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“QUEM ME DERA AGORA EU TIVESSE A VIOLA PRA CANTAR”
RAÍZES CAIPIRAS DA MÚSICA SERTANEJA
Autor: Rodrigo Costa Mota
Orientadora: Viviane Zeni
mesmo a legitimar escolhas. Por isso, é certo que elas se colocam no ser vivida em zonas rurais, pequenas cidades marginais, algumas
campo da concorrência e da luta. Nas lutas de representações tenta-se zonas mais pobres, e também em algumas cidades maiores. Logo,
impor a outro ou ao mesmo grupo sua concepção de mundo social, 12 pode-se afirmar que a cultura popular é uma cultura específica de
como pode-se perceber na canção já citada de Renato Teixeira, afinal uma determinada sociedade e está sempre em constante mudança
as canções, devido à dificuldade de os estúdios suportarem um número Assim sendo, a apropriação consiste em uma forma de mudança
muito grande de pessoas. Por esse motivo, somente duas vozes do que era original. O indivíduo está exposto a um contexto histórico
passaram a gravar as composições, tornando-se com o tempo uma das que com relativa autonomia se apropria dos valores e símbolos
principais características da música sertaneja.68 convencionais correntes nesse meio cultural. Mas nesta transição
Já com relação à origem do ritmo da música caipira, José Roberto cultural, certos valores e símbolos podem acabar por representar
Zan destaca a viola como o principal instrumento musical deste estilo. formas diferentes, ou seja, a apropriação da experiência é a
A viola, de acordo com o professor, é uma derivação do instrumento construção de um sentido que pode variar em significado a coisa
português chamado viola de arame ou viola braguesa (possivelmente original.72
originária de Braga). A moda ou a poesia cantada em duas vozes A música caipira facilita as relações sociais entre a comunidade, o
com o acompanhamento da viola, foram características herdadas das que permite a aproximação e uma maior sociabilidade entre os caipiras.
cantigas de gesta e do romanceiro tradicional ibérico. E enquanto uma Essas normalmente são criações coletivas, sobretudo, quando nos
narrativa dramática: sertões, os artistas populares reúnem-se nas festas religiosas, com
[...] normalmente conta um caso extraordinário, sensacional, ou milhares de pessoas e passam a compor músicas a partir destes
descreve um fenômeno relevante do cotidiano caipira. É bastante
acontecimentos que estão vivenciando, seja na elaboração de uma
semelhante ao que os nordestinos chamam de romance. O canto
em duas vozes, em intervalo de terça, característico das duplas letra, uma melodia ou através da união das duas para aguçar a sua
caipiras, é outra herança européia. Mas é provável que as vozes criatividade e inspiração.
agudas dos cantores tenha raízes ameríndias.69
Os nomes dos autores de muitas músicas caipiras acabam por serem
Já o sociólogo Waldenyr Caldas, entende a música caipira como substituídos pelo nome da cidade ou pelo nome de um determinado
uma canção anônima e que tem a ver com o folclore, ou seja, uma música povoado onde foi criada a canção, como por exemplo, as canções
com funções sociais que apresenta a tradição de um povo, enquanto intituladas: “Cana-verde de Piracicaba”, “Recortado de Olímpia”,
a música sertaneja é aquela já produzida no meio urbano-industrial.70 “Cururu de Tietê” entre outras. Alguns nomes de compositores se
Quando uma estrela cai Dos amores esquecidos Ai, seu moço, eu só quiria Pra chorá minha sódade
No escurão da noite Tudo é sertão, tudo é paixão Pra minha filicidade, Um rancho na bêra d´água,
E um violeiro toca suas Se um violeira toca Um bão fandango por dia, Vará de anzó, pôca mágoa,
Mágoas A viola e o violeiro E um pala de qualidade Pinga boa e bão café...
Então os olhos dos bichos E o amor se tocam Pórva, espingarda e cutia, Fumo forte de sobejo...
Vão ficando iluminados Quando o amor começa Um facão fala-verdade Pra compretá meu desejo,
Rebrilham neles estrelas Nossa alegria chama E uma viola de harmonia Cavalo bão – e muié!
De um sertão enluarado E um violeiro toca em nossa
Quando o amor termina Cama Neste poema, é possível visualizar a vida, o desejo, a felicidade do
Perdido numa esquina Então os olhos dos bichos
caipira, tendo um fandango como parte do seu ritual, um facão, a viola,
E um violeiro toca sua sina São os olhos de quem ama
um rancho com um açude, ou um lago onde possa pescar, uma pinga,
Então os olhos dos bichos Pois a natureza é isso
Vão ficando entristecidos Sem medo, nem dó, um café, um fumo, sem deixar de lado um dos seus “companheiros”
Rebrilham neles lembranças nem drama que é o cavalo, e para completar, uma muié.
Tal modo de viver pode ser comprovado também em um soneto
clássico da literatura regionalista de Tonico e Walter Amaral,
Esse fragmento da música de viola apresenta os sentimentos do
interpretado pela dupla Tonico e Tinoco ao demonstrar o cotidiano
violeiro em relação ao seu meio e a sua arte na qual tudo é sertão,
simples de um violeiro:
paixão uma vez que a viola, o violeiro e o amor estão conectados e
através desta conexão o violeiro em suas composições expõe as suas
sensibilidades e experiências de vida. Dentro desta cadência, o violeiro
demonstra uma outra identidade e cultura e nos remete a um Brasil
profundo, de raiz, fornecendo assim, um caráter regional e universal à
música brasileira.
Cornélio Pires em um de seus sonetos de 1910 conseguiu traduzir
os desejos e ideais do violeiro, mas deixemos o próprio compositor
apresentar:
Figura 5 - a turma caipira de Cornélio Pires - foto de 1929 - da esquerda para a direita, em
pé: Ferrinho, Sebastião Ortiz de Camargo, Caçula e Arlindo Santana. Sentados: Mariano,
Cornélio Pires E Zico Dias.
novos instrumentos e arranjos, visando a conquistar um público Como um dos remanescentes da Jovem Guarda, o cantor
e compositor Sérgio Reis, em
de classe média urbana até então
Figura 9 – Gravação de Sérgio Reis para o programa Mosaicos – TV Cultura – s/d. 1973, gravou diversos discos pela
refratário a esse estilo de música
RCA, com canções clássicas do
popular. Com isso, Rogério Duprat
repertório sertanejo mas dando-lhes
pretendia,
um novo tratamento. Sérgio Reis
[...] promover uma certa
socialização do gosto musical
utilizou instrumentos eletrônicos
através da introdução de e preocupou-se em consolidar um
elementos que pudessem estilo de interpretação com sotaque
transformar aquele tipo
de canção num produto urbano corrigindo os eventuais
consumível por segmentos “erros” de português contidos nