posicionar-se diante de um mundo que “respira”
novidade e, ao mesmo tempo, urge cidadãos mais críticos e reflexivos para
apontar alternativas para uma vida mais digna.

Acreditamos ser de fundamental importância a compreensão desse proces-


so de configuração do mundo contemporâneo para que você, enquanto
licenciado em História, possa atuar de forma crítica e contribuir para a
formação de outros, percebendo as contradições nas quais estamos inseri-
dos, tomando o cuidado de não resvalarmos no extremo subjetivismo.

Bem, agora você tem um livro inteiro para tirar suas dúvidas, adquirir
outras, pois nosso assunto não se esgota nele, o professor historiador tem
por dever de ofício continuar pesquisando e estudando a sua vida inteira.

Bons estudos.
Equipe do Curso de História
Parte I

Crises e impasses do século XX


Capítulo
A Primeira Guerra Mundial
e a Revolução Socialista
1

Maurício José de Sousa Junior

Introdução
A Primeira Guerra Mundial foi um importante marco na história do
século XX. Contudo, é comum a crença entre os historiadores de que
A Grande Guerra pertenceu muito mais à atmosfera política do século
XIX. A exclusão da Guerra do cenário de análise do século XX, feita
por alguns historiadores, se dá em função da percepção de que ela
possuía raízes profundas cravadas no conturbado solo do século XIX.

A expectativa de que a Guerra, mesmo exaustivamente anuncia-


da, não ocorreria provocou seu adiamento contínuo e décadas se
passaram até que a conjuntura histórica do século XIX se prolongou
invadindo o século seguinte. A engrenagem em movimento das
máquinas de guerra, tanto nas bases materiais como ideológicas,
não poderia mais ser contida pelo discurso diplomático ou pela fé.
Por mais que a vontade de alguns estadistas de países europeus
se concentrasse na manutenção da paz dentro do continente, a
maioria deles, se questionados sobre a possibilidade de se evitar a
Guerra, provavelmente responderiam que não. As origens do confli-
to que eclodiu no século XX se encontram, portanto, profundamente
impregnadas dos ares políticos e econômicos, do século XIX.

Por mais que os analistas anunciassem as possíveis proporções do


conflito que se avizinhava, alguns países ainda pareciam incrédu-
los quanto ao seu alcance. Os EUA, por exemplo, o denominara
durante muito tempo de “Guerra Europeia” e, segundo acreditavam,
o país não deveria se aliar a nenhum dos lados, permanecendo na
posição de mero espectador político e econômico. O fato é que a
4 UNIUBE

Guerra acabou se tornando, sim, um conflito de natureza mundial e


a relutância do Presidente W. Wilson em entrar na Guerra acabou
sendo suplantada pelos fortes interesses econômicos em questão.
A pujança econômica e industrial dos norte-americanos nos dias
atuais deve-se, em grande parte, ao seu envolvimento na “Guerra
Europeia”.

As medidas políticas que são bem anteriores ao conflito buscavam


ora o enfrentamento entre as potências, ora a paz entre elas. A
rivalidade econômica acirrada, o nacionalismo exacerbado, a
corrida armamentista, as medidas educacionais direcionadas ao
xenofobismo levaram a um clima de absoluta tensão nas relações
internacionais. O desenvolvimento das indústrias, a competição
econômica, a disputa por controle nas áreas coloniais são medidas
exteriores que se unem às medidas da política interna promovendo
toda a formação do status para a guerra. A esperança de que o
conflito se resolvesse logo e que o estado de prosperidade sobre
as coisas perdurasse esbarra na declaração direta e poeticamente
esclarecedora, do ministro inglês Edward Grey no dia em que a
guerra foi deflagrada, “As lâmpadas estão se apagando na Europa
inteira (...) Não as veremos brilhar outra vez em nossa existência.”
(HOBSBAWM, 2009, p. 451)

Objetivos
Ao final deste capítulo, esperamos que você esteja apto a:
• compreender as relações entre as principais potências indus-
triais e imperialistas europeias;
• identificar como a crise na relação entre as potências indus-
triais e imperialistas europeias desencadeou a Primeira Guerra
Mundial;
• compreender como o conflito mundial agravou as crises sociais
nos países europeus e como os movimentos de transformação
da ordem foram prejudicados e outrora beneficiados pela guerra;
UNIUBE 5

• identificar as contradições sociais na Rússia Czarista e


perceber as diferenças entre os movimentos revolucionários
na Rússia;
• compreender a importância da Revolução Socialista na Rússia
de 1917 para o mundo.

Esquema
1.1 As origens da guerra
1.2 A Grande Guerra
1.3 Guerra total
1.4 A Revolução Russa
1.5 Conclusão

1.1 As origens da guerra

O processo de industrialização promovido na Alemanha de Bismarck


visava contrapor o poderio britânico. Como a economia, no contexto
imperialista, vinculou-se à política, o mundo dos negócios acabou sendo
invadido pela lógica expansionista dos mercados, que passou a se utilizar
amplamente dos instrumentos de dominação política e militar. A lógica
da expansão imperialista, a princípio, não ameaçou nações dentro dos
chamados territórios de paz; contudo, na medida em que as economias
colocadas em disputa se ameaçavam, as rivalidades se acirravam no
campo político-diplomático. Por isso, a postura da maioria dos políticos
e grandes financistas, especialmente dos que temiam a deflagração do
conflito na Europa, era hipócrita, pois se baseava em um falso estado de
paz. Era a denominada Paz Armada.

Historiadores atestam que o crescimento da indústria militar nos 25 anos


que antecederam a guerra foi vertiginoso. Os Estados em disputa já haviam
investido altas somas. Em função desses números, a indústria militar passou
a considerar como sendo seu maior cliente os exércitos nacionais dos
países rivais europeus. Por sua vez, procurou se desfazer de suas antigas
produções, escoando-as para os governos do Oriente e América Latina.
6 UNIUBE

SAIBA MAIS

A indústria de canhões alemã, Krupp, iniciou sua produção na década de


1870, contando com cerca de 16 mil trabalhadores e, no ano de 1912, contava
com mais de 50 mil. Um crescimento absurdo no investimento armamentista
também conferido à fábrica britânica de Armstrong, que empregou, inicialmen-
te,12 mil, homens até o crescimento de 20 mil no ano de 1914.

A “indústria da morte”, denominação usada por historiadores contemporâ-


neos, empregou milhares de pessoas e movimentou milhões, verificou-se,
por essa razão, um aumento no espaço dado pela imprensa às notícias
relativas aos empreendimentos militares. As próprias indústrias “planta-
vam” notas nos jornais referentes a supostos investimentos feitos por
governos rivais, para estimular a corrida armamentista. Outro exemplo
dessa animosidade pode ser observado no trecho destacado por um
periódico britânico:

Se a Alemanha fosse extinta amanhã, não haveria


depois de amanhã um só inglês no mundo que não
fosse mais rico do que é hoje. Por que não lutar por
um comércio de 250 milhões de libras? A Inglaterra
despertou para o que é a sua mais grata esperança
de prosperidade: a destruição da Alemanha. (Saturday
Review (1897) In: FELIPE, 2005, p.327).

SINTETIZANDO...

A corrida armamentista aliada à militarização da sociedade, bem como


a crescente disposição dos meios de comunicação e de educação em
fomentar seus cidadãos ao ódio às nações estrangeiras, compuseram o
quadro inflamado que levaria a um conflito, que, em larga escala, poderia
tardar, mas chegaria.

De certa forma, a indústria militar estava a todo vapor e encontra nas


sociedades uma justificativa para o funcionamento de suas máquinas
de morte. Estariam trabalhando em caráter de necessidade, atendendo
à política agressiva do imperialismo.
UNIUBE 7

É importante fazer uma ressalva. A ênfase dada à militarização da socieda-


de europeia favoreceu a percepção de um grande problema para a ordem
burguesa na Europa. Ao que tudo indica, os governos, de certa forma,
temiam colocar armas nas mãos do proletariado potencialmente revolu-
cionário. A defesa da pátria prescindiria de treinamentos militares. Os
operários treinados, porém, poderiam preferir a defesa do internaciona-
lismo da Revolução em contraposição à guerra imperialista e à defesa
nacional, dos limites territoriais que reconheciam todos fora do país como
adversários em potencial. As armas nas mãos dos socialistas e popula-
ções exploradas seriam o calvário não do país rival, mas, sim, o enterro
da própria nação como projeto burguês. Dar armas a cidadãos que, em
teoria, eram oposição, seria o equivalente a potencializar seus inimigos
na eterna luta de classes. A resistência à guerra e seu adiamento eram,
portanto, medidas necessárias e que atendiam aos anseios da burguesia.

Posto isto, esbarramos em um fator precondicionante da guerra, o


nacionalismo. Além de mobilizador para as massas, a pátria e a dedica-
ção a ela neutralizavam o engajamento dos cidadãos e operários em uma
revolução socialista. Internacionalista por natureza, a revolução comunis-
ta desconfigurava o discurso fronteiriço no qual a burguesia montou suas
bases de domínio. Para os burgueses, a defesa da pátria significava
a luta pela manutenção dos seus negócios e a exploração da classe
trabalhadora que, sobretudo em uma guerra, justificaria a perpetuação
desse ciclo em seus territórios.

A pátria invasora era o objeto de aversão e ridicularização nas escolas e


imprensa. A empreitada prussiana pela anexação das regiões da Alsácia-
-Lorena, sob domínio francês, desencadeou a formação do II Reich. A políti-
ca externa consistente e habilidosa de Bismarck tinha no nacionalismo o
elemento para a formação de uma nação capaz de rivalizar com qualquer
país do mundo. O nacionalismo, entre outras coisas, significava a união
cultural, a identificação em todos os aspectos em torno dos símbolos oficiais.
As bandeiras, os hinos, a língua, a música eram expressões de um determi-
nado povo. Nestes, o patriotismo conduzia à migração quase natural do
nacionalismo para a exacerbação. Revela-se, também, a já referida militari-
zação da sociedade e sua brutalização, de acordo com a crescente industria-
lização e coisificação da vida, verificada posteriormente no exagero naciona-
lista dos Estados Totalitários. Hobsbawm revela no trecho seguinte como as
classes dirigentes, militares e patriotas esperavam o controle das massas:
8 UNIUBE

para os governos e as classes dirigentes, os exércitos


eram não só forças para enfrentar inimigos internos
e externos, mas também um modo de garantir a
lealdade, ou mesmo o entusiasmo ativo, de cidadãos
com simpatias inquietantes por movimentos de massas
que solapavam a ordem política e social. (...) o serviço
militar era talvez o mecanismo mais apropriado e,
não menos importante, à transformação do habitante
de um povoado no cidadão (patriota) de uma nação.
(HOBSBAWM, 2009, p.421).

A penetração da militarização nos discursos e na sociedade civil prepara-


va as populações dos países para a “rispidez” com o vizinho. O culto
à pátria era condicionante para romper com a linha tênue que separa
respeito à cultura nacional com o nacionalismo exacerbado; elevando, ao
máximo, as rivalidades que extrapolavam o campo econômico. Somando-
-se a isso o último fator e de maior consequência: a política de alianças
ou a também conhecida formação de blocos.

Havia uma lógica estabelecida na política externa europeia. A Grã-Bretanha


era a maior potência industrial e exercia uma certa hegemonia no que se
referia às possessões afro-asiáticas. Nenhuma potência continental se
metia no caminho e negócios ingleses e, mesmo se o desejassem, em
especial pela força naval britânica, não teriam como fazê-lo. Assim, para ter
a intenção de rivalizar na luta imperialista com os britânicos, qualquer país
do mundo teria de investir militarmente, sobretudo na marinha. No imperia-
lismo, o controle dos mares ordenava a classificação entre as potências.

Destas regras, a Alemanha do Bismarck sabia e, após a Unificação,


sobretudo nas décadas de 1880 e 1890, começou a colocar em prática o
crescimento de sua esquadra. O investimento militar na marinha demons-
trava a intenção de ter “um lugar ao sol” para sua nação. Desmontando
e desequilibrando a hegemonia britânica no continente europeu, teve
início a empreitada pelas alianças que promoveriam um novo equilíbrio
na política externa europeia.

A necessidade de expansão da economia capitalista alemã se une à imperio-


sa, nova e vital construção da sua marinha nacional. As pretensões econômi-
cas e coloniais do país ganhavam o reforço no argumento, o da ameaça
baseada na força da esquadra, apontada para o Mar do Norte. O controle
UNIUBE 9

dos mares, vital ao imperialismo britânico, ganhava um concorrente estrate-


gicamente bem instalado. A esquadra germânica posicionada no horizonte
da ilha britânica obrigava estes a colocarem-se em outros mares – Mediterrâneo,
Atlântico e rotas marítimas asiáticas – sob o controle de potências regionais,
aliadas em uma futura guerra, como os EUA e o Japão.

Estes pressupostos colocaram uma certeza, a Grã-Bretanha e a Alemanha


estariam em lados opostos em um futuro conflito. Fora esta prerrogativa,
a formação de alianças seria um “malabarismo” e, em alguns dos casos,
verdadeiros milagres. A primeira delas entre Grã-Bretanha e França
seria improvável, e foi mesmo das últimas a se concretizar. Conflitos no
mundo colonial ocorriam frequentemente, por vezes, o lucro de um refere-
se à perda do outro, na África, Ásia, América e Oriente Próximo. Seria
lógico França e Rússia se unirem contra a ameaça central, a Alemanha.
Assim, em 1891, franceses e russos selaram uma aliança prevista desde
a década passada por Engels. Embora a Grã-Bretanha não oferecesse
mostras que se uniria ao bloco antialemão, pois era uma potência insular,
surpreendentemente aproximou-se entre 1903 e 1907 e assinou tratados
com França e Rússia, estabelecendo a formação da Tríplice Entente,
referida também como Aliados.

Com a derrota na Guerra Russo-japonesa (1904 – 1905), o Império Czarista


estava enfraquecido para se defender das expansões naturais dos Impérios
Centrais. Logo seus interesses se entrecruzaram com os dos franceses que,
por sua vez, esqueceram as diferenças com os britânicos. Estes, em último
caso, não precisavam mais se preocupar tanto com os interesses russos sob
Constantinopla, outrora motivo de litígios entre os dois impérios. A ameaça
concreta sobre as enfraquecidas possessões do Oriente Próximo (ou Médio)
chegavam dos Impérios Centrais.

Contudo a debilidade do Império Austro-húngaro obrigava este a realizar


movimentos dentro do próprio território para não sofrer a desfragmentação
tão conhecida dos antigos e obsoletos impérios. O interesse de manter a
região de maioria eslava sob domínio causava problemas com os recorren-
tes levantes pela independência dos Estados dos Bálcãs. A aproximação
com a antiga rival Alemanha foi desejada pelos dois lados, já que a política
de aliança com a Rússia, pretendida por Bismarck, havia falhado e, ainda
mais importante que isso, ele previa o surgimento de pequenas nações
decorrentes de uma diluição do Império dos Habsburgos.
10 UNIUBE

Envolvido com a questão dos Bálcãs, o Império Habsburgo (austro-


-húngaro) sofria com as incursões da Rússia na região. A Rússia se
preocupava com o assédio dos turcos, austríacos, húngaros e alemães
em relação aos territórios eslavos. A Itália sofria assédio dos dois blocos,
mais pela importância na geografia do Mediterrâneo que por qualquer
outra razão, pois não constituía uma nação com possibilidades para
concretizar pretensões imperialistas. Estava formada a Tríplice Aliança
dos Impérios Centrais com a Alemanha, Áustria-Hungria, Itália e Império
Turco-Otomano (1917).

EXEMPLIFICANDO!

As Alianças da Primeira Guerra Mundial assim instituídas em 1914:

- Aliados (Tríplice Entente): França, Grã-Bretanha e Rússia (em 1917,


os EUA).

- Impérios Centrais (Tríplice Aliança): Alemanha, Áustria-Hungria, Itália


(em 1915, luta ao lado dos aliados) e Império Turco-Otomano (na
guerra, a partir de 1917)

PARADA OBRIGATÓRIA

As causas da Primeira Guerra podem ser resumidas em grandes temas


recorrentes que são:

- o Nacionalismo (ou patriotismo; nacionalismo exacerbado);


- a Corrida Armamentista (com destaque para o crescimento da
esquadra naval alemã);
- as Rivalidades Imperialistas (as disputas e brigas no mundo colonial
e as competições econômicas entre as nações);
- a Política de Alianças (envolvendo todas as nações no contexto do
tabuleiro da política externa).
UNIUBE 11

A política de formação de blocos institucionalizava o ódio entre as potências


imperialistas, inviabilizava o internacionalismo da ideologia socialista. No
discurso sobre as crises que antecederam o conflito, entre 1905 e 1914, a
palavra guerra surgia como uma ameaça. Mais sutil que uma provocação,
parecia uma promessa.

1.2 A Grande Guerra

O barril de pólvora que a Europa havia se transformado em decorrência


da política de alianças hostis, aguardava seu detonador. “No oceano dos
planetas, todos os Estados eram tubarões” (HOBSBAWM, 2009, p.439)
e as inúmeras iscas para movê-los e promover o início da carnificina
já haviam sido lançadas. As sequenciais crises aguçavam o paladar
no oceano da política externa. Nesse canário as empresas não teriam
limites, o que certamente vinculava os interesses do Estado a elas. A
derrota russa para o Japão motivou a fortalecida Alemanha a lutar pelos
portos de Agadir, em Marrocos. Temerosos, os franceses esperavam,
como veio a ocorrer, o apoio britânico, demonstrando aos alemães que
qualquer movimento no continente provocaria o conflito. A Áustria, por
sua vez, anexou a região da Bósnia-Herzegovina, provocando total
descontentamento russo, e empurrando a Turquia para fora da Europa
com o declínio do Império Otomano. Ao movimento austríaco, italiano e
grego para ficarem com os espólios turcos, seguiram-se as autonomias
dos Estados balcânicos em 1913 e 1914. Até que em 28 de julho, em uma
clara provocação aos Estados pigmeus dos Bálcãs, a Áustria promoveu a
visita de seu herdeiro ao trono Francisco Ferdinando à Bósnia, à cidade
de Sarajevo. Dali, nasceria o pretexto para a movimentação de um dos
gigantes do bloco, arrastando todos para a guerra.

O dia 28 de julho de 1914 ficaria marcado como o dia em que Gavrilo


Princip assassinaria o herdeiro do trono austríaco. Detalhadamente, o
ocorrido fora narrado por inúmeros cronistas como uma série de voltas
e coincidências bastante incomuns. O jovem sérvio, Princip, havia
sido incumbido de assassinar o arquiduque por um grupo denominado
“Mão Negra”, juntamente com mais dois jovens pertencentes ao grupo.
Armados e dispostos em diferentes pontos do trajeto marcado pela
comitiva do príncipe eles o esperavam. O primeiro desferiu uma bomba,
mas atingiu um carro que acompanhava o cortejo. Após a marcada visita
12 UNIUBE

do arquiduque à prefeitura de Sarajevo, ele decide visitar os feridos no


hospital. Nesta altura, o jovem Gavrilo Princip, ao que consta, havia
desistido de esperar o cortejo e decidira-se por não mais desferir os tiros
contra o austríaco. Abandonou seu posto e por outras ruas da cidade se
retirava. Para maior segurança, a comitiva do príncipe austríaco, também,
mudou o trajeto, passou por outras ruas e, em uma delas, passaria na
mesma rua em que Gavrilo transitava. Em um misto de assombro e
admiração, mas sem pestanejar diante da oportunidade e da coincidên-
cia, o rapaz furou a barreira e atirou. Atingiu a mulher de Ferdinando e,
disparando novamente, acertou-o no pescoço.

Os Bálcãs, segundo Bismarck não valia o derramamento de


sangue de um soldado alemão. Então, como poderiam responsabilizar
o estudante sérvio pelo atentado que provocou uma guerra sem
precedentes na história?

A Áustria anunciou retaliação e, em uma tentativa de entrelaçar os fatos


com as autoridades sérvias, prepararou o terreno para a ocupação. A
Rússia se viu prejudicada nestes movimentos diplomáticos anteriores aos
primeiros tiros e acenou para ingleses e franceses que, diante um suposto
apoio alemão, a movimentação militar austríaca também colocaria suas
máquinas de guerra em funcionamento. A declaração de guerra da Áustria
contra a Sérvia colocou em andamento a máquina de guerra contida há
anos. E como haviam anunciado os historiadores, uma vez colocada em
funcionamento, ela não voltaria a se recolher facilmente. Na esteira das
movimentações contra a Sérvia, a Alemanha declara apoio à invasão.
A Grã-Bretanha, por sua vez, em repúdio, declara guerra aos Impérios
Centrais. As forças dos blocos puseram-se em movimento e, a partir da
primeira bala disparada do primeiro fuzil, estavam todos envolvidos.

Nos primeiros dias, a Alemanha colocou em prática um plano preparado pelo


conde Alfred von Schlieffen que, por meio de um acurado estudo histórico,
arquitetou a invasão à França. O Plano Schlieffen foi colocado em prática
com a invasão de um país neutro, a Bélgica, conseguindo acesso à França
pelo Norte e pelo Sul. Desse modo, a cavalaria tentaria fechar o cerco sobre
Paris. A guerra seria rápida e gloriosa, essa era a fé entre os exércitos france-
ses, alemães, britânicos. Enfim todos os militares com a difusão dos meios
de comunicação.
UNIUBE 13

Conscientes de que não poderiam ser atacados tão rapidamente pela


Rússia, os alemães apostaram na capitulação rápida da França. Tentando
realizar um cerco, para depois fechá-lo as tropas germânicas não encontra-
riam caminho facilitado pelas tropas francesas, nem pela resistência belga.
Apesar das tropas alemãs do general von Kluck estarem nos subúrbios de
Paris, os Aliados receberam decisivo apoio britânico e as próprias tropas
francesas endureceram o jogo no conhecido “milagre de Marne”, quando
conquistaram a ofensiva. A não realização integral do Plano Schlieffen foi
fator decisório nos primeiros anos do teatro de operações.

A demonstração dos dois blocos de que a guerra não seria fácil encerraria
a primeira fase do conflito conhecido como a Guerra de Movimento e
arrastaria os combatentes para a segunda fase do conflito, caracterizada
pelas batalhas de trincheiras ou Guerra de Posição, que se estenderia
até o final de 1918.

No leste, a rápida mobilização russa colocou os exércitos alemães e


austríacos em nova frente de batalha. Mas por lá com melhores tecnolo-
gias e comando, sairam vitoriosos nas frentes orientais. Ainda, em 1915,
a Itália assina com os Aliados: “a Itália entra dez meses mais tarde (...)
pela necessidade de sair da antiga e impopular aliança com a Áustria-
-Hungria e com a Alemanha.” (ISNENGHI, 1995, p.30)

A contra-ofensiva franco-britânica encontra resistência alemã em junho de


1915, marcando posição de aproximadamente 800 km entre o início e o
final dos fronts. Fincando bandeiras e o pé, literalmente, se estabeleceram
e constituíram trincheiras. O tanque de guerra foi utilizado pela primeira
vez em 1916, segundo o historiador Mario Isnenghi, e a invenção inglesa
poderia avançar até as posições inimigas através da “terra de ninguém”
– nome atribuído ao local que se prolonga entre uma trincheira à outra.
Na memória do tenente Fritz Weber, o ambiente das trincheiras, após um
bombardeio, é descrito da seguinte maneira:

No interior da bateria, há ruídos de correria e gritos


confusos. Tateando, procuramos o aparelho de seu
oxigênio e colocamos seu bocal entre os dentes para
não sufocar. (...) Por todos os lados há fumaça, gritos
de terror, sombras que vão em todas as direções.
(...) No meio, membros humanos ensanguentados,
enegrecidos pela fumaça: são os soldados dessa
posição. (WERTHER, 1965, p. 36-7).
14 UNIUBE

SAIBA MAIS

As trincheiras eram condicionadas pelo terreno. A preferência era para aqueles


que permitiam a escavação, mas, caso houvesse necessidade de construir
em um outro terreno, poderia se fazer barricadas. Elas eram escavadas a uma
profundidade capaz de encobrir um homem estando de pé. A linha horizontal
com que era construída não era reta, defendendo-se de uma invasão inimiga
e dos estilhaços das granadas as trincheiras eram curvilíneas. No alto, os
arames farpados e nos metros seguintes à fortificação também. Algumas ainda
eram construídas como se fossem escadas onde os soldados descansavam,
salas onde os oficiais superiores permaneciam e traçavam os planos. Ratos
conviviam juntos aos artilheiros e, quando chovia (o que era comum), alagava
o local espalhando doenças, sendo boa parte dos combatentes mortos por
febre tifoide, além de outras complicações.

REGISTRANDO

Na I Guerra Mundial, há o aperfeiçoamento das armas propulsoras que atingem


mais de vinte quilômetros de distância e da artilharia ferroviária que surpreende
o inimigo a mais de cem quilômetros. Isso dá aos exércitos um grande poder
de fogo. Os couraçados e os vagões passam a combater as artilharías aéreas.
Canhões antiaéreos tornam-se o terror dos pilotos com munições que explodem
soltando estilhaços para danificar as aeronaves. No mar, os contratorpedei-
ros lutavam contra submarinos que tentavam abatê-los, mesmo com o casco
reforçado para evitar os afundamentos. A tensão dos marinheiros era constante.

As armas químicas tornaram-se o terror dos soldados e os canhões, a uma


distância de quilômetros das cidades, já as alcançavam quando dispara-
vam, sendo mais eficazes que os aviões nos primeiros anos de guerra. Em
1916, no front Ocidental, a Alemanha prepara uma grande ofensiva contra
os aliados na fortificação de Verdun. Fracassados, as batalhas no front do
oeste se arrastam para o inverno.

Os soldados organizados hierarquicamente, deveriam atacar as posições


inimigas e, muitas vezes, eram apenas peões em um tabuleiro de estraté-
UNIUBE 15

gias. Naturalmente, o desprezo pela vida humana desgastava a relação


dos combatentes com os dirigentes da guerra. Os mutilados por estilhaços
dos explosivos, dos ferozes corpo-a-corpo e dos tiros de fuzil, retornavam à
vida civil sem utilidade nas fábricas e nos antigos trabalhos que exerciam.
Conforme o conflito se arrastava, milhares de civis são recrutados e partem
para a defesa da pátria sem o idealismo nacionalista que acabava por ser
desmascarado com os anos de conflito. A guerra, que, em 1914, era feita
substancialmente por oficiais com anos de formação nas academias militares,
recebia cada vez mais recrutas sem nenhuma experiência, cidadãos que,
sem qualquer ligação anterior ao exército se viam obrigados ao combate.
Não conhecendo a ética militar das batalhas ou suas técnicas, os jovens
recrutas eram engolidos no campo de guerra.

CURIOSIDADE

No dia 25 de dezembro de 1914, aconteceria um dos fatos mais curiosos da


guerra. Embora ocorressem armistícios entre combatentes durante a história, a
trégua entre tropas alemãs e inglesas superou a compreensão dos superiores
que tratariam para que tal acordo não acontecesse nos próximos natais. Os
ingleses observavam a construção de árvores de natal no front alemão. Logo,
as felicitações de natal passaram a ser gritadas pelos combatentes e traduzi-
das por quem sabia a língua da outra frente. Um caminhar espontâneo na
“terra de ninguém” levou à negociação do armistício para aquela noite. Logo,
soldados se aproximaram, acenderam cigarros e traduziam, aos poucos, o que
tentavam comunicar uns aos outros, trocaram bebidas, souvenirs, enviaram
cartas aos locais ocupados e, no dia seguinte, voltaram à rotina de disparos.
Nos natais e feriados seguintes, os oficiais superiores, escandalizados com o
fato, mandaram intensificar os bombardeios.

Os efeitos psicológicos da vida nas trincheiras, das angustiantes esperas,


incessantes bombardeios, levaram as instituições militares a diminuírem
as exigências médicas para lançar novos e velhos combatentes às frentes
de batalha. Os dirigentes apelavam para a propaganda de resistência, luta,
bravura dos cidadãos-soldados, mas o que prevalecia era a imobilidade
das trincheiras e a angustiante apatia da espera pelas ordens que adiavam.
O “espírito do batalhão” era o salvo-conduto para a extinção nas relações
perdidas com familiares e amigos. O combatente Siegfried Sasson relata-nos:
16 UNIUBE

Eu tinha perdido a minha fé na guerra... Não restava


nada mais senão acreditar no ‘espírito do batalhão’. O
espírito do batalhão significava viver e sentir-se bem
entre os oficiais e suboficiais... (...) Uma noite podíamos
estar juntos fazendo farra (...) e no espaço de uma
semana, uma única metralhadora ou granada poderia
varrer totalmente esta cena (...) se tudo corresse
bem, eu reencontraria os sobreviventes e nós iríamos
recomeçar uma vez mais a unir as nossas miseráveis
pessoas. (SASSON, In: LEED, 1979, b).

Com a prevalência de civis-soldados nos combates, a guerra passa a


tomar outros aspectos. A “moral das tropas” está em baixa e começaram
campanhas para o soerguimento dos combatentes. Como a população
civil parte para os campos de batalha, as mulheres assumem postos de
trabalho anteriormente reservados aos homens. Maquinistas, operárias,
técnicas das indústrias químicas e bélicas atribuíam à mulher mais funções
que agora elas teriam que se desdobrar para conseguir realizar. As cidades
fronteiriças já conviviam com a ameaça constante de bombardeios e,
por vezes, eram concretizados. As cidades italianas e austríacas viviam
a angustiante espera dos aviões que, nos primeiros anos, espalhavam
apenas panfletos de propaganda. Logo, as populações desconfiariam do
poder das aeronaves e se transferiram a mando das autoridades locais
para abrigos, prédios públicos de paredes mais fortes. Construções mais
altas eram usadas para defesa aérea e observatórios.

REGISTRANDO

A guerra no ar era uma novidade e muitos aviões eram construídos para


combate. Embora originário da cavalaria, o piloto alemão, Manfred von
Richthofen, mereceu a alcunha de “barão vermelho” quando, nos ares,
abateu 80 inimigos a bordo de seu Fokker Dr. I. Sendo surpreendido em
1918, foi enterrado com honras militares por ingleses em solo francês.

As correspondências dos soldados ajudavam a manter os laços com os


familiares. A individualidade ainda era preservada nos ‘toques pessoais’
das escolhas dos cartões-postais. As respostas, normalmente impactan-
tes e angustiantes mantinham a ligação familiar e a identificação, mesmo
longínqua, com sua memória particular. Fotografias, objetos particulares,
lembranças embotadas que se esvaíam no clarão das explosões.
UNIUBE 17

A história dos fronts de batalha contada pelos soldados, por quem


disparou os tiros e se feriu nas frentes permitiram uma análise diferente
daquela corrente utilizada pelos discursos inflamados e apelativos
próprios das ordens militares.

Mais um ano se dissipa na poeira das explosões, nos gases tóxicos que
são esquecidos entre uma visita do correio ou outra. Mais um inverno
e com ele as esperanças de uma resolução rápida para o conflito,
indolor, trazia assim, no abrir das cortinas do ano de 1917, a promessa
da intensificação dos combates, da utilização de todos os recursos ao
alcance até que um dos lados se esgote.

PONTO-CHAVE

O Manifesto da Paz, publicado em 1915, no território neutro da Suíça, contou


com a participação dos partidos e representantes da esquerda dos países
mais importantes da Europa. A crítica radical manifestava o desacordo
caracterizando esta como uma guerra imperialista que nada teria com os
interesses e causas populares. Em um trecho do documento – assinado
também por Lênin – acusam os responsáveis pelo conflito: “as poderosas
organizações patronais, os partidos burgueses, a imprensa capitalista, a
Igreja: é sobre eles todos que pesa a responsabilidade desta guerra”.

DICAS

A literatura do pós-guerra é rica em análises e pormenores do cotidiano


dos combatentes. Talvez o livro de maior sucesso tenha sido do escritor
alemão Erich M. Remarque, chamado “Nada de novo no front”, que ganhou
bem-sucedida adaptação para o cinema na direção de Lewis Milestone,
em 1930. Outros grandes filmes que denunciam o horror das trincheiras
e atacam a ótica militar são o genial “Glória Feita de Sangue” (1957), de
Stanley Kubrick, e um dos melhores filmes realizados sobre o assunto, “A
Grande Ilusão” (1937), do francês Jean Renoir.
18 UNIUBE

1.3 Guerra total

A extensão das atividades de guerra obrigavam os Estados beligerantes


a direcionar sua produção para o suprimento das frentes de combate. No
ano de 1917, os países que lutavam estavam todos envolvidos, trabalhan-
do, treinando ou submetidos em esforços de produção que os Governos
direcionavam, tendo como principal fim a manutenção da máquina de
guerra. A produção de guerra puxa todos os esforços da população para manter
o equilíbrio com o inimigo no front. A inflação e os empréstimos maciços obtidos,
especialmente, por Grã-Bretanha, França e Áustria-Hungria, provocaram a
inflação dos preços dos produtos finais. As importações e a demanda direcionam
as economias periféricas para o fornecimento de matérias-primas aos países
beligerantes. As medidas favoreceram também a escalada dos EUA e
do Japão à posição de economias de potencial controle regional, o que
possibilitou que América Latina ficasse sob a esfera do domínio postulado
pela antiga Doutrina Monroe.

No início de abril, um navio norte-americano e, posteriormente, um brasilei-


ro são torpedeados por um submarino alemão. O governo norte-america-
no rompe relações com a Alemanha e, em seguida, declara guerra. Em
outubro, pressionado pela nova força regional e por parlamentares, o Brasil
faz o mesmo e cede instalações aos Aliados. As forças expedicionárias
brasileiras ainda realizariam operações de guerra conjuntamente com
a esquadra britânica, ficariam retidas pelo surto de gripe espanhola em
quarentena, além de missões médicas na França.

Mais contundente foi a participação norte-americana. Manter-se fora dos


combates resultou em vantagens econômicas e políticas aos EUA, até quando
o presidente Wilson conseguiu mantê-los fora da “Guerra Europeia”. Mas
a retirada gradual dos soldados russos, que abandonavam as armas para
se alistarem no exército vermelho e lutarem pela revolução, forçaram outras
medidas por parte dos capitalistas para continuarem tendo êxito.

Quando os soldados depuseram suas armas para lutarem contra o inimigo


interno, o Czar, o front oriental foi esvaziando e, nas frentes ocidentais,
várias divisões dos exércitos alemães e austro-húngaros reforçaram o
Império Central. Logo, essa função resultou na conquista austríaca
na Itália. Os exércitos ocidentais explicariam que a guerra não havia
UNIUBE 19

terminado pelas deserções russas. Desse modo, o que havia era a guerra
ideológica, em um desesperado argumento para neutralizar os efeitos da
Revolução Bolchevique.

Na reprodução da guerra ideológica, segue uma carta ao Rei da Itália,


Emanuel III, endereçada por um militante anarquista:

nós soldados obrigados pela força do sacrifício, temos


o dever de te avisar que entramos no último mês de
guerra, pois a partir do primeiro minuto do ano de 1918,
tu não encontrarás mais em nós um exército para te
defender; (...) Lembra-te bem que, se neste breve
período tu não parares, nós saberemos te punir (...)
não leves um povo inteiro para o abismo. (...) A Rússia
soube punir seus carrascos e nós também o faremos.
Tua hora vai chegar em breve. (MONTELEONE, 1973).

Essa transformação na forma de enxergar o conflito também é demons-


trada em canções de soldados franceses que quebravam a ordem
austera do cotidiano do final da guerra, mas, sobretudo, subversivas,
longe da inocência das canções patrióticas do início do conflito: “(...) O
Batalhão não tinha mais soldados/ Batalhão de todos mortos/ (...) Atrás
da ponte há um cemitério/ Cemitério nosso, de nós, soldados.” E outra
francesa que entoava no refrão o desgosto de um batalhão que retornaria
às trincheiras após o descanso: “Adeus à vida, adeus amor (...) Terminou,
é para sempre/ Essa guerra infame/ É lá em Craonne, no Planalto/ Que
vamos deixar a nossa pele/ Pois estamos todos condenados,/ Nós somos
os sacrificados” (GAUTHIER, 1967, b). Nota-se a socialização do proble-
ma de guerra e a leitura política sob o viés marxista desmascarando o
discurso nacionalista-burguês.

Nos países que lutavam, a visita de agentes bolcheviques e propaga-


dores da Revolução de Outubro era constante. Os próprios movimentos
anarquistas e socialistas cresciam e se tornavam partidos políticos fortes após a
declaração de Paz. Se um país havia realizado uma transformação gigantesca a
ponto de levar os sempre explorados camponeses e proletários ao poder, esse
país era a Rússia. O sonho da revolução prevalece sobre as doutrinas
militares de assassinar o inimigo que, na realidade da ótica dos explora-
dos, teriam o mesmo sonho e desejo que eles. Ambos deveriam se unir
e derrotar quem provocou a guerra.
20 UNIUBE

Dentro das instituições militares, as punições e a rebeldia das tropas


eram provocadas por diversos fatores, inclusive a Revolução Bolchevi-
que, mas não o único e mais importante. A somatória de problemas levou
ao desmascaramento da “Guerra Imperialista”, como preconizaria Rosa
de Luxemburgo, Lênin e os manifestantes pacifistas. A extenuante e cruel
guerra se prolongaria demais e a pátria executaria seus próprios filhos,
com os militares exterminando civis-soldados rebeldes. Entre detidos,
mortos e advertidos, conta-se mais de 100 mil envolvidos em movimentos
de rebeldia e insubordinação ao alto comando militar. A sociedade civil
que recebia as notícias de execuções e de que, no seu seio, existiam
células do socialismo propagando a ideologia antiguerra se inquietava
com os frios avisos de mortes e execuções dos homens que se negavam
a lutar. Greves e fábricas paradas, passeatas pacifistas, todos pediam
um acordo para que retornasse o estado de paz, sem vencedores, nem
vencidos, “uma carnificina inútil,” como havia declarado o Papa Benedito
XV, que engrossava o grito pelo armistício. Os homens que moviam a
máquina de guerra sabiam que dependia deles, o cessar de seu funcio-
namento, se os homens que inventaram a guerra não a parassem, os
soldados fariam a paz entre si, e isso parecia claro.

PARADA PARA REFLEXÃO

O caso de front Caporetto é dos mais significativos e emblemáticos sobre o fim


da Primeira Guerra Mundial. Em 1917, os soldados italianos abandonavam as
armas e a ideia da ‘guerra até o fim’. Tratou-se ali de uma debandada das
tropas que, sem cerimônia, deixaram de lutar e gritavam “de volta para a
casa!” Sem ser propriamente um movimento revolucionário, os combatentes
do front de Caporetto foram isolados para não ‘contaminar’ o restante das
tropas ‘sadias’ que, de fato, ainda defendiam suas posições. A derrota para
o inimigo austríaco (300 mil prisioneiros, além de inúmeros desertores) foi
ocasionada por uma somatória de fatores que, dentre eles, estava a falta
de identificação nacional do povo italiano com as elites. A unificação italiana
havia acontecido há pouco mais de quatro décadas e a separação entre
regiões como o sul, a Calábria, a Sicília, com o centro-norte italiano não fazia
com que os combatentes sentissem que faziam parte daquela guerra. Alguns
historiadores ainda afirmariam que, se estivessem munidos da ideologia
marxista aquela debandada de tropas daria início a um problema muito maior
UNIUBE 21

para as elites, mas como o movimento foi espontâneo e pouco coordenado


com gritos de “A guerra acabou!” e com o abandono de armas, Caporetto,
para alívio da burguesia italiana, não chegou a representar uma revolução
como ocorrera na Rússia.

Woodrow Wilson seria dos principais arquitetos da paz e sua decisão de


levar os americanos à guerra, apesar de sua relutância, compensaria
a vantagem em divisões militares desde a retirada russa com o acordo
de paz entre Alemanha e Rússia, o chamado acordo Brest-Litovsky. Os
americanos forneciam ajuda material e suprimentos aos aliados, enquanto
bloqueavam o quanto podiam a chegada de produtos aos Impérios Centrais.
No ano do cessar-fogo, aproximadamente, dois milhões de soldados
yankes desembarcaram na Europa. A eminente derrota das tropas austro-
-húngaras e alemãs projetavam o armistício para aquele ano de 1918.

Os 14 pontos de Wilson mostrados a seguir, não foram levados à


prática na assinatura da paz por uma série de razões. Quando alemães
e austríacos assinaram o armistício em novembro de 1918, fizeram-
no considerando a possibilidade de não se realizar a paz acima dos
vencidos. Há que se recordar que ainda havia tropas alemãs em
condições de combate e defendendo posições. O país não se rendeu,
foi uma retirada de tropas em acordo que iniciou as negociações para o
restabelecimento das antigas ordens anteriores à 1914.

IMPORTANTE!

Os 14 pontos de Wilson (texto adaptado):

- abolição da diplomacia secreta, extinguindo-se assim cláusulas ocultas;


- liberdade plena de navegação;
- eliminação das barreiras econômicas entre as nações;
- limitação dos armamentos;
- ajuste da pretensão imperialista, levando em consideração os interesses
dos povos dominados;
- retirada das tropas alemãs do território russo;
- restauração da independência da Bélgica;
- devolução da Alsácia-Lorena à França;
22 UNIUBE

- redefinição das fronteiras italianas;


- autonomia dos povos que estavam sob o controle da Áustria-Hungria;
- assegurado o direito dos romenos, sérvios e montenegrinos, o acesso
ao mar;
- autonomia dos povos dominados pelos turcos;
- criação da Polônia independente, com acesso ao mar;
- criação da Liga das Nações, para arbitrar litígios entre os países.

Com a abdicação de Guilherme II e a iminente revolução espartaquista


ganhando as ruas da capital Berlim, prolongar a guerra terminava
parecendo um sinal verde para que ocorresse o mesmo na Rússia. O
projeto de autodeterminação dos povos e a paz sem vencedores ou
vencidos foi abandonada nas negociações referentes aos primeiros
tratados. França e Grã-Bretanha sentaram-se à mesa de negociações
imbuídas do espírito de Revanchismo. Os franceses queriam se vingar
das derrotas em Sedan (1870 – 1871), na guerra franco-prussiana, além
de, conjuntamente com os ingleses, evitar que a Alemanha retornasse a
ocupar o posto de destaque que antes ocupara. Era a paz à custa dos
vencidos, ou dos que se movimentaram primeiro na política dos blocos.

Cerca de 10 milhões de mortos e outros 6 milhões de mutilados, na verdade,


com variantes entre os números, nunca soube-se ao certo quantos haviam
deixado suas vidas nos campos de batalha. Além dos danos humanos,
foram concedidas indenizações altíssimas, bem como atribuídos impagá-
veis impostos à Alemanha. Geograficamente, o Império Austro-húngaro foi
retalhado surgindo uma série de repúblicas. As antigas colônias passaram
ao controle dos vencedores. A Itália, esquecida na divisão dos bens, ficou
pronta para o fascismo. Nenhuma definição foi mais feliz que: humilhante!
para identificar o que ocorreu à Alemanha e como ela foi entregue às forças
extremas, quando da assinatura do Tratado de Versalhes, em 1919.

A um país se transferiu toda a responsabilidade da guerra, mas nenhum


outro havia de provocar tanto ódio e repulsa aos liberais. Nenhum concen-
trava tanta preocupação e ojeriza dos exércitos, dos latifundiários, proprie-
tários de fábricas e das seculares instituições religiosas. Todos se lançaram
ao Oriente para combatê-los, ingleses, americanos, eslavos, franceses,
japoneses, nórdicos, voltaram suas frentes e atenções para a Rússia sob
o comando de Lênin.
UNIUBE 23

A Rússia que emitia as mensagens da Paz desejada, da esperança de que


uma guerra imperialista não mais ocorreria, e que as classes dirigentes, as
mesmas que responsabilizadas de toda a carnificina dos anos de 1914 a
1918, dos milhões de mortos e inválidos, garantia que essas não mais existi-
riam, seriam exauridas da terra que pertenceria a quem nela trabalhasse.
Essa Rússia que concentraria o desejo expresso em muitas lápides nos
túmulos dos ex-combatentes, “Guerra à Guerra”, travaria no oriente o
suposto último combate contra os causadores de todas os fracassos
humanos, a guerra contra o capital.

PESQUISANDO NA WEB

No link a seguir, segue o destaque para as fotografias e documentos da


Primeira Guerra Mundial, o sítio é em língua inglesa, <http://www.firstworl-
dwar.com/photos/index.htm>. Segue outro <http://www.grandesguerras.com.
br/cronologia/index.php?lnk=1>, que reúne artigos de jornais e historiadores
sobre as mais diversas batalhas da Grande Guerra. Vale a pena conferir.

1.4 A Revolução Russa

Alguns historiadores denominam o conjunto de revoluções ocorridas na


Rússia, no início do século XX, como ‘A Revolução Russa’. A divisão é
realizada por outros tantos que enfatizam a Revolução de Outubro de 1917,
certamente, a mais profunda da história humana que, segundo Hobsba-
wm, ultrapassa os efeitos da Revolução Francesa (1789). A Revolução de
Fevereiro e a Revolução de 1905 também fazem parte do quadro revolu-
cionário russo, em transformações gradativas, mas contínuas, percebe-se
a articulação de movimentos revolucionários desde o século XIX com a
participação de importantes intelectuais. Assim, organizaram-se em grandes
movimentos, como os referidos, além da crescente revolução no campo,
abolindo o feudalismo, o latifúndio e a exploração da grande detentora de
posses: a Igreja Ortodoxa. A extensão dos acontecimentos na Rússia, que
se estenderiam para parte do leste, Ásia, Europa Ocidental e Américas,
provoca ainda hoje debates extremados, em uma história que mais parece
um caminhar de uma tragédia dadas as esperanças que se projetaram
quando o primeiro país do mundo havia feito uma Revolução Socialista.
24 UNIUBE

Os movimentos revolucionários instituídos no século XIX, dos quais o


escritor Dostoievski também participou, sempre acabaram em prisões dos
ativistas e trabalhos forçados na Sibéria. A gelada região da Rússia ainda
serviria para o mesmo fim com o stalinismo. Não obstante, os movimentos
que prometiam a alteração da ordem surgiram. Estes receberam adesão
das massas, quando não era provável que aconteceriam; nasceram
dos movimentos camponeses sem a conhecida direção partidária ou
elitista. Surgiriam das fábricas e das organizações rurais, campesinas
e operárias. Tomariam as ruas, sofreriam duros golpes e, quando era
provável que parassem, eles retornaram a se levantar e aparecer e,
surpreendentemente, se multiplicaram. A situação se tornou intolerável
para o Czar e para os burgueses que tentaram se estabelecer no poder.

A Revolução Russa representaria, dessa forma, “as revoluções russas”,


já que diversos movimentos, às vezes articulados entre si, às vezes
não, mas sempre com elementos em comum. Numa grande corrente,
prometiam transformar o Império do Czar, se possível aniquilar suas
forças e, na mais humilde das opiniões, desejavam apenas um pouco
mais de liberdade individual e o direito a se alimentar.

1.4.1 O Czarismo

Desde a vitória sobre Napoleão Bonaparte em 1812, a Rússia Imperial


entra no contexto político europeu. As tradições religiosas, militares
e culturais permaneciam como que congeladas no tempo. Tal efeito
era garantido pela burocracia e corrupção administrativa, no império e
pela eficiência da polícia política do czarismo – a Okhrana, conhecida
pelos métodos truculentos e o sucesso na repressão aos movimentos
ideológicos.

O povo estava preso às tradições e às arbitrariedades. O Império, por


sua vez, estava nas mãos da Dinastia da família Romanov que iniciou
sua construção com o cruel Pedro, também cultuado como “O Grande”,
seguido por Catarina, Nicolau I, vitorioso sobre as forças de Bonapar-
te, e Alexandre II e Alexandre III sofreu tentativa de assassinato por
um grupo de militantes revolucionários, dentre os quais estava envolvi-
do o irmão mais velho de Lênin, Alexandre Ulíanov, sendo este punido
com a execução. Formou-se, assim, uma dinastia imperial com uma
UNIUBE 25

crosta tão grossa que não se admitia espaços para questionamentos. Os


movimentos de oposição que conseguiram se articular não apresentaram
unidade. O território vasto era preenchido por uma população hetero-
gênea, tanto no que diz respeito a religiões, costumes, cultura, raças
e ideologias. A geografia russa aproxima o país das fronteiras com a
Escandinávia, China, Japão e EUA, quando ainda possuía o Alasca,
Bielorrússia, Cazaquistão e o Império Turco-otomano. Planícies, lagos,
longas estepes e rios destacam-se em sua paisagem. Regiões populosas
contrastam com extensas áreas de poucas condições para o desenvol-
vimento da vida humana. O inverno rigoroso castiga os russos, tártaros,
ucranianos, bashkir’s, chechenos, lituanos, entre tantos que habitam o
vasto e heterogêneo território russo.

Na segunda metade do século XIX, o atraso tecnológico e a estrutura


rudimentar do governo obrigou este a assumir reformas. As forças armadas,
os setores administrativos, as instituições não governamentais e a popula-
ção pediam que acontecessem melhorias na velha ossatura czarista. Era
claro que, assim, a oportunidade do Império entrar no mesmo patamar das
potências europeias cresceria.

A proximidade do século XX acelerou a modernização das cidades. A


infraestrutura do país crescia, linhas férreas, portos, estradas, porém, em
vista dos atrasos, tudo parecia muito tímido. Taxas de desenvolvimento
eram notadas, o Estado controlava com mão de ferro toda a população,
a economia sofria interferência de capital externo e a burguesia russa
tinha pouca expressão na sociedade.

Enquanto o governo Czarista tentava timidamente corrigir o atraso na agricul-


tura e indústria, Nicolau II sofria para manter suas posições na Ásia. Porém,
um duro golpe atingiu o império. A guerra russo-japonesa de 1904 demons-
trou toda inferioridade industrial do país que menosprezou o poderio militar
japonês que surgia com o desenvolvimento da Era Meiji, colocando o Japão
como potência tecnológica do extremo-oriente. A perda da fortaleza de Port
Arthur, como uma possessão, contribuiu ainda mais para a impopularidade
do Czar. Mas, o pior não tardaria em chegar.
26 UNIUBE

SINTETIZANDO...

O Czar Nicolau II perdeu rapidamente popularidade quando a Guerra Russo-


-japonesa se definiu em favor dos nipônicos. Ali demonstrava que a ideia de
um grande Império era falsa, quando a industrialização era pífia, a censura era
violenta e, enquanto que comparados ao restante dos países da Europa, as
condições de vida da população obrigavam os russos a conviver com números
de cerca de 80% de analfabetos e população majoritariamente rural. A melhor
figuração para o caso do atraso russo foi expressa na denominação “gigante
dos pés de barro”.

Em 9 de janeiro de 1905, a população do país havia marcado uma manifestação


à frente do palácio de inverno de São Petersburgo, posteriormente, denomi-
nada Petrogrado. Nesse local, os manifestantes pediam tolerância política,
religiosa, reforma agrária, não à censura, dentre tantos outros temas que
ecoaram na Europa Ocidental há bastante tempo. A intenção era entregar
uma petição para o Czar, pedir para que ele olhasse para a situação da
população, pedir socorro para ele que, acima de tudo, era o ‘pai do povo’,
a divindade encarnada na Terra. Mais de cem mil pessoas cantavam “Deus
salve o Czar”, quando a guarda disparou contra os manifestantes e, indiscri-
minadamente, assassinou centenas de pessoas, escandalizando o mundo.

Greves, protestos e organizações sindicais se multiplicaram e a revolta


dos marinheiros do Encouraçado Potemkin demonstrava que uma das
armas de sustentação do czarismo, o setor militar, já não era tão fiel
como outrora ou, pelo menos, como acreditava a nobreza diretamente
beneficiada com o regime político. Os marinheiros de baixa patente do
couraçado pediam a extinção dos maus tratos, alimentos não podres na
mesa dos soldados, sendo celebrados como heróis quando depuseram
os tiranos do controle do navio. Armas nas mãos de militares rebeldes
poderiam se tornar uma equação de impossível resolução e que se
arrastaria pelo tempo, conseguindo restabelecer revoltas nas forças
armadas que iriam para o front na Guerra de 1914 – 1918.

Entre historiadores brasileiros são comuns as comparações


entre os marinheiros do Encouraçado Potemkin com a Revolta
da Chibata (1910). Por que a semelhança quanto aos maus
tratos na marinha?
UNIUBE 27

DICAS

O acontecimento protagonizado pelos marinheiros do Encouraçado Potemkin


ganhou adaptação com mesmo nome para o cinema na direção do russo
Sergei Eisenstein. A história narrativa do cinema nunca mais seria a mesma
após a importante cena “das escadarias de Odessa”. Assim, a revolução
se voltava para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica, “a arte
suprema” segundo Lênin ou mesmo Trotsky. Porém, quando percebiam que a
genialidade dos artistas havia ultrapassado a compreensão do Partido, diziam
“Precisamos nos inteirar desta arte”. O cinema soviético promoveria uma revolu-
ção na estética narrativa quando “Outubro”, “A Greve”, entre outros do mesmo
cineasta, se juntaram às obras de Pudovkin, “A mãe”, “Vertov”, “Um homem com
uma câmera”, constituindo obras imprescindíveis à sétima arte.

Nascia, naquele mesmo ano de 1905, uma organização que receberia o nome
de Soviete, semelhante à Internacional, para coordenar greves e o movimento
dos operários. O primeiro deles nasceria em São Petersburgo, e posteriormen-
te, se espalharia em centenas por todo o país. Os Sovietes eram os comitês
formados pelos operários e camponeses. Dali, seriam providas as maiores
lideranças bolcheviques, como o caso de Trotsky que, preso naquele ano
de 1905, foi acusado de liderar uma revolta armada.

IMPORTANTE!

A Internacional Comunista surgiu em 1864 incentivada pela necessidade


de estabelecer uma organização dos trabalhadores para coordenar o
movimento revolucionário em escala global. Dissolvida por divergências,
ela ressurgiu, em 1889, como Segunda Internacional defendendo conquistas
lentas até chegar ao socialismo. Essas estratégias demonstravam imensa
divergência de métodos no início do século XX. Os intelectuais marxistas
cada vez mais advogavam, assim como Lênin e Trotsky, uma tomada violenta
do poder e uma revolução definitiva. A Guerra e a Revolução de Outubro
de 1917 transformaram a noção revolucionária e o Partido Comunista
russo fundou a Terceira Internacional em 1919 (denominada também por
Komintern), chefiando as revoluções pelo mundo. Posteriormente, ela ficaria
presa à política externa de Stálin, perdendo sua independência. Exilado no
México, Trotsky organiza a Quarta Internacional.
28 UNIUBE

Após os acontecimentos de 1905, pressionado, o Czar convocou reunião


para o parlamento (Duma). Mas, com as pretensas reformas advogadas
por Mencheviques e Bolcheviques, Nicolau II a dissolveu e a pressão por
transformações aumentou. A social-democracia havia se organizado para
estabelecer uma Constituição Liberal, mas os braços do regime Czarista
conseguiam diminuir a ação reformista.

Na social-democracia, é percebida a divisão ideológica que resultaria na


guerra civil. Os bolcheviques, que tinham maioria, defendiam a revolução
socialista imediata. O poder deveria ser exercido pelos sovietes, estes
exigiam reformas profundas na estrutura do poder. A divergência era clara
contra os mencheviques, que, apesar de concordarem com a derrubada
do Czarismo, discordavam da forma com que estas reformas deveriam
ocorrer. Os mencheviques tinham como modelo as reformas liberais que
haviam ocorrido na Europa Ocidental e seu modelo maior, a Revolução
Francesa de 1789. A aceleração da economia chegaria após a industria-
lização, que era um tópico comum entre os revolucionários brancos ou
vermelhos. Com o fim da primeira década, o clima frio da Rússia congela-
ria o regime Czarista que caminharia para seus últimos anos.

EXEMPLIFICANDO!

Os mencheviques: os brancos; social-democracia, minoria, ligada ao grupo


burguês e defendiam reformas na estrutura do poder que viessem a dar
maior participação democrática aos capitalistas.

Os bolcheviques: os vermelhos; revolucionários marxistas, maioria, grupo


de esquerda que defendia a revolução socialista e reformas profundas na
estrutura do poder, além de ampla participação popular.

A última década do Czarismo havia começado com alguns índices de


crescimento industrial. Pouco elevados, porém dava impressão de que
o crescimento tecnológico e das estruturas das cidades melhorariam.
UNIUBE 29

A peça “Pequenos Burgueses”, de Maxim Górki, é dos exemplos


mais contundentes sobre a modificação da arte revolucionária e
da classe operária com força represada a anos prestes a eclodir.
De um outro ponto de vista, Anton Tchekov, autor de “Jardim das
cerejeiras”, expressou a decadência da aristocracia russa que
lentamente agonizava.

No início da segunda década do século XX, os bolcheviques se reorgani-


zaram, mas um acontecimento empurraria a Rússia para uma crise ainda
mais grave. A eclosão da Primeira Guerra Mundial demonstrou a fragilidade
do regime imperial, além de estagnar e depois regredir os baixos índices de
crescimento que o país obtinha. A situação da população que era reconhe-
cidamente escassa, termina por piorar quando a guerra se prolongou como
demonstra Daniel Aarão Reis Filho:

entretanto, a guerra não foi curta, ao contrário, alongou-


se no tempo. Nem vitórias sucederam-se os desastres.
E a matança superou todos os horrores aos quais
aquelas gentes guerreiras estavam habituadas. Milhões
e milhões de mortos, incontáveis (as estimativas
variam de 6 a 8 milhões), sem falar dos feridos, dos
mutilados na carne e no espírito. O desabastecimento,
as carências, a inflação, a escassez, a desorganização
geral da vida econômica, provações sem fim,
submetendo o patriotismo e a paciência a duras penas.
(REIS FILHO, 2005, p. 47)

Apesar de o país não sofrer com investidas dos inimigos na grande


parte de seu território, a guerra atingia cidades importantes e mobilizava
boa parte de uma população ativa que poderia estar trabalhando em
indústrias ou campo. Mas, aos que ficaram, não era preciso muito para
relacionar. O que se assemelhava à vida dura dos camponeses russos
senão com a hecatombe de uma guerra? A situação que havia se deterio-
rado nos anos passados pouco se transformou na segunda década dos
anos finais do czarismo. A organização dos partidos ainda sofria com
inúmeros líderes exilados, importantes jornais de esquerda silenciados
pela polícia política. Greves e manifestações abortadas e demissões de
empregados envolvidos nos movimentos revolucionários mostravam que,
para eles, restava apenas uma alternativa: endurecer a luta. E a cada
amanhecer, os operários do Sacrossanto Império do Czar acreditavam
30 UNIUBE

menos em um novo raiar de dia para a velha Rússia e desacreditavam


um pouco mais do czarismo como força que pudesse reerguê-la. Mas,
reerguer bem mesmo do quê? Não era preciso muito para identificar o
discurso dos revolucionários com a realidade miserável ocasionada por três
séculos de domínio dos Romanov. E todos os combatentes que retorna-
vam ou desertavam identificariam essas palavras com o que enxergavam
diariamente e, logo, se alistavam nas fileiras de combatentes ideológicos
do bolchevismo.

1.4.2 Revolução de Fevereiro de 1917

Dados os inúmeros movimentos de transformação da ordem, o território


do Império Russo parecia ter como fim lógico a desintegração, a exemplo
do Império Otomano ou do Império Austro-húngaro, que acabaria por
sofrer isto após a Grande Guerra. Os sinais de desunião territorial,
propósitos e formas como enxergavam a Guerra eram contrapostos
pela crescente participação dos sovietes e do surgimento de inúmeros
comitês dos operários endossando a ação dos bolcheviques. “Pão, Paz,
Terra” ecoava como marcha fúnebre para o Czarismo que ruía junto com
o conflito mundial. Do ponto de vista liberal, a revolução burguesa era
bem-vinda, esperada e recebeu apoio internacional quando ela ocorreu
em fevereiro de 1917. Hobsbawm nos conta como aconteceu a revolução
(em março no calendário gregoriano) que, após a tradicional passeata de
8 de março, essencialmente para pedir pão, se junta com movimentos de
grevistas e termina com um caos de quatro dias, quando:

eles se amotinavam, o Czar abdicou, sendo substituído


por um “por um Governo local” provisório, não sem
certa simpatia e mesmo ajuda dos aliados Ocidentais
da Rússia, que temiam que o desesperado regime
do Czar saísse da guerra e assinasse uma paz em
separado com a Alemanha. Quatro dias espontâneos
e sem liderança na rua puseram fim a um Império.
(HOBSBAWN, 1995, p.67).

Com esse fragmento, Hobsbawm demonstra que o império desmoronava


e a Revolução Liberal de caráter burguês surgia como mecanismo viável
para o futuro da Rússia. Um futuro almejado pelos mencheviques e pelos
capitalistas ocidentais, concretizado com a abdicação da Dinastia dos
UNIUBE 31

Romanov, que chegava ao seu tricentenário deposto por um governo


provisório, o chefe da nação reduzido ao senhor de todos os problemas,
um Estado disposto a mandar mais combatentes para a Alemanha, com
os sovietes exprimindo suas insatisfações de forma violenta, “o feito
extraordinário de Lênin foi transformar essa incontrolável onda anárquica
popular em poder Bolchevique” (HOBSBAWN, 1995, p. 67). E os meses
que antecederam a revolução mais profunda que ocorreria foram de medidas
tímidas e continuidade nos pontos que mais desuniram o povo do “paizinho”,
o Czar Romanov.

PESQUISANDO NA WEB

No link a seguir, você poderá conhecer mais sobre a história dos últimos dias
dos Romanov, vale a pena conferir o artigo publicado pela revista História Viva:
<http://www2.uol.com.br/historiaviva/noticias/russia_reabilita_o_czar_nicolau
ii.html>.

Seguindo o movimento revolucionário de 1905, foram adotadas as resolu-


ções da Duma. Com a abdicação do Czar, o programa revolucionário de
1905 apareceu intensificado nas discussões. Nas ruas e organizações
operárias, antes acuados pela repressão e pela censura, os operários,
agora, soltariam sua voz e uma força represada começaria a surgir
avassaladoramente. Uma onda anárquica e não contida tomaria conta
dos movimentos populares dos trabalhadores rurais e urbanos. As medidas
somente pediam o concernente ao que ocorria com as legislações sociais
do restante da Europa.

Surgiram os comitês agrários, prometendo a nacionalização da terra e sua


distribuição igualitária. Os soldados abandonavam as armas, sem o czaris-
mo se perdia a razão de obedecer ao comando das hierarquias, o inimigo
interno que causava a discórdia deveria ser combatido dentro das próprias
fronteiras. As nações não russas caminhavam para a independência.

Todas as transformações vicejadas eram arquivadas pelo governo provisório


que se reduzia, nestas questões, a analisar e transferir as responsabilidades
aos comitês de estudo. A urgência demonstrada pelo governo provisório
de Kerenski se limitava a combater o inimigo externo e a ele concentrava
32 UNIUBE

todos os esforços dando as costas aos problemas e apelos populares.


“Instaurou-se um diálogo de surdos” (REIS FILHO, 2005, p.50) e a distân-
cia entre o governo provisório e as reivindicações padecia, aumentando
as discussões.

A população se acostumava a ir às ruas e, em abril, o governo provisório


sofre uma reforma que terminaria com a entrada do soviéte de Petrogrado
no poder. Era formada a primeira coalizão. Neste mesmo mês, Lênin
lança as “Teses de Abril”, propondo transformações mais radicais. A
nacionalização dos bancos e das fábricas, estas sob controle operário,
a coletivização das terras e outras medidas propostas pelas teses
impulsionavam o povo organizado em torno dos sovietes e dos partidos
compromissados com a causa popular. Essa nova onda revolucionária
terminaria com a intensificação das lutas.

IMPORTANTE!

Vladmir Illitch Ulianov, ou simplesmente Lênin, nascido em 1870 em Simbriski,


foi surpreendido logo na infância quando seu irmão fora executado por
tramar contra o czarismo. O fato marcou-o profundamente convertendo-o em
intelectual marxista. As leituras das obras clássicas do marxismo moldaram
seus primeiros escritos “O que fazer?” (1902), que modificou as propostas
iniciais e moderadas da revolução de 1905. Firmou-se, logo, como um
dos principais intelectuais russos. Mesmo no exílio, não deixou de atuar,
escrevendo, incitando e apontando os caminhos que deveriam ser seguidos
pelo proletariado mundial e, especialmente, de seu país. Por sua conta em
risco, desembarca na Rússia em abril de 1917. O intelectual demonstra estar
ao lado das reformas mais radicais tomando frente nos acontecimentos dos
anos seguintes. Tornar-se-ia o primeiro Presidente dos Comissários do Povo.
Falece, em plena fase de construção do socialismo, em 1924.

1.4.3 A Revolução de Outubro de 1917

O governo provisório instituído em fevereiro de 1917, com o compromisso de


formular e estabelecer uma constituição liberal, esbarrava seus problemas
internos em resoluções de guerra. As disposições gerais de comprometimen-
to em derrotar a Alemanha, atrasavam e desgastavam o governo provisório
UNIUBE 33

que procurava cumprir com os mesmos compromissos firmados pelo Czar.


Enquanto os movimentos sociais cresciam e se organizavam, o número de
rebeliões no campo aumentava assustadoramente. Daniel Aarão Reis Filho
nos demonstra o crescimento assustador dos números: “Em março foram
registradas 49 rebeliões em 34 distritos, no mês seguinte, 378 rebeliões
em 174 distritos. Em maio, 678 rebeliões em 236 distritos. Em junho, 988
rebeliões em 280 distritos.” (REIS FILHO, 2005 p.50). Um aumento impres-
sionante levado em conta o curto espaço de tempo em que ocorreram.

Os operários, os soldados e os comitês de sovietes agrários propunham


mudanças mais profundas e, no segundo semestre de 1917, assumiam
atender todas as reivindicações populares e a derrubada do governo provisó-
rio por meio do conhecido slogan: “Todo poder aos Sovietes”, estabelecendo
a teoria do duplo poder na Rússia. O governo provisório deteria o poder legal
e, na prática, os sovietes que comandavam as transformações.

Uma sucessão de crises faria o governo provisório se enfraquecer em


todas as frentes. Após uma ordem militar, os marinheiros da base naval
de Konstradt retornaram a Petrogrado e exigiram a renúncia do governo
com as armas em punho. Pela crise, os bolcheviques foram responsabi-
lizados e muitos sovietes detidos. O atrapalhado governo provisório de
Kerenski ainda sofreria uma tentativa de golpe dos contrarrevolucionários
monarquistas. Seu próprio ministro Kornilov e muitos dos membros da
administração estavam envolvidos. Para se sustentar e resistir ao golpe,
os sovietes foram chamados. O sucesso em conter o golpe deu aos
sovietes mais organização, confiança e sentido prático.

O saldo, após a crise, foi um cenário de desintegração real. As forças


armadas abandonaram hierarquia e disciplina, fortes pilares do exército
czarista e de qualquer outra força militar. A sociedade se organizava,
rebelava e se alistava nas hordas bolcheviques, as propostas mais
radicais ganhavam mais adesão popular e os movimentos camponeses
já demonstravam estar em curso com uma revolução. Na prática, em
torno dos comitês agrários, os camponeses deixavam claro que não
mais confiavam nas instituições do Estado, ultrapassando a casa dos
cinco mil casos de violência no campo. A terra é de quem nela trabalha.
Os operários, em alguns casos, tomaram as fábricas, estabelecendo o
controle da produção. Por fim, eles mesmos a vigiavam.
34 UNIUBE

No exterior, a desintegração do território era conhecida. As nações não


russas concretizavam seus desejos de independência e soberania. Os
soldados, em grande parte camponeses fardados, deixavam as trinchei-
ras e se alistavam nos movimentos populares que já colocavam em
prática muitas das resoluções antes apenas discutidas. A distribuição
igualitária da terra jogava para longe os nobres, burgueses e proprietá-
rios e o número de militares que, agora, prestavam serviços à revolução
desequilibrava o jogo de forças entre governo e revolucionários.

Foi neste cenário do mês de outubro que os Bolcheviques colheram a revolu-


ção. Logo no início daquele mês, o comitê central do partido bolchevique
decidiu por comandar a insurreição nos principais centros do país. Como
a maior parte dos dirigentes sovietes estava ligada ao partido bolchevique,
essa impressionante estrutura centralizada conseguiu evitar a desagregação
da sociedade, a ofensiva alemã e a decomposição do governo.

Os decisivos dias que os bolcheviques “colheram o poder” (Hobsbawm, 1995)


foram desencadeados pelas notícias de que a insurreição derrubaria o governo
provisório. Leon Trotsky, líder dos sovietes em Petrogrado, cuidou para a
contrarrevolta ordenada por Kerenski falhasse. Tomaram os principais portos,
cercaram o Palácio de Inverno, até então a sede do governo. No dia seguinte
ao 24 de outubro, a notícia se espalhou: os sovietes haviam tomado o poder.

Cidadãos da Rússia: O governo provisório foi deposto.


O povo pegou em armas para lutar pela proposta
imediata de uma paz democrática, pela abolição da
grande propriedade agrária, pelo controle da produção
pelos trabalhadores, pela criação de um governo
Soviético. A causa do povo, encarnada por esses princí-
pios, triunfou definitivamente. (Panfleto do comitê Militar
Revolucionário. In: REED, 2002, s.d.)

John Reed ganhou notoriedade quando acompanhou as tropas


de Pancho Villa e, num relato apaixonado, espalhou a notícia da
Revolução Mexicana a partir de sua atividade como jornalista.
Incumbido de relatar os fatos que aconteciam na Rússia do ano
de 1917, viaja ao país e, a partir de suas observações, escreve
o impressionante “Os dez dias que abalaram o mundo”, em
referência aos acontecimentos de Outubro de 1917, constituindo
um dos maiores relatos jornalísticos do século XX.
UNIUBE 35

Uma revolução na medida em que os bolcheviques se comprometeram


da maneira mais profunda possível com a revolução dos movimentos
populares que estava em curso. A aliança com os camponeses, com os
operários e a legitimidade reconhecida pelos sovietes trouxe à Revolução
de Outubro um caráter gigantesco que transformaria para sempre o país
e o mundo.

IMPORTANTE!

Lev Davidovich Bronstein ou Leon Trotsky participou de grupos de oposição ao


Czar e, por este motivo, fora condenado ao exílio na Sibéria, ainda no século
XIX. Fugiu para Londres e, em contato com Lênin e outros revolucionários,
aportou na Rússia por intermédio da Revolução de 1905. Posteriormente, preso
e deportado, viveu nos EUA e no Canadá. Quando a Revolução de Feverei-
ro triunfou, o militante comunista retornou ao país e, no comando do Exército
Vermelho, depôs o governo de Kerenski. Opôs-se à crescente burocratiza-
ção do Partido e ao aumento do poder de Stálin, que assume as nomeações
de cargos importantes e na ausência de Lênin, Stálin, como Secretário Geral,
realiza alianças com os principais dirigentes do Partido que se tornaram decisi-
vas para a expulsão de Trotsky da Rússia em 1929.

O debate se estenderia entre as teorias que defendiam que a Revolução


de Outubro foi obra de um gênio político, Lênin, que criaria a estrutura do
Partido, que seria habilmente ampliada e executada por Stálin. O oportunis-
mo de conduzir as organizações dos sovietes e de levar os trabalhadores
rurais a cooperar com o governo recém-estabelecido foi condição chave
para que Lênin se consolidasse no poder e conquistasse apoio maciço da
população. Conseguindo sublevar as revoltas e dar um sentido prático e
organizacional aos grupos rebeldes foram os grandes feitos de Lênin, que
aglutinou a grande onda anárquica que conduzia o país ao caos. Assim,
houve um golpe, no sentido em que os revoltosos tomaram a frente para
uma revolução, e na medida em que os interesses do povo se aliaram e
aniquilaram as velhas organizações czaristas e feudais que ainda permane-
ciam no poder russo. Houve uma revolução, pois as transformações que
estavam sendo constituídas pela população trabalhadora, se materializa-
ram. Porém, a solidificação dos revolucionários no poder eram outras duras
batalhas que viriam com os difíceis anos após o mês de outubro de 1917.
36 UNIUBE

Nos próximos meses, seria consolidado o poder do “Conselho dos


Comissários do Povo”, sob a presidência de Lênin. Assim, as conquistas
revolucionárias se estenderam, por exemplo, as propriedades da Igreja
foram desapropriadas, as dívidas czaristas pertenciam aos Romanov
e, em nada, o Governo dos Sovietes tinha a ver com isso. Além do
mais, os capitais estrangeiros, bancos e fábricas foram nacionalizados
e passado seu controle para os sovietes. O tratado de paz com a
Alemanha foi assinado em março de 1918, após longa negociação
(Brest-Litovski). Enquanto isso, o Exército Vermelho sob a liderança de
Leon Trotsky expandia a Revolução reconhecendo o direito das nações
vizinhas proclamarem um Estado próprio. As notícias que corriam sobre
a revolução bolchevique eram as mais variadas e mais mentirosas
possíveis. Lênin era chamado de “germanófilo” pelos jornais capitalistas
que prometiam estender a guerra contra os representantes da Alemanha
no mundo, caçando os revolucionários. A Cruz Vermelha fazia apelos
para que a população russa fosse atendida nas necessidades humanas
pela qual a conjuntura dos fatos os privava.

“A Revolução dos Bichos” de George Orwell é dos livros mais


lidos do século XX. O escritor se feriu na Guerra Civil Espanho-
la quando lutou pelos brigadistas (grupo internacional contra
a ditadura de Franco) e, em 1945, decidiu-se por escrever a
história da Revolução de Outubro por meio de uma fábula. Uma
das máximas mais conhecidas do livro alude à transformação
realizada por Stálin contaminando toda a teoria de esquerda no
mundo que seria confundida com regimes totalitários: “todos os
animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que
outros”. Quando os bichos perceberam que estavam sendo
dominados por uma ditadura igual ou pior a que tinham lutado
contra e que os porcos, líderes da revolução, se pareciam
cada vez mais com os homens, Orwell conclui: “As criaturas de
fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para
um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se
tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco.”
(ORWELL, 2001, p. 123).
UNIUBE 37

O programa de paz com os impérios centrais previa reparações de guerra


aos alemães. A Rússia abriria mão do controle da Finlândia, Polônia,
Letônia, Ucrânia, entre outros. Porém, com a derrota alemã, estes
territórios não se submeteriam ao controle germânico. Ainda, Ucrânia e
Bielorússia se envolveriam na Guerra Civil e integrariam a URSS.

Certamente que as antigas forças detentoras de todos os privilégios antes


estabelecidos não cruzariam os braços e esperariam a Revolução Comunista
triunfar na Rússia e se consolidar na Europa Ocidental. O Exército Vermelho
comprometido com a Revolução permanente teria a oposição do Exército
Branco, com financiamento capitalista comprometido com a sabotagem da
Revolução. Como nos mostra Hobsbawm, uma verdadeira coalizão interna-
cional se deu para a contenção da expansão Socialista:

Os aliados não viram motivos para ser mais generosos


com o centro da subversão mundial. Vários exércitos e
regimes contrarrevolucionários (brancos) levantaram-se
contra os soviéticos, financiados pelos que enviaram
tropas Britânicas, Francesas, Americanas, Japonesas,
Polonesas, Sérvia, Gregas, Romenos para o solo
Russo. (HOBSBAWN, 1995, p.70).

A aliança entre o Exército Vermelho e as forças camponesas tornava-se


responsável pelo fracasso dos “brancos” que acontecia a duras penas.
O “comunismo de guerra” sacrificava os bens individuais na sustentação
das conquistas populares, camponeses, militares, operários, permaneciam
comprometidos com a vitória definitiva da Revolução de Outubro. Todas
as forças e sentidos, todas as medidas eram tomadas concentrando-se
no objetivo de destruir o movimento Contrarrevolucionário. Todos os erros
serão justificados por esses pontos de vista. Com o sacrifício realizado em
nome do “comunismo de guerra”, a escassez e a miséria de alimentos, os
“vermelhos” ganhavam gradativamente. As tropas ocidentais foram obriga-
das a voltar para seus países. Em meados de 1920, os brancos foram
vencidos, porém restavam migalhas do país. Um regime czarista secular,
uma guerra contra os alemães, uma guerra civil, o “comunismo de guerra”
e tropas estrangeiras produziram o resultado que era de se esperar:

O país estava completamente esgotado, a produção


quase parada, não havia mais reservas de coisa alguma,
nem mesmo reservas nervosas nas almas das massas.
Proletariado da elite, formado pela luta do antigo regime,
estava literalmente dizimado. (SERGE, 1987).
38 UNIUBE

Com uma população desgastada seria natural que alguns movimen-


tos populares retornassem sua rotina de reivindicações. O sucesso das
organizações em anos anteriores atribuíam à população a crença de que
poderiam sair vitoriosos se permanecessem unidos. Os camponeses,
que para Lênin eram uma classe ontologicamente antirrevolucionária,
não aceitavam o fato de entregar suas produções,
Ontologia seus excedentes e sua colheita para a coletividade.
Durante a Guerra Civil e após seu término, as rebeli-
Parte da filosofia
que tem por objeto ões no campo continuaram e mesmo aumenta-
o estudo das ram, tornando-se um problema permanente para o
propriedades mais
gerais do ser. partido Comunista de Lênin que, a partir de 1918,
substituiria bolchevique por esta denominação. O
problema do campesinato russo se estenderia até
o governo stalinista.

“A Revolução dos Bichos” de George Orwell é dos livros mais


lidos do século XX. O escritor se feriu na Guerra Civil Espanho-
la quando lutou pelos brigadistas (grupo internacional contra a
ditadura de Franco) e, em 1945, decidiu-se por escrever a história
da Revolução de Outubro por meio de uma fábula. Uma das
máximas mais conhecidas do livro alude à transformação realiza-
da por Stálin contaminando toda a teoria de esquerda no mundo
que seria confundida com regimes totalitários: “todos os animais
são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros”.
Quando os bichos perceberam que estavam sendo dominados
por uma ditadura igual ou pior a que tinham lutado contra e que os
porcos, líderes da revolução, se pareciam cada vez mais com os
homens, Orwell conclui: “As criaturas de fora olhavam de um porco
para um homem, de um homem para um porco e de um porco para
um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem
era homem, quem era porco.” (ORWELL, 2001, p. 123)

A crescente insatisfação aliada à organização dos operários produziu


greves na importante Petrogrado. Fábricas, socialistas, camponeses,
anarquistas reivindicavam participação política, já que o partido Comunis-
ta concentrava todo o poder em suas mãos. Uma séria crise ainda se
chocaria com o poder recém-instituído. Os marinheiros da base de Konstradt
resolveram pela “terceira revolução”.
UNIUBE 39

Quando o governo dos bolcheviques conseguiu desconcentrar os mobili-


zados operários das cidades, atendendo boa parte de suas exigências,
os marinheiros da base naval proclamavam a necessidade de derrubar o
governo dos bolcheviques. Na avaliação dos partidários da chamada tercei-
ra revolução, o governo chefiado por Lênin tornara-se ditatorial. A crescente
burocratização do partido exercida também por Josef Stálin e os métodos
policiais configuravam a formação de um Estado antidemocrático. A polícia
política NKVD se valia dos mesmos métodos que a antiga polícia czarista,
a Okrhana. As notícias sobre campos de trabalho forçado enfraquecia a
imagem dos bolcheviques. Na ótica marxista-leninista, estaria em curso
a ditadura do proletariado que precederia a fase de transição da socieda-
de em sua alteração para o socialismo. Todos os setores passariam por
avaliação e transformação, em teoria era a construção do novo homem, de
uma nova humanidade, de novas relações sociais e sobretudo o futuro era
esperançoso, tudo seria inventado, porém o presente ainda era opressor.

IMPORTANTE!

Josef Stálin foi o codinome adotado por Vissarionovich Djugatchvili, que,


logo cedo, se alista na luta social-democrática. No início do século XX, foi
preso diversas vezes por organizar greves. Em 1910, foi eleito para o Comitê
Central do Partido Bolchevique; participa da fundação do Pravda (verdade),
recebendo a contribuição de praticamente todos os intelectuais marxistas
russos. Ao lado de Kamenev e Zinoviev, Stálin inicia, em 1922, manobras
para afastar Trotsky e consolidar-se no poder da então instituída URSS.

PESQUISANDO NA WEB

O legado da Revolução de Outubro chegaria aos países mais distintos do mundo.


No Brasil, ela produziu efeitos como relatados no artigo reproduzido pelo link a
seguir, quando grupos anarquistas tentaram agir na cidade do Rio de Janeiro:
<http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=87&pagina=1>
Neste outro endereço eletrônico, o leitor pode aprofundar os estudos das
teorias marxistas com o completo sítio que tem a versão em várias línguas,
inclusive o português:
<http://www.marxists.org/portugues/index.htm>.
40 UNIUBE

O movimento de Konstradt tinha acusações sérias e apoio dos “brancos”,


o que servia de pretexto para que o Partido Comunista acusasse os
marinheiros de contrarrevolucionários. “A manobra voltaria a ser utiliza-
da no futuro contra todos os que se opusessem ao Estado Soviético e
ao partido bolchevique” (REIS FILHO, 2005, p. 57). A acusação sempre
se repetiu, especialmente aos dirigentes que, depois, estariam de novo
no banco dos réus. O mecanismo de responsabilizar a oposição como
contrarrevolucionária levou a população a se entregar ao silêncio. Mesmo
nas camadas mais inocentes do povo quando perceberiam que algo
não corria bem tendiam a se calar, “o partido sempre sabia o que estava
fazendo” era o senso comum que estava se formando. O germe do totali-
tarismo aparecia neste mecanismo e precisava ser combatido, assim
como os marinheiros prometiam fazer.

Em março de 1921, o partido comunista mandou o ultimato para que o


movimento de Konstradt se dissolvesse. Retornaram com os programas
políticos prometidos na revolução de outubro. O movimento de Konstradt se
autodeclarou contra o Partido Comunista e contra os brancos. Os vermelhos
não exitaram em atrelar os marinheiros aos contrarrevolucionários e as
tropas invasoras do Ocidente. Aos marinheiros restava a rendição ou o
confronto com os vermelhos. Decidiram-se pelo último e, em mais de uma
semana de bombardeios sobre a base naval, se fez vitoriosa a empreitada
do Partido Comunista que, a partir dali, teria uma nova e mais dura missão,
promover o socialismo na Rússia, superando todos os problemas e dificul-
dades resultantes dos períodos da década passada.

Lênin ainda lançaria as propostas de uma nova política econômica, a NEP,


que incluiria elementos capitalistas. Trotsky ainda estaria preocupado
com as incursões burocráticas do partido e tentaria, juntamente com a
força que havia criado o Exército Vermelho, levar a revolução socialista
à Alemanha. Teria o pedido negado por Lênin que decidia por consolidar
a revolução na recém-criada URSS. Esperava Trotsky combativo contra
o crescente poder da burocracia partidária de que se valia Stálin e que,
conforme alertava a esposa de Lênin, Krupskaia, deveria se precaver
contra o camarada. Após as complicações de um derrame, o velho
bolchevique veio a falecer, iniciando no Partido (Politburo) uma corrida
para exercer o seu controle. Esse movimento já se inicia quando seu
corpo embalsamado, por sugestão do próprio Stálin, trouxe ojeriza aos
UNIUBE 41

principais intelectuais. Assim ia-se percebendo o movimento do qual


Lênin temia, a perpetuação de heróis individuais, como nas percepções
burguesas da realidade, da velha Rússia czarista que sempre celebraria
“salvadores da pátria”.

Os anos seguintes prometiam medidas duras e a consolidação de


um regime político de partido único contradizia as propostas de uma
experiência democrática profunda. Embora aliada às proposições mais
radicais do marxismo, a ditadura do proletariado parecia caminhar
para uma ditadura de um partido que perderia identificação com os
trabalhadores dizimados pelas experiências dos anos anteriores.

Seria essa uma ditadura proletária com deformações burocráti-


cas? Perguntaram-se alguns historiadores.

O que definiria uma revolução tão profunda na história humana


quando estivemos sempre presos a uma análise ligada à ideolo-
gia burguesa?
Até onde pode nossa compreensão alcançar sobre fatos tão obscuros
e deformados durante os tempos para atender a interesses flagrante-
mente antidemocráticos?

As perguntas que tanto perturbam historiadores, cientistas sociais,


filósofos e literatos continuam a ser feitas, multiplicam-se quanto mais
se esclarecem outras, mas, acima de tudo, nunca perdem seu fascínio.

1.5 Conclusão

A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Socialista de 1917 inauguram o


turbulento século XX. Os dois temas estabelecem rupturas da ordem de um
antigo mundo aristocrático que ainda se arrastava desde o século XIX e os
dois conflitos prometiam se encerrar como alertava o primeiro ministro Grey.
A abordagem social da “Grande Guerra” revela um ambiente de segregação
de classes intensa na Europa. Todos os países contavam com um contin-
gente de soldados patriotas numeroso, porém contavam com uma oposição
à guerra não tão desconsiderada além de uma intelectualidade que se
movimentava para estabelecer mudanças na ordem burguesa estabelecida.
42 UNIUBE

A Revolução Socialista, ocorrida na Rússia, em 1917, era um destes


reflexos de ações que combinaram povos mobilizados em torno de
um ideal, uma estrutura consolidada para tomada do poder e líderes
eficazes no campo ideológico e organizacional. Essas ações foram tão
bem-sucedidas que implementaram uma revolução que se espalharia
pelo mundo inteiro e traria às pessoas a noção de que deveriam se
mobilizar caso quisessem colocar fim ou, ao menos, diminuir a exploração
do homem pelo homem.

Resumo
O Capítulo 1 “A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Socialista”
iniciou-se com as explicações gerais sobre a relação conflitante entre as
potências imperialistas europeias. Esta mesma relação foi a responsável
pela deflagração do conflito que trouxe à tona a luta de classes ao cenário
de batalha. Enquanto a guerra se resolvia no campo militar, os socialistas
denunciavam aos combatentes que os únicos prejudicados eram eles.
A guerra caminhava para sua resolução e os países se inclinavam para
um acordo cada vez que cresciam dentro de seus territórios o número de
desertores e dos alistados nas fileiras dos movimentos sociais comprome-
tidos com a transformação da ordem.

A Revolução ocorrida na Rússia com a crescente dos movimentos desde


o ano de 1905 trouxe a compreensão de que o proletariado havia se
mobilizado e poderia aproveitar para lançar novas investidas para tomada
de poder com o enfraquecimento das potências europeias. A Revolu-
ção Socialista foi um sucesso em outubro de 1917 e iniciou-se com a
implementação do socialismo na Rússia mesmo com os inúmeros proble-
mas e atrasos que aquele país apresentava. A Revolução se espalhou e
foi o maior legado que a Primeira Guerra produziu ao seu final.

Atividades

Atividade 1

A política de alianças foi constituída com muito cuidado e extrema habili-


dade para que promovesse o total equilíbrio entre os blocos, a Tríplice
UNIUBE 43

Entente e a Tríplice Aliança. Um movimento poderia colocar os dois blocos


em estado de beligerância, pois promoveria um desequilíbrio entre as
forças. Em um texto dissertativo, identifique os motivos que fizeram com
que os blocos colocassem a máquina de guerra em funcionamento.

Atividade 2

O final da Primeira Guerra Mundial ainda constitui um problema para a


maioria dos historiadores. A gama de motivações que antecedeu o armistí-
cio é um desafio à compreensão do estudante dado a concentração de
elementos sociais, tecnológicos, militares, dentre tantos outros. Explique
os principais motivos que levaram ao armistício em 1918.

Atividade 3

Produza um texto que demonstre as ligações entre a Primeira Guerra


Mundial e a Revolução Socialista, ocorrida na Rússia.

Atividade 4

A Revolução de Outubro foi precedida por um quadro revolucionário


de intensa participação popular e das classes mais abastadas, embora
poucas. Organize um quadro cronológico demonstrando os principais
movimentos revolucionários surgidos na Rússia e suas características
antes da revolução bolchevique.

Referências

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São Paulo: 1987.

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TODOROV, Tzvetan. Em face do Extremo. São Paulo: Campinas, 1995.

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WERTHER, Fritz. Tape della. Mursia, Milão, 1965.


Capítulo
A queda do liberalismo e a
ascensão do totalitarismo
2

Maurício José de Sousa Junior

Introdução
É comum a crença de que os acontecimentos do ano de 1929 foram
uma catástrofe não anunciada, ou uma tragédia isolada na história
do sonho americano. Essa visão da crise desconsidera que tudo
caminhava para que a Grande Depressão ocorresse e assolasse
os Estados liberais em geral.

Desvalorização das ações, desemprego em massa, suicídios e


ricos tornando-se pobres em minutos. Fatalidades decorrentes do
resultado de uma crise do sistema capitalista que, segundo Kondra-
tiev – economista soviético – eram as “crises cíclicas” que sempre
acompanhariam o capitalismo. Sistema que prioriza assumidamente
o progresso econômico à custa do desenvolvimento social.

“Crises cíclicas” demonstram-se muito duradouras e têm efeitos


bastante permanentes. As armas de defesa contra os períodos de
recessão têm sua ação limitada, conforme a trajetória da história
econômica de uma dada sociedade.

O economista inglês, John Maynard Keynes, explica a Depressão


de 1929 como uma das crises cíclicas, pelas quais a economia
mundial teria de passar. As crises anunciadas por Keynes e por
Kondratiev – este último premonitoriamente anunciou-a em 1924
– acompanham os momentos de produção da economia global
preenchendo os espaços entre recessão e superprodução.
48 UNIUBE

A proporção que a Crise alcançou foi global, seus reflexos, nos casos
mais alarmantes, provocou aos países, especialmente os europeus,
a necessidade de adotar novas propostas políticas. A posição políti-
ca norte-americana, dominada pelos republicanos na década de 1920,
contribuiu em demasia para que regimes de extrema-direita prosperas-
sem na sua escalada ao poder. Para entender como os norte-america-
nos mergulharam na crise é pertinente explicar a prosperidade dos
anos 20.

Objetivos
Ao final deste capítulo, você deverá se tornar capaz de:
• compreender quais fatores ocasionaram a Crise de 1929;
• apontar as consequências que a Crise gerou em todo o mundo;
• identificar as principais causas geradas pela Crise que in-
fluenciaram o surgimento dos regimes totalitários na Europa;
• identificar os elementos da ideologia fascista;
• compreender as diferenças entre os regimes totalitários de
extrema direita e de esquerda;
• refletir sobre o papel do historiador na construção de um co-
nhecimento sobre a polêmica em torno dos regimes totalitários.

Esquema
2.1 “Os anos vinte”
2.2 A sociedade americana no período “entre guerras”
2.3 A Crise no mundo
2.4 A Ascensão dos Fascismos
2.5 O Socialismo Soviético
2.6 Conclusão
UNIUBE 49

2.1 “Os anos vinte”

O ritmo frenético do jazz era a trilha sonora dos bares e cafés que ferviam
de consumidores ávidos com o crescimento econômico do país. A onda
de otimismo que abraçava os cidadãos, muitas vezes fazia surgir fortunas
instantâneas com apostas e investimentos na Bolsa de Valores, tudo
conduzia as pessoas no turbilhão de consumo, frenesi, sorrisos, cafés
e festas.

Porém, os mesmos anos vinte, os eufóricos anos vinte, foram os mesmos


que sucederam a Grande Guerra (1914 – 1918) e como em meio à
reconstrução do velho mundo, parcialmente reduzido a escombros,
poderia provocar tanta abundância de recursos aos EUA? Basicamente
credores, após o conflito, o país se fechou, e a economia mundial tinha
como um de seus pilares mais fortes os EUA. A crise acabou por surgir
no lugar mais improvável.

A prosperidade americana se mostrou artificial, pois ela se baseava


no sucesso obtido dos acordos unilaterais do pós-guerra, quando os
norte-americanos conquistaram vitórias políticas e financeiras. As nações
europeias desaceleraram as produções industrial e agrícola. Enquanto
isso, na América, era intensificado o ritmo dos parques industriais para
suprir a precariedade do velho continente.

Além dos empréstimos financeiros, os EUA tiveram destacado papel nas


negociações de paz e nas principais discussões da década de 1920,
especialmente pela presença do ex-presidente Wilson. Sua visão de
que as nações deveriam se unir para combater as ameaças de um novo
conflito em grande escala, como o da Grande Guerra, pode ser visto
como a raiz da criação da ONU (Organização das Nações Unidas). Mas,
na urgência da década de 1920, as propostas de Wilson eram descarta-
das na postura isolacionista dos republicanos que comandavam o país.

Wilson declarou, em 1924, que não tinha dúvidas sobre o surgimento


de uma nova Guerra em escalas tão grandes como a Primeira já para a
próxima década. O historiador Hobsbawm mostra como o próprio conflito
– a Segunda Guerra Mundial – não pode ser entendido sem o estudo da
Crise e suas causas:
50 UNIUBE

sem ela [o crack] não teria havido Hitler. Quase


certamente não teria havido Roosevelt. É muito imprová-
vel que o sistema soviético tivesse sido encarado como
um sério rival econômico e uma alternativa possível ao
capitalismo mundial. (HOBSBAWM, 1994, p.91).

O mesmo historiador dá uma visão contrária às noções de progresso que


se opunham às teses comuns de que o Crack da Bolsa de Valores de
Nova York havia sido uma catástrofe que pegara a todos de surpresa. O
correto é que o capitalismo desmoronou e o sistema dava sinais claros
de que isso ocorreria. O boom da economia mundial, após o término da
guerra, parecia animador para os países que não foram tão afetados pelo
conflito. Governos, como os da América Latina e do Norte, viviam sob o
espectro de uma Revolução Socialista e o crescimento do movimento de
trabalhadores e os sindicatos.

Na Europa Central, o colapso econômico colocou a Alemanha de


joelhos, logo em 1923. Os franceses e ingleses conseguiram uma tímida
recuperação, após a segunda metade da década. Mas, com a Crise, logo,
declinaram suas economias.

2.2 A sociedade americana no período “entre guerras”

A euforia do pós-guerra atingia aos EUA como a poucos países no mundo


daquele período. Ter entrado somente no final do conflito, contribuin-
do decisivamente para a vitória da Entente ou emprestando vultosas
quantias à reconstrução dos países, deu aos norte-americanos a possibi-
lidade de assumir a ponta na liderança da economia mundial.

Essa furtiva ideia de liderança contrastava firmemente com a postura


conservadora dos presidentes republicanos Harding e Coolidge, que
sucederiam Wilson. Os republicanos protegeram o mercado interno
e isolaram os EUA dos assuntos políticos europeus, como se estes
não fossem contaminar os norte-americanos. A economia capitalista
era global, se expandia e, cada vez mais, se interligava em redes
imbricadas não fáceis de desembaraçar. Ainda assim, o isolacionismo
norte-americano parecia dar as costas a isso.
UNIUBE 51

O isolacionismo colocou os cidadãos norte-americanos em uma “redoma


de vidro”, uma espécie de bolha, que prometia não deixar os cidadãos se
ferirem com as contradições do mundo capitalista, em guerra permanente
e se segurando ante o internacionalismo da Revolução Comunista.

De certa forma, a economia norte-americana se promovia como sendo


das mais eficazes do mundo. Os índices mostravam que a renda per
capita crescia a porcentagens maiores que 20%. O progresso material
e o desenvolvimento da indústria permitiam à cultura yanke penetrar em
quase todos os países. A era do rádio, dos automóveis, das grandes
produções de Hollywood e do jazz cediam a falsa impressão aos
cidadãos de que a economia americana era indestrutível. Até o sonho
de que o sistema capitalista seria capaz de aniquilar as mazelas sociais
havia sido ventilado e, claramente, escondia as contradições do país.

Com toda a ideia de progresso que impulsionava a economia, a sociedade


americana repelia tudo que parecia diferente e ameaçador e expulsava
para longe toda a alternativa contrária que criticasse o processo de
desenvolvimento capitalista. Feria-se, assim, os sagrados princípios do
liberalismo que regia a Constituição dos EUA.

Quem mais sofria com essa intolerância eram as populações negras. O


retorno da Ku Klux Klan e a falta de repressão oficial a esses movimentos
corroborava o fato de que, atrás da prosperidade, havia bolsões de
pobreza absolutos.

Tratando um tanto mais sobre a questão da prosperidade, convém falar


sobre o rádio. Com ele, inicia-se uma nova era nas comunicações do mundo
inteiro. Certamente observado pelos governos de países tecnologicamente
mais desenvolvidos, o rádio parecia uma oportunidade clara para aproxi-
mar estes das populações. Da fala ao “pé do ouvido” de cada cidadão, ao
apelo, para a mobilização social no cumprimento de metas econômicas,
enfim Hobsbawm define que “sua capacidade de falar simultaneamente a
incontáveis milhões, cada um deles sentindo-se abordado como indivíduo,
transformava-o numa ferramenta inconcebivelmente poderosa de informa-
ção de massa.” (HOBSBAWM, 1994, p.194)

Mas, sua disseminação acabaria por ocorrer somente na década seguinte,


sem excluir seus efeitos imediatos. A popularização do jazz e o uso do
52 UNIUBE

som pelo cinema podem dar uma ideia da importância do rádio na vida
do norte-americano nas décadas de 20 e 30.

Valendo-se da persuasão, governos e publicitários estimulavam o consumo


das massas, os frenéticos impulsivos investimentos nos títulos e papéis
das empresas. Foi nessa atmosfera que a economia norte-americana se
tornou o “centro nervoso” do mundo.

AMPLIANDO O CONHECIMENTO

Surgido em New Orleans, no início do século XX, o jazz era o ritmo mais
tocado nas rádios e bares norte-americanos. O som frenético inventado
pelos músicos negros seria comercializado com a denominação de “discos
raciais”. Esse sucesso promoveu os músicos ao ingresso na poderosa
indústria cinematográfica com o primeiro filme sonoro, “O cantor de Jazz”,
de 1927, que trazia para os papéis principais atores brancos maquilados
de maneira estereotipada, para se parecerem com pessoas de pele negra.

A mulher, por sua vez, estava ocupando postos de importância na divisão


de trabalho. A era de ouro das produções de Hollywood intensificava
os investimentos na cidade de Los Angeles e fazia a roda do capital
girar. Era uma verdadeira revolução que acometia as relações culturais
promovendo uma transformação no comportamento direcionado para
o consumo. Com os meios de comunicação, os esportes poderiam ser
transmitidos, as grandes produções como as comédias dos irmãos Marx,
de Keaton e do gênio Chaplin (“Em busca do ouro” e “Luzes da Cidade”,
relacionam-se ao tema) ganhavam outros veículos de divulgação,
os espetáculos da Broadway eram aguardados com ansiedade após
seus elaborados anúncios e trechos escutados. Enfim, a sociedade
de consumo ganhava aspectos assustadoramente gigantescos após o
advento do rádio.

Outro aspecto a ser destacado é a intensificação do banditismo e da


mendicância nos grandes centros urbanos daquele período. O movimento
se beneficiava das condições criadas pelo capitalismo selvagem. A
corrupção atingia os altos cargos, o que permitia a maior penetração
dos movimentos de gângsteres e mafiosos.
UNIUBE 53

A implementação da Lei Seca, em 1920, reflete o avanço conservador


e como estas medidas, um tanto hipócritas, favoreceram os grupos que
se valiam da falsa moralidade republicana.

EXPLICANDO MELHOR

A Lei Seca proibia a comercialização de bebidas alcoólicas, sua fabricação e


exportação. Roosevelt revoga a lei em 1933, colocando fim à era de ouro dos
mafiosos no país.

A moralidade que pretendia limitar o avanço do liberalismo desenfreado


acabou por beneficiar grupos organizados, chefiados especialmente por
imigrantes. Resultado: uma outra medida, nova para a jovem história
da república americana, a lei que restringia a chegada de estrangeiros
na América, de 1921. A Estátua da Liberdade, que sempre pareceu um
convite, agora daria as costas aos novos habitantes da metrópole.

Gângsteres e mafiosos, em sua maioria descendentes de imigrantes irlande-


ses, italianos e judeus, fizeram fortuna, fama e entraram decisivamente no
ramo de negócios ilegais na América. Lavanderias, importadoras e cafés
serviam de fachada para a legalização dos fundos que habitualmente não
tinham lastro. Eram as regras do jogo, que os recém-chegados à América
aprenderiam para que os negócios prosperassem no país. O crescimento
da ilegalidade comprometia autoridades importantes no jogo de influências
e ascensão a cargos das carreiras legislativas e do executivo.

O advento de novos poderosos e fortunas movimentavam a economia e


alimentavam o ideário das pessoas que sonhavam com uma aposta milioná-
ria. A glamourização do crime na América escondia-se no absurdo dos aconte-
cimentos que pareciam inverossímeis: autoridades metralhadas, assassinatos,
corrupções, capas e noticiários de revistas e jornais. Porém, há que se destacar
as boas ações e o assistencialismo nos bairros de predominância de influência
das famílias. O comércio ilegal de bebidas ditava o caminho a ser percorrido
pelos criminosos nesta primeira etapa, e a cidade americana de Chicago, pela
proximidade com a fronteira canadense, tornou-se o quartel de um dos mais
famosos chefes do crime na história humana: Al Capone. Ele e tantos outros
pareciam dar o recado de que “na América, o crime compensa”.
54 UNIUBE

SAIBA MAIS

Alphonsus Gabriel Capone, simplesmente Al Capone como ficaria conhecido,


gângster ítalo-americano se dedicou ao ramo de comércio ilegal de bebidas,
além de controlar bancas de apostas, informantes e clubes noturnos. Sua
fortuna era incalculável, assim como o número de mortos sob seu mando, cerca
de 400. Foi preso em 1931, por evasão fiscal. Mas o comércio ilegal ainda
faria fortunas na América, com Bugsy Siegel e Meyer Lansky, e a fundação da
cidade do jogo, Las Vegas. Inúmeros são os filmes que retratam a ação desses
bandidos: Os Intocáveis, O Poderoso Chefão II, Bugsy, entre outros.

2.2.1 Economia no período “entre guerras”

O que talvez seja mais espantoso nos “Anos 20” era o fato de que tudo
parecia caminhar para a “normalidade”, como esperava o presidente
americano Warren C. Harding. Os padrões considerados de normalidade
econômica são da década anterior, mais precisamente antes da guerra,
nos motes de 1913 – 1914. Notavelmente nos EUA, a expansão da
produção e do consumo provocaram o formidável efeito da prosperidade
econômica.

A expansão do crédito foi outra medida que favoreceu o crescimento


econômico, sobretudo no setor de bens de consumo. Este último aliado,
a política de aumento real de salários, alimentou o desenvolvimento das
indústrias voltadas para este serviço. Combinando estes elementos com a
publicidade das rádios, cinemas e órgãos especializados em publicidade,
o boom acabou atingindo, também, as vendas de automóveis.

SAIBA MAIS

Converse com seus colegas e com seu(sua) preceptor(a) sobre isso.


Henry Ford foi dono da fábrica Ford Company de produção de carros.
Nas suas instalações, foi introduzido o método de montagem seriada,
mais conhecido como fordismo. O método permitiu a baixa nos custos de
produção e a consequente queda nos preços, promovendo consumo em
massa e barateamento na oferta. Além de baratear os custos, o método foi
UNIUBE 55

responsável pela alienação do trabalhador. Aplicados em outras indústrias,


o operário não sabia mais o que ele estava produzindo, mas somente que
era parte de alguma coisa que se uniria a outra, esvaziando a importância
de greves e outros meios de resistência contra os abusos dos patrões. Um
exemplo de como a prática se dá, pode ser conferido no filme de 1936, de
Charles Chaplin, Tempos Modernos.

Edifícios, carros circulando nas ruas, lojas e marcas explorando suas


possibilidades por meio da publicidade; os EUA eram a mais nova vedete
do mundo ocidental exemplificando como deveria ser a moderna civilização.
A face do mundo se transformara por completo. Os investimentos nos países
da América Latina e Europa ofereciam vigor aos empreendimentos norte-
-americanos no exterior e de fato as economias exportadoras dos países
latinos cresceram.

No ano do crack, os EUA eram responsáveis por quase metade da produção


industrial no mundo. Em consonância a isso, surgiram acordos que
permitiam os surgimentos das primeiras multinacionais. Assim era garantida
a expansão do lucro capitalista e os maiores beneficiados, ou pelo menos os
beneficiados imediatos, eram as empresas que se expandiam pelo mundo
numa escala jamais vista na história humana.

A “insistência americana em manter depois da guerra o mesmo ritmo de


produção alcançado durante o conflito” (ARRUDA, 2005, p. 23) parece
dar-nos pistas de onde nasceria o espírito da Crise. A recuperação da
indústria europeia indicava que o mercado interno não conseguiria dar
vazão a tudo que era produzido.

Algumas medidas teriam que ser tomadas enfrentando a relutância das


indústrias e dos proprietários de terras que não aceitaram de forma
alguma reduzir seus lucros. O capitalismo norte-americano deveria ser
sólido o suficiente para absorver os excedentes. A solução encontrada
pela produção agrícola era estocar os excedentes para que não se
desvalorizassem no mercado. Os custos do armazenamento e os juros
que os fazendeiros contraíam prognosticavam falência de muitos deles,
o poder se reduzia vislumbrando os futuros gastos com os pagamentos
de juros e da estocagem que era intermediada e, em muitos casos,
feita pelo governo. Semelhante a esconder um elefante branco em um
56 UNIUBE

quarto, a existência dos estoques deixou os proprietários em um beco


sem saída. Os preços caíam vertiginosamente quando confirmadas que
as produções de cereais – para citar um exemplo – estavam estocadas.
Fazendeiros faliam e a tragédia no campo se estendia. Observadores do
governo relatavam no Congresso o que assistiam no interior dos EUA,
longe do barulho das grandes cidades.

Eis algumas coisas que vi e ouvi. Alguns cidadãos de


Montana disseram que havia milhares de alqueires
de trigo abandonados nos campos porque seu baixo
preço mal dava para cobrir as despesas da colheita. Em
Oregon, vi milhares de alqueires de maçã apodrecendo
nos pomares. Somente as maçãs que eram absoluta-
mente perfeitas poderiam ser vendidas por 40 ou 50
centavos a caixa de duzentas maçãs. Ao mesmo tempo,
há milhões de crianças que, por causa da pobreza de
seus pais, não comerão maçã alguma neste inverno.
Enquanto estava em Oregon, o Portland Oregonian
lamentava o fato de milhares de ovelhas serem sacrifi-
cadas pelos criadores por não renderem no mercado
o suficiente para pagar seu transporte. Enquanto que
em Oregon os urubus comiam carnes de carneiro, vi
pessoas procurando restos de carne nas latas de lixo de
Nova York e Chicago. (Oscar Ameringer, In: MARQUES;
COLLART, 2000, p.35)

Os industriais se recusavam a reduzir a produção e reconhecer que


o governo realizava empréstimos aos países emergentes. Além de
divisas norte-americanas, as medidas permitiam que os mesmos países
conseguissem maquinário de origem norte-americana. No mercado
interno, a expansão de crédito aos assalariados visava conter o que
parecia ser o princípio de um abismo.

Os investidores compravam ações das empresas que supervalorizavam


seus papéis e anos mais tarde vendiam quando se davam por satisfeitos
com a alta. O economista John Galbraith explica que “Uma pessoa
interessada em fazer ganhos especulativos de seu capital deve vender
sua ações enquanto a cotação é elevada.” (GALBRAITH, In: MARQUES,
2005 p.158).

O aumento dos salários, se comparados ao crescimento da economia,


é irrisório. O tipo de capitalismo monopolista americano que favorecem
UNIUBE 57

as grandes corporações cresce até determinado ponto, mas, tende a


se retrair, gerando desemprego e estagnação nas oportunidades de
investimento. Arruda nos explica a natureza deste mecanismo com as
seguintes palavras:

O grande problema, portanto, nesse tipo de economia,


é que a concentração dos rendimentos conserva
a potencialidade de investimento, mas depois de um
certo tempo não há onde investir. Ocorre a redução
da margem de lucro, estagnando-se o processo de
acumulação se não houver possibilidades ilimitadas das
oportunidades de investimento. (ARRUDA, 2005, p. 25)

No ano de 1929, a crise dos excedentes se agravara. Tudo piorou considera-


velmente com a decisão do governo norte-americano em retirar as garantias
aos capitais investidos por empresários no exterior. Com a recuperação de
algumas indústrias europeias, as exportações de cereais e outros produtos
do gênero de primeira necessidade caíram. Os preços no mercado interno
pulverizaram-se e as propriedades foram hipotecadas para garantir o
pagamento das dívidas com os bancos, significando a falência de inúmeros
fazendeiros.

As indústrias diminuíram sua produção e, na lógica, o determinante destas


medidas era o desemprego imediato de uma grande massa de operários.
A falta imediata destes consumidores contrastava com a produção acumulada
de bens que obviamente não se destinaria aos milhares aumentando as filas
de distribuição de sopas.

Na Bolsa de Valores de Nova York, os acionistas se apressavam para


vender as ações ultrapassando em muito o número de vendedores em
relação ao número de compradores. A desvalorização dos papéis já
demonstrava que não era prudente esperar a valorização das ações. O
acionista que ainda conseguiu vendê-las mesmo obtendo prejuízo, poderia
fazer alguma coisa com o dinheiro na mão. Preços caindo vertiginosamen-
te amanheciam papéis sem valor algum, quando na noite anterior valiam
milhares de dólares. Galbraith demonstra que “numa sucessão de dias
terríveis (...) foram perdidos bilhões em valores, e milhares de especula-
dores – até então considerados investidores – ficaram total e irrecupera-
velmente arruinados.” (GALBRAITH, 1980, in: MARQUES, p. 159)
58 UNIUBE

Em 24 de outubro, a manhã viu nascer a “quinta-feira negra” que se resumia à


queda livre nos preços das ações. Sem exagero algum, milhões se reduziam
a pó. Houve uma sequência vertiginosa de declarações de falência.

SINTETIZANDO...

A lei de oferta e procura tornou-se desigual provocada pela superprodução


industrial aliada ao baixo poder de consumo para o número de excedentes,
assim as ações, que são produtos dos bancos e empresas, perderam
seu valor. Oferta de venda sem procura para compra ocasionou a rápida
desvalorização dos papéis.

No capítulo, Rumo ao abismo econômico, do livro Era dos Extremos,


o historiador Eric J. Hobsbawm explica que, no período “entre
guerras”, a economia mundial dependia flagrantemente dos EUA.
Como o dólar havia se tornado padrão de troca nas transações
comerciais, assim que se desvalorizaram os papéis, o dólar
não consegue acompanhar o volume de pagamentos que teria
no exterior. A crise, então, repercute no mundo, pois os países
que mantêm relações comerciais com os EUA tornaram-se
dependentes da moeda americana.

2.3 A Crise no mundo

A recuperação econômica de alguns países europeus ainda era tímida,


mas a França e a Inglaterra já não dependiam tanto das importações de
produtos norte-americanos. Contudo, por mais que os franceses e ingleses
pressionassem para que os prazos e valores dos empréstimos feitos
fossem respeitados, os bancos americanos se mostravam irredutíveis.

Apesar dos anos 1920 não terem sido de ouro para a Europa, o crack
da Bolsa de Valores em Nova York mostrou que a situação que era ruim
poderia piorar. Os EUA repatriaram os capitais investidos na Europa
falindo de imediato bancos do Leste até a França, refletindo na queda
das produções e em seus consecutivos fechamentos. Com a certeza
da Grande Depressão, os Estados no mundo inteiro faziam o possível
UNIUBE 59

para não desmoronarem. Em países onde a reconstrução já parecia uma


tarefa difícil demais, as medidas tomadas pelas autoridades deixaram as
populações e elites preparadas para uma nova ordem política.

Em anos anteriores à Depressão, a taxa de desempregados, em países


como França e Inglaterra, oscilava na casa dos 10% a 12%, em países
como Dinamarca e Noruega, as taxas esbarravam os 20%, como nos
informa Hobsbawm. As cifras tendem a provar que o preço da crise na
economia capitalista era pago pela população. Os salários baixaram
em aproximadamente 20%, os produtos agrícolas despencaram e as
terras foram hipotecadas pelos bancos. Arruda soma 14 milhões de
desempregados só nos EUA no ano de 1933.

Na periferia do capitalismo, a economia voltada para a exportação de


matérias-primas e produção agrícola sofria um forte abalo. Chá, trigo,
seda, café, arroz, açúcar, cacau, farinha, seus preços despencaram e,
com eles, as economias de Brasil, México, Argentina, Colômbia, Grécia,
os Bálcãs, Japão, China, Índia, entre tantas outras economias que
começavam a fazer parte da rede mundial de comércio, interligando
inúmeros países do mundo.

Com a Crise em curso, o desemprego passou a ser o pior fantasma que


assolava Grã-Bretanha, Suécia, EUA, Áustria, Noruega com a margem
entre 22% até 29% em alguns casos. Porém, o caso alemão parece o
mais trágico atingindo o topo de 44% da população (Hobsbawm, 1994, p.
97). Com isso, agravou-se ainda mais a situação, o auxílio desemprego
e a assistência social não eram oferecidos a grande parte da população
e, em alguns casos, nem sequer existia.

O único país livre dos efeitos econômicos dilacerantes da Crise de 1929


era a URSS. Os Planos Quinquenais (1929) davam a noção de que, rigoro-
samente, a economia soviética, apesar do primitivismo das transações
financeiras, não foi atingida pela avalanche da crise do modelo liberal.
E como citou Hobsbawm, após o crack é que o modelo soviético havia
sido encarado como um sério oponente ao sistema capitalista, estando
diametralmente sintonizado com a crise do modelo liberal-democrático. A
Internacional Comunista havia previsto uma nova avalanche de revoluções
pelo mundo quando a crise anunciada por Kondratiev se fizesse concreta.
Vacinadas, as direitas teriam de se organizar para impedi-la.
60 UNIUBE

Confirmando a tese, no primeiro ano da década de 1930, alguns países


latinos sofreram com o assalto ao poder pelos militares. Se as elites se
digladiavam ante a dúvida de quais medidas adotarem para combater a
crise e assistiam as organizações de esquerda aumentar suas perspecti-
vas de revolução, o Golpe Militar foi um oportuno respaldo de importantes
industriais, proprietários e oligarquias, retirando alguns países (Brasil,
Argentina) da rota da esquerda. Embora, outros tantos se tenham feito
populistas ou social-democratas, logo seriam varridos do poder.

A luta anticolonialista se intensificou na África e na Ásia. Valendo-se do


descuido e falta de reservas para manterem seus domínios ultramarinos,
era uma questão de tempo ou, como diria Mahatma Gandhi, a indepen-
dência (estendendo sua lógica para outros países) viria como uma maçã
madura cairia do pé.

Na Europa, formas de governo e estruturas políticas diferentes vinham


sendo arranjadas. Na Inglaterra, o trabalhismo e os social-democratas
suecos eram os novos inimigos do comunismo, mas a impressionante
virada para a extrema direita da Europa Ocidental fez medida ao que
chamaram alguns de o fim da era do Liberalismo. A ascensão dos regimes
fascistas demonstrou que as teorias clássicas do Liberalismo haviam se
esgotado como alternativa para se resolver a crise – assim, a alternativa
liberal burguesa teria terminado.

2.3.1 O combate à Crise

Não faltaram economistas seguidores da forma liberal clássica, capazes


de imaginar que a crise era passageira e que bastava aguardar para
que a economia se ajustasse. Nos EUA, as empresas faliam, os salários
baixavam, o índice de desemprego, que chegou aos 4% na década de
1920, atingia os 20%. Assim, o governo norte-americano de Hoover fazia
tímidas intervenções na economia. Elevação de tarifas alfandegárias,
descontos bancários e redução de juros para empresas mergulhadas no
vermelho eram as medidas mais importantes até o ano de 1933.

Quando o Partido Democrata lançou o nome de Franklin Delano Roosevelt


para concorrer à cadeira de presidente, a massa de desempregados e
agricultores, que exigiam reformas mais profundas, encontraram neste
UNIUBE 61

uma alternativa política. Eleito, Roosevelt colocou em prática reformas


audaciosas que viriam a se denominar de New Deal (Novo acordo ou
Nova Diretriz).

A nova política significou uma transformação nos moldes de participação


do Estado norte-americano na vida econômica. A intervenção na economia
representava o fim de uma política clássica no Liberalismo econômico.

Entre as medidas do New Deal, estão:

 o Sistema de Reservas Federal (FRS) estava autorizado a emprestar


créditos aos bancos;
 o ouro retornou a ser utilizado como padrão da moeda, substituindo
o dólar;
 criação de órgão federal para controle de empréstimos;
 garantias estendidas aos investidores;
 criação de fundos nos bancos para resguardar os investidores de
possíveis falências;
 banco de financiamento a empréstimos a outros países;
 financiamento às exportações;
 crédito para recuperação de bens hipotecados;
 subsídios para o seguro-desemprego;
 aumento de amparo aos desempregados;
 criação de postos de trabalho em indústrias e obras públicas;
 fixação de um salário mínimo;
 redução e fixação de jornada de trabalho;
 legalização dos sindicatos;
 ampliação da Previdência Social;
 impostos sobre bebidas;
 impostos sobre os lucros das empresas;
 programa de obras públicas estendido para atingir desempregados;
 indenização do Estado para compra de terras endividadas com os
bancos e credores;
 estabilização de preços agrícolas;
 incentivos na exportação e importação observando o mercado
externo.

As medidas não chegaram a ser uma intervenção a ponto de se ameaçar


o Liberalismo como nos casos dos países europeus, mas foram, sem
62 UNIUBE

sombra de dúvida, um divisor de águas na história norte-americana. A


intervenção na economia era somente dirigismo não permitindo oscilações,
o combate ao banditismo, a jogatina e especulações desenfreadas, o apoio
aos investidores e empresários, a recuperação paulatina de bancos e das
exportações etc. A singularidade das medidas tornou dentro da história
do país o mais audacioso investimento do governo de caráter interven-
cionista na vida social dos cidadãos. A longo prazo, elas superaram os
efeitos da Crise, mas não sem antes conhecer um oponente ideológico,
com aparência aliada, capaz de permitir dúvidas quanto à execução dos
planos econômicos em diante.

PARADA OBRIGATÓRIA

As causas da Crise de 1929 foram medidas em todo o mundo como pode


ser observado no texto até aqui. Mas ela não se restringiria somente ao
campo econômico. Logicamente, afetadas, as economias dos respectivos
países deveriam reformular sua política econômica, mas apenas sua
reformulação não acarretaria medidas suficientes para sanar a profundidade
da crise que havia agravado problemas e contradições de igual ou maior
importância. Soma-se a isso o fato de que talvez o único país do mundo a
não ser afetado era a URSS, impressionando com as cifras de crescimento
industrial refletindo no aumento real da qualidade de vida da população, ao
mesmo tempo em que aumentava a repressão aos dissidentes do regime.
A Europa Ocidental, composta de países fielmente liberais, ficou mercê
com as taxas galopantes de desemprego e inflação. Resistentes contra
a ameaça comunista, as direitas iriam se reestruturar e procuravam – já
obtendo algumas respostas – desde o fim da Primeira Guerra, novas formas
de organização social e política. O crack em Wall Street foi o estopim para
que essa busca cessasse.

2.4 A Ascensão dos Fascismos

Segundo Theodor W. Adorno, existe uma crença que já se tornou lugar


comum, de que o fascismo e o Nazismo foram o resultado de métodos
políticos atrelados a ditadores que ganharam fama quase demoníaca
na sociedade contemporânea. Colocar Hitler, Mussolini, e tantos outros
UNIUBE 63

em uma esfera sobre-humana é uma maneira de distanciar os fatos da


realidade, sendo o erro mais comum que se comete. Abordar o Fascismo
e o Nazismo como fenômenos vinculados a um contexto histórico, é
contribuir para que se veja o Entre-guerras com maior profundidade.

Aqui, a denominação Fascismo será atribuída aos governos de extrema-


direita que obtiveram ascensão, especialmente nas décadas de 1920 e
1930. O nome fascismo origina-se de uma expressão latina comum na
Roma Antiga, o fascio, que era precisamente um feixe de varas. Uma
vara somente é quebrada com facilidade, mas um feixe delas não é
partido sem que se use uma força extra-humana.

Assim, nota-se a adoção de um símbolo pertinente para uma ideologia


que pretende se impor insistindo em uma posição indivisível, una e total
de se estruturar a sociedade. Um símbolo que era usado historicamente
pela esquerda sofre uma expropriação por parte da direita. Desse modo,
algo que sintetizaria uma ideia de união e igualdade, toma um sentido
autoritário quando adotado pelos nacionalistas.

A partir da década de 1980, e com a abertura dos arquivos referentes ao


fascismo, surge um novo interesse sobre o tema. A partir daí, podem ser
observadas análises que relacionam o fascismo como uma possibilidade
dentro da sociedade de massas e, por isso mesmo, seu estudo se tornou
tão importante para as décadas atuais. O afastamento da Espanha,
Portugal e Japão das classificações como governos fascistas impõe os
interesses da historiografia norte-americana que se vinculava ao contexto
da Guerra Fria.

Podemos enumerar como características do Fascismo:


 monopolização do aparelho político;
 sistema único de Partido representado pelo líder ou chefe (Führer,
Duce);
 culto ao chefe;
 dias de comemoração em honra às datas da pátria e do chefe da nação;
 identificação do indivíduo com a coletividade;
 desprezo pelos valores individuais;
 mobilização das massas, com os encontros no calendário (aniversá-
rio do chefe e das ações militares);
64 UNIUBE

 esforços das massas para que os cidadãos cumpram as metas


econômicas do Estado;
 criminalização das oposições;
 eliminação sistemática dos opositores;
 uso extremo de truculência para eliminar as minorias;
 uso constante do aparelho de comunicação para atingir as massas;
 controle de informações;
 intervenção do Estado na economia;
 intervenção do Estado em todos os aspectos.

Em especial, nota-se quase que, na totalidade, estes mecanismos, quando


identificamos o fenômeno do Fascismo nos países europeus da década
de 1930. Algumas características aparecem timidamente em certas
regiões onde os Estados totalitários se formaram. No caso alemão, Bobbio
argumenta que é preciso se acrescentar um forte grau de antissemitismo,
sobre o qual aprofundaremos em seguida.

2.4.1 O fascismo na Itália

Em 1917, o poeta italiano Marinetti usa o símbolo dos feixes para um


movimento político italiano que giraria em torno da liderança de Benito
Mussolini. Com ativa participação na Primeira Guerra Mundial, o ditador,
filho de um ferreiro e uma professora primária, começa a trilhar seu
caminho político por intermédio do socialismo. Colaborou com o jornal
de esquerda Avanti e, durante a Grande Guerra, defendia o apoio
dos italianos ao bloco aliado, isto no jornal Popolo d’Itália, sendo dele
expulso. Posteriormente, lutaria no front contra a Alemanha, recebendo
apoio dos aliados em suas empreitadas jornalísticas. Ainda no conflito,
Mussolini já se utilizava dos meios de comunicação para conseguir mais
popularidade. Mantinha um boletim de rádio por meio do qual emitia
notícias do front, arriscando-se inclusive, além de imprimir na memória
política do povo italiano sua capacidade notável de oratória. Ainda nos
anos de guerra, o futuro ditador foi expulso do Partido Socialista Italiano.

Em 1919, funda o Fasci Italiani di Combati (Esquadrões de Combate),


organização que deu a origem ao Partido Fascista, apesar do discurso
falsamente socialista. A população arruinada com os efeitos da guerra
começa a aderir e reconhecer o discurso popular dos eventos e das
UNIUBE 65

propostas do partido. Os quadros do Partido aumentam consideravelmente


e, em 1921, Mussolini é eleito deputado, quando surge também o Partido.

Com a situação econômica lamentável pela qual a Itália passava, os


Esquadrões de Combate tinham um largo campo de atuação. Conhecidos
como os Camisas Negras, os Fasci, unidos como os feixes, procuravam
assustar as minorias e oposições no campo e nas cidades. O grupo
aumentava cada vez mais com a adesão dos jovens e da atuação
permissiva do governo italiano.

Com Mussolini na câmara, perseguindo e atacando os opositores, o


crescimento do seu Partido Fascista e a ação nas ruas dos camisas
negras, o Rei Vitor Emanuel III estava em uma situação desconfortável.
Os socialistas cresciam e os fascistas ganhavam força, cada vez mais.
Com a oposição de grande parte do Parlamento, a situação piorava
quando os índices de desemprego, más colheitas e inflação aumentavam.

Com a propagação dos ideais marxistas pela Europa Ocidental, após a


escalada ao poder pelos socialistas na Revolução Bolchevique, os anos
seguintes tornam-se decisivos para a ascensão de Mussolini na Itália.

Em 1922, foi organizada a Marcha sobre Roma. Ao lado das principais


lideranças políticas do fascismo, como o político e aviador Ítalo Balbo –
um dos pilares do fascismo na caça aos comunistas – Benito Mussolini
respaldado por, aproximadamente, 50 mil pessoas se dirigem ao Rei e
praticamente o cercam numa clara ofensiva com todas as características
de um Golpe de Estado.

Pressionado e enfraquecido, Vitor Emanuel III não encontrou alternativas


a não ser oferecer o poder a Mussolini, permitindo que ele formasse o
governo. O cargo de Primeiro Ministro ficaria com o futuro Duce. Enquanto
isso, ele formava o novo governo fascista, que logo iniciaria a perseguição
aos comunistas com mão-de-ferro, batendo os adversários com o terror e a
truculência própria da facção política em questão. Assim, Mussolini demons-
trava clara pretensão antidemocrática, ao iniciar seu governo pautando suas
decisões na mobilização das massas contra uma grande parte que incomo-
dava, as esquerdas, os marxistas e o Partido Comunista Italiano.
66 UNIUBE

Amadeo Bordiga e Antônio Gramsci eram os principais responsáveis


pela fundação do Partido Comunista Italiano (PCI). O primeiro criticava
abertamente algumas características do governo Bolchevique de Lênin,
e este retrucava. Embora não percebessem o potencial de agregação
das massas que o fascismo tinha, os comunistas apenas o consideravam
como uma reação da direita, o que de fato chegava a ser uma tese plausí-
vel. Porém, era mais do que isso e, em 1922, quando Gramsci estava na
URSS, os fascistas estendiam seus braços sobre a terra italiana.

Com discordâncias sobre a política do Partido, os comunistas logo se dividi-


ram com as disputas na União Soviética entre Trotski e Stálin. Acusado
de trotskismo, Bordiga foi expulso do PCI, em 1930, e, antes, em 1926,
deixaria a Internacional Comunista (Komintern).

Na Itália, os comunistas denunciaram as fraudes nas eleições parlamen-


tares em 1924. O deputado Giacomo Matteotti reuniu as provas da falsifi-
cação que havia beneficiado o Partido Fascista. Este logo conheceu a
truculência dos camisas negras. Ao denunciar suas ações violentas no
campo e nas cidades, Matteotti foi assassinado por eles.

No mesmo ano do insucesso de Bordiga na Internacional e da sua substi-


tuição por Togliatti, o PCI perdia outra importante liderança. O intelectual
Antônio Gramsci foi preso (1926) e, no ano seguinte, condenado a vinte
anos de prisão, sendo libertado, em 1934, falecendo anos depois devido
a problemas de saúde graves contraídos na época de sua detenção.
Mussolini havia chegado a declarar que desejava fazer Gramsci parar de
pensar, demonstrando sua influência ao comunismo em escala mundial.

As obras de Antonio Gramsci, intelectual marxista, constituem


uma das mais valiosas contribuições filosóficas do século XX.
“Os cadernos do cárcere escritos quando esteve detido, repensa
a análise marxista, afirmando que o combate contra a ordem
burguesa deveria se dar também no campo da superestrutura,
ou seja, das ideias.

Contando com a burguesia local e industriais temerosos com os movimen-


tos sociais na Itália, o ditador italiano ganhava apoio irrestrito a cada ano
que se passava e a cada sucesso dos camisas negras contra os comunis-
UNIUBE 67

tas. O crescimento da Fiat e de outras indústrias demonstravam o cresci-


mento do apoio que Mussolini obtinha das antigas forças de direita que
sempre comandaram o país.

Com o sucesso da fraude, antes denunciada por Matteotti, o Partido Fascista


ganhava maioria no Parlamento entregando ao Primeiro Ministro poderes
absolutos. Em 1925, assume o título de Duce, líder supremo, condutor das
massas, chefe e guia da nação italiana. Com o devido respaldo da burguesia,
o Duce ainda daria total apoio à extensão da OVRA (polícia política italiana) e a
perseguição absoluta dos opositores.

Depois de sofrer tentativas de assassinato, o Parlamento seria fechado,


os órgãos de imprensa controlados, fazendo com que os jornais de
esquerda passassem à clandestinidade. O ataque fascista ao caráter
benevolente dos parlamentos ganhava em teoria e se fazia na prática
com a substituição por outros órgãos atrelados ao Estado. Assim, são
criados instrumentos de direção para a política educacional. Até mesmo
o físico dos cidadãos eram pensados e teorizados exaltando a força, a
virilidade e a altivez do combatente da nova sociedade.

Em 1929, o Estado fascista se faria completo com a educação, a moral


e o civismo. A religião viria para preencher os espaços entre todos os
elementos. Os importantes sociais democratas ligados à Igreja Católica
haviam sido dispersados em partidos e movimentos populares, somente
o Fascismo conseguiria que estes mesmos não se tornassem uma facção
poderosa de agregação popular. O que não pode estar fora do Estado se
integra a ele. No dia 11 de fevereiro daquele ano, Mussolini dá autonomia
ao Estado do Vaticano, permitindo seu funcionamento, recompondo sua
importância para os compatriotas desde que tinha se perdido após a
Unificação e nas políticas de retaliação que seguiram a desarticulação
do poder Papal no país. Era o Tratado de Latrão. Essa ligação seria
articulada tendo como base o corporativismo inerente ao regime italiano,
mas Hobsbawm ainda explica que:

o que ligava a Igreja não só a reacionários anacrônicos


mas aos fascistas era um ódio comum pelo Iluminismo
do século XVIII, pela Revolução Francesa e por tudo o
que na sua opinião derivava: democracia, liberalismo
e, claro, mais marcadamente, o “comunismo ateu”.
(HOBSBAWM, 1994, p.118).
68 UNIUBE

Com as articulações políticas em curso durante os anos finais da década


de 1920, não resta dúvidas de que a influência de Mussolini na políti-
ca europeia cresceria também. A resistência ao seu governo diminuía,
embora nunca cessara, principalmente por parte dos militantes comunis-
tas na Europa e de alguns intelectuais de esquerda. Mas o golpe decisivo
que amarraria os fascistas provocando uma simbiose com o poder seria
a Carta del Lavoro (Carta do Trabalho). Esta mesma daria origem a
diversas legislações trabalhistas pelo mundo.

Promulgada em 1927, a Carta del Lavoro fixou a linha de conduta social


do governo fascista. Em linhas gerais, ela regulamentava a relação
entre os trabalhadores, os proprietários das fábricas e o Estado. Tanto
operários como patrões faziam parte do interesse comum, o da nação,
e deviam seguir as orientações do chefe. Assim ficavam todos sob a
égide do Estado. “Tudo pelo Estado, nada fora do Estado, nada contra o
Estado”, assim proclamara, com suas próprias palavras, Benito Mussolini.

REGISTRANDO

Vale o registro que algumas máximas conhecidas são de autoria de Mussolini,


além da citada anteriormente estão outros slogans que sintetizam o caráter
do regime fascista. “Acredita! Obedece! Luta!” e “Mais vale viver um dia de
Leão que cem anos de cordeiro.” Também “é mais fácil convencer uma grande
massa que uma só pessoa.” Entre outras que personificam o estilo de seus
discursos inflamados.

Em uma jogada hábil do Partido Nacional Fascista, a Carta do Trabalho


colocava industriais e proprietários de terra em conluio com seus emprega-
dos, amarrando-os sob o constante controle corporativo. Desse modo, as
relações e lutas entre as classes seriam harmonizadas pelo método da
coerção, seriam compostos a ética e os fundamentos da política social que
norteiam o fascismo, sua ideia e sua organização social seriam, assim,
documento inspirador dos futuros regimes fascistas, totalitários, ou populistas.

Alguns juristas e historiadores ainda discutem a formação da Carta como


uma resposta à dialética do marxismo de sobreposição das classes e da
lógica materialista da revolução. Isso e ra uma tentativa de estabelecer
UNIUBE 69

uma terceira via, por meio da força e com base no corporativismo. No


que estava exposto no documento proposto pelo Gran Consiglio Fascista,
não havia grandes alterações quanto aos predicados e suas propostas
defendidas em parlamento e mesmo na prática das ruas. Tais respostas
trouxeram contudo inovações na legislação do trabalho, mas estas pouco
alteravam a relação de desenvolvimento claro que o fascismo obtinha
como linha de conduta para o capitalismo.

PESQUISANDO NA WEB

Nos endereços eletrônicos a seguir, você poderá encontrar a “Carta del


Lavoro”, texto integral no português; e a Revista de História da Biblioteca
Nacional traz as estratégias que tentavam manter os imigrantes italianos do
Brasil vinculados ao fascismo.
<http://www.arquivos.fir.br/disciplinas/001TRA8_cartalavoro.pdf>
<http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=609>

2.4.2 A ascensão do Nazismo na Alemanha

O período “entre guerras” não foi tão duro para a maioria dos outros
países, se estabelecermos como padrão a Alemanha. Nenhum outro
país europeu conheceu miséria e fome na mesma proporção em que
essas dificuldades apareceram para os alemães. A humilhação diante
das outras nações pesou muito mais no orgulho do povo germânico.

A República de Weimar, sob o comando de von Hindenburg, passaria


momentos da mais pura miséria e caos na década seguinte à guerra. O
Tratado de Versalhes impôs condições e punições severas aos alemães.
Grande parte dos militares do país havia sido detida e a desorganização
política era reflexo das condições indignas às quais os alemães foram
submetidos.

A economia do país acusava a impossibilidade que fora imposta à


Alemanha de se reorganizar e se estabelecer novamente como um país
forte. Parecia que cada linha do documento composto em Versalhes
era designada para ferir e pisar na dignidade e no nacionalismo – tão
sagrados aos alemães. Estabelecendo uma noção concreta pela frieza
70 UNIUBE

dos números, no ano de 1923, a moeda alemã chegou a zerar. A inflação


agigantava-se, aproximando-se da casa dos 17000%, os especuladores,
em especial, lucravam com os empréstimos (sobretudo, americanos)
para pagar as pesadas indenizações de guerra.

Por conta de uma política externa desastrosa aliada à política econômi-


ca de igual valor, restava à população trabalhadora o temível fantasma do
desemprego. Enquanto que em outros países europeus a taxa de desempre-
go girava em torno de 20%, na Alemanha do ano da Quebra da Bolsa de
Nova York, em 1929, estava em torno de 44%. Tanto o Partido Comunista
alemão quanto o Partido Nazista aumentavam o número de adeptos.

A fome era resultado da falta de emprego e, como Ingmar Bergman


mesmo demonstra em seu filme O ovo da Serpente, alguns indivíduos
vendiam carne de animais nas ruas. Grande parte dos alimentos que eram
importados dos excedentes americanos acrescia a dívida de guerra, ainda
a grave situação social era acrescida com a Grande Depressão que:

obrigou os governos ocidentais a dar às considerações


sociais prioridade sobre as economias em suas políticas
de Estado. Os perigos implícitos em não fazer isso –
radicalização de esquerda e, como na Alemanha
e outros países agora o provavam, da direita – eram
demasiado ameaçadoras. (HOBSBAWM, 1994, p.99).

A falta de seguridade social e amparo ao trabalhador empurravam


os desempregados às filas de distribuição de sopa aos partidos que
prometiam uma nova política social.

Foi sobre o início dessa vontade manifestada que se ergueram as proposi-


ções para a recuperação da nação alemã. Com a Crise gerada pela
ocupação francesa do Ruhr (1923), o chanceler Stresemann defendia
que a República deveria seguir por um caminho de negociações com os
aliados. Comunistas e nacionalistas extremos se enfureceram. Unindo-
-se à direita bávara, Hitler e o recém-fundado (1920) Partido Nacional
Socialista dos Trabalhadores Alemães estabeleceram os planos de um
golpe de Estado e marcharam para Berlim. Nos moldes da Marcha sobre
Roma, quando Mussolini obteve sucesso, imaginavam que o Presidente
Hindenburg não teria forças para resistir e seria obrigado a compor um
governo com a extrema direita nacionalista. A República, então, declarou
UNIUBE 71

que não toleraria nenhuma revolta estabelecendo um confronto. Assim,


os marchantes declararam que o governo provisório estava deposto e
publicaram o informativo antes da tentativa de Golpe ser concretizada.

Em 8 de novembro de 1923, Hitler atacou e cercou uma cervejaria de


Munique, onde estavam reunidos parte importante do governo alemão.
O conhecido Putsch da cervejaria (golpe) caminhava para o fracasso à
medida em que as negociações com os vencidos naufragava. Em uma
reação da República, as tropas de elite da SA (Sessões de Assalto) se
uniram a policiais do Estado e abriram fogo contra aproximadamente
3000 nazistas que cercavam o local onde estavam reunidos o governo
que negociava com o cabo austríaco e os representantes oficiais da
República. Hermann Göring estava presente e emprestava seu prestígio
ao golpe, sendo ferido no tiroteio. Hitler ainda conseguiu fugir.

Preso, o futuro chanceler alemão não conseguiu sucesso na sua primeira


escalada ao poder, mas longe de ser infrutífera. O Putsch levara os
nazistas às manchetes de jornais em todo o mundo e, logicamente,
dentro da Alemanha, os ‘nazis’ (abreviação de nacionais socialistas)
ganharam maioridade, destacando o crescimento partidário que disputava
de igual para igual com o aumento do Partido Comunista Alemão. A
pena que impetraram a Hitler foi leve, e ele desfrutava do conforto da
prisão domiciliar. Assumindo toda a culpa, ele ganhara a admiração dos
partidários promovendo a rápida representação dos membros nazistas
no parlamento a partir da segunda metade da década de 1920.

Nos anos seguintes da condenação, o Partido procurou formar alianças


e buscou seu próprio reagrupamento. Nas eleições da República antes
da Crise, os nazistas faziam seus primeiros parlamentares eleitos.

Dessa maneira, os nazistas ficaram conhecidos na Europa como uma


forte organização política nascida do caos dos loucos anos 20. E trilhando
o mesmo caminho da extrema direita italiana, prometiam crescer. O
estopim para a estabilização dos nazistas na política alemã ocorreu com
a Grande Depressão que assolou o mundo inteiro depois da Quebra da
Bolsa de Nova York, em 1929.

Desestimulados e um berço de agitações sociais e políticas, a Alemanha


conseguiu um número absurdo de mais de 6 milhões de desempregados.
72 UNIUBE

As falências de pequenas empresas, médias e grandes eram sucessivas


e os capitais de investidores norte-americanos faziam o caminho de volta
no Atlântico.

Um problema que a direita não conseguia superar era o crescimento do


Partido Comunista Alemão (KPD – Kummunistische Partei Detschlands).
Nascido no interior da Primeira Guerra Mundial, foi uma consequência da
ação da Liga Espartaquista. Rosa de Luxemburgo e Karl Liebknecht eram
os principais intelectuais de esquerda que defendiam o fim da guerra
imperialista, que nada tinha com os interesses dos operários alemães.
Vladimir Lênin olhava com esperanças para o movimento marxista dos
espartaquistas, pois acreditava que a Revolução Socialista eclodiria na
Alemanha e salvaria a Rússia das limitações que sofria no pós-guerra.

O referido movimento dava lugar para a criação do KPD. Este mesmo


sofreria influência de Rosa quanto à orientação. Ela logo discordaria
das direções tomadas pelo Partido e pelo controle que era exercido
sobre o proletariado. Uma clara extensão das atividades políticas dos
bolchevistas que tomaram a frente na revolução na Rússia e, agora que
ela prometia ser internacionalizada, os alemães adotariam as fórmulas
do sucesso e tentariam aplicá-la no país.

Em 1919, a Revolução Espartaquista, assim denominada, porém chefia-


da pelo KPD, foi iniciada em Berlim. Arquitetado e iniciado sem que Rosa
soubesse, a revolução comunista na Alemanha naufragou. Os Freikorps
(milícia de direita formada por veteranos da Primeira Guerra), defendendo
a República de Weimar, cessaram os esforços dos revolucionários. Rosa
Luxemburgo e Karl Liebknecht foram presos, após longas tentativas de
busca. A intelectual polaco-alemã era contra a tentativa de golpe naquele
momento.

Como os dois revolucionários acabaram capturados e mortos pelo


governo social-democrata, o poeta alemão Bertolt Brecht escreveu no
epitáfio do memorial de Rosa:

Aqui jaz
Rosa Luxemburgo,
Judia da Polônia.
Vanguarda dos operários alemães.
UNIUBE 73

Morta por ordem dos opressores.


Oprimidos, enterrai vossas desavenças!

SAIBA MAIS

Os intelectuais alemães sempre constituíram uma forte corrente de resistên-


cia contra a ordem estabelecida no país e, em muitos casos, influenciaram
as artes no mundo com o Expressionismo, movimento que se renovaria
após a Primeira Guerra Mundial. Além do dramaturgo Bertolt Brecht, as
letras contavam com o talento do poeta Rainer M. Rilke, a música de Kurt
Weill e as construções de Gropius. O pintor Paul Klee exilou-se a exemplo
de Brecht e Thomas Mann quando os nazistas chegaram ao poder. Os
filósofos da Escola de Frankfurt foram perseguidos. Também se exilam nos
EUA, os cineastas Fritz Lang e Pabst. Kirchner viu seus quadros serem
ridicularizados. Na ideia do Partido, o expressionismo era um movimento que
distorcia a realidade, decadente e corrompido pelo “bolchevismo cultural”.
Enquanto isso, o Futurismo e as antigas artes greco-romanas eram reveren-
ciados pelos fascistas e pela autoridade máxima da propaganda do Partido,
Goebbels, por exprimirem “pureza”, força, virilidade, e exaltação à guerra.

O KPD ainda sofreria divisões no decorrer da década, mas nunca deixou


de existir o movimento comunista em sua forma de partido organizado na
Alemanha. Quando do crescimento da direita e dos nazistas na década
da Crise, Weber afirma que o Partido Comunista havia crescido mais nos
últimos meses que o Partido Nazista, antes deste último chegar ao poder
em 1933 (WEBER, In: Hobsbawm, 1994, p. 98).

Esse cenário demonstra que se acirrava a disputa entre comunistas e a


extrema direita nacionalista nas cadeiras do parlamento. Com a delicada
situação governista, as empresas alemãs ampliaram seu apoio aos
nazistas. Hitler, que havia ficado detido até 1924, escreveu, neste tempo,
e publicou, no ano seguinte, o livro Mein Kampf (Minha Luta). Por meio
de uma narrativa autobiográfica, ele descreve a trajetória como cabo na
Primeira Guerra Mundial, sua juventude, a criação do Partido Nazista e,
principalmente, sobre sua tentativa de escalada ao poder, frustrada em
1923. Mas a importância que o livro adquire para os nazistas estava na
exposição de suas ideias políticas.
74 UNIUBE

Alguns historiadores defendem o fato de que o nazismo se espelhou no


fascismo italiano e nos caminhos percorridos por Mussolini. Mas a pretensão
de Hitler difere de qualquer fenômeno político das duas décadas em que o
nazismo se fez presente no poder do país. A pretensa superioridade racial
dos arianos diante de todos os povos do mundo justificaria todas as injusti-
ças contra as minorias residentes em território alemão e fora dele. Os povos
judaicos estavam no alvo dos nazistas, relacionando-os com o Comunismo,
os dois maiores males da sociedade da época e responsáveis pela diminui-
ção da pátria alemã em migalhas, segundo argumentam. O Liberalismo e
o Comunismo pagariam a penúria pela qual o país atravessava, a extinção
destes como estruturas políticas criadas pelo judaísmo internacional seriam
varridas da Terra quando os povos germânicos tomassem conhecimento de
seu papel na vanguarda do mundo.

Nas eleições de 1930 e de 1932, o Partido Nazista recebe ampla votação


sendo o segundo mais votado na primeira delas e logo, após, conquistan-
do o maior número de votos em cadeiras no Parlamento. Essa votação
expressiva se justifica pelos novos membros parlamentares e pela crise
de desemprego que atravessava o país, além de rumores de que os
comunistas teriam um plano para tomar o poder. O plano de retomada
dos movimentos revolucionários socialistas dentro da Alemanha nunca
ocorreu com precisão e, ao contrário do que alardeavam seus adversários,
não havia uma ligação entre os soviéticos e uma tentativa de golpe no
país. Mas, como foi citado anteriormente, com a crise, o Partido Comunis-
ta crescera, sim, em números maiores que os nazistas, porém, não em
organização e noção prática para a tomada de poder.

Dessa maneira, o presidente von Hindenburg nomeou Adolf Hitler – o


antigo cabo que, segundo ele, era grosseiro demais para o cargo – para
exercer a função de Primeiro Ministro. Como chefe do governo do país
em janeiro de 1933, Hitler teria um mês até lançar seu golpe contra seus
principais adversários, os comunistas.

Os comunistas foram considerados culpados no incêndio do Reichstag


(Parlamento alemão). A polícia nazista cuidaria de todas as provas falsas
para os incriminarem, era o crescimento da SS Gestapo, como milícia
que suplantaria as SA’s da República de Weimar. Quando Hitler soube do
ocorrido, proferiu em seguida: “Trata-se de um sinal de Deus. Ninguém
UNIUBE 75

mais pode nos impedir de esmagar os comunistas com um só golpe.”


(HITLER In: BUTLER, 2008, p.13)

Seguiu-se, assim, a cassação do Partido Comunista e sua ilegitimidade


acompanhada da caça aos simpatizantes e partidários. A falsificação do
atentado nunca chegara a uma resolução clara e única, mas todos os
indícios apontam para um evento coordenado pelas milícias nazistas. O
saldo claro seria de ilimitados poderes ao chanceler como no trecho de
Butler, a seguir, demonstra:

a eleição tinha dado aos nazistas cerca de 288 cadeiras


e para seus aliados nacionalistas mais 52. Juntos
os dois partidos tinham ganho mais da metade dos
votos e, depois de os comunistas terem sido banidos,
acusados do incêndio do Reichstag, os nazistas possuí-
am uma clara maioria. (...) Com a maioria de dois-terços
necessária, os representantes nazistas e Naciona-
listas forjaram o Ato de Permissão, que deu a Hitler
plenos poderes ditatoriais sem nenhuma referência ao
Reichstag. (...) Em cinco curtos parágrafos, o poder da
legislação, aprovação de tratados com outros Estados
e a criação de emendas para a Constituição passariam
longe do Parlamento e foram entregues ao gabinete do
Reich. (BUTLER, 2008, p.24).

O estabelecimento do poder total e a transferência de todos os assuntos


do Reich ao gabinete do chanceler entregava a Hitler e à política nazista
os instrumentos legais que formaram a ditadura na Alemanha. O Terceiro
Reich, agora, tinha um líder “para a proteção do povo”, que cuidaria de
todos os assuntos e destituiria os poderes corrompidos pela democracia
liberal, responsabilizados por anos de humilhação dos arianos, pela crise,
pelo desemprego e pelo triunfo do comunismo.

A eliminação dos opositores, o fechamento de jornais, o cerceamento das


atividades democráticas, por intermédio da Gestapo, e a intensa campanha
armamentista prevendo a quebra dos tratados do pós-guerra estabele-
ceram o desarmamento da Alemanha. A perseguição política cedia lugar
para o objetivo de afirmação da raça ariana e a eliminação sistemática
dos judeus. O processo de nazificação da sociedade alemã, que já havia
começado desde o fortalecimento do Partido, adquiriu formas colossais
pela instrumentalização da propaganda e dos meios de comunicação,
como o cinema alemão.
76 UNIUBE

Hitler tinha caminho livre e enxergava um futuro milenar para o Terceiro


Reich. Da forma que foram afastadas, as oposições já não faziam mais
tanto barulho. Os esforços agora seriam para expandir o império alemão.
O caminho trilhado pela ascensão do Nazismo foi desde o início pautado
pela imposição de condições injustas à Alemanha e “fruto da crise por que
passava o mundo capitalista” (LENHARO, 1986, p.11) e, na medida em
que crescia esse fenômeno político na Alemanha, as democracias liberais
enfraqueciam-se nas regiões aonde sempre tiveram influências incontes-
táveis, repercutindo ainda mais no prodígio da escalada nazista no país.

IMPORTANTE!

Embora os nazistas não fossem os únicos grupos a professarem o antisse-


mitismo no mundo, sem dúvida que a forma objetiva com a qual o faziam era
fator divisor entre o caso alemão e os demais. Muitos advogam que a diferen-
ça alemã com o regime italiano era o antissemitismo descomedido e mesmo
Mussolini alertou Hitler sobre os exageros com relação à política racial, especial-
mente contra judeus.

2.4.3 O Franquismo e outros regimes totalitários

O fenômeno do Totalitarismo aparecia em diversos países assolados pela


Grande Depressão. Com economias atreladas a uma pequena globali-
zação no entrelaçamento de redes comerciais, a crise veio a provocar o
desmantelamento da ordem estabelecida nestes países. Embora a palavra
“ordem” muitas vezes esconda suas contradições políticas e sociais, todos
os países envolvidos diretamente na crise tiveram de reestruturar suas
economias adotando novas ordens políticas e, como no caso alemão,
retornando ao prestígio dos antigos impérios.

Uma coisa se faz clara, as economias destes países ficaram órfãs diante
da Quebra da Bolsa e da queda do liberalismo clássico em que se agarra-
vam com furor contra o “perigo vermelho”. O espectro do comunismo ainda
assolava as burguesias europeias e, agora nos anos 30, pareciam mais
temerosas diante do boom com o qual o socialismo desfrutava no mundo.
Os principais intelectuais defendiam ou eram simpatizantes do comunismo.
Filósofos e escritores trabalhavam as teorias marxistas para que elas não
UNIUBE 77

caíssem no atraso promovido pelo desenvolvimento histórico. No cinema,


as telas eram invadidas pelos filmes de Hollywood, mas todos sabiam –
inclusive os americanos – que os experimentos soviéticos na sétima arte
influenciavam mais os realizadores que qualquer filme de propaganda
liberal ou fascista. Nas ruas e nos parlamentos da grande maioria dos
países, a representação dos partidos comunistas crescia assustadoramen-
te fazendo crer que, em alguns lugares, como na França, o poder acabaria
por ser compartilhado com operários.

Para os burgueses, o privilégio vivido nos anos de guerra parecia ter chegado
ao fim. Os “loucos anos 20” pareceram tão frenéticos que consumiam a
última fagulha de felicidade dos liberais. E os povos que resistiam cada vez
mais prometiam participar decisivamente dos governos na próxima década
para que não ocorressem mais desgraças como a catástrofe da Crise.

As inúmeras facções políticas nos grupos de direita nunca tiveram


evidente desagregação contra o que era considerado o inimigo comum,
os comunistas. Por mais que discordassem quanto à política econômica,
à estrutura social e etc, sempre se agregaram quando a esquerda
marxista ameaça os poderes constituídos.

Na Espanha dos Bourbons, os governos monárquicos eram flagrante-


mente atrasados quanto à industrialização e à política econômica em
relação ao resto da Europa Ocidental. No governo, liberais e conserva-
dores apoiavam as decisões impopulares do governo. Sem participa-
ção oficial, porém, atuantes, estavam os republicanos e os socialistas.
Juntamente com estes, apareciam os separatistas ainda atuantes no
século XXI. Em Barcelona, várias greves foram registradas quando da
entrada da década de 1920. Tanto a UGT (União Central dos Trabalha-
dores) e a CNT (Confederação Nacional do Trabalho), que eram organi-
zações partidárias de caráter revolucionário, apoiam o crescimento
da atuação dos sindicatos e dos movimentos anarquistas. O método
usado, assassinatos dos principais líderes dos movimentos pela ditadura
do General Primo de Rivera, acabam não surtindo o efeito esperado,
aumentando a crise política no país e fortalecendo os republicanos.

No início da década de 1930, o governo de Rivera, que já havia destituído


o Parlamento anteriormente, chega ao auge da crise. Sem sustentação
política e com o desenvolvimento industrial e econômico comprometido
78 UNIUBE

pela Grande Depressão, Rivera renuncia. Os republicanos saem vitoriosos


nas eleições de 1931 na maioria das cidades e, apesar de o Rei Alfonso
XIII ter conseguido restabelecer a monarquia constitucional, os movimentos
separatistas ganharam nas eleições fortes aliados à causa.

Com o clima político caminhando para um conflito de separação das provín-


cias, o rei abdica do trono e é proclamada a República. A autonomia preten-
dente pelas regiões separatistas encontra dificuldades no jogo político da
república e não avança esbarrando em questões seculares. Os latifundiá-
rios conseguiam subordinar uma massa de camponeses. O controle das
terras passava por sua detentora de posses, a Igreja. Esta última enxerga-
va com maus olhos a instituição de uma república laicizada e não cederia
posições quanto à territorialidade nas discussões. O clero certamente viria
a perder espaço em mais uma sociedade em que os movimentos revolu-
cionários e movimentos de contenção da ordem explodiam com a força do
mundo moderno. Como havia declarado o arcebispo de Toledo, a guerra
da Espanha era uma Guerra dos sem Deus contra a Religião Católica.
Obrigatoriamente demarcando território como um dos poderes instituídos
no país, a Igreja apoia os reacionários de direita.

O mundo, pós-1929, deixou uma marca indelével na política espanhola


da década seguinte e mais um reflexo dessa instabilidade constata-se na
atitude do general monarquista em tomar o poder em 1932. Frustrada,
a tentativa de golpe viria a se repetir mais tarde em meio aos impasses
políticos e das divisões da própria esquerda. Anarquistas e a Frente
Popular só viriam a se unir quando a direita consegue vitórias eleitorais
nas eleições de 1933, forçando, assim, uma ampla aliança que venceria
o pleito eleitoral em 1936, recolocando a esquerda no governo.

Eleitos, as primeiras medidas foram postas em marcha quando apareceu


uma nova facção política de caráter semelhante aos partidos que surgiram
na Alemanha e na Itália. A Falange foi algumas vezes considerada uma
anomalia na história dos fascismos, embora não se constituísse em um
regime propriamente de massas, mas inegavelmente apresentava os
mesmos princípios ditatoriais com os quais os cidadãos de Espanha se
viram obrigados a suportar por mais de três décadas.
UNIUBE 79

AMPLIANDO O CONHECIMENTO

A exemplo dos governos ditatoriais que assumiam o poder há pouco nos


outros países europeus, os movimentos artísticos foram logo reprimidos
quando Franco assume o poder. O caso mais emblemático foi do poeta
Federico García Lorca. Assassinado pelos nacionalistas, ele deixou obras
importantes também na dramaturgia com “A casa de Bernarda Alba” e “Bodas
de Sangue”, o artista foi vítima de perseguição por manifestar abertamente a
simpatia pelo socialismo e pela homossexualidade, ferindo a moral católica.
Aproximando-se do movimento surrealista proposto por Breton, os espanhóis
Buñuel, no cinema, Picasso e Dali, na pintura, encontrariam em Paris ambien-
te propício para realizar o trabalho de crítica à sociedade burguesa.

Baseadas na moralidade religiosa, na defesa do território contra os


separatistas e na Monarquia, a Falange, apoiada por todos os setores,
inicia sua ação militar contra as regiões em que a Frente Popular havia
obtido maior número de votos. A maioria das cidades que apoiavam
os movimentos separatistas, republicanos, sindicalistas, anarquistas
e comunistas não se entregaram ao avanço dos militares. O general
Francisco Franco ganhava absoluto destaque nas operações e sua
testada capacidade de liderança na retomada de algumas regiões
ainda no início, puxou os olhares internacionais para a crise no país.
Restabelecida naquele momento, a Alemanha ofereceu auxílio contra
os grupos de esquerda bombardeando cidades onde estes tinham o
controle. A Itália de Mussolini também demonstra solidariedade à
Espanha de Franco e envia tropas de apoio às frentes nacionalistas,
além de esquadras aéreas. Portugal de Salazar também enviaria apoio.
Aliadas aos ataques aéreos, as esquadras italianas no mar atacavam as
possessões espanholas no norte africano e cidades costeiras.

Enquanto o chefe do Estado Maior e Generalíssimo Franco se fortalecia


com as ajudas internacionais dos fascistas já estabelecidos, em Portugal, o
Salazarismo tomava formas de ditadura antiliberal e anticomunista a partir
da instituição do Estado Novo, em 1933. Baseado em políticas econômi-
cas protecionistas e corporativismo semelhantes às relações de trabalho
impostas na Itália, o governo de Salazar perdurou mais de três décadas
a exemplo do generalíssimo na vizinha Espanha. O fim do governo de
80 UNIUBE

Salazar foi esperançoso quando, na Revolução dos Cravos, militares


de baixa patente promoveram um levante contra a ordem estabelecida.
Apoiados pela população civil, que colocou cravos nos canos das armas,
o governo provisório assistiu à vitória do Partido Socialista nas eleições
livres de 1974.

Contudo, o Golpe que estabeleceu o Franquismo durante mais de três


décadas no poder da Espanha foi oficializado com o fim da Guerra Civil,
em 1939, e marca a ascensão de mais um governo de extrema-direita
no cenário internacional. Em contrapartida, o importante episódio a ser
destacado consiste na repercussão da ação das Brigadas Internacio-
nais. Como um conflito prévio do mundo afetado pela Grande Depressão
e assustado pelo crescimento dos movimentos de esquerda que tanto
proliferavam quanto se dividia, a Guerra Civil Espanhola era mais que uma
guerra que pertencia a um só país. A não intervenção das democracias
liberais demonstrava não só suas fraquezas no período como seu oportu-
nismo na medida em que o crescimento do fascismo direcionava-se contra
os movimentos de esquerda na Europa e no mundo, com a atuação do
Japão na Ásia e dos casos comentados da América Latina. A ajuda da
URSS esbarrava na política externa e Stálin não estava tão preocupado na
obtenção de vitórias na Espanha quanto nos próprios expurgos e ameaças
ao seu poder dentro do país. Embora uma vi tória contra os fascistas no
exterior transformasse todo o cenário político antes da Segunda Guerra,
ela não poderia ser conseguida sem a unidade dos movimentos revolucio-
nários dentro da Espanha. Para se ter uma ideia, socialistas, anarquistas, o
Partido Comunista, entre outras tantas facções dependiam de movimentos
militares entre si, além das Brigadas Internacionais que chegavam com
voluntários de todo o mundo, mas vistas com desconfianças pelos métodos
distintos com que cada grupo se valia nas frentes de batalha. George
Orwell e Ernest Hemingway não só emprestaram seu talento para escrever
sobre a guerra, mas também estiveram presentes. O poeta Pablo Neruda
ajudou refugiados no conflito. David Alfaro Siqueiros, pintor mexicano
também combateu pelos brigadistas. Uma série de intelectuais, escritores
alemães, italianos, poloneses, russos, tchecos, escandinavos, franceses,
latinos, americanos, canadenses; enfim, operários e pessoas de todo o
mundo estiveram nos campos de batalha pela causa maior da liberdade,
contra governos opressores e pelo direito comum de se estabelecerem e
confraternizarem com todos os povos. Como cita “la pasionaria” Dolores
Ibárruri, destacada política comunista nos anos da Guerra Civil:
UNIUBE 81

chegaram a nossa pátria como cruzados da Liberdade,


a lutar e a morrer pela liberdade e a independência de
Espanha, ameaçados pelo fascismo alemão e italiano:
Aqui estamos!, vossa causa (...) é a causa de toda
a humanidade que olha para o futuro.” (IBÁRRURI,
1997, p.9).

Infelizmente, a utilização de caças pela primeira vez na História para


bombardear cidades espanholas deram a magnitude dos novos conflitos
que surgiriam. A capacidade de destruição das bombas e dos ataques
amedrontava as populações civis porque a guerra de Espanha parecia
provar que os fascistas já não faziam mais distinções entre pessoas
comuns e soldados no front.

PARADA OBRIGATÓRIA

Nota-se que os fascismos formaram uma ampla coalização política de extrema-


-direita. Em comum, observa-se o antiliberalismo e anticomunismo. Em diversos
regimes do mesmo caráter espalhados pelo mundo, também é observada a
predisposição das massas, atingidas pela transformação dos meios de comuni-
cação, em se mobilizar e, em alguns casos, o culto à personalidade do chefe
(Duce, Furher). Regimes que utilizaram a Crise do Liberalismo para se estabele-
cer em torno de figuras carismáticas com um falso discurso social em bandeiras,
cores e vestimentas. O fenômeno do fascismo está aprisionado ao passado
e os regimes apresentados até aqui demonstram o quanto nossa maneira de
enxergar e fazer política ainda tem seus elementos.
E, na oportunidade em que apareceram, foram consideradas alternativas
pertinentes. A militante espartaquista atuante pelos direitos da mulher, Clara
Zetkin, explicou: “O fascismo não é em absoluto a vingança da burguesia
contra o proletariado (...) do ponto de vista histórico e objetivo, o fascismo
sobrevém como um castigo porque o proletariado não soube prosseguir com
a revolução”. (ZETKIN, In: POULANTZAS, 1971, s/p)

2.5 O Socialismo Soviético

É inegável o impacto da Revolução Bolchevique para os movimen-


tos de esquerda de todo o mundo. Estendendo a Revolução do Leste
82 UNIUBE

para os outros países do Ocidente e, ideologicamente, voltando para os


movimentos camponeses, em especial na Ásia, a URSS era inspiração aos
movimentos populares de todos os continentes, seu alcance é incalculável.
O trágico nessa história toda relaciona-se com a urgência das revoluções
socialistas que, por uma série de características, amarraram-se à experi-
ência revolucionária soviética. Por um determinado número de elementos,
fez-se daquela forma, com aqueles personagens e agentes sociais. É
própria da experiência revolucionária russa.

No estudo do processo revolucionário russo, percebe-se uma série de


problemas que eram próprios daquele país como nos demonstra José
Paulo Netto e Daniel Aarão Reis Filho, em suas teses sobre o socialismo
real. Em determinada forma, pela importância da Revolução de Outubro
e pela riqueza de fatores, amarrou-se à Revolução Internacionalista e
estabelecem-se suas bases na URSS. Assim, ocorre a supressão dos
movimentos populares com a confusão em relação à política externa de
Stálin. Mas, para se compreender o conteúdo em que se formam essas
contradições, é necessário retornar ao final da guerra civil quando os
vermelhos saíram vencedores.

O quadro penoso que a Revolução de Outubro teria de enfrentar, após anos


de enfrentamentos políticos entre as classes, foi aumentado drasticamente
pela Guerra Civil. As dificuldades sociais enfrentadas pelos camponeses
não prometiam melhoras após a guerra. A economia dilacerada e com
necessidade de sua transformação para as bases socialistas não viceja-
vam boas perspectivas para pequenas organizações operárias. Em suma,
Trotsky bem resumiu que as guerras deveriam ser agora travadas contra
a fome e o atraso.

A fome dos camponeses logo se transformaria em pilhagens e confisco das


produções agrícolas pelo Estado. Logo, o ressentimento dos camponeses
e dos pequenos proprietários de terra, os kulaks, com relação às medidas
do governo, provocou a divisão no seio da Revolução Socialista. O número
de rebeliões, saques e desobediência às ordens do Partido Comunista
pioravam uma relação que se pautava pela desconfiança e pela colocação
da superioridade da classe operária em dirigir o país.

A fome não era “privilégio” somente dos camponeses. A fila de distribui-


ção das sopas para os desempregados, os indigentes e órfãos que todo
UNIUBE 83

o processo de 1914 a 1921 provocou era consideravelmente grande. O


movimento operário que constituiu a base da Revolução Soviética se
viu extremamente prejudicado com a guerra externa e civil. Inúmeros
líderes foram mortos ou afastados das organizações oficiais por diferen-
ças político-ideológicas.

As dificuldades apresentadas em todo o contexto da Guerra Civil, agrava-


das pelo “comunismo de guerra” que obrigou a sociedade a realizar
sacrifícios imensos pelo bem da Revolução, bloqueavam ainda mais o
caminho árduo para a construção do socialismo na URSS. Certamente
que ante a urgência das resoluções de problemas, a economia assumia
papel primordial ao que lhe cabia dentro das teorias marxistas.

Para a reformulação econômica da sociedade, a proposta defendida


por Lênin foi a NEP (Nova Política Econômica). As diretrizes da política
econômica de 1921 tinha como proposição as seguintes normas:

estavam autorizadas as manufaturas privadas;



autorizado o funcionamento dos pequenos estabelecimentos

comerciais;
autorizadas as propriedades privadas;

abriu-se a economia para entrada de capitais estrangeiros;

comércio da produção de excedentes liberados.

A NEP abria exceções de caráter capitalista com o objetivo de acelerar o


desenvolvimento da economia. “Um passo atrás, para dar dois à frente”
era a justificativa ideológica de Lênin.

PARADA PARA REFLEXÃO

De acordo com o socialismo científico de Karl Marx, o desenvolvimento


rumo a uma sociedade sem classes, vislumbrando o comunismo, somente
poderia florescer no lugar em que uma sociedade capitalista já havia criado
condições para a atuação forte do proletariado. As bases materiais que
propiciariam a revolução na Rússia não existiam. Como superar uma classe
que ainda não promoveu suas bases?
84 UNIUBE

As medidas de Lênin seriam justificadas como uma estratégia para que


o comunismo prosperasse, já que cada vez mais a Revolução Socialista
que aconteceria em um país europeu e que supostamente salvaria a
Rússia se distanciava da realidade quando do fracasso da Revolução
Espartaquista na Alemanha se deu. Justificando a postura de Lênin, o
recuo seria a estratégia de avanço ao desenvolvimento, porém a Revolu-
ção não deveria mais esperar sua salvação na Europa Ocidental “a vitória
bolchevique na Rússia era basicamente uma batalha na campanha para
alcançar a vitória do bolchevismo numa escala global mais ampla, e
dificilmente justificável a não ser como tal.” (HOBSBAWM, 1995, p.63)

Finalmente, em 1922, foi realizado o Congresso Pan-russo dos sovietes.


Alguns países do antigo império czarista tiveram de aderir ao governo do
Partido Comunista. Era, então, criada a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS). No entanto, uma fatalidade acometeria logo este conjun-
to de países. Uma doença afastou Lênin das reuniões do Partido, em 1923,
e o matou, em 1924. A morte havia alcançado o velho revolucionário em um
momento crucial para o destino do Comunismo no país e no mundo.

Porém, no comando do Partido, alguns líderes já haviam demonstrado


competência para substituir Lênin: Nicolai Bukharin que esteve ao lado
do chefe do Partido desde a primeira década do século, desenvolvendo
estudos sobre o marxismo e exercendo funções de destaque desde sua
aproximação anterior à Grande Guerra; Yevgeni Preobrazhenski, crítico
da NEP e colaborador do Partido até sua expulsão em 1927, juntamen-
te com Trotsky. Este último defendia uma revolução permanente e a
expansão dos ideais socialistas pela Europa e mundo.

Bukharin provavelmente era o intelectual mais prestigiado do Partido


Comunista, depois de Lênin. Dirigente do jornal Pravda (Verdade), era
partidário da aliança entre camponeses e operários, já que a produção
industrial estava intimamente ligada com o desenvolvimento rural. O
socialismo devia obedecer a negociações. Sua harmonia e construção
se dariam de forma lenta. Preobrazhenski era mais prático, os campone-
ses pagariam pelos tributos de construção do socialismo. A coletivização
forçada das terras proporcionaria a acumulação primitiva da produção. O
socialismo se daria por meio da exploração dos camponeses. Na desvan-
tagem histórica, na qual a classe sempre se viu atingida, terminaria por
ser novamente.
UNIUBE 85

A industrialização acelerada foi, então, definitivamente adotada, quando


Josef Stálin – o Secretário Geral do Partido Comunista desde o falecimento
de Lênin enredou suas alianças para afastar seus principais concorren-
tes do caminho. A partir da ascensão de Stálin, a pretensa democracia
soviética tornava-se ainda mais repressora, apesar de alguns intelectuais
já denunciarem o fato de existirem prisões e arbitrariedades sob o governo
de Lênin, como no caso do escritor Aleksander Soljenítsin.

Isolado, Trotsky e sua atividade intelectual estavam no caminho da burocra-


cia do Partido. Com um ‘triunvirato’ entre Stálin, Kamenev e Zinoviev, dois
importantes dirigentes do Partido desde sua fundação, obriga Trotsky a
tomar o caminho da radicalização contra o que parecia ser uma formação
burocrática sem levar em conta os interesses da Revolução. Encabeçando
o grupo de Oposição de Esquerda, o líder é deportado do país, em 1927,
junto com alguns intelectuais e ativistas, dentre eles o próprio Bukharin.

Com seguidas imposições da ditadura stalinista e o crescimento do


controle burocrático no país, os planos econômicos estavam prontos
para serem executados, após alguns períodos de estabilização da política
e do contrário, sempre com algum novo levante de dissidentes. Comple-
tados dez anos da Revolução, o Estado soviético caminhava para sua
consolidação.

No ano de 1929, a NEP, que passou por constantes reformas, deu lugar
aos Planos Quinquenais. Com estes, o governo assumiu o controle total
da economia e definia o objetivo e as metas com os desdobramentos do
Plano. Para observar o cumprimento das ordens do Partido e das metas,
outros órgãos de fiscalização surgiam e aumentavam o corpo do aparelho
burocrático soviético.

Com a intensa fiscalização, os planos quinquenais promoveram o desenvol-


vimento da industrialização. Sendo o único país a não ter a economia arrasa-
da pela crise de 1929, a URSS veria crescer seu prestígio internacional com
o aumento da produção em todos os níveis. Antes da Segunda Guerra, os
soviéticos eram donos de uma das maiores produções industriais do mundo
e com a maior produção de tratores agrícolas, promovendo um enorme
êxodo rural.
86 UNIUBE

As indústrias de base eram prioridade para a industrialização, enfraque-


cendo a produção de bens de consumo o que, em certo momento,
deteriorava a vida da população. A indústria bélica ratificava o investi-
mento do Partido e sua consolidação caso mais uma tentativa de invasão
estrangeira ocorresse. Em função de números, os planos de desenvolvi-
mento no decorrer dos anos apresentam-se convincentes:

os índices de crescimento na educação e na saúde


foram sem dúvida, impressionantes: em 1914, por
exemplo, 8 milhões de pessoas frequentavam escolas
de todos os níveis; em 1928, o ensino se estendeu para
12 milhões; e, em 1938, para 31,5 milhões. Em 1913,
112 mil pessoas estudavam em estabelecimento de
nível universitário; em 1939, o número passou para 620
mil. (...) Na saúde pública, o número de médicos em
todo o país, antes da revolução, era de 20 mil; em 1937,
passou para 105 mil. (DEUTSCHER In: FERREIRA,
2005, p. 83).

No plano político, as oposições eram discretamente ameaçadas e desapa-


reciam. Os líderes populares que inspiravam as massas delicadamente
desapareciam da noite para o dia. Em sua maioria, iriam habitar os Gulags
sem nenhuma acusação formal. Os gulags eram as administrações gerais
dos campos de trabalho onde os prisioneiros políticos eram mandados a
cumprir penas. Para alguns intelectuais, os trabalhos forçados e o cárcere
eram praticamente uma indústria.

Publicado em 1973, o livro “Arquipélago Gulag”, do escritor Aleksa-


der Soljenítsin, traz o cotidiano e funcionamento das detenções e
instalações de trabalhos forçados. O artista foi preso por escrever
uma carta do front na Segunda Guerra Mundial, contendo críticas
militares às decisões de Stálin no conflito.

A ação da Tcheka, posteriormente denominada NKVD (polícia política


do regime soviético), fazia recordar os revolucionários das antigas
perseguições que sofriam da extinta Okrhana (a polícia do Tzar). Com
semelhança dos métodos e inexistência de acusações formais, não foram
poucos os detidos que acreditavam voltar em poucos dias quando tudo
estivesse esclarecido. Mas, as detenções remontavam uma prática ainda
viva da eficaz polícia política do czarismo.
UNIUBE 87

No campo, a coletivização forçada proposta pelos Planos Quinquenais


faziam oponentes e, de certa forma, inimigos da revolução, na medida em
que resistiam a ela. Na vastidão do interior russo, fazendas eram declara-
das propriedades do governo e, aonde os guardas vermelhos conseguiam
chegar, os camponeses lutavam contra as medidas do novo regime.
Detidos, foram muitos os que queimaram suas produções e se recusa-
ram a acatar as medidas, logo, povoando os campos de trabalho forçado
nas remotas regiões da Sibéria. Alguns fugindo da guarda vermelha
se escondiam nas florestas e, por semanas, combatiam. Muitas delas
acabaram incendiadas; além do sacrifício dos rebanhos, para impedir que
o governo chegasse com seus representantes e os tomassem.

Passadas as tempestades, nas áreas rurais foram criados os kolkhozes,


cooperativas de trabalho no campo, e as fazendas do Estado originaram
as sovkhozes. A consolidação destes trabalhos permitiu a industrialização
acelerada da URSS às custas da acumulação de produção promovida
pelo trabalho no campo.

O desenvolvimento econômico a qualquer custo é um dos proble-


mas observados na sociedade atual com a degradação do meio
ambiente. Mas, no caso soviético, é pertinente perguntar: que
custos humanos pagaram o desenvolvimento das indústrias?

As coletivizações e a repercussão, embora velada, dos campos de concen-


tração, chegavam consecutivamente a uma nova característica do fenôme-
no político do stalinismo. O culto a sua personalidade era promovido por
uma intensa campanha de publicidade explorando as novas mídias que
apareciam. A capacidade de comunicação e mobilização das massas, por
meio de uma resolução do governo, amplificaram as decisões de qualquer
político dos anos 1930 que pareciam maravilhados com a nova maneira de
fabricar verdades no interior das técnicas de propaganda. A partir de 1929,
os jornais referem-se a Stálin como “o Lênin de hoje”, como o sucessor
natural de uma tradição que primeiro traria Marx e Engels. Na sucessão
de valores, ele era o quarto clássico do comunismo, leitura obrigatória para
quem quisesse se inteirar dos valores da nova sociedade que aniquilaria
a desigualdade entre os homens.
88 UNIUBE

Nos meios de comunicação, eram promovidas homenagens explícitas


ao ditador, diariamente. Cartas eram publicadas, heróis, admiradores,
operários e presos nos cárceres das remotas prisões do Estado demons-
travam a ele seu apreço. Todos rendiam homenagens ao “pai dos povos”,
ao “guia da revolução mundial”, entre inúmeras amabilidades descon-
certantes e sarcásticas, se vistas por um ponto mais cético. Mas, o ritual
era convincente, e Stálin “sempre teria razão”. Criava-se uma atmosfera
difícil, mesmo se as críticas ou oposições surgissem. Mesmo sugestões
tornavam-se impossíveis de serem aplicadas ou lançadas em debate,
pois qualquer sinal de oposição poderia ser classificado como uma intriga
plantada por agentes contrarrevolucionários, normalmente atrelados ao
movimento trotskista que, segundo provas arranjadas, sempre teriam um
plano para tomar o poder na URSS e entregá-lo aos fascistas.

Mas, os números comprovam o aumento real da qualidade de vida


dos povos da União Soviética, colocando os soviéticos em condições
melhores que os povos das democracias liberais e dos países da periferia
do capitalismo. Realizações concretas aliadas às técnicas de propaganda
poderiam, como fez Stálin, se transformar em um ícone da revolução
socialista no mundo. As provas contra seus governos e atitudes eram
discutíveis no campo das notícias falsas e do aparelho de comunicação
capitalista, sempre ideologicamente controlado. “Para os cidadãos da
União Soviética e os comunistas de diversos países, Stálin foi um símbolo
da transformação social e do desenvolvimento econômico de um país
que parecia condenado ao atraso,” e acrescenta-se ainda à fórmula a
explicação de que Stálin seja um representante do “terror, propaganda e
mobilidade social” (FERREIRA, 2005 p. 95-96).

Mesmo com todo aparato a favor da burocratização do poder e da imobili-


dade do Politburo, órgão máximo do Partido, a tradição revolucionária
dos bolcheviques formulavam críticas nos bastidores dos Congressos
e reuniões. Ainda com a repressão policial, a intelectualidade – caráter
congênito dos ativistas de Outubro – apontava soluções que desgasta-
vam a imagem de Stálin dentro do Partido. Surgiam, assim, opções para
a sucessão do ditador no cargo de Secretário Geral.

Entre os mais fortes, o nome de Sergei Kirov, que exercia o cargo de


Secretário do Partido em Leningrado, surgia como certo na sucessão. Sua
popularidade era alta e crescente, seu prestígio como líder democrático era
UNIUBE 89

também conhecido dos povos da URSS. Em 1934, Kirov foi assassinado


sob circunstâncias não esclarecidas. Alguns historiadores advogam sua
morte como obra de Stálin e algumas evidências apontavam para a NKVD,
que fatalmente estaria ligada ao Secretário Geral, em Moscou.

O assassinato foi o pretexto para que os inimigos da revolução fossem


responsabilizados, ou seja, Trotsky e seu bando de contrarrevolucionários.
A alta cúpula do Partido também seria acusada de espionagem a mando
da Alemanha, Japão e dos inimigos capitalistas, e de atividades contra a
Revolução Comunista, além de uma diversa gama de crimes engendrados
para comprometer os antigos bolcheviques e concorrentes em potencial
ao cargo exercido por Stálin. Os quadros do Partido foram enxugados com
o fuzilamento e a condenação a trabalhos forçados de mais da metade
dos dissidentes do regime stalinista. O Grande Terror dos expurgos, inicia-
dos em 1936 e terminados em 1938, foI a condenação de todos os revolu-
cionários bolcheviques que estiveram presentes e atuação decisiva na
tomada do poder em 1917 até o final da guerra civil em 1921. Os oficiais do
Exército Vermelho foram todos julgados e, em grande parte, fuzilados pela
suposta participação em movimentos trotskistas; nada mais lógico, pois
eram os antigos companheiros do revolucionário. Zinoviev, Bukharin-que
havia retornado ao país, Kamenev e Rykov, estavam entre os mais notáveis
colaboradores de Lênin que foram fuzilados. Agora, sustentavam o título de
“inimigos do povo”, “traidores da revolução e dos povos”. Além disse, outras
centenas de dissidentes desapareceram na prisão, como Preobrazhenski,
e foram mortos. Os julgamentos eram verdadeiros espetáculos, Baczko
conta que as confissões com riquezas nos pormenores, eram abertas ao
público e ensaiadas exaustivamente, as famílias acompanhavam o preso
como uma forma de extorquir a confissão. Muitas eram as pessoas que
caíam impressionadas com as ‘provas’ dos crimes de seus antigos ‘heróis’
revolucionários. Fotografias comprovando a participação decisiva na tomada
de poder décadas atrás, documentos e atos testemunhados atestavam a
convicção dos detalhes dos crimes confessados. Os que não se submetiam
ao Tribunal simplesmente desapareciam sem deixar rastros.

Com os espetáculos dos expurgos de Moscou, Stálin conseguia o que


queria: afastar seus oponentes, consolidar-se definitivamente no poder
e manipular a opinião pública que cederia ainda mais na percepção de
que “Stálin sempre tem razão”, assim como proferiam na Itália referido-se
ao Duce. Baczko afirma que “O terror (...) passou por cima da população
90 UNIUBE

da URSS como um rolo compressor” (BACZKO, In: FERREIRA, 2005


p.101), imprimindo uma marca indelével no comunismo no mundo e no
caminho que o Komintern prosseguiria. O signo do totalitarismo persegui-
ria os movimentos de esquerda no senso comum, muito embora tivesse
sucesso na construção de uma base material para que fosse possível
que a URSS alcançasse o comunismo. Nessa trajetória, o que se evidên-
cia é que o período em que Stálin esteve no poder trouxe mais prejuí-
zos à causa revolucionária que o contrário. O comandante do Exército
Vermelho, Leon Trotsky, assassinado em seu exílio no México a mando
do ditador soviético, havia escrito que “Hitler destrói o marxismo; Stálin o
prostitui. Não há princípio que permaneça intacto; não há ideia que tenha
sido enlameada” e, até mesmo, sobre o regime que estava sendo implan-
tado, o líder da tomada de São Petersburgo determina que “socialismo e
comunismo foram seriamente comprometidos, (...) chama de socialismo
o regime que impõe. Repugnante profanação!” (TROTSKY, 1981 p.)

2.6 Conclusão

O Estado fascista se caracteriza por uma tríade como anuncia Schiede: antili-
beralismo, antidemocratismo, antissocialismo. Claramente enunciadas no
Eixo Berlim-Roma-Tóquio, mas também em Portugal, Espanha e Hungria.
O triunfo do liberalismo volta os olhares da extrema direita para sua origem,
a Revolução Francesa. A supressão dos Parlamentos pelos Estados, recém-
-surgidos da Crise de 1929, e a direção das insatisfações populares contra
as minorias podem ser verificados como pontos em comum nos discursos de
Hitler a Franco, além de outros tantos políticos latino-americanos. O discur-
so de Getúlio Vargas, no porta-aviões Minas Gerais, no final da década de
1930, demonstra a consonância da queda do liberalismo com a política em
todo o mundo. O Estado fascista deve dirigir todos os aspectos da sociedade
e a limitação do poder burguês quando a política econômica destes procura
direcionar as flutuações de câmbio e do mercado. Era inconcebível que uma
economia flutuasse tanto sem que o Estado nada pudesse fazer.

As discussões no Parlamento são efusivas e deixam a nação à deriva e


não são propícias ao funcionamento nacional. A direção das massas não
deve, de maneira nenhuma, respeitar o livre-arbítrio “Tal qual as mulheres
as massas amam mais o domínio que a gentileza”; no espírito do Partido
único, as massas se sentirão seguras pela sua doutrinação, justificam
UNIUBE 91

Goebbels e Hitler. Os interesses e as discussões do Parlamento não


devem jamais chocar com a ‘vontade da nação’, esta representada
pela figura maior, o chefe. No discurso antiliberal, o Parlamento é lugar
para negociantes que interpõem seus interesses particulares acima das
necessidades da coletividade. Na nação dos negociadores, a força da
Constituição liberal transformava até as minorias (judeus) em cidadãos.
Colocavam-se assim, estrangeiros em condições de igualdade com
cidadãos de origem da pátria. Inconcebível falha, na ótica nazista.

O povo (a coletividade) é enxergado para além do espaço físico na figura


do líder. A autoridade emanada dele se encerra no ilimitado empenho do
povo, enquanto representantes da coletividade, todas as arbitrariedades
contra a individualidade – sagrado princípio liberal – são legitimados
quantas vezes se encontrarem justificativas no desejo comum.

O fortalecimento da burocracia do Partido permitia a instrumentalização


dos mecanismos de poder nas mãos do chefe da nação. Os organismos
criados e submetidos a ordens superiores, altamente hierarquizados,
conferindo ao chefe a manipulação do Estado em diferentes esferas,
agindo em consonância de um aspecto a outro. “O Estado Total deve ser
um Estado de responsabilidade, onde, do mais baixo círculo até o führer
todos devem obediência” (GOEBBELS, discurso de 30/11/1933 In: SILVA,
2005, p.138). Na ótica do discurso fascista, o Estado, assim organizado,
era um fruto da vontade coletiva em que uma peça completa a outra e o
forçar do funcionamento de ambas, para não comprometer o mecanismo
geral, suprimem as diferenças. A função justifica a importância para a
Pátria da hierarquização como escala, ligando-se diretamente ao fürher,
ao Duce, ao generalíssimo, ao pai dos povos, ou seja, a vida eterna da
pátria é a vida prometida ao cidadão.

O fim do Estado liberal e o início da caça ao bolchevismo internacional


seria o modo de conter a desagregação social que seria causada pelo
fracasso originário da política democrática capitalista. A vida do cidadão
no Estado fascista é amplificada na tradição da nação. Assim, para
Hitler, a pátria alemã e a raça ariana são vividas em cada microcosmo
da sociedade. A destruição das instituições republicanas e a caça ao
movimento internacional socialista dentro da esfera do território nacional
como elemento desagregador compõem uma face política assustadora,
como explica Francisco Carlos Teixeira da Silva:
92 UNIUBE

A ausência técnica de um Estado, a ideia-força de


revolução como destruição, permitia uma autonomia
delirante da política, transformando em um substituto
de um modo de vida. O terrorismo, as razias, as lutas
de rua foram as armas básicas das milícias fascistas na
destruição do Estado liberal e, ao mesmo tempo, uma
forma exacerbada de fazer política, capaz de liberar
todos os ódios existentes. Por isso, não era apenas
política, era catarse. (SILVA, 2005, p.138)

Em especial no caso da Itália e da Alemanha, o fascismo deveria ser


implementado levando em consideração toda a tradição dos movimentos
populares. Assim, o caráter revolucionário foi assumido em discursos na
formação e na adesão das massas à estrutura do Partido. A simbiose
entre Parlamento e Bolsa de Valores e a culpabilização do liberalismo pela
crise emprestava ao fascismo o argumento de uma revolução que estava
sendo empreendida pela causa das massas. O elemento desagregador da
sociedade, o comunismo, era também o destruidor dos elementos que davam
significado à vida do indivíduo. O sentido da vida estava na prosperidade da
nação. Dirigindo a moralidade, o Estado se fazia presente também na esfera
privada. Portanto, a tradição revolucionária dos movimentos socialistas
deveriam ser absorvidas pelo discurso e pela hierarquização do Partido. O
caráter falso de sua apropriação é medido na linguagem visual e formal dos
aparelhos de propaganda. A expressão nacional-socialista para denominar
o NSDAP é a inapropriação das cores vermelhas nas bandeiras e símbolos
oficiais e o cuidado de usar roupas mais parecidas com a dos trabalhadores
do que com as dos patrões.

O Totalitarismo na Alemanha, na forma e denominação de Nazismo,


se impõe com um antissemitismo, em escalas muito maiores que nos
outros casos em que este fenômeno político esteve presente. Em todos
os países de política expressamente fascista – Itália, Hungria, Romênia,
Espanha, entre tantos, também ocorreram exposições antissemitas em
discursos e alguns casos de segregação social. A direção contra as
minorias para a identificação do eu na coletividade, nos símbolos da
pátria e na diminuição do outro são características marcantes, mas não
exclusivas dos fascismos, o antissemitismo como formação da identidade
nacional. A segregação entre brancos e negros nas colônias europeias
na África, ou entre nativos e colonizadores na Ásia, Oceania, América
e Ásia faz-se em algum ponto semelhante ao antissemitismo fascista.
UNIUBE 93

A direção contra um povo para a formação de uma nação, como no caso da


Alemanha nazista, em certo sentido, se parece com a direção de formação
nacional norte-americana contra as sociedades indígenas.

A vinculação dos judeus aos inimigos ideológicos é uma outra falsifica-


ção presente nos discursos das autoridades alemãs. Os judeus foram
remetidos à criação do comunismo – objetivo fundamental da oposição
fascista – e como tal o bolchevismo inimigo vital da pátria e da raça
ariana. O projeto socialista era a vitória de um povo sem pátria, interna-
cional, sem raízes e como tal sem valores, uma raça que não poderia
ser comparada à pureza da raça germânica. E seu projeto único não
fracassado na crise era objeto de ódio. O comunismo era combatido no
campo político, o partido era colocado na ilegalidade e seus membros
perseguidos pela truculência das SS ou dos Camice nere. O judaísmo,
a personificação do bolchevismo, da decrepitude social que concentrava
o ódio dos alemães e a resolução dos problemas da pátria em todas as
esferas, passaria obrigatoriamente pela eliminação sistemática e metódi-
ca das minorias, como também ocorreu com homossexuais, deficientes,
ciganos e eslavos, entre outras.

Embora o fenômeno do stalinismo não fosse contra o comunismo, os


elementos de estruturação do discurso político eram semelhantes em
quase todos os aspectos. René Remond define que as similitudes entre
os regimes que se odiavam de Stálin e Hitler-Mussolini eram “exteriores,
só dizem respeito aos comportamentos, aos processos, à morfologia dos
regimes, mas não à sua natureza profunda.” (REMOND, 2001, p. 101)

Os gulags e o holocausto demonstram a intolerância em Estados que


pretendem se fazer presentes em todas as esferas. Assim, historicamen-
te, os textos apresentaram a análise dos Totalitarismos na Alemanha,
Itália, Espanha e URSS. Tanto o totalitarismo de extrema-direita, como
o de esquerda, abordados, são possíveis atualmente e os movimentos
neonazistas e de segregação racial, como Ku Klux Klan, tendem a nos
mostrar o quanto ainda paira no ar o perigo da intolerância política e racial.
94 UNIUBE

Resumo
Os regimes totalitários, em ascensão nas décadas de 1920 e 1930, na
Europa, foram beneficiados no caminho para sua escalada pela derrocada
do sistema liberal que ruía com a Crise de 1929. Os fatores que ocasio-
naram a Crise estão intrínsecos na caminhada do sistema capitalista e foi
previsto por diversos economistas. Ainda assim, o turbilhão dos aconteci-
mentos mereceu investidas dos americanos para sua resolução somente
na década seguinte.

Os fascismos cresciam como alternativa viável para a conservadora direita


manter seus privilégios contra a classe trabalhadora. O nazismo e sua
ascensão com Hitler mostrou-se eficaz combatente dos comunistas e,
posteriormente, uma boa alternativa para a substituição do sistema liberal,
que, para eles, era falho demais e não respondia aos anseios da população.

O sistema soviético, por sua vez, havia se isentado dos efeitos da Crise
de 1929 e se mostraria como uma alternativa capaz de contrapor o
sistema capitalista. As deformações sofridas entre a distância dos ideais
de Karl Marx e o sistema comandado por Josef Stálin começaram a
evidenciar que o país não havia superado suas contradições, a priori
causadas pelo sistema capitalista. Assim, o mundo caminhava entre três
ideologias contrárias: Fascismos, Comunismo e Capitalismo, e, ao final
da década de 1930, a guerra parecia ser a resposta mais clara para se
resolver as contradições entre elas.

Atividades

Atividade 1

Os regimes fascistas obtiveram ascensão após a queda do Liberalismo


com a Quebra da Bolsa de Nova York em 1929. O cenário econômico
norte-americano contribuiu para que a maioria dos países no mundo
abandonasse a política liberal e buscasse alternativas. Aponte as causas
que fizeram com que países no mundo estivessem atrelados à Crise
norte-americana.
UNIUBE 95

Atividade 2

As economias depauperadas com a Crise de 1929 partiram para soluções


extremas quanto à resolução das questões políticas. A década de 1930
foi decisiva na História quanto à permissão dos partidos democráticos
no que se refere à ascensão dos fascismos. Determine, em um texto,
as razões pelas quais os capitalistas não tentaram cessar o avanço
ideológico dos regimes fascistas.

Atividade 3

O processo de construção do socialismo na URSS ocorreu após uma


intensa Guerra Civil e as tentativas de resolver as dificuldades inerentes
do país. Sucessivos planos econômicos promoveram o crescimento da
industrialização. Explique as razões que levaram Josef Stálin a promover
uma era de terror no país, também, chamada de expurgos.

Referências

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ZETKIN, Clara. In: POULANTZAS, Nicos. Fascismo y dictadura. México: Siglo


XXI, 1971.
Capítulo
A Segunda Guerra
Mundial e a participação
3
do Brasil no conflito
Maurício José de Sousa Junior

Introdução
Poucos assuntos atraem tanta atenção e curiosidade quanto
a Segunda Guerra Mundial. Não por acaso, ela carrega para o
campo de batalha praticamente todas as marcas do século XX.
Em uma concentração de fatores e causas, o período reúne todas
as ideologias importantes desde o nascimento do Iluminismo do
século XVIII, passando pelas ideologias de esquerda do séc. XIX,
até sua eclosão na Grande Guerra de 1914 a 1918. Esse conflito
transformaria profundamente o globo, influenciaria muitas decisões
tomadas por políticos, militares, diplomatas, presidentes e ditadores.
O holocausto e as bombas de Hiroshima e Nagasaki transformaram
as noções do que seria civilização e barbárie, do que era humano
ou desumano.

Em um sentido mais prático, a Segunda Guerra Mundial embara-


lhou o campo da política internacional e desnorteou os movimen-
tos de esquerda e democráticos em todo o mundo. O acordo de
não agressão entre Hitler e Stálin chocou todo o mundo e deixou
os mais fanáticos das esquerdas órfãos. Os alvos do nazi-fascis-
mo, também, eram as democracias, por mais que essas, em vários
momentos, acreditassem tê-lo sob controle. E, em meio à crise de
1929, o projeto fascista, que nem chegava a ser uma formulação
pragmática, seduziria grandes capitalistas industriais para a defesa
de seus interesses e, portanto, contra o comunismo. O projeto de
dirigismo econômico somente havia sido adotado em guerras,
mas o fascismo prometia terminar com a eterna luta ofertando às
massas promessas de redução do quadro de desemprego.
98 UNIUBE

Na Segunda Guerra, tudo era o front. Os cidadãos de Londres


conviviam com os bombardeios diários das forças da Luftwaffe
(Força Aérea Alemã), as mulheres polonesas e tchecas teriam de
esconder seus filhos e maridos alistados na resistência. Nas praças
públicas do leste, eslavas jaziam dependuradas, assim como ficou
Mussolini e sua amante quando este foi pego pelos membros da
resistência italiana. Todos conviveram com a experiência do conflito,
do sol escaldante do Saara até as geladas áreas da Escandiná-
via. Nas águas do Polo Norte ou do Atlântico, nos céus da Europa
ou do Pacífico, as chamas ardiam. Houve o horror de Guernica e
dos campos de concentração, que chocaram os próprios cidadãos
alemães por décadas. E, também ficaram estarrecidos os america-
nos, quando japoneses atiraram seus navios contra os navios e
porta-aviões de guerra estadunidense. Mas, o assombro ainda
seria encarado com maior perplexidade por japoneses, e por todo
o mundo, quando viram a força devastadora das armas atômicas.

Em termos gerais, no mundo colonial, a guerra favoreceu os movimen-


tos de resistências às metrópoles, bem como os futuros movimentos
de independência. Houve uma alteração de praticamente todos os
domínios geográficos do globo e uma inflamação da relação entre
as ideologias inconciliáveis. Enfim, todo o sistema internacional foi
reformulado após uma nova ordem mundial ter sido concebida.

Objetivos
Ao final dos estudos deste capítulo, você deverá se tornar capaz de:
• identificar as principais causas que levaram à eclosão da
Segunda Guerra Mundial;
• compreender como a política de anexações foi decisiva para
o conflito;
• perceber as posturas dos países europeus antes da eclosão
do conflito;
• identificar as principais e decisivas operações de guerra;
• perceber a amplitude dos acordos e resoluções do conflito
mundial.
UNIUBE 99

Esquema
3.1 A Alemanha Nazista
3.2 O Brasil na Segunda Guerra Mundial
3.3 A definição da Guerra
3.4 A Bomba Atômica
3.5 Conclusão

3.1 A Alemanha Nazista

Superando a Crise do Liberalismo, a Alemanha adotaria o mesmo sistema


político da Itália, embora não se manifestasse como um programa político
como o Capitalismo ou o Comunismo, o Fascismo era uma alternativa
viável para a direita sair do buraco em que ela própria se meteu. O Fascis-
mo se mostraria também como um remédio que produziria efeitos muito
fortes contra o Comunismo e espirraria como veneno para as democra-
cias também. Superado o Liberalismo, este daria o lugar ao Fascismo,
um sistema fechado que eliminaria as democracias e prometia varrer o
Comunismo da Terra. Nas próprias palavras de Hitler, o projeto judaico-
-bolchevique teria de ser aniquilado e era o principal culpado pelo fracasso
dos povos arianos.

O destaque atribuído à Alemanha e ao Führer é justo, pois, no contexto


da Segunda Guerra, o país é peça-chave para compreender as causas
e seu desfecho. A partir do fortalecimento da Alemanha, por uma série
de medidas que visava quebrar a influência do Tratado de Versalhes,
Hitler convence a comunidade dos países de que o rearmamento seria
benéfico para toda a Europa. A URSS seria a justificativa ideal para
sua investida em armamentos pesados, pois durante toda a década de
1930, a obscuridade sobre as informações daquele país era vigente. O
historiador Taylor nos explica este trecho assim:

O avanço econômico da Rússia Soviética, por outro lado,


preocupava Hitler. Era, realmente, surpreendente. Durante
os dez anos entre 1929 e 1939, enquanto a produção da
Alemanha aumentava de 27%, e a Grã-Bretanha em
17%, a Rússia Soviética aumentava a sua de 400%, e o
100 UNIUBE

processo estava apenas começando. Em 1938 ela era a


segunda potência industrial do mundo, perdendo apenas
para os Estados Unidos. Tinha ainda um longo caminho a
percorrer: sua população continuava querer evitar que a
superassem, (...) Nesse caso, teria feito sentido se Hitler
planejasse uma grande guerra contra a Rússia Soviética.
Mas embora falasse de tal guerra com frequência, não
a planejou. Os armamentos alemães não eram destina-
dos a esse tipo de guerra. O rearmamento em extensão
servia apenas para reforçar a guerra de nervos diplomá-
tica. (TAYLOR, 1979, p.233).

Sobre os congressos do Partido Nazista, que aparecem como outra caracte-


rística chave para se entender o fenômeno do nazismo na Alemanha, o
arquiteto Albert Speer relembra, no julgamento de Nuremberg, um comício
no ano de 1935:

Para o congresso do Partido, realizado em Nuremberg


em 1935, utilizei 150 holofotes do DCA apontados
verticalmente para o céu, formando um retângulo de
luz na noite. Foi no interior dessas paredes luminosas,
as primeiras do gênero, que se realizou o congresso
com todo o seu ritual, cenário feérico que lembrava os
castelos de cristal imaginados pelos poetas da Idade
Média. Experimentei então uma curiosa sensação
diante da ideia de que a criação arquitetônica mais
bem-sucedida de minha vida tinha sido uma fantasma-
goria, uma miragem irreal. (VIRILIO, 1993, p.173).

Os congressos do Partido eram manifestações entusiasmadas, como


demonstram os documentários de Leni Riefesthal, realizados durante
grandes comemorações, como os aniversários do Führer, da pátria, feriados
e em honra aos trabalhadores. A propaganda manipuladora do Nazismo era
inovadora. Pelos efeitos de magnitude e expansão como o rádio, consegui-
riam arrastar multidões jamais vistas antes na História.

REGISTRANDO

Fahrenheit 451 é a temperatura ideal para se queimar papéis. Uma espécie


de Index da Igreja Católica, a Alemanha nazista também havia colocado
livros para queimar em uma grande manifestação pública. “A Montanha
UNIUBE 101

Mágica” de Thomas Mann, os livros de Kafka e Bertolt Brecht, entre outros


estavam na fogueira e eram considerados nefastos pelo regime, por
professar o tipo de arte que fora banido da Alemanha.

Um orador hábil em um rosto conhecido. Assim, era Hitler. Propositalmen-


te, valendo-se de uma das faces mais reconhecidas do planeta, Chaplin,
bem o sabia a força de expressão que a caricatura do ditador alemão
poderia exprimir. Assim, o Führer emprestava a sua face uma expressivi-
dade necessária ao seu discurso, elas se completavam. Por exemplo, era
evasivo demais, quando tratava de teorias raciais que pareciam discursos
metafísicos.

REGISTRANDO

Pelo carisma e aptidão à oratória, Adolf Hitler conseguiu destaque desde


muito cedo na ascensão no Partido Nazista. Embora sua reputação de
indisciplinado com horários e etc. fosse conhecida, isto não atrapalhou sua
carreira política. Assim, satisfeitos com sua presença, os capitalistas ingleses
destacaram o ditador na capa da mais famosa revista daquele país, “Time”,
por inúmeras vezes, todas destacando sua inegável habilidade em manter
a paz no continente. Era uma celebridade.

A identificação do seu discurso com o anseio das massas era proporcional


ao que era produzido para que elas se mobilizassem. O aparelho
de propaganda nazista comandado pelo Ministro de Propaganda,
Joseph Goebbels, era dos mais eficientes do mundo,. Apesar de todos
explorarem o potencial dos meios de comunicação, a propaganda nazista
era realizada com enorme competência. A impressionante combinação
de cores e símbolos da bandeira do Partido (NSDAP) produziram efeitos
gigantescos na população. Uma testemunha da visita de Hitler a Roma
nos finais dos anos 1930 diria: “Parecia que um monte de aranhas havia
infestado a cidade”, em referência à suástica, desenhada com inspiração
no símbolo do eterno retorno do hinduísmo. Centenas de bandeiras foram
espalhadas e enfileiradas nas ruas da capital italiana.
102 UNIUBE

A multidão concentrada nos espaços reservados aos comícios contrasta-


va com o desnorteamento da luta antifascista no interior da Alemanha. A
oposição e, sobretudo, o KPD (Partido Comunista Alemão) haviam sido
colocados na ilegalidade e a desarticulação das oposições demonstrava o
sentido prático com o qual o fascismo se baseava. A truculência dos métodos
de combate à oposição era conhecida e estendida pela legislação fascista.

3.1.1 A política de anexações

Em meados de 1935, Hitler manifesta o desejo de expandir o Terceiro


Reich para o leste da Alemanha. Até aí não haveria nenhum impedimento
por parte dos capitalistas ocidentais que até desejavam que a Alemanha
se dirigisse até a fronteira russa e a assediasse. Era a política do “cordão
sanitário”, por meio da qual as fronteiras do país isolariam ainda mais
o comunismo e não deixaria que o “espectro vermelho” que rondava a
Europa ultrapassasse os portões do leste. Itália e Alemanha fariam cerrar
as passagens como se fossem muros e os nazistas não escondiam de
ninguém seu furor imperialista sobre o território soviético.

Em 1935, Adolf Hitler inicia o processo de anexação do território austríaco,


concluído em 1938. Sua tentativa inicial era de que, por meà Alemanha
e fazer parte do Terceiro Reich. A população austríaca votou pela não
anexação, mas Hitler tratou de manobrar para que, logo em seguida,
um dispositivo legal fizesse unir os povos germânicos das duas nações.
Sem disparar um tiro, a anexação foi considerada legal. No fragmento, a
seguir, é demonstrado que a anexação austríaca não foi algo tão simples,
mas marcou uma virada nas relações entre as potências na Europa:

Nos primeiros meses de 1938, a anexação da Áustria


pela Alemanha, o Anschluss (em alemão, união) consti-
tui o primeiro e mais espetacular ato na direção de uma
“grande Alemanha”, objetivo pelo qual o nazismo já
se dispunha claramente a enfrentar os outros países
europeus. (VIGEVANI, 1986, p.14-15).

Em meados da década de 1930, os italianos também iniciam sua expansão


colonial invadindo a Abissínia (atual Etiópia). Era o início do projeto italia-
no, não concluído, de se firmar como potência europeia. Mas, antes,
na anexação da Áustria, ocorreram alguns desentendimentos sobre
UNIUBE 103

a possessão de parte dos territórios austríacos que, por pouco, não


provocou uma guerra entre Alemanha e Itália. Hitler e Mussolini tinham
suas semelhanças e, logo, ajustaram os ponteiros.

O passo seguinte seria dado em direção à Tchecoslováquia e à anexação


dos Sudetos, região de maioria alemã. Então, a denominada Conferência
de Munique, em setembro de 1938, reuniu os representantes da
Inglaterra, Neville Chamberlain; da França, Edouard Deladier; e, por fim,
Mussolini e Hitler. O representante tcheco fora deixado de lado, e os
Sudetos passaram para o controle alemão. Em troca, franceses e ingleses
ganharam a promessa de que os nazistas parariam com a política de
anexações, mas outras regiões e, posteriormente, todo o país foram
ameaçados. A não intervenção dos capitalistas nem neste fato e nem na
Guerra Civil Espanhola foi denominada de Política de Apaziguamento. O
historiador brasileiro Silva Gonçalves elucida-nos como a referida política
era absorvida pelos soviéticos:

Josep Stálin o interpretava de maneira diferente. Para o


dirigente soviético, Munique representou a prova cabal
de que todos no Ocidente trabalhavam em favor de uma
guerra da Alemanha contra a URSS. Coerente com
essa interpretação dos fatos buscou quebrar a suposta
aliança da Europa Ocidental com a Alemanha nazista.
(GONÇALVES, 2008, p. 171-172).

Um pouco mais adiante, a Alemanha, com dificuldades de manter sua


meta expansionista, é barrada pelos interesses nacionalistas da Polônia.
Desse modo, os alemães empreendem uma tentativa ousada de firmar
um acordo com seus inimigos naturais, a URSS. Então, a cartada que
esgotaria as alternativas para a manutenção da paz no continente
europeu foi dada pelo Pacto Germânico-soviético de não agressão e
neutralidade, prevenindo uma futura invasão ao território polonês e a
não intervenção dos russos. E “em 23 de agosto de 1939, assinou um
pacto de não agressão com a Alemanha, o conhecido Pacto Molotov-
Ribbentrop” (GONÇALVES, 2008, p. 172) e abre caminho para início
de uma guerra com o ocidente que ficaria chocado com a manobra
impensável, mesmo para os socialistas europeus.
104 UNIUBE

PONTO-CHAVE

Havia um consenso entre as potências europeias de que a Alemanha


deveria crescer em direção à URSS. Porém, neste sistema de ações, há
uma grande complicação quando aparece uma dubiedade mal negociada
entre os nazistas e os ocidentais. Se a Alemanha conseguisse assediar
as fronteiras da URSS, isso queria dizer que ela se transformaria na
maior potência dentro do continente. Era bem isso que Hitler desejava. A
Polônia era a última fronteira para que concretizasse isso e, tardiamente, os
capitalistas quiseram barrar o avanço alemão sobre o país.

Mas, a Alemanha caminhava para a guerra e, segundo as palavras de


Josep Goebbels, esse seria um conflito bastante diferente para o povo
alemão:

Alguns farão a guerra para ganhá-la, mas o povo


alemão e seus líderes já se movem em um universo
“onde nada mais tem sentido, nem o bem nem o mal,
nem o tempo ou o espaço e onde o que os outros
homens chamam de êxito não pode servir como critério.
(GOEBBELS In: VIRILIO, 1993, p. 129).

3.1.2 O teatro de operações

Em 1939, no cumprimento de sua meta expansionista, a Alemanha invade


a Polônia. Pouco mais de duas semanas são suficientes para que o país
do leste capitulasse. A surpreendente força de operações de guerra alemã
aniquilaria o atrasado exército polonês. Este utilizando da força de cavala-
ria contra a impressionante estratégia alemã de ataque, a Blitzkrieg, uma
combinação de ataque aéreo, invasão por terra, utilização dos panzers e
consequente ocupação das tropas. Restaria a ação isolada da resistência
polonesa que, durante o início da ação alemã, promoveu estragos, embora
previstos como cotidianos e inevitáveis pelas tropas de nazistas.

A batalha da invasão da França seria arquitetada em fins de 1939. Os


franceses reforçariam a zona fronteiriça com a Alemanha, imaginando um
conflito nos moldes da Primeira Guerra, a chamada Linha Magigot, que
UNIUBE 105

corta a Alemanha com mais de 800 km entre os dois países. Mas, o plano
de ataque alemão seria a invasão pelo norte francês, o que pegaria de
surpresa. Desse modo, a Bélgica seria a porta de entrada para a França.
O surpreendente nesta operação é que o exército alemão escolheria
como rota de passagem a fechada floresta das Ardenhas. Rapidamente,
a Alemanha transpassaria aquele território e progrediria em direção a
Paris. As tropas francesas concentradas na Linha Magigot partiriam em
movimento inverso, em uma desesperada corrida para chegar antes das
forças germânicas.

Paris capitulou e foram assinados tratados para a criação de um governo


colaboracionista, instalado na cidade de Vichy. O exército, sob o comando
de Charles de Gaulle, não aceitou a rendição e com a ajuda do exército
inglês, se instalou no norte proclamando ser o centro da resistência e do
governo francês.

Hitler ordenou que retirassem o vagão onde o general Foch assinou a


rendição em 1918 e, instaladas em Paris, as tropas alemãs teriam todo
o custo das operações pagos pelos franceses. Pior que a ocupação para
os compatriotas de De Gaulle era a imagem no exterior do governo de
Vichy que arranhava a França na dubiedade da colaboração. Nos diários
pessoais de Hitler, nota-se que a ocupação da França mais parecia uma
estadia de férias: visitas a museus e a fruição da vida noturna da cidade
luz, esta era a cena onde estava sendo travado o próximo plano. Nos
bastidores da guerra, o ministro de relações exteriores, Ribbentrop, dizia
que “jamais se cansava de dizer a Hitler que os ingleses só cederiam
a ameaças, e não à conciliação, e convinha a Hitler acreditar nele.”
(TAYLOR, 1979, p. 236).

SAIBA MAIS

A Resistência Francesa constituiu uma oposição à ocupação nazista, bem


como auxiliou na formação dos novos governos. O filósofo Jean-Paul Sartre
participou desse grupo e fez dura oposição ao que ele considerava um
governo golpista, o de De Gaulle, no futuro.
106 UNIUBE

A geoestrutura da guerra exigia que os alemães se apoderassem dos


minérios encontrados na Noruega. Os ingleses procuraram intervir
impedindo a fácil ocupação do território gelado do país escandinavo. A
batalha da Noruega foi a primeira no Mar do Norte, entre as várias que
teriam como território as profundas e turbulentas águas dos oceanos.
Os principais conflitos se deram entre ingleses e alemães. A derrota da
Noruega impingiria a Chamberlain os mais baixos índices de aprovação
como Primeiro Ministro, o que promoveria a troca por Wiston Churchill.
Mas, antes, a Alemanha colocaria em prática o que seria o golpe final da
conquista europeia, a tomada da ilha Britânica.

Nos primeiros meses, a força da Luftwaffe bombardeou a costa da ilha. O


constante sucesso da “operação Leão” inutilizou boa parte das instalações
militares da Grã-Bretanha. Mas, a inédita invasão do território não prometia
facilidades. A RAF (Força Aérea Britânica) iniciou o contragolpe. A demora
da guerra contra a Inglaterra impacientaria Hitler. Os ingleses resistiam
e os alemães promoviam bombardeios em Londres, contra civis. O fato
desencadeou discursos e revoltas democráticas. Bombardear importantes
capitais era uma das estratégias de Hitler, mas a forma obstinada com que
a Luftwaffe realizaria os ataques teria a intenção de forçar a Inglaterra a
se render a qualquer preço. Mas, ao contrário, os britânicos prolongariam
a angústia alemã e o sofrimento da população motivaria ainda mais a
resistência civil e o apoio às decisões do Ministro Churchill.

Com o desgaste da batalha da Inglaterra, Hitler sabia que sua infraestru-


tura necessitaria de matéria-prima abundante para superar seus adversá-
rios que recebiam apoio norte-americano. Sua guerra, naturalmente, seria
contra a URSS. Ideologicamente, o conflito estava preparado contra os
comunistas (o bolchevismo); talvez a maior doença internacional herdada
do judaísmo, segundo os nazistas. Stálin sabia que, mais cedo ou tarde,
ela ocorreria e Hitler temia ser atacado quando desguarnecesse suas
forças no leste por conta de uma guerra no Ocidente. Prevendo a ação
alemã, desde o Tratado Ribbentrop-Molotov, os soviéticos promoveram
o deslocamento de suas indústrias estratégicas para a região dos Urais,
onde garantiriam a produção para uma longa guerra. Nos Urais, elas
estariam seguras contra qualquer ataque do pacto anticomintern.

Os nazistas estavam em um dilema. Se esperassem a vitória contra os


britânicos poderiam não mais ter forças para destruir os soviéticos em curto
UNIUBE 107

espaço de tempo. No momento em que preparavam o ataque ainda teriam


como destruí-los em poucos meses. Homens, tanques, aviões e armamen-
tos ainda estavam em condições de promover o sucesso da “Operação
Barbarossa”. Porém, o ataque ao leste abriria as temidas duas frentes
de batalha, os contingentes de guerra seriam bem maior, assim como
os gastos. Caso ocorresse um contra-ataque coordenado entre russos e
ingleses, os alemães sabiam que seria difícil resistir. Mas, a espera e a
paciência nunca foram virtudes de Hitler, que sempre preferiu a ação.

EXPLICANDO MELHOR

A tensão antes da invasão da URSS era a respeito da possibilidade desta


agir primeiro e surpreender os alemães. Ninguém sabia ao certo qual era
a força que se guardava no país comunista. Quando Stálin ainda mantinha
grande parte do contingente no possível front oriental, as tropas alemãs
viram a oportunidade de iniciar as operações pelo Ocidente.

Hitler mobilizou o contingente para a “Operação Barbarossa”, ou seja, a


invasão à URSS. No plano alemão, esta seria a maior e mais bem-sucedi-
da operação de guerra da história. O sucesso estava ligado à velocidade
com a qual ela deveria ocorrer. O surpreendente início demonstrava a
velocidade com a qual ela aconteceria e sua colossal reunião de combaten-
tes. Mas, como explica Taylor, era uma empreitada arriscada, apesar de
esperada desde o início do conflito:

A Rússia isolou-se da Europa e deixou de existir, por


algum tempo, como grande potência. A constelação
europeia foi profundamente modificada – e para
vantagem da Alemanha. Onde houvera antes uma
grande potência em sua fronteira oriental, havia agora
uma terra de ninguém de pequenos Estados, e além
dela, as sombras do desconhecido. Ninguém podia
dizer, muitos anos ainda depois de 1918, se a Rússia
dispunha de força, e no caso positivo, de que forma a
empregaria. (TAYLOR, 1979, p.41).

Antes, a execução do plano seria adiada, quando os italianos precisa-


ram de apoio para realizar a invasão da Grécia. E os soviéticos, embora
108 UNIUBE

tivessem tudo em mãos para saber que ela ocorreria, decidiram por deixar
a fronteira ocidental como estava, sem o devido reforço.

Rapidamente, a gigantesca blitzkrieg cumpriu seus objetivos de ataque.


A infraestrutura da guerra fornecia todo o possível para aquela enorme
operação militar. Avançando pelo leste, embora sofresse resistência dos
povos locais, os alemães ainda conseguiriam organizar um exército de
dissidentes do regime stalinista e se juntariam aos nazistas. As minorias
germânicas destas regiões do leste comemoravam a passagem do que
parecia ser a constituição plena do Grossraum (a Grande Alemanha), que
ocuparia desde os Urais até o oeste europeu. Historiadores afirmaram
com razão que, se não fosse pela política racial, Hitler teria conquistado
apoio decisivo na derrubada do comunismo soviético. Mas, a guerra dos
nazistas não era somente militar. A vontade de submeter aqueles povos
à escravidão, até que se esgotassem, impediam que os alemães fossem
vistos como aliados. Na visão dos nazistas, certos povos estavam em
categorias inferiores da escala humana, destinados a se submeter à
ocupação dos alemães, o que se tornou, a longo prazo, uma questão
pessoal para cada homem do leste europeu.

Assim, enquanto os nazistas avançavam e submetiam os povos eslavos


ao seu domínio, o avanço era promissor. A direção dos generais apontava
para Moscou, e a marcha contínua não era detida pelas forças do leste
que recuavam. A poucos quilômetros de Moscou, algumas tropas lutavam
nos subúrbios e já miravam o não tão distante Kremlin. À medida que se
aproximavam da capital russa, a resistência dos soviéticos aumentava.
Porém, o grosso das tropas alemãs e do material bélico parecia sofrer
com uma nova resistência nos campos de batalha.

Em outubro, iniciaram-se intensas chuvas no território do leste, era o anúncio


do rigoroso inverno na Rússia, provavelmente o maior reforço militar que
conseguiriam. Outra ajuda para a desesperada URSS viria dos próprios
adversários. A indecisão de Hitler e seus generais sobre como ocupar o
território soviético.
UNIUBE 109

RELEMBRANDO

A grande maioria dos oficiais soviéticos foi julgaa no “Grande Terror” dos
“Expurgos” no Partido Comunista na década de 1930 na URSS. Como a
maioria do Exército Vermelho havia sido formada por Trotsky, continuar com
os mesmos generais que fizeram a Revolução de Outubro e outros advindos
da época do Czarismo parecia um pouco arriscado para a manutenção do
poder por Stálin. Por outro lado, vários estrategistas militares competentes
haviam sido impedidos de dar sua valiosa contribuição na Segunda Guerra
Mundial. Muitos estudiosos afirmam que a URSS teria vencido mais rapida-
mente se não fossem os inúmeros erros do ditador soviético.

Próximo à Moscou, as tropas nazistas estavam ansiosas para tomar a


capital. Segundo sua crença, constituía o centro de tudo que mais odiavam,
o projeto judaico-bolchevique. A direção de anos de esforço e das prepara-
ções das escolas militares era ver a capital, Moscou, rendida pelos alemães,
e aniquilar o movimento comunista internacional, ferindo profundamente
os socialistas que ainda resistiam em toda a Europa e ainda constituíam
o grosso da luta contra o fascismo. A vitória era mais simbólica que militar,
pois não era possível calcular os estragos que ela promoveria na moral do
regime stalinista e do próprio país. Militares bem o sabem quanto o “moral
da tropas” é valioso em batalhas e como revigora o ânimo, fazendo-se
esquecer os combatentes mortos e feridos ao longo do caminho, estabele-
cendo outro sentido à vida dos que ficaram para trás e fazendo parecer que
a vida dos presentes não terá fim. Porém, uma noção mais generalista da
guerra convenceria Hitler a deslocar contingentes decisivos na capitulação
de Moscou e direcioná-los para o Cáucaso.

O sudoeste da URSS é rico em recursos importantes para a estrutura


material bélica, principalmente naquelas condições em que os alemães
estavam. Aproximava-se o inverno e a garantia dos postos de petróleo
da região era vital para a manutenção da máquina de guerra alemã. A
longo prazo, isso significaria vencer a guerra. Moscou poderia esperar.

Alguns pontos estratégicos haviam sido tomados, quando o contínuo


resfriamento das temperaturas juntamente com as chuvas transformaram
o território soviético em um completo lamaçal. O exército alemão diminuiria
110 UNIUBE

a marcha por força maior. O gigantesco pântano que havia se transformado


o campo de batalha prejudicaria a execução dos planos que, em teoria,
seriam rápidos.

O território soviético era vasto e distante da capital Berlim, que era de


onde sairiam os recursos e decisões de guerra. O atraso faria com que as
tropas alemãs fosse entregues à sorte. A marcha lenta seria desse modo
estacionada. Tanques de gasolina dos jipes congelavam e o intenso frio os
inutilizavam. Os panzers deslizavam e não se moviam no gelo. Com boa
parte da força estacionada, os soviéticos cresceram, na medida em que
o inverno se tornava mais rigoroso para ambos. Porém, adaptadas à fria
estação, as forças de Stálin saiam-se melhor. A Alemanha não tinha outra
saída senão resistir, e cada vez mais fria a temperatura chegava a picos
de aproximadamente 40 graus negativos. O mês de dezembro de 1941
marcaria o contra-ataque russo e o fim da primavera da guerra para Hitler.

No mesmo decisivo ano de 1941, quando a guerra ainda caminhava em


favor das forças fascistas, o Japão impingiria o ataque aéreo classificado
como covarde pelos norte-americanos sobre a base naval de Pearl
Harbour, o que significou a entrada destes definitivamente no conflito.

A experiência norte-americana na Primeira Guerra estava associada


à Grande Depressão, ocasionada após o desastrado ano de 1929. Na
memória da população e de boa parte dos políticos, o isolacionismo
seria a melhor alternativa para um país que se afundara na crise após se
meter em uma “guerra europeia”. A vontade expressa de grande parte da
imprensa e de importantes setores republicanos no poder fazia com que
a postura do Congresso e da população girasse contra a participação
direta americana no conflito. Franklin Delano Roosevelt sabia que o
isolacionismo, como sinônimo de proteção, era mera ficção. Na realidade,
a economia globalizada comandada pelos EUA se apoiava amplamente
em seus aliados para sua realização, especialmente os ingleses.

O sucesso militar japonês ficou evidenciado pelo ataque a Pearl Harbor,


um bombardeio maciço por cerca de 2 horas, que destruiu 350 aeroplanos,
5 encouraçados e resultou em, aproximadamente, 3.700 vitimas entre
mortos e feridos. Após a destruição da base, os japoneses passaram a
exercer controle total sobre o oceano Pacífico. Assim, Malásia, Cingapu-
ra, Hong Kong, entre tantas outras sob controle dos aliados passaram
UNIUBE 111

às mãos do novo Império da Ásia. A frustração dos povos asiáticos, que


esperavam se ver livres do jugo dos povos ocidentais, foi verdade. Como
uma “Doutrina Monroe”, só que aplicada a Ásia (GONÇALVES, 2008, p.
179), era como se dissessem: “uma Ásia para os asiáticos” e, na aplicação,
seria um continente para o Japão.

A razão para o expansionismo ficou evidenciada pelo governo japonês


que havia se iniciado no século XIX. Com o início do século seguinte, o
desenvolvimento de suas indústrias lhes obrigam a procurar um domínio
maior sobre outras regiões.

O expansionismo era vital para o crescimento do setor industrial japonês


que necessitava de matérias-primas para seu funcionamento. Então, o
país entra em choque com as potências ocidentais. Territórios asiáticos
sob influência holandesa e norte-americana eram assediados pelo Japão,
que começou a sofrer com os embargos patrocinados pelos ocidentais.
Em 1940, os americanos suspenderam o Tratado Americano-japonês de
Comércio e Navegação, negando aos japoneses acesso às mercadorias
por preço de mercado.

O Imperialismo japonês tornou-se mais agressivo e o país resolveu ocupar


os territórios mais próximos que pudessem promover autossuficiência para
suas indústrias. Rapidamente, o Japão apropriou-se de rotas importantes
no Oceano Pacífico, para que as matérias-primas chegassem ao país.
Em contrapartida, os americanos se retiravam pouco a pouco da postura
isolacionista, até a Declaração de Guerra de Hitler, em 11 de dezembro,
após Pearl Harbour.

Roosevelt sempre enxergou a guerra naquele período como vital para


firmar os interesses norte-americanos e seu modelo econômico no
cenário mundial. A aliança com a Inglaterra de Churchill permitia ao país
fornecer matérias-primas e materiais bélicos aos países em estado de
beligerância com o fascismo. A promessa de pagamento, após a vitória,
assegurava a adoção do sistema liberal e as medidas que o país patroci-
nasse para o futuro próximo. Logo, a Carta do Atlântico “sinalizava o fim
da política isolacionista dos Estados Unidos e a intenção de trabalhar
para a organização de um sistema internacional para o pós-guerra que
não comportasse mais anexações de territórios e impérios coloniais”.
(GONÇALVES, 2008, p.181)
112 UNIUBE

Em 1 de janeiro de 1942, os norte-americanos firmaram os princípios da


Carta do Atlântico, juntamente com 26 Estados.

Logo no primeiro semestre daquele ano, esses aliados impuseram a derrota


japonesa na Ilha de Midway, contendo a progressão da expansão marítima
no Pacífico. No segundo semestre, os britânicos venceram em El Alamein,
no norte da África. A partir de 1943, os Aliados estavam em todos os pontos
na posição de ofensiva. A vitória final parecia uma questão de como fazê-la
e como reduzir, ao máximo, os custos militares e humanos.

No segundo semestre de 1943, ingleses e norte-americanos decidiram


pelo desembarque na Sicília, depois do acordo entre os chefes maiores
dos Estados britânico e americano. No Oriente Médio, os britânicos recupe-
ravam as possessões territoriais ameaçadas pelos nazistas. Uma vez
desarticulado, o domínio inglês na região seria derrubado graças à ação
provocada pelos alemães. As vitórias comandadas pelo General Montgo-
mery e o VIII Exército permitiram o controle de postos importantes no
acesso ao continente por mar e terra. Após o desembarque na Sicília, o
rei, Vitor Emmanuel III, convocou o Grande Conselho Fascista que votou
contra Mussolini. Preso, o Duce ficaria de mãos atadas e a Alemanha teria
de intervir no território italiano, ao norte, para atuar contra as bases da
resistência a dos Aliados.

A mais importante batalha da Segunda Guerra era travada desde o ano de


1942 na cidade que emprestou nome a ela, Stalingrado. A impressionante
obstinação do povo russo demonstrou aos fascistas, durante quase um ano,
que não entregariam um palmo de chão e lutariam por cada pedaço de terra
da chamada “Grande Guerra Patriótica”. Os soviéticos lutavam mais que
pela pátria, usavam o ódio aos nazistas como motor para sua ação enfática.
O povo da URSS sabia que as lutas contra os alemães representavam a
resistência contra a ideologia fascista que os consideravam raças destina-
das ao trabalho escravo. O que estaria reservado aos povos do leste, caso
ocorresse uma vitória nazista nas regiões geladas, impulsionava as forças
de cada soldado e, mais que isso, de cada ser humano.

As tropas do marechal von Paulus avançavam para dentro da cidade.


Enquanto isso, os soviéticos não baixavam a guarda após a ordem de
Stálin, que decretou levar a tribunal militar imediatamente os comandan-
tes que autorizassem uma retirada. Nenhum passo atrás foi dado, o
UNIUBE 113

que ocasionava severas baixas de ambos os lados. Assim, os soldados


soviéticos adotaram uma estratégia que inutilizasse a ação da artilharia
pesada alemã e dos tanques. Aproximaram-se dos soldados inimigos o
mais que poderiam travando um combate corpo-a-corpo.

Todos os edifícios e ruas da cidade tornaram-se importantes pontos


estratégicos para a decisiva batalha. As construções e ruínas formavam
um intenso front, de onde tudo parecia “terra de ninguém”. O controle
de pontos estratégicos mudava de mãos a todo momento e, em uma
grande operação de tanques e soldados, os soviéticos definitivamente
venceram os alemães em fevereiro de 1943 e iniciaram a contraofensiva
da guerra. Dali em diante, os russos varreriam os nazistas que tentariam
ainda outros contra-ataques em vão.

Nos mares do Atlântico e Pacífico, os ataques dos submarinos aos contra-


torpedeiros e porta-aviões deixariam os oceanos ainda mais turbulentos.
As destacadas batalhas nas águas do Mar do Norte provocariam tensão
nos marinheiros que nunca obteriam segurança plena, pois os ataques
dos submarinos eram traiçoeiros. No Pacífico, a intensa movimentação
nas águas trariam novos combatentes para o mar, os kamikazes, atrasan-
do a conquista norte-americana de algumas ilhas próximas ao Japão. A
ação dos pilotos japoneses danificou, aproximadamente, cinco centenas
de porta-aviões até encouraçados. Os pilotos lançavam seus aviões
sobre os navios e se matavam em uma atitude que se tornou mítica no
ambiente da guerra. O impressionante autossacrifício dos pilotos japone-
ses provocaria o terror no Pacífico e o alerta constante dos combatentes
norte-americanos. No Japão, esses pilotos eram lembrados como heróis
e passariam dias de descanso com os familiares antes da partida. Vestir-
-se-iam para suas missões e, crentes do seu ato glorioso, atacariam em
nome do imperador Hirohito. Os kamikazes que não tinham sucesso
e caiam ao mar e que, por sorte sobreviviam, eram feitos prisioneiros
dos intrigados combatentes americanos que, atônitos, passavam horas
tentando entender a razão de se sacrificarem como se a resposta estives-
se em seus rostos. No máximo, descobririam que eram homens como
eles e que estavam sob condições e cultura que lhes propiciariam tal
atitude como saída e, talvez, naquelas condições, eles também fizessem
o mesmo, nada mais.
114 UNIUBE

3.2 O Brasil na Segunda Guerra Mundial

A Segunda Guerra Mundial marcou uma virada no estabelecimento do


Brasil no cenário internacional, ainda que muito limitada. Muitos historiado-
res destacaram o papel de Getúlio Vargas na gestão das crises em torno de
sua posição como estadista, elevando os interesses nacionais sobre outras
nações e a guerra. Mesmo com a indiscutível presença dos EUA na região,
o governo Vargas ainda haveria de barganhar o apoio brasileiro aos Aliados,
que estavam dispostos a pagar bem menos que o populista ditador exigia.

Após o Golpe do Estado Novo e sua consolidação em consonância com


os golpes totalitários na Europa, a mesma falsificação histórica aparecia
no Brasil, porém, com uma justificativa diferente. Segundo o governo
Vargas, havia uma conspiração internacional para estabelecer o comunis-
mo no país. Mas as semelhanças não terminam por aí. Em um discurso
no porta-aviões Minas Gerais, o ditador deixa claro suas intenções de
apoio ao projeto antiliberal dos fascistas e, em vários pontos, há em
comum o estabelecimento de uma política baseada em princípios totali-
tários. Mas, pela própria conjuntura do continente, não havia como se
estabelecer contrariamente aos EUA e a posição deste era clara.

SAIBA MAIS

A aproximação com a Itália e a Alemanha, em alguns pontos, se constituía


pela influência da imigração destes povos e, algumas vezes, a aproximação
era também cultural e comercial. Os clubes de futebol Palmeiras e Cruzeiro
só receberam este nome depois de rompidas as relações com o Eixo, antes
se chamavam Palestra Itália.

Os norte-americanos encaravam o fascismo como séria oposição antide-


mocrática e antiliberal desde sua autoafirmação como potência que
ultrapassaria a política clássica do Liberalismo. Como se percebe, o
governo norte-americano declara oposição a Hitler auxiliando a Inglater-
ra, mas não havia clima dentro do país que favorecesse uma intervenção
no que eles chamariam de “guerra europeia”, de acordo com os jornais
da época. O apoio americano limitava-se ao fornecimento logístico até o
UNIUBE 115

ano de 1941, quando ocorre o ataque à base naval de Pearl Harbor, no


Pacífico. Com a consequente declaração de guerra às forças do Eixo, o
país necessitou de todos os recursos para vencer, e o Brasil passa a ser
estratégico no fornecimento de matérias-primas e na geografia privilegiada
quanto à sua proximidade da África.

A posição brasileira não era tão bem definida quanto à urgência americana
esperava. O Brasil era um país atrasado, sofria com o analfabetismo em
larga escala e necessitava urgentemente de reformas. Nesse sentido,
Vargas tinha conversas adiantadas com Hitler na obtenção de um apoio
para a modernização do país. Vargas queria que o Brasil definitivamente
entrasse na modernidade e se tornasse um Estado moderno, na primeira
metade do século XX, isso significava ser um país capaz de produzir o
próprio aço. O país limitava-se a exportar matéria-prima, faltava ao Brasil
uma companhia siderúrgica, e Vargas estava empenhado em aproveitar
o contexto internacional para criar uma.

Vargas tratou de conciliar seu ideal de nacionalização da indústria de base


com conversas com a Alemanha, visando o apoio na construção dessa
companhia. Conseguiu a promessa de Hitler que apoiaria o projeto, além
de emprestar tecnologia e ciência, mas, somente após o término da guerra,
pois estavam totalmente comprometidos com o conflito. Mas, a posição um
tanto dúbia do governo brasileiro serviu para que os EUA se adiantassem e
fortalecessem as negociações com o Brasil.

Para os norte-americanos, o ponto mais ao Oriente das Américas, que


é Natal – RN, era uma localização estratégica para a defesa do Canal
do Panamá e a chegada ao continente africano. A construção de uma
base ali suscitava problemas quanto à soberania do país e exigiam a
máxima cautela. Mas, tal instalação era inevitável após Pearl Harbor
e a consequente extensão da guerra a todo Eixo com o desembarque
das tropas norte-americanos em Natal. Assim, pode-se considerar essa
negociação um sucesso da diplomacia brasileira, que transformou algo
inevitável em um apoio à modernização do país.

Necessitando do uso da base, os EUA utilizam todo seu arsenal ideológico


para conquistar a simpatia dos brasileiros. O “Zé Carioca”, personagem
criado por Walt Disney, refletia a adoção de uma política de “boa vizinhan-
ça” estendida à América Latina.
116 UNIUBE

Com a pressão exercida, o Brasil rompe relações com o Eixo em 1942. O


governo norte-americano seguia reticente em financiar a construção da
Companhia Siderúrgica Nacional, pois representaria o fim da dependên-
cia brasileira em relação ao aço importado dos EUA.

Após complicadas negociações, o Congresso norte-americano aprova


o empréstimo do financiamento da Companhia Siderúrgica Nacional. As
instalações teriam sede na cidade de Volta Redonda, no Rio de Janeiro.
Formalmente, o Brasil apoiava os Aliados desde janeiro de 1942.

A partir de um grande esforço empreendido no país, a população brasilei-


ra é convocada neste primeiro momento ao “front interno”. Pararam as
indústrias e os abusos dos patrões sobre a produção dos trabalhado-
res ganharam uma justificativa internacional. A borracha extraída na
Amazônia seria o primeiro grande esforço direcionado para auxiliar os
Aliados na produção de artigos militares. Surge assim, o papel importante
do “soldado da borracha”. Mesmo não sendo produzido o número espera-
do do látex que ingleses e americanos gostariam, a produção brasileira
contribuiu bastante.

RELEMBRANDO

O front interno ainda teria as funções de oportunizar o controle da produção


e dos movimentos sociais, assim como em todos os países. Outro slogan
conhecido na época era o “esforço de guerra”, justamente para fortalecer a
ideia de que a exploração era necessária para vencer o inimigo.

Em 1942, após o desembarque das tropas americanas em Natal e Recife,


os alemães torpedearam vários navios mercantes brasileiros provocando
a morte de mais de 600 pessoas. Alguns questionaram a validade da
justificativa como um ataque alemão e tentaram jogar a responsabilidade
nos americanos para que o país declarasse guerra ao Eixo. Posterior-
mente, a historiografia justificou e comprovou o ataque alemão. Pela
argumentação apresentada, torna-se totalmente clara a postura nazista.
Provas documentais das forças armadas alemãs evidenciam as ordens
expressas e as coordenadas para o afundamento das embarcações.
UNIUBE 117

Getúlio Vargas acreditava em um novo quadro na política internacional


e gostaria que o país assumisse novas posições no contexto político
que brotaria da resolução do conflito. A possibilidade de enviar tropas
para o exterior residiria na justificativa de que o país teria posições de
destaque na conjuntura política, caso os Aliados saíssem vencedores.
O envio de tropas brasileiras estava sendo acertado entre os Aliados no
ano de 1943. Missões de reconhecimento, patrulha, vistoria e prisão de
inimigos estavam sendo preparadas para o cumprimento dos “pracinhas”
(soldados brasileiros na 2ª Guerra) da FAB – Força Aérea Brasileira e da
FEB – Força Expedicionária Brasileira.

Milhares de soldados brasileiros foram enviados para lutar na Europa


e as tropas “tupiniquins” ficaram sob o comando do V Exército Norte-
-americano. Alguns historiadores apontam que era flagrante o despre-
paro dos “pracinhas” em comparação com as tropas americanas. Outros
exageram defendendo a ideia de que os brasileiros foram “passear” na
Europa, demonstrando desconhecimento ou desdém sobre a difícil vida
dos combatentes em um front de batalha.

Preparadas ou não, foram atribuídas aos soldados brasileiros as duras


missões de combater as tropas alemãs e os colaboradores fascistas em
Monte Castelo, Castelnuovo e Montese. A elite do exército alemão se
concentrava no front oriental combatendo os soviéticos e, no ocidental,
esperando conter a vitória dos Aliados na França, Países Baixos e na
própria Alemanha. Apesar das dificuldades apresentadas pelos brasilei-
ros em Monte Castelo, levando-se em consideração o clima e a topogra-
fia acidentada, aumentadas pelo referido despreparo material do nosso
exército, as missões devem ser consideradas como um grande sucesso.
As esquadrilhas dos pilotos da FAB conquistaram reconhecimento e
condecorações oficiais da perícia demonstrada nas missões pilotadas
pelos brasileiros.

CURIOSIDADE

Eram lemas das tropas brasileiras os reconhecidos: “Senta a pua!” e “A


cobra vai fumar!”
118 UNIUBE

No final da guerra, os brasileiros realizaram missões de patrulha na Itália


e esperavam o regresso colhendo os frutos dos sucessos das missões.
No país, o clima ficaria tenso porque, embora o Brasil houvesse ajudado
na derrubada de um ditador no exterior, o povo brasileiro ainda vivia sob
uma ditadura semelhante à que combatera lá fora.

Com a natural queda do fascismo após a vitória Aliada, não tardaram


em movimentar-se para que Getúlio Vargas deixasse o governo. Forças
conservadoras arriscaram-se em uma campanha contra o ditador que se
apoiava nas medidas populistas e trabalhistas concedidas anos antes do
fim da guerra. Mesmo o exército brasileiro em seu retorno foi utilizado
em uma campanha para a retirada de Vargas do poder com um slogan
parecido com “derrubamos o ditador no exterior, agora e derrubaremos
no Brasil”. As contradições envolvendo o governo do Estado Novo com a
postura a qual combatia no exterior levou as forças políticas a removerem
os traços antidemocráticos dos últimos anos de seu mandato. A derrota
totalitária ocasionou a adoção de medidas democráticas que enfraque-
ceram o seu governo. Com a libertação dos presos políticos, retorno
dos exilados e eleições marcadas para o fim de 1945, além do Partido
Comunista ter sido retirado da ilegalidade, para citar algumas delas.

A abertura política empreendida em 1945 acirrou as disputas políticas


entre os setores mais distintos da sociedade, uns desejavam a saída e
outros o continuísmo, abraçados no slogan do Queremismo, “queremos
Getúlio”. A elite organizada em torno da campanha democrática defendia
sua maior participação nas políticas elaboradas pelo governo, enquanto
que os trabalhistas e mesmos os comunistas apoiariam Getúlio Vargas.
O movimento ganhou as ruas e a população, refletindo a popularidade de
Vargas, que estendiam o apoio a ele. No final de outubro de 1945, militares
liderados pelos generais Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra cercaram o
palácio do Catete e obrigaram-no a renunciar. Com sua renúncia, foi adiada
a convocação de uma Assembleia Constituinte para o país e as eleições
do mesmo ano fizeram vitoriosa a candidatura de Dutra.

3.3 A definição da Guerra

A Alemanha ainda sofreria com a abertura da terceira frente de guerra no


ano de 1944 no Mar do Norte, mais precisamente na Normandia, o que
UNIUBE 119

passaria a ser chamado de “o Dia D” pelo bloco Aliado. Aproximadamente,


150 mil soldados desembarcaram na praia francesa, no dia 6 de junho
daquele ano, abrindo a última ferida para a derrota alemã.

Historicamente, os ingleses sempre aportaram no território francês de Pás


de Calais e, nessa mesma localidade, concentrava-se o maior número
de soldados nazistas à espera da invasão. O grande contingente das
tropas alemãs estava tentando, em vão, conter o avanço soviético que,
sistematicamente, libertava cidades e prisioneiros dos nefastos campos
de extermínio.

DICAS

O filme “O mais longo dos dias”, produzido nos EUA, é dos mais caros
realizados da década de 1960. Apesar do fracasso em premiações, o retrato
da invasão à praia da Normandia foi dos melhores resultados conseguidos
no cinema. Desde a ação da resistência francesa pela noite até o final do dia
da invasão da praia tudo foi retratado com fidelidade. Ainda há um detalhe
curioso; no filme há uma sequência que mostra dois soldados alemães
pedindo reforços de dois tanques para conter a invasão que se anunciava
no horizonte. Mas, o superior lhes nega, porque somente Hitler poderia
autorizar os envios e ele havia tomado comprimidos para dormir e ordenou
que ninguém o incomodasse sob qualquer hipótese.

A concentração de alemães em Calais era conhecida dos Aliados porque era


o caminho mais curto entre Inglaterra e a França. Na Normandia, a invasão
parecia ilógica. Mesmo sendo alertado pelo general Rommel, Hitler não o
escutou e não enviou reforços para lá. A operação por parte dos Aliados era
um segredo muito bem guardado pela alta cúpula militar, mesmo alguns
oficiais sabiam apenas que estava reservada uma operação de grande
escala, mas em que local e quando aconteceria somente seria avisado
minutos antes da partida. A concentração de soldados ingleses, america-
nos, franceses e outros denunciava que a invasão não tardaria em ocorrer.

Faltando um quarto de hora para as sete da manhã, do chuvoso dia 6 de


junho de 1944, os soldados alemães, que guarneciam a praia, avistaram,
no horizonte, uma concentração de navios pouco vista na história. A
120 UNIUBE

invasão no continente foi dura e custosa para os Aliados, que sofreram


com o mau tempo e a geografia de alguns lugares. Mas, a ação foi
colossal e não haveria como não tomar o controle da praia.

Empurrados pelo continente adentro, os alemães foram perdendo seus


territórios na França. Em agosto, os Aliados libertaram Paris. A liberta-
ção da capital francesa foi realizada pelas forças do III Exército, sob
liderança de De Gaulle, patrocinado pelos norte-americanos e auxiliado
pelos comunistas, que formavam grande parte da Resistência contra os
nazistas. Desobedecendo as ordens de Hitler, as tropas do Führer não
queimaram a cidade como ele gostaria.

Ao contrário, bateram em retirada e o alto comando dos nazistas em


Paris assinou sua rendição e se entregou.

Restabelecidas as forças armadas e o moral francês, De Gaulle inicia a


4ª República, que era uma clara manobra para retirar os socialistas do
poder. Em frente, marchariam para Berlim.

A marcha Aliada para a capital alemã enfrentou resistência na fronteira com


os Países Baixos. Os nazistas utilizariam todos os recursos quanto possíveis
dificultando a operação no front do Ocidente e, acima disso, manteriam
a maior parte de seu exército no front oriental. Os soviéticos imprimiram
forte ritmo e pesada artilharia contra os alemães, que perdiam, recuavam
e aumentavam o ritmo das câmaras de extermínio dos prisioneiros nos
campos de concentração. Mesmo com os mais experientes oficiais alemães
concentrados no leste, o avanço russo parecia motivado por forças maiores.
A vingança contra a discriminação das “raças superiores” era tão pesada
quanto foi a conquista dos alemães nos territórios do leste. A ocupação
dos soviéticos na Alemanha seguiria a mesma barbaridade e, em algumas
cidades, os comandantes militares determinavam dias de “festa”, locais
escolhidos para que as tropas fizessem o que bem entendessem.

DICAS

A relação entre a Igreja Católica de Roma e o Holocausto ainda não foi muito
bem esclarecida. A posição de neutralidade da Igreja era justificada pelo seu
envolvimento com as duas potências fascistas. Muitos defendem que, durante
UNIUBE 121

todo o tempo, ela sabia sobre o extermínio nos campos de concentração e


oficiais alemães haveriam de pedir a intervenção do Papa, que se abstinha,
como podemos verificar no filme de Costa Gavras, “Amén”. A favor da Igreja,
o filme “O escarlate e o negro” retrata a atitude de um padre irlandês que
ajudaria centenas de pessoas a escapar dos campos de concentração na
Alemanha. “A lista de Schindler” também trata sobre o Holocausto, mas de
uma forma mais abrangente sem tocar no problema da Igreja.

Berlim, conquistada cinco dias antes pelos aliados ocidentais, tornou-se


um caos para Hitler, que se refugiou em seu bunker, casando-se com sua
amante, Eva Braun. Ao final, ele acabou se suicidando. Seu testamen-
to político pregava a resistência incessante à ocupação pelos Aliados e
reforçava a contenção do avanço do “povo judeu internacional” em referên-
cias claras ao Liberalismo e ao Comunismo. Antes de se matar, o chefe
da propaganda, Joseph Goebbels, idealizava acordos com os Aliados
para a contenção do avanço soviético que, segundo justificava, tomaria
a Europa inteira e levaria a Revolução Socialista para todo o continente.
Haviam defensores da ideia de que a guerra deveria ser travada em campo
alemão, mas, agora, contra os soviéticos e contra o polêmico general
americano, Patton. Este faleceria semanas depois do término da guerra,
quando uma carroça o prensaria contra a parede em um acidente.

DICAS

O filme alemão, “A Queda”, retrata os últimos dias antes do suicídio de Hitler.


Escondido em seu bunker (abrigo antibombas), o ditador casa-se com sua
amante, dá ordens e vê seu final se aproximar. O trabalho do ator que interpretou
Hitler no filme foi muito elogiado por mostrar ao público a dimensão humana do
ditador. Por mais que sejamos propensos a negar, a visão do filme é a de que
qualquer um de nós podería ser capaz das atrocidades pelas quais ele foi respon-
sabilizado e que mesmo nos calamos em relação às que ocorrem atualmente.

A “estranha Aliança” entre soviéticos e “americanos-ingleses-franceses”


era totalmente inválida no campo ideológico e com desconfianças de
ambos os lados. Os oficiais alemães, quando podiam, preferiam se
122 UNIUBE

entregar aos americanos, e não aos russos. Parecia haver um intruso


que não era muito bem-vindo na festa, mas que teriam de aceitar.

PARADA PARA REFLEXÃO

Ao final da guerra na Alemanha, os norte-americanos organizaram imedia-


tamente visitas dos cidadãos das cidades aos campos de concentração.
O choque dos cidadãos pode ser conferido em imagens de documentários
como “As cores da Guerra”, o qual retrata como as pessoas ficavam pasmas,
enojadas, atônitas e desesperadas, diante de tal cenário...

Desde o início da guerra, a “Estranha Aliança” tornava o promissor


pós-guerra obscuro. Roosevelt e Churchill estavam ligados pelo projeto
liberal, claramente dispostos a tudo quanto possível para assegurar seus
interesses em um modelo internacional que os favorecessem. Stálin
destoava do grupo quanto ao modelo ideológico e econômico. Consti-
tuindo-se em uma potência industrial e militar, os Aliados não poderiam
vencer os nazistas sem a URSS, da mesma maneira que a ajuda fornecida
em materiais pelos EUA os favoreceram largamente. Tinham um inimigo
comum, os nazi-fascistas. Derrotá-los significava assegurar interesses
nacionais de ambos os projetos, comunistas ou capitalistas.

Churchill acreditava na defesa de seu Império ultramarino. Roosevelt


visava a consolidação de um sistema liberal que seria capaz de contar
com a colaboração entre EUA, Inglaterra e URSS. Stálin queria assegurar
a tranquilidade de suas fronteiras e estabelecer de vez a URSS no
cenário internacional. O chefe de Estado soviético teria diálogos nestes
termos com o inglês, porém, com Roosevelt, era limitado a conversar
quando atingiam estas esferas. Na Conferência de Teerã, em 1943,
Stálin, Churchill e Roosevelt sentaram-se e definiram a estratégia para as
possessões e o sistema do pós-guerra. Posteriormente, a Conferência de
Yalta, em 1945, e, no mesmo ano, em agosto, a Conferência de Potsdam
definiram a configuração política do mundo pré-Guerra Fria.
UNIUBE 123

3.4 A Bomba atômica

No início da década de 1930, os jornais italianos estampavam, em suas


páginas, fotografias de um homem magro, branco e de média estatura
com as inscrições no pé da imagem aconselhando quem o visse para que
comunicasse aos órgãos do governo. Poucas informações apareceram;
dentre elas, uma testemunha que declarou tê-lo visto desembarcar em
uma cidade do interior italiano. Nada encontraram, nem os apelos de
Mussolini que, oficialmente, havia manifestado precisar de qualquer
informação que levasse ao paradeiro do jovem cientista. Mas, o que
teria de tão especial Ettore Majorana para que se tornasse alvo de uma
intervenção do ditador italiano?

Acredita-se que Majorana havia desenvolvido cálculos em relação à


física quântica que culminariam na possibilidade real da construção
de uma bomba atômica. A energia nuclear existia para funcionamento
das indústrias e se mostrava útil visando a possibilidade de um
desenvolvimento sem a utilização dos recursos finitos, como o petróleo.
Os oficiais do exército fascista salivavam quando imaginavam que
estavam próximos de uma arma com poder sem precedentes na história.

Os cálculos de Majorana mostraram que ele sabia como concretizar essa


possibilidade. Consciente do que seus estudos provocariam, o cientista
voluntariamente sumiu. Em princípio, acreditavam se tratar de uma armação
dos fascistas, que prenderiam o cientista e desenvolveriam a arma. Mas, o
desespero expresso na procura e a não concretização de uma arma fizeram
todos crer que ele, voluntariamente, desaparecera e levara consigo o que
sabia. Testemunhas o viram embarcar em um trem para Palermo. Percorre-
ram seu trajeto, mas, em vão. Ele desaparecera de forma tão habilidosa que
mal tinham pistas de seu paradeiro. Majorana nunca mais foi visto.

Algo havia restado da busca pelo cientista, a crença e a prova de que


estavam perto da concretização de um projeto de energia atômica para
fins militares. A década de 1930 foi de intensa busca pela concretização do
projeto de energia nuclear, mas o período de crise e reformas políticas e
econômicas não permitia investimentos vultosos na elaboração e concreti-
zação do projeto nuclear. Ainda assim, os projetos seguiram, as pesquisas
continuaram e as fórmulas apareciam, exigindo esforços para sua realização.
124 UNIUBE

A truculência aberta com a qual a política nazi-fascista manifestava o


ódio pelos povos do leste, fazia com que buscassem, logicamente, o
uso da energia nuclear para fins militares. Cientistas e pesquisadores
preferiram exilar-se, como foi o caso de Einstein e o colaborador dos
norte-americanos, Bohr. Os nazistas a perseguiram, mas algo faltava no
projeto nuclear alemão comandado pelo dúbio Heisenberg. Enquanto
isso, a construção da bomba pelos EUA se desenvolvia. Os testes
nucleares dos anos 1940, no deserto do Arizona e no Novo México,
demonstravam que os americanos tinham condições de ter a bomba.
Para isso, contavam com a colaboração decisiva do dinamarquês Bohr,
que resistiu às pressões da Alemanha, e do colega alemão, Einstein,
que era também assediado para concluir a construção de uma possível
bomba de hidrogênio. Logo, percebeu-se que o único país que reunia
todas as condições para construí-la seria os EUA.

Utilizar a bomba requeria uma série de justificativas morais e históricas


que constituía outro problema. Ao final da guerra, surgiram boatos de que
Hitler teria a bomba e a guardara para o momento oportuno. A Alemanha
chegaria perto, mas não teria condições tecnológicas e materiais para
fazê-la, o máximo que conseguiram foram as destrutivas bombas, V1 e
V2, que atingiriam Londres. O único impedimento para seu uso real era
arranjar as circunstâncias ideais para lançá-la.

Nas Conferências e acordos de paz, destacava-se a vitória soviética. Ela


saltava aos olhos dos que combateram e viveram os anos de guerra.
As heróicas batalhas vencidas no leste justificavam a postura, um
tanto exagerada, nas reivindicações territoriais e políticas dos russos.
Comunistas e capitalistas, inimigos declarados a mais de um século,
estavam, frente a frente, disputando territórios e a opinião pública era
ligeiramente simpática ao lado comunista.

É, nesse contexto, que os norte-americanos decidem terminar com a guerra


no Pacífico. A promessa de Stálin em entrar na guerra da Ásia daria uma
nova configuração na geografia política do continente. Os norte-america-
nos teriam de terminá-la rapidamente e, mesmo em poucas condições de
resistir, os japoneses não se rendiam. Por isso, é comum a ideia, nos EUA,
de que a bomba fora lançada para poupar mais mortes do lado aliado.
Mas, seria aceitável considerar um povo como algo insignificante demais,
para fazê-lo cobaia em um experimento que sabiam altamente destrutivo?
UNIUBE 125

PARADA PARA REFLEXÃO

Também havia campos de concentração nos EUA. Assim que os norte-


-americanos declararam guerra no Pacífico, os japoneses e seus descendentes
passaram a ser concentrados nos campos como suspeitos por espionagem.

Então, em 6 de agosto de 1945, em uma manhã de céu aberto, um clarão


tomou conta da paisagem e cegou inúmeras pessoas que viram, pela
última vez, uma cena de intrigante beleza, jamais presenciada no planeta.
Os relatos contam da magnitude do clarão em forma de cogumelo.
Testemunhas mais ao longe do epicentro da explosão relatam uma bola
alaranjada que terminou por cegar quem a olhou. Ninguém sabia o que
estava acontecendo, nem por que e que “milagre” era aquele. Demorou-
-se a compreender aquela ocorrência até mesmo, porque era um ataque
inédito na história, não havia precedentes para ele e nem parâmetros.
Nada, nem mesmo os deficientes radares e alarmes antiaéreos, anuncia-
ram mais um bombardeio inimigo. O B-29, denominado Enola Gay, em
“homenagem” à mãe do piloto que lançou a bomba, estava muito alto nos
céus da cidade de Hiroshima, que não recebera tantos ataques quanto
seus vizinhos. Não escutaram seu barulho e nem tampouco o soar da
explosão, a bomba foi lançada de muitos pés de distância e era detonada
bem antes de chegar ao chão. O som da explosão era tão ensurdecedor
que ultrapassava a barreira do som e ninguém escutou outro som em um
raio de, aproximadamente, 100 km do epicentro de Hiroshima.

Sobre a atmosfera de desinformação que pairava no ar, uma reportagem


– talvez a mais brilhante do século XX – informa do que se tratou aquele
apocalipse para as pessoas que precisavam de informações sobre o que
havia ocorrido.

Na manhã de 7 de agosto a rádio japonesa transmitiu,


pela primeira vez, um sucinto comunicado que pouquís-
simas (ou nenhuma) das pessoas diretamente interes-
sadas – os sobreviventes da explosão – puderam ouvir:
“Hiroshima sofreu danos consideráveis, em função
de alguns ataques de alguns B-29. Acredita-se que
se utilizou um novo tipo de bomba. Investigam-se os
detalhes. “Tampouco é provável que algum sobrevivente
tenha escutado uma retransmissão em ondas curtas de
126 UNIUBE

um extraordinário pronunciamento do presidente dos


Estados Unidos, que identificou a nova bomba como
atômica: “Essa bomba era mais potente que 20 mil
toneladas de TNT. Tinha um poder explosivo 2 mil vezes
maior que o da Grand Slam britânica, a maior bomba
utilizada na história da guerra. (HERSHEY, 2002, p. 55).

Três dias depois, o mesmo aconteceria em Nagasaki, quando os norte-


-americanos resolveram lançar outra bomba, ao não conseguirem a rendição
dos japoneses. Somados, os ataques vitimariam um número incalculável de
pessoas, pois a radiação, a longo prazo, ainda permaneceria e estenderia
sua ação nociva aos descendentes das vítimas da bomba. Imediatamente,
calcula-se que a explosão tenha matado mais de trezentas mil pessoas.

A medida extrema tomada pelos norte-americanos seria justificada como


uma demonstração de que estariam dispostos a tudo para assegurar
seus interesses. Logo, ganharia força a justificativa de que os EUA teriam
lançado a bomba no Japão para amedrontar a URSS. Apesar da criação
da ONU como instrumento de manutenção da paz mundial, as bombas
eram o anúncio de uma nova guerra.

3.5 Conclusão

A Segunda Guerra Mundial gerou problemas sentidos no mundo contem-


porâneo nas diversas partes do planeta. O conflito provocou alterações que
surtem reflexos ainda hoje. Movimentou as colônias, removeu e transfor-
mou impérios. Fez reis e destronou outros. Produziu a maior catástrofe
humana, em números de mortos, provocados pelos combates, que variam
entre 50 e 60 milhões. Mas, sabemos que é mesmo incalculável, quando
se percebe as vítimas do ataque nuclear norte-americano que se prolon-
gam pelos anos seguintes.

Os acordos e os vencedores da Segunda Guerra modificaram o mundo,


promovendo duas novas potências hegemônicas. Estados Unidos e
URSS começaram a dividir o globo em zonas de influência a partir de suas
vitórias no continente europeu e asiático. Assim, o conflito é peça-chave
na compreensão do mundo contemporâneo, constituindo um momento de
transição entre as políticas totalitárias e uma nova configuração global que
ainda está em curso.
UNIUBE 127

Resumo
A política de anexações de Hitler abre a década da Segunda Guerra com
a resposta clara de que o mundo sofreria com um novo conflito armado. O
avanço tecnológico do mundo demonstrava que, diferentemente da Primeira
Guerra, esta nova guerra poderia ser decisiva para o destino da humanidade.

As três ideologias em conflito permaneceram em campos opostos mesmo


quando fizeram alianças. Hobsbawm cita que foi a guerra contra o inimigo
comum e, para isso, capitalistas e comunistas se juntaram realizando
esforços para vencer o nazismo. Tão logo o perigo na Europa havia sido
afastado, americanos e russos trataram de impor limites à sua política
de alianças e a guerra teria seu término com a explosão de uma bomba
nuclear, transformando a noção de diplomacia para os anos seguintes.

Atividades

Atividade 1

Os anos que antecederam a guerra foram marcados pela Crise de 1929


e seus desdobramentos. A ascensão dos fascismos, em escala global,
contribui para a piora do quadro internacional, gerando constantes
turbulências diplomáticas até sua eclosão. Posto isso, descreva como o
Tratado de Versalhes influenciava na História do conflito.

Atividade 2

As anexações foram o primeiro passo para que a Alemanha aumentasse


sua influência nas decisões do continente europeu. Destaque as fases
das anexações empreendidas pela Alemanha até seu esgotamento com
a declaração de guerra, em 1939.

Atividade 3

À entrada dos EUA na guerra seguiu-se a também declaração de guerra


do Brasil ao Eixo. Explique a relação entre Estados Unidos e Brasil, antes
e depois do conflito e como os yankes auxiliaram na derrubada de Vargas.
128 UNIUBE

Referências

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal.


São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

COGGIOLA, Osvaldo. A Segunda Guerra Mundial: um balanço histórico.


São Paulo: FFLCH-USP/Xamã, 1995.

ELIAS, Norbert. Os Alemães: a luta pelo poder e a revolução do habitus nos séculos
XIX e XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1996.

GONÇALVES, Willians da Silva. A Segunda Guerra Mundial. In: AARÃO, Daniel


Reis Filho; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste. O Século XX: O tempo das crises.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. pp. 165 – 194.

HERSHEY, John. Hiroshima. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos. São Paulo, Companhia das Letras, 1994.

MAGNOLI, Demétrio (org). História das guerras. São Paulo: Contexto, 2006.

REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste. Século XX:
o tempo das crises. São Paulo: Civilização Brasileira, 2005.

REMOND, René. O século XX. São Paulo: Cultrix, 2001.

TAYLOR, A. J. P. A Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Jorge Zahar


Editores, Rio de Janeiro, 1979.

VIGEVANI, Tullo. A Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Moderna, 1986.

VIRILIO, Paul. Guerra e Cinema. São Paulo: Página Aberta, 1993.


Capítulo A Guerra Fria
4
Cleber Rocha

Introdução
Após a Segunda Guerra Mundial, houve significativa alteração
na distribuição de poder entre os Estados. As potências ditas
“tradicionais” da Europa, que controlavam a política internacional
até a Primeira Guerra, se tornaram decadentes. Uma nova ordem
mundial foi instalada e o mundo se tornou bipolarizado (dividido
em dois polos).

A acumulação inédita de tecnologia, armas (convencionais e


nucleares) e um delicado sistema diplomático geraram um equilí-
brio baseado no terror. O medo apocalíptico de uma possível
destruição global rondou diariamente a humanidade.

De um lado, os EUA, grande potência capitalista. De outro, a URSS,


grande potência socialista. Ao redor destes, os outros Estados
assumiram papéis coadjuvantes. A hostilidade competitiva entre
estas duas superpotências, ocorrida no período histórico compre-
endido entre 1945 e 1991, ficou conhecida como Guerra Fria.

Foi uma época de grande tensão, colocando o mundo à beira de


um ataque nuclear. As corridas armamentista e espacial colocariam
tais superpotências frente a frente. O embate ideológico entre os
dois blocos (capitalista e socialista) ocasionou diversas situações
que permitiram a perpetuação do domínio dos países ricos sobre
os países pobres, a queda de regimes e, sobretudo, a modificação
de determinadas bases sociais.
130 UNIUBE

Posto isso, leitor, analise a Guerra Fria sob um olhar crítico e reflexivo,
tomando por base tudo o que você aprendeu até agora. E lembre-
-se do que Lucien Febvre aconselhou certa vez: “Historiadores [...]
Peço-lhes [...] que nos dêem uma História não automática, mas sim
problemática” (FEBVRE, 1989, p. 49).

Objetivos
Desse modo, esperamos que, ao final de seus estudos neste capítulo,
você esteja apto a:
• identificar nos conflitos históricos anteriores, desde a Guerra
Franco-prussiana (1871) até a Segunda Guerra Mundial (1939-
1945), as origens da Guerra Fria;
• analisar a decadência das tradicionais potências europeias
a partir da bipolarização mundial;
• identificar a expansão internacional do capitalismo norte-
americano;
• distinguir a estratégia geopolítica do socialismo soviético;
• analisar o por quê de a Guerra Fria ter sido chamada de “A
Terceira Guerra Mundial”;
• compreender as ações utilizadas, tanto pelos EUA quanto
pela URSS, na tentativa de conquistar a hegemonia mundial;
• analisar como se deu o colapso do império soviético;
• compreender as várias transformações acontecidas durante
todo o período histórico da Guerra Fria.

Esquema
4.1 Sobre o termo “Guerra Fria”
4.2 As origens da Guerra Fria
4.3 O sistema bipolar
4.4 O expancionismo norte-americano
UNIUBE 131

4.5 A expansão socialista


4.6 A política do Degelo
4.7 Os conflitos que marcaram a Guerra Fria
4.8 Uma “nova” Guerra Fria
4.9 O fim da Guerra Fria
4.10 Conclusão

4.1 Sobre o termo “Guerra Fria”

Desde o lançamento das bombas atômicas sobre as cidades japonesas


de Hiroshima e Nagasaki (por parte dos Estados Unidos) até a
dissolução da União Soviética, temos um período muito particular na
história do mundo contemporâneo. Segundo o historiador egípcio, Eric J.
Hobsbawm, tal interregno de tempo não forma um período homogêneo
único na história do mundo. Diz ele:

Apesar disso, a história desse período foi reunida sob


um padrão único pela situação internacional peculiar
que dominou até a queda da URSS: o constante
confronto das duas superpotências que emergiram da
Segunda Guerra Mundial na chamada “Guerra Fria”.
(HOBSBAWN, 1995, p.223)

Quando Hobsbawm discursa sobre duas “superpotências”, ele está se


referindo aos Estados Unidos e à União Soviética. Estes dois países
emergiram da Segunda Guerra Mundial fortalecidos e desejosos por
ampliar cada vez mais suas áreas de influência.

SAIBA MAIS

A ideia de superpotência está associada ao fato da emergência de Estados


que se tornaram referências para os demais, a partir do conceito de área
de influência e da sua capacidade para a ação militar. A hegemonia, como
projeto e a mediação pelo poderio bélico, é expressão das superpotências.

A tecnologia de produção de armamentos nucleares garantiu o predomínio


dos Estados Unidos e da União Soviética ao longo de muitos anos no cenário
132 UNIUBE

internacional. Ainda que outros Estados tenham adquirido capacitação para


produzir uma bomba atômica, não dispunham de forças convencionais em
qualidade e número suficientes para combater as superpotências.

(RIBEIRO In COGGIOLA, 1995, p.457)

A URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) tinha grande


influência sobre as zonas ocupadas tanto pelo Exército Vermelho, quanto
por outras forças armadas comunistas. Já o domínio dos EUA (Estados
Unidos da América) quedou sobre o “resto” do mundo capitalista, princi-
palmente os espólios das antigas potências coloniais.

O nome “Guerra Fria” originou-se pela forma “indireta” de confronto entre


estas duas superpotências. Alguns historiadores encaram tal passagem
como uma Terceira Guerra Mundial, enquanto outros assumem posição
de que tal conflito foi apenas uma disputa acirrada por ascensão.

Outra questão, sobre a qual, muitos historiadores entram em discordância


é sobre seu período de duração. Alguns estudiosos defendem a existência
de “fases” determinadas pelas relações extremamente delicadas entres
os países, que se iniciam no fim dos anos 40 e terminam nos primeiros
anos da década de 90 do século XX. Formalmente, temos que a Guerra
Fria inicia-se a partir da Doutrina Truman, em 1947, findando-se, em
1991, com a dissolução da União Soviética.

SINTETIZANDO...

Guerra Fria é o nome dado às disputas e hostilidades geradas, pelo almejo


da obtenção de domínios territoriais e de influência, entre os EUA e a URSS
dividindo o mundo em dois blocos: o capitalista (EUA) e o socialista (URSS).

4.2 As origens da Guerra Fria

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a aliança militar existente


entre os EUA e a URSS foi suficientemente forte para derrotar o nazi-fascis-
UNIUBE 133

mo, na Europa, e o Império Japonês, no Pacífico. A primeira impressão que


tal vitória trouxe foi a de que o mundo viveria um promissor período de paz.

No entanto, os modelos socioeconômicos adotados por estas duas


superpotências são extremamente divergentes. Os Estados Unidos,
representante “mor” do sistema capitalista, não poderiam permitir que
o modelo socialista da União Soviética se estendesse ao restante do
planeta. E vice-versa. Tal conflito forçou a divisão do mundo em dois
blocos, quais sejam: o capitalista (EUA) e o socialista (URSS).

RELEMBRANDO

Para entender melhor esta divisão, é necessário relembrar alguns fatos:

1º - desde a Doutrina Monroe (1823) que ditava “América para os americanos”,


os Estados Unidos mantinham uma política externa direcionada primordial-
mente para a América, ou seja, mantinham determinado “isolacionismo”. Sua
participação na Primeira Guerra Mundial, ao contrário do que pode parecer à
primeira vista, não alterou tal posição;

2º - alguns historiadores argumentam que a Primeira Grande Guerra foi um


conflito meramente europeu, e não uma guerra mundial em si. Discursam que
tal embate representou a continuação e a expansão da Guerra Franco-prussia-
na, de 1971, “pois o eixo do confronto foi a disputa continental entre a Alemanha
e a França” (COGGIOLA, 1995, p.415). Desta forma, a Rússia (aliada à França)
e a Áustria-Hungria (aliada à Alemanha) foram meras coadjuvantes no conflito;

3º - após o término da Primeira Guerra Mundial, o mapa político europeu


ficou profundamente modificado. O Império Russo foi substituído pela União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas; o Império Austro-húngaro e o Turco
deram origem a novos Estados da Europa Centro-oriental e balcânica. Os
territórios da Alsácia e da Lorena foram devolvidos à França. Em suma, todo
o sistema de Estados do século XIX foi demolido;

4º - a União Soviética possuía uma política doutrinária de cunho socialista,


ou seja, baseava-se em um modelo econômico planificado com base na
percepção de uma igualdade social, falta de democracia e no domínio de
um único partido (Partido Comunista).
134 UNIUBE

5º - com a derrota da Alemanha na Primeira Guerra e a instituição do Tratado


de Versalhes, em 1919, considerado humilhante para o povo alemão, houve
crescimento do sentimento nacionalista propiciando a ascensão do nazismo
e de seu mais famoso representante: Hitler.

6º - com o advento da Segunda Guerra Mundial, a situação da Europa obrigou


os EUA e a URSS a se aliarem contra inimigos comuns. Apesar disso, seus
sistemas de organização política, militar e ideológica continuaram divergentes.

IMPORTANTE!

Durante a Segunda Guerra, os Estados Unidos tiveram seu território “poupado”.


Tal fato lhes proporcionou uma imensa vantagem comparada aos outros países
participantes do conflito.

Esta condição, somada à poupança forçada que a guerra induziu e também


à capacidade produtiva de suas indústrias, fez este país se afirmar interna-
cionalmente.

A União Soviética, em contrapartida, encontrava-se em grande parte arrasada,


visto que, sobre ela, recaiu o maior peso da luta contra a Alemanha. Saliente-
-se, ainda, que a URSS apresentou clara intenção de expandir o socialismo
pelo mundo inteiro, ampliando cada vez mais sua área de influência.

Assim, temos duas superpotências emergentes e rivais disputando com


todas as suas forças a aquisição de novos domínios, ou seja, países que
sejam estrategicamente “interessantes”.

Temos, então, já no fim da Segunda Guerra, a vitória iminente das forças


aliadas (Inglaterra, França, União Soviética, Estados Unidos e outras
nações não tão representativas).

Com o triunfo quase certo, as nações aliadas iniciaram o planejamento


político para o “pós-guerra”. Posto isso, as duas superpotências emergen-
tes concentraram esforços na obtenção da melhor “fatia” dos espólios
(despojos de guerra), uma vez que, cada qual, a seu próprio modo, decidiu
UNIUBE 135

demonstrar o quanto seu sistema político, militar e doutrinário era superior


ao do adversário.

Dentro desse contexto, os Estados Unidos já tinham o Japão ocupado de


forma progressiva, ou seja, já dominavam substancialmente o conflito no
Pacífico, restando pouco tempo para subjugar o adversário completamen-
te. Apesar disso, decidiram lançar uma bomba atômica (seu mais novo e
poderoso recurso bélico criado) sobre as cidades de Hiroshima a Nagasaki.

Tal demonstração de força divide historiadores em duas correntes. Para


alguns, o governo norte-americano foi obrigado a dar um basta na guerra,
pois o Estado não podia suportar mais o conflito gerado no Congresso
(que primava pelo término de tão prolongado conflito e preservação da
vida dos soldados).

Já outra corrente de historiadores discursa sobre uma possível demonstra-


ção de poder dos Estados Unidos com objetivos de garantir sua suprema-
cia. Para esta corrente, as bombas atômicas que atingiram Hiroshima e
Nagasaki tinham outro “endereço”: a União Soviética. Lembrando, claro,
que, nessa oportunidade, a URSS ainda não possuía tal tecnologia.

Argumentam estes últimos que a aliança entre os EUA e a URSS foi


meramente circunstancial, gerada pela necessidade de eliminação de um
inimigo comum a ambos (o nazi-fascismo). Com a “extinção” do problema
primevo, iniciou-se a disputa política, ideológica e militar que marca nosso
estudo, ou seja, a “Guerra Fria”.

E você, aluno? Acredita em qual dessas correntes?

SAIBA MAIS

O bombardeiro americano sobre a cidade de Hiroshima matou instantane-


amente, cerca de 80 mil pessoas. Hiroshima tinha, na época, cerca de 325
mil habitantes. A bomba também afetou seriamente a saúde de milhares de
sobreviventes. A grande maioria das vítimas era civil, ou seja, não estavam
relacionadas ao conflito.
136 UNIUBE

4.3 O sistema bipolar

Após a Segunda Grande Guerra, as tradicionais potências europeias


ficaram extremamente prejudicadas, ficando o domínio do cenário mundial a
cargo de duas novas superpotências: Estados Unidos e União Soviética.

Antes mesmo do término da Segunda Guerra, as grandes potências já


haviam confeccionado acordos sobre seus espólios, ou seja, definiram
partilhas inaugurando, de forma potencial, confrontos futuros.

Os primeiros acordos foram efetuados na Conferência de Teerã, no Irã


(1943). Este evento reuniu, oficialmente, os maiores estadistas ocidentais
da época, quais sejam: Josef Stálin (URSS), Winston Churchill (Inglaterra)
e Franklin Roosevelt (EUA). Aqui, foi discutida a intervenção na França
(pelos Estados Unidos e Inglaterra) e a aniquilação dos últimos esforços
da Alemanha. Deliberou-se, ainda, sobre a divisão do território alemão e
a delimitação de algumas fronteiras.

Em fevereiro de 1945, realizou-se a Conferência de Yalta, encontro


que permitiu aos chefes de Estado anteriormente citados e novamen-
te reunidos criarem a Organização das Nações Unidas (ONU). Aqui,
a partilha mundial ficou realmente definida, deixando grande parte da
Europa oriental sob o jugo da União Soviética, inclusive incorporando a
parte “leste” da Alemanha. A Coreia foi dividida em duas áreas de influên-
cia, uma a cargo dos norte-americanos e outra a cargo dos soviéticos.

Tornou-se evidente que o mundo estava sendo dividido em dois blocos,


com ideologias políticas diferentes: capitalista e socialista.

Segundo Demétrio Magnoli (In COGGIOLA, 1995, p.415):

A guerra fria assinalou a decadência geopolítica da Europa.


As potências europeias tradicionais controlaram a políti-
ca internacional contemporânea até a Primeira Guerra.
Os efeitos desse conflito devastador, que continuaram a
repercutir no entre-guerras, representaram um golpe defini-
tivo nas potências europeias. A Segunda Guerra marcou
sua substituição pelas superpotências da guerra fria. Então
o espaço europeu foi bipartido em zonas de influência
submetidas aos Estados Unidos e à União Soviética
UNIUBE 137

[...]
A decadência geopolítica da Europa repercutiu fora
do continente, nas áreas coloniais da África e da Ásia:
o período da guerra fria também foi um período de
descolonização.
[...]
Esse processo assinalou a dissolução da influência
mundial de potências como a Grã-Bretanha e a França,
que tinham constituído vastos impérios no século XIX.
[...]
No pós-guerra, a Ásia Meridional e a África passaram a
abrigar dezenas de Estados politicamente soberanos.
Assim o sistema de Estados tornou-se, pela primeira
vez, um sistema universal.

Dentro desse contexto, conforme exposto, houve significativo aumento


dos movimentos de libertação nacional na África e na Ásia. A conjuntura
favorável provocou a independência de praticamente todas as antigas
colônias europeias.

Segundo o historiador Wagner Costa Ribeiro:

A descolonização da África e da Ásia representava um


grande campo de ação. Já que novos mercados eram
criados, e, portanto, novas possibilidades de reprodução
ampliada do capital e de ganhos para as elites americanas
internacionalizadas. Ora, a garantia desses mercados tinha
que se dar a qualquer preço. Daí invadir aqueles frágeis
recém-citados criados Estados, com propagandas e armas
anticomunistas, pois de outro lado, o inimigo teria espaço
para ampliar suas bases a construção do socialismo.

PARADA PARA REFLEXÃO

A conjuntura internacional mostrou-se favorável à descolonização da África


e da Ásia, porque estes territórios representavam grande campo de ação
potencial.

Isso, leitor, porque a expansão das superpotências exigia a criação de novos


mercados e/ou zonas de influência.
138 UNIUBE

E ainda cabe salientar que as preocupações norte-americanas vão um pouco


mais além do que pode parecer à primeira vista. Segundo FICO (2001):

Os Estados Unidos, liderando o novo poder mundial,


apesar de seguros de sua incontestável hegemonia
militar, decorrente da posse do monopólio nuclear,
não estavam certos quanto aos desdobramentos
econômicos da guerra, pois os graves problemas,
posteriores ao fim da Primeira Guerra Mundial, vinham
à lembrança de muitos analistas. A expectativa era de
crise econômica. (FICO, 2000, p.165).

PARADA PARA REFLEXÃO

Existe uma música no repertório do grupo brasileiro, RPM, intitulada “Liberdade/


Guerra Fria”. Com autoria de Paulo Ricardo e Luiz Schiavon, a referida canção diz
em um de seus versos:
“Eu já nem sei mais quem sou / Desse jeito não se vive / Nova York ou Moscou /
Palestina ou Tel-Aviv.”

Tais palavras expressam uma ideia sobre o conflito ideológico infringido ao mundo
durante a disputa entre os blocos capitalista e socialista na Guerra Fria, cada qual
pela sua hegemonia.

4.3.1 O Plano Marshall

A política internacional que culminou na Guerra Fria, de modo “clássico”,


iniciou-se quando o então presidente dos Estados Unidos, Harry Truman
(sucessor de Roosevelt), em 12 de março de 1947, proferiu seu discurso
durante a Conferência de Potsdam.

Nessa ocasião, os EUA decidiram substituir a Inglaterra no apoio à Grécia e


à Turquia (que enfrentavam, na ocasião, fortes guerrilhas comunistas). Tal
intervenção teve como objetivo evitar a expansão comunista. No discurso
que Truman proferiu, ele afirmou que os Estados Unidos estavam prontos
a assumir posicionamento a favor de qualquer nação livre que desejasse
resistir às tentativas de dominação. Dominação comunista é claro.
UNIUBE 139

A crise política na Grécia, tomada pela guerra civil


e por uma monarquia decrépita, foi o pretexto para o
nascimento de um conjunto de ideias e doutrinas típicas
da Guerra Fria. A primeira delas foi a Doutrina Truman.
Arvorando-se à condição de condutor da cruzada interna-
cional contra o comunismo, o presidente norte-americano
dirigiu-se ao congresso, em 12 de março de 1947, para
convocar os deputados e senadores a liberarem recursos
da ordem de US$ 400 milhões para conter os movimen-
tos comunistas na Grécia. (SARAIVA, 2001, p.23).

Cabe salientar que, em 1946, o ex-primeiro ministro inglês, Winston


Churchill, já alertava os EUA sobre a formação de uma “cortina de ferro”
no leste europeu, a partir da expansão soviética.

SAIBA MAIS

A expressão “Cortina de Ferro” é o termo utilizado para representar, nessa época,


a divisão da Europa em duas partes: a Europa Ocidental e a Europa Oriental.

Cada qual era composta por áreas de influência distintas. Dessa forma,
podemos dizer, a grosso modo, que a Europa Oriental esteve sob o jugo da
União Soviética, enquanto que a Europa Ocidental esteve sob o controle e
influência dos Estados Unidos.

IMPORTANTE!

Mesmo tendo Berlim (capital da Alemanha) dentro do território, que na divisão


ocorrida, coube à URSS, os “Aliados” decidiram por bem dividir a metrópole
em setores. Desta forma, os Estados Unidos, França e Inglaterra se juntaram
para formar a Berlim Ocidental. Em contrapartida, a União Soviética formou
a Berlim Oriental.

Assim, Nikita Kruschev, o então premier soviético, em 1961, ordenou a constru-


ção do conhecidíssimo Muro de Berlim, com o objetivo de conter o fluxo de
pessoas que “fugiam” do regime comunista, migrando para a parte ocidental
(capitalista) da Alemanha. Esta construção tornou-se um dos símbolos mais
significativos da divisão geopolítica bipolar do mundo.
140 UNIUBE

Com seu discurso, o presidente Truman deixa explícita a disputa entres os


polos capitalista e socialista. A exegese (interpretação) de suas palavras
deixa a ideia de que o mundo restou dividido entre “nações livres” e
“nações oprimidas”.

Truman argumenta que o sistema defendido pelos EUA destaca-se pela


presença de instituições livres, de governos representativos, eleições
democráticas e liberdade individual. Conclama, portanto, todos os povos
a lutar contra a “opressão política” instituída pelo bloco socialista.

Em 1947, foi criado, oficialmente, o Plano Marshal com a finalidade


de conter a expansão comunista. Tal plano previa as ajudas econômi-
ca, técnica e financeira destinadas à reconstrução da Europa, que se
encontrava arrasada no pós-guerra.

E não pense o leitor que tal auxílio seja desprovido de interesses. Com
tal política, os Estados Unidos alçaram o primeiro passo para consolidar
seus domínios político, militar e comercial junto à Europa dita ocidental.

Detalhe interessante: a ajuda econômica contida no Plano Marshal


também foi oferecida à União Soviética e aos países de sua influência.
Tal ação, digamos ousada, foi plenamente rebatida por Stálin, que proibiu
a aceitação de tais recursos.

Dessa tentativa de contenção do regime socialista a partir da ajuda dos


EUA, apenas a Iugoslávia, que pertencia ao bloco da URSS, aceitou tal
auxílio. No ano de 1948, inclusive, tal país chegou a romper relações
diplomáticas com a União Soviética. Tal fato reforçou a constatação de
que o bloco dito socialista não era, de maneira nenhuma, homogêneo.

De qualquer forma, visando combater a expansão do capitalismo, a União


Soviética criou dois organismos: o KOMINFORM (Comitê de Informa-
ção dos Partidos Comunistas e Operários), em 1957, e o COMECON
(Conselho para Assistência Econômica Mútua), em 1949.

Tais organismos tinham por objetivo primário a complementação econômi-


ca recíproca entre as economias socialistas, ou seja, garantir a união dos
Estados socialistas por meio de uma integração financeira, política e
industrial. Foi uma espécie de resposta ao Plano Marshall, dos Estados
Unidos, visando bloquear a influência norte-americana.
UNIUBE 141

SAIBA MAIS

No site da revista “História Viva”, você vai encontrar a matéria publicada


na edição de nº 72: As cicatrizes deixadas pelo Muro de Berlim, de Ana
Maria Dietrich – Doutora em história social pela USP.

Nessa reflexão, a renomada historiadora trata sobre os aspectos materiais


e simbólicos que a separação da cidade de Berlim em dois polos causou.

Aconselhamos o leitor a lê-lo e elaborar um texto para avaliação em seu blog


ou portfólio. Apresentamos a seguir seu endereço eletrônico:

<http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/as_cicatrizes_
deixadas_pelo_muro_de_berlim_imprimir.html>.

De acordo com Dietrich (2009, p.11-33)

O começo da tragédia que foi o Muro de Berlim se


deu, paradoxalmente, em tempos de esperança.
Quando, no fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo
parecia respirar prometidos ventos de paz, sob o luto
de milhões de mortos, algo deu errado. E os 44 anos
que se seguiram foram de outra disputa, a Guerra Fria,
polarização do poder mundial entre a União Soviética
e os Estados Unidos. Ambas as potências haviam sido
parceiras e saído vitoriosas na guerra, mas eram grandes
oponentes ideológicas.
[...]
A Alemanha e seu Muro de Berlim, construído em 1961,
foram a expressão mais emblemática dessa ordem
bipolar. O muro de 155 km que circundou Berlim
Ocidental se tornaria o maior símbolo da Cortina de
Ferro que havia baixado sobre o mundo do pós-guerra,
utilizando o conceito proferido em 1946 pelo então
ex-primeiro ministro britânico Winston Churchill.
[...]
Muitos cientistas sociais acreditam que a Alemanha
esteja realmente liberta dos fantasmas nacionalistas
da década de 30 – movimentos de extrema direita são
hoje isolados. Assim, é um dado a mais de celebração
142 UNIUBE

constatar que o desejo de germanização da Europa


arrefeceu, para dar lugar ao de europeização do país.
Foram necessários 64 anos, desde a rendição alemã na
guerra, para que essa nação chegasse a esse ponto.
[...]
A obra na cidade durou poucos meses e acabou naquele
mesmo 1961, ao custo aproximado de 870 milhões de
marcos. Uma vez pronta, passou a ser vigiada por 302
torres de observação e soldados armados a postos
dia e noite. Holofotes e minas faziam parte do aparato.
Ninguém saía do lado soviético nem entrava nele sem
autorização dos agentes da fronteira.
[...]
A propaganda socialista a chamava de “muralha antifas-
cista”. O mundo capitalista dava-lhe outro nome, “muro
da vergonha”. Independentemente da nomenclatura, o
resultado da providência foi o sofrimento continuado da
população dos dois lados, em especial da que ficou no
lado oriental. Tanto assim que a fronteira entre as duas
Berlins, com dezenas de metros de largura, passou
a ser conhecida como “faixa de morte”, porque quem
se arriscasse a cruzá-la tinha grandes chances de ser
assassinado pela segurança.

E ainda sobre o projeto divisão, Saraiva (2001, p.31) argumenta:

O desgaste de Stalin junto à opinião pública ocidental


foi brutal. Animado pela propaganda antissoviética,
Truman reelegeu-se nos Estados Unidos. E Berlim,
verdadeiro termômetro da disputa condominial sobre o
mundo, viria a ser objeto de disputas por toda a década
de 1950. No lado ocidental, os investimentos foram
elevados ainda mais para criar a vitrine do capitalismo.
No lado oriental, foram brotando instituições socialistas
com técnicos altamente qualificados e uma atmosfera
de desconfiança que levou, em agosto de 1961, à
construção do Muro de Berlim, para separar os dois
mundos que pareciam irreconciliáveis.

Com objetivo formal de manter a paz e a segurança internacionais, além de


estimular a cooperação entre os povos na busca de soluções para os mais
diversos reveses, foi efetivada, na Conferência de São Francisco, em 1945,
a criação da ONU (Organização das Nações Unidas). Tal organização foi
idealizada pelas potências vencedoras da Segunda Guerra.
UNIUBE 143

A ONU possui vários departamentos responsáveis por áreas mais especí-


ficas, como a UNESCO, FAO, OMS e UNICEF. Praticamente, quase
todas as nações do mundo recebem ou prestam serviços à ONU.

Apesar de, oficialmente, a ONU ter como objetivo a igualdade de direitos


para todos os povos, desde sua fundação, as decisões proferidas
representam os interesses dos vencedores da Segunda Guerra.

Ao se verificar a carta das Nações Unidas (documento redigido por mais


de cinquenta países), temos uma explícita contradição. Isso porque,
apesar de constar a igualdade e a soberania das nações entre si, temos
países que possuem o poder de veto nas decisões. São eles: Estados
Unidos, Rússia, França, Reino Unido e China.

Apesar disso, cabe lembrar que a ONU teve participação essencial na


descolonização dos países da África e da Ásia.

Você, aluno, se arrisca a teorizar sobre o porquê disso?

Lembremos de que tanto o bloco capitalista, quanto o bloco comunista


estavam em busca de novas áreas potenciais para expansão de seus
domínios.

4.4 O expansionismo americano

Como foi discutido, durante a Segunda Guerra, os Estados Unidos


conseguiram acumular uma considerável reserva de recursos, tanto
econômicos quanto tecnológicos ou estratégicos. Tal fato garantiu a
construção de uma base para exportar capitais a outros países que
tiveram seu espaço geográfico e produtivo destruído (Plano Marshall).

A intenção norte-americana, com este último, era não somente reconstruir


países aliados e derrotados, como também, edificar uma nova ordem
mundial centrada no “mundo capitalista”.
144 UNIUBE

Saraiva (2001, p.22) expõe o seguinte:

O novo conceito de superpotência correspondia, assim,


à conjugação da capacidade econômica de exercer
forte multilateralismo econômico com a vontade de
construção de uma grande área sob a influência do
capitalismo. Para os Estados Unidos, a política de poder
mundial era um corolário dos dois elementos anteriores.
Os líderes democratas, mais que os republicanos,
tinham essa noção na segunda metade dos anos 40.

O período de reconstrução desses países teve seu apogeu até o início


dos anos 50, quando novas oportunidades de reprodução ampliada
do capital surgem nos chamados países do Terceiro Mundo (não
industrializados) expandindo as relações capitalistas.

Estrategicamente, a iniciativa visava combater o avanço do socialismo,


ou seja, os EUA adotaram uma política de retaliação nuclear. O discurso
americano deixou a entender que o uso de armas nucleares seria utiliza-
do, caso a União Soviética decidisse invadir qualquer território protegido.

Tal discurso militar, de certa maneira, justificou a consolidação de suas


áreas de influência. A proteção àqueles que não dispunham de uma força
militar, contra o “inimigo”, a URSS, aparecia como forma de persuasão
frente aos governantes desses países.

SAIBA MAIS

Em 1952, os Estados Unidos promoveram o teste de uma bomba de hidrogê-


nio, conhecida também por “Bomba H”. A potência de tal armamento mostrou
ser mais de 50 vezes superior às primeiras bombas atômicas.

Para mais informações, acesse:


<http://www.infoescola.com/fisica/bomba-de-hidrogenio/>.

Evidentemente que houve reação por parte da União Soviética. Em 1949,


esta superpotência testa sua própria bomba nuclear, agora, confeccio-
nada e funcional. Dessa forma, o argumento político de retaliação dos
UNIUBE 145

EUA se encontrou anulado. Como o leitor deve imaginar, houve crescente


tensão mundial.

A partir dessa data, a conjuntura política internacional reconhecia como


potências as que possuem o domínio da tecnologia atômica. Ainda no ano
de 1949, os Estados Unidos, juntamente com os outros países do bloco
capitalista, criou a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

Alguns países que foram os fundadores da OTAN: EUA, Inglaterra, França,


Benelux, Noruega, Dinamarca, Islândia, Itália, Portugal, Grécia, Turquia,
Alemanha Ocidental e Canadá.

SAIBA MAIS

A OTAN se configurou como importante instrumento político-militar. Isso


porque previa que qualquer ataque a um de seus membros seria considera-
do como ataque a todos. Na prática, serviu como defesa do bloco Ocidental
a qualquer possível ataque soviético.

Em resposta à criação da OTAN (isso leitor, neste “jogo” de tensões


entre as superpotências, nenhum movimento ficava sem resposta), a
URSS organizou, em 1955, o Pacto de Varsóvia (Tratato de Amizade,
Cooperação e Assistência Mútua). Uma espécie de aliança militar que
estabeleceu em cada Estado participante a instituição de um partido
único (eliminando quaisquer outros partidos, ditos “burgueses”).

SAIBA MAIS

Tanto a OTAN quanto o Pacto de Varsóvia tinham, como objetivo, garantir


ajuda militar aos seus países membros, em caso de ataque do bloco adversá-
rio. A estratégia de dominação foi criar um clima de risco iminente de guerra.

Dessa forma, temos a constatação de dois embates políticos que se


mostraram principais na disputa pela supremacia:
146 UNIUBE

• corrida armamentista: as superpotências justificaram os imensos


gastos ocorridos sob a alegação de que precisavam confeccionar
armas cada vez mais poderosas e exércitos cada vez maiores.
Tudo para se defender do bloco adversário;
• corrida espacial: foi desenvolvida sob a proteção de uma disputa
política entre as duas superpotências. Além do esforço óbvio no
desenvolvimento de novas tecnologias, a corrida espacial funcio-
nou como importante instrumento de propaganda.

Sobre a expansão do capitalismo, temos, nesse contexto, a crescente


dolarização do planeta (o dólar passaria a ser referência monetária em
todo o mundo “capitalista”) e a ampliação do parque industrial produtivo,
no formato das empresas multinacionais. Isso mostrou a agressividade
dos Estados Unidos também no campo das relações econômicas.
Aspectos que iam sendo somados na direção da sua hegemonia.

O historiador Carlos Fico (2000, p.166) argumenta que a Guerra Fria “do
lado americano também se expressava através de propaganda política
travestida de manifestação cultural, no cinema e na literatura”.

Politicamente, os EUA dominavam os países dependentes, com a


anuência das elites locais, a partir da articulação de golpes de Estado e
ditaduras. A descolonização da África e da Ásia representava um grande
campo de ação, como já foi explicitado, por causa dos novos mercados
que poderiam ser criados e de possibilidades de reprodução ampliadas
do capital e de ganhos para as multinacionais.

E, como já exposto, antes que estes “frágeis” países recém-criados


aderissem à doutrina socialista, fazia-se necessário invadi-los com
propagandas e armas anticomunistas. As iniciativas dos Estados Unidos,
durante sua política de expansão, foram estabelecidas em duas frentes:
econômica e geopolítica/militar. Ribeiro diz:

As ações dos Estados Unidos podem ser resumidas


em duas frentes: econômica e geopolítica e militar.
Na primeira, acordos pós-guerra estabeleceram a
supremacia econômica dos Estados Unidos, configu-
rada no Plano Marshall e, em seguida, na instalação
de empresas multinacionais em países periféricos.
UNIUBE 147

Geopolítica e militarmente a Otan e as bases militares


instaladas ao redor do bloco socialista construíram um
“cordão sanitário” que objetivava conter o avanço do
bloco socialista. (RIBEIRO in COGGIOLA, 1995, p.461).

Economicamente, como já foi abordado, os acordos efetuados depois da


Segunda Guerra estabeleceram a supremacia econômica dos Estados
Unidos, amparada pelo Plano Marshall, seguida da instalação de
empresas multinacionais nos países periféricos. Isso proporcionou uma
relação de dependência desses países para com os EUA. Interessante
perceber que até o Brasil nutriu consequências nesse contexto.

De acordo com o historiador Carlos Fico (2000 p.167-172):

Também no Brasil viviam-se muitas expectativas. O


país havia mudado bastante desde 1930.
[...]
Em 1937 houve o golpe que implantou o Estado Novo,
cuidadosamente preparado, pois Vargas fazia aprovar
inúmeras medidas repressivas no Congresso Nacional,
previamente.
[...]
O anticomunismo dava a tônica, pois a forte propagan-
da política alardeava seu “perigo”, lembrando o episódio
de 1935 –uma tentativa comunista desorganizada de
eclosão revolucionária, logo debelada pelo governo
Vargas.
[...]
Sob a ditadura de Vargas que o Brasil participou da
Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados, ainda
que Vargas e alguns de seus auxiliares como Eurico
Gaspar Dutra (ministro da Guerra), fossem francamente
simpáticos ao Eixo Roma/Berlim.
[...]
Fim da Segunda Guerra Mundial, novas expectati-
vas. Para o brasileiro comum, que assistia à volta dos
“pracinhas” e sabia da morte de vários combatentes
brasileiros nos campos italianos, surgia como especial-
mente contraditória a situação do país: combater o
fascismo internacional e sustentar, internamente, um
ditadura de moldes fascistas.
[...]
148 UNIUBE

Em 1946, auxiliares de Dutra, em Washington, chamavam


pateticamente a atenção para o caráter especial do
Brasil. O próprio Marshall, presente no Rio de Janeiro
em 1947, para participar da Conferência Interamericana
sobre Defesa do Continente, foi constrangido ao afirmar
que o desenvolvimento latino-americano não passaria
por um plano nos moldes do que ajudava a reconstrução
da Europa. [...] Para os Estados Unidos o Brasil deveria
amparar-se em seus recursos internos, mesmo que não
descartasse a possibilidade de estudar medidas tendentes
a estimular o fluxo de capital privado externo. (FICO, 2000,
p.167-172).

O historiador José Flávio Sombra Saraiva (2001, p. 25) comenta que:

O Brasil, que se beneficiaria da política de barganhas


durante a Segunda Guerra Mundial, viveu, na segunda
metade da década, a frustração do declínio do financia-
mento norte-americano para o projeto desenvolvimen-
tista. A diplomacia brasileira foi crítica da ajuda prioritária
orientada a países que pouco contribuíram para a vitória
aliada na Segunda Guerra Mundial.

Nas esferas geopolítica e militar, as bases militares instaladas ao redor


dos países que compunham o bloco socialista construíram um “cordão”
que objetivava conter o avanço dele. Posto isso, é possível perceber a
presença de diversas bases americanas espalhadas ao redor do mundo,
ou seja, fora do território americano.

PARADA PARA REFLEXÃO

Você percebeu, leitor, que os Estados Unidos procuram realizar suas ações
militares sempre fora do território americano?

Consegue compreender como deve ter sido um choque para eles quando
ocorreu o ataque às torres gêmeas do World Trade Center?

Pense a respeito.
UNIUBE 149

IMPORTANTE!

Destaque-se que, no final da década de 1940, uma política ferrenha de


perseguição aos potenciais inimigos do capitalismo foi instituída. Uma
comissão presidida pelo Senador Joseph MacCarthy forjou diversas
acusações falsas e produziu diversas provas fraudulentas para punir pseudo
culpados da acusação de ser um traidor da nação (no caso, comunista).

Tal ação ficou conhecida como macarthismo. No campo simbólico, ajuda a


entender algumas ações da população norte-americana.

4.5 A expansão socialista

Por parte do bloco socialista, ou seja, a União Soviética, temos que,


desde a Revolução Russa (1917), tinha-se a ideia de internacionalizar a
dita “revolução” (cuidado, leitor, com o uso da palavra revolução) socialis-
ta para outras partes do globo, a partir da organização dos trabalhadores.

A vitória socialista, na URSS, trazia a possibilidade de sua implantação


em outros países, de modo a chegar-se ao comunismo, que se daria
quando todos os países do mundo estivessem operando com o modo
de produção socialista.

SAIBA MAIS

O modo de produção socialista tem por princípio fundamental a propriedade


social dos meios de produção. Teoricamente, significa que os meios de
produção são públicos, ou seja, que pertencem a todos (coletividade). Nesse
contexto, não existiria propriedade privada.

A finalidade ideológica de uma sociedade socialista é a satisfação completa


da população, seja cultural ou material, visto que as desigualdades e os
problemas sociais seriam pequenos e, depois de determinado tempo,
evoluir-se-ia para uma sociedade comunista.

Na sociedade comunista (pós-socialista), não existe desigualdade social e,


tampouco, a presença de Estado.
150 UNIUBE

Esta fixação na incorporação de territórios mostraria uma qualidade


diferente na forma de expansão socialista, frente à que se processou no
âmbito dos Estados Unidos.

A estratégia da URSS, durante a Guerra Fria, seria mais explícita, do


ponto de vista geopolítico, pois os soviéticos estavam menos preocupa-
dos em desenvolver mercados. Seu expansionismo era mais ostensi-
vo, no que tange ao controle do aparelho de Estado, ou seja, estavam
mais preocupados com a incorporação de novas zonas de influência e a
manutenção das que estavam disponíveis.

Do ponto de vista dos EUA, estava sendo criada em


torno da Ásia e da China, em particular, uma cortina
de bambu, equivalente à cortina de ferro (expressão
cunhada por W.Churchill), que separava a Europa
em duas partes inconciliáveis. Nesta leitura, todos
os comunistas asiáticos não passavam de peões de
Moscou. Essas circunstâncias diminuíram drasticamente
as margens de manobra no sentido da construção de um
socialismo próprio, original. (REIS FILHO, 2000, p.19).

O Partido Comunista (PC), organização mundial articulada dentro dos


países-alvo, significava uma constante na direção do projeto socialista.
Os “PCs” obedeciam aos comandos de Moscou, mesmo que tivessem,
em sua gênese, uma base popular/operária.

Do ponto de vista territorial, a União Soviética avançou muito mais que os


Estados Unidos. Após apenas três anos do término da Segunda Guerra,
em 1948, os soviéticos haviam conquistado toda a chamada Europa do
Leste (Bulgária, Albânia, Hungria, Romênia, Polônia e Tchecoslováquia).

RELEMBRANDO

Como já foi discutido, por meio da OTAN (Organização do Tratado do Atlânti-


co Norte), os países que eram alheios aos domínios soviéticos se aliaram
aos Estados Unidos, para que este lhes prestassem socorros militares.

A resposta socialista, como já dito anteriormente, foi o Pacto de Varsóvia,


propondo que os países socialistas se ajudassem mutuamente em caso do
emprego da força.
UNIUBE 151

Segundo Saraiva (2001, p.27)

Para Stalin, a maciça presença de capitais norte-


-americanos no Leste Europeu era uma dupla ameaça.
Eles impulsionavam, por um lado, as forças anticomunis-
tas. E articulavam, por outro, o poderio estratégico-militar
dos Estados Unidos em todo o continente europeu. As
duas ameaças inibiam a política internacional do colosso
oriental.
A saída encontrada pelos soviéticos foi o reinício do
processo de militarização das fronteiras, o recrudesci-
mento da política de espaços na Europa Oriental e o
aceleramento do projeto de desenvolvimento da bomba
atômica. Esses três fatores alimentariam a disputa entre
as superpotências ao longo de toda a Guerra Fria.

Dessa forma, o apoio da União Soviética a determinado país subordinava-


se a ele possuir, ou não, qualquer vantagem para o bloco socialista, seja
pela posição geográfica, estratégica etc..

Um bom exemplo é Cuba, que representava uma importante posição


no caso de um possível ataque militar aos EUA, visto que sua posição
geográfica, no Caribe, se localiza às margens do estado norte-americano
da Flórida, logrou-se, então, o apoio soviético após a Revolução Cubana.

Sobre Cuba, o historiador Daniel Aarão Reis tem a seguinte opinião:

Na América Latina, a revolução cubana – vitoriosa com


um programa nacionalista e democrático – transformara-
-se em revolução socialista, em larga medida, em virtude
das pressões americanas. Ali também os soviéticos só
colheram os frutos amadurecidos, pois estiveram pratica-
mente ausentes da luta revolucionária contra o Regime de
Batista – derrubado em janeiro de 1959 – e dos momentos
imediatamente subsequentes, quando a revolução radica-
lizou-se numa espiral de ações e de reações onde a intran-
sigência do Estado americano fez lembrar as atitudes
tomadas na Ásia Oriental em fins dos anos 40, com os
mesmos efeitos. (REIS FILHO, 2000, p.27).

As duas superpotências procuravam obter áreas de influência usando,


principalmente, a proteção militar, mas com iniciativas diferentes. Para os
norte-americanos, a garantia de mercados consumidores era o impulso
152 UNIUBE

inicial, enquanto que, para os soviéticos, a estratégia era de um projeto de


revolução social, que exigia o controle do aparelho estatal de cada país.

Isto não significava dizer que os EUA não tinham o controle do aparelha-
mento de Estado de alguns de seus aliados. Principalmente, em países
do chamado “Terceiro Mundo”. Os norte-americanos pactuavam com as
elites locais destes países, inserindo seus interesses e ideologias dentro
das próprias políticas públicas regionais.

Ao contrário dos soviéticos, os Estados Unidos apareciam como não-interven-


tores, dissimulando as intenções hegemônicas de seu imperialismo.

4.6 A política do Degelo

Em 1953, houve sensível melhora nas relações entre os blocos capitalista


e socialista. O grande terror gerado pela corrida armamentista e a ideia de
uma iminente guerra nuclear foram sensivelmente abrandados nesse ano.

Dois fatores que contribuíram para isso foram o fim da Guerra da Coreia
e a morte do líder soviético Stálin.

Um acordo foi lentamente surgindo. A partir dele, cada superpotência teria


liberdade de ação em suas respectivas zonas de influência. Foi o que ficou
conhecido como coexistência pacífica.

O historiador José Flávio Sombra Saraiva (2001, p.19) diz que:

Da relação “quente” da Guerra Fria (1947-1955) à


lógica da coexistência pacífica (1955-1968), as duas
superpotências migraram da situação de desconfian-
ça mútua para uma modalidade de convivência tolerá-
vel. Da corrida atômica do final dos anos 40 e início dos
anos 50 às negociações para um sistema de segurança
mundial sustentado no equilíbrio das armas nucleares,
os dois gigantes evoluíram nas suas percepções acerca
da avassaladora capacidade destrutiva que carregavam.

Ressalte-se que, em 1955, com a criação do Pacto de Varsóvia, pela


URSS, os países do leste europeu ficam sob sua tutela direta, tendo os
EUA omitido sua intervenção. E vice-versa.
UNIUBE 153

Apesar deste aparente entendimento, o embate entre capitalismo e


socialismo continuou presente. Em diversos momentos, como veremos a
seguir, a paz mundial se viu ameaçada por diversificados “focos de tensão”.

Na década de 1970, as duas superpotências promoveram a efetiva-


ção dos primeiros acordos parciais de controle de armas nucleares
(chamados Salt-1 e Salt-2).

Na mesma época, a China comunista era admitida como membro pela


ONU com direito, inclusive, a veto. As duas Alemanhas também iniciaram
o estabelecimento de relações mais estreitas.

Dessa forma, a década de 70, do século XX, pode ser descrita como um
período em que Moscou e Washington obtiveram significativa aproxima-
ção diplomática. Diversas conferências foram realizadas.

Detalhe interessante é que, apesar dos acordos, as superpotências ainda


mantinham grande parte de suas armas com o argumento de que eram
necessárias como “meios de dissuasão”. Na prática, temos que nem os
EUA e nem a URSS desejavam ficar expostos a um ataque do “oponente”
sem a respectiva capacidade bélica de resposta.

Esta coexistência, dita pacífica (conhecida também pela expressão france-


sa détente) ficou seriamente prejudicada, em 1979; quando a URSS
decidiu invadir o Afeganistão.

O Afeganistão estava sendo palco de grande movimento anticomunista


(em parte, financiado pelos Estados Unidos). A decisão soviética foi de
apoiar o governo comunista local.

A partir de então, a Guerra Fria retomou sua, digamos, “intensidade” anterior.

4.7 Os conflitos que marcaram a Guerra Fria

Durante a Guerra Fria, os conflitos que eclodiram não foram diretamente


entre EUA e URSS e, sim, entre alguns países apoiados por estas
superpotências.
154 UNIUBE

Segundo Fico (2000):

Presumia-se, nessa “Paz Fria” – para usar a expressão


cara a Eric Hobsbawm - malgrados os efetivos conflitos
que sugeriram ao mundo as hipóteses de ações
nucleares (Coreia, 191; Vietnã, 1954; Cuba, 1962;
China, 1969), que a divisão do mundo entre as duas
superpotências estava estabelecida e aceita, havendo a
perspectiva de que a coexistência pacífica era a política
que deveria se impor a longo prazo. Isso, contudo,
sabemos retrospectivamente pois a intransigência,
a rivalidade de poder, o confronto permanente entre
os dois lados, tudo sugeria aos homens comuns a
hipótese, afinal concreta, de um enfrentamento final
entre capitalismo e comunismo. (FICO, 2000 p.166)

EXPLICANDO MELHOR

Dessa forma, leitor, vamos dialogar, resumidamente, sobre algumas guerras


civis e conflitos armados que se mostram importantes para compreensão
do contexto. Tais embates representam informação essencial para entender
diversos aspectos da Guerra Fria.

4.7.1 A Revolução Chinesa (1949)

Na China, alguns distúrbios políticos culminaram na deposição do último


imperador, Pu-Yi, já no início do século XX. O partido nacionalista chinês
(chamado Koumintang) proclamou uma república.

Este novo governo optou estabelecer relações com a burguesia local


que já tinha interesses em comercializar com a Europa. Posto isso, os
distúrbios sociais continuaram a ocorrer, uma vez que a recém-empossa-
da República não cumpriu suas promessas para com as reivindicações
populares.

Em 1920, funda-se o PCC (Partido Comunista Chinês), liderado por Mao


Tsé-tung, Chu Em-lai e Lin Piao. Tal partido fez oposição ao Koumintang
e ao governo.
UNIUBE 155

Os atritos foram gradualmente aumentando e, em 1925, comunistas e


nacionalistas passaram a se enfrentar de maneira clara e sangrenta. O
governo (nacionalista), apoiado pelos EUA promoveu uma verdadeira
guerra civil com objetivo de eliminar permanentemente o comunismo
dentro daquele país.

Em 1934, sob a liderança de Mao Tsé-tung, os comunistas iniciaram


o que ficou conhecido como “Longa Marcha”, em direção ao norte do
Estado. Tal caminhada teve a duração de dois anos e, neste percurso,
grande parte da população aderiu à causa.

Com a grande maioria do povo chinês apoiando o comunismo de Mao


Tsé-tung, a vitória se mostrou garantida, obrigando o Koumintang a
abandonar sua posição.

No dia 10 de outubro de 1949, foi proclamada a República Popular da


China, governada por Mao Tsé-tung até sua morte, em 1976.

4.7.2 A guerra da Coreia (1950-1953)

A Coreia, antes do término da Segunda Guerra, estava sob o jugo do


Japão. Após a derrota dos japoneses, o país foi “libertado”.

Em 1948, o país, a exemplo do que aconteceu com a Alemanha, foi


dividido em dois blocos: a República da Coreia, com localização ao sul
e controlada pelos EUA; e a República Popular Democrática da Coreia,
localizada ao norte e controlada pelos soviéticos.

Em 1950, as duas Coreias entraram em conflito, tendo o “Norte” invadido


o “Sul”. Os EUA, devidamente amparados pelas políticas de proteção que
já foram explicadas, intercederam por seu aliado junto à ONU.

O órgão das Nações Unidas, pressionado pelos EUA, autorizou o envio de


tropas internacionais de combate (sob o comando do general norte-america-
no, Douglas MacArthur). Os soviéticos, por sua vez, prestaram ajuda militar
aos norte-coreanos, mas sem se envolver diretamente no conflito.
156 UNIUBE

O agravamento da Guerra Fria e a suposição de


que a Guerra da Coreia pudesse ser o estopim de
nova confrontação mundial geraram problemas
bastante sérios para as contas externas brasileiras,
especialmente em função dos baixos controles sobre as
importações. (FICO, 2000, p.174).

Tendo as tropas ocidentais maior poderio bélico e numérico, estas


ocuparam quase todo o território das duas Coreias. A China de Mao
Tsé-Tung, que faz divisa com tais Estados, resolveu intervir com receio
de que tal embate adentrasse seu território.

Segundo Fenelon (1983, p. 93)

No auge da propaganda antissoviética e nos momentos


de tensão da Guerra da Coréia, esta “caça às bruxas”
significou o sintoma mais dramático da radicalização a
que se chegou nos piores anos da Guerra Fria.

Com a intervenção chinesa, não restou outra saída aos EUA do que
negociar a paz. Os norte-americanos, por mais desejosos que fossem
em combater o comunismo, sabiam que um embate direto com a China
traria grandes prejuízos.

Assim, em julho de 1953, foi assinado um acordo de paz.

IMPORTANTE!

Antes de continuar, cabe esclarecer a você, querido leitor, o que vem a ser
“Guerra de Guerrilha” ou, simplesmente, “guerrilha”.

Tal informação lhe será muito útil para que compreenda como grupos de
efetivo militar numericamente desprivilegiados conseguem combater e
vencer outros que, à primeira vista, parecem ter vantagem.

Guerrilha significa “pequena guerra”. É um tipo de combate no qual a principal


estratégia é a mobilidade e a ocultação dos combatentes (aqui, chamados
de guerrilheiros). A ordem é atacar, destruir, recuar (retrair), desagrupar e,
posteriormente, reagrupar. Dessa forma, o inimigo terá que impor um esforço
muito mais considerável que o previsto. O tempo prolongado também influi
favoravelmente ao guerrilheiro.
UNIUBE 157

A guerra de guerrilha, portando, exige que a tropa conheça de maneira


detalhada o território onde será travado o combate, ora centralizando seu
ataque, ora movimentando-se de forma a descentralizá-lo. A ajuda da
população local também se mostra essencial, visto que podem fornecer
vários tipos de suporte.

Outro importante aspecto da guerra de guerrilha é seu cunho passional.

4.7.3 A guerra do Vietnã

O conflito no Vietnã foi um dos maiores fatores de desestabilização entre


a política das superpotências durante a Guerra Fria. O Vietnã, antiga
colônia francesa (ocupada pelos japoneses durante a Segunda Guerra),
tinha como líder o guerrilheiro Ho chi Minh.

Em 1954, este território ganhou sua independência, formando dois


países: Vietnã do Norte (uma república socialista) e Vietnã do Sul (uma
ditadura militar que tinha apoio dos Estados Unidos).

Em 1960, os comunistas do sul organizaram uma Frente de Libertação


Nacional (FLN), com o objetivo de unificar os dois países. A FNL criou
um grupo armado denominado “vietcongue”. A partir desse momento,
iniciou-se uma guerra civil com objetivos de destruir o governo militar.

Como a ditadura militar sulista estava sob a proteção dos EUA, o então
presidente americano, John Kennedy, enviou dez mil soldados para findar
o conflito.

Apesar disso, os vietcongues continuaram a resistir. Com o passar do


tempo, a presença militar dos EUA na região chegou a números extraor-
dinários. O conflito, pode-se dizer, deixou de ser apenas uma questão
entre os vietnamitas e passou a se caracterizar como um embate “EUA
versus Vietnã do Norte”.

Se, em 1961, o efetivo de soldados norte-americanos era de dez mil;


em 1968, a tropa ultrapassava 540.000 soldados e milhões de dólares
gastos a cada dia.
158 UNIUBE

A própria opinião pública norte-americana (bem como a de outros países)


começou a colocar em dúvida a validade da participação dos EUA junto à
guerra do Vietnã. Tamanha foi a pressão para a negociata de um cessar
fogo que um acordo foi homologado, em 1973 (apesar dos conflitos
continuarem até 1975).

Segundo Hobsbawm (1995, p.241)

[...] a presumida derrota e desestabilização dos EUA,


quando este país se lançou numa nova grande guerra.
A Guerra do Vietnã desmoralizou e dividiu a nação, em
meio a cenas televisadas de motins e manifestações
contra a guerra; destruiu um presidente americano;
levou a uma derrota e retirada universalmente previstas
após dez anos (1965-75); e, o que interessa mais,
demonstrou o isolamento dos EUA. Pois nenhum de
seus aliados europeus mandou sequer contingentes
nominais de tropas para lutar junto às suas forças.
Por que os EUA foram se envolver numa guerra
condenada, contra a qual seus aliados, os neutros e até
mesmo a URSS tinham avisado, é quase impossível
compreender, a não ser como parte daquela densa
nuvem de incompreensão, confusão e paranoia dentro
da qual os principais atores da Guerra Fria tateavam o
caminho.

Tal derrota do exército norte-americano causa constrangimento até os


dias atuais naquele país. Constitui-se em uma das maiores vergonhas
do governo dos EUA.

Após a saída americana, a guerra civil foi vencida pelo Norte que, em
1976, unificou o Estado sob o comando de um governo comunista.

4.7.4 A Revolução Cubana

Um dos maiores reveses que colocaram em risco o delicado equilíbrio


político e militar entre as duas superpotências da Guerra Fria foi a
chamada Revolução Cubana.

Em Cuba, o governo ditador de Fulgêncio Batista tinha apoio dos EUA, a


partir do envio de capital. Contra tal ditadura, foi efetuada uma bem-sucedida
guerrilha camponesa que acabou por prover a deposição de tal governante.
UNIUBE 159

Nesta guerrilha, o nome de três combatentes restou destacado: Fidel


Castro, Camilo Cienfuegos e Ernesto Guevara, conhecido como Che
Guevara.

A luta armada se prolongou de 1953 até 1959, quando a guerrilha toma


o poder e inicia uma política de nacionalização. Dessa forma, os investi-
mentos e as propriedades que eram dos norte-americanos se tornaram
propriedade do Estado.

Os Estados Unidos, descontentes com o ocorrido, promoveram uma


retaliação na forma de bloqueio econômico. Assim, tanto os EUA quanto
seus aliados (dependentes) estavam proibidos de comercializar com
Cuba. Saliente-se que, na época, a importação de açúcar era uma das
principais bases da economia cubana.

Em quase que completo isolamento, Fidel Castro (atual governante


do país) decidiu manter relações com a URSS. Perceba, leitor, que,
tecnicamente, Fidel Castro não era “socialista” e que sua aproximação
com os soviéticos foi por motivos de necessidade.

A URSS percebeu em Cuba importante aliado, pois trata-se de um


território estratégico. Cuba, leitor, está a menos de 150 km do território
americano.

Os Estados Unidos não aceitaram de bom grado a presença de um


potencial “aliado dos soviéticos” tão próximo de suas terras. Em 1961,
decidiu enviar tropas de soldados para invadir a ilha, desembarcando na
Baía dos Porcos, com objetivo de desmontar uma base de mísseis que
os soviéticos estavam instalando em solo cubano e derrubar Fidel Castro.

Tal invasão foi um fracasso. A população de Cuba colocou-se ao lado de


Fidel e, ao contrário do que os EUA esperavam, sua ação serviu apenas
para consolidar a Revolução Cubana.

Saliente-se que um episódio conhecido como “crise dos mísseis de


Cuba” compreendeu-se como uma dos maiores momentos de tensão
durante a Guerra Fria.
160 UNIUBE

Segundo Hobsbawm (1995, p.226), “durante a crise dos mísseis cubanos


de 1962 [...] a principal preocupação dos dois lados era impedir que gestos
belicosos fossem interpretados como medidas efetivas para a guerra”.

Foram dias de negociação que promoveram grande suspense e terror


mundial, devido ao medo de uma possível guerra nuclear. No fim, a
situação resolveu-se diplomaticamente.

PESQUISANDO NA WEB

Existem sites que disponibilizam brilhantes artigos sobre as diversas subjeti-


vidades que a Guerra Fria proporcionou. Um destes artigos foi escrito pelo
Doutor em História, Orivaldo Leme Biagi, cujo título é “O imaginário da
Guerra Fria”.

Leia este artigo como complemento aos seus estudos. O resultado será
muito enriquecedor.
O artigo encontra-se disponível no site:
<http://www.dominiopublico.gov.br>.

Segundo Biagi (2001, p. 84 - 85):

A Revolução Chinesa e a Guerra da Coréia alimentaram


a ideia de que a China conduziria todo o Sudeste Asiáti-
co ao comunismo e criaria, dentro dos Estados Unidos,
uma das mais polêmicas teses políticas surgidas
durante a Guerra Fria, a chamada “Teoria do Dominó”:
quando uma nação da região caísse sob o domínio do
comunismo, as nações vizinhas logo cairiam também,
como num jogo de dominó, onde depois de se derrubar
a primeira peça as demais cairiam rapidamente, o que
poderia destruir a política norte-americana na região.
Tal “teoria” desconsiderava completamente as diferen-
ças regionais, transformando todos os envolvidos em
“comunistas”, caso fossem de oposição (qualquer que
seja), ou em “democratas”, caso estivessem do lado
norte--americano, sendo que tudo era válido para se
impedir a queda das peças do “dominó”.
UNIUBE 161

A possível queda da Indochina, onde forças naciona-


listas (incluindo comunistas) lutavam contra os france-
ses, seria o início da derrocada da liberdade na região.
Assim, os norte-americanos auxiliaram os franceses
nos seus esforços de guerra para manter sua colônia,
alegando que a luta francesa era contra o comunis-
mo. Com a saída da França e a divisão da península
da Indochina, os Estados Unidos passaram a intervir
diretamente na região, tentando fazer com que os
instáveis, violentos e impopulares regimes do Vietnã
do Sul pudessem se manter sem cair perante o regime
comunista do Vietnã do Norte.
O envolvimento dos Estados Unidos na Indochina
desconsiderou o problema central da região: as lutas
tinham um forte caráter nacionalista, com o comunismo
catalisando ainda mais as forças, tanto para e expulsão
dos franceses quanto, posteriormente, para a expulsão
dos norte-americanos. Hoang Van Chi, historiador
vietnamita, afirmou “que pode ser dito da revolução
vietnamita é que começou no nacionalismo e terminou
no comunismo”.
Um outro acontecimento decisivo para a crítica à
linha soviética foi a Revolução Cubana, ocorrida em
1959. Esta revolução desafiava todas as premissas
da orientação soviética, pois não foi feita pela classe
operária, nem dirigida pelo partido comunista e nem
sequer respeitou as etapas previstas nas teorias.
A revolução foi liderada por um pequeno grupo
guerrilheiro, que foi crescendo até a derrubada do
governo de Fulgêncio Batista, naquilo que seria
chamado militarmente de “foquismo”. Os personagens
que conduziram a revolução, em particular Fidel
Castro e Ernesto “Che” Guevara, eram carismáticos
o suficiente para se tornarem exemplos para novos
pretendentes à revolução.
A guerrilha tornava-se um modelo para a conquista do
poder e para a implantação da revolução socialista,
indiferentemente a qualquer orientação soviética. Um
outro exemplo poderoso foi a resistência da guerrilha
Vietcong contra os próprios Estados Unidos no Vietnã
durante a década de 60. Além da luta guerrilheira
ganhar um grande espaço na mídia mundial, sua
resistência vitoriosa contra a maior força militar do
planeta demonstrava (ou dava essa impressão) da sua
eficácia para a luta revolucionária.
162 UNIUBE

Nas décadas de 50 e 60 o mundo ocidental viu surgir


inúmeros grupos revolucionários que lutavam pela revolu-
ção socialista, acusando seus governos de serem títeres
dos Estados Unidos e do capitalismo internacional. China
e Cuba chegariam a apoiar muitos desses grupos, o que
enfureceu os soviéticos (que ainda tentavam controlar
esses movimentos de esquerda), além de dar uma justifi-
cativa pertinente para a intervenção dos Estados Unidos
nos mais variados lugares do mundo.

4.8 Uma “nova” Guerra Fria

No ano de 1980, Ronald Reagan foi eleito presidente dos Estados


Unidos. Na conhecida “era Reagan”, a Guerra Fria assumiu contornos
parecidos com os de seu início.

Com uma política externa bastante dura, foram inseridos novos projetos
de expansão e proteção. Um destes projetos é o chamado “Guerra nas
Estrelas”, que pretendeu a criação de uma proteção espacial para o
Ocidente. Dessa forma, o conflito, a ditas palavras, “foi levado ao espaço”.

Tal projeto previu a construção de um sistema contramísseis interconti-


nentais soviéticos. O custo do projeto foi enorme, seus resultados coloca-
dos em dúvida, mas, de forma publicitária, justificou todas as ações do
Estado.

O uso de palavras como “Império do Mal” (termo cunhado por Reagan


durante sua campanha para definir a URSS) era uma das armas da
propaganda americana. A estrutura dos Estados Unidos, devido a tantos
gastos, restou seriamente debilitada.

Sobre este assunto, o historiador Eric Hobsbawm (2007, p.244-245)


observou:

A política de Ronald Reagan, eleito para a presidência


em 1980, só pode ser entendida como uma tentativa de
varrer a mancha da humilhação sentida demonstrando
a inquestionável supremacia e invulnerabilidade
dos EUA, se necessário em gestos de poder militar
em alvos imóveis, como a invasão da pequena ilha
caribenha de Granada (1983), o maciço ataque aéreo
UNIUBE 163

e naval à Líbia (1986), e a ainda mais maciça e sem


sentido invasão do Panamá (1989).
Reagan, talvez por ser apenas um ator mediano de
Hollywood, entendia o estado de espírito de seu povo
e a profundidade das feridas causadas à sua autoes-
tima. No fim, o trauma só foi curado pelo colapso final,
imprevisto e inesperado, do grande antagonista, que
deixou os EUA sozinhos como potência global. Mesmo
então, podemos detectar na Guerra do Golfo, em 1991,
contra o Iraque, uma compensação tardia pelos pavoro-
sos momentos de 1973 e 1979 quando a maior potência
da Terra não pôde achar resposta para um consócio
de fracos Estados do Terceiro Mundo que ameaçava
estrangular seus abastecimentos de petróleo.
A cruzada contra o “Império do Mal” a que - pelo menos
em público - o governo do presidente Reagan dedicou
suas energias destinava-se assim a agir mais como uma
terapia para os EUA do que como uma tentativa prática
de restabelecer o equilíbrio de poder mundial. Isso, na
verdade, fora feito discretamente em fins da década de
1970, quando a OTAN – sob um governo democrata
nos EUA e governos social-democratas e trabalhistas na
Alemanha e Grã-Bretanha – havia começado seu próprio
rearmamento, e os novos Estados esquerdistas na África
tinham sido contidos desde o início por movimentos
ou Estados apoiados pelos americanos, com bastante
sucesso no Sul e Centro da África, onde os EUA podiam
agir em conjunto com o pavoroso regime de apartheid
da República da África do Sul, e menos no Chifre da
África. (Nas duas áreas, os russos tiveram a inestimável
assistência de forças expedicionárias de Cuba, atestan-
do o compromisso de Fidel Castro com a revolução no
Terceiro Mundo, além de sua aliança com a URSS.) A
contribuição reaganista para a Guerra Fria foi de um tipo
diferente.

4.9 O fim da Guerra Fria

No início da década de 1980, conforme já foi exposto, ainda predomi-


nava o clima de tensão proposto pela nova etapa da Guerra Fria. Mas
os gastos americanos (gerados pela inviabilidade financeira e científica
dos vários projetos de defesa) obrigaram a superpotência a ceder novos
acordos de entendimento.
164 UNIUBE

Lembremos de que o modelo socialista já entrara em decadência. No ano


de 1989, a queda do “Muro de Berlim” significou para alguns historiadores
já o fim do embate. Demétrio Magnoli (in COGGIOLA, 1995, p. 418) é um
destes especialistas. Ele diz:

A desativação do Muro de Berlim, em novembro de


1989, assinalou o encerramento do período histórico
da guerra fria. Marco da decomposição do conjunto do
bloco soviético da Europa Oriental e do processo de
reunificação alemã, esse fato separa nitidamente duas
épocas. A guerra fria assentava-se na bipartição do
espaço europeu, cuja manifestação crucial foi a divisão
da Alemanha. A “nova ordem” internacional assiste à
reconstituição de um espaço europeu autônomo, que
tem por vértice a Alemanha reunificada.

Embora o fim da União Soviética só tenha se afirmado oficialmente em


1991, as reformas ocorridas, no plano internacional, já propunham a
desativação das armas nucleares.

Na década de 90, do século XX, já era possível perceber que a Guerra


Fria chegara ao seu fim. O fim do Pacto de Varsóvia foi destituído, a
OTAN reorganizada e a bipolarização dos blocos já não tinha a mesma
força que antes.

Para Hobsbawm (1995, p. 246):

A Guerra Fria acabou quando uma ou ambas superpo-


tências reconheceram o sinistro absurdo da corrida
nuclear, e quando uma acreditou na sinceridade do
desejo da outra de acabar com a ameaça nuclear.
Provavelmente era mais fácil para um líder soviético
que para um americano tomar essa iniciativa, porque,
ao contrário de Washington, Moscou jamais encarara
a Guerra Fria como uma cruzada, talvez porque não
precisasse levar em conta uma excitada opinião pública.

Dessa maneira, o embate terminara em um curto e rápido golpe, promovi-


do por uma situação contextual que envolve um turbilhão de mudanças.
Uma nova perspectiva sociopolítica e econômica mundial estava sendo
criada. E, dessa vez, sem a presença dolorosa de uma tensão apocalíp-
tica nuclear.
UNIUBE 165

AGORA É A SUA VEZ

Agora, leitor, que você já tem uma boa base teórica sobre a Guerra Fria,
vamos problematizá-la um pouco mais. Sinta-se à vontade, portanto, para
exercer seu ofício de historiador, refletindo sobre os acontecimentos e
formando sempre uma ideia própria do tema.

AGORA É A SUA VEZ

Refletindo sobre a Guerra Fria

Muitos estudiosos renomados, dentre eles, o historiador Eric Hobsbawm,


têm a Guerra Fria como uma “Terceira Guerra Mundial”. Apesar de ter sido
um período no qual os dois blocos (Capitalista e Socialista) não se enfrenta-
ram diretamente, gerações inteiras viveriam à sombra de batalhas nucleares
globais, que poderiam devastar a humanidade, baseadas no medo da “destrui-
ção mútua inevitável”.

Na realidade, nada disso aconteceu, mas foi um fantasma que assombrou


durante décadas o imaginário da população, que tinha, nesse fato, a
percepção de uma possibilidade diária.

Apesar de todo o clima de agressividade, as duas superpotências aceita-


ram a distribuição de forças no fim da Segunda Guerra Mundial. A União
Soviética iria controlar uma parte do planeta, onde exercia predominante
influência: a zona ocupada pelo Exército Vermelho no término da guerra,
e não tentaria ampliá-la com o uso da força.

Os Estados Unidos controlavam o resto do mundo capitalista, assumindo


o que restava do imperialismo das antigas potências coloniais. E,
também, não intervinha na zona de hegemonia soviética.

Ambas as superpotências faziam todo esforço para resolver disputas sem


o choque aberto de suas Forças Armadas, o que poderia levar a uma
guerra. Na verdade, contrariando a ideologia da Guerra Fria, as superpo-
tências trabalhavam com a suposição de que, a longo prazo, poder-se-
166 UNIUBE

-ia haver uma coexistência pacífica entre elas. A principal preocupação,


como Hobsbawm destacou, era impedir que “gestos belicosos” fossem
erroneamente interpretados como medidas para a guerra.

Entretanto, a corrida armamentista foi palavra de ordem. Os soviéticos,


quatro anos depois do ataque a Hiroshima, construíram sua bomba
atômica, em 1949.

Com o “equilíbrio” de armas de destruição, as duas superpotências


abandonaram a perspectiva “real” de guerra como instrumento de política,
pois isso equivaleria a um suicídio de ambas.

Se, por um lado, não usaram as armas nucleares, nem entre si e tampou-
co em ação contra terceiros; por outro, a ameaça nuclear era sistema-
ticamente utilizada para fins de negociação, justificação de medidas e,
ainda, como publicidade.

Partindo desse princípio, como explicar os quarenta anos de


confronto armado e mobilizado, baseado sempre na suposição
de que a instabilidade do planeta era de tal ordem que a
qualquer momento poderia explodir uma guerra mundial?

Na verdade, o temor norte-americano, após a Segunda Guerra, era de


que acontecesse o mesmo que ocorreu após a Primeira, ou seja, uma
grande crise econômica mundial, que culminou com a quebra da Bolsa,
em 1929.

Mas, o que se viu no pós-Segunda Guerra foram países que sentiram


econômica e socialmente os efeitos devastadores que o esforço de guerra
custou. Eles sofreram as consequências pelo ato de guerrear e, agora, estavam
famintos, desesperados e propensos à radicalização. Dispostos, portanto, a ouvir
o apelo da revolução social.

Por isso, a iniciativa do Plano Marshall foi essencial para implantar


políticas econômicas compatíveis com o sistema internacional de livre
empresa, livre comércio e investimento. Além disso, o “inimigo” foi identi-
ficado, ou seja, o próprio sistema socialista.
UNIUBE 167

Na visão norte-americana, o socialismo era implacável, insaciável na


sua corrida para a dominação mundial. Não seria apenas uma luta por
supremacia de armas, mas, também, uma luta de ideologias conflitantes,
posto que o capitalismo nunca pudesse conviver harmoniosamente com
um sistema que vai diretamente contra seus princípios básicos.

A URSS saiu da guerra em ruínas, exaurida e exausta, e com a economia


de tempos de paz em frangalhos. Essa potência era governada por um
ditador que direcionava tanto a política externa, quanto a interna, com
extremo autoritarismo. Os soviéticos precisavam de toda ajuda que
pudessem obter e, portanto, não tinham interesse em antagonizar com
a única potência que podia ajudá-los, os EUA.

Percebendo a hegemonia norte-americana na economia mundial,


os soviéticos não viam o capitalismo em crise no final da Segunda
Guerra. Nem tampouco acreditavam na coexistência permanente dos
dois sistemas. Como comunistas, ansiavam que o capitalismo seria
inevitavelmente substituído pelo comunismo.

Mas a obviedade da supremacia do rico e poderoso país da América do


Norte faria com que a URSS tivesse uma postura básica mais defensiva
após a guerra. A estratégia utilizada, diante de sua frágil situação
econômica, embora com sua nova posição de potência internacional,
era: nenhum acordo.

SINTETIZANDO...

Enquanto os americanos se preocupavam com o perigo de uma possível


supremacia soviética futura, a URSS se preocupava com a hegemonia “de
fato” dos EUA, exercida em todas as partes do mundo não ocupadas pelo
Exército Vermelho.

Ambos representavam ideologias antagônicas e, nesse sentido, a


democracia norte-americana, por mais paradoxal que possa parecer,
era mais perigosa dentro do contexto bipolar construído.
168 UNIUBE

A explicação reside no fato de que a maioria dos americanos sinceramente


acreditava que o seu modelo era o melhor para o mundo. Os governantes
soviéticos, embora também criticassem o antagonista global, não tinham
preocupações como ganhar votos no Congresso ou nas eleições. Como
nos mostra Hobsbawm (1995, p. 232):

E o anticomunismo era genuíno e visceralmente popular


num país construído sobre o individualismo e a empresa
privada, e onde a própria nação se definia em termos
exclusivamente ideológicos (“americanismo”) que
podiam, na prática, conceituar-se como o polo oposto
ao comunismo. [...] Não foi o governo americano que
iniciou o sinistro e irracional frenesi da caça às bruxas
anticomunistas, mas demagogos exceto isso insignifi-
cantes – alguns deles, como o notório senador Joseph
McCarthy, nem mesmo particularmente anticomunistas
– que descobriram o potencial político da denúncia em
massa do inimigo interno.

Esse modo de praticar a política interna obrigou os governantes americanos


a adotarem uma estratégia voltada mais para as bombas nucleares, que
para os homens. A URSS era ameaçada com armas nucleares, mesmo no
caso de um ataque limitado convencional. Diferentemente dos soviéticos, a
política dos EUA se mostraria agressiva, sem nenhuma flexibilidade tática.

EXPLICANDO MELHOR

Apesar do aspecto óbvio da Guerra Fria ser o confronto militar e a imensu-


rável corrida armamentista no Ocidente, as armas nucleares nunca foram
usadas. As duas superpotências se envolveram em três guerras – na Coreia,
em 1950-53; no Vietnã, 1965-75; e no Afeganistão, em 1988 – mas não uma
contra a outra diretamente. O material caro e de alta tecnologia da competi-
ção armamentista das superpotências revelou-se pouco decisivo.

Na política, os governos de unidade antifascista que tinham acabado com


a guerra na Europa, dividiram-se em pró-comunistas e anticomunistas,
a partir de 1947. Os políticos comunistas desaparecem dos governos
no Ocidente e foram sistematicamente marginalizados na política. Nos
países sob o domínio soviético, a URSS fez o mesmo eliminando os não
comunistas.
UNIUBE 169

RELEMBRANDO

Para se contrapor à Doutrina Truman, propagação das ideias capitalistas de


combate ao socialismo, os soviéticos criaram a Internacional Comunista, o
“Kominform” (Comitê de Informação dos Partidos Comunistas e Operários),
discretamente dissolvido a partir de 1956.

O interregno de 1945 a 1953, podemos considerar como os anos críticos


da Guerra Fria. Apesar disso, não houve nenhuma “explosão mundial”.
A morte de Stálin, em 1953, e a tomada do poder por Nikita Kruschev
iriam provocar uma mudança significativa nos rumos políticos de
Moscou. Kruschev adotou um discurso de maior liberalização da política,
abrindo espaço a uma coexistência sensivelmente mais “pacífica” com o
capitalismo. Daniel Aarão Reis Filho (2000, p.22) diz:

N.Kruschev, o dirigente então em ascensão, gostava


de dizer que o socialismo “era bom, mas seria melhor
com manteiga...” ou seja, chegara o momento de
prestar atenção às demandas imediatas da população,
elevar seus níveis de vida, melhorar suas condições de
trabalho.

Internamente, a grande repressão que Stálin havia desenvolvido junto


ao povo soviético foi desfeita, fato chamado por alguns historiadores
de “degelo”. Com maior abertura política, o poder passaria, então, a
ser controlado pelo Partido Comunista, ou seja, seria coletivo, e não
centrado apenas na figura do ditador, Stálin. Kruschev também desenvol-
veu grande desmitificação sobre a figura de Stálin, que para alguns era
considerado quase “divino”. As ações repressivas levariam o novo líder
a dizer que a URSS não se transformou em potência “por causa dele”,
mas, sim, “apesar dele”.

O povo soviético sofreu muito com a falta de alimentos, apesar de o país


contar com uma desenvolvida tecnologia bélica e espacial. Em resumo:
a URSS estava tecnicamente à frente dos EUA na chamada “corrida
espacial”, mas seu povo passava fome.
170 UNIUBE

Externamente, a construção do Muro de Berlim, em 1961, fechou a última


fronteira indefinida entre Oriente e Ocidente na Europa. A partir de 1960,
os EUA aceitaram uma Cuba comunista em seu “quintal”. A partir de
1963, aconteceu um acordo entre as duas superpotências, demonstrando
que a parte mais crítica já havia passado. Kruschev e o presidente norte-
-americano, Kennedy, decidem instalar a famosa “linha quente” telefônica
que passaria ligar a Casa Branca (sede do governo americano) com o
Kremlin (sede do governo soviético).

Nos anos 60 e 70, algumas medidas significativas para controlar e limitar


as armas nucleares foram tomadas, como:

• o Tratado de Limitação de Armas Estratégicas – SALT;


• os acordos sobre os Mísseis Antibalísticos – ABMs, entre os EUA e
a URSS.

O comércio entre as duas superpotências, apesar de ter sido politicamente


estrangulado de ambos os lados, começaria a florescer a partir dos anos
60, quando as perspectivas pareciam ser mais otimistas. Ledo engano.

Em meados da década de 1970, houve uma grande mudança na economia


mundial. A crise no abastecimento do petróleo ocorrida em 1973, com a
consequente criação da organização dos países exportadores de petróleo
– OPEP – fortaleceriam a economia dos países do Oriente Médio e,
também, da URSS, já que, em meados da década de 1960, enormes
jazidas de petróleo e de gás natural haviam sido descobertas em solo
soviético.

Se, na economia, a URSS estava se fortalecendo, a Guerra do Vietnã


(1965-75) por outro lado, abalaria o prestígio norte-americano a nível
internacional. Além disso, a não participação de nenhum de seus aliados
europeus no conflito demonstraria o isolamento dos EUA.

No Oriente Médio, o apoio norte-americano a Israel em detrimento aos


outros países, que, por sua vez, contavam com o apoio soviético, também
serviu para demonstrar o enfraquecimento político dos EUA. Entre 1974 e
1979, a atenção das duas potências se voltaria para os países da África, da
Ásia e alguns da América, haja vista seus movimentos de descolonização.
O novo campo de batalha entre elas era o chamado “Terceiro Mundo”.
UNIUBE 171

A década de 1980 demonstraria uma mudança nos rumos da Guerra


Fria. Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev, os dirigentes de EUA e URSS,
respectivamente, sonhavam com um mundo inteiramente sem armas
nucleares.

A Guerra Fria iria terminar quando uma ou ambas as superpotências


reconhecessem o absurdo da corrida nuclear. E foi o que fez Gorbachev.
Ele tomou a iniciativa e conseguiu convencer o governo americano e
outros do Ocidente de que falava a verdade.

Na verdade, a partir da década de 1960, o Ocidente promoveu uma


verdadeira “revolução” nas comunicações e tecnologia de informação.
Isso deixou claro que o socialismo estava ficando obsoleto em ritmo
acelerado. Não podia mais competir. A inferioridade soviética ficou
transparente a partir daí.

PARADA PARA REFLEXÃO

Repetindo o raciocínio de Hobsbawm (1995): não foi o confronto com o


capitalismo que solapou o socialismo. Foi uma combinação entre seus
próprios defeitos econômicos e a invasão da economia socialista pela
avançada e dominante economia capitalista mundial.

A interação, neste período, do tipo de economia soviética com a economia


mundial capitalista foi o que tornou o socialismo vulnerável.

O que derrotou e despedaçou a URSS, por mais contraditório que possa


parecer, não foi o confronto, mas, sim, a ausência dele.

O colapso do império soviético, a partir da desintegração e dissolução


da própria URSS em 1989-91, equivale a dizer que o fim da Guerra Fria
implicou o fim do sistema soviético.

O socialismo moldado pelos soviéticos pretendia ser uma alternativa


global para o sistema mundial capitalista. Como esse último não
desmoronou, a perspectiva socialista dependia de sua capacidade de
competir com a economia mundial capitalista, mas se mostrou incapaz.
172 UNIUBE

PESQUISANDO NA WEB

Pesquisando pela internet, você pode encontrar interessantes fontes de


pesquisa sobre a Guerra Fria. Por exemplo: 

<http://www.youtube.com/watch?v=hNh_4SoTYhs>.
Cobertura do Jornal Nacional, da Rede Globo, na noite da queda do muro.
<www.mauermuseum.de>.
Museu do Muro: em frente ao Checkpoint Charlie, o mais famoso posto
de fronteira. Foi erguido em homenagem às vítimas do regime comunista.
<http://www.eastsidegallery.com>.
Galeria East Side: imensa exposição de arte ao ar livre de uma parte do
muro inteiramente grafitado por diversos artistas. Virou um local de diversão
na ex-cidade do leste, ironicamente instalada em área onde ficavam muitos
soldados vigiando a população.
<http://www.berliner-mauer-gedenkstaette.de>.
Memorial e Centro de Documentação do Muro de Berlim: construído, em
1998, no local em que soldados deram início à construção do muro.
<http://www.berlin.de/mauer>.
Memórias do Muro: site com opções de leitura em vários idiomas, com
informações diversas sobre o muro.

4.10 Conclusão

A Guerra Fria iria transformar o panorama internacional em três aspectos:

1. primeiramente, acabaria com todas as rivalidades e conflitos


existentes na política mundial antes da Segunda Guerra Mundial,
com exceção do confronto entre as duas superpotências;
2. em segundo lugar, congelaria a situação internacional e, fazendo
isso, estabilizaria um estado de coisas essencialmente não fixo e
provisório;
3. e, por último, abasteceria o mundo de armas de maneira absurda.

Além desses aspectos citados, a Guerra Fria provocou a criação da “Comuni-


dade Europeia”, um arranjo permanente para integrar as economias e os
sistemas legais de várias nações europeias independentes.
UNIUBE 173

A partir daí, não poderia haver o retorno ao mundo de antes da Guerra


Fria, coisas demais haviam mudado e desaparecido e todos os mapas
tinham sido alterados. A situação internacional estava irremediavelmente
transformada, pois segundo Hobsbawm (1995, p. 252):

É provável que as consequências do fim da Guerra Fria


teriam sido enormes de qualquer modo, mesmo que
ela não coincidisse com uma grande crise na economia
capitalista e com a crise final da União Soviética e seu
sistema. Como o mundo do historiador é o que aconte-
ceu, e não o que poderia ter acontecido se tudo fosse
diferente, não precisamos levar em conta a possibilida-
de de outros roteiros. O fim da Guerra Fria provou ser
não o fim de um conflito internacional, mas o fim de uma
era: não só para o Oriente, mas para todo o mundo.
Há momentos históricos que podem ser reconhecidos,
mesmo entre os contemporâneos, por assinalar o fim de
uma era. Os anos por volta de 1990 foram uma dessas
viradas seculares. Mas, embora todos pudessem ver
que o antigo mudara, havia absoluta incerteza sobre a
natureza e as perspectivas do novo.

Resumo
Por todo exposto, leitor, você pôde perceber que, na verdade, o conceito
de “soberania absoluta” de uma superpotência é antes uma criação
doutrinária do que uma realidade prática. A soberania, portanto, é um
fator cuja legitimação depende de reconhecimento mútuo, não apenas
dentro de determinado Estado, mas fora dele.

Por conta disso, os sistemas de dominação incluem uma complexa rede


de elementos, por vezes abstratos, que passam desde a propaganda até
o último grau de dependência econômica, militar ou política.

A natureza metodológica do progresso das instituições é quase a mesma


de uma seleção natural, que vai segregando (separando) os mais fortes
e eliminando as menos eficientes. Com o fim da Guerra Fria, temos o
início de uma nova ordem mundial “pós-45”. Agora, temos um novo jogo
imposto chamado “globalização”.

Vale a pena, aluno, aprofundar-se nas leituras indicadas e, ainda, aprovei-


tar todas as referências visto que não é possível detalhar em um simples
capítulo todas as nuances e especificidades da Guerra Fria.
174 UNIUBE

Procure saber mais sobre as guerras que aconteceram neste período,


sobre as lutas de descolonização da Ásia e da África e sobre algum outro
aspecto da Guerra Fria que lhe chama mais atenção.

Bons estudos.

Atividades

Atividade 1

Os 45 anos que vão do lançamento das bombas atômicas até o fim da


União Soviética, não foram um período homogêneo único na história do
mundo. (...) dividem-se em duas metades, tendo como divisor de águas o
início da década de 70. Apesar disso, a história deste período foi reunida
sob um padrão único pela situação internacional peculiar que o dominou
até a queda da URSS.

(HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos. São Paulo: Cia das Letras,1996)

O período citado no texto, e conhecido por “Guerra Fria”, pode ser defini-
do como aquele momento histórico em que houve

(A) corrida armamentista entre as potências imperialistas europeias


ocasionando a Primeira Guerra Mundial.
(B) domínio dos países socialistas do Sul do globo pelos países
capitalistas do Norte.
(C) choque ideológico entre a Alemanha Nazista / União Soviética
Stalinista, durante os anos 30.
(D) disputa pela supremacia da economia mundial entre o Ocidente e
as potências orientais, como a China e o Japão.
(E) constante confronto das duas superpotências que emergiram da
Segunda Guerra Mundial. (Enem, 1999)
UNIUBE 175

Atividade 2

Considere o trecho a seguir, sobre a Guerra Fria:

(…) apesar da retórica apocalíptica de ambos os lados,


mas sobretudo do lado americano, os governos das
duas superpotências aceitaram a distribuição global
de forças no fim da Segunda Guerra Mundial, que
equivalia a um equilíbrio de poder desigual mas não
contestado em sua essência. (HOBSBAWM, Eric. Era
dos extremos: o breve século XX, 1995, p. 224.)

Desenvolva o tema “Uma característica marcante da Guerra fria é que em


termos objetivos, o perigo de ocorrer uma guerra mundial era mínimo,
quase inexistente” em um texto de, no mínimo, dez linhas.

Atividade 3

Estados Unidos e a União Soviética foram aliados na luta contra a Alemanha


nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. Derrotado o inimigo comum,
os antigos aliados se transformaram em adversários. Com o término da
Segunda Guerra Mundial, teve início uma forma diferente de guerra: a
chamada Guerra Fria. Por que essa guerra foi diferente?

Referências

BIAGI, Orivaldo Leme. O imaginário da guerra fria. In: Revista de História


Regional. Vol 06 n.01.[online] Paraná: UEPG, 2001. Disponível em:
<http://www.revistas.uepg.br/index.php?journal=rhr&page=article&op=view&path%5B
%5D=47&path%5B%5D=105>. Acesso em: abril/2010.

COGGIOLA, Osvaldo (org). Segunda Guerra Mundial: um balanço histórico.


São Paulo: FFLCH-USP/Xamã, 1995.

CHIAVENATO, Júlio José. Ética globalizada & sociedade de consumo.


São Paulo: Moderna, 2004.

DIETRICH, Ana Maria. Cicatrizes de concreto. In: Revista História Viva.


São Paulo, v.72 p. 28-33, 2009.
176 UNIUBE

FEBVRE, Lucien. Combates pela História. Lisboa: Editora Presença, 1989, p. 49.

FENELON, Déa Ribeiro. A Guerra Fria. São Paulo: Brasiliense, 1983.

FICO, Carlos. O Brasil no contexto da Guerra Fria: democracia, subdesenvolvimento


e ideologia do planejamento (1946-1964). In: MOTA, Carlos Guilherme (org).
Viagem Incompleta: a experiência brasileira (1500-2000)a grande transação.
São Paulo: SESC, 2000. (p.162-182).

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991).


São Paulo: Cia. das Letras, 2007.

LIMA, Maria Regina Soares de. Teses Equivocadas sobre a Ordem Mun-dial
Pós-Guerra Fria. In: Scielo Brasil [online]. 1996, vol.39, n.3 ISSN 0011-5258. 
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REIS FILHO, Daniel Aarão. O mundo socialista: expansão e apogeu.


In: REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste (Org.).
História do Século XX Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, v. 3, p. 11-33.

SARAIVA, José Flávio Sombra (org). Relações internacionais: dois séculos de


História: entre a ordem bipolar e o policentrismo (de 1947 a nossos dias). Brasília:
IBRI, 2001.

SARAIVA, José Flávio Sombra. Dois gigantes e um condomínio: da Guerra Fria à


coexistência pacífica (1947-1968). In: SARAIVA, José Flávio Sombra (org).
Relações Internacionais: dois séculos de História. Brasília: IBRI,
2001, p. 19-31.
Parte II

A nova ordem mundial


Capítulo
O nascimento do Terceiro
Mundo: o processo de
5
emancipação da África e
da Ásia no pós-guerra
Simone Afonso
Karem Elidiany Vieira Machado

Introdução
Entre 18 e 24 de abril de 1955, foi realizada a Conferência de
Bandung, na ilha de Java, na Indonésia, onde se reuniram os líderes
de 29 países afro-asiáticos, já emancipados, representantes de
uma população de aproximadamente 1,4 bilhão de pessoas. Essa
conferência foi precursora do movimento de países não alinha-
dos e teve como objetivo impedir a ingerência das superpotências
junto aos seus assuntos internos. Nasceu, assim, a composição dos
países chamados de Terceiro Mundo.

Regiões étnica e culturalmente diferente do Ocidente, a África e a


Ásia estavam, literalmente, repartidas entre as grandes potências
europeias, no início do século XX.

O imperialismo e o neocolonialismo do século XIX afetaram as


bases do desenvolvimento socioeconômico mundial, em especial
o de países da África, da Ásia e da América Latina. Pois, a Europa
necessitava de mercados consumidores para sua vertigino-
sa produção industrial e via nessas regiões potencial para esse
intento. O neocolonialismo se caracterizou pela dominação política,
econômica e cultural sobre países africanos e asiáticos, as princi-
pais características desse processo podem ser definidas como:
- obtenção de mercados consumidores bem como fornecedo-
res de matéria-prima, já que a de seus respectivos países
estava esgotada;
180 UNIUBE

- a burguesia industrial e financeira é a principal exploradora


das colônias;
- as potências neocoloniais investiram capitais excedentes em
suas colônias.

A partir de então, há uma corrida para a disputa de territórios


pelos países industrializados – quem conseguisse dominar maior
número de países que estivessem disponíveis para a colonização,
lucraria mais. As ideias que também contribuíam para a expansão
neocolonialista eram devido a questões religiosas, de nacionalidade e
culturais, pois havia aqueles que acreditavam que culturalmente eram
superiores, o que lhes garantia o direito sobre outras vidas. Assim, as
nações com intuito de dominação justificavam sua ambição com
o argumento de que deviam compartilhar sua civilidade e cultura
com nações atrasadas, de raças inferiores.

Analisemos, a seguir, algumas frases de neocolonialistas:

A política colonial é filha da política industrial.


(FERRY, 1885, p. 234).
O que falta às nossas indústrias, o que lhes
falta cada vez mais são mercados. Por quê?
Porque (...) a Alemanha está se protegendo com
barreiras; porque, além do oceano, os Estados
Unidos da América se tornaram protecionistas, e
a um grau extremo. (FERRY, 1885, p. 259).
Sustento que somos a primeira raça do mundo e
quanto mais do mundo habitarmos, tanto melhor
será para a raça humana. (...) Se houver um
Deus, creio que Ele gostaria que eu pintasse o
mapa da África com as cores britânicas. (Cecil
Rhodes. In HUBERMAN, 1967, p. 267).
As fábricas americanas estão produzindo mais do
que o povo americano pode usar; o solo america-
no está produzindo mais do que o povo pode
consumir. O destino escolheu para nós a política
a dotar: o comércio do mundo deve ser e será
nosso. (Beveridge, in HUBERMAN, 1967, p.260).
UNIUBE 181

Podemos constatar na fala destes homens, a concepção de que eram


os donos do mundo, mais precisamente dos continentes localizados
a sul, do chamado Terceiro Mundo. Nessa disputa por mercados,
estavam Inglaterra, França, Itália, Portugal, Bélgica e Alemanha.

Como foi que essa linha divisória entre selvagens e civilizados


passou a englobar a América Latina, a Ásia e a África, criando o
“Terceiro Mundo”?

O que representa essa gigantesca massa de pobres, subnutridos


e analfabetos, que, naquele final de século, assiste a um crescente
avanço do capitalismo desenvolvido? (DOWBOR, 1997, p. 98)

O neocolonialismo europeu, nessa região, se afirmou por trás de


um discurso progressista e científico, que garantiria benefícios
a regiões tão atrasadas tecnológica e cientificamente. Mas, tais
benefícios só foram sentidos, na verdade, pelos próprios coloni-
zadores, que tiveram muitos lucros às custas do domínio político,
econômico e cultural de povos tão diferentes dos seus.

Os países europeus deixaram seus rastros em cada terra que


pisou nas regiões asiáticas e africanas. Rastros que podemos
observar, partindo de algumas questões básicas:
− qual o grande motivo do Imperialismo?
− em qual contexto se formaram os novos Estados da África e
da Ásia?
− como ficou a relação entre ex-colônias e ex-metrópoles?
− e, hoje, como é a história atual desses países colonizados, em
sua maioria por mais de um século, pelos civilizados europeus?

Objetivos
Ao final deste capítulo, você será capaz de:
• compreender o processo histórico de libertação das colônias
europeias na África e na Ásia;
• analisar o conceito, tão utilizado, de “descolonização”;
182 UNIUBE

• reconhecer a conjuntura da política internacional no momento


da formação dos Estados africanos e asiáticos;
• relacionar a independência da África e da Ásia com a forma-
ção do Terceiro Mundo.

Compreender alguns aspectos do mundo contemporâneo que


refletem ainda o advento do domínio europeu e a posterior emanci-
pação das colônias afro-asiáticas.

Esquema
5.1 O contexto político, econômico e social da Europa após a 2ª
Guerra Mundial e o termo “descolonização”: os exemplos da
Inglaterra e da França
5.2 As configurações de uma nova geopolítica e da história con-
temporânea
5.3 O estudo de algumas colônias e seus respectivos processos
de emancipação política
5.4 Conclusão

5.1 O contexto político, econômico e social da Europa após


a 2ª Guerra Mundial e o termo “descolonização”: os
exemplos da Inglaterra e da França

Não deve ser novidade para você o fato de que, entre vencidos e vencedo-
res, os países europeus saíram arruinados, em todos os sentidos, da
Segunda Guerra Mundial. Sua recuperação econômica não era vista como
algo possível num futuro próximo. Nesse sentido, vale lembrar a ajuda
vinda dos E.U.A., por intermédio do Plano Marshall, cujo objetivo era ajudar
os países europeus a se recuperar economicamente e, em troca, eles
deveriam se manter como seus aliados políticos.

Diante da ruína total, alguns países, ressalvadas as diferenças, adotaram


medidas mais ou menos semelhantes com o intuito de vencer o caos
econômico e social que ficou após a guerra. Dentre os aspectos que se
UNIUBE 183

assemelham, podemos citar a constante intervenção do Estado em setores


de base da economia e o reconhecimento das reivindicações trabalhistas,
quanto à adoção de práticas sociais redistributivas de renda. Começava,
então, uma nova política de governos, preocupada em recuperar e moderni-
zar a economia, assim como em reduzir a distância entre ricos e pobres, e
também assegurar os benefícios do desenvolvimento à população europeia
em geral. Esta nova política passou a ser chamada de Welfare State, termo
que pode ser traduzido como Estado-Providência ou Estado de Bem-Estar
Social. Pode-se observar que a característica essencial desta política consis-
te na ação intervencionista e assistencialista do Estado.

O termo se deve, principalmente, à nova política adotada pelos ingleses.


As eleições ocorridas nesse país, logo terminada a guerra, garantiram
a vitória do Partido Trabalhista, que se incumbiu de reconduzir o país
à economia de paz, a partir de um vasto programa de reformas do
sistema econômico e social. Pode-se afirmar que a Inglaterra, berço
do capitalismo e da industrialização, foi o primeiro país a remodelar seu
sistema político, econômico e social, logo terminada a guerra.

Este novo programa, colocado em prática, é um exemplo do que acabamos


de falar anteriormente. Foram adotadas, então, algumas medidas, as quais
citaremos apenas algumas, como, por exemplo, a nacionalização do Banco
da Inglaterra, das companhias de transporte, do gás, da eletricidade;
criação de um eficiente sistema de seguro e assistência social; planos de
habitação e urbanismo; políticas financeiras de valorização da libra.

A recuperação econômica da Inglaterra foi rápida, sendo que, em 1950,


já podia abrir mão dos recursos assistenciais do Plano Marshall.

No que se refere à política externa, os trabalhistas ingleses, com o intuito


de modernizar a economia, foram os primeiros a aceitar a política de
“descolonização”: em 1947, reconheceram a independência política da
Índia. Observe que, com esse advento, a palavra “descolonização”
passou a denotar a iniciativa da metrópole em “descolonizar” aquilo
que ela um dia “colonizou”.

A tomada de consciência dos povos colonizados em


relação aos processos de expropriação, de negação e
de desumanização que lhes foram impostos pela força,
desencadeou os movimentos de revolta e finalmente de
184 UNIUBE

ruptura com o sistema colonial. Essa ruptura, coroada


pelas independências, é o que se chama de descolo-
nização, termo equivocado que merece aqui alguns
esclarecimentos... Na visão de algumas pessoas, houve
uma vontade deliberada das potências coloniais de abrir
mão de seus direitos adquiridos, ou seja, de desfazer-
-se de seus impérios coloniais por livre iniciativa. O
que significaria que as independências africanas e
asiáticas não foram conquistadas, mas sim concedidas.
No entanto, as histórias de luta, às vezes violentas e
trágicas, das antigas colônias desmente essa visão
eurocêntrica da descolonização, substituindo-a por uma
visão africana e asiática, mais fiel aos acontecimentos
históricos. Desse ponto de vista, a descolonização é
produto dos movimentos nacionais que encurralaram o
colonialismo, obrigando-o pela força a abrir mão daquilo
que tinha tomado pela força. Mesmo nos países onde
não houve guerras de libertação, os colonialistas foram
obrigados a ceder pelas negociações políticas resultan-
tes da pressão dos povos oprimidos. É nesse último
sentido que utilizamos o conceito de descolonização.
(SERRANO; MUNANGA, 1995, p. 10).

Já a recuperação da França não foi tão brilhante e nem tão imediata como
a da Inglaterra. Além de ter tido, diferentemente da Inglaterra, o seu território
ocupado, suas perdas foram mais significativas e sua recuperação, portanto,
exigia mais esforços. O país se encontrava dividido politicamente ao término
da guerra: de um lado, a esquerda comunista e socialista, querendo transfor-
mar radicalmente todas as estruturas vigentes; de outro lado, as classes
conservadoras da burguesia capitalista que não almejavam transformações
radicais nas estruturas existentes. Dadas as divergências ideológicas, o que
nos interessa saber aqui é que a França também adotou, no pós-guerra, a
política do Estado de Bem Estar Social. Nesse sentido, também houve a
nacionalização de setores importantes da economia, tais como as minas
de carvão, a eletricidade, os transportes aéreos, o gás, as companhias de
seguro e a indústria automobilística Renault.

A recuperação econômica da França, diante das medidas políticas adotadas,


foi se desenvolvendo com dificuldades, tais como a inflação (alta de preços
e queda do poder aquisitivo) e as sucessivas desvalorizações do franco.
Mais lentamente que a Inglaterra, contudo, a França conseguiu se recuperar
economicamente, compondo, juntamente com alguns países da Europa
ocidental, o chamado Primeiro Mundo do pós-1945.
UNIUBE 185

IMPORTANTE!

Lembre-se de que os anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial


foram vividos por um mundo bipolar, caracterizado pela competição de
forças entre o bloco capitalista, liderado pelos E.U.A., e o bloco comunista,
liderado pela ex-U.R.S.S.. Esta composição política, do mundo polarizado
em duas grandes potências, teve influência cabal na formação dos novos
Estados africanos e asiáticos, como veremos mais adiante.

As extensões coloniais francesas na África só se extinguiriam no final


da década de 50 e início de 60, durante o segundo governo do General
Charles De Gaulle, período em que se instituiu a V República na França.
Estes anos foram marcados por profundas mudanças no mundo todo, no
que se refere ao processo de libertação política das colônias europeias
na África e na Ásia. Fato que, por si só, foi capaz de estabelecer grandes
mudanças nas relações internacionais.

Refletindo sobre este contexto, Dowbor (1997, p. 8) argumenta que

Hoje, mais delicadamente, somos o “Sul”, participan-


tes de um diálogo Norte-Sul cada vez mais entravado.
Na realidade, ninguém se ilude: todos sabemos, neste
mundo de 180 países que encolheu prodigiosamen-
te nos últimos anos – com a internacionalização da
economia e o progresso dos transportes e das comuni-
cações -, quem está por cima e quem está por baixo,
quem dita as regras e quem a elas obedece, quem é
o “Primeiro” Mundo, e quem é o Terceiro... O mundo
do século XX se viu atravessado por duas correntes
fundamentais: por um lado, enquanto um grupo de 24
países, o chamado “Norte” atingiu níveis de prosperida-
de historicamente sem precedentes, o resto do mundo
viu-se precipitado numa desorganização econômi-
ca e em contradições crescentes que o paralisam e
deformam seu desenvolvimento. Por outro lado, um
conjunto de países, atingindo um terço da população
mundial, rompeu com o processo de polarização Norte-
-Sul, buscando no socialismo a solução das contradi-
ções criadas. Fruto da busca do compromisso necessá-
rio entre a eficiência do lucro e a justiça social, esse
universo ruiu como alternativa global do sistema capita-
lista, ao mesmo tempo que o conjunto da economia
mundial enfrenta novas contradições e transformações.
186 UNIUBE

Dessa forma, caro aluno, torna-se fácil compreendermos a formação do


Terceiro Mundo, baseado no desenvolvimento desintegrado, no caos
político, na desigualdade social.

PARADA PARA REFLEXÃO

Se pensarmos bem, a descolonização afro-asiática alterou minimamente


o cotidiano das populações locais, pois a miséria, a fome, a pobreza e
toda sorte de humilhações continuam a fazer parte da vida destes povos
independentes tanto quanto faziam parte na época da colonização.

Devemos considerar que cada país no processo de descolonização enfren-


tou sérias dificuldades. No caso do continente africano, as dificuldades foram
ainda maiores, dada a diversidade de etnias que a África possui e na dificul-
dade em fazer com que o povo desse continente compreenda que são um,
que precisavam se socializar e se unir para se libertarem. A historiadora
Letícia Bicalho Canedo argumenta que a explicação para a miséria e a
humilhação de tais países emergentes, o sentimento de prisão da popula-
ção, é a recusa dos dirigentes locais em se libertarem da dependência das
colônias. Além disso, pensemos nos dados que Dowbor (1997, p.16) nos
apresenta, relativos aos países descolonizados, retirados de um relatório
sobre o desenvolvimento humano das Nações Unidas:

Uma em cada seis pessoas do Sul sofre diariamente de fome. Cerca de


150 milhões de crianças de menos de 5 anos sofre de desnutrição grave,
ou seja, uma em cada três crianças. Destas crianças, morrem anualmente
cerca de 14 milhões, a esmagadora maioria de subnutrição ou de doenças
já dominadas nos países desenvolvidos. As pessoas que não têm acesso a
cuidados primários de saúde ainda são mais de 1,5 bilhão. Quase 3 bilhões
de pessoas não têm acesso a saneamento adequado. A mortalidade materna
é doze vezes mais elevada nos nossos países do que no Norte.

Cerca de 100 milhões de crianças em idade escolar estão fora da escola


primária. Quase 100 milhões de adultos são analfabetos. Em média, vivemos
doze anos menos do que os habitantes do norte. Mais de um bilhão vivem em
estado de pobreza absoluta e a renda per capita durante os anos 1980 diminuiu
de 2,4% ao ano na África subsaariana, e de 0,7% ao ano na América Latina.
UNIUBE 187

5.2 As configurações de uma nova geopolítica e da história


contemporânea

5.2.1 A Descolonização

Sabemos que liberdade sempre foi o sonho dourado daqueles que foram
subjugados de alguma forma em um determinado contexto histórico.
Os países abaixo da linha do Equador que o digam. A descolonização
adveio da desumanização a que os povos africanos e asiáticos foram
submetidos, mas para que a independência ocorresse, foram necessárias
lutas violentas que custaram muitas vidas, vidas daqueles que não
mais aceitavam a condição de inferioridade que os colonizadores lhes
atribuíam. Após a Segunda Guerra Mundial, teve início o processo de
descolonização com lutas generalizadas pela independência nos países
colonizados, de forma que tanto a recuperação de sua cultura quanto de
sua nacionalidade e dignidade eram os objetivos em foco. Assim:

Os movimentos de libertação, embora iniciativa dos povos


colonizados receberam apoio e solidariedade de outros
povos e movimentos de ideias, tais como o pan africa-
nismo, a negritude e o pan-arabismo. Esses movimen-
tos pressionaram os colonialistas para que acelerassem
o processo das independências, cumprindo a vontade
dos povos oprimidos. A Segunda Guerra Mundial teve
também uma influência inegável, pois os colonizados
levaram a sério as palavras de ordem dos aliados antifas-
cistas: o direito dos povos à autonomia e à igualdade
entre raças. Os ecos dos lemas em nome dos quais os
aliados combateram e venceram soaram nos ouvidos de
todos os colonizados do mundo, levando-os à conclusão
de que a dominação da qual foram objeto não podia ser
eterna. Criticando o império britânico na África austral, o
pastor Sithole escreveu: “Vocês disseram que os alemães
não têm o direito de dominar o mundo. Os ingleses
também não tem direito de manter os africanos na sua
dependência” (SERRANO; MUNANGA, 1995, p. 10).

A descolonização da Ásia se deu após a Segunda Guerra Mundial, quando


o império japonês perdeu sua força. A Inglaterra dominava maior parte
do continente asiático, principalmente a Índia. Mohandas Karamchand
Gandhi lutou contra a opressão inglesa e obteve sucesso. A partir de então,
188 UNIUBE

ocorreram as independências de outras regiões dominadas pela Inglaterra,


França e Holanda.

Mas os processos de independência da Ásia não instituíram a paz, pois


os grupos que lutaram por sua independência discordaram quanto ao
sistema econômico a ser implantado no país.

Na descolonização da África, houve muitas lutas pela independência,


sendo as colônias de dominação portuguesas as últimas a se libertarem.
Ainda hoje, apesar da liberdade dos países do continente africano, este
povo enfrenta guerras étnicas e raciais, advindas de diferenças tribais
que causam diversos conflitos, pois, dentro de um mesmo país, tribos
inimigas que foram juntadas pela sua respectiva metrópole permane-
ceram juntas. Na África do Sul, houve ainda a luta para acabar com o
apartheid, que foi criado em favor da minoria branca que se denominava
raça superior. Além disso, o processo de descolonização na África não
significou o fim dos problemas do continente, mas agravou ainda mais
a situação de miséria desse continente. Isso se deve ao fato de que o
domínio colonial se extinguiu, mas o imperialismo econômico passou a
dominar com todas as forças.

Mas, reflitamos sobre a importância da luta pela independência – opressão,


desumanidade, exploração foram os motivadores dos colonizados a seu
direito por liberdade. Dessa forma, o confronto entre os dominadores e os
colonizados se tornou certeiro e os colonizados conseguiram o direito à
autonomia política. O desejo por melhores condições de vida fizeram com
que cada colônia lutasse por sua independência enfraquecendo o sistema
de dominação. E a independência só se tornou possível pelo importante
fator de toda população unir suas forças para alcançarem a vitória, pois
perceberam sua capacidade de luta e fragilidade pela qual passavam os
impérios naquele momento.

A Europa, após a Segunda Guerra Mundial, estava fragilizada, perdendo


o controle da política internacional. A entrada do socialismo no contex-
to mundial contribuiu ainda mais para que os indivíduos lutassem por
bem-estar e igualdade para todos, pois, de acordo com Serrano e Munanga
(1995, p. 13), o socialismo servia como sinônimo de instrumento de luta
pela libertação dos povos e das classes historicamente oprimidos, contra
a opressão interna e externa e, portanto, contra a dominação colonial.
UNIUBE 189

A formação dos novos Estados africanos é o resulta-


do da conjugação de forças internas e externas ao
continente. Estas forças agiram integradas, principal-
mente a partir do final da II Guerra Mundial, em torno
dos movimentos organizados contra a ordem colonia-
lista e com a bandeira desfraldada do nacionalis-
mo. Parafraseando Fanon, «era o início da luta dos
condenados da terra num processo de dimensões
internacionais que não se reduzia à África» 1. Quase
todas as nações afro-asiáticas viveram a partir dos
anos cinquenta a conquista das independências políti-
cas (Anexo I) por meio das mais variadas estratégias,
desde a via pacífica da negociação até a violência da
guerra civil. Era também a revolta dos colonizados que
tinham vivido as mudanças dos seus padrões materiais
por meio do trabalho forçado, da proletarização dos
seus camponeses e do racismo como prática social.
A exploração do homem pelo homem, por meio da
expropriação econômica e da destruição da memória
colectiva de um passado que deveria ser negado em
função dos paradigmas metropolitanos, começou a ser
fortemente combatida pelos intelectuais colonizados e
cristalizados nos movimentos e nos partidos de liberta-
ção nacional. (NASCIMENTO, 2009, p. 1).

Assim, a fase de dominação e de exploração daqueles que foram conside-


rados, por séculos, raça inferior a ser dominada chegou a termo, pois as
reivindicações nacionalistas tomaram conta do contexto dos países oprimi-
dos pela colonização europeia. Somado a este contexto, os movimentos de
libertação contaram ainda com o apoio dos anticolonialistas, URSS e EUA.

IMPORTANTE!

A onda socialista que atingiu boa parte do mundo em meados do século


XX também chegou à África. Jovens africanos que estudaram no exterior
assimilaram as teorias socialistas e passaram a difundi-las em suas regiões
de origem. Propagou-se, assim, a ideia de que só os governos socialistas
poderiam enfrentar a opressão estrangeira na região.

Entre as principais lideranças dessa corrente de ideias, destacam-se o


senegalês Leopold Senghor (1906-2001), ex-aluno da Universidade Sorbonne,
na França, que, em 1960, tornou-se o primeiro presidente eleito do Senegal
190 UNIUBE

independente; Amílcar Cabral (1921-1973), um dos líderes da luta contra


o colonialismo português na Guiné e em Cabo Verde; e Agostinho Neto
(1922-1979), uma das principais lideranças do Movimento Popular para a
Libertação de Angola – MPLA – e primeiro presidente de Angola independente.

OLIVER, Roland. A experiência africana. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.<http://


www2.ebonet/MPLA/bio_aneto.htm>.

A União Soviética e os Estados Unidos se posicionaram a favor do


anticolonialismo apoiando diretamente as guerras de libertação. Nesse
mesmo período, nasce o denominado Terceiro Mundo, que era composto
pelos países recentemente libertos. Esses países estavam conscientes
de que o colonialismo impediria tanto o desenvolvimento quanto a
cooperação intercultural dos povos dominados.

5.2.2 O Anticolonialismo

Na Europa, as contestações dos direitos do Ocidente sobre um país colonial


passaram a ser interpretadas, ao mesmo tempo, como enfraquecimento do
mundo Ocidental e como reforço do mundo socialista. As divergências entre
as duas potências, União Soviética e Estados Unidos, aliadas na Segunda
Guerra e nos resultados desta, vão terminar na formação da política dos
“blocos”. Esses blocos levaram a uma polarização internacional, a política de
“guerra fria” – entendida como uma ameaça constante de guerra que resulta-
ria no confronto político, militar, econômico e ideológico entre EUA e URSS,
envolvendo seus respectivos aliados. Todo clima das relações internacionais
do pós-guerra foi envenenado pela Guerra Fria, que, na realidade, era uma
competição política entre os dois blocos: o capitalista, encabeçado pelos
Estados Unidos, e o socialista, liderado pela União Soviética.

Mas, o que é mais interessante para o nosso assunto é o fato de os dois


blocos terem tomado posições anticolonialistas. Embora saibamos que as
motivações eram diferentes, até radicalmente opostas, são as consequên-
cias desta tomada de posição em favor da descolonização que importam.
Quando os democratas americanos expunham sua posição sobre a
descolonização da África, sempre insistiam na necessidade de os Estados
Unidos não partilharem a perspectiva francesa: “Na África, a França está
comprometendo as chances do Ocidente e do Homem branco”.
UNIUBE 191

O anticolonialismo dos Estados Unidos, líder do mundo


ocidental, estava sem dúvida relacionado ao chamado
perigo da expansão comunista, no quadro da guerra
fria e da partilha do mundo em blocos de influência.
Estava também relacionado à expansão de sua influên-
cia e à consolidação do seu imperialismo. O antico-
lonialismo da União Soviética e dos outros países do
bloco socialista tinha um caráter menos circunstancial
e mais fundamental: o colonialismo europeu era uma
das formas do capitalismo no plano externo e, portanto,
o inimigo do socialismo defendido pela União Soviética.
Nesse sentido, qualquer movimento que enfraquecesse
o inimigo deveria ser apoiado. (SERRANO; MUNANGA,
1995, p.14).

5.2.3 A Bipolaridade

Os EUA, como superpotência capitalista, auxiliaram a Europa Ocidental


a se reconstituir da Segunda Guerra Mundial, para que o socialismo não
pudesse prosperar, já que a situação de desigualdade social pode levar
à aderência dos menos favorecidos contra o capitalismo.

Os EUA e a URSS possuíam poderio suficiente para exterminar a vida no


planeta; por isso, não havia opção para que as outras nações do planeta
escapassem à influência dessas superpotências. Assim, era o perigo
comunista da “URSS” contra o perigo capitalista dos “EUA”.

EUA
- Economia de mercado
- Mercado de trabalho
- Propriedade privada
- Possibilidade de “subir na vida”
- Produzir para poder consumir
- Lucro

URSS
- Economia planificada
- Ausência de desemprego
- Divisão igualitária de bens
- Ausência de pobreza/miséria
- Prioridade dos interesses coletivos
192 UNIUBE

Segundo Vesentini (1997, p. 8),

A Segunda Guerra Mundial, encerrada em 1945, trouxe


importantes alterações no equilíbrio entre as grandes
potências. As potências europeias, especialmente a
Inglaterra, que dominavam o globo desde os séculos
anteriores até os primórdios do século XX, estavam
arrasadas com o final da guerra. Havia ainda os seus
impérios coloniais, mas estes logo se desmancharam,
principalmente nos anos 50. Os Estados Unidos emergi-
ram então como a nova potência capitalista hegemônica,
com investimentos e interesses comerciais em todos os
continentes. As empresas multinacionais norte-america-
nas logo se espalharam por todo imenso mundo capita-
lista ou de economias de mercado, inclusive para as
áreas periféricas (que, em grande parte, em especial na
África e na Ásia, deixavam então de ser colônias para se
tornarem economias subdesenvolvidas).

A Guerra Fria consistiu, portanto, de acordo com Vesentini (1997, p.12),


em uma disputa e conivência simultânea entre as duas superpotências,
um prolongamento da Segunda Guerra Mundial, com a diferença de
que não existiam batalhas, mas, sim, disputas econômicas, sociais e,
é claro, ideológicas, influenciando, cada uma das superpotências, suas
respectivas zonas.

Grande parte das guerras ocorridas depois de 1945 –


cerca de 150, a imensa maioria nos países subdesenvol-
vidos – foi instrumentalizada de alguma forma pelas duas
superpotências. Um lado apoiava o governo e o outro
fornecia armamentos e assessoria militar para grupos
guerrilheiros que o combatiam. Mesmo que a origem do
conflito fosse uma outra questão, por exemplo, rivalida-
des étnico-tribais e ou territoriais em alguma parte da
África, logo, as duas superpotências transformavam essa
luta num confronto entre o capitalismo e o socialismo
real. Tratava-se de expandir a “zona de influência” de
cada superpotência, em detrimento da outra, e também
testar e vender armamentos, um lucrativo comércio
nessas últimas décadas. (VESENTINI, 1997, p.13).

Nesta “guerra”, não houve vencedores ou vencidos, as superpotências se


confrontavam indiretamente. Podemos considerar, como símbolo da Guerra
Fria, a Alemanha que, após ser vencida na Segunda Guerra Mundial, foi
UNIUBE 193

subdividida em quatro zonas repartidas entre Estados Unidos, Inglaterra,


França e União Soviética. De um lado, os soviéticos tentavam boicotar o
abastecimento das zonas capitalistas. Essa situação tornou-se insustentável,
de maneira que os dois blocos realizaram um acordo e as zonas ociden-
tais foram unificadas – formando a República Federativa Alemã - e a parte
oriental – República Democrática Alemã.

Era como se passasse a existir dois mundos em nosso planeta, um dos


países capitalistas e industrializados, considerados o Primeiro Mundo. O
outro de Segundo Mundo eram constituído pelos socialistas. Quanto ao
Terceiro Mundo, constituído pela África, Ásia e América Latina, restava
a opção de aderirem a uma das opções – ou socialista ou capitalista.

5.2.4 Guerra Fria e o equilíbrio do terror

A Segunda Guerra Mundial mal terminara quando a humanidade mergulhou


no que se pode encarar, razoavelmente, como uma Terceira Guerra Mundial,
embora tenha sido uma guerra muito peculiar. Pois, como observou o grande
filósofo Thomas Hobbes:

a guerra consiste não só na batalha, ou no ato de


lutar, mas num período de tempo em que a vontade
de disputar pela batalha é suficientemente conhecida
(HOBBES, In HOBSBAWM, 2001, p. 55).

A Guerra Fria entre EUA e URSS, que dominou o cenário internacional


na segunda metade do breve século XX, foi, sem dúvida, um desses
períodos. Gerações inteiras se criaram à sombra de batalhas nuclea-
res globais que, acreditava-se firmemente, podiam estourar a qualquer
momento e devastar a humanidade. Na verdade, mesmo os que não
acreditavam que qualquer um dos lados pretendia atacar o outro,
achavam difícil não ser pessimista. À medida que o tempo passava,
mais e mais coisas podiam dar errado, política e tecnologicamente, num
confronto nuclear permanente baseado na suposição de que só o medo
da “destruição mútua inevitável” impediria um lado ou outro de dar o
sempre pronto sinal para o planejado suicídio da civilização. Não aconte-
ceu, mas, por cerca de quarenta anos, pareceu uma possibilidade diária.
194 UNIUBE

Terá havido, nessas circunstâncias, verdadeiro perigo de


guerra mundial em algum momento desse longo período
de tensão – a não ser, claro, pelo tipo de acidente que
inevitavelmente ameaça os que patinam muito tempo
sobre o gelo fino? Difícil dizer. Provavelmente o período
mais explosivo foi aquele entre a enunciação formal da
Doutrina Truman, em Março de 1947 (“Creio que a políti-
ca dos EUA deve ser a de apoiar os povos livres que
resistem a tentativa de subjugação por minorias armadas
ou por pressões de fora”), e abril de 1951, quando o
mesmo presidente americano demitiu o general Douglas
MacArthur, comandante das forças americanas na Guerra
da Coreia, que levou sua ambição militar longe demais.
Esse foi o período em que o medo americano de uma
desintegração social ou revolução social nas partes não
soviéticas da Eurásia não era de todo fantástico – afinal,
em 1949, os comunistas assumiram o poder na China.
Por outro lado, os EUA com quem a URSS se defrontava
tinham o monopólio das armas nucleares e multiplicavam
declarações de anticomunismo militantes e agressivas,
enquanto surgiam as primeiras fendas na solidez do bloco
soviético com a saída de Iugoslávia, de Tito (1948). Além
disso, de 1949 em diante, a China esteve sob um governo
que não apenas mergulhou imediatamente numa grande
guerra da Coreia, como – ao contrário de todos os outros
governos – se dispunha de fato a enfrentar um holocausto
nuclear e sobreviver. Qualquer coisa poderia acontecer.
(HOBSBAWM, 2001, p. 52).

A peculiaridade da Guerra Fria era a de que, em termos objetivos, não


existia perigo iminente de guerra mundial. Mais que isso: apesar da retóri-
ca apocalíptica de ambos os lados, mas, sobretudo, do lado americano,
os governos das duas superpotências aceitaram a distribuição global de
forças no fim da Segunda Guerra Mundial, que equivalia a um equilíbrio
de poder desigual, mas não contestado em sua essência. A URSS contro-
lava uma parte do globo ou, sobre ela, exercia predominante influência
– a zona ocupada pelo Exército Vermelho e/ou outras Forças Armadas
comunistas no término da guerra – e não tentava ampliá-la com o uso de
força militar. Os EUA exerciam controle e predominância sobre o resto do
mundo capitalista, além do hemisfério norte e oceanos, assumindo o que
restava da velha hegemonia imperial das antigas potências coloniais. Em
troca, não intervinha na zona aceita de hegemonia soviética.
UNIUBE 195

5.3 O estudo de algumas colônias e seus respectivos


processos de emancipação política

5.3.1 O caso da Índia

Colônia britânica desde 1772, a Índia já havia sido anteriormente domina-


da por outros países da Europa. Despertou o interesse de Portugal no
século XVI, quando, então, a nação lusitana partiu para sua dominação.
No século XVII, foi dominada por holandeses, dinamarqueses, franceses
e ingleses. Em disputa com a França, em 1763, a Inglaterra saiu vitoriosa
no domínio da Índia. Mais de um século depois, em 1876, a rainha Vitória
foi proclamada “imperatriz das Índias”.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, havia, na Índia, dois grupos


políticos significativos: o Partido do Congresso, dirigido por Jawaharlal
Nehru, e a Liga Muçulmana, liderada por Jinnah Mohamed Ali.

No início do séc. XX, a Índia, cujo território incorpo-


ra os atuais Paquistão e Bangladesh, é o centro do
Império Britânico. O movimento de libertação é organi-
zado, a partir de 1919, pelo advogado hindu Mohandas
Ghandi, que viria a ser conhecido como o Mahatma
(grande alma). Ele prega a resistência pacífica e luta
por reformas sociais e econômicas que dêem melhores
condições de vida a 60 milhões de párias contra os
monopólios britânicos. Em 1942, o Partido do Congres-
so (P do C), fundado pelos hindus em 1885, rompe
com a Liga Muçulmana (LM), criada por Mohamed Ali
Jinná, pois esta deseja formar um Estado muçulmano
independente no Paquistão, englobando o Baluquistão,
o Punjab ocidental, o Sind e Bengala Or. (Bangladesh).
O P do C é posto na ilegalidade, enquanto a LM, em
troca do apoio à Grã-Bretanha na II Guerra, é autoriza-
da a funcionar. (CANÊDO, 1986, p. 58).

As negociações de libertação com o governo inglês chegaram ao fim


em 1947, quando a Índia foi declarada independente e dividida em dois
estados: Índia e Paquistão, sendo este último de maioria muçulmana.
A Índia foi apresentada, então, como o exemplo da descolonização
“pacífica”, fruto da “sabedoria” britânica.
196 UNIUBE

Porém, antes mesmo de eclodir a Segunda Grande Guerra, o Partido do


Congresso já pedia reformas e vários grupos revolucionários surgiram.
Nota-se, portanto, que a luta pela independência era local e anterior às
decisões inglesas do pós-45.

Na resistência ao domínio britânico, destacou-se o líder pacifista Mahatma


Gandhi que, durante a guerra, conseguiu reunir em torno de si uma quanti-
dade significativa da população indiana.

Gandhi, nascido na Índia, teve a oportunidade de formar-se em Direito,


em Londres, e, apesar de conviver em um ambiente refinado, distante
da realidade de seus compatriotas, nunca se esqueceu da situação de
opressão na qual o povo vivia. Em seu contato com alguns países da
África, sua consciência sobre a opressão e a brutalidade dos coloniza-
dores tornou-se ainda mais lúcida. Assim, em seus discursos ao povo
indiano, dizia:

A primeira coisa, portanto, é dizer-vos a vós mesmos:


Não aceitarei mais o papel de escravo. Não obedecerei
às ordens como tais, mas desobedecerei quando
estiverem em conflito com a minha consciência.
O assim chamado patrão poderá surrar-vos e tentar
forçar-vos a servi-lo. Direis: Não, não vos servirei por
vosso dinheiro ou sob ameaça. Isso poderá implicar
sofrimentos. Vossa prontidão em sofrer acenderá a
tocha da liberdade que não pode jamais ser apagada.
(GANDHI In CANÊDO, 1986, p.70).

Gandhi liderou o Movimento da Não violência nas décadas de 20 e 30,


defendendo a resistência silenciosa, que se resumia na desobediência
civil e na não violência. Acreditava que a independência deveria ser
conquistada a partir da mobilização espiritual da população. Sua tática fez
com que milhares de pessoas aderissem aos métodos de desobediência
civil e pacifismo, o que forçou o governo britânico a ceder.

A divisão do domínio britânico na Índia em dois Estados independentes


gerou crescentes tensões, provocando diversos conflitos étnico-religiosos.

Gandhi estimulou a população a boicotar os produtos ingleses e a não


pagarem os exorbitantes impostos. Sua resistência obteve sucesso, pois
a Inglaterra se retirou de sua colônia indiana.
UNIUBE 197

A não-violência, em sua concepção dinâmica, significa


sofrimento consciente. Não quer absolutamente dizer
submissão humilde à vontade do malfeitor, mas um
empenho, com todo o ânimo, contra o tirano. Assim, um
só indivíduo, tendo como base esta lei, pode desafiar
os poderes de um império injusto para salvar a própria
honra, a própria religião, a própria alma e adiantar as
premissas para a queda e a regeneração desse mesmo
império. (GANDHI In CANÊDO, 1986, p.70).

A Índia é hoje o segundo país mais populoso do mundo e, quanto ao seu


desenvolvimento econômico, pertence, tipicamente, ao grupo dos países
que integram o chamado Terceiro Mundo.

IMPORTANTE!

Gandhi (Figura 1): uma história de coragem e não violência.

Visitando a Inglaterra
O domínio colonial britânico durou mais de duzentos anos. Os indianos eram
considerados cidadãos de segunda classe.

Em 1930, Gandhi viaja a Londres para pedir que a Inglaterra conceda


independência à Índia. Lá, visita bairros operários.

“Sei que guardarei para sempre, em meu coração, a lembrança da acolhida


que recebi do povo pobre de East London”, diz Gandhi.

Ao retornar à Índia, é recebido em triunfo por milhares de pessoas, ainda


que nada de muito significativo tenha resultado da viagem.

Gandhi anuncia à multidão que pretende continuar em sua campanha pela


desobediência civil, para obrigar a Inglaterra a dar a independência à Índia.

Os britânicos, outra vez, o mandam para a prisão.


198 UNIUBE

Figura 1: Mahatma Gandhi.


Foto: File. MKGANDHI.JPG, 2007.

Em 1942, o governo inglês manda, para Nova Delhi, Sir Stafford Cripps, com a
missão de negociar com Gandhi. As propostas que Sir Cripps traz são inaceitá-
veis para Gandhi, que deseja independência total. Gandhi retoma a campanha
pela desobediência civil. Dessa vez, é preso e condenado a dois anos de cadeia.

Quando Lord Louis Mountbatten torna-se vice-rei, aproxima-se de Gandhi


e nasce, entre Gandhi, Lord e Lady Mountbatten, uma grande amizade. Em
1947, é proclamada a independência da Índia, mas, no verão desse mesmo
ano, a hostilidade entre hindus e muçulmanos atinge o auge do fanatismo.
Nas ruas, há milhares de cadáveres. Os muçulmanos reivindicam um Estado
independente, o Paquistão. Gandhi tenta restabelecer a paz e evitar a luta
entre hindus e muçulmanos, aceitando a divisão do país e dando início a
uma décima-quinta greve de fome. O sacrifício pessoal de Gandhi e sua
firmeza conseguem o que nem os políticos nem o exército conseguiram:
a Índia conquista sua independência e é criado o Estado muçulmano do
Paquistão. A divisão atrai para ele o ódio dos nacionalistas hindus.

Gandhi morre em 30 de janeiro de 1948, assassinado por um hindu. Estava


com 78 anos. Lord e Lady Mountbatten, ao lado de um milhão de indianos,
UNIUBE 199

comparecem ao funeral. Parte de suas cinzas são lançadas às águas


sagradas do Rio Jumna.

Em janeiro de 1996, parte das cinzas de Mahatma Gandhi é lançada no


Rio Ganges, na cidade de Allahabad, local sagrado para os hinduístas. A
cerimônia acontece no 49º aniversário de morte do líder pacifista.

Gandhi foi um pacifista convicto e sempre pregou uma doutrina de não


violência. Desejava que a paz reinasse entre hindus e muçulmanos; entre
indianos e ingleses e entre toda a humanidade, por isso e muito mais, o
“Mahatma Gandhi” permanecerá, para sempre, como símbolo da resistência
pela NÃO VIOLÊNCIA.
Fonte: <http://www.nossosaopaulo.com.br/Reg_SP/Politicos/Gandhi.htm>.

5.3.2 O caso da Indochina

Nas argumentações de Sartre, no trecho a seguir, podemos identificar a


visão que predominava entre os europeus colonizadores a respeito dos
colonizados asiáticos.

Na origem da visão do colonizador existe a guerra e a


repulsa em compreender o outro: na verdade, nossas
primeiras ideias sobre a Ásia vieram de missioná-
rios e de soldados. Mais tarde chegaram os viajantes
– comerciantes e turistas – que são militares frios: o
saque se denomina shopping e os estupros são pratica-
dos honrosamente em casas especializadas. Mas a
atitude inicial não mudou: mata-se menos frequente-
mente as populações locais, mas elas continuam sendo
desprezadas, o que é a forma civilizada do massacre...
Criança, eu era vítima dessa visão: tinham me ensina-
do a ter horror aos chineses. Falavam-me que comiam
ovos podres e que praticavam torturas pavorosas. No
mundo em que eu vivia havia coisas e animais que
se chamavam chineses: eles eram frágeis e terríveis,
fiavam entre os dedos, atacavam por trás, davam
gargalhadas ridículas, sombras que deslizavam como
peixes ao longo de um vidro de aquário... Havia também
a alma chinesa, da qual me diziam que simplesmente é
impenetrável. Os negros não me inquietavam: ensina-
200 UNIUBE

ram-me que eram cães fiéis; com eles, permaneciam-


-se entre mamíferos. Mas os asiáticos eram como
caranguejos de arrozais... (SARTRE, 1968, p.7).

Ao contrário da Índia, a libertação da Indochina se deu pela violência.


Nessa região (hoje correspondente ao Vietnã, Laos e Camboja), a
situação era mais complexa, devido ao envolvimento de potências
estrangeiras nas lutas de independência. A Indochina foi colônia francesa
até o início da Segunda Guerra Mundial, quando foi, então, ocupada
pelos japoneses. Terminada a guerra, os franceses tentaram se apossar
novamente da região que, ao sul, estava ocupada pelos ingleses,
enquanto os chineses ocupavam o norte. Ho Chi Minh, em uma entrevista
ao jornal Le Figaro, ilustra o desejo dos colonizados:

James de Coquet: Quais são as queixas que o Vietminh pode invocar


contra a França para explicar sua atitude no momento?

Ho Chi Minh: Nós não falamos de queixas. Elas pertencem ao passado,


pois fizemos tábula rasa do passado. O que dita nossa atitude é o nosso
desejo de sermos um povo independente. Esse desejo é unânime entre
o nosso povo. Do imperador ao último mendigo, todos estão de acordo
sobre isso.

James de Coquet: Isso é em si, um desejo legítimo. A questão que se


coloca é: seu povo é politicamente maduro para se autogovernar?

Ho Chi Minh: Se um aluno ficar quarenta anos com


o mesmo professor, se depois desse tempo todo
ele não aprendeu nada, quem vai ser acusado pela
ignorância, o aluno ou o professor? (...) Não queremos
romper com a França. Também não queremos pagar
com a nossa liberdade as vantagens de sua civilização.
Não queremos mais ser oprimidos. Nossa decisão é
inabalável; queremos a nossa independência. Não
queremos ser integrados pela força na órbita da França.
O reconhecimento da nossa independência em primeiro
lugar, depois seria mais fácil elaborar um estatuto de
entendimento. (Entrevista de James de Coquet, Le
Figaro, 4/12/1945 In DOWBOR, 1997).

A independência do Vietnã, situado ao norte e com influência cultural dos


chineses, foi declarada em setembro de 1945, em Hanói, ao mesmo tempo
UNIUBE 201

em que foi proclamada a República Democrática, sob a liderança do


comunista Ho Chi Minh (Figura 2). A reação da França contra os vietna-
mitas foi desastrosa, provocando várias guerras a partir daí. Em 1954, os
Estados Unidos, que apoiavam a França, sustentavam 78% da guerra.

Figura 2: Ho Chi Minh.


Foto: File: Ho chi Minh 1946 and signature, 2009.

Devido às inúmeras insurreições dos vietnamitas, a França foi obrigada


a assinar o acordo político, como podemos constatar a partir do cartaz
que foi afixado nos muros de Hanói com os seguintes dizeres:

A França e o Vietnã acabam de assinar acordos políticos.


Por esses acordos, a França reconhece o Vietnã como
um Estado livre no quadro da federação indo-chinesa e
no seio da União francesa. O Vietnã terá seu governo,
seu parlamento, seu orçamento, seu exército próprios. O
Vietnã receberá pacificamente as tropas francesas que
vão substituir as tropas chinesas ao norte do paralelo
16, conforme os acordos assinados entre a França e a
China. Esses acordos políticos vão trazer a paz ao territó-
rio vietnamita e colocar fim a um período perturbado das
relações franco-vietnamitas. A França e o Vietnã vão
retomar de um mesmo impulso sua marcha em direção
do progresso político, social e humano numa colabora-
ção leal (...). Viva a França, viva o Vietnã, povos livres
associados na União francesa. (CANÊDO, 1986, p. 70).
202 UNIUBE

Quando, finalmente, foram assinados os acordos de paz (1954), o Vietnã


foi dividido em duas partes: a do Norte, que adotou o socialismo, e a do
Sul, apoiada pelos Estados Unidos. A guerra de libertação da Indochina,
portanto, exemplifica bem a influência da Guerra Fria na formação dos
novos Estados nesse período. Além da divisão do Vietnã, ainda foram
criados o Laos e o Camboja.

A guerra na Indochina alimentou o sentimento anticolonialista capaz de


mobilizar as forças populares. Com a vitória de Mao-tsé-tung na China,
em 1949, a região da Indochina passou a ser disputada entre as duas
maiores potências mundiais e, num contexto de Guerra Fria, serviu como
palco de lutas sangrentas.

5.3.3 O caso da Argélia

Colônia francesa na África, a Argélia contava com aproximadamente


um milhão de franceses radicados em seu território, quando terminou a
Segunda Guerra Mundial. Nesse período, a França decidiu continuar sua
dominação, apesar de alguns setores mais progressistas defenderem a
independência. Por outro lado, foi criada a Frente de Libertação Nacional
(FLN), formada pelos grupos argelinos contrários à colonização.

A colonização francesa na Argélia foi de povoamento, os


iednoirs ganhavam ou compravam as terras expropria-
das dos nativos, processo esse regulamentado pela Lei
Warnier de 1873. Segundo Sartre, “em 1850, o domínio
dos colonos era de 11500 hectares. Em 1900, de 1 600
000; em 1950, de 2 703 000”. Assim os nativos foram
sendo empurrados para as áreas mais improdutivas e
desérticas. Os franceses desestruturaram a economia
argelina: nas terras onde antes eram plantados cereais
para comer, os colonizadores plantaram videiras para a
produção e exportação de vinhos para a Europa. Sartre
afirma que: “[...] o Estado francês entrega a terra árabe
aos colonos para criar-lhes um poder de compra que
permite aos industriais metropolitanos vender-lhes seus
produtos; os colonos vendem aos mercados da metrópo-
le os frutos dessa terra roubada”. (LIPPOLD, 2009, p.5).

O contexto na Argélia, nessa época, também era de fome e miséria,


como relata Albert Camus, a respeito de uma visita que fez a Kabile, uma
das regiões da Argélia:
UNIUBE 203

Acredito poder afirmar que pelo menos 50% da popula-


ção se alimenta de ervas e que o resto conta com a
caridade administrativa sob forma de distribuição de
grãos. Em Body-Menaiel, por exemplo, das 27000
pessoas da população do município, 10000 vivem
na indigência, um milhar apenas podendo se alimen-
tar normalmente. Na distribuição de grãos organiza-
da no dia em que cheguei naquele centro, vi cerca de
quinhentos miseráveis aguardando pacientemente a
sua vez de receber alguns litros de trigo. Foi aquele dia
que me fizeram conhecer as maravilhas do lugar: uma
mulher velha, alquebrada que pesava 25 quilos. Uma
manhã, vi em Tizi-Uzu crianças em farrapos disputando
com cachorros de Kabile o conteúdo de uma lixeira. Às
minhas perguntas um Kabile respondeu: é assim todas
as manhãs. (Albert Camus, ‘Miseres de Kabile, reporta-
gem no Alger Républicain, 1939 apud SERRANO;
MUNANGA, 1995, p.30).

A Argélia lutou por sua independência somente após os conflitos da


Segunda Guerra Mundial. Caro aluno, as condições de extrema pobreza
nas quais viviam os argelinos fomentaram o desejo pela independência.
De acordo com as argumentações de Nascimento (2009, p.3), o processo
argelino de independência teve uma boa repercussão com relação aos
destinos da metrópole colonizadora. As disputas internas francesas,
sobre a questão da independência da Argélia, opunham os que eram a
favor e os que eram contra. Iniciada a guerra de independência, em 1954,
as divergências entre os dois grupos opositores se acirraram ainda mais
e permaneceram até o final da guerra.

A independência só ocorreu em 1962, após um referendo em que 90%


dos franceses votaram a seu favor.

O desenvolvimento da guerra levou as experiências


traumáticas, como nos meses de Janeiro a Setembro
de 1957, quando a FLN teve um desfalque significativo
na Batalha de Argel, e acelerou o desenvolvimento de
organizações para-militares violentíssimas, como a dos
pára-quedistas franceses que se recusavam a aceitar
as próprias negociações políticas de Paris. Foi nesse
quadro que se geraram a crise da IV República e a
emergência da tendência da negociação e da possibili-
dade de autodeterminação: era o regresso de De Gaulle
e dos seus referenda à população francesa. A guerra
204 UNIUBE

chegou ao fim com mais de um milhão de mortos e o


país destruído. Os acordos de Evian foram assinados
a 18 de Março de 1962, e os seis milhões de argelinos
declararam-se favoráveis à independência no plebiscito
de 1.º de Julho de 1962. A FLN consolidou-se como
partido único, e Bem Bella, líder importantíssimo da luta,
uniu a Boumedienne, outro militante que havia atuado
a partir do Marrocos. Assumiu a presidência do país e
transformou-se num símbolo da luta anticolonialista.
Em 1965, Boumedienne derrubou Bem Bella e, com
um discurso em torno da revolução socialista no país,
consolidou a revolução, dando um forte impulso ao
caráter comunal e regional da produção e da organiza-
ção política. Com a sua morte, foi sucedido por Chadli,
que tem dado continuidade ao projeto modernizante de
Boumedienne e tem sido criticado pela concentração
de poderes em torno de uma burguesia estatizante.
(NASCIMENTO, 2009, p.4).

Emancipada do jugo político francês, a Argélia, cuja maior parte da popula-


ção era e ainda é de muçulmanos, passou a ser então governada pela
FLN, de orientação socialista. A República Democrática Popular da
Argélia teve como primeiro presidente Ben-Bella. Mas ela não duraria
por muito tempo. Em 1965, Ben-Bella foi deposto por um golpe militar.
Assim, a Argélia é considerada atualmente como um local arriscado para
turistas e para quaisquer investimentos, pois é um país que sofre com a
violência e com a sabotagem havendo a presença de muitos reacionários
fundamentalistas.

A Guerra da Argélia teve uma grande repercussão no mundo árabe,


e houve vários desdobramentos políticos a partir dela. As divergências
ideológicas entre autoridades governamentais e grupos islâmicos radicais
ainda fazem parte da história da Argélia.

5.3.4 “Liberdade ainda que tardia”: o exemplo de Angola

Acreditamos que o lema da Inconfidência Mineira seria oportuno em face


dos movimentos de luta emancipatória das colônias africanas contra a
dominação portuguesa: estas colônias foram as últimas a se libertarem
do domínio da metrópole e, hoje, representam alguns dos países mais
pobres do mundo. A esse grupo pertence Angola.
UNIUBE 205

Angola, ex-colônia portuguesa, possui grande diversi-


dade de recursos naturais, como petróleo e diaman-
tes, mas isto não foi o suficiente para diferenciá-la do
restante do continente. Angola enfrentou, no decorrer
do seu breve processo histórico, delimitado entre a
guerra de libertação e os conflitos que transcenderam
sua independência, muitas dificuldades, conhecidas
ou não do grande público. No processo de descoloni-
zação da África, Angola possuiu duas particularidades
bem interessantes, que constituiriam, por si só, um bom
motivo para estudar este país. A primeira é o fato de
sua independência, ocorrida entre 1974 e 1975, ter sido
tardia, assim como a das outras colônias portuguesas.
A segunda é o fato de ela ter tido, dentro do seu proces-
so de independência, não apenas um movimento de
libertação, mas três movimentos de caráter nacional, o
MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola),
a FNLA (Frente Nacional para a Libertação de Angola)
e a UNITA (União Nacional pela Independência Total
de Angola), que além lutarem contra os portugueses,
lutavam entre si. (CUNHA, 2008, p. 1).

Durante o governo de Salazar (1932-1968), e durante a vigência da


ditadura fascista em Portugal, até 1974, o movimento pela independência
de Angola foi violentamente reprimido. Vários conflitos armados eclodiram
no território angolano, no início da década de 60. Na década seguinte, o
movimento pela emancipação de Angola contava com três grupos que
representavam ideologias diferentes:

- o Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA), apoiado


pela União Soviética, por intermédio de Cuba, que chegou a enviar
milhares de soldados que participaram da guerra civil;
- a Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA), ideolo-
gicamente oposta ao MPLA (marxista), apoiada pelos Estados
Unidos por intermédio da África do Sul;
- a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA),
inicialmente de orientação maoísta e, posteriormente, anticomunista,
também apoiada pelos Estados Unidos.

No decorrer dos conflitos, ocorreu a Revolução dos Cravos em Portugal,


em 1974, pondo fim ao regime salazarista e que viria a dar novos rumos
ao processo de libertação de Angola.
206 UNIUBE

Em janeiro de 1975, com a assinatura do Tratado de Alvor, ficou estabe-


lecida a criação de um governo provisório em Luanda, diante dos acordos
firmados entre o novo governo português e os três grupos pró-indepen-
dência de Angola.

As divergências ideológicas entre os três grupos, apontadas anterior-


mente, impediram a instalação desse governo provisório, dando início a
mais uma guerra civil.

Enquanto o MPLA dominava a capital, Luanda, o norte foi ocupado


pela FNLA e o sul pela Unita. A FNLA, enfraquecida militarmente, foi
dissolvida no final da década de 70. Nos anos seguintes, as guerras
internas continuaram a se estender até 2002.

Para entender um pouco melhor esse processo de formação de movimen-


tos pró-independência de Angola, vejamos um pouco da sua história a
partir do primeiro movimento nacionalista, em 1954. A liderança desse
movimento coube à União das Populações do Norte de Angola, transfor-
mada, em 1958, em União das Populações de Angola (UPA), que foi
responsável por um ataque a Luanda, em fevereiro de 1961. Esse ataque,
seguido de revoltas armadas contra os colonos portugueses no norte da
Angola, marcou o início de luta armada pela independência.

O fim da dominação portuguesa foi penoso para a popula-


ção de Angola. Centenas de pessoas suspeitas de partici-
pação política ilegal foram presas, já nos princípios da
década de 1950, inclusive sacerdotes católicos e Agosti-
nho Neto, médico e poeta, que lançou, na clandestinida-
de, o Movimento Popular para a Libertação de Angola
(MPLA). O interessante é que a década de 1950 também
se notabilizou pela entrada maciça de capitais estran-
geiros na colônia portuguesa. Em Angola, além dos
investimentos de base (transportes, eletricidade e irriga-
ção), os alemães penetraram na mineração de ferro e os
belgas, no petróleo. A exploração de manganês, alumínio
e diamantes foi reativada. Os investimentos, porém, de
nada adiantaram, o sentimento nacional e de liberta-
ção aumentou progressivamente. Em 1960, a notícia
do massacre de centenas de camponeses, negros, que
protestavam, em Mueda (norte de Moçambique), contra
os abusos das autoridades portuguesas, 17 foi determi-
nante para mostrar a face do regime dominante em todas
UNIUBE 207

as colônias portuguesas, no continente africano. Regime


cujo caráter policial obrigava os mais ativos a procurarem
refúgio, nos territórios vizinhos, em busca de melhores
condições de vida. (CUNHA, 2008, p.25).

Em dezembro de 1956, formou-se um movimento rival da UPA, o Movimen-


to Popular de Libertação de Angola (MPLA), de influência marxista, como
já citado anteriormente. Entre seus objetivos, de acordo com Serrano e
Munanga (1995, p. 65), seria em primeiro lugar garantir a igualdade de todas
as etnias de Angola e reforçar a união e ajuda fraterna entre elas; segundo,
interdição absoluta de todas as tentativas de divisão do povo angolano.

A UPA se transformou, posteriormente, na Frente Nacional de Liberta-


ção de Angola (FNLA). Em 1965, dissidentes desta última formaram a
União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita).

Intimamente relacionado às origens, o relacionamen-


to externo de cada movimento seguiu uma ideologia.
Apenas a UNITA apresentou mudanças. Pela fraqueza
da FNLA, no final da década de 1970, a UNITA ocupou
o seu lugar como movimento pró-ocidental, deixando de
lado a orientação maoísta, tornou-se aliada do regime
racista da África do Sul, por onde, durante a década de
1980, escoavam capitais norte-americanos e israelen-
ses. Os projetos de cada movimento foram conflitantes
na prática, como demonstra o longo período de luta
entre eles, porém o material escrito por cada movimento
apresenta semelhanças, como se todos seguissem uma
linha socialista, fora da realidade angolana.
Dentre os projetos, o único que apresenta coerência é o
do MPLA, que não foge nem esconde a sua orientação
ideológica. Ele também foi o único aplicado, pois o MPLA
tornou-se governo com a independência, em 1975, e
mantém-se até hoje no poder. (CUNHA, 2008, p. 7).

Hoje, Angola é um dos países mais pobres do mundo, produto de uma


dominação desumana, de uma história de pilhagens e de desmantela-
mento social.

A colonização portuguesa na África se efetivou pela discriminação da cor,


do trabalho forçado e da pobreza dos africanos.
208 UNIUBE

IMPORTANTE!

Sobre a origem de cada movimento, verificou-se que o MPLA e a FNLA,


surgiram em um contexto de descolonização africana e de Guerra Fria. O
MPLA era pró-URSS e a FNLA, pró-EUA, o que não permitiu a formação
de uma força única contra o domínio português. A UNITA, aparentemente,
surgiu por motivos pessoais de Jonas Savimbi, mas, na realidade, ela foi
o resultado da formação do 3º Mundo, grupo de países que buscava uma
alternativa, não aliando-se ao comunismo soviético nem ao capitalismo
norte-americano, razão pela qual a UNITA inicialmente seguiu uma
orientação maoísta, ou seja, de apoio chinês.

5.3.5 A Palestina e a formação do Estado de Israel

Muitos dos conflitos ainda existentes entre judeus e palestinos encontram


suas raízes nesse período do pós-guerra. A questão Palestina é bastante
complexa e, para entendê-la com maior profundidade, seria necessário um
estudo mais aprofundado sobre esse tema. Como não é aqui o caso, ficare-
mos restritos apenas aos acontecimentos que inauguraram a formação
do Estado de Israel, exatamente por se inserir no tema deste capítulo. A
questão Palestina será tratada no capítulo 4, sobre o Oriente Médio.

Durante o período de colonização da África e da Ásia, do então chamado


Imperialismo, a Palestina ficou sob a dominação inglesa. Após a Primeira
Guerra Mundial, Grã-Bretanha e França fizeram uma “partilha” dos
territórios do Oriente Médio, que, até então, estavam sob o domínio
dos turcos. Assim, a Inglaterra contou com o auxílio dos árabes para
expulsarem os turcos da região, fazendo promessas aos árabes de que
estes teriam um grande reino que se estenderia para a Síria. Londres
obteve os mandatos do Iraque, Palestina e Transjot foram expulsos,
mas, a Inglaterra não cumpriu sua promessa com os árabes. A Inglaterra
procurou, então, o apoio da comunidade judaica e, em troca, apoiaria a
criação de um Estado judeu na Palestina.

Desde meados do século XIX, o movimento sionista na Europa procurava


o apoio de autoridades para a formação de um Estado para o povo
judeu. Desse modo, criar um lar judeu na Palestina era a solução para
UNIUBE 209

a perseguição que este povo enfrentava. O apoio foi encontrado nas


autoridades inglesas, que, inclusive, sugeriram a criação de um Estado
judeu em Uganda, na África! Mas um segmento do movimento sionista
desejava o território da Palestina (pátria-mãe) para a criação do Estado
judeu. E foi isso o que ocorreu, em 1948, no contexto de “descolonização”
que estamos estudando aqui.

Vejamos parte da reportagem publicada no jornal Folha da Manhã de São


Paulo, em 15 de maio de 1948, sobre a proclamação do Estado de Israel:

O ESTADO JUDEU – Após dois mil anos, durante os


quais errou por todos os continentes da Terra e sofreu
perseguições de toda ordem, o povo judeu consegue
novamente organizar-se em estado. Às dez horas
da manhã de ontem, na moderna e vibrante cidade
de Tel Aviv, concretizou-se o velho e tão longamente
acariciado sonho. Constituído por força de uma decisão
da Organização das Nações Unidas, o novo estado
é resultado de uma luta pertinaz, que os israelitas
sustentaram contra tudo e contra todos e na qual
demonstraram uma tenacidade invencível. Ao que se
depreende, porém, do noticiário de várias agências
telegráficas, a luta dos judeus pela instituição do “lar
judaico” não findará aí. Mal surge e já a nova nação tem
que se defender dos ataques de poderosas forças dos
árabes, que investem contra ela. Do resultado dessa
nova luta, mais renhida do que as anteriores, dependerá
a sobrevivência da República de Israel. (FOLHA da
Manhã, de São Paulo, em 15 de maio de 1948).

O Estado de Israel, assim, foi fundado, com conflitos, pois os países


árabes se consideraram injustiçados e tentaram tomar Israel por meio
de invasões, mas não obtiveram sucesso ficando, então, os israelenses
com, aproximadamente, 75% do território da Palestina.

Antes disso, em 1931, a população judaica da Palestina era ainda pequena:


apenas 175 000 pessoas. No entanto, com o advento do nazi-fascismo na
Europa, mais de 200 mil judeus emigraram para a região, entre 1932-38.
Os judeus eram introduzidos na Palestina de forma clandestina, o Irgun era
uma das organizações que introduzia judeus sem autorização dos ingleses.

Em 1936, violentas greves estouraram na Palestina e a população árabe


voltou-se, simultaneamente, contra os ingleses e os sionistas.
210 UNIUBE

Com a intenção de reprimir as manifestações árabes, o Haganah


(exército clandestino judeu, criado no início do século XX, com o objetivo
de defender as colônias sionistas) passou a atuar em estreita ligação com
as autoridades coloniais britânicas. O Haganah foi o embrião do futuro
exército israelense e, de acordo com Pereira (2005, p. 35), foi uma força
formada, em 1920, que foi clandestina até 1948. Depois de declarada
a independência, transformou-se em exército regular. Já em 1937, a
situação era tão tensa na região que levou uma comissão do governo
britânico a preconizar, pela primeira vez, a partilha da Palestina em um
Estado judeu e outro árabe. De lá para cá, muitos conflitos violentos vêm
marcando a história da região. Em 1947, a Inglaterra declara sua retirada
da Palestina deixando nas mãos da ONU a missão de encontrar solução
para os conflitos entre árabes e judeus.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, em 29 de novembro de 1947, a


ONU (recém-criada) votou um plano, sem consultar a população árabe
palestina, de partilha da Palestina em um Estado judeu e outro árabe.
Naquele ano, a população árabe na Palestina era estimada em 1.400.000
habitantes, e a de judeus em aproximadamente 600.000.

No dia seguinte a votação pelos representantes das


Nações Unidas, por 33 votos contra 13 e 10 absten-
ções, da divisão da Palestina em um Estado árabe e um
Estado judeu, em 29 de novembro de 1947, um velho
Ford cinza estacionou na frente da casinha do Kibutz da
Alta Galiléia, onde morava Avriel. Três horas depois, o
veículo o deixou diante do prédio da Agência Judia de
Jerusalém. David Bem-Gurion aguardava o visitante, para
alertar que a guerra com os árabes começaria em menos
de seis meses, tão logo fosse declarado o nascimento do
Estado de Israel: “Cinco exércitos regulares árabes vão
nos invadir no próximo dia 15 de maio, assim que o último
soldado britânico for embora. Se não conseguirmos obter
armas com a maior urgência, nosso Estado será aniquila-
do no próprio dia em que nascer. Você vai comprar armas
na Europa. Esta é a lista das necessidades imediatas: 10
mil fuzis, 1 milhão de balas, mil submetralhadoras, 1.500
metralhadoras”. Dois dias depois, Ehud Avriel decolou,
com destino a Genebra e Paris.
Os países que entraram em guerra estavam divididos
quanto a objetivos e estratégia. No dia 10 de junho de
1948, ao aceitar o cessar fogo, os árabes, segundo
afirmou Ben-Gurion, cometeram um erro fatal. Os
UNIUBE 211

judeus se aproveitaram dessa trégua para recompor


seus arsenais, reabastecer Jerusalém e alinhar 60 mil
soldados. Pela primeira vez, superaram os árabes em
número e em armas. (ZAMBEAUX, 2005, p.17).

A proposta da ONU agradou aos judeus, mas não aos árabes, o que foi
suficiente para acirrar os conflitos. Os palestinos que foram expulsos
refugiaram-se no Líbano, Jordânia, Síria e Faixa de Gaza. Aqueles
que insistiram em permanecer no território destinado aos judeus foram
tratados como cidadãos de segunda classe com seus direitos civis
restritos. Dessas circunstâncias, originaram-se grupos radicais que
objetivavam reaver as terras ocupadas, como, por exemplo, o grupo Al
Fatah, que tinha como líder Yasser Arafat. Este grupo se uniu a outros
para formar a OLP – Organização para Libertação da Palestina.

Em meio às disputas territoriais, em 14 de maio de 1948, foi proclamada


a fundação do Estado de Israel. Este Estado, que pela partilha da ONU
deveria ter 14.942 km quadrados, com 497 mil árabes e 498 mil judeus,
aumentou para 20.673 km quadrados, ocupando 78% do território palestino,
contra os 56,47% previstos pela ONU. O Estado palestino, programado
para ter 11.203 km quadrados, com 725 mil árabes e 10 mil judeus, simples-
mente desapareceu do mapa, antes mesmo de se constituir oficialmente!

Nesse contexto de conflitos entre árabes e judeus, quem estaria com


a razão? Pensemos que, na história, não existem os malvados e os
bonzinhos, e nessa história de guerras sangrentas que se desenrolam
há séculos entre esses povos, ambos os lados cometiam erros graves.
Enquanto se digladiavam, várias vidas foram consumidas pelas balas
perdidas, pelas bombas, pelo terrorismo desenfreado que em nada
contribuiu para a melhoria do contexto desses povos.

A Inglaterra, assim como fez em tantas outras partes do mundo, utilizou-se


da sua velha tática de “dividir para reinar”: apoiou os judeus vendendo-
-lhes armas, facilitou sua imigração para a Palestina e reduziu esse apoio
sempre que crescia a tensão entre árabes e sionistas.

De acordo com Pereira (2005, p. 50), o caminho para o equilíbrio no


Oriente Médio implica apoio da comunidade internacional às iniciativas
pela resolução do conflito e o reconhecimento da autodeterminação dos
povos na região pressupõe apoiar a construção do estado Palestino.
212 UNIUBE

A instituição em 1948, do Estado de Israel na região da


Palestina e o consequente conflito árabe israelense que
ali se instaurou, marcou os últimos 57 anos da história
contemporânea. Entretanto as justificativas para a instau-
ração do estado israelense naquela região, as razões
árabes para reivindicarem o estado palestino e resistirem
ao Estado de Israel podem remontar a milênios e toda e
qualquer interpretação, mesmo com grande profundida-
de histórica certamente deixará lacunas, quer sejam de
ordem factual, documental ideológica ou de represen-
tação ideológica ou de representação religiosa e/ou
cultural. (PEREIRA, 2005, p. 51).

Sabemos que as atrocidades cometidas contra os judeus durante a


Segunda Guerra Mundial, pelos nazistas, contribuíram para que, de
alguma forma, a ONU destinasse a Palestina aos judeus com o apoio
ocidental. Assim, fica claro que os árabes sentiram-se injustiçados já
que ninguém representou sua causa e nem levou em consideração os
desígnios territoriais da região. É preciso que a comunidade internacional
esteja atenta aos jogos de interesses realizados pelas potências, que,
na maioria das vezes, acirram ainda mais os conflitos entre judeus e
árabes. Assim:

Interpretações tendenciosas e obscurantistas se


apressam em qualificar de fanáticas as ações terroris-
tas desencadeadas ao longo do conflito. Por mais
inaceitáveis que sejam, elas derivam, muitas vezes,
do estado de opressão e de desespero a que foram
submetidas porções significativas de palestinos, e não
de supostos fanatismos gratuitos. Inúmeras ações
terroristas foram desencadeadas devido a uma questão
básica: a impossibilidade material de se travar uma
guerra convencional diante da ausência, até hoje, do
reconhecimento de um estado palestino, compreenden-
do uma proporção territorial exaustivamente negociada
e aceita por ambas as partes. Não se trata, obviamente,
de buscar justificar o terrorismo, mas sim olhar com
realismo as evidências que impulsionam a sua existên-
cia. (PEREIRA, 2005, p. 51).
UNIUBE 213

5.4 Conclusão

As independências das antigas colônias francesas, inglesas, portuguesas,


belgas e holandesas, na África e na Ásia, representam um momento
importante na história das nações que delas nasceram.

Esses movimentos simbolizam um momento de separação entre um


passado de humilhação, de desumanização, de exploração e um futuro
diferente a ser construído. Elas significam o fim das barreiras sociais e
raciais, a desmistificação da inferioridade natural dos africanos e dos
asiáticos, o desmantelamento do velho espectro da superioridade natural
do branco.

A questão que, hoje, se coloca é saber se as independências afro-asiáticas


alcançaram realmente essas vantagens. Há quem diga que as indepen-
dências, na maioria desses países, foram um fracasso, pois a vida material
e espiritual de seus povos regrediu muito: a fome, a miséria e a pobreza
atingiram níveis mais altos que os conhecidos durante a época colonial.
Aproveitando-se da situação, os racistas voltaram a reafirmar o velho mito
da incapacidade natural destes povos em autogovernar-se.

Apesar das dificuldades pelas quais está passando a maioria dos países
africanos e asiáticos, dificuldades essas historicamente explicáveis,
acreditamos que as vantagens da independência são reais e numerosas,
imprimindo à história uma nova vida e um novo conteúdo.

Não deveríamos esquecer que estes países são resultado da herança


colonial e que muitos deles adotaram os modelos políticos das antigas
metrópoles. A aplicação destes modelos herdados foi um fracasso, pois
essa herança entrou em confronto com a herança pré-colonial abafada
durante a época colonial.

Hoje, coloca-se a esses países a seguinte questão concreta:


como construir um modelo político diferente que não seja nem
colonial, nem pré-colonial? Como forjar uma unidade real de
pensamento e de ação? Como curar as antigas feridas e evitar
as novas, no mesmo momento em que esses países estão sendo
envolvidos com agressividade pelos interesses internacionais?
214 UNIUBE

Do ponto de vista dos ex-colonizados, as independên-


cias jurídicas foram grandes conquistas, que custaram
muitas vidas e deixaram muitos traumas. Mas elas
representam apenas a primeira fase da independência
total, que se fará, entre outras formas, pela invenção
de modelos políticos adequados a suas estruturas
sociais e a suas realidades nacionais e regionais e
pela conquista de igualdade no estabelecimento dos
mecanismos que regulam as relações internacionais,
ou seja, no estabelecimento daquilo que os políticos
e especialistas de relações internacionais costumam
chamar de “nova ordem internacional”. (SERRANO;
MUNANGA, 1995, p.70-72).

O processo de libertação foi particular a cada colônia, sendo que, neste


capítulo, você entrou em contanto com apenas alguns exemplos.

Apesar da particularidade de cada país, alguns elementos comuns


poderiam ser encontrados nesse novo mundo que se pretendia formar.
Veja, por exemplo, o que o historiador Hobsbawm aponta sobre isso:

Como quer que interpretemos as mudanças no Tercei-


ro Mundo e sua gradual decomposição e fissão, em
todo ele diferia do Primeiro Mundo em um aspecto
fundamental. Formava uma zona mundial de revolução
– recém-realizada, iminente ou possível. O Primeiro
Mundo era, de longe, política e socialmente estável
quando começara a Guerra Fria global. O que quer
que fumegasse sob a superfície do Segundo Mundo,
era abafado pela tampa do poder do partido e da
potencial intervenção militar soviética. Por outro lado,
muito poucos Estados do Terceiro Mundo, de qualquer
tamanho, atravessaram o período a partir de 1950
(ou da data de sua fundação) sem revolução, golpes
militares para suprimir, impedir ou promover revolu-
ção; ou alguma outra forma de conflito armado interno.
As principais exceções até a data em que escrevo
são a Índia e umas poucas colônias governadas por
paternalistas autoritários e longevos como o dr. Banda,
de Malavi (ex-colônia de Niassalândia), e o (até 1944)
indestrutível M. Félix Houphouet-Boigny, da Costa do
Marfim. Essa persistente instabilidade social e política
do Terceiro Mundo dava-lhe seu denominador comum.
(HOBSBAWM, 2001, p. 421-22).
UNIUBE 215

Nesse contexto de instabilidade, as superpotências disputaram o poder


ideológico, dividindo o mundo em zonas de influência. Os países do Tercei-
ro Mundo, após a Segunda Guerra Mundial, serviram como palco de várias
guerras que, até hoje, não tiveram suas marcas apagadas: milhões de
expatriados, índices baixíssimos de condições de vida, fragmentação ou,
até mesmo, perda de identidade coletiva servem como alguns exemplos.

Os países de Terceiro Mundo, apesar de lutarem por sua libertação e


efetivá-la, “caíram” no problema do subdesenvolvimento. Modernizaram-
se, tornando-se dependentes dos modelos do Norte.

O imperialismo, caro aluno, pode ser definido como a intensificação da


exploração dos colonizados para enriquecimento das potências do norte
e as raízes desta exploração capitalista sabemos que advêm do século
XVI, ou seja, desde o início do capitalismo desse sistema econômico.

As independências representam um momento de


grande importância para as nações que foram escravi-
zadas, pois puseram fim ao passado de desumanização
e humilhação a que tantos povos foram submetidos
sem nos esquecermos que, além disso, ainda contribu-
íram para desmistificar a visão de que o homem branco
era superior às raças africana e asiática. Há ainda o
questionamento se essas independências foram
mesmo vantajosas, pois a maioria dos países descolo-
nizados mergulharam em uma situação de miséria
muito maior do que no período colonial.
Caro aluno, convidamos você a refletir sobre a frase
de Ahmed Seku Turê, líder da Guiné: “Preferimos a
pobreza na liberdade à riqueza na escravidão(...).
Temos uma primeira e indiscutível necessidade: a
nossa dignidade. Ora, não há dignidade sem liberdade”.
(CANÊDO, 1986, p. 60).

Pois bem, caro aluno, por que, então, aceitar a dominação se sabemos
que a liberdade é muito mais produtiva? Por que viver aceitando o título
de raça inferior, se, na verdade, estes, que assim são julgados, foram
a força para erguer as economias dos colonizadores? Será que os
colonizadores seriam capazes de erguer sozinhos todo seu império?
Sabemos que não.
216 UNIUBE

Apesar das dificuldades pelas quais está passando a


maioria dos países africanos e asiáticos, dificuldades
essas historicamente explicáveis, acreditamos que as
vantagens das independências são reais e numero-
sas, imprimindo à história uma nova vida e um novo
conteúdo... Não deveríamos esquecer que esses países
são resultado da herança colonial e que muitos deles
adotaram os modelos políticos das antigas metrópoles.
A aplicação desses modelos herdados foi um fracas-
so, pois essa herança entrou em confronto com a
herança pré-colonial abafada durante a época colonial.
(SERRANO; MUNANGA, 1995, p. 70).

A descolonização não significou o afastamento total dos colonizadores, pois


estes tentaram defender seus interesses de outras formas, por exemplo,
orientando a política e a economia de suas antigas colônias. Assim,
pensemos na afirmação de Serrano e Munanga (1995, p. 71) de que o
desenvolvimento dos descolonizados será trazido pela mão do mesmo
mestre ocidental que o colonizou para civilizá-lo. De fato, o que mudou?

O processo a que assistimos é de grande importância


histórica. Com efeito, trata-se de um despertar dos
povos colonizados, dominados, explorados, contra
o sistema de sua expoliação econômica, cultural e
política. Este despertar é recente. E, no entanto, ao
tentar entender o fenômeno, vimos como suas raízes
são antigas e profundas. Por que esta tomada de
consciência recente de um fato tão claro como o do
direito de qualquer homem, em qualquer país, ao
mínimo necessário à sua sobrevivência, à dignidade,
ao respeito? A realidade é que, enquanto os problemas
acumulavam-se no Sul, a “civilização” fechava os olhos
sobre a fome, a escravidão, o racismo, o genocídio.
Hoje, a situação modifica-se na medida em que a crise
e os problemas do sul refluem sobre o próprio norte.
(DOWBOR, 1997, p. 85).

Assim, o caos pelo qual o Terceiro Mundo passa, hoje, tornou-se uma
problemática que influi diretamente no desenvolvimento do Norte, ou
seja, todos esses avanços tecnológicos arruinaram o mundo rural e o
desenvolvimento industrial “criou monstros tecnológicos desadaptados”
(DOWBOR, 1997, p.86). É preciso que os países considerados subdesen-
volvidos tenham a oportunidade de cuidar de seu próprio desenvolvimen-
to e Dowbor (1997, p.87) expõe alguns objetivos que são de extrema
importância para que os países de Terceiro Mundo se desenvolvam.
UNIUBE 217

• Assegurar a democratização, para que o desenvolvimento possa se


fazer em função das necessidades do povo e não de minorias vincu-
ladas ao exterior. E não há economia para o povo sem participação
dele nas decisões. Como não há produção para o povo sem que ele
participe, pela justa distribuição de renda, dos frutos de seu esforço.
• Assegurar a utilização dos fatores de produção – mão de obra,
terra, máquinas, divisas disponíveis – em função das prioridades do
desenvolvimento nacional. Isto implica a reforma agrária, o controle
das multinacionais e dos fluxos financeiros, uma redefinição do
Estado para que tenha a agilidade e eficiência exigidas pelas
formas modernas de gestão econômica.
• Reorientar a agricultura em função das necessidades alimentares
básicas, de maneira a assegurar ao povo um mínimo de conforto
físico e de dignidade. Será preciso lembrar ainda que milhões
de pessoas morrem de fome a cada ano que passa, no Terceiro
Mundo, e que mais de um bilhão de pessoas encontram-se em
estado de miséria absoluta?
• Reorientar a indústria, adaptando-a às necessidades básicas da
população e à produção dos bens de produção que permitam o
crescimento horizontal e extensivo do equipamento de trabalho,
em vez da mera implantação vertical de ilhas de tecnologia inten-
siva. No Terceiro Mundo, grande parte da população ativa olha de
braços cruzados para as minorias que utilizam os últimos milagres
tecnológicos do mundo desenvolvido.
• Reorientar os serviços, reduzindo, progressivamente, a ampla fai-
xa de parasitas que vivem da intermediação do trabalho dos ou-
tros, reforçando os serviços sociais que constituem uma exigên-
cia humana básica e utilizando o enorme poder racionalizador que
técnicas simples como a informática, hoje, permitem, reforçando,
assim, a base produtiva do país.
• Redefinir o sistema internacional que, além de absurdamente in-
justo, leva à reprodução, dentro dos países subdesenvolvidos e
com o apoio das camadas privilegiadas locais, de um sistema que
paralisa ou deforma o desenvolvimento.
218 UNIUBE

Enfim, é importante que os países de Terceiro Mundo lutem para colocar


fim a qualquer tipo de dominação dos países de Primeiro Mundo, pois,
apesar de todos os processos de independência que ocorreram, ainda
assistimos à dependência econômica e à insistência do paradigma
de que essas nações consideradas subdesenvolvidas não possuem
capacidade de desenvolver. É preciso que, acima de tudo, os indivíduos
se conscientizem de que o Primeiro Mundo formou suas riquezas a partir
da exploração indiscriminada do continente africano, da Ásia, da América
Latina. Imagine como seriam essas superpotências se não tivessem
“sugado” as riquezas naturais e a força humana dos considerados de
raça inferior - será que manteriam o título de Primeiro Mundo ou teriam
condições de construírem seus monumentos?

É importante refletirmos que a situação de exploração que sempre


ocorreu na História foi realizada sob o pretexto de catequizar, civilizar,
auxiliar, trazer progresso.

PARADA PARA REFLEXÃO

A situação de independência dos países descolonizados era apenas teórica


bem como seus atributos de soberania, mas na realidade, tem sua políti-
ca dirigida a partir do exterior. Isso significava que as antigas potências
coloniais imperialistas já não tinham interesse em controlar de dentro as
antigas colônias, mas sim em ajudá-las a desenvolver-se e em substituir
uma presença visível por um governo invisível, o dos grandes bancos: Fundo
Monetário Internacional, Banco Mundial etc. Os novos colonizados puderam,
assim, livrar-se dos colonos, mas não do imperialismo multinacional. (...)
Não se pode negar que globalmente, além do traumatismo causado pela
ocupação estrangeira atropelada pela globalização, a independência não
respondeu em toda parte as expectativas dos ex-colonizados. O neocolo-
nialismo e sua continuação ampliaram ainda mais a defasagem entre as
sociedades mais ricas e as mais pobres, assim como, no próprio seio destas,
a distância entre o nível de vida dos mais abastados e dos mais desprovidos
aumentou. (FERRO, 2004, p.35)
UNIUBE 219

Mas, será que submeter povos à escravidão, à desumanidade


e à crueldade são frutos de boa intenção? Dominar a pretexto
de serem de uma raça superior condiz com república, com
democracia ou com cristandade?

Atualmente, vemos, diariamente, nos noticiários situações calamitosas de


pobreza, desnutrição, guerras por terras ou, até mesmo, por um pouco de
comida – situações incompreensíveis se pensarmos que nosso planeta
possui recursos para o sustento satisfatório de todos, se realmente a
democracia fosse aplicada e não apenas teórica.

O que mudou para os países que lutaram por sua independência?

Talvez alguns respondam que não adiantou, pois os problemas de miséria


social e espiritual se agravaram, mas, pensemos bem, tomemos como
exemplo a Índia. Gandhi com sua mobilização popular não violenta, lutou
contra o excesso de impostos e contra a escravização desumana e obteve
sucesso. Assim, acreditamos que a conscientização dos indivíduos e a
defesa por seus direitos é muito importante, pois se constituímos a História,
se somos parte dela, porque silenciar nossa voz e aceitar escravização
por temer a alguma consequência. Assim, se os países de Terceiro Mundo
foram a fonte de riquezas dos países do Norte, por que não poderiam se
reerguer e constituir sua própria riqueza?

Terminamos, então, nosso capítulo com uma frase de Mahatma Gandhi


para sua reflexão:

Se o homem perceber  que é desumano obedecer a leis que são injustas,  a


tirania de nenhum homem o escravizará. (GANDHI. In CANÊDO, 1986, p. 90)

DICAS

Filme 1:
Indochina (154 minutos. Direção de Regis Wargnier, 1992).
Este filme mostra, como pano de fundo, alguns episódios da guerra pela
independência na Indochina.
220 UNIUBE

Filme 2:
Professor: profissão perigo (105 minutos. Direção de Gerard Lauzier, 1996).

Este filme conta a história de um professor de história que vai lecionar em


uma escola periférica, onde a maioria dos alunos são argelinos que emigra-
ram para a França. Nele, podemos perceber a questão das desigualdades
sociais e da marginalidade à qual foram submetidos os povos provenientes
do chamado Terceiro Mundo no Primeiro Mundo.

Resumo
Este capítulo traz argumentações a respeito do “nascimento” dos países
de Terceiro Mundo, explicitando as explorações que estes sofreram pelas
potências europeias que culminaram na luta pela independência e pela
dignidade. A singularidade de alguns processos de libertação são discuti-
dos, como a que foi empreendida por Gandhi, conhecida como não violên-
cia. A efetivação de independência política das colônias africanas e asiáti-
cas determinou o surgimento de quase uma centena de novos países
que, somados aos da América Latina, constituíram os países do Tercei-
ro Mundo. Hoje, devido ao fim do Segundo Mundo (socialismo soviéti-
co), esses países são comumente chamados de “emergentes”, ou, “em
desenvolvimento”. A descolonização foi positiva para que os países que
estavam sob o jugo dos europeus pudessem ter sua autonomia e não
serem explorados de forma absurda e desumana, apesar de haverem
argumentações de que, após os processos de independência, os países
de Terceiro Mundo sofreram com os agravos da miséria e das guerras civis.

Atividades

Atividade 1

Maria Yedda Linhares, em seu livro A luta contra a metrópole (Ásia e África:
1945-1975), observa que a compreensão do movimento de independência
das colônias asiáticas e africanas envolve também a análise das transfor-
mações ocorridas no interior de suas respectivas metrópoles. Sobre essa
análise, relacione o contexto histórico da Grã-Bretanha, após a II Guerra
Mundial, com o processo de independência da Índia em 1947.
UNIUBE 221

Atividade 2

O contexto e o processo de emancipação das colônias africanas e asiáti-


cas é bem peculiar, específico e diferente uns dos outros. Se, por um
lado, havia aquelas cuja independência se deu pacificamente, como na
Índia, por outro lado, algumas viveram episódios sangrentos, como foi o
caso da Argélia, colônia francesa no Norte da África. Elabore um texto
identificando alguns aspectos, que considere essenciais, do processo de
emancipação da Argélia. Publique o texto em seu Portfólio.

Atividade 3

Elabore uma reflexão apontando as principais repercussões da Guerra


Fria na libertação e formação dos novos Estados africanos e asiáticos.
Publique a reflexão em seu Portfólio.

Atividade 4

“Por onde o homem branco passou, ficaram suas marcas como um rastro
indelével, e de tal forma que quando foi embora quase nada restava
a ser conservado nem desenvolvido pelos que foram vítimas de sua
dominação.”

Após a leitura da frase anterior, assim como da releitura do seu capítulo


de estudos, produza um texto que explicite as formas de dominação
utilizadas pelos países europeus na África e na Ásia, até o momento de
sua libertação. Publique o texto em seu Portfólio.

Referências

CANÊDO, Letícia Bicalho. A descolonização da Ásia e da África. 3. ed.


São Paulo: Atual, 1986.

CUNHA, Mateus Souza da. O processo de independência de Angola: projetos


conflitantes. Disponível em: <http://www4.fapa.com.br/monogra-phia/artigos/1edicao/
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222 UNIUBE

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FERRO, Marc. O livro negro do colonialismo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

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FOLHA da Manhã de São Paulo, em 15 de maio de 1948. In: Primeiras Páginas. 3.


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HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. 2. ed.
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HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

LINHARES, Maria Yedda. A luta contra a metrópole (Ásia e África: 1945-1975).


São Paulo: Brasiliense, 1983. (Tudo é História)

LIPPOLD, Walter Günther Rodrigues. O pensamento anticolonial de Frantz Fanon


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NANCY, Jean-luc A independência da Argélia. Disponível em: <http://www.


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RATTNER, Henrique. O conflito entre israelenses e palestinos: um pesadelo sem


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<http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=56>. Acesso em:
24 abr. 2010.
Capítulo
Século XX: o
desmoronamento
6
das utopias
Cleber Rocha

Introdução
Muitas são as explicações dadas ao fim do império soviético.
Alguns cientistas sociais discursam que a pretensão do Comunis-
mo, a respeito de criar uma sociedade perfeita, esbarra na própria
natureza humana que não a admite. Outros dizem que o império
soviético não sobreviveu devido à sua noção absurda de que
a humanidade não resolveria os desafios da modernização. O
certo é que mesmo os próprios burocratas do sistema comunista
soviético já não acreditavam mais no próprio sistema. Ironicamen-
te, em um mundo repleto de transformações, o sistema soviético
estagnou-se e, justamente por não se modificar, acabou destruído.

O Comunismo em si (ou “puro”, no sentido marxista) é uma ideolo-


gia emancipatória, libertária e contagiante. Mas o que ocorreu na
União Soviética foi uma organização opressiva, que vai notada-
mente contra a doutrina prima que o Comunismo prega (não
opressão). Restou apenas o mito da “Revolução de Outubro”.

Além do mais, a crise do sistema socialista não ficou restrita aos


países ditos socialistas. Houve grave repercussão por todo o
mundo. No fim, a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéti-
cas) desmantelou-se, modificando tanto o mapa quanto a política
europeia. Se a Guerra Fria (1945-1991) foi considerada violenta, o
mundo que a sucedeu tornou-se irascível.

Neste capítulo, aluno, você vai analisar, sob um olhar crítico e reflexi-
vo, a decadência do sistema socialista de governo. Vai perceber a
supremacia do capitalismo e, ainda, notar que o fenômeno da globali-
zação alcança a rotina de todos no planeta. Inclusive a sua.
226 UNIUBE

Objetivos
Ao finalizar o estudo deste capítulo, você deverá estar apto a:

• identificar na decadência do Império Soviético não somente


o fim da Guerra Fria, mas o final de uma “era”;
• analisar como o desmantelamento na URSS modificou geo-
politicamente o mapa da Europa;
• identificar como a crise provocada pelos países socialistas
espalhou-se pelos Estados ditos capitalistas;
• distinguir a diversidade de movimentos revolucionários acon-
tecidos no período, dentro dos chamados países do Terceiro
Mundo;
• analisar o formato multipolar e multicivilizacional construído
no mundo pós-Guerra Fria;
• compreender as alterações ocorridas dentro dos Estados
Nacionais, preferencialmente por conta da ação das institui-
ções internacionais;
• analisar como o desenvolvimento tecnológico, principalmente
no que concerne à informática e à biotecnologia, transforma-
ram o modo de vida das sociedades atuais;
• compreender porque o mundo pós-Guerra Fria se tornou
imensuravelmente mais violento.

Esquema
6.1 Uma breve explicação sobre Comunismo
6.2 O desmantelamento Soviético
6.3 A crise globalizada
6.4 A Multipolarização e a Multicivilização
6.5 A Internet e a Biotecnologia
6.6 Conclusão
UNIUBE 227

6.1 Uma breve explicação sobre Comunismo

Talvez uma das maiores confusões efetuadas por estudantes seja sobre
as conceituações de “comunismo” e como tal ideologia se relaciona com
o termo “socialismo”.

Inicialmente, cabe esclarecer que o Brasil (e boa parte do mundo) sofreu


forte campanha difamatória, uma só palavra, em relação ao comunismo.
Isso porque, como você já estudou anteriormente na Guerra Fria, os
Estados Unidos utilizaram seu poderio publicitário para difamar os “rivais”
do capitalismo. Nesse contexto, além da indústria cinematográfica norte-
-americana, diversos outros recursos de marketing foram empregados,
como jornais, revistas e rádio.

A imprensa oficial do governo brasileiro (em apoio ao Capitalismo) rotulou


o Comunismo como uma “doutrina exótica” proveniente da União Soviéti-
ca. Talvez, o aluno até conheça pessoas que viveram a década de 1960 e
que tenham escutado tal expressão, pois era muito comum nos discursos
políticos.

O forte impacto da propaganda anticomunista impregnou no imaginário


brasileiro muitas expressões como “comunistas são vândalos” ou, a
mais conhecida, “comunistas comem criancinhas”. Lembrando que a
propaganda anticomunista americana já existia desde a década 1920
(com o temor da Revolução Russa). E temos, aqui, no Brasil, na década
de 1960, o apoio militar à tal ação. Veja o que diz Eugênio Vargas Garcia
(2007, p. 22), em um de seus artigos sobre o reforço da tese doutrinária
norte-americana:

A Doutrina de Segurança Nacional (DSN), nascida nos


Estados Unidos, no contexto da Guerra Fria e do antago-
nismo Leste-Oeste, teria sido simplesmente ‘exporta-
da’ para o Brasil e demais países latino-americanos,
ao passo que a Escola Superior de Guerra (ESG),
inspirada no National War College, teria sido o resulta-
do de entendimentos diretos entre militares brasileiros
que participaram da Força Expedicionária Brasilei-
ra (FEB), durante a Segunda Guerra Mundial, e seus
colegas norte-americanos. Com isso, o conceito de
national security, adotado nas escolas militares no Brasil,
228 UNIUBE

juntamente com a ideologia anticomunista e a estratégia


de contenção do poderio soviético (dominante em um
mundo de confrontação global bipolar ou, como se dizia,
de ‘guerra total’), teria fundamentado, a partir de 1964, as
políticas estratégicas do novo regime e, na linha ideoló-
gica do Brasil como ‘baluarte do Ocidente’, padrão de
ação diplomática daí decorrente.

CURIOSIDADE

No endereço pertencente à revista “História”, da Biblioteca Nacional:

<http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=830>,
você encontra um artigo interessante sobre um acontecimento ocorrido na
década de 1960, relativo às consequências da propaganda anticomunista.

De autoria do historiador Plínio Ferreira Guimarães, o artigo, “Socorro, os


comunistas chegaram!”, resume, sucintamente, sua dissertação de mestra-
do, a qual recomendo leitura reflexiva, procurando identificar o contexto
histórico da situação e como o sujeito age de acordo com suas concepções
construídas de imaginário.

Caro aluno, o que você precisa compreender é que existe uma grande
distinção entre:
1 - o Comunismo como ideologia, ou seja, a busca de uma sociedade
sem classes, baseada na propriedade comum, sem opressão e
com um sistema de autogestão;
2 - o Comunismo (interpretado como um dos ramos do Socialismo),
implantado na URSS e em outros Estados, como forma de governo,
que se trata de uma política opressora, na qual um partido dirigente
decide o que é melhor para a população.

SINTETIZANDO...

O verdadeiro Comunismo implica em uma democracia de autogestão e nunca


na imposição de uma ditadura. Por isso, é considerado como uma utopia.
UNIUBE 229

Dito isso, podemos passar às definições e ao contexto histórico. Antes


de qualquer coisa, é preciso compreender que, desde a Antiguidade, os
trabalhadores têm sido explorados.

Não imagine que tal situação é exclusiva dos sistemas atuais de governo.
Mas, na medida em que o sujeito histórico luta por melhores condições
de sobrevivência, surgem, já na Idade Contemporânea, doutrinas que
pregam não apenas modificações nas relações de trabalho, mas também
nas estruturas organizacionais da sociedade.

O Iluminismo já havia deixado como herança ao homem contemporâneo


a noção de que a sociedade é construída e formada nos moldes do
próprio sujeito histórico. Dessa forma, cabe ao próprio homem modificá-
la ou, pelo menos, tencionar possíveis reformulações. Karl Marx, talvez
o mais influente intelectual do século XIX, argumentou, certa vez, que
o homem faz a sua própria história, embora não seja da maneira como
quer, pois depende das condições materiais.

Foi a publicação, em 1848, de seu “Manifesto Comunista” (escrito juntamente


com Friedrich Engels) que marcou a passagem do que, antes, era chamado
de “Socialismo Utópico” para o chamado “Socialismo Científico” (socialismo
marxista).

PESQUISANDO NA WEB

Você sabia que grande parte das obras de Karl Marx pode ser acessada de
graça pela internet?

Basta ir ao site:

<http://www.dominiopublico.gov.br>.

Pesquise “Karl Marx”. Veja que existe a disponibilidade de várias obras


importantes como: “A Ideologia Alemã”, “Manifesto Comunista”, “O Capital”,
“O Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte”, dentre outras.
230 UNIUBE

A teoria de Marx e Engels tinha como foco as relações entre os proprietá-


rios dos meios de produção (leia-se os capitalistas) e as classes trabalha-
doras. A ideologia socialista defende a apropriação coletiva dos meios de
produção a partir de uma possível revolução, dado que o proletário iria
adquirir “consciência de classe” que o faria se desvencilhar da imposição
ideológica dominante. Nesse sentido, convém ressaltar que:

Os pensamentos da classe dominante são também, em


todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja,
a classe que tem o poder material dominante numa dada
sociedade é também a potência dominante espiritual. A
classe que dispõe dos meios de produção material dispõe
igualmente dos meios de produção intelectual, de tal modo
que o pensamento daqueles a quem são recusados os
meios de produção intelectual está submetido igualmente
à classe dominante. (MARX; & ENGELS, 1993).

Assim, o proletariado implantaria uma espécie de “ditadura provisória”


na qual seriam realizadas as reformas necessárias para a implantação
de uma sociedade perfeita. Essa “fase”, que marca a transição de
uma sociedade problemática para uma sociedade perfeita, é a que os
estudiosos, de maneira rotineira, denominam Socialismo. O socialismo,
então, dentro da ideologia marxista, é uma fase transitória na qual o
governo estaria a cargo de um conjunto de pessoas e que organizaria a
sociedade rumo à igualdade plena. Já a sociedade perfeita (que seria a
próxima etapa do processo) é a sociedade Comunista.

Posto isso, caro aluno, quando você ouvir o termo “comunista” com a mesma
conotação que “socialista” tenha em mente que se trata de uma ideologia ou
de um sistema de governo “transitório” no qual o objetivo, digamos utópico, é
a construção de uma sociedade igualitária na qual a propriedade é coletiva.

CURIOSIDADE

No endereço: <http://mundoestranho.abril.com.br/historia/pergunta_286747.
shtml>.

Você encontra uma sintética resposta à indagação: “Qual a diferença entre


comunismo e socialismo? Existiu algum país realmente comunista?”
UNIUBE 231

A seguir, um trecho da reportagem:

Qual a diferença entre comunismo e socialismo? Existiu algum país realmen-


te comunista?

As expressões “comunismo” e “socialismo” recebem significados nem sempre


muito precisos. Numa explicação bem resumida, daria para dizer que, segundo
a teoria marxista (...) o socialismo é uma etapa para se chegar ao comunis-
mo. Este, por sua vez, seria um sistema de organização da sociedade que
substituiria o capitalismo, implicando o desaparecimento das classes sociais
e do próprio Estado. “No socialismo, a sociedade controlaria a produção e a
distribuição dos bens em sistema de igualdade e cooperação. Esse processo
culminaria no comunismo, no qual todos os trabalhadores seriam os proprie-
tários de seu trabalho e dos bens de produção”, diz a historiadora Cristina
Meneguello, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
(...)

Os especialistas são quase unânimes em afirmar que nunca houve um país


comunista de fato. Alguns estudiosos vão mais longe e questionam até mesmo
a existência de nações socialistas. “Os países ditos comunistas, como Cuba e
China, são assim chamados por se inspirarem nas ideias marxistas”.

Não deixe de acessar o site e ler o texto na íntegra.

6.1.1 Stálin & Kruchev: um paralelo entre os dois governos

Com a morte de Lênin, no ano de 1924, a URSS que estava em pleno


processo de consolidação do Comunismo, necessitava de outro líder. A
disputa ficou entre Trotsky e Stálin, com vitória deste último.

Stálin governou de 1924 até sua morte, em 1953. Seu governo foi caracte-
rizado por substancial desenvolvimento soviético, pela extrema burocra-
tização do Estado e por um “endurecimento” do regime, que se fechou e
passou a ser uma espécie de ditadura de esquerda.

Stálin governou com “mão de ferro” a URSS. Ele personificou o Estado como
sendo ele mesmo (culto à personalidade). O governante ditava metas e não
admitia sequer uma fissura na sua forma “monolítica” de administração.
232 UNIUBE

Não raras vezes, ele utilizou de violência e crueldade para com aqueles
que discordavam de suas ideias. Stálin criou para si mesmo a personifi-
cação da figura de um “grande chefe”.

Nikita Kruschev, após a morte de Stálin em 1953, subiu ao governo pregan-


do uma maior liberalização da política, ou seja, abriu espaço para que o
Socialismo tivesse uma “coexistência” mais pacífica com o Capitalismo.

Kruschev denunciou algumas das ações secretas de Stálin (narrando


episódios de extrema barbárie) e argumentou sobre a importância de
combater o problema da fome pelo qual seu povo passava. Tal discurso
estremeceu o “monólito” soviético e acabou por promover Kruschev a
chefe de Estado.

A expectativa no novo líder foi grande. Sua mensagem espalhou-se


rapidamente por todo o mundo. Os Partidos Comunistas dos Estados
satélites seguiram o exemplo de Kruschev em Moscou e fizeram uma
autocrítica pública.

Kruschev, apesar de passar ao mundo ocidental uma imagem menos


“carrancuda”, acabou retomando alguns dos antigos padrões da política
stalinista. Tal contradição inquietou alguns setores.

PARADA PARA REFLEXÃO

Reflita sobre esta situação ocorrida na URSS. Imagine-se assistindo o


discurso de Kruschev frente aos delegados do Partido Comunista.

Durante o governo de Stálin, houve grande repressão a qualquer um que


expressasse ideias contrárias à ordem vigente, inclusive com a promoção
eventual de inocentes à morte. Apesar disso, o “monólito” soviético passou
por um enorme desenvolvimento consolidando-se como uma superpotência.

Houve êxito na industrialização da economia e na coletivização da agricul-


tura. Existem historiadores que argumentam que as execuções sem sentido
destruíram grande parte do “real produtivo” e que muitas decisões foram
contraproducentes para o bloco, mas tais afirmações são controversas.
UNIUBE 233

Quando Stálin morreu, seus candidatos a sucessor se reuniram ao redor


da urna mortuária. Todos esperavam por uma mudança. Várias situações
internas geraram protestos em escala nacional.

Enquanto os tanques de guerra “acalmavam” os manifestantes, em


Moscou, aqueles que estavam lutando pelo poder se reuniam. Três anos
após a morte de Stálin, Nikita Kruschev conseguiu colocar-se em uma
posição bastante favorável no governo. No XX Congresso do Partido,
em 1956, Kruschev lança sua mais arriscada estratégia: denunciar os
crimes de Stálin.

Imagine, caro aluno, o choque da plateia ao ouvir isso. Lembre-se de


que, na URSS, falar mal de Stálin equivalia a blasfemar (com punição de
morte). Mas tal manobra teve resultado e Kruschev consegue convencer
os delegados do Partido a apoiá-lo. O grande “público” não conhecia
a extensão da repressão empreendida por Stálin e, pior ainda, não
esperava ouvir tais verdades ditas por um dos homens que tiveram papel
ativo na respectiva repressão.

Kruschev foi, pessoalmente, responsável por milhares de vítimas das


ações que denunciou. E, mesmo assim, acabou subindo ao poder.

PARADA PARA REFLEXÃO

Reflita: até onde você acha que os fins justificam os meios? Aconselha-
mos você, caso tenha disponibilidade, a ler a obra “O Príncipe”, de Nicolau
Maquiavel.

6.2 O desmantelamento da URSS

Na década de 1980, a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéti-


cas) passou por graves crises oriundas de um contexto extremamente
complexo que culminou no seu desmantelamento no ano de 1991. O
Estado, que antes se constituía num império, restou evidentemente falido.
234 UNIUBE

Lembremos de que a URSS, surgida em 1922, era a união de várias


repúblicas governadas pelo Partido Comunista. Com o passar do tempo,
alguns Estados (como a Hungria e a Tchecoslováquia) tentaram estabele-
cer políticas próprias sendo imediatamente rechaçadas por forças milita-
res. Mas, já no início da década de 1980, a economia soviética entrou em
colapso interno. Em algumas regiões menos favorecidas, praticamente,
um terço da população ativa não tinha emprego e os alimentos tornaram-
-se artigo de poucos.

Lembremos, ainda, de que, após a Segunda Guerra, a URSS e o modelo


socialista se ergueram com maior visibilidade como “alternativa” ao
capitalismo. O Socialismo se expandiu e acabou por romper as barrei-
ras do Estado soviético, restando apropriado por outras nações. Sua
expansão, a grosso modo, estende-se até 1953, ocasião da morte de
seu líder-mor, Josef Stálin.

Com a morte de Stálin, várias crises passaram a assolar o sistema socialis-


ta. Apesar disso, ainda registrou-se admirável expansão até meados de
1975. Foi um período de grande diversificação e de crescimento da área
de influência soviética, apesar das contradições e problemas internos.

De 1975 até 1985, o modelo socialista soviético demonstrou graves sinais


de enfraquecimento. Necessitava de reformas drásticas e estruturais. Tais
reformas não aconteceram e o “gigante imbatível” acabou por não resistir
às exigências que o contexto daquele tempo exigia.

Em 1985, o líder político, Mikhail Gorbatchev, assumiu o governo da


URSS com proposta de várias reformas. Seu programa de governo
contou com duas “frentes” de ação, quais sejam: a perestroika (reestru-
turação), que pretendia trazer mudanças econômicas e sociais com
objetivo de combater a crescente problemática administrativa e social; e
a glasnost (transparência), que tinha como objetivo o rompimento total
com a tradição autoritária tão comum aos dirigentes daqueles Estados.

Foi nesse momento que o governo soviético renunciou sua corrida


armamentista com propostas de desativação das armas nucleares. Alguns
historiadores percebem, nesse ato, o fim da chamada “Guerra Fria”.
UNIUBE 235

Libertada do comunismo, a Europa Oriental passou por


uma segunda transformação, ainda mais surpreendente.
Ao da década de 1990, quatro estados desaparece-
ram do mapa do continente e 14 países nasceram – ou
ressuscitaram. As seis repúblicas mais ocidentais da
União Soviética – Estônia, Letônia, Lituânia, Bielorússia,
Ucrânia e Moldávia – tornaram-se estados independen-
tes, ao lado da própria Rússia. A Tchecoslováquia se
transformou em dois países distintos – República Checa
e Eslováquia. E a Iugoslávia dividiu-se nas unidades
que a constituíam: Croácia, Bósnia-Herzegóvina,
Sérvia-Montenegro e Macedônia.
O surgimento e desaparecimento de nações foram
comparáveis, em escala, ao impacto dos tratados de
Versalhes após a Primeira Guerra Mundial – e, sob
certos aspectos, mais dramáticos. O advento de
Estados-nações em Versalhes foi o clímax de um
longo processo cujas raízes remontavam a meados
do século XIX, ou mesmo antes; o fenômeno não foi
uma surpresa. Mas quase ninguém previu que algo
similar ocorreria no final do século XX. Na verdade, três
Estados desapareceriam no decorrer dos anos 90 –
Tchecoslováquia, Iugoslávia, e URSS – eram de uma
safra posterior a 1918. (JUDT, 2008, p. 631)

Conforme é possível perceber, o cessar da corrida armamentista estimu-


lou diversos movimentos de independência com relação a algumas
repúblicas que viviam sob o jugo da URSS. Os focos separatistas que
já existiam ganharam, portando, forte impulso. Vejamos o que sucedeu
em alguns Estados:

• Polônia: o “Sindicato da Solidariedade” - que antes havia tentado


criar um socialismo mais democrático - foi ressuscitado promoven-
do diversas reformas, entre 1989 e 1990;
• Hungria: o PC (Partido Comunista) sofreu drástica reformulação,
transformando-se em “Partido Socialista”. Houve inúmeras privati-
zações e abertura para investimentos baseados no capital estran-
geiro. Por tais medidas, a aproximação do país com o bloco dito
capitalista foi inevitável;
• Tchecoslováquia: nesse país, houve abertura política com a lega-
lidade da criação de outros partidos, que não apenas o comunista
(pluripartidarismo). Em 1991, houve o processo de privatização da
236 UNIUBE

máquina estatal com vistas a combater a crise eminente. Detalhe


interessante é que, em 1993, o país foi desmembrado em duas re-
públicas: a Eslováquia e a República Tcheca. Tal separação ocor-
reu de maneira pacífica (Separação de Veludo) e seus motivos,
além da separação étnica, ainda é alvo de pesquisas por parte de
historiadores e outros estudiosos sociais;
• Romênia: no ano de 1990, houve a prisão do ditador Nicolae Ce-
ausescu, com posteriores eleições livres. Todavia o país restou
com uma obsoleta estrutura industrial que foi objeto de várias refor-
mas. Atualmente, a Romênia vem apresentando estimado cresci-
mento econômico, apesar de ainda persistirem reveses estruturais;
• Iugoslávia: de todas as transições para regimes autônomos do
bloco soviético, foi na antiga Iugoslávia que se perceberam os mais
sangrentos problemas. Formada por seis repúblicas (Bósnia-Her-
zegovina, Croácia, Sérvia, Macedônia, Eslovênia e Montenegro),
estas padeceram a partir de 1991 com diversas guerras civis. Um
dos motivos explicativos para tantas atrocidades tem base nas di-
ferenças étnicas entre a população.

Em 1989, o “Muro de Berlim”, símbolo da Guerra Fria que dividia a Alemanha


em duas (Alemanha Oriental e Alemanha Ocidental), foi derrubado. Já em
1990, as duas “Alemanhas” foram unificadas, tendo Berlim como a capital
única do país.

Oficialmente, o fim da URSS foi decretado em dezembro de 1991,


quando Bóris Yeltsin (então presidente da Rússia) e os governantes da
Ucrânia e de Belarus assinaram o Acordo de Minsk (capital de Belarus),
proclamando o fim da União Soviética e a criação da Comunidade de
Estados Independentes (CEI).

Registre-se que o gasto com a corrida armamentista retirou a possibili-


dade de o Estado soviético em conseguir mais investimentos. A máquina
administrativa deixou a tecnologia da URSS obsoleta em diversos setores
(exceto em termos militares e espaciais) permitindo que o bloco capita-
lista passasse a sua frente.

A agricultura coletivizada já não apresentava tanta produtividade, gerando


crescente crise no setor de abastecimento que era de cunho essencial. O
UNIUBE 237

Estado ainda era extremamente burocrático, além de corrupto, fato este


que desemboca no fantasma da ineficiência decisória.

Com tantos problemas, não restou alternativa, senão buscar ajuda junto
ao bloco adversário. É certo que, a partir desse momento, a “cortina de
ferro” edificada no pós-guerra se findou.

EXPLICANDO MELHOR

Como você pôde notar, caro aluno, o modelo soviético apresentou, ao longo
de sua história, várias contradições. Indague-se sobre a ideologia socialista
da construção de uma sociedade igualitária e compare-a com os moldes nos
quais a URSS se formou e acabou decaindo. Como disse Kruschev certa
vez: “O socialismo era bom, mas seria melhor com manteiga...”.

As campanhas a favor do socialismo já não eram tão eficientes, dado que


com o fim da “cortina de ferro” todos os outros países puderam analisar
(cada qual a seu modo) as implicações de um sistema socialista. E
mesmo a tentativa de integração dos Estados do bloco ao Leste Europeu
não funcionou, como você pôde perceber pelos vários exemplos dados.

Sem a sustentabilidade externa da URSS, o socialismo perdeu sua força


de legitimação, dando lugar à uma onda de implantação de governos
democráticos. Desse modo:

O desaparecimento da União Soviética foi um aconte-


cimento notável, sem paralelos na história moderna.
Não houve guerra com outra nação, nem revolução
sangrenta, nem superpotência militar – simplesmente
desmoronou: sua autoridade se esvaiu, suas institui-
ções evaporaram. O fim da URSS não foi inteiramente
desprovido de violência, conforme vimos nos casos de
Lituânia e no Cáucaso: e, de modo geral, o maior país
do mundo saiu de cena quase sem protestar. Descre-
ver o que passou com o fim incruento de um império e
absolutamente correto, mas não traduz a inesperada
facilidade com que o processo se desenrolou.
Por que, então, foi tudo aparentemente indolor? Porque,
após décadas de violência interna e agressão estrangei-
238 UNIUBE

ra, a primeira sociedade socialista do mundo, implodiu


sem sequer se defender? Uma resposta, evidentemen-
te, é que o socialismo, de fato, nunca existira, que, nas
palavras do historiador Martin Malia, “não existe essa
coisa de socialismo; e a União Soviética o construiu”.
Mas, se isso explica a fragilidade da burocracia comunis-
ta nos Estados-satélites, mantida exclusivamente pela
presença do Exercito Vermelho, não bastara para
explicar o que aconteceu na sede do império. Mesmo se
a sociedade que o comunismo afirmava ter construído
fosse algo basicamente fraudulento, o Estado leninista,
afinal, era uma realidade. E tratava-se de um produto
caseiro. (JUDT, 2008, p. 650-651).

Compreendendo que não teria mais condições de governar, Gorbatchev


renunciou ao cargo no final de 1991. E, durante os anos de 1992 e 1993, o
mundo assistiu ao início da transição russa para uma economia de mercado.

O mundo assistia ao triste fim do sonho socialista. Nesse sentido:

A globalização – ou o neoliberalismo - não surgiu do


nada. Nem é uma revolução. É a consequência de um
processo de expansão capitalista beneficiado pelo fim
do socialismo soviético. Mais que do fim do socialis-
mo soviético, o capitalismo triunfante beneficiou-se do
desgaste das ideologias e da substituição das utopias
pelo consumismo.
A derrota dos projetos ideológicos ou utópicos não
aconteceu pelo debate de ideias ou por uma opção da
maioria. É uma sequência de várias etapas históricas
em que os valores do humanismo foram, aos poucos,
mas inexoravelmente, substituídos pelo pragmatismo
político e econômico. (CHIAVENATO, 2004, p.21).

6.3 A crise globalizada

É interessante que você tenha, agora, contato com a palavra “globalização”.

Utilizada pela primeira vez em 1985, o termo ganhou status mundial para
caracterizar as transformações que a economia mundial sofreu desde o
início do colapso da ordem bipolar.
UNIUBE 239

Desde a década de 1970, o capitalismo internacional tem crescido,


buscando novas formas de organização e ampliação de influências. Os
grandes conglomerados de empresas (representados pelas multinacio-
nais) quase fizeram desaparecer a ideia de um capital “nacional”.

O que se percebe (e você é testemunha disso, caro aluno) são as alianças


entre os Estados e os capitais privados. Grandes polos econômicos se
erguem a todo o momento gerando a criação de diversos blocos como o
NAFTA, a CEE (Comunidade Europeia), o MERCOSUL, dentre outros.

IMPORTANTE!

É bom lembrar que o que, hoje, chamamos de “globalização” tem cunho


muito semelhante ao que, nos séculos XIX e XX, chamamos de imperialismo.

Com o colapso da União Soviética, a disputa entre os blocos (socialista


e capitalista) chegou ao fim, pois nenhum dos Estados “satélites”
seguidores do socialismo sequer tem condições de ousar competir com
o mercado capitalista. De acordo com Chiavenato (2004, p. 47):

O atual processo de globalização, acelerado a partir


de 1989 com o fim do socialismo soviético, fracassou.
Um estudo da ONU (Organização das Nações Unidas),
publicado em 24 de fevereiro de 2004 – e resumido nos
grandes jornais do país – revelou que as desigualdades
sociais entre países e povos ricos e pobres aumentou.
De 1990 a 2003, o PIB mundial caiu de 1,01 para
0,08, uma queda de 8%, enquanto a concentração de
riquezas nos países ricos aumentou.
Apenas 16 dos países em desenvolvimento, ou seja,
aqueles que antes se denominavam subdesenvolvidos e
hoje também são chamados de emergentes, cresceram
economicamente mais de 3%. É um dado ruim quando
se sabe, por exemplo, que o Brasil precisaria ter um
crescimento de 6% ao ano para recuperar-se de suas
perdas – como se teme, o país corre o risco de ter índices
negativos. Desses países “emergentes”, 32 tiveram
crescimento inferior a 2% e 23 sofreram retração do PIB.
O desemprego aumentou: em 2003, ainda segundo a
ONU, com dados confirmados pela OIT (Organização
Internacional do Trabalho), 6,2% da força de trabalho
mundial estava desempregada. Nada menos que 185
240 UNIUBE

milhões de trabalhadores não tinham emprego. Estes


últimos dados são em média: nos países subdesenvol-
vidos, como o Brasil, os números são bem mais graves.
Em fevereiro de 2004 cerca de 20% dos trabalhadores
brasileiros estavam desempregados.

Os Estados Unidos, tendo tido primazia econômica notória desde o fim da


Segunda Guerra até o início da década de 1970, estagnou em termos de
participação ativa na economia mundial. Tal fato deve-se à recuperação
da economia europeia, antes arrasada pela guerra e, agora, pronta para
competir por mercados internacionais. Da mesma forma, o Japão que,
devidamente recuperado, conquistou seu espaço no mercado global.

O fenômeno da globalização, entretanto, apresenta diversas contradições


causadas pela conflitante distinção do que seja “interno” e “externo” aos
parceiros econômicos. O ambiente negociador de cada Estado tende a
ser mais complicado na medida em que propõe relações entre parceiros
de cultura e comportamento extremamente diferentes.

Um número desproporcionalmente grande desses


países se encontrava no infeliz continente africano.
O fim da Guerra Fria privou tais Estados de ajuda
econômica (isto é, em grande parte militar), que havia
transformado alguns deles, como a Somália, em
campos armados e eventuais campos de batalha.
Além disso, à medida que cresciam as divisões entre
pobres, também a globalização provocava movimentos
mais evidentes de seres humanos que cruzavam as
linhas divisórias entre regiões e classificações. Dos
países ricos, fluíam turistas para o Terceiro Mundo
como jamais antes. (Hobsbawm, 2007, p. 355).

Maria Regina Soares Lima (1996) diz o seguinte, sobre algumas teses
“equivocadas” a respeito da nova ordem mundial “pós-Guerra Fria”:

Não se pretende, nesta seção, esgotar todos os argumen-


tos e cenários propostos para o pós-Guerra Fria, mas
examinar aqueles que aparecem mais frequentemente
na literatura especializada e de divulgação, alguns deles
de tão repetidos já adquiriram foros de verdade. São eles:
a utilidade decrescente da força militar; a ampliação dos
espaços comunitários e de cooperação; a emergência de
um sistema unipolar; a constituição de um concerto global;
e o revigoramento das Nações Unidas.
UNIUBE 241

A tese da utilidade decrescente da força militar, ou da


perda de importância do poder militar como elemento
modelador das relações internacionais e sua substi-
tuição pelos poderes econômico, ambiental e societal,
é a versão high-tech daquela do doux commerce dos
séculos XVII e XVIII, quando o mercado era visto como
solvente do poder arbitrário e dos instintos guerreiros
dos soberanos e o comércio instrumento civilizatório por
excelência da sociedade (Hirschman, 1992).
Na versão do final do século XX, o argumento tem por
base a crença de que as armas nucleares vão fornecer o
principal parâmetro do contexto estratégico pós-Guerra
Fria. Nesse sistema, também denominado de arma
absoluta, a vitória sobre o oponente depende de se
alcançar a condição de second-strike capability, além da
qual qualquer quantidade adicional de armamento em
nada contribui para aumentar a defesa já assegurada por
aquela capacidade. Prevalecendo um contexto estraté-
gico dessa natureza, os gastos militares das potências
aumentariam até ser alcançada capacidade de resposta,
e a partir desse patamar declinariam, mesmo que os dos
oponentes potenciais continuassem aumentando.
(...)
Mesmo que isto viesse a ocorrer, o passado recente
não autoriza, porém, a crença em limites absolutos
dos gastos militares das potências, já que argumentos
técnico-políticos foram utilizados sistematicamente
pelas duas superpotências para ampliar a fronteira da
dita capacidade de resposta.
(...)
A tese da utilidade decrescente da força é distinta do
argumento da desvinculação crescente entre poder
econômico e poder militar.
(...)
O argumento da ampliação dos espaços comunitários
e de cooperação na ordem mundial pós-Guerra Fria
questiona as três principais premissas do realismo: do
primado do poder, do comportamento autointeressado
e da anarquia e seu correlato, a prevalência do princípio
da autoajuda. No seu lugar, propõe a seguinte equação:
maior complexificação das relações políticas, econômi-
cas, culturais etc. gera maior interdependência dos indiví-
duos, grupos, Estados, o que, por sua vez, faz emergir a
consciência de um destino comum entre eles, estimulan-
do-se a solidariedade e a cooperação entre esses atores.
242 UNIUBE

A tese é desenvolvida a partir de dois argumen-


tos teórica e metodologicamente distintos: um deles
sociológico, o outro econômico/racionalista.
(...)
O fim da Guerra Fria não levaria ao declínio das institui-
ções, mas à sua adaptação para acomodar novos
interesses e, tendo em vista as interdependências e
externalidades mútuas, aumentaria a demanda por
instituições e regimes internacionais (Keohane, 1993).
(...)
Desta forma, a questão não é apenas a continuidade
das instituições criadas no período da Guerra Fria ou
mesmo a sua permanência, ainda que modificadas.
O problema é como incidirão as questões distributi-
vas na montagem de um novo arcabouço institucional,
qualquer que seja ele. Como se sabe, os resultados de
conflitos distributivos tendem a ser resolvidos, priorita-
riamente, pelo poder de barganha relativo dos atores
envolvidos. Por outro lado, como já observado, a erosão
da fronteira interno-externo, em função da interpene-
tração econômica, poderá levar à geração de uma
carga adicional de conflitos distributivos entre países
desenvolvidos, em especial com relação à escolha
dos padrões a partir dos quais se fará a convergência
econômica. Finalmente, e muito particularmente no
caso dos países periféricos, o fim da Guerra Fria fez
ressurgir na agenda internacional problemas de defini-
ção de direitos de propriedade como são aqueles de
reconfiguração de fronteiras territoriais, questão distri-
butiva clássica na política mundial.
A tese da constituição de um sistema unipolar sob a
liderança dos EUA foi talvez aquela mais difundida após
a queda do Muro de Berlim, não apenas por especia-
listas, mas também pelos meios de comunicação e,
inclusive, por estrategistas da política externa norte-
-americana do governo Bush adeptos da adoção de
uma nova concepção estratégica que, com o colapso da
União Soviética, preservasse a situação unipolar que o
fim da bipolaridade presenteara os EUA.
(...)
Contra a tese da unipolaridade dos EUA podem ser
arrolados tanto argumentos sistêmicos, no veio do
neorrealismo, como aqueles que se situam no nível das
unidades. Do ponto de vista estrutural, a unipolaridade
é sempre um equilíbrio instável em função de dois
UNIUBE 243

fatores: taxas de crescimento diferenciais entre países e


anarquia. O processo de desenvolvimento desigual vai
progressivamente diminuindo a diferença inicial entre o
hegemônico e os desafiantes potenciais. Por outro lado,
a anarquia induz à busca do equilíbrio entre potências e,
desta forma, a preponderância invariavelmente gera a
emergência de poder compensatório na forma de novas
potências. Se adicionarmos a esse argumento estrutural
as características dos atores, a tese da unipolaridade é
ainda mais difícil de ser sustentada.
(...)
A quarta tese é distinta da anterior, já que supõe a
constituição de um concerto global entre as grandes
potências. Neste argumento, os interesses comuns
gestão da interdependência e coordenação de políticas
macroeconômicas e o consenso ideológico mercados
e democracia liberal estariam criando condições para
a constituição de um concerto global entre as grandes
potências.
(...)
Seja como for, o uso dessa analogia histórica recomen-
daria que se levasse em conta as condições necessá-
rias para o funcionamento de um concerto de potências,
em especial: (a) a existência de uma ameaça comum,
unindo as potências (no caso do Concerto Europeu,
o que unia as monarquias européias era o objetivo de
contenção dos impulsos liberais e revolucionários) e,
em face de uma ameaça sistêmica, o interesse comum
em evitar a guerra, mesmo que com sacrifício de objeti-
vos nacionais; e (b) a restrição a comportamentos
unilaterais, em particular a regra de que nenhuma das
grandes potências cruciais à aliança pode abandonar o
compromisso coletivo em favor de uma política unilate-
ral e/ou isolacionista. São estas condições particu-
larmente demandantes, em especial a segunda, que
indicam por que os concertos tendem a não perdurar.
No presente, as condições necessárias para a estabili-
dade desse sistema seriam precárias.
(...)
Finalmente, os concertos são sensíveis ao problema do
carona, uma vez que cada um dos participantes valoriza
mais seus objetivos individuais do que os da aliança
e espera que os outros, e não ele próprio, sacrifiquem
seus respectivos interesses individuais.
244 UNIUBE

Conforme já foi explicado, após a primeira metade da década de 1970, o


mundo perdeu parte de suas “referências” e isso causou grande instabili-
dade. Inicialmente, o colapso financeiro pareceu ser apenas um problema
soviético, mas tal tese se mostrou errônea. Alguns países capitalistas
restaram significativamente afetados.

Antes de tudo, é preciso esclarecer que o modelo socialista soviético era um


“monólito”, ou seja, extremamente “duro” e coeso (como uma rocha) tendo
instituições centralizadas pelas decisões incontestáveis de seus dirigentes.
Já o socialismo no Leste Europeu (eurocomunismo) não tinha característica
de ser tão rígido. O eurocomunismo contesta, inclusive, grande parte das
ações soviéticas gerando certo revisionismo às doutrinas. Nele, a ideologia
socialista agregava um novo modo de agir com objetivo de se adequar aos
novos tempos. Era uma espécie de “versão democrática” do socialismo.

Infelizmente, o eurocomunismo também apresentou sérias limitações


quanto às suas opções de ação, declinando ou modificando radicalmente
sua linha doutrinária com o passar do tempo.

Atente, caro aluno, que essa crise não afetou todos da mesma maneira.
Os países mais ricos e desenvolvidos produziram mais durante a década
de 1980, pois aproveitaram esta nova “economia global” para ampliar
seus mercados.

A outra face da moeda, como era de se esperar, foi o declínio da renda


per capita dos países subdesenvolvidos como a África, a Ásia ocidental
e a grande maioria dos Estados da América Latina. Esses povos foram
gradativamente ficando mais pobres. E, mesmo nos países desenvolvidos,
foi possível notar “focos” de pobreza extrema, com a imagem de mendigos
dormindo nas ruas e representando um indesejável problema social.

SINTETIZANDO...

Essa “nova era” global, a princípio, aumentou significativamente os níveis


de desigualdade entre os povos, sendo que nos países em desenvolvimento
esse processo restou muito mais acentuado.
UNIUBE 245

Para Hobsbawm (2007, p. 397-389):

Ninguém em 1970 esperava, e muito menos preten-


dera, que tudo isso acontecesse. No início da década
de 1990, um clima de insegurança e ressentimento
começara a espalhar-se até mesmo em muitos dos
países ricos. Como veremos, isso contribuiu para que
neles ocorresse o colapso de padrões políticos tradicio-
nais. Entre 1990 e 1993, poucas tentativas se fizeram
de negar que o mesmo mundo capitalista desenvol-
vido estava em depressão. Ninguém afirmava a sério
saber o que fazer a respeito, além de esperar que
aquilo passasse. Apesar disso, o fato fundamental das
Décadas de Crise não é que o capitalismo não funcio-
nava tão bem como na Era do Ouro, mas que suas
operações se tornaram incontroláveis. Ninguém sabia
o que fazer em relação aos caprichos da economia
mundial, nem possuía instrumentos para administrá-la.
O grande instrumento para fazer isso na Era do Ouro, a
política de governo, coordenada nacional ou internacio-
nalmente, não funcionava mais. As Décadas de Crise
foram a era em que os Estados nacionais perderam
seus poderes econômicos.

Por todo o exposto, podemos observar que esta crise que se desenrolou
entre os anos de 1970-1990 foi muito diferente das crises anteriores,
pois cada uma só encontra explicação pertinente se analisada dentro do
próprio momento histórico.

Dessa forma, é seguro dizer que a economia mundial “refletiu” a condição


social do sujeito histórico, associada a fatores culturais e políticos dessa
época. E é assim, caro aluno, que você deve analisá-la.

A imagem dos Estados Unidos junto à população que sofria diretamente


os efeitos dessa crise foi a pior possível. Uma sensação de “ódio” aos
americanos repercutiu de tal forma que afetou os países capitalistas
ocidentais.

Tenha em mente, caro aluno, que tais consequências (desorientação e


insegurança) são frutos de uma nova ordem mundial provocada pelo fim
da Guerra Fria.
246 UNIUBE

SINTETIZANDO...

O colapso do “mundo socialista”, assistido e analisado por estudiosos de


todo o mundo durante a última década do século XX, gerou diversas teses
interessantes.

Uma delas diz respeito ao “fim da história”, uma vez que as contradições
geradas pela disputa ideológica entre o socialismo e o capitalismo tinham
acabado devido à “irreversível” vitória desse último. Por essa tese, os concei-
tos de “luta de classes” restaram definitivamente superados.

O que você pensa leitor? É possível mesmo pensar em um “fim da história”?

6.3.1 Movimentos de libertação no chamado “Terceiro Mundo”

Inicialmente, convém citar que o termo “Terceiro Mundo”, surgido durante


a Guerra Fria, atualmente está em desuso, dado seu caráter terminan-
temente pejorativo. Antes, foi designado para representar os países que
não participaram diretamente da disputa entre os polos liderados por EUA
e URSS, no período da Guerra Fria.

Não que tais Estados tenham “escapado” ilesos do conflito, mas sua
participação não foi tão ativa quanto os primeiros. São, a grosso modo,
as nações pobres da África, da Ásia e da América Latina. Diz Hobsbawm
(2007, p.349):

Não surpreende, assim, que dezenas de estados


pós-coloniais que surgiram após a segunda Guerra
Mundial, junto com a maior parte da América Latina que
também pertencia visivelmente às regiões dependentes
no velho mundo imperial e industrial, logo se vissem
agrupadas como o “Terceiro Mundo” - diz se que o termo
foi cunhado em 1952 (Harris, 1987) - em contraste com
o “Primeiro Mundo” dos países capitalistas desenvol-
vidos e o “Segundo Mundo” dos países desenvolvidos
comunistas. Apesar do evidente absurdo de tratar Egito
e Gabão, Índia e Papua-Nova Guiné como sociedades
do mesmo tipo, isso não era inteiramente implausível, na
medida em que todos eram pobres (comparados com o
mundo desenvolvido), todos eram dependentes, todos
UNIUBE 247

tinham governos que queriam “desenvolver”, e nenhum


acreditava, no mundo pós-Grande Depressão e Segunda
Guerra Mundial, que o mercado mundial capitalista (isto
é, a doutrina de “vantagem comparativa” dos economis-
tas) ou a empresa privada espontânea internamente
alcançassem esse fim. Além disso, quando a grade de
ferro da Guerra Fria se abateu sobre o globo, todos que
tinham alguma liberdade de ação queriam evitar juntar-
-se a qualquer um dos dois sistemas de aliança, isto é,
queriam manter-se fora da Terceira Guerra Mundial.

Tais países “ignorados” pelos dois blocos antagônicos são os “terceiro-


mundistas”. Estes Estados, inclusive, conseguiram em sua maioria a
independência (alguns eram colônias, caro aluno) e, assim, puderam
desenvolver melhor organização para participar do mercado mundial.
Atualmente, os países do “Terceiro Mundo” são chamados de “países
em desenvolvimento”. Mas apesar disso:

As relações entre os países subdesenvolvidos e industria-


lizados são complicadas. Primeiro, porque estes últimos,
além de uma economia mais forte e estável, podem
fabricar produtos superiores e mais baratos, os quais
significam melhor e mais sofisticada tecnologia, que
geralmente nós, os subdesenvolvidos, não temos e não
dominamos. (CHIAVENATO, 2004, p.35).

Esclarecido este problema inicial de designação, vamos aos fatos. Durante


a Guerra Fria, os países do “Primeiro Mundo”, apesar da acirrada disputa de
blocos, estavam estáveis. Com relação ao “Segundo Mundo”, estes estavam
sob a proteção do Partido Comunista centralizado na URSS e, em caso de
qualquer revés, sempre havia a opção de intervenção militar soviética.

Já a grande maioria dos países do “Terceiro Mundo”, viveu tempos


conturbados, recheados de revoltas e de golpes militares. Tais Estados
passaram por definhante instabilidade política e social. Nesse sentido:

O que impressionava tanto os adversários da revolução


quanto os revolucionários era que, após 1945, a forma
básica de luta revolucionária no Terceiro Mundo, ou seja,
em qualquer parte do mundo, parecia ser a guerra de
guerrilha. Uma ‘cronologia de grandes guerras de guerri-
lha’ compilada em meados da década de 1970 relaciona-
va 32 delas depois do fim da Segunda Guerra Mundial.
Todas, com exceção de três (a guerra civil na Grécia
248 UNIUBE

de fins da década de 1940, e a luta do Chipre contra a


Grã-Bretanha na década de 1950, e a do Ulster, começa-
da em 1969), aconteceram fora da Europa e da América
do Norte (Laqueur, 1977, p. 442).
Podia-se prolongar a lista facilmente. A imagem da revolu-
ção como surgimento exclusivamente das montanhas não
era muito precisa. Subestimava o papel dos golpes milita-
res esquerdistas, que reconhecidamente pareciam implau-
síveis na Europa até o dramático exemplo da espécie
ocorrido em Portugal em 1974, mas eram bastante
comuns no mundo islâmico e não inesperados na América
Latina. A revolução boliviana em 1952 foi feita por uma
combinação de mineiros e insurretos do exército; a mais
radical reforma da sociedade peruana, por um regime
militar em fins da década de 1960 e na de 1970. Também
aquela imagem subestimava o potencial revolucionário
de ações de massa urbana fora de moda, que iria ser
demonstrado pela revolução iraniana de 1979, e daí em
diante na Europa Oriental.
Contudo, no terceiro quartel do século, todos os olhos
estavam nas guerrilhas. Suas táticas, além disso, eram
fortemente propagadas por ideólogos da esquerda radical,
críticos da política soviética. Mao-tse-tung (após sua
cisão com a URSS) e, depois de 1959, Fidel Castro, ou
antes, seu camarada, o belo e peripatético Che Guevara
(1928-67), inspiravam esses ativistas. Os comunistas
vietnamitas, de longe os mais formidáveis e bem-sucedi-
dos praticantes da estratégia da guerrilha, e internacio-
nalmente muito admirados por derrotar os franceses e o
poderio dos EUA, não encorajavam seus admiradores a
tomar partido nas brigas ideológicas intestinas da esquer-
da. (HOBSBAWM, 2007, p.425).

IMPORTANTE!

Os movimentos de revolta (ou reforma) ocorridos em meados do final do


século XX tiveram duas características básicas:

1 - um formato diferente daquele ocorrido da Rússia, em 1917, (Revolu-


ção Russa) e ainda mais diverso daquele ocorrido na França, em
1789 (Revolução Francesa);
2 - foram impostas de “cima para baixo”, ou seja, foram idealizadas por
uma minoria intelectual e determinada às massas (por exemplo, os
golpes militares).
UNIUBE 249

Esta “efervescência” por parte das massas nos movimentos de revolta


nos países em desenvolvimento gerou, via de consequência, aumento
dos assassinatos políticos. Como exemplo, temos Anwar Sadat, no Egito
(1981), e Indira Gandhi, na Índia (1984). As mudanças, quando ocorrem,
são na maioria conquistadas por vias de violência. Segundo Hobsbawm
(2007, p. 446):

Está também repleto de violência – mais violência que


no passado – e, o que talvez seja igualmente importan-
te, de armas. Nos anos antes da acessão de Hitler ao
poder na Alemanha e na Áustria, por mais agudas que
fossem as tensões e ódios raciais, é difícil imaginar
que assumissem a forma de adolescentes carecas
nazistas incendiando uma casa habitada por imigran-
tes, matando seis membros de uma família turca.
Contudo, em 1993, um incidente desse choca, mas
não mais surpreende, quando ocorre no coração da
tranquila Alemanha, casualmente uma cidade (Sollin-
gen) com uma das mais antigas tradições de socialis-
mo operário no país. Além disso, a acessibilidade de
armas e explosivos altamente destrutivos hoje é tal que
o habitual monopólio de armamentos do Estado em
sociedades desenvolvidas não pode mais ser tomado
como certo. Na anarquia de pobreza e ganância que
substituiu o ex-bloco soviético, não era mais inconcebí-
vel nem mesmo que armas nucleares, ou os meios para
fabricá-las, pudessem chegar às mãos de grupos outros
que não os governos. O mundo do terceiro milênio,
portanto quase certamente continuará a ser política
violenta e mudanças políticas violentas. A única coisa
incerta nelas é aonde irão levar.

6.4 Multipolarização & Multicivilização

Conforme nos explica o cientista político Samuel Huntington, o conflito


existente no contexto da segunda metade do século XX não foi apenas
“bélico”, mas também ideológico e cultural. Veja:

No mundo pós-Guerra Fria, pela primeira vez na História,


a política mundial se tornou multipolar e multicivilizacio-
nal. Durante a maior parte da existência da humanidade,
os contatos entre as civilizações foram intermitentes ou
inexistentes. Depois, com o começo da Idade Moderna,
250 UNIUBE

por volta de 1500 d.C., a política mundial assumiu duas


dimensões. Durante mais de 400 anos, os Estados
nações do Ocidente - Grã-Bretanha, França, Espanha,
Áustria, Prússia, Alemanha,Estados Unidos e outros –
constituíram um sistema internacional multipolar dentro
da civilização ocidental e interagiram, competiram e
travaram guerras uns com os outros. Ao mesmo tempo,
as nações ocidentais também se expandiram, conquis-
taram, colonizaram outras civilizações ou nelas influí-
ram de forma decisiva. Durante a Guerra Fria, a política
mundial tornou-se bipolar e o mundo foi dividido em três
partes. Um grupo de sociedades em sua maioria ricas e
democráticas, lideradas pelos Estados Unidos, engajou-
-se numa competição ideológica, política, econômica e,
às vezes, militar, com um grupo de sociedades comunis-
tas um tanto mais pobres associadas com a União
Soviética e por ela lideradas. Grande parte desse conflito
ocorreu no Terceiro Mundo, fora daqueles dois campos,
compostos por países que na maioria dos casos, eram
pobres, careciam de estabilidade política, tinham recente-
mente se tornado independentes e se diziam não alinha-
dos. (HUNTINGTON,1997,p.19-20).

Assim, durante a Guerra Fria, os países “não alinhados”, os do chamado


Terceiro Mundo, eram os alvos de conquista para ambos os blocos
(capitalista e socialista). O contexto mostrou-se favorável para esta
imersão de valores dado que os países em desenvolvimento não tinham
condição pertinente de resistência.

E quando ocorre a queda do Socialismo (pós-Guerra Fria), as distinções


se tornam mais culturais do que nunca. Os povos dos “países em
desenvolvimento” tinham que evoluir não apenas sua política e indústria,
mas também moldar uma identidade particular.

Tal “crise de identidade” nos países em desenvolvimento está intimamen-


te ligada às escolhas que cada nação se vê obrigada a ter com relação a
seus valores fundamentais. Perguntas como: “O que é importante para
mim?” ou “Quais são minhas bases essenciais?” que foram impostas ao
sujeito histórico.

A política, dentro de tal indagação, se enquadra como importante instru-


mento de influência, servindo muitas vezes como meio de promoção dos
interesses pessoais de uma minoria.
UNIUBE 251

No que diz respeito ao mercado “mundial”, as ditas e emergentes


“superpotências” continuam a desempenhar papel principal no processo.
O que muda nesse cenário é o fato de que não existem mais os “blocos”
da Guerra Fria e, sim, várias “civilizações” comandando o destino do
planeta, quais sejam a grosso modo: Civilização Ocidental, Islâmica,
Africana, Sínica, Hindu, Latino-americana, Japonesa, dentre outras.

O espantoso “grande salto avante” da economia mundial


(capitalista) e sua crescente globalização não apenas
dividiram e perturbaram o conceito de Terceiro Mundo
como também levaram quase todos os seus habitan-
tes conscientemente para o mundo moderno. Eles não
gostaram necessariamente disso. Na verdade, muitos
movimentos “fundamentalistas” e outros em teoria tradicio-
nalistas que agora ganhavam terreno em vários países
do Terceiro Mundo, sobretudo, mas não de modo exclusi-
vo, na região islâmica, eram especificamente revoltas
contra a modernidade, embora isso com certeza não
se aplique a todos os movimentos aos quais se prega
esse rótulo impreciso. Mas eles próprios se sabiam parte
de um mundo que não era como o de seus pais. Esse
mundo lhes chegava em forma de ônibus ou caminhões
em poeirentas estradas marginais; a bomba de gasolina;
o radinho de pilha transistorizado, que trazia o mundo até
eles - talvez até os analfabetos, em seu próprio dialeto
ou língua não escritos, embora isso provavelmente
fosse privilégio do imigrante urbano. Mas num mundo
onde as pessoas do campo migravam para as cidades
aos milhões, e mesmo em países rurais da África com
populações urbanas de um terço ou mais tornando-se
comuns - Nigéria, Zaire, Tanzânia, Senegal, Zâmbia,
Congo, Somália, Libéria -, quase todos trabalhavam na
cidade ou tinham um parente que lá morava. Aldeia e
cidade estavam daí em diante interligada. Mesmo as mais
remotas viviam agora num mundo de embalagem plástica,
garrafas de coca-cola, relógios digitais baratos e fibras
artificiais. Por uma estranha inversão da história, o país
atrasado do Terceiro Mundo começou até a comerciali-
zar suas habilidades no Primeiro Mundo. Nas esquinas
da Europa pequenos grupos de peripatéticos índios dos
Andes sul-americanos tocavam suas melancólicas flautas
e nas calçadas de Nova York, Paris e Roma, camelôs
negros da África Ocidental vendiam balangandãs aos
nativos exatamente como os ancestrais dos nativos
haviam feito em suas viagens de negócios ao Continente
Negro. (HOBSBAWM, 2007, p.356).
252 UNIUBE

Nesse contexto, as sociedades “não ocidentais” têm grande interesse


no aumento de seu poderio militar e também no desenvolvimento de
sua economia e influência política. Há um aumento na autoconfiança
dessas nações que, conforme já explicado, tendem a valorizar suas
identidades repudiando os valores que anteriormente lhe foram impostos
pelo Ocidente.

Assim, a máquina estatal e política deixa de ter características meramente


locais e passa a se constituir como uma política de “etnia”. A política
mundial, agora, é a política das civilizações, tendo a rivalidade entre estas
substituído a antiga rivalidade bipolar.

Os confrontos mais importantes, portanto, serão aqueles entre os diversos


povos, cada qual lutando pela supremacia de sua “civilização”. Os Estados
que possuem afinidade cultural mais acentuada tendem, nesse processo, a
cooperar entre si formando bases internacionais. Exemplo disso é a União
Europeia. Assim:

Os pressupostos filosóficos, os valores subjacentes,


as relações sociais, os costumes e as formas de ver a
vida de forma geral se diferenciam de modo significati-
vo entre as civilizações. A revitalização da religião em
grande parte do mundo está reforçando essas diferen-
ças culturais. As culturas podem se modificar e a nature-
za de seu impacto sobre a política e a economia podem
variar de um período para outro. Contudo, as principais
diferenças em desenvolvimento político e econômico
entre as civilizações estão nitidamente enraizadas em
suas culturas diferentes. O êxito econômico da Ásia
Oriental tem sua origem na cultura asiática oriental, da
mesma maneira que as sociedades asiáticas orientais
têm tido dificuldades em estabelecer sistemas políticos
democráticos estáveis. A cultura islâmica explica em
grande parte porque a democracia deixou de emergir
na maior parte do mundo muçulmano. A evolução dos
acontecimentos nas sociedades pós comunistas da
Europa Oriental e na ex-União Soviética é moldada por
suas identidades civilizacionais. Aquelas que têm uma
herança cristã ocidental estão fazendo progresso na
direção do desenvolvimento econômico e da política
democrática. Nos países ortodoxos, as perspectivas de
desenvolvimento econômico e político são incertas. Nas
repúblicas muçulmanas, as perspectivas são sombrias.
(HUNTINGTON, 1997, p. 28).
UNIUBE 253

Por todo o exposto, caro leitor, podemos concluir que o peso da religião, da
cultura, da língua e de diversas outras bases culturais se torna fundamental
na prática econômica.

Ainda por este raciocínio, o Ocidente, que tem as bases estruturais mais
sólidas mediante sua própria formação histórica, ainda é a civilização
mais poderosa. Mas fica a questão: por quanto tempo?

PARADA PARA REFLEXÃO

A civilização Ocidental tem como estratégia a imposição de seus valores à


outras civilizações, mediante diversos recursos que, por vezes, são extrema-
mente sutis. Mas chegará o momento no qual os outros povos (não ociden-
tais) terão que realizar uma escolha: juntar-se ou não ao Ocidente?

Lembramos você, caro aluno, que a sociedade islâmica, por exemplo, vem
expandindo seu poderio econômico, militar e político de tal modo que já é séria
preocupação ao Ocidente.

São por estes motivos que Huntington diz que, a política mundial se
tornou “multipolar” e “multicivilizacional”. Os atores mais importantes da
“Nova Ordem” são as diversas civilizações que formam polos em várias
localidades do planeta. Assim:

Um terceiro mapa do mundo pós Guerra Fria se deriva


da que é frequentemente chamada teoria ‘realista’ das
relações internacionais. De acordo com essa teoria,
os Estados são os atores principais – na verdade, os
únicos atores importantes - dos assuntos mundiais,
o relacionamento entre os Estados é de anarquia e,
por conseguinte, para assegurar sua sobrevivência
e segurança, os Estados invariavelmente tentam
maximizar seu poder. Quando um Estado vê o outro
Estado aumentando seu poder e, desse modo, se
tornando uma ameaça em potencial, ele tenta proteger
sua própria segurança fortalecendo seu poder e/
ou aliando-se com outros Estados. Os interesses e
as ações dos mais ou menos 184 Estados do mundo
pós-Guerra Fria podem ser previstos a partir dessas
pressuposições. (HUNTINGTON, 1997, p.35).
254 UNIUBE

Nesse cenário, os Estados são, em si, os principais atores da nova ordem


imposta, na medida em que mantêm exércitos, praticam diplomacia,
controlam organismos internacionais e, por vezes, até disputam guerras.
Há, entretanto, um íntimo relacionamento entre os interesses de poder
e interesses de preservação de valores. A instituição cultural também
necessita ser preservada.

(...) o objeto fundamental de uma história ou de uma


sociologia cultural compreendida como uma história
da construção da significação reside na tensão que
articula as capacidades inventivas dos indivíduos ou
das comunidades com os constrangimentos, as normas
e as convenções que limitam — mais ou menos
poderosamente segundo sua posição nas relações de
dominação - o que lhes é lícito pensar, enunciar, fazer.
(CHARTIER, 1995).

A ordem dita “cultural” também influi nas intenções de ameaça. Os Estados


cooperam entre si não só com o intuito de proteger sua cultura, mas
também de consolidar sua supremacia de valores sobre países de ideolo-
gias diferentes.

Detalhe interessante fica por conta da criação e legitimidade das institui-


ções internacionais das quais, por vezes, Estados de diferentes “etnias” se
juntam lado a lado. A diplomacia destas instituições globais de negociação
gira em torno do debate sobre as possíveis vantagens e desvantagens de
filiação a tais órgãos.

A perda de soberania, muitas vezes, é exigida mediante a possibilidade


de controle dos fluxos de capitais financeiros, de ideias, de bens e, ainda,
de pessoas. Nessa circunstância, as fronteiras físicas são gradativamente
“quebradas”, pois o sentido de unidade se dá além desse detalhe.

Outro ponto que merece destaque é o aumento e intensificação das


“máfias” internacionais. Nessa “Nova Ordem” global, o Estado necessita
lidar com seus conflitos internos de formação (étnicos, religiosos etc.) bem
como com a proliferação dos armamentos comercializados internacional-
mente (por meios ilícitos, é claro) a partir da expansão do terrorismo.
UNIUBE 255

SAIBA MAIS

São estes fatores, caro aluno, que, em conjunto, “seguram”, por vezes,
os ânimos exaltados de expansão das civilizações competidoras. Assim,
as análises mais conjunturais se tornam extremamente complexas, pois
envolvem diversos fatores que são oriundos de uma especificidade histórica
bem como dos problemas próprios do tempo presente. Tudo, sempre dentro
de contextos únicos.

AMPLIANDO O CONHECIMENTO

O Estado mínimo

A crescente globalização da economia, naturalmente, traz como consequên-


cia a tendência de quedas nas reservas de mercado. Isso porque as barrei-
ras protecionistas, que antes existiam, necessitam ser “relaxadas” para que
grandes conglomerados e algumas médias empresas possam comercializar
fora de seus países de origem.

Dessa forma, o Estado, que antes “protegia” suas indústrias pela taxação
alfandegária elevada por meio de outras políticas, resolve “não intervir” de
maneira tão ativa nesta dita “concorrência”.

Os blocos econômicos formados “pós-Guerra Fria” são exemplos do estímulo


que a globalização promoveu com relação à criação de “associações de livre
mercado”, ou seja, regiões onde não há barreiras protecionistas.

E para baixar os custos de produção, as “multinacionais” transferem ativida-


des de uma empresa para outra, terceirizando a produção e serviços com
objetivo de diminuir custos, além de aproveitar a mão de obra onde ela seja
mais barata. Institucionalizam franquias e negociam vantagens regionalmente.

Essa política de “Estado mínimo”, da quase não intervenção do Estado, é


legitimada pela crise do Estado intervencionista que, como você aluno pôde
acompanhar por todo este capítulo sobre o socialismo soviético, não deu certo.
256 UNIUBE

6.5 A Internet e a Biotecnologia

Nunca houve tanta disponibilidade de informação e recursos quanto no


final do século XX. A informática se desenvolveu em taxa geométrica
desde a década de 1970 e a biotecnologia a partir dos anos de 1980.
Assim, o potencial de exploração da informação vem sendo gerido como
importante (aliás, essencial) fator de competição.

Tanto a trivialização digital disponível para as massas quanto o acelerado


progresso científico no campo da genética se deu por meio de capital
privado. A rede mundial de computadores passou a ser o símbolo mais
eficiente da globalização.

Com a Web, nosso horizonte tende a se alargar, pois


por meio da Internet podemos romper com o isolamento
e burlar limitações, mesmo com poucos recursos. Neste
sentido, somos estimulados a pensar sobre novos
objetos de investigação; obter fontes, referências biblio-
gráficas, mapas; consultar dicionários e enciclopédias;
enviar trabalhos para serem publicados em periódicos
e/ou sites estrangeiros; contatar e discutir com diversos
especialistas; Nunca houve tanta disponibilidade de
informação e recursos quanto no final do século XX. A
informática se desenvolveu em taxa geométrica desde
a década de 1970 e a biotecnologia a partir dos anos de
1980. Assim, o potencial de exploração da informação
vem sendo gerido como importante (aliás, essencial)
fator de competição.

Tanto a trivialização digital disponível para as massas quanto o acelerado


progresso científico no campo da genética se deu por meio de capital
privado. A rede mundial de computadores passou a ser o símbolo mais
eficiente da globalização.

Com a Web, nosso horizonte tende a se alargar, pois


por meio da Internet podemos romper com o isolamento
e burlar limitações, mesmo com poucos recursos. Neste
sentido, somos estimulados a pensar sobre novos
objetos de investigação; obter fontes, referências biblio-
gráficas, mapas; consultar dicionários e enciclopédias;
enviar trabalhos para serem publicados em periódicos
e/ou sites estrangeiros; contatar e discutir com diversos
UNIUBE 257

especialistas; além de podermos ter facilmente acesso


também a produções historiográficas distintas da
tradicionalmente predominante em nosso país. (SILVA
& SILVA, 2007).

Os sofisticados bancos de dados produzidos ao longo das duas últimas


décadas do século XX passaram a ser sinônimo de riqueza. O uso
progressivo e cada vez mais rotineiro do universo “on line” gerou diversos
novos problemas ao sujeito histórico do mundo atual.

Um destes problemas está no sentido dos limites transpostos entre o que


seja público e o que seja privado. As informações que circulam via “www”
(World Wide Web) ou simplesmente “Web” (que são os documentos em
hipermídia executados e interligados pela internet), por diversas vezes,
põe em risco a privacidade do cidadão.

Isso porque alguns dados pessoais podem ser “roubados” pelos chamados
“piratas digitais” (usuários que invadem redes alheias e violam informações
sigilosas). Nesse sentido, há também a própria questão ética das empresas
que são pagas para gerenciar esses dados, bem como a responsabilidade
do cidadão em ser cauteloso e preservar sua imagem.

No sentido oposto a tais reveses, temos que esta mesma tecnologia


permite uma circularidade de informações muito grande, o que gera certa
“democratização” do conhecimento. O desenvolvimento gerado nessa área
foi tão magnânimo que chega a ser opressivo em certa medida. Assim:

O computador “prende o viajante” diante de uma tela


onde ele se sente “livre” e “navega” horas pela internet,
“comunica-se” com todo o mundo, mas quase sempre é
um “poliglota” que se fecha com sua “tribo” e nunca sai
do seu país, às vezes nem do seu bairro. Ele vive em um
mundo virtual porque não conhece a realidade, que pensa
viver através da tela. Mas está “padronizado” e sente-se
muito bem em Nova York, sem sair da Vila Madalena.
Alguém poderia lembrar que as ilusões do consumo
sempre existiram. Os filósofos gregos já trabalhavam
com os conceitos de ter e ser, abordados por quase
todos os modernos pensadores. No entanto, até antes
do processo globalizador como o conhecemos hoje, o
estímulo ou a indução ao consumo fazia-se para obter
258 UNIUBE

lucro. Procurava se vender conforto ou prazer para


estimular a produção. Para quem vendia mercadorias,
o consumo era um meio de lucrar, de enriquecer; para o
consumidor, algo utilitário.
Hoje há uma mudança: o vendedor não vende apenas
utilidades, mas conceitos de vida. O consumidor não
compra apenas conforto ou prazer, mas na mercadoria
vem embutida uma nova concepção do mundo. Não
por acaso há tanto “virtual” que transmigrou dos games
para os meios de comunicação. Na medida em que o
processo globalizador padronizou as reações psicos-
sociais, criou condições para a uniformização estética e
técnica. Isso limita cada um e padroniza todos.
Age (pouco) e reage (muito) como se fosse programado
por um deus globalizante. Já existe uma “fórmula” de
“homem consumidor” previsível. A tal ponto que as
multinacionais, ao lançarem um produto, sabem como
e por quanto tempo ele será consumido, pois nada é
mais previsível do que esse “homem consumidor” que
a globalização criou para substituir um perigoso animal
em extinção: o cidadão, ou simplesmente, o homem.
(CHIAVENATO, 2004, p. 66-67).

Nesse curto intervalo de tempo, houve também o expressivo desenvolvi-


mento da biotecnologia. Em 1997, divulgou-se o primeiro clone produzi-
do, na forma da ovelha Dolly. O animal foi gerado a partir de uma única
célula e abre um grande leque de questionamentos éticos e morais.

Quais seriam as implicações de tal desenvolvimento?

Imagine você, caro aluno, que, a partir desse momento, se coloca


em xeque, não apenas a questão utilitarista da descoberta, mas
também a destruição das concepções tradicionais e milenares
sobre o corpo, nascimento, morte e reprodução.

Já no início do século XXI (época mais familiar a você, aluno) o desenvol-


vimento científico permitiu o desenvolvimento de realidades “virtuais”
acessíveis à grande parte da massa populacional. O excesso de artifi-
cialidade na vida do sujeito histórico parece ser inevitável.

Lembre-se de que tais questões são desafios reais e imediatos postos


ao educador (no caso você). Na condição de formador de opinião, o
UNIUBE 259

professor necessita trabalhar no desenvolvimento de cidadãos mais


reflexivos e preparados para lidar com os desafios do tempo presente.

AMPLIANDO O CONHECIMENTO

Navegando pela internet, você pode encontrar interessantes fontes de


pesquisa sobre o fim da União Soviética, sobre a globalização e, ainda,
sobre a própria rede mundial de informação. Por exemplo:

<http://www.youtube.com/watch?v=1XY7qWbdXe0>
Plantão da Rede Globo de Televisão que entrou no ar durante a novela
“Roque Santeiro” anunciando o fim da União Soviética.

<http://www.globalmuseumoncommunism.org/>
Site do Museu Global do Comunismo. Aqui são mostradas as consequências
da aplicação das ideias de Marx e Lênin.

<http://educacao.uol.com.br/historia/ult1704u37.jhtm>
Site pertencente ao “Uol Educação” que trata de forma sucinta os reveses
soviéticos.
<http://historia.abril.com.br/cultura/era-extremos-vivendo-limite-434222.
shtml>
Reportagem do site da revista “Aventuras na História” que trata do livro “A
Era dos Extremos” – que é bibliografia básica para todo historiador.

<http://www.dominiopublico.gov.br>
Site do Governo Federal Brasileiro que reúne obras de diversas procedências
e as disponibiliza, de forma gratuita, para quem se interessar.

Aproveite!

DICAS

Caro aluno,

você pode unir o útil ao agradável aproveitando suas horas de folga para
assistir a alguns filmes que, além de interessantes, agregam conhecimento,
se analisados de forma correta.
260 UNIUBE

Por isso, exercite seus “dons” de historiador e analise-os de forma crítica e


reflexiva.

Nossas indicações são as seguintes:

Adeus, Lenin!
Em 1989, pouco antes da queda do muro de Berlim, a Sra. Kerner (Katrin
Sab) passa mal, entra em coma e fica desacordada durante os dias que
marcaram o triunfo do regime capitalista. Quando ela desperta, em meados
de 1990, sua cidade, Berlim Oriental, está sensivelmente modificada.

As Invasões Bárbaras
Narrativa crítica ao modo de vida contemporâneo. Filme sensível que retrata
a crise existencial que assola a sociedade atual.

A Insustentável Leveza do Ser


Narrativa que demonstra o cotidiano de dois amantes na cidade de Praga
(Tchecoslováquia), na década de 1960. Mistura cenas reais dos aconte-
cimentos de 1968 que ficaram conhecidos como “A Primavera de Praga”.

6.6 Conclusão

O fim da União Soviética trouxe ao mundo o fim de uma era. Segundo


Noberto Bobbio:

As democracias que governam os países mais ricos do


mundo serão capazes de resolver os problemas que
o comunismo não pode solucionar? Esta é a questão.
O comunismo histórico fracassou não nego. Mas os
problemas permanecem: os mesmos problemas para
os quais a utopia comunista chamou a atenção, e que
garantiu serem solucionáveis; problemas que existem
hoje, ou existirão dentro de pouco tempo em escala
mundial. (BOBBIO, 1992, p.19-20)

A política socialista, apesar dos pesares, ainda resiste de forma “modificada”


em Cuba e em outras poucas localidades. Países ditos comunistas, como
a China e o Vietnã, promoveram severas reformas de mercado com objeti-
UNIUBE 261

vo de sobreviver aos novos tempos e, ainda, manter o controle político. A


abertura ao capitalismo foi irresistível e sua vitória incontestável. Estaria o
capitalismo, então, impregnado em nosso modo de vida para sempre?

Pergunte a si mesmo, caro aluno: será que o homem estava preparado


para incorporar o socialismo?

Nesse sentido, o historiador Eric Hobsbawm é extremamente pessimista.


Conforme afirma o autor:

O colapso da URSS, a experiência do “socialismo


realmente existente” chegou ao fim. Pois mesmo
onde os regimes comunistas sobreviveram e tiveram
êxito, como na China, abandonaram a ideia original
de uma economia única, centralmente controlada e
estatalmente planejada, baseada num Estado
completamente coletivizado – ou uma economia de
propriedade coletiva praticamente operando sem
mercado. Será essa experiência, algum dia, renovada:
claramente não será na forma desenvolvida na URSS,
nem provavelmente em qualquer outra, a não ser em
condições de uma guerra econômica total ou algo
semelhante, ou em alguma outra experiência análoga.
(HOBSBAWM, 2007, p.481).

O que você precisa ter em mente, caro aluno, antes de se tornar tão
pessimista quando Hobsbawm, é que a alternativa socialista surgiu dentro
de um contexto histórico no qual apenas a Rússia se enquadrava. E tal
política socialista (Hobsbawm a chama de “Socialismo Real”) só poderia
funcionar da maneira “utópica” planejada, no caso de haver vários países
prontos a segui-la de forma fiel e dogmática. Isso não aconteceu.

O socialismo “faliu” em diversos lugares e ainda dentro da própria URSS.


As suas condições de efetivação não eram, nem de longe, as melhores.

Não estou menosprezando os avanços que este sistema promoveu, caro


aluno, pois houve, sim, conquistas notáveis. O ponto ao qual queremos
chegar são as consequências de tais conquistas. A perda do que nós,
educadores, chamamos de “humanidade” é um fator que qualquer Estado
precisa considerar quando toma decisões que, teoricamente, deveriam
ser para o bem geral.
262 UNIUBE

AGORA É A SUA VEZ

Caro aluno, como você sabe, é impossível esgotar o tema em tão poucas
linhas. Por isso, é de grande importância que você procure leituras mais
aprofundadas.

Procure saber mais sobre as implicações da globalização, sobre as mudanças


do paradigma socialista e sobre como tudo isso se liga e reflete ao seu
cotidiano.

Escolha algum aspecto que lhe chame mais atenção e adquira mais conheci-
mento.

Bons estudos.

Resumo
A Revolução Russa promoveu uma notável mudança de mentalidade,
mas o socialismo advindo dela era “singular”. E quando experiências
singulares são estendidas a outros contextos, fatalmente não funcionam
da maneira qual deveriam. A situação na URSS exigiu uma forma de
controle extremamente rigorosa, para não dizer brutal. E sua expansão
promoveu a criação de mais uma classe de eventos que, de tão singula-
res, desafiam até mesmo os mais renomados especialistas na criação de
teorias que expliquem os sucessos e insucessos do Socialismo. O certo
é que o Socialismo não conseguiu acompanhar a dinâmica econômica
do Capitalismo e, pior, não conseguiu nem mesmo superar seus entraves
burocráticos e o problema da falta de liberdade democrática.

Não há como analisar a situação interna sem levar em conta o contexto


histórico no qual ela foi criada e inserida (no caso, a história da Rússia).
E ainda há que se considerar os fatores externos (a política internacional,
as estruturas de poder e os eventos que fogem ao controle do Estado).
Some a isso à dinâmica das convicções internas do sujeito histórico, os
recursos existentes e uma gama de outras subjetividades. Ser historiador
não é fácil, companheiro.
UNIUBE 263

A queda da União Soviética, caro aluno, desarticulou as relações interna-


cionais, a política e o pensamento de uma vasta gama de intelectuais.
Mais do que a simples queda de um governo, foi uma crise de paradig-
mas. É isso que você deve compreender.

E perceba que este mundo “pós-URSS”, no entanto, é marcado pela crescente


desigualdade entre países ricos e pobres, pelo agravamento dos problemas
ambientais e pela tolerância (ou indiferença, escolham o termo) diante dos
mais diversos modos de violência. A reforma de diversas organizações interna-
cionais (como a ONU) não significa, terminantemente, alguma evolução em
termos de democratização. O Capitalismo “vende” não apenas produtos, mas
modos de vida. E o sistema econômico no qual o Capitalismo se estrutura
dificilmente sobreviveria sem a existência de diferenças de classes.

Reflita sobre isso.

Atividades

Atividade 1

Agora que você leu o texto, vamos aprofundar seus conhecimentos?


Proponho que faça uma pesquisa sobre os líderes soviéticos, a seguir
indicados, traçando um paralelo entre eles. Em que se aproximaram ou
se afastaram em sua ideologia ou em seu governo?
• Lênin (Vladimir Illitch Ulianov), Leon Trotsky, Josef Stalin, Nikita
Kruschev, Leonid Brejnev, Mikhail Gorbatchev.

Atividade 2

Os 45 anos que vão do lançamento das bombas atômicas até o fim da


União Soviética, não foram um período homogêneo único na história do
mundo. (...) dividem-se em duas metades, tendo como divisor de águas o
início da década de 70. Apesar disso, a história deste período foi reunida
sob um padrão único pela situação internacional peculiar que o dominou
até a queda da URSS.

(HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos. São Paulo: Cia das Letras,1996)
264 UNIUBE

O período citado no texto e conhecido por “Guerra Fria” pode ser definido
como aquele momento histórico em que houve

(A) corrida armamentista entre as potências imperialistas europeias


ocasionando a Primeira Guerra Mundial.
(B) domínio dos países socialistas do Sul do globo pelos países
capitalistas do Norte.
(C) choque ideológico entre a Alemanha Nazista / União Soviética
Stalinista, durante os anos 30.
(D) disputa pela supremacia da economia mundial entre o Ocidente
e as potências orientais, como a China e o Japão.
(E) constante confronto das duas superpotências que emergiram da
Segunda Guerra Mundial. (*) Enem 1999.

Atividade 3

Dentre as características do desenvolvimento industrial da ex-URSS,


podemos destacar:

a) a inexistência de qualquer planificação;


b) o crescimento relativamente lento da produção industrial;
c) o predomínio das indústrias de equipamento;
d) o predomínio da mão de obra feminina;
e) a predominância das indústrias de consumo.

Referências

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Acesso em: 30 nov. 2007.
Capítulo
A fluidez das relações na
sociedade contemporânea:
7
a pós-modernidade
Carolina Rocha de Carvalho

Introdução
“O novo valor atribuído ao transitório, ao fugidio e ao efêmero,
a própria celebração do dinamismo, revela um anseio
por um presente estável, imaculado e não corrompido”

Jürgen Habermas

Conceituar exatamente a pós-modernidade é uma tarefa bastante


árdua; afinal, a pós-modernidade se caracteriza pela fluidez dos
conceitos, regras, modos de vida e explicações sobre as diversas
questões que envolvem o mundo contemporâneo.

Para tentar estabelecer parâmetros em relação a esse conceito na


busca pela compreensão das relações sociais, culturais, econômi-
cas e individuais da pós-modernidade, iremos, inicialmente, levantar
alguns pensadores que inspiraram as principais correntes filosófi-
cas que, ao longo do tempo, amplia-
ram os conceitos que originaram a Vertente ideológica
essência dessa vertente ideológica
O termo “vertente
contemporânea. Além disso, buscare- ideológica” foi grifado
mos alguns fatos importantes que no texto em função de
que a pós-modernidade
marcaram o mundo e que transforma- não se caracteriza como
ram as configurações sociais, urbanas uma ideologia, mas,
sim, como parte de um
e culturais da sociedade moderna. comportamento que, no
texto, similarmente, nos
remete a conceitos que se
assemelham a ideologias.
268 UNIUBE

A partir daí, faremos um estudo panorâmico sobre a gênese do que


chamamos de pós-modernidade analisando, historiograficamente,
os reflexos e as nuances que a pós-modernidade proporciona em
vários segmentos socioculturais da sociedade contemporânea.
Entre esses fatores socioculturais, iremos destacar as principais
características da pós-modernidade nas artes, na economia, na
sociedade, na cultura e entre outros...

Para encerrarmos o estudo do tema “Pós-Modernidade”, faremos


uma análise das principais consequências que surgiram a partir das
mudanças ocorridas no mundo contemporâneo a partir da alteração
dos paradigmas socioculturais da sociedade moderna e encerrare-
mos este capítulo com alguns questionamentos para serem respon-
didos, após uma pesquisa relacionada ao tema estudado.

Objetivos
Ao final do presente capítulo, você deverá se tornar capaz de:
• compreender as mudanças comportamentais e sociais so-
fridas, principalmente, pela sociedade ocidental, após o ad-
vento da globalização;
• explicar como as alterações das configurações econômi-
cas alteraram o comportamento social do homem con-
temporâneo;
• analisar de que maneira as novas configurações sociocultu-
rais da contemporaneidade afetam diretamente a vida das
pessoas;
• identificar as mudanças do pensamento filosófico que resul-
taram na configuração contemporânea do conceito de pós-
-modernidade.

Esquema
7.1 Construção e Estruturação da Sociedade Contemporânea
7.2 Arte Pós-moderna
UNIUBE 269

7.3 História e Pós-modernidade


7.4 Política e Pós-modernidade
7.5 Religião e Pós-modernidade
7.6 Conclusão

7.1 Construção e Estruturação da Sociedade Contemporânea

7.1.1 Síntese da evolução do pensamento histórico para o mundo


globalizado

Relacionamos, a seguir, uma série de filósofos que marcaram o proces-


so de transição da modernidade para a pós-modernidade. É importante
estabelecer relações entre esses autores na medida em que o pensamen-
to ocidental, tal qual nos é familiar hoje, foi marcado pelo surgimento e
pela incorporação de novas ideias, ideologias e símbolos na busca pela
compreensão e análise de um mundo em que o “novo” sempre esteve
em constante transformação e desenvolvimento.

Essas mudanças na práxis social e cultural do mundo sempre estiveram


atreladas à necessidade humana de buscar a compreensão e o entendi-
mento do meio que o cercava. Nessa busca, a tentativa de esquematizar
o mundo social, através de narrativas linguísticas e filosóficas, sempre
esteve presente na história cultural das sociedades humanas. Em relação
a essa necessidade, destacamos:

O conhecimento humano é o produto historicamente


contingente de práticas linguísticas e sociais de determi-
nadas comunidades locais de intérpretes, sem nenhuma
relação mais próxima com uma realidade não-histórica
independente. Como a vida humana é linguisticamente
pré-estruturada, ainda que diversas estruturas da lingua-
gem não tenham nenhuma conexão demonstrável com
uma realidade independente, a mente humana jamais
poderá reivindicar acesso a qualquer realidade a não
ser determinada por sua forma local de vida. A lingua-
gem é uma “gaiola”. Além do mais, o próprio significado
linguístico pode mostrar-se instável em essência, porque
os contextos que determinam esse significado jamais
270 UNIUBE

são fixos e sob a superfície de todo texto aparentemente


coerente pode-se encontrar uma variedade de signifi-
cados incompatíveis. Nenhuma interpretação de texto
pode reclamar autoridade definitiva porque o que está
sendo interpretado inevitavelmente contém contradições
ocultas que prejudicam sua coerência. Assim, é impossí-
vel determinar qualquer significado, não existe um
“verdadeiro” significado. Não se pode afirmar nenhuma
realidade primordial subjacente que sirva de base para
as tentativas de representar-se a verdade. Os textos
referem-se apenas a outros textos, em uma regressão
infinita, sem nenhum fundamento seguro em algo exterior
à linguagem. Jamais se pode fugir do “jogo de signifi-
cantes”. A multiplicidade das incomensuráveis verdades
humanas expõe a derrota do pressuposto convencional
de que a mente humana avança e está cada vez mais
próxima da apreensão da realidade. Não se pode afirmar
nada com certeza a respeito da verdade, a não ser que,
segundo as palavras de Richard Rorty: “O que dizem
nossos companheiros nos deixará de fora”. (TARNAS,
1999, p. 426).

Essa descrição nos traz uma análise de como a humanidade recorre


aos recursos linguísticos e narrativos na busca pela compreensão
do ambiente que cerca a sociedade. A partir deste trecho, podemos
perceber que toda a estrutura ideológica e filosófica das sociedades
se desenvolveu a partir do aprimoramento linguístico e dos modos de
narrativa na intenção de buscar explicações para as coerências e as
contradições vividas pelas sociedades humanas.

Atualmente, vivemos um momento muito especial no que diz respeito às


formas narrativas e linguísticas que se fazem presentes na sociedade
contemporânea, pois, a contemporaneidade nos fornece uma fluidez de
pensamentos, verdades e teorias que não foram vividas pelas sociedades
que nos antecederam temporalmente.

Essa fluidez presente nas ações, nos pensamentos e na moral das


sociedades contemporâneas é a consequência de um processo de
amadurecimento e desenvolvimento lógico-linguístico das sociedades
que nos antecederam. Vale ressaltar aqui que não estamos qualificando
como melhor ou pior essas mudanças de paradigma. Estamos, apenas,
ressaltando as consequências dessas mudanças.
UNIUBE 271

Com o objetivo de compreendermos um pouco melhor a maneira como


se desenvolveram essas mudanças paradigmais e linguísticas, analisa-
remos, resumidamente, as principais características dos conceitos ideoló-
gicos desenvolvidos por teóricos e filósofos que contribuíram para o
estabelecimento e desenvolvimento da conduta e postura pós-moderna,
tal qual conhecemos hoje.

IMPORTANTE!

Vale lembrar que os pensadores mencionados a seguir não são os únicos


que deram sua parcela de contribuição para a formação da conduta social,
moral e intelectual da contemporaneidade. Entretanto, em função da limita-
ção de espaço aqui disponível, omitiremos alguns dos importantes nomes
que revolucionaram o pensamento ocidental. Por isso, você deve realizar
um estudo, mais minucioso, sobre este assunto e os autores que analisaram
e desenvolveram algumas das importantes teorias sociais da modernida-
de, pois o conhecimento dessas teorias é extremamente importante para a
compreensão do mundo em que vivemos.

• Leibniz = o autor introduz a noção de causas eficientes que determi-


nam o modo de agir dos seres humanos. Essas causas têm relação
com o corpo e seus atos dele emanados.

Além dessa ideia, Leibiniz dispõe as causas finais que podem ser
relacionadas às inclinações e tendências da alma, presentes e
passadas, e que conduziriam o agir presente. Na teoria explanada
por esse filósofo, podemos encontrar uma série de motivos que
explicam o surgimento de desejo singular para os indivíduos de
uma sociedade. Para ele, todas as escolhas feitas tornam-se
determinantes da ação e, por isso, são plausíveis e legítimas.

Nesse sentido, parece cair por terra a noção de ação livre mas, na
verdade, acontece o contrário. Leibniz acredita na ação livre, se ela
for ao mesmo tempo ‘contingente, espontânea e refletida’. É a partir
das análises feitas por esse filósofo que começam a ser redefinidos
os pensamentos e as crenças em uma Verdade única e imutável.
272 UNIUBE

• John Locke = esse teórico foi responsável pela criação de um


princípio econômico bastante importante para a economia moderna,
ele fundou o princípio do Liberalismo. Nesse conceito, todos os
homens são iguais e livres para agir e pensar, desde que não
prejudique qualquer outro indivíduo. Por meio desse fundamento,
ele justificou a propriedade propriedade privada e declarou que o
mundo natural é propriedade comum e que qualquer homem pode
se apropriar de uma parte dele desde que misture seu trabalho com
os recursos naturais.

Apesar de defender a igualdade entre os homens, esse filósofo


defendia a escravidão absoluta e perpétua. Justificava essa afirma-
ção com base na ideia de só considerar Humano os homens livres.

• Descartes = esse teórico afirma que a Verdade só pode ser conheci-


da por meio da aplicação de um método racional e científico que
comprove sua realidade, à medida que os sentidos e os sentimentos
podem confundir o Homem que se propõe a descobrir a realidade do
mundo. É a partir desse pensamento que Descartes vai promover
uma ruptura entre a mente e a matéria e, assim, revolucionar o
pensamento contemporâneo relacionado à necessidade de compro-
vação e determinação científica para as respostas do mundo que
nos cercam. Houve, a partir daí, uma necessidade de comprovação
de todo pensamento humano, seja ele científico, moral ou religioso:
nada mais estaria ileso das comprovações metódicas propostas pela
teoria cartesiana.

• Voltaire = esse pensador introduz na filosofia moderna a noção


de que a sociedade deveria se submeter integralmente ao domínio
da lei. Para ele, esse pensamento se baseava na noção de que o
poder devia ser exercido de maneira racional e benéfica e, por isso,
ser guiado pela legislação.

Notamos, aqui, que, a partir desse pensamento, o uso do sistema


de Direito passou a ser relacionado à questões políticas e de
Estado, tornando-se manobra política de dominação e contenção
de pessoas “fora da lei”.
UNIUBE 273

• Immanuel Kant/ Arthur Schopenhauer = para constituir seu


sistema teórico, o filósofo Arthur Schopenhauer partiu de um dos
princípios fundamentais da teoria de Immanuel Kant: tudo que sei
do mundo é, de início, a minha representação. Por essa premis-
sa, podemos entender que as coisas presentes no mundo só são
passíveis de se tornarem cognoscentes a partir do momento em que
se apresentam como dados da consciência de cada indivíduo. Não
há meios de saber como essas “coisas” se apresentam fora dessa
consciência individual, concluiria Kant. Assim, não há solução para
as coisas fora dessa consciência. Até esse ponto, Schopenhauer
partilha o pensamento de Kant e acrescenta uma ideia que colocava
o mundo, na sua essência, independente da consciência de cada
indivíduo. Para ele, todas as “coisas” relacionadas ao mundo são
apenas representação da VONTADE. O mundo “em si” é vontade
e, para nós, é só representação. Essa análise se torna passível
de conhecimento posto que o Homem não é só consciência, mas,
também, “corpo” e “coisa” entre “coisas” e “corpos”. “Como todas as
coisas, meu corpo é-me dado como coisa qualquer e nesse caso
ele nada é senão mais um ‘fenômeno’ exterior, dado pelos sentidos
e aprendido nas formas da minha consciência”, ideia que retira o
Homem como ser motriz do mundo e o coloca em pé de igualdade
com outras ‘coisas’ físicas e metafísicas, com a Natureza.

• August Comte = a filosofia positiva de Comte nega que a explica-


ção dos fenômenos naturais, assim como sociais, provenha de um
só princípio. A visão positiva dos fatos abandona a consideração
das causas dos fenômenos (deus ou natureza) e torna-se pesquisa
de suas leis, vistas como relações abstratas e constantes entre
fenômenos observáveis. Assume o papel dentro da historiografia
de apenas creditar em fatos e documentos devidamente institucio-
nalizados e legitimados.

• Friederich Nietzsche = este filósofo almejava se tornar grande


“desmascarador” de todos os preconceitos e ilusões do gênero
humano: aquele que se atreveu a olhar, sem temor, aquilo que
se esconde por trás de valores universalmente aceitos, por trás
das grandes e pequenas verdades melhor assentadas, por trás
dos ideais que serviram de base para a civilização e nortearam o
rumo dos acontecimentos históricos. E, assim, a moral tradicional
274 UNIUBE

e, principalmente, esboçada por Kant, a religião e a política não são


para ele nada mais que máscaras que escondem uma realidade
inquietante e ameaçadora, cuja visão é difícil de suportar. A moral,
seja ela kantiana ou hegeliana, e até a catharsis aristotélica são
caminhos mais fáceis de serem trilhados para se subtrair à plena
visão autêntica da vida.

• Jean Paul Sartre = filósofo precursor do Existencialismo. Podemos


identificar esta como sendo uma corrente filosófica e literária que enfati-
za a liberdade individual e a subjetividade de cada ser humano e que
coloca o Homem como responsável pelos seus atos e pensamentos.

Sartre teve influência, em sua obra, das ideias de pensadores como


Schopenhauer, Kierkegaard, Dostoiévsk, Nietzsche, Husserl e
Heidegger. Os mais importantes princípios da filosofia existencia-
lista são expostos, principalmente, na obra “O Existencialismo é um
humanismo”.

• Michel Focault = suas obras, desde a História da Loucura até a


História da sexualidade, situam-se dentro de uma filosofia do conheci-
mento. Suas teorias sobre o saber, o poder e o sujeito romperam
com as concepções modernas destes termos - motivo pelo qual é
considerado por certos autores, contrariando a sua própria opinião
de si mesmo, um pós-moderno. Foucault trata principalmente do
tema do poder, rompendo com as concepções clássicas deste termo.
Para ele, o poder não pode ser localizado em uma instituição ou
no Estado, o que tornaria impossível a “tomada de poder” propos-
ta pelos marxistas. O poder não é considerado como algo que o
indivíduo cede a um soberano (concepção contratual jurídico-políti-
ca), mas, sim, como uma relação de forças. Ao ser relação, o poder
está em todas as partes, uma pessoa que está atravessada por
relações de poder, não pode ser considerada independente delas.
Para Foucault, o poder não somente reprime, mas também produz
efeitos de verdade e saber, constituindo verdades, práticas e subjeti-
vidades. Para analisar o poder, Foucault estuda o poder disciplinar
e o biopoder, e os dispositivos da loucura e da sexualidade. Para
isso, em lugar de uma análise histórica, realiza uma genealogia, um
estudo histórico que não busca uma origem única e causal, mas que
se baseia no estudo das multiplicidades e das lutas.
UNIUBE 275

O surgimento dessas teorias e configurações filosóficas sempre


esteve atrelado às novas necessidades sociais ou, até mesmo,
provocaram novas configurações sociais. Fato é que, em função
das ideologias, ou atreladas a elas, novos sistemas sociais e
organismos ideológicos, que figuram nas sociedades, tiveram seu
curso alterado, desenvolvido ou reconfigurado.

Em função disso, explicitaremos, a seguir, alguns dos importantes


acontecimentos sociais e ideológicos que alteraram as configu-
rações morais, sociais e econômicas das sociedades ocidentais,
principalmente:

• Iluminismo = foi uma corrente ideológica, de meados do século


XVII, ligada ao pensamento e ascensão da classe burguesa
nas sociedades capitalistas. Teve como principais pensadores
e elaboradores filósofos como Diderot, Espinoza e Voltaire que
elaboraram suas teses de acordo com o axioma liberal, segundo o
qual pregava um Estado forte e centralizado.

Podemos afirmar que a sustentação das políticas burguesas, o


desenvolvimento da técnica e da ciência, bem como o abandono
da sombra religiosa pregada pela Igreja Cristã revolucionaram o
comportamento das sociedades burguesas que retomaram padrões
estéticos e culturais da “Antiguidade Clássica”, tornando-se o
grande alicerce do pensamento moderno. No contexto iluminista, a
Razão representa a renúncia ao Instinto e a considera como única
fonte libertar o Homem do seu jugo à Natureza;

• Revolução Francesa = a Revolução Francesa representou, sem


sombra de dúvida, a grande revolução dos tempos modernos.
As forças sociais e morais que sustentavam o mundo antigo não
suportaram as mudanças ocorridas no interior da sociedade france-
sa. A classe emergente, chamada de burguesia, passou a ter mais
controle dos meios de produção e de capital do que classes já
estabelecidas no poder naquela ocasião – aristocracia, nobreza e
clero. Esse fator provocou uma recomposição dos setores sociais
que atuavam nas esferas de poder. As fábricas, a migração do
campo, crescimento das cidades e toda movimentação social
determinavam a derrocada do Antigo Regime Francês, consideran-
276 UNIUBE

do-o obsoleto, ineficiente e exclusivista. É importante salientar que a


Revolução Francesa alterou toda a estrutura moral e social que, até
então, estavam em voga promovendo conceitos como a igualdade,
a liberdade e a fraternidade. (Isso, obviamente, entre “iguais”);

• Revolução Industrial = a Inglaterra foi o berço da Revolução


Industrial em função de, historicamente, ter sido beneficiada
pelas práticas mercantilistas e, também, por ser a primeira nação
europeia a fazer uma Revolução que se ajustasse a essa nova
composição social. O desenvolvimento de máquinas, transporte
e quase todos os meios de produção transformaram a paisagem
das cidades. Essa nova configuração social foi responsável pela
formação da classe operária que protagonizaria, nos séuclos XIX
e XX, grandes acontecimentos sociais;

• Guerra Fria = com a queda dos regimes totalitários na Europa, durante


o século XX, o mundo se dividiu em dois grandes blocos: capitalistas
e comunistas. A universalização desses conceitos foi amplamente
divulgada e transformou as características sociais do mundo. Nesse
momento, o mundo estava dividido em grandes blocos econômicos
compostos por socialistas (liderados pela URSS) e capitalistas (lidera-
dos pelos EUA) e que tinham como principal objetivo a ampliação de
suas “teses econômicas” numa escala global e, para isso, não mediam
esforços econômicos e militares. Em função dessa intensa disputa de
poder entre países e após o segundo grande conflito mundial, novas
organizações de cunho militar universal, como a OTAN e a ONU,
foram criados com o objetivo de controlar os nacionalismos - principais
causadores das guerras imperialistas do século XX;

• Globalização = processos de aprofundamento da integração econômi-


ca, social, cultural e política, a partir do barateamento dos meios de
transporte e comunicação entre os países do mundo todo, no final
do século XX e início do século XXI. Foi um fenômeno germinado na
necessidade de criação de uma aldeia global que permitiria maiores
ganhos para os mercados internos que já estavam saturados. A rigor,
as sociedades do mundo estão em processo de globalização desde o
início da História. Mas o processo histórico a que se denomina globali-
zação é bem mais recente, datando (dependendo da conceituação
e da interpretação) do colapso do bloco socialista e o consequente
UNIUBE 277

fim da Guerra Fria (entre 1989 e 1991), do refluxo capitalista com


a estagnação econômica da URSS (a partir de 1975) ou ainda do
próprio fim da Segunda Guerra Mundial. As principais característi-
cas da globalização são a homogeneização dos centros urbanos, a
expansão das corporações para regiões fora de seus núcleos geopolí-
ticos, a revolução tecnológica nas comunicações e na eletrônica, a
reorganização geopolítica do mundo em blocos comerciais (não mais
ideológicos), a hibridização entre culturas populares locais e uma
cultura de massa universal, entre outros;

• Niilismo = depois de caracterizar-se, sumariamente, a partir de


Nietzsche e Heidegger, a contemporaneidade é marcada pelo niilis-
mo, conceito que coloca a ética e a moral em uma grave crise.
Atualmente, o termo niilismo assumiu uma centralidade mais
evidente como categoria interpretativa da situação histórica de
incerteza e precariedade do homem contemporâneo: “conhece
muito pouco nossa época quem não experimentou a enorme força
do nada e não foi tentado por ela”. Niilismo indica o vazio que
se apresenta na sociedade, após o declínio do Deus da tradição
metafísico-teológica cristã, que pregava todas as certezas morais,
éticas e sociais e, além disso, a consequente dramatização da fé
no sentido do existir e no valor do agir.

7.1.2 Os elementos sociais na pós-modernidade

A segunda metade do século XX assistiu a um processo de mudanças na


história do pensamento e da técnica de produção econômica. Ao lado da
aceleração avassaladora nas tecnologias de comunicação, de artes, de
materiais e de genética, ocorreram mudanças paradigmáticas no modo de
se pensar a sociedade e suas instituições. Se, na modernidade, os pilares
fundamentais são a crença na Verdade alcançada por meio da Razão e a
linearidade histórica culminando rumo ao progresso; na pós-modernidade,
há uma substituição de dogmas sociais e a proposição de novos valores
morais, menos fechados, menos conservadores e menos categorizantes.

Segundo Reis (2005, p.73):

A pós-modernidade desconstrói, deslegitima, deslem-


bra, desmemoriza o discurso da ‘Razão que governa
278 UNIUBE

o mundo’. O conhecimento histórico pós-estruturalista


aborda um mundo humano parcial, limitado, descentrali-
zado, em migalhas.

Esse processo inicia-se com a passagem das relações de produção


industriais para as pós-industriais, que são aquelas baseadas fundamen-
talmente em serviços e trocas de bens simbólicos ou abstratos, como a
informação e a circulação de “dinheiro” nos caminhos virtuais da especu-
lação financeira.

Essa nova forma de economia tem como principal requisito a amplitude


de mercados consumidores e, por isso, a necessidade de expansão
comercial para além das fronteiras territoriais nacionais. Entretanto, as
relações de produção aconteciam de forma desigual entre alguns países,
visto que a realidade econômica de alguns países ainda é muito diferente
da realidade de outros países.

Isso significa dizer que, desde o início desse processo de globaliza-


ção, a organização das relações de produção não aconteceram e não
acontecem de forma homogênea em todas as partes do mundo. Por
exemplo, não podemos comparar as economias altamente tecnológicas
e desenvolvidas, no sentido da especulação financeira da Inglaterra, EUA
e França, com as frágeis economias dos países africanos que ainda são
amplamente agrários e onde a miséria se faz presente cada dia.

Apesar dessa desigualdade, desde a década de 1980, desenvolve-se um


processo de construção e elaboração de uma cultura em nível global que
está atrelada à necessidade de expansão de mercados e economias. Ou
seja, esse novo contexto histórico não está relacionado apenas à amplia-
ção da cultura de massa - já desenvolvida e consolidada desde meados
do século XX - mas também está ligada à construção de um verdadei-
ro sistema mundial de cultura que acompanha um sistema político e
econômico resultante das relações de mercado, tecnologia e informação.

Nesse contexto, podemos afirmar que a pós-modernidade é uma tentati-


va de mesclar valores ligados à multiplicidade de culturas que resulta na
fragmentação de conceitos morais e na desreferencialização e entropia
ideológica, na medida em que, para abarcar todo o mercado consumidor
disponível, as sociedades, de modo geral, tiveram que aceitar esse processo
de miscigenação de todos os estilos, estéticas, culturas, moral e ideologias.
UNIUBE 279

Devemos salientar que aquilo que se constitui como “Crise da Represen-


tação” é um fenômeno que tem sua origem na desestabilização, a partir
do processo de globalização, dos referenciais que norteavam, até então,
o pensamento do Homem como indivíduo de diferentes maneiras em
diversas sociedades. Há, na contemporaneidade, uma crise ética, estética
e moral, pois os padõres que determinavam a representação da realidade
não existem mais de maneira uniforme e coerente, tal qual se apresenta-
vam há 40 ou 50 anos atrás.

A pós-modernidade tem entre suas principais características estar relacio-


nada à policultura, à multiplicidade de estilos e à hiperinformação. Essas
características servem ao propósito de montar uma rede inclusiva de
consumidores, tanto no nível macro (global) quanto no nível micro (socieda-
des e segmentos específicos). Para que esse objetivo se efetive satisfa-
toriamente, são utilizados meios audiovisuais e midiáticos que ampliam
a capacidade de atingir, mais profundamente, os sentidos sensoriais dos
indivíduos resultando numa potencialização da capacidade de transmissão
da mensagem e da visão de realidade que se quer passar.

Fazendo um contraponto entre a mídia contemporânea, relacionada


com a internet, a TV e o rádio e com as outras formas de exposição
de ideologia como a literatura, a música e a poesia, podemos perceber
que as últimas requerem um maior potencial de abstração, reflexão e
interação lógica com o intelecto para serem aborvidas, ao passo que as
primeiras são apreendidas de forma rápida e simplista.

Outra questão que devemos nos atentar é em relação à estética cotempo-


rânea. Existem diferenças fundamentais entre a estética pós-moderna e
qualquer outro tipo de conceito estético anterior ao período mencionado.
Por exemplo, ao contrário dos modernistas que buscavam o novo, a
ruptura e a vanguarda; os pós-modernos não se prendiam à inovação
em sentido nenhum. A repetição de formas não só era tolerada como
também encorajada.

Isso nos leva à conclusão que não há a possibilidade de se falar em um


“estilo pós-moderno” ou “movimento pós-moderno” visto que, se assim
o conceituássemos, estaríamos admitindo um nível organizacional e
de articulação que simplesmente não existe entre esses produtores de
estética contemporânea que, apesar de terem inúmeras possibilidades
de se comunicar mundialmente, não o fazem em função da dificuldade
de encontrar uma unicidade formal que regule a “ideologia pós-moderna”.
280 UNIUBE

As similaridades estéticas são produzidas em razão das condições de


produção e de circulação, dado que os efeitos da globalização produzem
a homogeneização das relações e dos hábitos de consumo. Portanto, a
entropia pregada pelo pós-modernismo diz respeito ao fim da proibição e a
admissão de todo e qualquer conceito que caiba no mercado consumidor.

7.1.3 Os diferentes conceitos e visões sobre a pós-modernidade

Neste capítulo, faremos uma síntese simplificada dos conceitos formula-


dos pelos principais pensadores da pós-modernidade na intenção de
promover um painel ideológico e apresentar-lhes os diferentes modos
de pensar sobre o mesmo assunto.

Vamos definir, aqui, a pós-modernidade como sendo a condição sociocul-


tural e estética do capitalismo contemporâneo, também chamado de
pós-industrial ou financeiro. É um termo que se tornou de uso corrente,
embora haja controvérsias quanto ao seu significado e aplicação.

Segundo um dos pioneiros no uso do termo, o francês François Lyotard,


a “condição pós-moderna” se caracteriza pelo fim das metanarrativas. Os
grandes esquemas explicativos teriam perdido o valor e não haveria mais
“garantias”, posto que mesmo a “ciência” já não poderia ser considerada
como a fonte da verdade.

Para o crítico marxista norte-americano, Fredric Jameson, a Pós-Moderni-


dade é a “lógica cultural do capitalismo tardio”, correspondente, portanto,
à terceira fase do capitalismo.

O sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, um dos principais popularizadores


do termo Pós-Modernidade, enxerga esse contexto como forma póstuma
da modernidade. Atualmente, prefere usar a expressão “modernidade
líquida” - uma realidade ambígua, multiforme, na qual, como na clássica
expressão marxiana, “tudo o que é sólido desmancha no ar”.

O filósofo francês Gilles Lipovetsky, prefere o termo “hipermodernidade”. Ao


considerar não ter havido de fato uma ruptura com os tempos modernos,
como o prefixo “pós” dá a entender. Considera que os tempos atuais são
“modernos”, mas que há uma exarcebação das características essencial-
UNIUBE 281

mente modernas, tais como o individualismo, o consumismo, a ética hedonis-


ta, a fragmentação do tempo e do espaço.

Já o filósofo alemão, Jürgen Habermas, considera que o conceito de


Pós-Modernidade estaria relacionado a tendências políticas e culturais
neoconservadoras, determinadas a combater os ideais iluministas.

Para auxiliar nossa busca por definições sobre esse tema, vamos recorrer
à seguinte análise:

O que é chamado de pós-moderno varia bastante


segundo o contexto; contudo, em sua forma mais geral
e difusa, podemos considerar o espírito pós-moderno
como sendo um conjunto de atitudes abertas e indeter-
minadas que foi moldado por uma grande diversidade de
correntes intelectuais e culturais: pragmatismo, existen-
cialismo, marxismo, psicanálise, feminismo, hermenêuti-
ca, desconstrução e a filosofia pós-empirista da Ciência
– para mencionar algumas das mais proeminentes.
Desse turbilhão de tendências e impulsos imensamen-
te desenvolvidos, muitas vezes divergentes, emergiram
alguns princípios funcionais compartilhados pela maioria
deles. Há uma avaliação da plasticidade e da mudança
constante da realidade e do conhecimento, uma ênfase
na prioridade da experiência concreta sobre os princí-
pios abstratos fixos e uma convicção de que nenhum
sistema de pensamento axiomático deva reger a crença
ou a investigação. Admite-se que o conhecimento humano
é subjetivamente determinado por uma imensidão de
fatores; que as essências objetivas, ou as coisas em si
mesmas, não são nem acessíveis, nem postuláveis; e que
o valor de todas as verdades e pressuposições devem
estar sempre sujeitos ao teste direto. A busca decisiva
pela verdade está obrigada a ser tolerante em relação à
ambiguidade e ao pluralismo; seu resultado necessaria-
mente será um conhecimento relativo e falível, em vez de
absoluto e seguro. (TARNAS, 1999, p. 422-423).

Como podemos perceber, entre as definições conceituadas por diversos


autores, a principal característica determinada pela pós-modernidade é
a fluidez e a transitoriedade de conceitos, regras e ações. A partir destas
semelhanças, trabalharemos os conceitos de pós-modernidade em
relação à Arte, à Economia, à História, à Política e à Religião.
282 UNIUBE

7.2 Arte Pós-moderna

Existem ainda muitas controvérsias no que se refere ao início da arte


pós-moderna. A maioria dos autores que discutem o assunto costuma
localizar o início da pós-modernidade artística a partir da segunda metade
do século XX, mais especificamente entre as décadas de 1960 e 1970.

A partir desse momento, é possível perceber algumas diferenças no que


diz respeito às formas e ao conteúdo trabalhado pela arte a partir da primei-
ra metade do século XX, período denominado como Modernismo. Com
isso, busca-se uma forma de melhor compreendermos a arte pós-moderna
em contraponto com a arte produzida pela contemporaneidade.

Uma das características mais marcantes da arte moderna era a busca


pelo ideal de vanguarda artística. Os artistas conduziam sua arte a partir
do compromisso de buscar constantemente o novo, colocando-se sempre
à frente do resto da sociedade ou da cultura até então produzida por ela.
A intenção era buscar um novo caminho que se tornaria um modelo a ser
seguido; uma nova forma ideológica de “fazer arte”.

O sociólogo Zygmunt Bauman, em seu livro “O mal-estar da pós-moderni-


dade”, nos fornece uma comparação bastante interessante sobre essa
necessidade de vanguarda dos modernistas:

Avant-garde significa, literalmente, vanguarda, posto


avançado, ponta-de-lança da primeira fileira de um
exército em movimento: um destacamento que se move
na frente do corpo mais importante das forças armadas
– mas permanece adiante apenas com o fim de
preparar o terreno para o resto do exército. (BAUMAN,
1998, p. 121).

Uma das principais características do artista moderno foi sua criticidade


em relação ao mundo e, até mesmo, à modernidade que o cercava. Esta
posição transmitia sua postura de vanguarda a partir de uma tentativa
de se colocar além da modernidade na busca por derrubar todos os
paradigmas e amarras que criavam um sentimento de “traição” causada
pelo mundo moderno, depois das promessas de bem-estar social e
cultural não cumpridas.
UNIUBE 283

Entretanto, todo esse movimento não aconteceu na intenção de edificarem


outro mundo, mas, sim, de promoverem, a partir de ideologias e crenças
arraigadas dentro da própria modernidade, novas formas e estilos. Sobre
essa condição Bauman argumenta:

Os modernistas engoliram o anzol, a linha, a chumbada


– e talvez com mais prazer do que todo o resto dos
homens e mulheres modernos -, os valores que a
mentalidade moderna açulou e a sociedade moderna
jutou servir. Eles também acreditavam firmemente na
natureza de sua época como vetor, convencidos de que
o fluxo do tempo tem uma direção, de que tudo o que
vem depois é também (ou tem de ser, deve ser) melhor,
enquanto tudo o que reflui para o passado é também
pior – atrasado, retrógrado, inferior. (BAUMAN, 1998,
p.122-123).

E o autor continua:

Os modernistas não travaram sua guerra contra a


realidade que encontraram em nome de valores alterna-
tivos e de uma visão de mundo diferente, mas em nome
da aceleração. (...).Eles podiam declarar e travar guerra
contra a realidade encontrada da vida moderna apenas
porque aceitaram em tudo suas premissas: confiaram
na natureza progressiva da história e acreditaram,
assim, que o aparecimento do novo torna o existente,
o legado e herdado redundantes, convertendo-os em
relíquias e privando-os do direito de persistir. (BAUMAN,
1998, p.123).

Essa postura vanguardista não era defendida apenas pelos artistas,


mas também incentivada e exaltada por diversos setores da sociedade
moderna que tinham interesses diferentes, mas que estavam abraçados
pela condição sociocultural da modernidade.

A burguesia industrial, por exemplo, desejava uma cultura que a represen-


tasse, ou seja, pelos vários ramos das ciências e suas recém-descober-
tas, (como a teoria da relatividade ou a psicanálise), a tecnologia e as
ciências, que encontrariam diálogo nos diversos “ismos” da modernidade:
o futurismo, o cubismo, o impressionismo, o surrealismo, entre outros...
284 UNIUBE

Os artistas modernos almejaram servir a modernidade, mas, as ideias e


as descobertas que surgiram na época, principalmente as científicas, não
eram de fácil assimilação ou aceitação, nem dos ramos sociais, como a
igreja e a política, nem da população de modo geral.

Esse repúdio, muitas vezes pessoal, por parte da sociedade, gerou


uma reação entre os artistas que influenciou a arte da época. Podemos
analisar essa passagem a partir de uma referência de Teixeira Coelho
inserida em seu livro Moderno pós-moderno:

Nessa situação de isolamento inicial e de oposição à


sociedade, o artista está a um passo de ver-se como
um herói da cultura, um herói da humanidade. Passo
por ele logo dado. Baudelaire assume-o de todo: o
artista é um herói. De início, um herói sem causa, ou
melhor, um herói cuja causa é ele mesmo, ou sua arte,
um herói cuja causa é a arte pela arte. Mais tarde no
século XX, será o herói do outro, o herói com causa,
quer dizer, o herói com causa social, o herói que luta
pela humanidade, ou pela justiça, ou pelo direito, ou
pelo progresso, por tantas coisas. De todo modo, é a
partir daí que se tem claramente a figura idealizada do
artista. (COELHO, 2005, p.41).

Teixeira Coelho, ainda citando o livro Le Spleen de Paris, de Baudelai-


re, sobre a questão do herói na modernidade, faz uma consideração
interessante:

Os “heróis” de seus curtos poemas são todos “homens


comuns”: a velha senhora na rua, o rapaz de olhos
baixos que precisa reunir toda a sua coragem para
entrar num bar, o vidraceiro, as multidões, as viúvas, o
saltimbanco, o pobre etc. Mas é óbvio, que o herói, o
herói real, o grande herói, é o dono desses olhos que
se debruçam sobre o vidraceiro e a velha senhora: o
escritor, o poeta, o artista da modernidade. O próprio
título do livro já aponta para isso: o spleen é uma
espécie de prostração nervosa que ataca o tipo blasé
habitante da metrópole. Só que não é qualquer um
que pode se dar ao luxo de ser blasé. Não o será o
vidraceiro, ou um saltimbanco ou a velha senhora, nem
o velho cão – mas, sim, o intelectual, o artista, ou ele
mesmo, o poeta. (COELHO, 2005, p.41).
UNIUBE 285

Além dessa autoimagem criada pelo artista em relação a si próprio, a leitura


do contexto a sua volta sobre seu trabalho criou uma postura paradoxal em
relação ao público que ora compreendia, ora não a arte moderna:

O paradoxo da vanguarda, portanto, é que ela tomou


como sucesso o signo do fracasso, enquanto a derrota
significasse, para isso, uma confirmação de que
estava certa. A vanguarda sofria quando o reconheci-
mento público era negado – mas ainda se sentia mais
atormentada quando a sonhada aclamação e o aplauso
surgiam finalmente. A justeza de suas próprias razões, e
o caráter progressista dos passos que estava dando, a
vanguarda media pela profundidade do seu isolamento
e pelo poder de resistência de todos os que ela planeja-
va converter. Quanto mais era vituperada e atacada,
mais se assegurava de que sua causa estava certa.
(BAUMAN, 1998, p.125).

A arte de vanguarda é empurrada aos seus limites sob essas condições,


criando uma estética de autodestruição:

A ação do artista na modernidade coloca-o constante-


mente à beira do abismo, de vários abismos. E às vezes
o artista mergulha no abismo de cabeça. Mas se o artista
procura alguma coisa, conscientemente ou não, é mais
o abismo em si do que o suicídio. No enfrentamento
do abismo – onde o artista pode se matar, e consigo
matar a arte: donde toda essa falação sobre a morte da
arte procurada ou provocada pela modernidade, esse
assassinato da arte como modo de eliminar as causas
da própria existência do artista - renova-se a heroicida-
de do artista, capaz de encarar até o suicídio que é o
mergulho na arte não exatamente como renúncia, mas
como paixão heróica. (COELHO, 1994, p.42 e 43).

A arte pela arte, a questão da linguagem e a estética final buscada


pela vanguarda esgotaram as possibilidades da arte como vinha sendo
executada. Surge, após esses acontecimentos, ainda que de uma
maneira nebulosa, uma nova forma de compreender as questões que
as vanguardas haviam deixado:

O universo do mundano se recusou a ser mantido a distân-


cia. Mas o fornecimento de locais para sempre novos
refúgios de um outro mundo estava finalmente esgotado.
286 UNIUBE

Pode-se dizer que as artes de vanguarda demonstraram


ser modernas em sua intenção, mas pós-modernas
em suas consequências (suas imprevistas, mas inevitá-
veis, consequências). (BAUMAN, 1998 e 2001, p.127).

Os artistas pós-modernos negaram a condição de vanguarda, não havia


mais sentido manter essa busca incessante e o caminho já trilhado não
mapeava um mundo tão iluminado quanto o pretendido inicialmente.
As novas experiências artísticas não surgiam para negar outras que
vieram antes. Agora, elas existiam sem exterminarem umas às outras
por meio da novidade. Mas, agora, arte e artistas teriam que conviver
com o poderoso mercado de arte que se formara:

Num cenário em que a sincronia toma o lugar da diacro-


nia, a copresença toma o lugar da sucessão e o presente
perpétuo toma o lugar da história, a competição domina
desde as cruzadas. Já não se fala de missões, de advoca-
cia, de profetização, de uma e única verdade firmada para
estrangular todas as pseudoverdades. Todos os estilos,
antigos e novos sem distinção, devem provar seu direito
de sobreviver aplicando a mesma estratégia, uma vez
que todos se submetem às mesmas leis que dirigem toda
a criação cultural, calculada – na frase memorável de
George Steiner – para o máximo impacto e obsolência
imediata. (Num mercado com excesso de oferta, a tarefa
mais urgente é atrair a atenção do cliente; uma segunda,
bem perto, vem a ser a tarefa de desocupar as pratelei-
ras do mercado para novos produtos que rapidamente
chegam). (BAUMAN, 1998 e 2001, p.127 e 128).

Mas, ainda assim, parece ficar uma pergunta: afinal o que é, ou como é
a arte pós-moderna? A próxima citação de Baumam tenta esclarecer a
questão:

As artes dos nossos dias, ao contrário, não se mostram


inclinadas a nada que se refira à forma da realidade social.
Mais precisamente, elas se elevaram dentro de uma
realidade sui generis, e de uma realidade autossuficiente
nesta. A esse respeito, as artes partilharam a situação da
cultura pós-moderna como um todo – que, como Jean
Baudrillard o imprimiu, é uma cultura de simulacro, não
de representação. A Arte, agora, é uma entre as muitas
realidades alternativas (e inversamente, a chamada
realidade social é uma das muitas artes alternativas), e
UNIUBE 287

cada realidade tem seu próprio conjunto de presunções


tácitas, de procedimentos e mecanismos abertamente
proclamados para sua autoafirmação e autenticação.
(BAUMAN, 1998 e 2001, p.129).

Como podemos perceber, a “alforria” alcançada pela arte pós-moderna


surge com um poder nunca sonhado pelos seus idealizadores da vanguar-
da moderna. Entretanto, o preço dessa liberdade é, muitas vezes, a falta
de conteúdo.

Essa “falta de conteúdo” está ligada à grande disponibilidade de ideolo-


gias, mercados, consumo e criatividade disponibilizadas pelo mundo
contemporâneo. Essa condição faz com que haja muita flexibilidade de
conceitos e técnicas artísticas trazendo, às vezes, pouca incorporação
conceitual e filosófica no que se refere à criação artística. Hoje, apesar
de toda liberdade possibilitada ao artista contemporâneo, o mercado
consumidor é quem dita as regras e conceitos da nova arte, despreocu-
pada com a vanguarda e a conceptualização.

Sobre esse aspecto, que destrona princípios profundos para a existência


da arte e sua validação, comum à arte contemporânea, podemos nos
atentar ao trecho de Bauman:

Como sugere Baudrillard, a importância da obra de arte


é medida, hoje, pela publicidade e notoriedade (quanto
maior a plateia, maior a obra de arte). Não é o poder
da imagem ou o poder arrebatador da voz que decide
a grandeza da criação, mas a eficiência das máquinas
reprodutoras e copiadoras – fatores fora do alcance dos
artistas. Andy Warhol tornou essa situação uma parte
integral de sua própria obra, inventando técnicas que
deram cabo da própria ideia do original e produziram
unicamente cópias desde o início. O que conta, afinal,
é o número de cópias vendidas, não o que está sendo
copiado. A vanguarda não reconheceria em tudo isso a
realização de suas ideias. Um sociólogo, porém, pode
reconhecer nela a consequência (não antecipada, sem
dúvida) de seus feitos. (BAUMAN, 1998 e 2001, p.130).
288 UNIUBE

7.2.1 Os significados na arte pós-moderna

Apesar da condição mercadológica assumida pela arte contemporânea, ou


também chamada de pós-moderna, podemos afirmar que não houve uma
estagnação em condição de cópia, reprodutibilidade, venda e consumo,
como podemos inferir na leitura da obra de Andy Warhol, por exemplo.

A arte criou novas questões a partir dessa lógica de mercado incorpo-


rada no universo artístico. Foram formando-se novos conceitos que se
estruturaram pelo isolamento e pela delicada liberdade que se tornou
possível no cenário cultural.

Sobre esse aspecto, podemos averiguar a grande importância direciona-


da à linguagem e ao pensamento no que se refere ao trabalho artístico
contemporâneo, transformado-o em sua relação obra/ artista/ expectador:

Ludwig Wittgenstein demonstrou de maneira convin-


cente a impossibilidade de uma linguagem privada.
É aceitação social de conexões necessárias entre os
signos e certos significados que faz uma linguagem.
Mas a arte contemporânea parece preocupar-se, mais
do que qualquer coisa, em desafiar, reptar e derrubar
tudo o que a aceitação social, o aprendizado e a
formação solidificaram em esquemas de necessária
conexão; é como se todo artista, e toda obra de arte,
lutasse para construir uma nova obra de arte privada,
esperando e desesperando convertê-la numa lingua-
gem consensual e genuína, isto é, dentro de um veículo
de comunicação – mas retrocedesse sem pânico num
novo deserto, ainda não domesticado pela compreen-
são, no momento em que o sonho chega perto de sua
realização. (BAUMAN, 1998 e 2001, p.132).

A arte contemporânea nega o estabelecimento de regras. Na realidade,


as regras no “fazer artístico” estão sempre sendo refeitas, reinventadas
ou reincorporadas num trânsito de direções variadas em que a relação da
obra com o leitor/ o fruidor/ o expectador torna-se o significado único da
obra e extremamente dependente do momento do encontro o qual nunca
se repetirá da mesma maneira quando se estabelecerem outros encontros.

A criação e a recepção, do mesmo modo, são os proces-


sos da descoberta permanente e nunca será provável uma
UNIUBE 289

descoberta descobrir tudo o que há para ser descoberto,


ou descobri-lo de uma forma que frustre a possibilidade de
uma descoberta inteiramente diversa... A obra do artista
pós-moderno é um esforço heróico de dar voz ao inefável,
e uma conformação tangível ao invisível, mas é também
(obliquamente, através da recusa a reafirmar os cânones
socialmente legitimizados dos significados e suas expres-
sões) uma demonstração de que é possível mais do que
uma voz ou forma e, desse modo, um constante convite
a se unir no incessante processo de criação do signifi-
cado. Como Maaretta Jaukkuri o exprimiu uns poucos
meses atrás no seminário de Bodo, o significado da obra
de arte reside no espaço entre o artista e o espectador.
(BAUMAN, 1998 e 2001, p.133 - 134).

Juntando essa condição extremamente peculiar e a mudança de intenções,


conteúdos e compromissos – seja na realidade ou com a sociedade - a arte
desce de um altar de grandeza e coloca-se ao lado de outras situações e
acontecimentos mundanos e cotidianos.

Não há posições ou campos de reflexão seguros para ver o mundo em sua


complexidade e dar respostas definitivas sobre o que é falso e o que é real.
Em vez de respostas conclusivas, é possível, apenas, oferecer significados
e sugestões para variadas interpretações e conceitos. A arte contempo-
rânea, ao contrário das intenções educativas da vanguarda modernista,
desenvolve uma atitude que possibilita a ampliação de oportunidades de
significados, identidades e ideologias a algo que não as possuam:

A arte contemporânea, por outro lado, já não tem nada


a ver com a representação: ela já não admite que a
verdade que precisa ser captada pela obra de arte se
ache em ocultação exterior – na realidade não artística
e pré-artística – esperando ser encontrada e receber
expressão artística. Tendo sido, assim, liberada da
autoridade da realidade como juiz genuíno ou putativo,
mas sempre supremo do valor da verdade, a imagem
artística reclama (e desfruta!), no agitado processo da
elaboração do significado, o mesmo status que o resto
do mundo humano. Em vez de refletir a vida, a arte
contemporânea se soma a seus conteúdos. Como Jean
Baudrillard o imprimiu, não há nenhum objetivo privile-
giado. (...) a obra de arte cria seu próprio espaço. “As
imagens não representam, mas simulam – e a simula-
ção se refere ao mundo sem referência, de que toda
290 UNIUBE

referência desapareceu”. A arte cria não exatamente


as imagens, mas também seus significados: ela dá
um significado ou sentido de identidade a algo que
não é significativo, que não tem nenhuma identidade.
(BAUMAN, 1998 e 2001, p.134 - 135).

Nessa condição de criadora e recriadora de significados, a arte se presta


ao serviço de tornar a discussão e o debate contínuos, vitalizando a
crítica e potencializando o ato criativo de avaliar e interpretar, nunca se
acomodando a respostas iniciais.

Por esse motivo, é possível observar na arte pós-moderna uma descons-


trução de significados para criar a possibilidade no expectador de sua
reconstrução, e é nessa ação que vemos as características positivas atribu-
ídas à liberdade alcançada pela arte:

Uma vez que a liberdade toma o lugar da ordem e do


consenso como critério da qualidade de vida, a arte
pós-moderna de fato ganha muitos pontos. Ela acentua
a liberdade por manter a imaginação desperta e, assim,
manter as possibilidades vivas e jovens. Também
acentua a liberdade ao manter os princípios fluidos, de
modo que não se petrifiquem na morte e nas certezas
enceguecedoras. (BAUMAN, 1998 e 2001, p.136).

Mas, apesar dessa liberdade de criação e da abstenção de influências


já utilizadas pela arte antecessora, o artista pós-moderno não consegue
transformar sua arte em um fato social. Ou seja, que a arte produzida
por este artista contemporâneo venha desfrutar de um “status” permeado
por um significado de grande importância para a história da sociedade.

Essa falta de garantias futuras, juntamente com o desmembramento


do passado, faz da arte contemporânea uma arte no presente e para
o presente, restando ao artista apenas a possibilidade da experiência:

Tradicionalmente, as experiências foram construídas


sob a orientação de uma teoria que esperava provar:
serviam ao propósito de confirmar ou corrigir essa teoria,
eram, por isso, períodos bem incorporados e necessá-
rios de ação contínua e coletiva. (...) O que hoje se
entende por experimentação é uma atividade totalmen-
te distinta. O artista que experimenta age no escuro,
UNIUBE 291

esboçando mapas para um território de existência ainda


não comprovada e que não se garante se emerge do
mapa esboçado. Experimentação significa admissão de
riscos, e admitir riscos em estado de solidão, sob sua
própria responsabilidade, contando apenas com o poder
de sua própria visão como única chance de a possibi-
lidade artística obter o controle da realidade estética.
(BAUMAN, 1998 e 2001, p.138).

Para encerrar nossa reflexão sobre arte pós-moderna e seus desdobra-


mentos sociais, colocaremos em evidência duas referências do sociólogo
Bauman. A primeira trata do artista e a segunda trata da arte contempo-
rânea em si.

Sobre o artista contemporâneo:

A tarefa permanece tão formidável como o foi através


da era do modernismo e da vanguarda, mas agora
ela requer ainda mais coragem e determinação da
parte do artista. Os atos de dissensão solitária têm
de ser empreendidos sem a esperança de serem
recompensados pela nova coletividade. Os artistas
pós-modernos são como os seus predecessores, uma
vanguarda, mas num sentido inteiramente diverso de
como os modernistas pensavam sobre seu papel e de
como desejavam que fosse considerado. (BAUMAN,
1998 e 2001, p.138).

E, por fim, sobre a arte contemporânea:

Deixem-me repetir: a arte pós-moderna é uma força


crítica e emancipadora até compelir o artista, então
despojado de esquemas enceguecedores e métodos
infalíveis, e o expectador ou ouvinte, então deixado sem
os cânones de ver e a consoladora uniformidade do
gosto, a se empenharem no processo de compreensão,
interpretação e elaboração de significado que inevita-
velmente reúne as questões da verdade objetiva e os
planos subjetivos da realidade. Mas, assim fazendo, ela
liberta as possibilidades da vida, que são infinitas, da
tirania do consenso, que é – deve ser, não pode senão
ser – excludente e incapacitante. O significado da arte
pós-moderna, sugiro eu, é abrir amplamente o portão às
artes do significado. (BAUMAN, 1998 e 2001, p.141).
292 UNIUBE

7.3 História e Pós-modernidade

Neste item, discutiremos um pouco sobre as transformações sofridas pela


historiografia ao longo do tempo. Iniciaremos nossa discussão a partir
da assimilação do termo “História” a partir dos processos socioculturais
que alteraram a concepção do indivíduo dentro do ambiente social, a
partir da modernidade até a alteração de paradigmas provocada pelas
mudanças que culminaram na concepção de pós- -modernidade dentro
do campo historiográfico.

José Carlos Reis nos apresenta algumas considerações sobre o novo


paradigma sociocultural vivido pelas sociedades contemporâneas:

O novo ambiente cultural é complexo: o presente é de


globalização e individualismo, de ruptura com o futuro e
o passado e de satisfação com o presente, de aceleração
da mudança e de consolidação e quase cristalização do
presente, de intensa comunicação e sofisticação dos
equipamentos e de desmobilização da discussão das
questões humanísticas e filosóficas. Não há projetos
sociais ou grandes causas que mobilizem os grupos
sociais. “Promessas de sol” não queimam mais o coração
ocidental! Na cultura pós-moderna não há profecias nem
utopias. Futuro não é mais detentor do critério étnico que
orienta a ação. Terá sido o fim de toda teleologia? Nem
o passado é mais “mestre da vida”. Vivemos “tempos
novos”, muito novos, onde o presente recuperou seu
direito à existência autônoma. Cabe aos historiadores,
que têm maior sensibilidade à mudança, o papel de
identificá-la e pronunciá-la. (REIS, 2005, p. 53-54).

Esse novo contexto sociocultural oferecido pela contemporaneidade


resultou numa profunda mudança de paradigmas e configurações sociais
que alteraram a relação e a visão que os homens tinham do mundo à sua
volta. Em função dessas novas configurações e dos novos conceitos de
vida produzidos pela humanidade, ao longo do tempo, é que a sociedade
pós-moderna se constituiu: desvinculada de conceitos, regras e métodos.

Nesse sentido, a produção historiográfica e a maneira como a História é


alcançada foram drasticamente alteradas ao longo desse processo. Novas
configurações, conceitos, metodologias, objetos de estudos e campos de
UNIUBE 293

pesquisas surgiram na contemporaneidade. Mas, como já sabemos, toda


constituição da sociedade e sua relação como o mundo é estabelecida por
meio de um processo historiográfico intenso e ininterrupto que se define
ao longo do tempo e das mudanças sofridas pela sociedade.

A historiografia produzida dentro da concepção moderna foi caracterizada


pelos ideais iluministas e fundamentada em conceitos que tinham como
paradigmas a crença no poder da racionalidade científica como forma de
solucionar os dilemas sociais do mundo e, também, a busca sistemática
da solução e do domínio dos mistérios universais que cercam o mundo.

Sobre esse aspecto da historiografia moderna, ressaltamos:

O projeto moderno, articulado pelo Iluminismo, vê


a história como ‘espírito universal’ (...). A história é
a marcha do espírito em busca da liberdade; é uma
construção de um sujeito singular-coletivo e conscien-
te – a humanidade -, em busca da liberdade, isto é, do
seu centro, da coincidência consigo mesmo. O projeto
moderno iluminista é profundamente otimista: crê na
Razão e em seu poder de sempre ver claro e de construir
um mundo histórico- -social segundo seus parâmetros. A
história é considerada construção e realização da subjeti-
vidade universal, um processo racional, inteligível. Seu
desfecho é previsível: a vitória da Razão, que governa o
mundo. A hipótese fundamental do Iluminismo é hegelia-
na: a história não pode deixar de ter sentido, não pode
ser mudança sem direção e significado. Governada
pela Razão, a história só pode produzir a moralidade,
a liberdade, a justiça, a igualdade. Jamais a violência.
A história é movida pela busca de sentido e não pela
vontade de potência. A busca do sentido é a da decifra-
ção do universal por trás do particular; a vontade de
potência seria o domínio do particular enquanto particular
que seria pura violência, ou seja, falta de sentido. A ação
do particular dominada pelo universal não seria violência,
mas realização de sentido. (REIS, 2005, p. 68).

Podemos perceber, a partir do trecho destacado anteriormente, que a


historiografia produzida pela modernidade buscava uma grande solução
para os problemas do mundo e para as questões que se constituíam
como um dilema para o homem moderno. A busca pela coletividade, pela
inteligibilidade, pela justiça e pela liberdade foram as grandes justificativas
294 UNIUBE

para a produção de uma historiografia baseada, principalmente, na


racionalidade e na busca de conceitos que definiam o homem como
indivíduo coletivo em busca de uma sociedade ‘iluminada’.

A narrativa histórica produzida a partir dos ideais iluministas pretendia


alcançar o verdadeiro significado da ação e o verdadeiro sentido de
vida dos homens no mundo. E toda essa pretensão tinha um verdadeiro
objetivo: o alcance da liberdade e da justiça social.

Apesar de acreditar que ‘a vontade de potência seria o domínio do


particular enquanto particular e que isso seria pura violência, ou seja, falta
de sentido’ o ideal historiográfico modernista acabou legitimando toda a
violência contra os obstáculos que impediam o alcance da liberdade e
do futuro promissor.

Sobre essa violência produzida pela necessidade constante de novas


revoluções e as mudanças produzidas a partir daí, podemos ressaltar:

Tal visão da história, revolucionária, banalizou a violência.


A ação total, a revolução, tornou-se cotidiana, permanen-
te e... inquietante, pois sempre oferece mais violência
do que a liberdade prometida. Esse projeto moderno
propunha a produção acelerada de eventos, que se
acreditava controlar, pois supunha-se que o sentido
global era conhecido antecipadamente. O iluminismo
levou a uma revolução permanente do vivido, à subordi-
nação do passado-presente a uma teleologia. Os
termos novos que conduzem à implantação do futuro
no presente são: progresso, emancipação, inovação,
crise, evolução, revolução. O ‘espaço da experiência’
– o presente que contém o passado – é abreviado e
interrompido para que o horizonte de espera seja então e
já espaço da experiência. O presente perde a possibilida-
de de ser vivido como presente e escapa para dentro do
futuro. A revolução era vista como um evento inocente,
pois sua violência seria legítima, moral, contra a violência
pura do Estado e da religião. (REIS, 2005, p. 70).

Esse resultado produzido pelas ciências da modernidade levou os cientis-


tas das áreas de humanas a buscarem novas formas de teorização e um
novo processo de explicação teórica para as questões que cercavam
a humanidade e sua sociedade. Em vista dessa busca por um novo
UNIUBE 295

conceito teórico, nasceu, no século XX, uma nova geração de autores


e teóricos que buscavam explicar o mundo a partir de novas formas de
pensar, agir e escrever.

As ciências sociais passam a duvidar do conhecimen-


to histórico baseado em uma especulação filosófica
sobre o futuro. Elas consideram que o homem não é
só sujeito, mas também resultado, objeto. Elas põem
um conhecimento teórico e empírico da sociedade, um
‘conhecimento de campo’, ao conhecimento especulativo
da filosofia. Em sua visão do homem e da sociedade, a
consciência não predomina: o homem não é inteiramente
sujeito e livre e a sociedade não é denominada por uma
teleologia. Portanto, se o homem e a história não são
transparentes, a reflexão total não é possível; se esta não
é possível, a ação total – a revolução – não é recomen-
dável. A ação possível que as ciências sociais propõem
dar-se-ia dentro de margens estreitas, cautelosas. A ação
deve ser empreendida com o apoio de uma planificação
limitada no tempo, de recursos técnicos, de pesquisas
localizadas, de previsões determinadas e quantificadas.
O objetivo dessa limitação teórica da ação é o seu controle.
(REIS, 2005, p. 71)

Em consenso com a análise feita por José Carlos Reis, podemos afirmar
que, após a legitimação da concepção historiográfica e científica modernis-
ta, novas mudanças relacionadas à produção cultural transformaram-se,
mais uma vez. Esse novo projeto historiográfico se fez necessário na
medida em que a legitimação da violência, em favor de um projeto cultural
e histórico totalitarista, se fez presente de maneira constante fazendo
com que os teóricos do século XX buscassem novas formas de pensar a
sociedade e seus problemas.

Se o modernismo vinha, até então, pregando uma racionalidade pura


que buscava a promoção de uma totalidade histórica, por outro lado, a
nova concepção científica – conhecida como pós-moderna – estava se
efetivando por meio da busca por ideais que produziam uma reflexão
mais fragmentada, nuclear e menos ampla.

Essa nova condição pós-moderna sobre a teorização da história e das


ações humanas em sociedade pode ser dividida, de acordo com José
Carlos Reis, em duas fases: estruturalista e pós-estruturalista.
296 UNIUBE

A primeira seria a estruturalista, que marcou o ponto


de vista das ciências sociais... O estruturalismo pós-
-moderno porque desconfia do sujeito, da consciência,
da Razão; descentra o sujeito e a História, evita a utopia,
teme a ação sem controle, opõe-se ao conhecimento
especulativo, pois metafísico, vinculado e legitimador de
poderes ameaçadores; recusa o raciocínio teleológico.
O estruturalismo opõe-se, mas, por outro lado, parece
ainda pertencer ao projeto moderno, pois produz ainda
um discurso da Razão. Ele quer apreendê-la a contra-
pelo, onde os iluministas não a tinham ainda observado.
Surgindo contra o racionalismo modernista, o estrutura-
lismo parece, paradoxalmente, um hiper-racionalismo:
quer buscar um sentido que se esconde, decodificar uma
dimensão oculta e fundamental da sociedade, abordar
um determinismo inconsciente. (...)

A segunda fase pós-moderna seria o pós-estruturalismo: este radica-


liza as teses estruturalistas e salta para fora do Iluminismo e do seu
projeto moderno. O pós--estruturalismo denuncia o estruturalismo como
um discurso ainda da Razão. Os pós-estruturalistas não buscam mais
verdades históricas nem aparentes, essenciais, manifestas ou ocultas.
Elas recusam essências originais e fundamentais, que se deveriam
reencontrar e coincidir. A fragmentação é levada ao extremo. O universal
não é pensável. A subjetividade pós-estrutural é antípoda da subjetivi-
dade modernista: fragmentada e descentrada, marcada por diferenças
e tensões, contradições, ambiguidades, pluralidade, nem sonha mais
com a unificação. Não há essência ou finalidade, significado e direção a
reencontrar ou realizar. A consciência moderna, a metafísica da subjeti-
vidade essencial, construída pelo Iluminismo é desconstruída pelo
pós-estruturalismo (REIS, 2005, p.72-73).

Como podemos perceber, os futuros passos que serão tomados pela


teoria da história e pela historiografia contemporânea não podem ser
revistos ou pré-estabelecidos à medida que a desconstrução e a fragmen-
tação são características prementes da pós-modernidade.
UNIUBE 297

7.4 Política e Pós-modernidade

Para compreendermos as questões políticas que cercam a contempo-


raneidade, numa perspectiva chamada de pós-modernidade, é preciso
conhecer os conceitos e determinações do significado do que foi a políti-
ca nas sociedades modernas.

Para realizarmos a análise do que é a política na modernidade, recorre-


remos ao trecho escrito por Julien Freund a partir das conceituações
desenvolvidas pelo teórico Max Weber a seguir:

A atividade política se define, em primeiro lugar, pelo fato


de se desenrolar no interior do território delimitado. Não
é necessário que as fronteiras sejam fixadas rigorosa-
mente; podem ser variáveis; entretanto, sem a existência
de um território que particularize o agrupamento, não
se poderia falar em política. Disso decorre a separação
característica entre o interior e o exterior, qualquer que
seja a forma da ordem interior ou as das relações exterio-
res. Esta separação é inerente ao conceito de território.
Em segundo lugar, os que habitam no interior das frontei-
ras do agrupamento adotam um comportamento que
se orienta significativamente segundo esse território e
a comunidade correspondente, no sentido em que sua
atividade se acha condicionada pela autoridade encarre-
gada da ordem, eventualmente pelo uso do constran-
gimento e a necessidade de defender a sua particulari-
dade. Ao mesmo tempo, os membros do agrupamento
político nele encontram certo número de oportunida-
des específicas que oferecem novas possibilidades à
sua atividade geral. Em terceiro lugar, o meio da políti-
ca é a força, eventualmente, a violência. Ela utiliza, por
certo, todos os outros meios para levar a bom termo seus
empreendimentos, porém e caso de falência dos outros
processos, a força é a ‘ultima ratio’; é seu meio específi-
co. (FREUND apud LIMA, 2001).

Existe uma importante mudança social e moral no que se refere à ação


política nas sociedades contemporâneas. Ao contrário do que vinha sendo
executado pela política tradicional, na política pós-moderna tornam-se
recorrente alguns aspectos relacionados à ação coletiva e comunitária.
298 UNIUBE

Atualmente, há uma grande invasão de organizações não governamentais


e de cunho socioconstrutivista na manutenção política da sociedade.
Essas organizações atuam de forma combater alguns dos principais
problemas que afetam a sociedade contemporânea como, por exemplo,
as drogas, o tráfico, a educação e a violência (ONGs).

Não é raro encontrarmos esse tipo de organização atuando nas socieda-


des em busca da promoção da humanidade e do bem-estar social dos
indivíduos e comunidades. O trabalho dessas entidades correspon-
de a uma vertente das obrigações que deveriam ser efetivadas pelo
Estado mas que, por falta de vontade política, verbas e ineficiência
social, acabam ficando a cargo dessas organizações extraoficiais que
se prestam a servir a sociedade em suas questões mais urgentes.

Na realidade, o surgimento dessas organizações está ligado à intensa


exclusão social produzida pela forma estabelecida pelo sistema de
produção capitalista, industrial e financeira proporcionada pela intensifica-
ção dos meios de produção ligados ao capital especulativo e resultando
numa ampliação das desigualdades sociais.

Além de ter produzido muitos excluídos sociais, a contemporaneidade


levou também à ascensão muitas minorias que, com o advento da liberta-
ção estrutural, puderam dar voz a seus anseios e exigir seus direitos de
igualdade (ou de diferença) de maneira mais veemente.

Se, no contexto da modernidade, a minoria era representada apenas pelo


proletariado (rural ou urbano), na contemporaneidade, o surgimento de
organizações de representação política de outras minorias foi constante e
extremamente ativo. Os movimentos em favor dos direitos das mulheres,
dos negros, dos homossexuais e dos sem-teto são alguns dos claros
exemplos deste novo cenário sociocultural e político que atualmente se
faz constante.

Sobre esse aspecto, ressaltamos:

Assim como não há atores políticos universais – grandes


partidos agregando um leque amplo de interesses
e posições -, não há mais um poder central, localiza-
do no estado, mas um poder difuso, estendendo sua
UNIUBE 299

rede capilar por toda sociedade civil – as ‘disciplinas’


de Foucault. Política segmentar, exercida por grupos
particulares, política micrológica, destinada a combater
o poder instalado nos interstícios mais imperceptíveis da
vida cotidiana, estamos longe da política moderna, em
que o jogo político se dava através de partidos, segundo
mecanismos da democracia representativa. (ROUANET
apud LIMA, 2001, p.57).

Obviamente, não estamos dizendo que a instituição política democracia


desapareceu. Ao contrário, ela existe, é presente e possibilita muitas
das ‘liberdades’ estabelecidas na contemporaneidade. O que estamos
analisando, aqui, o estabelecimento de uma tendência assumida pela
política contemporânea ou pós-moderna.

Podemos concluir que a mudança estrutural no modo de fazer política


acompanhou as mudanças e as transformações do mundo contempo-
râneo. Toda essa fragmentação e especificidade demonstrada pelos
diversos setores da sociedade fazem parte de um processo de interação
resultante do processo globalizatório.

Para concluirmos esta perspectiva pós-moderna da política, vamos


pensar um pouco sobre o que Abili Lima nos traz:

Constataremos ainda na sociedade global a existência


de uma crescente exclusão social, caracterizada
pela precarização das condições de trabalho, pela
disseminação do desemprego crônico, baixos níveis
salariais, perda de garantias sociais dos cidadãos e
pela geração de um quadro de pobreza estrutural,
que compromete a participação dos cidadãos nos
âmbitos político e jurídico, eis que os cidadãos não têm
garantidas condições mínimas e dignas de existência
para participarem politicamente. (LIMA, 2001, p.59).

Como será nosso futuro dentro da perspectiva política que se


apresenta? Vale muito a pena pensar acerca do mundo que nos
espreita, pois, só assim, poderemos agir e pensar de maneira
consciente de nossa realidade.
300 UNIUBE

7.5 Religião e Pós-modernidade

Podemos afirmar que a religião é um assunto bastante controverso quando


o analisamos no contexto da sociedade contemporânea. É claro que,
apesar das grandes transformações tecnológicas e científicas terem altera-
do as configurações sociais do mundo moderno, a religião continua sendo
um fator determinante na condução da vida das pessoas, de modo geral.

Sobre a religião e a fé na pós-modernidade, tomaremos a seguinte


reflexão feita por Leonardo Boff:

A pós-modernidade participa de todos os pós-ismos


(pós-histoire, pós-industrialismo, pós-estruturalismo,
pós-socialismo, pós-marxismo, pós-cristianismo etc.)
com aquilo que eles têm em comum: a vontade de
distanciamento de certo tipo de passado ou a recusa
a certo tipo de vida e de consciência, a percepção de
descontinuidade sentida e sofrida no curso comum da
história, e a sensação de insegurança generalizada.
(BOFF, 2000, p.18)

O distanciamento em relação aos valores do passado fez surgir, em


função do contexto socioeconômico da contemporaneidade, uma série
de novas ideologias, crenças e conceitos. Pois, como podemos perceber,
a contemporaneidade abraça todas as novidades que o mundo e as
pessoas produzem na medida em que existam consumidores ou nichos
de consumo em potencial.

Muitas vezes, as novas ideologias que nascem na contemporaneidade são


demasiadamente inovadoras para serem consentidas e incorporadas pelas
religiões mais tradicionalistas. As posturas de condutas e reflexões ideológi-
cas da atualidade não estabelecem conexões com as reflexões alimentadas
pelo conservadorismo religioso pregado por algumas religiões.

Essa incompatibilidade de vertentes ideológicas e o conservadorismo em


relação às mudanças sociais estabelecidas no mundo contemporâneo
fizeram com que os indivíduos buscassem novos conceitos e ideologias
que abarcassem suas necessidades religiosas. Por isso, a busca por
novas crenças, muitas vezes sincréticas, reformulou as tradicionais
religiões por meio de seitas e ideologias religiosas que buscavam uma
maior relação com o contexto e as necessidades culturais da atualidade.
UNIUBE 301

Existem alguns conceitos e ideologias que influenciaram significantemente


a relação entre o homem contemporâneo e o universo religioso. Entre
essas ideologias podemos destacar: o materialismo, o hedonismo, o
permissivismo, o relativismo, o consumismo e o niilismo.

O reconhecimento histórico dos excessos cometidos no passado, unido da


profunda racionalização, colocou em xeque os conceitos pregados pelas
religiões tradicionais. No lugar da culpa e da ideia de viver preparando-se
para uma recompensa após a morte foram adaptadas, pela contempo-
raneidade, as ideologias morais que relacionam a fé com o desapego à
culpa, com o relativismo da subjetividade do indivíduo.

Podemos afirmar que essas mudanças do paradigma religioso da contem-


poraneidade transformaram a maneira como o homem se relaciona com
a fé. A partir daí, ocorreu um processo que resultou numa individualização
da fé e um intenso sincretismo de religiões e crenças.

Contrariando o que muitos pensadores imaginavam, a fé não perdeu seu


espaço com o desenvolvimento da democracia, da ciência e da racionalida-
de. Entretanto, o que parece apresentar-se é um sentimento de vazio que
as ideologias do mundo moderno e pós-moderno incutiram no imaginário
da sociedade contemporânea.

Essa nova condição social fez surgir um número, nunca antes visto, de
seitas e de possibilidades de religiosidade que são interpretadas de forma
individual e sem um comprometimento litúrgico ou ritualístico. Nesse
sentido, o indivíduo é livre para buscar a melhor forma de conectar-se
com a transcendência.

Sobre esse aspecto podemos ressaltar um trecho do artigo “O homem


pós-moderno, religião e ética”, de Wilmar Luiz Barth:

O homem moderno não serve a Deus, mas se faz


servir dele. Culto e Igreja, na medida do necessário
e “quando sobra um tempinho”, afinal, tudo o que é
demais, faz mal. A fidelidade a uma única Igreja e a uma
única visão de Deus são prejudiciais, pois, segundo
o homem moderno, há outras facetas e aspectos que
devem ser privilegiados e que uma única religião não
completa. Assim, da missa de domingo se passa para
o centro espírita de terça-feira, para a leitura e medita-
302 UNIUBE

ção da palavra de Deus no culto evangélico de quarta à


noite, para o terreiro de umbanda de sexta-feira e para a
fazenda budista de sábado. (BARTH, 2007, p.103)

A reflexão psicológica é outro ponto interessante no que diz respeito à


religião no contexto pós-moderno. Sobre esse assunto, ressaltamos um
trecho do livro “O que é Pós-moderno”, de Jair Ferreira dos Santos, em
que ele aponta algumas deserções em relação à História, à política e à
ideologia, ao trabalho, à família e, por fim, à deserção da religião:

Deserção da religião: o Pós-moderno, já se disse, é o


túmulo da fé. As religiões antigas cedem a uma porção
de seitas sem futuro, os indivíduos procuram credos
menos coletivos, mais personalizados (meditações,
zenbudismo, yoga, esoterismo, astrologia), e a transcen-
dência divina, acabará fechando por falta de clientes:
45% dos franceses entre 15 e 45 anos não acreditam em
Deus. (...) É que o homem pós-moderno não é religioso,
é psicológico. Pensa mais na expansão da mente que
na salvação da alma. Há toda uma cultura psi fazendo
a cabeça da moçada: psicanálise, psicodrama, gestalt,
bioenergética, biodança, grito primal e por aí vai. Para
não falar no dilúvio de bolinhas e alucinógenos que rola.
Nisso tudo, o bom é que a cultura religiosa era culpabili-
zante, enquanto a psi, é libertadora. Ao sujeito moderno
interessa um ego sem fronteiras, não uma consciência
vigilante. (SANTOS, 1994, p. 86 - 94).

Nesse cenário tão plural da pós-modernidade, outro autor, Zygmunt


Bauman, nos lembra de dois importantes fenômenos socioculturais
surgidos na contemporaneidade: um é a autoajuda e a busca por
aconselhamento e, o outro, é a questão do fundamentalismo.

Os homens e as mulheres pós-modernos realmente


precisam do alquimista que possa, ou sustente que
possa transformar a incerteza de base em preciosa
autossegurança. (...) A pós-modernidade é a era dos
especialistas em identificar problemas, dos restauradores
da personalidade, dos guias de casamento, dos autores
dos livros de autoafirmação: é a era do surto de aconse-
lhamento. (...) A incerteza de estilo pós-modernos não
gera a procura da religião: ela concebe, em vez disso,
a procura sempre crescente de especialistas na identi-
dade. Homens e mulheres assombrados pela incerteza
UNIUBE 303

de estilo pós-moderno não carecem de pregadores para


lhes dizer da fraqueza do homem e da insuficiência dos
recursos humanos. Eles precisam de reafirmação de
que podem fazê-lo – e de um resumo a respeito de como
fazê-lo. (BAUMAN,1998, p. 221 - 222).

Em seu livro, “O mal-estar da pós-modernidade”, Bauman quase nos


surpreende com a atualidade da referência sobre o fenômeno do
fundamentalismo, assunto tão atual que o excesso de manchetes nos
faria passar despercebidos pelo efeito cotidiano do assunto:

A esse respeito, o fundamentalismo traz a público a


subterrânea ansiedade e premonição normais e quase
universais sob a condição pós-moderna. Ele dá expressão
pública ao que muitas pessoas pressentem o tempo todo,
embora lhes seja peremptoriamente dito para não acredi-
tarem nisso ou, sejam levadas a não pensar no assunto.
(...) Por outro lado, a estrutura da vida que o fundamen-
talismo oferece leva meramente à conclusão radical, o
culto do aconselhamento e orientação profissional, bem
como à preocupação com a autodisciplina assistida por
especialista, duas coisas diariamente promovidas pela
cultura do consumidor pós-moderno. (...) Pode-se concluir
que o fundamentalismo religioso é um filho legítimo da
pós-modernidade, nascido de suas alegrias e tormentos,
e herdeiro, do mesmo modo, de seus empreendimentos e
inquietações.

O fascínio do fundamentalismo provém de sua promessa de emancipar


os convertidos das agonias da escolha. Aí a pessoa encontra, finalmente,
a autoridade indubitavelmente suprema, uma autoridade para acabar
com todas as outras autoridades (...). O fundamentalismo é um remédio
radical contra esse veneno da sociedade de consumo conduzida pelo
mercado e pós-moderna – a liberdade contaminada pelo risco (um
remédio que cura a infecção amputando o órgão infeccionado – abolindo
a liberdade como tal, na medida em que não há nenhuma liberdade livre
de riscos). O fundamentalismo promete desenvolver todos os infinitos
poderes do grupo que – quando plenamente disposto – compensaria a
incurável insuficiência de seus membros individuais, e justificaria, dessa
maneira, a indiscutível subordinação das escolhas individuais a normas
proclamadas em nome do grupo. (BAUMAN,1998, p. 228).
304 UNIUBE

Teixeira Coelho, em seu livro “Moderno Pós-moderno”, também cita


algo sobre o fundamentalismo, fazendo uma ligação com a política e um
projeto contra a modernidade:

A cultura muçulmana, particularmente na versão integris-


ta do islamismo tal como impera no Irã e se alastra
pela vizinhança, rechaça o centro mesmo do projeto de
modernidade que é a separação da vida política, religião,
ciência, moral e arte. Para o Islã integrista, Deus age na
História através de todos os veículos da teologia jurispru-
dência, da moral a arte. Agir religiosamente é agir politi-
camente. (Coelho, 1994, p. 22).

O cenário da religião na era pós-moderna apresenta-se de uma maneira


muito complexa mostrando que a fé, na contemporaneidade, está
influenciada e interligada à ideologias diversas e a outros ramos do
conhecimento humano.

Ainda é cedo para afirmarmos como será o final deste espetáculo em um


cenário tão complexo e com personagens com desejos tão antagônicos.

7.6 Conclusão

Para encerrarmos, faremos a conclusão deste capítulo, tomando por


base dois conceitos destrinchados por Zygmunt Bauman em seu livro “O
mal-estar da pós- -modernidade”. São eles: o conceito de pureza social e
a definição dos heróis e das vítimas estabelecidas na contemporaneidade.

• O Conceito de Pureza

No mundo, desde sempre, cada coisa tem seu devido lugar pré-selecio-
nado e pré-interpretado por uma série de construções de senso comum
da realidade da vida diária.

Alfred Schütz analisa que as coisas que acreditamos sem pensar, são
frutos de experiências típicas, visto que independente de quem olhe verá
a mesma situação e terá a mesma análise. Portanto, a subjetividade de
cada indivíduo é semelhante.
UNIUBE 305

O criador da sociologia fenomenológica, Alfred Schütz,


fez-nos conscientes das características da vida humana
que parecem óbvias no momento em que são ressal-
tadas: de que, nós, humanos, podemos ‘achar nossas
posições dentro do nosso ambiente natural e sociocul-
tural e chegamos a uma acordo sobre isso’, é graças
ao fato de que esse ambiente foi ‘pré-selecionado e
pré-interpretado (...) por uma série de constructos de
senso comum da realidade da vida diária’. Cada um
de nós, em nossas atividades diárias, e sem muito
pensar a esse respeito, utiliza um número tremendo de
produtos pré-seleção e pé-interpretação, que se unem
para o que Schütz chama de ‘fundo de conhecimentos
à mão’. Sem tal conhecimento, viver no mundo seria
inconcebível. Nenhum de nós pode construir o mundo
das significações e dos sentidos a partir do nada: cada
um ingressa num mundo ‘pré-fabricado’, em que certas
coisas são importantes e outras não o são; em que
as conveniências estabelecidas trazem certas coisas
para a luz e deixam outras na sombra. Acima de tudo,
ingressamos num mundo em que uma terrível quanti-
dade de aspectos são óbvios a ponto de já não serem
conscientemente notados e não precisarem de nenhum
esforço ativo, nem mesmo o de decifrá-los, para
estarem invisivelmente, mas tangivelmente, presentes
em tudo que fazemos – dotando desse modo os nossos
atos, e as coisas sobre as quais agimos com ‘realidade’.
(BAUMAN, 1998 e 2001, p.17).

Dentro desse contexto, criou-se uma noção de “pureza” que significa


uma visão de ordem e está ligada a esse senso comum e que permeia
a sociedade de maneira geral. Assim, aqueles que não partilham da
comunhão de pensamentos coletivos são tidos como as “impurezas
sociais” pois afrontam o status quo vigente: eles são os “estranhos”.

Podemos perceber que, por vezes, esses “estranhos” tiveram o importan-


te papel no que se refere à redefinição da organização social e do estabe-
lecimento de uma nova ordem. Como exemplo desse tipo de redefini-
ção provocada pelos “estranhos”, podemos ressaltar as trasnformações
econômicas, sociais, morais e estruturais da modernidade.

Geralmente, durante o processo de transição de um modelo social para


outro, ocorre sempre uma preocupação em se modificar a rotina estabe-
lecida até então. Provavelmente, aquilo que se constituía como “sujeira”
306 UNIUBE

em um modo social será constituído como “pureza” em outro. Essa flexibi-


lidade social resulta num grande sentimento de incerteza envolvendo os
indivíduos que constituem a sociedade.

Analisando o contexto que envolve a modernidade, podemos perceber


que o medo do incerto gerou uma necessidade de estabelecimento de
uma ordem social constante e segura. Isso acabou resultando na ideia
de que a História, como processo trasnformador, teria chegado ao fim,
pois, teoricamente, a sociedade se estabeleceria de maneira que não
houvessem ‘ruídos’ morais e a sociedade estaria constituída de forma
sólida, segura e imutável.

Sobre esse aspecto que envolve a ideologia social moderna, Walter


Benjamim afirma que “a modernidade nasceu sob o signo do suicídio”
pois o estabelecimento desse tipo de conduta na sociedade estaria fadada
ao fracasso. Freud segue afirmando que a constituição da sociedade e do
indivíduo moderno foi conduzida sob o signo de Tânatos (que, dentro de
uma perspectiva psicanalítica, diz respeito ao instinto de morte).

Como podemos perceber, a análise desses dois pensadores sobre


as condições sociais estabelecidas no mundo moderno, num âmbito
sociocultural e individual, refletem o contexto, social e estrutural, sob o
qual se ergueria a sociedade ‘pós-moderna’.

Teoricamente, o mundo moderno perfeito seria aquele que fluiria sem


mudanças, permanecendo constantemente inalterado e, portanto, sem a
interferência de nenhuma “sujeira”, pois nada poderia estragar a perfeição
ou possibilitar uma transformação dessa sociedade ‘perfeita’.

Tomando como base essa pretensão social da modernidade, podemos


concluir que esse objetivo não foi alcançado com êxito à medida que
a ‘perfeição’ não é passível de ser alcançada. Mas, apesar dessa
constatação, as sociedades modernas se comprometeram em tentar
alcançar essa ‘perfeição’ de qualquer forma. É, a partir de então, que
surge dentro das sociedades modernas os regimes totalitários que tinham
como principal objetivo “limpar” qualquer possível impureza que estrague
a ordem e o bom andamento da estrutura social.
UNIUBE 307

Analisando o contexto das sociedades modernas, podemos encontrar


não apenas totalitarismos políticos, mas, também, sociais e culturais.
São exemplos de ideologias, teorias e ações políticas vinculadas a esse
conceito a teoria marxista, o controle social baseado na pureza de raça
(fascismo e nazismo) ou, até mesmo, a promessa de liberdade estrutural
do anarquismo.

Ressalto aqui que minha intenção não é colocar no mesmo nível de


igualdade ideológica os movimentos referidos anteriormente. A intenção
é apenas estabelecer um paralelo, relacionado ao conceito de perfeição/
pureza social, numa perspectiva que se refere ao próprio contexto
ideológico de cada situação anteriormente referida.

Sendo assim, podemos afirmar que o mundo contemporâneo teve sua


estrutura construída sobre a relação entre a crença na efetivação de
grandes possibilidades sociais (macroteorias) e a ideia de uma liberdade
irrestrita e perfeitamente alcançável.

Tendo em vista as exposições anteriormente explicitadas, eu lhes pergun-


to: se no mundo pós-moderno tudo é permitido, tudo é possível e tudo
é normal, qual seria a “sujeira” ou a “imperfeição” que condena o bom
funcionamento da sociedade contemporânea?

Devemos lembrar que, consciente ou não, o processo histórico que


constituiu a pós-modernidade culminou no estabelecimento de um mundo
baseado nas relações de mercado, no poder de consumo e na liberdade
condicionada às relações de comércio. Portanto, a liberdade do mundo
atual está vinculada ao poder aquisitivo e às possibilidades de sedução
e de aventuras que o dinheiro pode trazer.

Assim, as “impurezas” que constituem o mundo contemporâneo são


aquelas ligadas à impossibilidade de poder consumistas. Ou seja, são
aqueles indivíduos que não podem usufruir das maravilhas que o dinheiro
pode proporcionar ou, até mesmo, aqueles indíviduos que não podem
assegurar-se financeiramente com o mínimo de condições sociais.

Esse mundo sobre o qual estamos falando se tornou pequeno em relação


às distâncias e às possibilidades sociais, morais, culturais, sexuais, intele-
lectuais disponíveis mas, apesar disso, tomou proporções gigantescas
308 UNIUBE

quanto às relações interpessoais que, agora, são condicionadas pelo fluxo


do mercado, pela aparência, pelo status social e pelo poder aquisitivo.

Nesse contexto, a mídia tem um papel fundamental na formação do


indivíduo e do meio social em que vivemos. É ela a grande porta-voz
da contemporaneidade, é ela quem dita as normas e conceitos que
regem a sociedade: o belo, o feio, o amável ou o horrendo são padrões,
tanto quanto as relações, condicionadas à construção de uma imagem
produzida pelos recursos midiáticos de um modo geral.

Até mesmo o Estado, antes forte e seguro de seus deveres, padroniza


agora uma onda de privatizações irrefreadas refletindo toda a noção de
moral pós-moderna. Nessa perspectiva, analisamos o contexto político
contemporâneo sob a seguinte lógica: se o mundo é movido a partir
das relações financeiras é direito, e constitucionalmente legal, que
aquelas pessoas que podem pagar por certos serviços na busca por
maior conforto, prestígio e segurança exijam a privatização dos serviços
estatais que não estão sendo realizados com eficiência.

Concluimos, a partir disso, que as diferenciações do mundo contemporâ-


neo se dão através do nível e do estabelecimento do poder de consumo
dos indivídios e, em função dessa nova necessidade social, a jurispru-
dência acaba por se enquadrar como protetora desse novo conceito
social assegurando a legalidade e a legitimidade daqueles indivíduos
que podem pagar pelos benefícios do mundo atual.

• Os heróis e as vítimas da pós-modernidade

Devemos nos atentar para uma importante mudança que aconteceu nas
circunstâncias que permeiam a vida contemporânea: a destemporalização
do espaço social.

Podemos perceber que, nas sociedades modernas, é comum estabelecer


um panorama social em que não se separa a estrutura social e a ação
dos seres humanos. Nesse mundo bem-estruturado, o indivíduo social,
apesar de em algum momento estar suscetível a se perder (socialmente
falando), ele podia encontrar seu caminho de volta e chegar exatamente
onde pretendia quando algum plano não dava certo.
UNIUBE 309

Isso não significa dizer que esses indivíduos viviam conscientes em


relação ao tempo-espaço estruturado na sociedade e nem estavam
seguros quanto à solidez e durabilidade desse mundo.

A questão se trata de perceber que nós, atualmente, vivemos diariamente


com a consciência de que não podemos confiar na estrutura que nos
cerca – o que pensamos que o passado tinha é o que sabemos que não
temos: a segurança, a estabilidade, a tranquilidade e uma identidade fixa.

Notemos que o significado da identidade, atualmente, se refere tanto


a pessoas quanto a coisas. Num mundo em que o mercado é vasto e
variado, as identidades podem ser adotadas e descartadas facilmente. O
que provoca um certo horror à medida que o trabalho para a construção
dessa identidade pode mostrar-se inútil mas que, por outro lado, essa
nova situação se encontra no fato de não estar comprometida por
experiências passadas mantendo o leque de opções sempre aberto.

Nesse novo “projeto de vida” as regras não param de mudar o foco da


atenção, portanto o segredo é tornar esses “projetos de vida” curtos.
Determinar-se a viver um dia de cada vez e socorrer as emergências
cotidianas que se mostram. O segredo está em recusar-se a “se fixar”
de qualquer forma e não se ligar a nenhuma lealdade ou coerência; a
nada e ninguém. O passado é proibido de se relacionar com o presente
da mesma maneira que o futuro não deve ser planejado nem esperado –
vive-se com o objetivo de aplanar o fluxo do tempo num presente contínuo.

Sendo assim, já que não há nem passado e nem presente a que se possa
confiar, a palavra de ordem desse novo sistema é adequação, que significa
mover-se rapidamente onde a ação se encontra e estar apto para assimi-
lar as experiências quando elas chegam. O eixo da estratégia de vida
pós-moderna não é fazer a identidade deter-se - mas evitar que ela se fixe.

Metaforicamente surge então a figura do turista, que é aquele que não


pertence ao lugar em que se encontra. Sua grande vantagem está no fato
de poder estar dentro e fora do lugar ao mesmo tempo já que não cria raízes,
mas explora o que há de melhor dentro dessa praça turística. Assim que o
potencial de diversão parece exaurido, o turista encontra um outro lugar a
ser visitado. Portanto a mobilidade é a condição primária do atual conceito de
liberdade. A condição fixa (a Casa, por exemplo) se converteu numa prisão
quando se está dentro dela e num sonho quando se está longe.
310 UNIUBE

Cada novo episódio na vida do turista representa um começo e um fim


absoluto. Entretanto, pode acontecer de os companheiros e as situações
encontradas por este turista pelo caminho de suas viagens voltarem à tona
involuntariamente, abrindo feridas também deixadas pelo caminho. E é por
isso que a vida do turista não é só alegrias, visto que a maneira como ele
põe de lado algumas incertezas ocasiona suas próprias incertezas.

É então que encontramos, ainda metaforicamente, a figura dos vagabun-


dos que são aqueles indivíduos que se dedicam aos serviços dos turistas
e que veem sua situação como qualquer coisa que não a manifestação de
liberdade, já que para eles estar livre também significa não ter que viajar
de um lado para o outro. Enquanto os turistas viajam porque querem, e
porque acham o mundo irresistivelmente atraente, os vagabundos viajam
por não ter outra escolha e achar o mundo insuportavelmente inóspito.

A partir daí, conseguimos enxergar a liberdade de escolha como um novo


divisor para uma estratificação social. Percebe-se que o ‘vagabundo’ é
o alter ego do ‘turista’ – que é aquele que serve como pública exposição
do mais íntimo, aquilo que se deseja esconder, mas que não pode ser
suprimido. Devemos lembrar que os vagabundos servem como catarse
para o turista. Isso significa concluir que se pode viver com as ambiguida-
des da incerteza que saturam a vida do turista, mas não com as certezas
dos vagabundos, asquerosas e repugnantes. São os vagabundos as
vítimas do mundo que transformou os turistas em seus heróis.

Resumo
Caro aluno, a partir do estudo deste capítulo, você pôde perceber algumas
das principais mudanças ocorridas no modo de pensar e agir da sociedade
contemporânea após as trasformações iniciadas pela modernidade.

Atividades

Atividade 1

Não podemos definir com exatidão o que significa e conceitua a pós-moderni-


dade. Entretanto, podemos perceber alguns dos principais traços do que é a
UNIUBE 311

ação pós-moderna na sociedade contemporânea. Com base nesta afirma-


ção, assinale V (verdadeiro), para as proposições que correspondem ao
modo de agir e interagir pós-moderno, e F (falso), para as que não corres-
pondem.

( ) Nas sociedades contemporâneas a cristandade tem um grande


valor na definição dos conceitos morais que regem as normas
sociais, principalmente, nos grandes centros urbanos.
( ) O sincretismo religioso é uma característica fundamental das
sociedades contemporâneas à medida em que essa mistura
religiosa promove uma grande interação entre as diversas
religiões tendo, como principal intuito, o atendimento às diversas
necessidades dos indivíduos.
( ) A contemporaneidade nos fornece elementos sociais que são
resultados de uma mistura social, moral e intelectual promovida,
principalmente, pelo processo de globalização iniciado a partir
do século XIX.
( ) Podemos afirmar que o modo de ação relacionado ao conceito
que chamamos de pós-modernidade acontece, principalmente,
nos grandes centros urbanos onde a grande disponibilidade
de informação, recursos e tecnologias se fazem presentes
constantemente.
( ) A contemporaneidade traz uma clara relação aos princípios
morais e sociais estabelecidos nas sociedades ocidentais no
período que os historiadores chamam de Alta Idade Média´, pois
há, com certeza, um prevalecimento das questões racionais
sobre as questões morais.

Atividade 2

Estabelecendo um paralelo entre a conduta política praticada na moderni-


dade e a conduta política praticada na pós-modernidade podemos
perceber que há grandes diferenças entre elas. Após essa afirmação,
assinale qual das alternativas a seguir apresenta a relação correta entre
o período mencionado (modernidade/ pós-modernidade) e as condutas
políticas assumidas pelas sociedades a partir dessa temporalização:
312 UNIUBE

a) Pós-modernidade = busca pela efetivação de um Estado forte e


contralizado que comandava as ações políticas mediante o uso
da força e da expansão das delimitações territorialistas.
b) Modernidade = ampliação dos mercados consumidores por meio
da expansão das malhas tecnológicas e meios de comunicação
relacionados às tecnologias virtuais e modo de produção de lucro
baseado na economia de espelhos.
c) Pós-modernidade = os países se relacionam políticamente a partir
de acordos ideológicos relacionados à questões econômicas e
de modo de produção. Um exemplo desse tipo de economia está
relacionada ao socialismo russo do século XIX.
d) Pós-modernidade = destaque para as sociedades multiculturais e
multiétnicas ligadas à uma política de ampliação do poder público
para a sociedade e uma maior discussão com relação às necessi-
dades dos indivíduos da sociedade contemporânea.
e) Modernidade = destaca o individualismo nas relações sociais em
função do aparecimento das inovações tecnológicas provocadas
pelo desenvolvimento da primeira Revolução Industrial ampliando,
assim, a política como forma de dominação de países emergentes
como o Brasil.

Atividade 3

A partir do estudo deste capítulo, escreva um texto (de, no mínimo, 30


linhas) apresentando as principais características da pós-modernidade e
analisando a influência das transformações proporcionadas pela moderni-
dade na culminâcia desse processo social contemporâneo. Publique o
texto em seu Portfólio.

Referências

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Teocomunicação - PUCRS, Porto Alegre, v. 37, n. 155, p. 89-108, mar. 2007.
Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/teo/article/
viewFile/1775/1308>. Acesso em: abr. 2010.
UNIUBE 313

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar, 1998.

______. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BOFF, Leonardo. A voz do arco-íris. Brasília: Letraviva, 2000.

COELHO, José Teixeira. Moderno pós-moderno. São Paulo: Iluminuras, 1994.

LIMA, Abilí Lázaro Castro. Uma reflexão sobre a política na Pós-Modernidade.


In: Revista da Faculdade de Direito da UFPR, v.36, 2001.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Lisboa: Gradiva


editores, 1989.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de


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HARVEY, David. Condição Pós-moderna: uma pesquisa sobres origens da


Mudança Cultural. 16. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2007.

REIS, José Carlos. História e Teoria: Historicismo, Modernidade,


Temporalidade e Verdade. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.

ROUANET, Sérgio Paulo. As razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia das


Letras, 1992.

SANTOS, Jair Ferreira. O que é pós-moderno? São Paulo: Brasiliense, 1994.

TARNAS, Richard. A Epopeia do Pensamento Ocidental: para compreender as


ideias que moldaram nossa visão de mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
Capítulo
Oriente Médio:
questões e debates
8
Ana Cristina Borges
Maria Aura Marques Aidar

Introdução
Muitas linhas têm sido escritas, muito papel foi gasto, muitas palavras
foram ditas na tentativa de explicar o que originou os atentados ao
World Trade Center e ao Pentágono, nos Estados Unidos, em 11 de
setembro de 2001. Pessoas se perguntavam quem teria sido respon-
sável por tais atos e percebeu-se que, pelo menos nas Américas,
muitos desconheciam e muitos ainda desconhecem a região do
Oriente Médio. Apesar de ser a região de onde se originaram as três
religiões com maior número de seguidores no mundo (judaísmo,
cristianismo e islamismo), pouco se conhece sobre eles.

De onde viria o descontentamento em relação ao Ociden-


te que move homens-bomba e os atentados terroristas?

O Oriente Médio é uma das regiões mais intrigantes do planeta.


Habitado desde tempos remotos, é uma área importante do ponto
de vista econômico, principalmente por causa do petróleo. Até a
Idade Moderna, o Oriente Médio estava sob domínio do Império
Otomano e assim permaneceu até a Primeira Guerra Mundial,
quando a região passou a ser controlada e dividida pela Inglaterra
e pela França. Importante cenário geopolítico e militar, passagem
entre a Europa e a Ásia, com o fim da Segunda Guerra Mundial, o
Oriente Médio se tornou uma região
estratégica na Guerra Fria. A criação Aiatolá
do Estado de Israel, em 1947, serviu
Em árabe, “versículo de Deus”.
aos propósitos e interesses das Religioso muçulmano xiita de
superpotências. Em 1979, um fato alta hierarquia (líder religioso).
(MASSOULIÈ, 1996, p.150)
novo: a revolução xiita do aiatolá
316 UNIUBE

Khomeini, no Irã, deu uma demonstração do poder latente da religião


islâmica, com milhões de fiéis em todo o mundo.

Durante séculos, o mundo do Islã foi representado por conquis-


tas e vitórias, civilização poliétnica, multirracial, intercontinental.
Ao final da Idade Média, o Ocidente adquiriu novos saberes e
avançou no aperfeiçoamento científico e tecnológico, acreditando-
-se superior na questão cultural. O Oriente, que havia ensinado ao
Ocidente, artes, religião, política e ciência, vai ficando para trás no
que se denominou “o progresso ocidental”.

No início do século XX, os ingleses designaram a região entre o


Mediterrâneo e as fronteiras da Índia, controlada pelo Império Britâni-
co, de “Oriente Médio”, assim denominada em substituição à expres-
são Oriente Próximo, utilizada até o início do século XX e que era a
contraposição ao Extremo Oriente do Japão, da China e da Ásia do
Pacífico. Os países que o compõem se encontram na encruzilhada
para os continentes africano, europeu e asiático, percorrida desde a
antiguidade por caravanas e exércitos: Afeganistão, Arábia Saudita,
Bareim, Catar, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Irã, Iraque,
Israel, Jordânia, Kwait, Líbano, Omã, Síria, Turquia e Territórios da
Autoridade Nacional da Palestina. Observe na Figura 1:

Figura 1: Mapa do Oriente Médio.


Fonte: Acervo EAD-Uniube.
UNIUBE 317

A região tem aproximadamente duzentos milhões de habitantes e


muito pouco em comum. São, no mínimo, seis línguas diferentes,
além de religiões distintas.

Objetivos
Esperamos que, ao finalizar o estudo deste capítulo, você seja
capaz de:
• reconhecer que a explosiva situação do Oriente Médio com
os conflitos entre árabes e israelenses, nos mostrou que
deles e de sua história sabemos pouco;
• compreender o motivo pelo qual o Islamismo, mais do que
qualquer outra religião do mundo atual, é tão temida e mal
compreendida;
• analisar a reação do Islã em seu esforço de compreender
por que a sua situação mudou de vanguarda do progresso
humano para a situação de “atraso” em relação ao Ocidente;
• identificar as principais questões que envolvem os conflitos no
Oriente Médio, levando em consideração a heterogeneidade
dos povos, seus fatores políticos, culturais e religiosos
• analisar os discursos contra o terrorismo e as ações do fun-
damentalismo islâmico como reflexo do choque entre duas
civilizações – o Ocidente e o Oriente.

Esquema
8.1 O Islã e o mundo árabe
8.2 Os judeus e o mundo árabe
8.3 Do Sionismo ao Terrorismo: entenda os conflitos
8.4 Conclusão
318 UNIUBE

8.1 O Islã e o mundo árabe

Foi na Península Arábica que surgiu o Islã, representando grande força


política e religiosa e, inicialmente, dirigido às tribos árabes. A organização
social tribal privilegiava a linhagem, o parentesco de uma pessoa que
superava outras lealdades. O estilo de vida dessas tribos variava entre
o nomadismo (pastores de cabras, ovelhas e camelos ou comerciantes
em caravanas de longa distância), a agricultura nos oásis e pequenos
centros urbanos. Valorizavam, acima de tudo, a liberdade de movimentos,
a honra e a solidariedade para com os membros do clã. Por serem muito
pobres, havia muitas brigas pelos poucos recursos disponíveis (animais
e água), provocando ciclos de vingança.

Maomé, no século VII, recebeu a revelação e a incumbência de divulgá-la. A


partir de 622 e no curto período de dez anos, o profeta estendeu o poder do
islamismo por toda a Arábia e, hoje, encontra-se disseminado pelo mundo
todo e especialmente no Oriente Médio, Norte da África, Sudão, Paquistão,
parte da Índia e Indonésia. Em Meca, região que à época era passagem de
caravanas que percorriam a península, está localizada a Caaba.

Construção simples em forma de cubo, local sagrado para os muçulma-


nos, onde se reverencia um meteorito negro e que, antes do advento do
islamismo, era local de adoração politeísta. Acredita-se que a Caaba foi
construída por Adão seguindo ordens celestiais e que, após o dilúvio, foi
reconstruída por Abraão e Ismael, justificando, assim, sua importância
para a religião muçulmana.

Visto que como as duas outras grandes religiões monoteístas, o judaísmo


e o cristianismo, as raízes do islamismo vêm do profeta Abraão, o
patriarca do judaísmo, que teria estabelecido as bases do que hoje é a
cidade de Meca e construído a Caaba. Todos os muçulmanos se voltam
para essa cidade quando realizam suas orações e, pelo menos uma vez
na vida adulta, precisam fazer peregrinação e visita à Caaba.

Maomé, o profeta do Islã, nasceu em Meca, na Arábia Saudita, no ano


de 570 d.C. Seu pai faleceu em uma batalha antes de seu nascimento,
e sua mãe, morreu quando ele tinha cerca de 6 anos. Foi criado pelo tio,
que era da tribo dos Coraixitas, e tornou-se condutor de caravanas que
atravessavam o deserto.
UNIUBE 319

Era conhecido por sua retidão de caráter, de tal maneira que era procurado
por sua capacidade de arbitrar disputas. Cultivava o hábito de meditar e
questionava as práticas religiosas de seus dias, descontente com a religião
árabe politeísta idólatra, que cultivava hábitos como a imoralidade nas
assembleias e quermesses religiosas, a bebedeira, a jogatina, as danças
que estavam na moda, bem como o sepultamento em vida de bebês do
sexo feminino indesejados, praticados não apenas em Meca, mas em
toda a Arábia Saudita. Além de se incomodar com as frequentes rixas por
causa de interesses de religião, honra e poder entre os chefes coraixitas. 

Para meditar sobre tais problemas, Maomé ia à


caverna de Gar Hirá, perto do topo da montanha Surata

da Luz, próximo a Meca. Aos 40 anos de idade, Nome de cada capítulo do


ele recebeu sua primeira revelação por intermé- Corão, que possui, no total,
114 suratas.
dio do Anjo Gabriel que, supostamente, teria
sido os primeiros cinco versículos da surata,
que constam no Corão (recitação), sob o título
AL’ALAC, “O Coágulo (de sangue)”:

Lê em nome de teu Senhor que [tudo] criou. Criou o


Homem de um coágulo. Lê que teu Senhor é generoso,
que ensinou o uso do cálamo [para escrita], ensinou ao
homem o que este não sabia. (KAMEL, 2007, p.67).

O Corão (ou Al Corão) é o livro sagrado dos muçulmanos, que trata de


assuntos relacionados com o ser humano; lei, sabedoria, doutrinas, rituais.
Mas o tema principal é o relacionamento de Deus com a humanidade.
Escrito em árabe, compõe-se de 114 capítulos ou suratas, contendo os
dogmas ou preceitos morais. O Corão também orienta para a criação
de uma sociedade mais justa, conduta humana decente e um sistema
econômico com fundamentos sociais.

A partir dessa revelação, pode-se, então, considerar que os princípios


da nova doutrina religiosa começam a ser formados. Maomé iniciou
períodos de jejuns, meditações e pregações a um pequeno grupo de
coraixitas convertidos. Como sempre acontece a todo pregador, suas
ideias de mudanças religiosas incomodaram os líderes da tribo, que
viram a implantação do monoteísmo como uma ameaça à peregrina-
ção a Meca, o que lhes prejudicaria comercialmente e tentaram matá-lo.
320 UNIUBE

Maomé foi, então, convidado a se estabelecer em Yatreb e sua mudança


para essa cidade, a partir de 622, ficou conhecida como Hégira, inaugu-
rando o Islamismo (ou Islã) e dando início ao calendário muçulmano.
Maomé instaurou um governo teocrático, mudando o nome da cidade
para Medina (a cidade do profeta), tornando-a base dos atos de conver-
são forçada de Meca, que foi sitiada e seus ídolos destruídos, mantendo-
-se somente a Pedra Negra.

SAIBA MAIS

Os Cinco Pilares do Islã, segundo Roger Garaudy, na obra “Promessas do


Islã”, publicada no Brasil, pela Nova Fronteira, em 1988, podem ser assim
resumidos:

1 Profissão de Fé: “Existe um único Deus e Maomé é seu profeta”.


Nenhuma outra divindade se­não Deus: Maomé, seu mensageiro. O
universo inteiro ganha as­sim um sentido, o absoluto revelando-se no
relativo sob a forma de “sinais”, de símbolos. A natureza e os homens,
do mesmo modo que a palavra do Alcorão, eram uma aparição, uma
manifestação de Deus. “Não há nada que não cante seus louvores,
mas vocês não compreendem seu canto” (XVII, 44).

2 Oração: a prece é a participação consciente do homem no canto de


louvor que liga todas as criaturas ao seu criador. “Volte a si mesmo
para encontrar toda a existência resumida em você”. A prece integra
o homem de fé a essa adoração universal: realizando-a, com o
rosto voltado para Meca, todos os muçulmanos do mundo e todas
as mesquitas cujo nicho do mirhab designa a direção da Caaba são
assim integrados, por círculos concêntri­cos, a essa vasta gravitação
dos corações rumo ao seu centro. A ablução ritual, antes da prece,
simboliza o retorno do homem à pureza primitiva pela qual, rejeitando
a si mesmo tudo o que pode macular a imagem de Deus, ele se torna
seu perfeito espelho.

3 Jejum durante o mês sagrado do Ramadã: o jejum, interrupção


voluntária do ritmo vital, afirmação da liberdade do homem em relação
ao seu “eu” e aos seus desejos e, ao mesmo tempo, lembrança da
presença em nós mesmos daquele que tem fome, como de um outro
eu mesmo que devo contribuir para tirar da miséria e da morte.
UNIUBE 321

4 Zakat: não é esmola, mas uma espécie de justiça interior institucio-


nalizada, obrigatória, que torna efetiva a solidariedade dos homens
da fé, isto é, daqueles que sabem vencer em si mesmos o egoísmo e
a avareza. O zakat é a lembrança permanente de que toda riqueza,
como tudo, pertence a Deus, e que o indivíduo não pode dispor dela
à vontade, que cada homem é membro de uma comunidade.

5 A peregrinação a Meca: enfim, não apenas concretiza a realidade


mundial da comunidade muçulmana, mas, dentro de cada peregrino,
vivifica a viagem interior em direção ao centro de si mesmo.

Maomé recitava as revelações a quem estivesse por perto. E estes, por sua
vez, memorizavam as revelações e, assim, mantinham-nas vivas. Nessa
época, os árabes não sabiam fazer papel, então, as pessoas anotavam as
revelações em primitivos materiais disponí-
veis na região, como folhas de palmeiras, Suna
madeira, pergaminho, omoplatas de camelo.
Somente após trinta anos da morte do (em árabe, “lei, regra
tradicional”)
profeta é que o Corão assumiu a sua forma Ortodoxia muçulmana,
atual, pois, com a expansão vertiginosa e segundo a tradição que relata
as palavras e atos de Maomé.
as dissidências se avizinhando no horizon-
te da nova religião, houve a necessidade da
redação de um texto que compilasse todas Sunitas
as revelações feitas a Maomé. Os feitos de Muçulmanos ortodoxos que
Maomé foram reunidos por seus familiares seguem a suna e a autoridade
dos quatro primeiros califas
em um livro denominado Suna, no qual se (sucessores), por oposição
encontram as bases da tradição, formula- aos xiitas, que seguem
apenas os descendentes de
das a partir dos exemplos dados por Maomé Ali, genro de Maomé.
durante sua vida.

Em 632, ocorreu a morte do profeta. Nessa Xiitas


época, o Estado árabe já estava fortalecido (do árabe xia, “partido”)
em torno do islamismo que tivera Maomé Muçulmanos partidários de
Ali, primo e genro de Maomé,
como chefe político e religioso. No entanto, que sustentam, em oposição
uma grande crise se apresentou, pois não aos sunitas, só serem
havia sido determinado como seria feita autênticas as tradições do
Profeta transmitidas pelos
a sua sucessão. A comunidade islâmica membros da sua família.
dividiu-se entre os sunitas e xiitas.
322 UNIUBE

Os primeiros seguem o Corão e, em relação aos costumes da Suna


e na época da morte do profeta, entenderam que deveria sucedê-lo o
seu sogro, que, além de grande amigo, era também o maior seguidor
de Maomé. Os xiitas entendiam que quem deveria substituí-lo seria um
parente, sangue de seu sangue e escolheram o parente mais próximo, Ali,
que era primo e genro de Maomé. Nesse primeiro momento, prevaleceu
a decisão dos sunitas.

Quando ocorreu o falecimento do profeta, seus soldados já estavam


prontos para empreender a propagação da religião por intermédio da
expansão militar. A Jihad, um dos preceitos básicos da suna, seria o
“esforço supremo em favor de Deus”, ambiguamente traduzida como
“Guerra Santa”, realizada para difundir ou defender o islamismo. Abraçar o
Islã seria assumir o compromisso total, ou seja, reger sua vida nos moldes
prescritos por Deus, incentivar a sociedade com a letra e o espírito da lei
divina e propagar a religião no mundo inteiro convertendo os infiéis.

Haveria duas formas de se fazer a “Grande Jihad” - o esforço em favor de


Deus ou luta contra o ego e a “Pequena Jihad”, que é a busca de persua-
são do infiel aos caminhos do Profeta. A egolatria é uma das formas mais
condenáveis de idolatria e a Grande Jihad volta-se a dar combate a esta
forma de idolatria. A “Pequena Jihad” busca, principalmente pela persua-
são, mas à força se necessário, proteger e trazer novos crentes para o Islã.

A expansão se deu pelas armas, mas também de forma pacífica por meio
de contatos pessoais, comerciais e culturais e, logo, o Oriente Médio,
partes da África, Espanha, partes da Índia, Indonésia e China foram
convertidas. Do século VII ao século XI, os árabes expandiram o Islã para
o Oriente Médio e Norte da África, desenvolvendo uma civilização original
e avançada, considerada a fase clássica da expansão do islamismo;
num segundo estágio, no período que vai do século XI até o século
XIV, o Oriente Médio reagiu ao Islã, mas, no entanto, a expansão teve
continuidade até a Ásia Central e Índia. O império da pólvora, constituído
na força dos canhões islâmicos, no período compreendido entre o século
XV e XVIII devolveu o dinamismo das conquistas com os otomanos,
safávidas, grão-mughals na Índia, entre outros. No quarto estágio –
século XIX e primeira metade do século XX, o mundo muçulmano esteve
sob a influência das potências europeias.
UNIUBE 323

Segundo o historiador Bernard Lewis (2002, p.10), durante séculos, a


visão que os muçulmanos tinham do mundo e de si mesmos era bem
fundada, o Islã representava a maior potência militar na Terra, invadindo
a Europa, a África, a Índia e a China ao mesmo tempo, além de ter a
supremacia econômica. Nas artes e ciências de civilização, alcançara
um alto patamar, com a herança dos conhecimentos gregos e persas
aos quais acrescentou novas e importantes inovações trazidas da China
(papel) e da Índia (números decimais), inovando no uso dos algarismos
arábicos que vieram facilitar a vida em relação ao uso da numeração
romana. A Europa, que havia sido aprendiz e, de certa forma, dependen-
te do mundo islâmico, começa um pouco antes do Renascimento a ter
progressos nas artes civilizadas conseguindo um progresso significativo
a partir daí nas artes da guerra.

Lewis (2004, p. 26) entende que comparadas com as religiões orientais,


o judaísmo, o cristianismo e o islamismo “estão intimamente relacionadas
e aparecem, de fato como variantes da mesma tradição religiosa”.
Cristãos e muçulmanos acreditariam ser os únicos afortunados a receber
e guardar a mensagem final de Deus para a humanidade, sendo sua
obrigação levá-la ao resto do mundo, e isso as tem impelido, ao combate.

Semelhantes em alguns aspectos são extremamente diferentes em outros.


Jesus dizia a seus seguidores “a César o que é de César e a Deus o que
é de Deus” (Mat.22:21). O Cristianismo cresceu e se desenvolveu como
uma religião dos oprimidos e não como a religião do Estado. Somente com
a conversão do Imperador Constantino passa a ser a religião do Império,
mas, mesmo assim, houve uma Igreja com sua hierarquia que dava suporte
à religião. No Islã, Maomé não precisou criar uma Igreja. Os muçulmanos
tornaram-se, ao mesmo tempo, uma comunidade política e religiosa com o
profeta como Chefe de Estado com poder religioso, político e militar.

SAIBA MAIS

Algumas informações importante!

Islamismo: o islamismo é a religião fundada pelo profeta Maomé no início


do século VII, na região da Arábia.
324 UNIUBE

Islã: é o conjunto dos povos de civilização islâmica, que professam o islamis-


mo; em resumo, é o mundo dos seguidores dessa religião. Em árabe, Islã
significa “rendição” ou “submissão” e se refere à obrigação do muçulmano de
seguir a vontade de Deus. O termo está ligado a outra palavra árabe, “Salam”,
que significa “paz” - o que reforça o caráter pacífico e tolerante da fé islâmica.
O termo surgiu por obra do fundador do islamismo, o profeta Maomé, que
dedicou a vida à tentativa de promover a paz em sua Arábia nata.

Muçulmano: é o seguidor da fé islâmica, também chamado por alguns de


islamita. Uma pessoa se torna muçulmana quando proferir, em árabe e diante
de uma testemunha, que “não há divindade além de Deus, e Mohammad é
o Mensageiro de Deus”. O processo de conversão extremamente simples
é apontado como um dos motivos para a rápida expansão do islamismo
pelo mundo. A jornada para a prática completa da fé, contudo, é muito mais
complexa. Nessa tarefa, outros muçulmanos devem ajudar no ensinamento.

Nem todos os muçulmanos são árabes: o Oriente Médio reúne somente


cerca de 18% da população muçulmana no mundo - sendo que turcos,
afegãos e iranianos (persas) não são sequer árabes. Outros 30% de
muçulmanos estão no subcontinente indiano (Índia e Paquistão), 20% no
norte da África, 17% no sudeste da Ásia e 10% na Rússia e na China. Há
minorias muçulmanas em quase todas as partes do mundo, inclusive nos
EUA (cerca de 6 milhões) e no Brasil (entre 1,5 milhão e 2 milhões). A maior
comunidade islâmica do mundo vive na Indonésia.

Um dos motivos que moveram os árabes na sua história mais recente


em vista das transformações ocorridas no mundo devido à Revolução
Industrial, ao capitalismo e ao socialismo, foi a vontade de recuperar
a dignidade e a identidade definida no plano internacional, de modo a
superar os séculos de dominação estrangeira.

Segundo Maria Yedda Linhares (2004, p.109):

O nacionalismo, mais do que uma ideologia burguesa,


importada do solo europeu pelo capitalismo emergente
do século XIX, foi a grande ideologia mobilizadora, ora
pan-islâmica, ora pan-árabe, ora faraônica – como no
caso egípcio – que arregimentou burgueses, intelectu-
UNIUBE 325

ais, beduínos e felás, contra o dominador estrangeiro,


quer turco, quer europeu. Uma das grandes tragédias
do nosso século residiu no fato de ele ter se desenvol-
vido paralelamente a outro nacionalismo – o sionismo
-, ao mesmo tempo em que este ganhava corpo, força
e poder de expansão. O nacionalismo judeu também
legitimou nas suas raízes sociais e humanitárias, por
várias injunções internacionais, apresentava-se como
imposto de fora, sujeito sobretudo da política de Harry
Truman em diante, às exigências da política americana
e de seus conflitos com a União Soviética.

Comparado com a cristandade, seu rival milenar, o mundo islâmico


tornara-se pobre e fraco, após ter sido forte e rico durante séculos. A
supremacia do Ocidente nos séculos XIX e XX, patente para todos,
invadiu aspectos da vida pública muçulmana e o que foi considerado pior,
invadiu também a vida privada. Buscou-se a vitória por meio de exércitos
modernos, armas e fábricas, escolas e parlamentos, porém nenhum
alcançou o resultado esperado, perderam a liderança para o Ocidente.

8.2 Os judeus e o mundo árabe

Para compreendermos a intrincada relação que envolve os judeus e


os árabes, é preciso retomar um breve contexto histórico da civilização
hebraica.

Quando os hebreus, conduzidos por Abraão, chegaram à Palestina, o


território já era habitado por cananeus e filisteus. Por várias gerações,
esses povos se envolveram em conflitos pelo domínio das terras
habitadas. Por volta do ano 1750 a.C., os hebreus migraram para o
Egito para fugir de uma grande seca que assolou a região. Por cerca de
400 anos, os hebreus permaneceram no Egito, quando passaram a ser
perseguidos e escravizados pelos egípcios. Até então, eram politeístas.

Por volta de 1300-1250 a.C., sob a liderança de Moisés, os hebreus inicia-


ram seu retorno à Palestina, libertaram-se da servidão e foram persuadi-
dos a acreditar num único deus. Vagaram pelo deserto durante quarenta
anos e sua saída do Egito ficou conhecida como Êxodo. Segundo a
tradição religiosa, foi durante esse período que Moisés recebeu de Deus
as tábuas da Lei, a revelação dos Dez Mandamentos, no Monte Sinai.
326 UNIUBE

A partir daí, iniciou-se a crença num Deus único. Os Dez Mandamentos


se tornaram, juntamente com o Pentateuco (os cinco primeiros livros do
Antigo Testamento), os textos sagrados que passariam a ser o código
moral e religioso para os descendentes de Israel (neto de Abraão). Os
judeus também seguiam a Torá, que engloba o conjunto de ensinamentos
e práticas da religião judaica, além de abarcar ensinamentos cotidianos
de todos os aspectos da vida, desde o nascimento até a morte.

Os hebreus foram os primeiros povos monoteístas da história, ao adotarem


os preceitos difundidos pelos profetas Abraão e Moisés e fundarem o
judaísmo, que nasceu na chamada terra de Canaã ou Palestina. O judaís-
mo influenciou o surgimento do cristianismo e, anos mais tarde, do islamis-
mo. A Bíblia, o livro sagrado dos hebreus, é considerada uma das maiores
fontes da história desse povo.

De volta à Palestina, novas dificuldades de ocupação foram enfrentadas,


com os povos filisteus, cananeus e, posteriormente, com os assírios e
persas. Todos os contratempos enfrentados serviram para unir os hebreus,
que, até então, eram governados por “juízes” que possuíam um pouco mais
que a autoridade de chefes religiosos das doze tribos formadas no retorno
à Palestina, e passam a se organizar politicamente como uma monarquia.
Das grandes realizações dos reis hebreus, destaca-se a construção do
Templo de Jerusalém, na capital sagrada, pelo rei Salomão.

O cisma provocado pela sucessão do rei Salomão levou à ruptura entre


as tribos hebraicas, que se dividiram entre o Reino de Israel, formado
pelas dez tribos do norte lideradas por Jereboão, que recusaram a
autoridade do filho de Salomão; e o Reino de Judá, formado por duas
tribos do sul, a capital Jerusalém e governados por Reoboão, o filho do
rei. Por volta de 722 a.C, Israel foi conquistada pelos assírios e seus
habitantes dispersados pelo império dos conquistadores, passando a
ser denominados “as dez tribos perdidas de Israel”. Judá se manteve até
586 a.C, quando também foi dominada pelos assírios, sob o comando
de Nabucodonosor. Jerusalém foi saqueada, o templo foi destruído e
seus principais cidadãos levados para a Babilônia, no episódio que
ficou conhecido como o “Cativeiro da Babilônia” e durou até 532 a.C..
Durante esse período, os persas dominaram os babilônios e permitiram
o retorno dos judeus à Palestina, agora, incorporada ao Império Persa,
e a reconstrução do Templo.
UNIUBE 327

Os judeus ainda se veriam sob o domínio dos gregos, liderados pelo


exército de Alexandre, o Grande e, posteriormente, dos romanos, quando
estes conquistaram a região e anexaram a Palestina ao Império Romano,
em 63 a.C. A região tornou-se um caldeirão em ebulição, as seitas se
multiplicavam, o descontentamento era grande. Finalmente, em 66 da
nossa era (d.C), o ódio acumulado por tanto tempo de sofrimento e
privações explodiu em uma guerra. Roma teve de enviar à Judeia seis
legiões e tropas auxiliares para controlar os revoltosos que combatiam
com coragem contra o aparato bélico dos romanos.

Em 70 d.C, findou a trajetória dos hebreus como comunidade judaica,


com a ocupação de Jerusalém depois de terríveis combates. O Templo
foi novamente destruído, ficando de pé apenas alguns trechos do muro,
onde os judeus passariam a se lamentar, hoje, denominado o “Muro das
Lamentações”. Aos poucos, seus habitantes espalharam-se pelo Império
Romano, e por outras regiões, concretizando a chamada Diáspora, ou
dispersão dos judeus, e desde então, por onde passaram sofreram
perseguições e massacres, além de muito preconceito.

Desde seu retorno à Palestina antiga, a história do povo judeu foi cercada
por conflitos e disputas de poder, tendo em vista que não se mantive-
ram como um Estado de fato e passaram a sobreviver como comuni-
dades. Após a Diáspora, sem território próprio, os judeus conseguiram
manter algumas tradições, conservaram a língua, sua religião e seus
costumes. Essa preservação se deve, principalmente, ao monoteísmo.
Os judeus criaram uma nova forma de expressão religiosa, não mais
presa às escrituras, mas por meio da oralidade. Segundo a tradição
religiosa, Moisés recebeu duas leis: a Torá escrita, que está no texto
do Pentateuco, e a Torá oral, que foi passada de geração em geração.
Nesse sentido, no lugar dos cultos feitos pelos sacerdotes, as pessoas
mais sábias – os rabinos - se reuniam para transmitir os ensinamentos
religiosos. Por essa razão, os judeus se constituíram como uma nação,
preservando sua identidade e unidade cultural.

Apesar do grande número de judeus dispersos, sempre existiram comuni-


dades judaicas no território palestino e em outros países árabes. Vivendo
sob o domínio de vários povos e impérios, em sua maioria intolerante,
o judaísmo aprendeu a se adaptar às circunstâncias adversas. A esse
respeito, a socióloga francesa, Régine Azria, afirma que:
328 UNIUBE

A mudança é, antes de tudo, apagar o centro palestino


em proveito da diáspora. Em seguida, são novos polos
de vida judia que se desenvolvem e multiplicam na Ásia,
na Europa, na África. Eles conhecerão alternâncias
de estabilidade e de tranquilidade (globalmente até
o século 11) depois de violência e perseguição
(especialmente na época das cruzadas e da Inquisição);
períodos de esplendor cultural e social (as “idades de
ouro” espanhola, polonesa, otomana) seguidos de fases
de declínio (fim do califado de Bagdá ou do regime de
autonomia na Polônia). Essas alternâncias marcarão
de modo repetitivo, a história dos judeus em diáspora.
(AZRIA, 2000, p.61-62)

Após o domínio dos árabes e da religião muçulmana no Oriente Médio,


os judeus passaram a ser considerados infiéis e viviam sob a autoridade
islâmica, tendo muitas vezes que se adaptarem aos preceitos do
Islã. Dessa relação entre judeus e muçulmanos surgiram de um lado,
imposições, restrições e proibições, e, de outro, algumas influências entre
as duas culturas, que podem ser percebidas na língua e nos costumes.

A autoridade muçulmana exigia dos judeus roupas


diferentes das comumente usadas pelos árabes.
Mulheres judias eram proibidas de usar o véu, símbolo
da virtuosidade da mulher muçulmana. Aliás, seria
perceptível a degradação da posição da mulher judia
na sociedade islâmica já que, como regra, elas não
recebiam instrução ou autorização para participar
dos cultos religiosos. O dhimma proibia a montaria
de certos animais e legislava sobre as construções,
que não poderiam ser mais elevadas em altura do que
as mesquitas. Também havia restrições aos direitos
de herança, bem como proibições para casamentos
mistos. Era proibido aos judeus portar armas, mas era
permitida relativa autonomia nas comunidades, inclusi-
ve com lideranças e leis próprias, particularmente no
tocante à vida familiar e religiosa. Havia liberdade para
o exercício de quaisquer atividades comerciais, embora
fosse vedado o exercício profissional de cargos públicos
ou militares. Muitos médicos eram judeus, e o exercí-
cio da medicina permitia a proximidade e o acesso às
esferas mais elevadas do poder islâmico. A assimila-
ção foi de tal monta que se tornou comum a adoção de
nomes árabes (ou mistos) por parte dos judeus.
UNIUBE 329

Encontram-se inúmeras evidências das contribuições


judaicas à religião islâmica por meio da análise de
elementos comuns nos textos sagrados das duas religi-
ões. Ambas possuem leis referentes à dieta, adotam
um dia especial para a oração ou o descanso, e são
resultado das relações entre lei escrita e falada, entre
revelação e tradição. No entanto, a partir do século VIII,
o processo de simbiose já se fazia maduro, e a assimila-
ção de um modo islâmico de ser e pensar já criara uma
cultura judaica-islâmica com características próprias.
Os judeus assimilaram uma forma árabe de pensar e
se expressar, mas preservaram a essência do judaísmo
como cultura autônoma. (GOLFARB; JUDENSNAIDER,
2007, p.42-43).

Em 1890, surgiu um movimento que proclamava o retorno dos judeus à


colina de Sion, em Jerusalém, o sionismo. Nesse período, várias corren-
tes distintas do pensamento político judeu tinham como objetivo criar um
lar judaico, tendo em vista o aumento das perseguições e das hostilida-
des contra os judeus, principalmente na Europa. O jornalista Theodor
Herzl, uns dos fundadores do sionismo, ao escrever seu livro “O Estado
Judeu” (1986), via a necessidade de se criar um Estado permanente para
os judeus apátridas.

Por ser um movimento de caráter mais político que religioso, o sionismo


foi por muito tempo um movimento minoritário, encontrando resistência
entre os próprios judeus. Muitos acreditavam numa emancipação indivi-
dual ou na integração à sociedade europeia. O movimento adquiriu força
quando as perseguições e massacres de judeus se aprofundaram por
toda a Europa. Segundo a historiadora Keila Grinberg,

O surgimento do sionismo, ou o movimento que preconi-


za a volta a Sion, colina de Jerusalém que simboliza a
Terra Prometida, na década de 1890, foi profundamen-
te marcado pelo crescente antissemitismo europeu. A
falência da política de integração dos judeus à sociedade
europeia, posta em prática em vários países durante
todo o século XIX, ficou evidente quando massacres de
comunidades inteiras de judeus – os chamados pogroms
– começaram a acontecer na Rússia e quando o judeu
francês Alfred Dreyfus foi acusado de passar informações
secretas de seu exército para o inimigo alemão. (...)
330 UNIUBE

Foi em contraposição ao antissemitismo europeu,


portanto, que a ideia de construção do Estado Judeu
ganhou força. Movimento nacionalista como muitos
que sacudiam a Europa naquele momento, a visão
política do sionismo pregava a criação de um Estado
laico (não necessariamente na Palestina) que solucio-
nasse os problemas de segurança dos judeus. Muito
influenciados pelo socialismo europeu, a maioria de
seus militantes preconizavam uma dimensão socializan-
te do sionismo, através de comunidades coletivas – os
kibutzim -, permitisse a criação de uma nova sociedade,
baseada em valores igualitários, diferentes daqueles
hegemônicos em suas terras natais. (GRINBERG,
2005, p.101-102).

Com o crescimento das comunidades judaicas na Palestina, o movimento


sionista marcou o início da disputa que se acirrou com a criação de um
Estado judeu num território, até então, habitado em sua maioria pelos
árabes palestinos.

8.2.1 Judeus e Palestinos: as raízes do ódio

Quando os judeus sionistas começaram a emigrar para a Palestina em


fins do século XIX, a Inglaterra controlava a região após a crise do Império
Otomano.

Interessada em manter seu domínio nas áreas petrolíferas, os ingleses


adotaram uma política dualista, ora apoiando os árabes palestinos, ora
apoiando a causa sionista dos judeus, a partir da Declaração Balfour, em
1917, que prometia criar na Palestina um lar nacional para o povo judeu.

No início do povoamento judeu na Palestina, os conflitos com os árabes


não eram intensos. Os judeus passaram a habitar as terras mais abando-
nadas, em torno das cidades sagradas de Jerusalém, Hebron, Safed
e Tiberíades, adquiridas com a compra de terras dos árabes que não
habitavam esses locais. Os judeus, imbuídos de um ideal de progresso,
passam a trabalhar a terra e torná-la próspera. Inicialmente, os árabes
palestinos chegaram a se beneficiar com essa situação, “desfrutando do
acesso ao novo mercado de trabalho aberto com a criação de comunida-
des agrícolas coletivistas e a existência de novas cidades, como TelAviv,
fundada em 1909.” (GRINGBERG, 2005, p.105).
UNIUBE 331

No entanto, a presença dos judeus e seu modo de vida “ocidentalizado”


se tornaram uma ofensa para os árabes, com seus costumes tradicionais
já enraizados. Nesse ínterim, o crescimento de judeus no território levou a
um crescimento da causa nacionalista palestina, incitando um movimento
de independência pelos árabes e a consequente rejeição à imigração
judaica na região.

Os quadros 1 e 2, a seguir, demonstram as várias ondas de imigração


que favoreciam o crescimento constante da população judaica no territó-
rio palestino. Observe que, após a criação do Estado de Israel, os judeus
já constituíam pouco mais de 1/3 da população total da Palestina.

Quadro 1: As principais ondas de imigração judaica para a Palestina

PERÍODO NÚMERO ORIGEM

1882-1903 (1ª aliá) 20/30.000 Rússia

1904-1923 (2ª-3ª aliá) 35/40.000 Rússia e Europa Oriental

1932-1938 (5ª aliá) 217.000 Alemanha e Polônia


Refugiados dos campos de concentração
1939-1948 (6ª aliá) 153.000
europeus
1948-1951 687.000 Países árabes e Europa Central

1952-1960 54.000 Norte da África

165.000 Egito (1956)

75.000 Europa Central

1961-1964 228.000 Marrocos

1965-1971 81.000 EUA e Europa Ocidental

116.000 América Latina

1972-1974 143.000 URSS


EUA, Europa Ocidental, América Latina,
1975-1989 230.000
Irã (1979), Etiópia (1985-1986)
a partir de 1989 450.000 Ex-URSS

Fonte: Adaptado de (MASSOULIÉ, 1996, p.64).


332 UNIUBE

SAIBA MAIS

Aliá
(em hebraico, “subida”)Termo que denomina os períodos de imigração dos
judeus a Israel.

Quadro 2: A evolução das proporções demográficas de judeus na Palestina

NÚMERO DE POPULAÇÃO % DE JUDEUS


ANO
JUDEUS PALESTINA NA PALESTINA

1882 24.000 600.000 4%

1914 85.000 815.000 10%

1922 84.000 836.000 10%

1931 174.000 1.207.000 14%

1935 443.000 1.843.000 24%

1947 589.341 1.908.775 30%

15 de maio de 1948 650.341 2.000.000 33%

Fonte: Adaptado de (MASSOULIÉ, 1996, p.64).

É importante destacar que até o crescente afluxo de judeus na região, os


palestinos não haviam reivindicado nacionalmente a posse dos territó-
rios, que estavam sob domínio do imperialismo inglês. Diante do visível
apoio da Inglaterra e de outras potências europeias ao ideal sionista, os
palestinos investiram na causa nacionalista, reivindicando uma ancestra-
lidade cananeia, para legitimar seus direitos de permanência no território,
afirmando estarem na Palestina há mais tempo que os judeus sionistas.
Pelo seu lado, os judeus têm todo um histórico de perseguição até serem
expulsos da Palestina, na qual surgiu a civilização hebraica.

Rejeitados no Ocidente ou onde quer que os judeus se estabelecessem, o


movimento sionista ganhou um novo impulso a partir das inúmeras persegui-
ções e massacres de milhões de judeus pelo regime nazista. Nesse sentido,
como afirma o jornalista e sociólogo Cláudio Camargo (2006, p.431):
UNIUBE 333

A Segunda Guerra Mundial acabou criando condições


políticas favoráveis ao projeto do sionismo. O principal
motivo, que alinhou a opinião pública mundial ao lado
da causa judaica, foi a revelação do maior genocídio
da história, o extermínio de cerca de 6 milhões de
judeus perpetrado pelo regime nazista. (...) O horror
do Holocausto acabou acelerando a imigração ilegal
de judeus para a Palestina, principalmente daqueles
oriundos da Europa Central e Oriental. A população
judaica na região passou de 445 mil, em 1939, para 808
mil em 1946, de uma população total de 1,5 milhão e
1,97 milhão, respectivamente.

A partir de então, o conflito estava estabelecido. Planejado para resolver


os problemas do Ocidente, o sionismo irá mudar para sempre a geopolí-
tica do Oriente Médio. Os ingleses, incapazes de controlar a situação,
transferem a questão para a recém-criada Organização das Nações
Unidas (ONU), que, em 1947, decide pela partilha do território em dois
Estados (CAMARGO, 2006, p.431):

• um árabe, a Palestina, que possuía 70% da população e 45,4%


das terras;
• outro judeu, o Estado de Israel, com 30% da população e 53,5% do
território.

Vale ressaltar que grande parte das terras distribuídas aos judeus não
era totalmente habitada pelos árabes palestinos. A cidade de Jerusalém,
cobiçada por ambos, foi colocada sob administração internacional,
embora a cidade também ficasse dividida entre os dois povos.

Observe no mapa a seguir (Figura 2) a representação da evolução da


ocupação do território da Palestina pelos judeus e a consequente disputa
do território pelos dois povos. O mapa 2 representa o plano de partilha
da Palestina e a criação do estado de Israel pela ONU, em 1947:
334 UNIUBE

Figura 2: Ocupação do Território Palestino (1946-2000).


Fonte: Acervo EAD-Uniube (NupoaDi). Adaptado de: <http://static.twoday.net/scusi/images/
Palaestina1.jpg>.

A “conquista” do território palestino tornou-se uma questão de glória para


os judeus apátridas e uma questão de honra para os palestinos, que
acusavam os sionistas de terem “usurpado” seu território. Assim como os
judeus estavam decididos a resolver seu problema nacional, os palesti-
nos estavam dispostos a não perderem seus territórios. “Pode-se dizer,
portanto, que o sionismo motivou a formação do nacionalismo palestino.”
(GRINBERG, 2005, p.105)
UNIUBE 335

8.3 Do Sionismo ao Terrorismo: entenda os conflitos

Como afirmamos inicialmente, Oriente Médio é uma das regiões mais confli-
tuosas da atualidade, e também a que há mais tempo tem dominado os
noticiários internacionais. No entanto, tentar compreender as turbulências
dessa região somente pela ótica atual seria contraditório, principalmente
devido ao fato de que os conflitos atuais vêm se desenrolando há décadas,
mais precisamente desde o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918.

Ao analisar a História do presente, uma das principais funções do historiador,


“além de relembrar o que os outros esqueceram ou querem esquecer, é
tomar distância, tanto quanto possível, dos registros da época contemporâ-
nea e vê-los em um contexto mais amplo e com uma perspectiva mais longa”
(HOBSBAWM, 2007, p. 9-10).

Nesse sentido, para entendermos e acompanharmos a situação atual no


Oriente Médio, devemos remontar a gênese desses conflitos, levando
em consideração a heterogeneidade dos povos, seus fatores políticos,
culturais e religiosos.

Já identificamos anteriormente quem são os povos que compõem o


Oriente Médio, genericamente divididos entre árabes e judeus. Uma
das questões primordiais para se compreender o cenário complexo do
Oriente Médio está na identificação desses povos, divididos em várias
etnias, e suas razões políticas e culturais para se estabelecer na região.

O principal conflito está na disputa do território da Palestina entre árabes


palestinos e judeus israelenses. A questão se deve ao fato de a Palestina
ser considerada pelos judeus como a “Terra Prometida”, pois lá viviam
antes de serem expulsos e dispersos no mundo no ano 70 d.C., na
chamada diáspora. Mas, a Palestina também se tornou a terra habitada
pelos árabes, que se estabeleceram na região desde o domínio do
Império Otomano, a partir de 638 d.C..
336 UNIUBE

8.3.1 As guerras árabe-israelenses

Os conflitos árabe-israelenses ou palestino-judaicos se caracterizam pela


disputa sem fim de dois povos por uma só terra. “É assim que o momento
de fundação do estado de Israel, solução dos problemas dos refugiados
judeus da Segunda Guerra Mundial, está indelevelmente ligado à criação
do problema dos refugiados palestinos que, passados mais de cinquenta
anos, ainda permanece”. (GRINBERG, 2005, p.109)

Não apenas os árabes palestinos rejeitaram


Liga Árabe
a criação de Israel, como também os outros
Formada pelo Egito, Iraque, povos árabes dos países vizinhos, que
Líbano, Transjordânia
(atual Jordânia) e Síria.
se uniram na chamada Liga Árabe para
Sua fundação, em 1945, defender seus interesses na região, princi-
correspondia ao objetivo
de unificar a posição árabe
palmente quando os israelenses passaram
sobre a questão da Palestina. a ser a maioria dentro do território palestino,
aumentando seu poderio político e militar. A
Liga Árabe sofreu sucessivas derrotas até
que, em 1949, os judeus israelenses já somavam para si três quartos do
território, forçando cerca de 750 mil árabes palestinos a se refugiarem.

Entretanto, apesar da reação múltipla dos países árabes contra a criação


do Estado de Israel, os principais prejudicados nessa guerra serão, portan-
to, os milhares de palestinos forçados a se exilar fora do novo território
israelense. Segundo Camargo (2006, p. 435), a maioria dos refugiados foi
para a Cisjordânia e Transjordânia (350 mil); os demais foram para a Faixa
de Gaza (190 mil), Líbano (100 mil), Síria (75 mil), Egito (4 mil), Iraque (4
mil). Israel jamais permitiu o retorno desses refugiados, que constituem até
hoje um dos grandes obstáculos para a paz na região.

O Quadro 3, a seguir, nos dá uma dimensão mais atual dos números de


refugiados palestinos:
UNIUBE 337

Quadro 3: A dispersão de refugiados palestinos (1996)

PAÍS NÚMERO
Jordânia 1.358.706
Cisjordânia 532.438
Gaza 716.930
Líbano 352.668
Síria 347.391
Total 3.308.133

Fonte: SAYIGH, 1997 apud GRINBERG, 2005, p.124.

PARADA PARA REFLEXÃO

Antes de prosseguirmos com o desenrolar dos conflitos entre palestinos e


judeus, cabe aqui uma reflexão sobre a Questão Palestina, que retomare-
mos mais adiante:

Os palestinos são os grandes perdedores dessa nova ordem regional nascida


da guerra. O drama dos refugiados, instalados em acampamentos na espera
incerta de uma vitória dos exércitos árabes irá daí em diante polarizar o conflito
e contribuir para perpetuá-lo. Aos olhos do mundo o Oriente Médio parece um
verdadeiro barril de pólvora. Quanto ao Estado de Israel, ele nasce sob o signo
da violência. Os judeus ganharam pelas armas seu direito a um Estado, porém
divididos entre um Ocidente que os oprime e um Oriente que os rejeita, como
viver na sonhada “normalidade”? (MASSOULIÈ, 1996, p.67)

A derrota dos palestinos e da Liga Árabe na primeira guerra contra os


israelenses irá impulsionar uma luta pela “identidade árabe” na região.
Vistos como “um estranho no ninho”, a recusa do reconhecimento de Israel
pelos países árabes incitou o surgimento do arabismo, ou unidade árabe,
na qual o sentimento nacionalista é o principal agente explosivo. Os países
árabes veem na vitória sionista um reflexo do colonialismo e “somente a
união permitirá à nação árabe liberar-se do domínio estrangeiro e retomar
contato com seu passado glorioso”. (MASSOULIÈ, 1996, p. 69)
338 UNIUBE

Aliado ao ideal de criação de uma nação árabe, unida por sua história,
cultura e interesses comuns, está a fragilidade e incoerência dos interes-
ses dos líderes da Liga Árabe, que não conseguem conferir legitimidade
ao movimento de unidade. Nesse contexto, sobressai a liderança do
egípcio Gamal Abdel Nasser, que irá impulsionar o nascimento de um
“socialismo árabe”, apoiado pelo nacionalismo e por uma política de não
alinhamento aos países estrangeiros.

Sua política conhecida como “nasserismo” tomará medidas importan-


tes na tentativa de fortalecer os árabes no segundo conflito contra os
israelenses, como a nacionalização do Canal de Suez, que passa ser
de domínio egípcio em 1956. Mesmo apoiados por Inglaterra e França,
e com a reabertura do canal em 1957, Israel não consegue impedir o
êxito da política de Nasser na região árabe, que promove a criação da
República Árabe Unida. A partir daí, sob o discurso de apoio aos palesti-
nos, as pretensões do líder egípcio nas áreas petrolíferas ganha contor-
nos mais nítidos. A tomada de posição em favor da causa árabe obtém o
apoio da URSS, enquanto Israel recebe o apoio dos EUA na luta contra
o nasserismo.

Contra as investidas de Nasser na região, Israel irá desencadear em


1967 um conflito contra as tropas egípcias, destruindo sua força aérea
e ocupando toda a península do Sinai, a Cisjordânia, as colinas do
Golan pertencentes à Síria e anexando Jerusalém aos seus domínios,
culminando no terceiro conflito árabe-israelense, denominado de Guerra
dos Seis Dias. Esse conflito provocou um novo êxodo dos refugiados
palestinos que se encontravam nessas regiões, agora dominadas por
Israel (Figura 3).

A Guerra dos Seis Dias modifica por completo os dados


do conflito, que irá se focalizar agora nos novos territórios
conquistados por Israel. É através deles que a dimensão
propriamente palestina do conflito volta ao primeiro
plano. Enquanto os árabes, e sobretudo os palestinos,
se rendem aos poucos à ideia de uma coexistência com
o Estado judaico, agora é Israel que se encastela em
suas posições. Com o declínio do nacionalismo árabe,
o Oriente Médio parte em busca de novas ideologias de
combate: logo chegará a hora do islamismo, que, aliado
ao problema do petróleo, forma uma mistura explosiva.
(MASSOULIÈ, 1996, p.87).
UNIUBE 339

Figura 3: Mapa da relação árabe-israelense após 1967.


Fonte: Acervo EAD-Uniube.

A essa altura, a soberania militar e política de Israel era incontestável.


À expulsão dos palestinos, somava-se o sentimento de humilhação por
parte dos árabes em geral, diante do fortalecimento de Israel na região.
Mas toda essa série de derrotas contribuiu para aumentar o sentimento
de uma identidade palestina, que passou a recorrer aos ataques de
milícias armadas contra Israel, com base no princípio dos “três nãos”: não
ao reconhecimento de Israel, não à negociação e não à paz (Conferência
de Cartum, 1967).
340 UNIUBE

Nesse contexto, é criada a Organização pela Libertação da Palestina (OLP)


que, além do controle egípcio, passou a receber a ação independente de
grupos guerrilheiros de palestinos exilados, dentre os quais se destacam:

Fatah • Al-Fatah, de cunho nacionalista e liderada


É uma palavra composta por Yasser Arafat, que defendia o confronto
pelas iniciais invertidas, direto com Israel pela criação de um Estado
em árabe, de Movimento
para a Libertação Nacional laico da Palestina.
da Palestina. Na ordem
correta, as iniciais formam • Hamas, grupo extremista que não reconhe-
a palavra “hataf”, que quer cia a autoridade da OLP e defendia a luta
dizer morte. (Fonte: <http://
www.libanoshow.com/home/ armada e a utilização das táticas de terroris-
oriente_medio/suez.htm>). mo contra os israelenses.

Com a morte de Nasser em 1970, os árabes ficam sem a referência


de um líder forte na região. A criação da OLP fortaleceu a liderança de
Yasser Arafat em defesa da causa palestina, que passa a aceitar as
ações desses grupos guerrilheiros que realizavam sucessivos ataques
contra Israel, ganhando popularidade e apoio por parte dos palestinos.
Um dos ataques mais violentos, fora do território palestino, foi o massacre
de atletas israelenses durante a Olimpíada de Munique, no ano de 1972,
que teve repercussão em todo o mundo.

Em meio aos ataques dos grupos ativis-


OPEP
tas palestinos, Egito e Síria realizaram um
Criada em 1960 pelos países ataque surpresa a Israel em 1973, durante
detentores das maiores
reservas de petróleo do mundo, a celebração religiosa do Yom Kippur (Dia
com o objetivo de controlar do Perdão, para os judeus). Este quarto
o volume da produção e o
preço do petróleo. Atualmente conflito representa uma vitória para os
é formada por 13 países: árabes, já que demonstrou que o exérci-
Angola, Argélia, Líbia, Nigéria,
Indonésia, Arábia Saudita, to israelense não era imbatível. O ataque
Emirados Árabes, Irã, Iraque, surpresa forçou os israelenses a pedirem
Kuwait, Qatar, Venezuela
e Equador. Fonte: <http:// apoio norte-americano para enfrentar os
pt.wikipedia.org/wiki/OPEP>. árabes. A influência dos Estados Unidos
na região aumentou consideravelmente
a partir desses ataques, principalmente para salvaguardar seus próprios
interesses, já que essa foi a primeira guerra em que os países árabes
usaram o petróleo como arma política, ameaçando reduzir a produção e
fortalecendo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
UNIUBE 341

Diante dessa ameaça, os Estados Unidos passaram a mediar o conflito,


conseguindo a paz entre Israel e Egito, por intermédio do acordo de
Camp David, em 1978, pelo qual Israel concordava com a devolução da
península do Sinai ao Egito, e este reconhecia a existência do Estado
de Israel. Mais uma vez, o Ocidente intervém nas questões do Oriente,
o que fará com que o acordo não traga resultados tão favoráveis ao fim
do conflito. A região novamente ficou dividida, de um lado os países que
aceitavam a interferência americana e a negociação com Israel (como
o Egito), e de outro aqueles que negavam esse apoio e buscavam uma
ação política independente (como a Síria, o Iraque e a Líbia).

Pelo lado palestino, a rejeição ao acordo de Camp David irá desencadear


uma série de ataques generalizados nos territórios da Faixa de Gaza e
Cisjordânia. “Daí em diante, estavam plantadas as sementes do fundamen-
talismo islâmico do Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) e da Jihad
(Guerra Santa), (...) em que jovens animados por organizações muçulma-
nas enfrentavam o Exército israelense com paus e pedras”. (CAMARGO,
2006, p. 447). Esta série de ataques ocorridos em 1987 ficou conhecida
como “Intifada”, que significa “levante” em árabe. Ao longo dos anos 80 e
90, a Questão Palestina se alternou entre os entendimentos diplomáticos
por uma solução do conflito e pela explosão de conflitos generalizados.
Depois de duas décadas de lutas, a OLP de Yasser Arafat adotou como
principal objetivo a fundação de um Estado Palestino nos territórios da
Cisjordânia e da Faixa de Gaza.

Podemos definir o fundamentalismo religioso como um movimento que


usa a religião como fundamento de posições políticas. O fundamentalismo
é também uma tentativa de conservar tradições, opondo-se a qualquer
tipo de modernização. De acordo com Grinberg (2006, p.129), “os
fundamentalistas islâmicos são aqueles que concordam em matar os
considerados infiéis, usando a jihad (guerra santa) em nome da defesa
dos princípios do islã”.

O historiador Bernard Lewis (2004, p.129) nos aponta que:

A maior parte dos muçulmanos não é composta de


fundamentalistas e a maior parte desses não é terrorista,
mas a maior parte dos terroristas atuais é muçulmana
e tem orgulho de se identificar como tal. Compreensi-
velmente os muçulmanos reclamam que a mídia fala
342 UNIUBE

de movimentos e ações terroristas como islâmicos, e


perguntam por que a mídia também não identifica os
terroristas e o terrorismo irlandês e basco como cristãos.
A resposta é simples e óbvia – eles não descrevem a si
mesmos como cristãos.

Em 1993, Yasser Arafat e o primeiro-ministro israelense Itzhak Rabin


assinaram vários acordos em Washington sob a intermediação do
presidente norte-americano Bill Clinton. Pela primeira vez, um acordo
previa o estabelecimento da paz entre os dois povos e a fundação do
Estado Palestino. Dois anos depois, Israel se comprometeu a retirar-se
gradualmente dos territórios ocupados e foi criado um governo autôno-
mo palestino sob o comando de Yasser Arafat, a Autoridade Nacional
Palestina (ANP).

Entretanto, os avanços nos acordos esbarraram em vários fatores sucessi-


vos que contribuíram para fracassar o esforço de paz entre palestinos e
israelenses: o assassinato de Itzhak Rabin, em 1995; o destino dos refugia-
dos palestinos em países arábes; o estouro de rebeliões de palestinos
contra israelenses; a ascenção de Ariel Sharon como primeiro-ministro de
Israel, em 2001, intensificando a política repressiva nos territórios palesti-
nos; a intensificação de atentados terroristas palestinos por meio do ataque
de carros ou homens-bomba contra civis e militares israelenses. Sobre
este último aspecto, o fanatismo islâmico tem sido apontado como grande
impulsionador dos ataques.

A morte do líder Yasser Arafat em 2004, apesar de encerrar a luta “pacífi-


ca” pela criação do Estado Palestino, permitiu uma pequena abertura aos
tratados de paz. Em 2005, o governo de Israel deu um passo significa-
tivo, embora não definitivo, desocupando algumas áreas na Cisjordânia
e na Faixa de Gaza, que ficou sob domínio das autoridades palestinas.
Entretanto, a ferida palestina permanece aberta e os acordos de paz na
região ainda estão longe de se tornar uma realidade. A “guerra santa”
em nome da religião que legitima o conflito de ambos os lados, deve dar
lugar à “guerra justa” que aponte para uma solução da questão territorial
entre os dois povos.
UNIUBE 343

8.3.2 As Guerras do Golfo

A partir da década de 1980 até os dias atuais, outros acontecimentos


ligados às reações árabes por seus domínios no Oriente Médio criaram
novos conflitos, principalmente no Golfo Pérsico, região que se tornou
altamente estratégica para as potências mundiais devido à importância
cada vez maior que o petróleo passou a assumir no cenário econômico
mundial desde o século XX. Dos principais conflitos, destacam-se:

• Revolução Iraniana (1979);


• Guerra Irã-Iraque (1980-88), iniciada com a Revolução Islâmica
no Irã, em 1979;
• Guerra do Kuwait (1990-91), iniciada com a invasão do Iraque no
Kuwait;
• Guerra EUA x Iraque (2003), nova invasão ao Iraque na “luta contra
o terror”, em consequência aos ataques do 11 de setembro ao World
Trade Center, em Nova York e parte do Pentágono, em Washington.

Com a expulsão do Egito da Liga Árabe, devido às alianças realizadas com


Israel, o Iraque foi o único país que continuou a apoiar os palestinos e a
OLP. Por possuir um exército forte, Saddam Hussein assumiu a liderança
da causa árabe e também a liderança política na região. Sua primeira
ação militar será contra a revolução islâmica iraniana do aiatolá Khomeini.
A partir dos conflitos no Golfo, “não é mais Israel, mas sim o islamismo e o
petróleo que serão agora o principal motor dos conflitos no Oriente Médio.”
(MASSOULIÈ, 1996, p. 113).

8.3.2.1 A Revolução Iraniana (1979)

O Golfo Pérsico vive uma turbulência quase que permanente desde


a Revolução Islâmica, promovida pelos grupos xiitas do Irã, em 1979.
Apesar de não ser um país árabe, o Irã é um país muçulmano, mas que
conheceu um período de modernização e ocidentalização com apoio
do governo norte-americano, durante o governo do xá Reza Pahlevi.
A ditadura imperial dos Pahlevi sofreu a reação da oposição religiosa
da numerosa população xiita do país, que via na ocidentalização uma
ameaça aos princípios muçulmanos. O líder aiatolá Khomeini “passou a
pregar uma forma de governo islâmico total, o dever do clero de rebelar-
344 UNIUBE

-se contra autoridades despóticas e, na verdade, tomar o poder: em


suma, uma revolução islâmica.” (HOBSBAWM, 2006, p. 441)

Khomeini se tornou a autoridade política do Irã, ao instaurar a República


Islâmica, em 1980, derrubando o Estado moderno e com ele a influência dos
Estados Unidos, considerado o “Grande Satã”. Segundo Hobsbawm (2006,
p.442), “a Revolução Iraniana foi a primeira feita e ganha sob a bandeira do
fundamentalismo religioso, e a substituir o velho regime por uma teocracia
populista, cujo programa professo era um retorno ao século VII d.C.”.

A respeito da eclosão dessa revolução e do seu caráter fundamentalista,


Osvaldo Coggiola faz a seguinte análise:

Em fins de 1978, a tela das TVs do mundo inteiro mostra-


vam um espetáculo surpreendente e inesperado. As ruas
das principais cidades do Irã enchiam-se de manifestan-
tes que, lançando vivas ao imã Khomeini, reclamavam
o fim do governo, uma monarquia encabeçada pelo xá
Mohammed Reza Pahlevi. A ação repressiva do Exérci-
to e da polícia, fiéis ao regime, não conseguia deter a
determinação dos manifestantes. Estes eram massacra-
dos às dúzias e centenas, só para se tornarem mais
numerosos no dia seguinte. O povo iraniano, literalmen-
te, oferecia seu peito às balas, e até aos blindados, do
poderoso Exército imperial. Poucas vezes tinha-se visto
semelhante determinação em um movimento popular,
em qualquer país ou época histórica.
O caráter “islâmico” das manifestações surpreendia,
menos, porém, do que o fato de, pela primeira vez,
uma revolução ser transmitida ao vivo pela televisão.
E, paradoxalmente, se o mundo podia, de modo quase
inédito, acompanhar a evolução e vicissitudes de um
processo revolucionário “em tempo real”, essa revolução,
até mesmo comunicacional, não parecia inspirada em
ideias contemporâneas, mas nos ensinamentos de
um personagem do século VII, o profeta Maomé. Ao
qualificarmos de “iraniana” uma revolução que o mundo
acostumou-se, ideologicamente, a chamar de “islâmica”
(apresentando-a assim como um evento basicamente
reacionário), sublinhamos suas múltiplas raízes históricas
e políticas, que o obscurantismo “racionalista” pretende
ocultar mediante uma simplificação absoluta, posta, hoje,
a serviço de uma cruzada mundial contra o “terrorismo
islâmico”, último álibi político-ideológico do velho
imperialismo capitalista. (COGGIOLA, 2008, p.17-18).
UNIUBE 345

E conclui, a respeito do amplo significado da criação da República Islâmica:

Apesar de xiita, a maioria dos muçulmanos dos outros


países percebeu que o islamismo político tinha capaci-
dade para chegar ao poder. Com o descrédito sofrido
pelo nacionalismo árabe durante a década de 1970, as
sociedades muçulmanas assistiram, gradualmente, à
substituição do pan-arabismo pelo pan-islamismo como
ideologia de massas. Depois de tomar o poder, Khomei-
ni pregou a “revolução islâmica” universal. (COGGIOLA,
2008, p.90).

A forte influência de Khomeini entre os xiitas da região passou a incomo-


dar o governo de Saddam Hussein, que temia que o regime islâmico
pudesse influenciar também a população xiita iraquiana, maioria no país.
De fato, o novo regime iraniano passou a apoiar movimentos separatistas
dos curdos no norte do Iraque e a incitar os xiitas iraquianos a se rebela-
rem contra o governo sunita de Saddam Hussein.

Além disso, Khomeini passava a figurar como uma nova liderança forte
entre os árabes, daí as intenções de Saddam em destruir o líder iraniano
e seu regime. Por outro lado, os Estados Unidos temiam que a revolução
iraniana prejudicasse o fornecimento de petróleo para o mundo capitalis-
ta, além de o fundamentalismo islâmico ferir a influência norte-americana
na região. Nesse sentido, para desestabilizar o governo de Khomeini, os
Estados Unidos insuflaram o Iraque a declarar guerra ao Irã, fornecendo
a Saddam Hussein ajuda militar e financeira.

8.3.2.2 Guerra Irã-Iraque (1980-88)

O conflito entre Irã e Iraque iniciado em 1980 se estendeu numa guerra


inútil por oito anos, uma vez que não houve resultados vitoriosos para
ambos os lados - o regime islâmico não caiu como desejava Saddam, nem
a revolução iraniana se espalhou efetivamente pelo Golfo Pérsico. Em fins
dos anos 80, alguns poucos movimentos fundamentalistas surgiram entre
os muçulmanos e estruturavam-se em vários países como organizações
ou partidos islâmicos que disputavam o poder político e recorriam a ações
terroristas: na Turquia, o partido Refah; no Líbano, o Hezbollah; na Palesti-
na, o Hamas; no Afeganistão, os Talibãs.
346 UNIUBE

Nesse período, surgiu uma importante inovação que se mostrou singular-


mente terrível: o homem-bomba. Ele tem origem como uma derivação da
revolução iraniana de 1979, impregnado de poderosa ideologia islâmica
xiita, que idealiza o martírio, e foi empregado pela primeira vez com o
objetivo de produzir efeitos decisivos em 1983, contra os americanos, pelo
Hezbollah, no Líbano. (HOBSBAWM, 2007, p.130)

Com o fim do conflito e a morte de Khomeini em 1989, Saddam Hussein se


tornaria o grande senhor do Golfo Pérsico. Entretanto, a crise econômica
que o Iraque viveu após as perdas na guerra, aliada às tensões internas das
várias etnias do país (árabes, assírios, iranianos, curdos etc.) e das rivalida-
des religiosas (sunitas e xiitas) irão provocar, a longo prazo, a derrocada do
regime de Saddam. Segundo Osvaldo Coggiola (2008, p.106):

Não se pode considerar a guerra Irã-Iraque, com seus


milhões de mortos, um fato atribuído à agressividade de
Khomeini e os xiitas, e sim ao sistemático armamento
e apoio político-diplomático brindado pelo Ocidente
(Europa e Estados Unidos) e até pela União Soviética
ao regime de Bagdá, encabeçado por Saddam Hussein,
com o fito de conter a revolução iraniana.
O Iraque foi acusado de usar armas químicas contra
as tropas iranianas. A guerra entrou em nova fase em
1987, quando os iranianos aumentaram as hostilidades
contra a navegação comercial dentro e nas proximi-
dades do Golfo Pérsico, resultando no envio para a
região de navios de guerra norte-americanos e de
outras nações. O Iraque continuava a ser abastecido
pelo Ocidente. O ataque a Saddam fez que os confli-
tos internos iranianos cessassem. Todas as facções e
tendências que antes se digladiavam em Teerã uniram-
-se contra o invasor. A guerra que nascera móvel em
1980, acabou se tornando uma clássica guerra de
trincheiras nos anos seguintes, levando os dois países à
exaustão total dos recursos.

Durante a guerra com o Irã, o governo do Iraque contraiu uma imensa


dívida externa. Saddam Hussein fracassou em seu intento de transformar
o país numa grande potência na região. A saída encontrada pelo Iraque
para a crise econômica foi a invasão do Kuwait em 1990, acusado
pelo governo iraquiano de ser o responsável pela queda dos preços do
petróleo, devido à crescente oferta no mercado internacional.
UNIUBE 347

8.3.2.3 I Guerra do Golfo: a invasão do Kuwait (1990-91)

Além do contexto econômico, um fator geopolítico também influenciou a


eclosão da primeira Guerra do Golfo: buscando consolidar-se como líder
das nações árabes, Saddam Hussein realizou a anexação do Kuwait aos
seus territórios sob o pretexto de que esse país, até então um protetorado
das potências capitalistas, lhe pertencia “por direito”. Por ser uma área
estratégica e potencialmente rica, a ação de Saddam sobre o Kuwait
levou à reação dos Estados Unidos e de outros países que, apoiados
pela ONU, exigiam a retirada das tropas.

Diante da recusa do Iraque em cumprir as determinações da ONU,


o presidente norte-americano George H. Bush (o pai) invadiu o país,
liderando uma coalizão de 28 países, na operação denominada “Tempes-
tade no deserto”. A operação causou enormes perdas aos iraquianos –
mais de 100 mil mortos – aos quais se soma a repressão às insurreições
entre curdos e xiitas e a falta de apoio dos países árabes. O Iraque se
retirou rapidamente do Kuwait, após incendiar centenas de poços de
petróleo. Em reação, foi imposto ao país um forte bloqueio comercial,
encabeçado pelas grandes potências ocidentais, e com o aval da ONU. O
líder Saddam Hussein, entretanto, “manteve-se no Iraque contra grandes
insurreições no norte e sul de seu país e num Estado militarmente fraco”
(HOBSBAWM, 2006, p,445). Com seu potencial econômico destruído,
ameaçado de desintegração, o Iraque permaneceu por um longo tempo
entregue ao caos.

Entre a primeira Guerra do Golfo, em 1991, e a segunda, em 2003, o


Iraque sofreu uma série de sanções e bloqueios econômicos, sendo
obrigado também a submeter seu arsenal bélico a controle interna-
cional. O próprio Oriente Médio e a conjuntura internacional sofreram
transformações importantes nesse período. A nova ordem mundial lidera-
da pelos Estados Unidos, que consolidou sua hegemonia imperialista
após o consequente fim do mundo bipolar, em 1989, e a dissolução da
União Soviética, em 1991, entrará em choque contra um novo “inimigo”:
o terrorismo.
348 UNIUBE

8.3.2.4 II Guerra do Golfo: a guerra contra o terrorismo (2001)

À sombra do fundamentalismo islâmico, o terrorismo ganha destaque no


cenário mundial com o discurso do presidente norte-americano George
W. Bush (o filho) a partir dos ataques de 11 de setembro de 2001, quando
dois aviões sequestrados por terroristas se chocaram contra as duas
torres principais do complexo de sete edifícios do World Trade Center, em
Nova York, e um outro avião se lançou sobre o Pentágono, em Washing-
ton. Depois de Khomeini e Saddam Hussein, o mundo islâmico assumia
uma nova identidade contra os Estados Unidos. A autoria dos ataques
foi reconhecida e assumida em 2004, pelo milionário saudita, Osama bin
Laden, líder do grupo terrorista Al-Qaeda (“A Base”, em árabe).

Osama iniciou sua vida de militante islâmico na década de 1980, quando


o Afeganistão foi invadido por tropas soviéticas. Dentro do contexto da
Guerra Fria, o conflito contra os soviéticos recebeu amplo apoio dos
Estados Unidos, que ofereceu treinamento militar aos rebeldes afegãos.
Ironicamente, Osama bin Laden, que se tornou o maior inimigo dos norte-
-americanos na atualidade, recebeu treinamento da CIA e, após a vitória
contra os soviéticos, se aliou a grupos de fanáticos fundamentalistas
na luta contra Israel, voltando-se também contra seu maior aliado, os
Estados Unidos. As intervenções norte-americanas nas questões políticas
e econômicas do Oriente Médio também serviram para inflamar a reação
saudita contra o imperialismo. Segundo Coggioola (2008, p.110), a declara-
ção de guerra de Bin Laden aos Estados Unidos intitulou-se “Declaração
da jihad contra a ocupação americana dos lugares sagrados”.

Por mais horripilante que tenha sido a carnificina de 11 de setembro de


2001 em Nova York, o poder internacional dos Estados Unidos e suas
estruturas internas não foram afetados em nada. Se ocorreram efeitos
negativos posteriormente, eles não se deveram à ação dos terroristas, e
sim à do governo americano. (HOBSBAWM, 2007, p.135)

Em consequência aos ataques, os Estados Unidos invadiram o Afeganis-


tão sob a promessa de George Bush de acabar com o terrorismo. As
declarações foram feitas num discurso histórico no Congresso norte-
-americano, uma semana após os atentados:
UNIUBE 349

Nossa reação envolve muito mais que ataques isolados.


Americanos não devem esperar uma batalha, mas,
sim, uma campanha longa, diferente de qualquer outra
que nós já vimos. Ela pode incluir ataques dramáticos
mostrados pelas televisões e operações tão secretas
que até mesmo seu sucesso permanecerá sigiloso.
Vamos cortar os financiamentos dos terroristas, jogar
uns contra os outros, fazê-los correr de um lugar para
o outro até que não haja mais refúgio nem descanso.
Vamos perseguir nações que ofereçam ajuda ou abrigo
seguro ao terrorismo. Cada país tem uma decisão a
tomar. Ou está do nosso lado ou do lado dos terroristas.
(Revista Veja, Edição 1 719 - 26 de setembro de 2001).

Na mesma edição, a Revista Veja já anunciava o amplo apoio que a retóri-


ca de Bush despertou na nação norte-americana. A estratégia utilizada
pelos Estados Unidos de sensibilizar e ganhar o apoio da população diante
dos ataques de 11 de setembro legitimou as ações militares que deveriam
neutralizar os governos que abrigavam ou encorajavam o terrorismo, o
chamado “eixo do mal”, formado pelo Irã, Iraque e Coreia do Norte.

Os americanos lançaram-se numa guerra de aniquilação ao terrorismo


com uma força moral que eles só tiveram a seu lado na II Guerra Mundial.
Todos os conflitos isolados que travaram contra o comunismo durante a
Guerra Fria, o da Coreia e o do Vietnã, foram lutas inglórias, inconclusas,
inexplicáveis para um mundo sedento de paz. (...) Agora não. Agora se
luta contra o terror, algo tão desumano e atroz que o apoio universal está
assegurado. A unanimidade dentro dos Estados Unidos é quase total. As
pesquisas mostram que 95% dos americanos querem a guerra, mesmo
que ela resulte em baixas. Os terroristas islâmicos e seus patrocinadores
falam em Guerra Santa. Os americanos estavam tomados por uma ira
santa, ao final do discurso de George W. Bush: “O desenvolvimento
desse conflito é desconhecido, mas seu final é certo. Venceremos”.
(Revista Veja, Edição 1719 - 26 de setembro de 2001)

Em 2003, cerca de 130 mil soldados norte-americanos, apoiados por


tropas inglesas, invadiram novamente o Iraque, sob o pretexto de eliminar
supostas armas de destruição em massa, produzidas por Saddam
Hussein. Debilitado por anos de bloqueio comercial, o Iraque não tinha
condições de oferecer muita resistência. A decisão de Bush de invadir o
Iraque, passando por cima da ONU e da opinião pública internacional,
350 UNIUBE

nos dá a clara impressão de que a missão não tinha sido levada até
o final pelo pai, alguns anos antes. Em poucas semanas, o regime
iraquiano desmoronou e, com ele, Saddam Hussein. O ex-presidente
conseguiu manter-se escondido por cerca de 10 meses, mas foi preso
por soldados norte-americanos, sendo julgado, condenado e executado
em 2006, três anos depois do fim do conflito, consolidando uma vitória
de Bush sobre “os inimigos da pátria”.

É importante ressaltar que os ataques ao Iraque, combinados com o


fervor religioso americano, encontrou expressão numa ideologia própria
dos Estados Unidos - o Destino Manifesto - e que ganhou força num
discurso repetido muitas vezes pelo presidente George Bush, a de que
ele “se considerava um instrumento do Senhor levando aos povos do
Oriente Médio o maior bem que Ele poderia dar a seres humanos, ou
seja, a liberdade” (WAAK, 2006, p.468).

As reais intenções de Bush ficam explícitas quando ficou constatado


que Saddam não possuía armas de destruição em massa, não tinha
ligações com grupos terroristas e nem capacidade militar para ameaçar
ou mesmo atacar qualquer de seus vizinhos. O interesse norte-americano
no Iraque consistia em dominar o território que possui imensas reservas
de petróleo. Até hoje, o exército norte-americano não retirou suas tropas
do Iraque, mesmo após a execução de Saddam Hussein.

Analisando a ótica dos movimentos terroristas da fase atual, o historia-


dor Eric Hobsbawm ressalta “a fraqueza relativa e absoluta” desses
movimentos, uma vez que “eles são sintomas, e não agentes históricos
significativos” (2007, p.135). Na verdade, é preciso estar atento ao que
está por trás dos ataques de 11 de setembro, que fazem parte de um
contexto muito mais amplo do que simplesmente uma ação insana de
terroristas loucos e suicidas. Numa primeira análise, os ataques demons-
traram que o território americano, apesar do poderio militar, não está livre
de ser atacado e que o mundo muçulmano é muito mais complexo do que
se imaginava. Num sentido mais amplo, representa o choque entre duas
civilizações que partilham visões de mundo muito distintas.

Os Estados Unidos se consolidaram como potência imperialista no


século XX, exercendo uma supremacia tanto militar, quanto científica
e cultural. Tornaram-se o símbolo máximo do mundo capitalista e da
UNIUBE 351

sociedade moderna e consumista do século XXI. Os aviões sequestrados


pelos terroristas não foram apenas jogados contra símbolos do poder
econômico norte-americano, mas contra um sistema de vida, que é
negado pelos fundamentalistas islâmicos.

É compreensível que esses movimentos criem grande nervosismo entre


as pessoas comuns, sobretudo nas metrópoles do Ocidente e especial-
mente quando os governos e a imprensa se empenham em gerar um
clima de medo, para alcançar seus próprios propósitos, e dão publicidade
máxima às ações. (...) A política atual dos Estados Unidos tenta reviver
os terrores apocalípticos da Guerra Fria, quando já não lhe é plausível
inventar “inimigos” para legitimar a expansão e o emprego do seu poder
global. Repetimos aqui, que os perigos da “guerra contra o terror” não
provêm dos homens-bombas muçulmanos. (HOBSBAWM, 2007, p.136).

8.4 Conclusão

PARADA PARA REFLEXÃO

A paz é possível no Oriente Médio?

A situação atual que persiste no conflito entre palestinos e israelenses


parece não oferecer uma resposta imediata a essa questão. Talvez seja
difícil para nós, ocidentais, que vemos os conflitos “de fora”, julgar as
razões políticas e religiosas que envolvem ambas as partes. A dificuldade
em encontrar uma resposta a essa pergunta está na natureza binária do
problema: esse é um conflito em que as duas partes estão certas e as
duas partes estão erradas.

Não se pode negar aos judeus - perseguidos, humilhados e fatalmente


exterminados na Europa - o direito de ter um país próprio; mas também não
se pode negar aos palestinos o direito de se rebelar contra o fato de terem
erguido um outro país em seu território às custas da sobrevivência de seu
próprio povo. Por outro lado, não se devem legitimar as ações militares de
Israel sobre os refugiados palestinos, nem as ações terroristas dos fanáticos
islâmicos sobre os judeus, em nome de se conseguir a paz na região.
352 UNIUBE

A maioria dos historiadores, e outros estudiosos que buscam uma


interpretação e uma resposta para o conflito, tem a consciência que um
acordo entre esses povos deve ser possível e necessário, e reconhecem
que a solução atual passa pela construção do Estado Palestino, do direito
desse povo a um território.

Nesse sentido, para se pensar esse questionamento, deixamos como


reflexão duas visões sobre a Questão Palestina: uma do escritor israelense
Amós Oz, e outra, do crítico literário e intelectual palestino, Edward W. Said:

PARADA PARA REFLEXÃO

Histórias em comum

Os palestinos estão na Palestina porque esta é a sua terra natal. Da mesma


forma que a Holanda é a terra natal dos holandeses e a Suécia a dos suecos.
Os judeus israelenses estão em Israel porque não há nenhum outro país no
mundo ao qual os judeus, como povo, como nação, possam chamar de seu lar.

Os palestinos tentaram, involuntariamente, viver em outros países árabes.


Foram rejeitados, às vezes até humilhados e perseguidos, pela chamada
“família árabe”. Tomaram conhecimento, da maneira mais dolorosa, de sua
“palestinidade”, pois não eram desejados como libaneses, como sírios, como
egípcios ou como iraquianos. Eles tiveram de aprender pelo caminho mais
difícil que são palestinos e que este é o único país em que podem viver.

De maneira estranha, o povo judeu teve uma experiência histórica de


alguma forma paralela a esta do povo palestino. Os judeus foram expulsos
da Europa. Meus pais foram expulsos da Europa há cerca de setenta anos.
Exatamente da mesma forma que os palestinos foram expulsos da Palestina.

Quando meu pai era menino, na Polônia, as ruas da Europa estavam


cobertas de pichações: “Judeus, vão para a Palestina”. Quando meu pai
voltou, em visita à Europa, cinquenta anos mais tarde, os muros estavam
cobertos de pichações: “Judeus, saiam da Palestina”.

(Amós Oz. Contra o fanatismo, 2004, p.46-47)


UNIUBE 353

Caminhos para a paz

A situação palestina em si é remediável, já que são os seres humanos que fazem


a História, e não o contrário. Para isso, precisamos de uma definição real de
metas e objetivos. Estes devem incluir, em primeiro lugar, o fim da ocupação militar
por Israel e o fim dos assentamentos (colônias agrícolas judaicas nos territórios
ocupados). Nenhum outro caminho pode levar a paz e a justiça aos palestinos.

Deve haver mudanças de atitude também nas duas outras sociedades


que têm um impacto central na Palestina: em primeiro lugar, os Estados
Unidos, cujo governo dá a Israel um apoio sem o qual os eventos que hoje
ocorrem na Palestina não poderiam ocorrer. O contribuinte norte-americano
envia diretamente a Israel 3 bilhões de dólares em ajuda, além do constante
fornecimento de armas, que somam um total de quase 5 bilhões de dólares.
Essa ajuda deve ser interrompida ou radicalmente modificada.

Em segundo lugar, a sociedade israelense, que vem endossando passiva-


mente as políticas racistas contra os palestinos “inferiores”, ou as vem
apoiando ativamente, ao colaborar com o exército, para implementar essa
política imoral e humanamente inaceitável.

Também é verdade que os ataques de homens-bomba suicidas praticados


por palestinos em Telavive não servem a nenhum propósito político ou ético.
Eles são igualmente inaceitáveis. Há uma enorme diferença entre, de um
lado, apoiar a desobediência organizada – ou protestos de massa – e, de
outro, simplesmente explodir a si mesmo e a alguns poucos inocentes. Essa
diferença tem de ser afirmada clara e enfaticamente e incluída de uma vez
por todas em qualquer programa palestino sério.

(Edward W. Said. Cultura e política, 2003, p.67-68)

Resumo
Neste capítulo, procuramos abordar as questões que envolvem, desde
tempos remotos, os conflitos no Oriente Médio. Nosso propósito foi trazer
à tona um pouco mais de “luz” à compreensão dessa nebulosa região,
palco de disputas internas e intervenções externas, sejam elas políticas,
econômicas ou religiosas. Entendemos ainda que é de suma importância
propor o debate de algumas questões que ainda hoje desafiam os
historiadores a respeito de uma real proposta de paz para a região.
354 UNIUBE

Atividades

Atividade 1

O Corão (recitação) trata de assuntos relacionados com o ser humano;


lei, sabedoria, doutrinas, rituais. Mas o tema principal é o relacionamento
de Deus com a humanidade. O Corão também orienta para a criação
de uma sociedade mais justa, conduta humana decente e um sistema
econômico com fundamentos sociais.

Pesquise o Corão nas bibliotecas de sua cidade ou mesmo na Internet e


destaque três suras que mais lhe tenham chamado a atenção.

Atividade 2

Observe atentamente os mapas a seguir:

(1) (2) (3) (4)

Os mapas apresentam as expansões territoriais na região palestina nos


principais conflitos das guerras árabe-israelenses, os quais podem ser
identificados, respectivamente:

a) (1) Partilha da Palestina e Criação do Estado de Israel; (2) Guerra


do Yom Kipour; (3) Sionismo; (4) Guerra dos Seis Dias.
b) (1) Sionismo; (2) Anexação de novos territórios por Israel; (3) Guerra
do Yom Kipour; (4) Criação da Autoridade Nacional Palestina.
c) (1) Partilha da Palestina e Criação do Estado de Israel; (2) Anexação
de novos territórios por Israel; (3) Guerra dos Seis Dias; (4) Criação
da Autoridade Nacional Palestina.
UNIUBE 355

d) (1) Criação da Autoridade Nacional Palestina; (2) Anexação de


novos territórios por Israel; (3) Sionismo; (4) Guerra do Yom Kipour.
e) (1) Sionismo; (2) Guerra dos Seis Dias; (3) Guerra do Yom Kipour;
(4) Intifada.

Atividade 3

A partir da destruição do segundo templo em Jerusalém (70 a.C.), pelos


romanos, o povo judeu deu início à sua dispersão pelo mundo (A Diáspo-
ra), fruto da dominação e de perseguições sofridas em seu território de
origem. Desde então, os israelitas mantiveram o objetivo nacional e
messiânico do retorno à pátria. Durante séculos, contudo, esse propósi-
to tinha, exclusivamente, uma dimensão religiosa, pouco ou nada sendo
feito de concreto para realizá-lo.

Depois da leitura atenta do capítulo, responda como foi denominado o


movimento que preconizava a volta dos judeus a Sion e qual a importância
desse retorno para os judeus e para as potências econômicas do mundo.

Atividade 4

Leia com atenção o fragmento a seguir:

Duas guerras estão sendo travadas entre palestinos


e israelenses nessa região. Uma é a guerra da nação
palestina para libertar-se da ocupação e por seu direito
a um Estado independente. Qualquer pessoa de bem
deve apoiar essa causa. A segunda guerra é travada pelo
islã fanático, desde o Irã até Gaza, desde o Líbano até
Ramallah, para destruir Israel e expulsar os judeus de sua
terra. Qualquer pessoa de bem deve repudiar essa causa.
(...) Um argumento simplista permite que os palestinos,
baseados em seu direito natural de resistir à ocupação,
matem todos os israelenses. O contra-argumento,
igualmente simplista, autoriza Israel a oprimir todos os
palestinos, pelo fato de uma “jihad” islâmica total ter
sido lançada contra ela.
356 UNIUBE

Duas guerras estão sendo travadas nessa região. Uma


delas é uma guerra justa, e a outra é ao mesmo tempo
injusta e inútil.
Amós Oz. Travamos duas guerras. Folha de S. Paulo,
04 de abril de 2002.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/
mundo/ft0404200205.htm>.

Um dos principais conflitos do Oriente Médio na atualidade é a disputa


entre palestinos e israelenses pelo domínio dos territórios situados na
antiga região da Palestina árabe, onde também se encontra o Estado
de Israel. Com base na leitura do capítulo, elabore um texto discutindo a
Questão Palestina, apontando qual é a “guerra justa” e qual é a “guerra
injusta e inútil” a que se refere o escritor israelense Amós Oz.

Este texto deve ser publicado em seu Portfólio no AVA.

Referências

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AZRIA, Régine. O Judaísmo. Tradução: Maria Elena O. Ortiz Assumpção. Bauru,


SP: EDUSC, 2000.

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História das Guerras. São Paulo: Contexto, 2006, p. 425-451.

CHALLITA, Mansour. O Alcorão ao alcance de todos. Rio de Janeiro: ACIGI, n/d.

COGGIOLA, Osvaldo. A Revolução Iraniana. São Paulo: UNESP, 2008.

DEMANT, Peter. O mundo muçulmano. São Paulo: Contexto, 2004.

GRINBERG, Keila. O mundo árabe e as guerras árabe-israelenses. In: REIS FILHO,


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UNIUBE 357

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O culto à Torá e a saga do povo judeu. Revista História Viva Grandes Religiões,
nº 2. São Paulo: Duetto, 2007, p.40-45.

HOBSBAWM, Eric. Globalização, Democracia e Terrorismo. São Paulo:


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______. Era dos Extremos. O breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Cia das
Letras, 2006.

LEWIS, Bernard. A crise do Islã. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

______. O que deu errado no Oriente Médio? Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2002.

LINHARES, Maria Yedda. O Oriente Médio e o mundo árabe. São Paulo:


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MASSOULIÈ, François. Os Conflitos do Oriente Médio. São Paulo: Ática, 1996.

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WAAK, William. Guerras do Golfo. In: MAGNOLI, Demétrio (org.). História das
Guerras. São Paulo: Contexto, 2006, p. 453-477.
Anotações
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Anotações
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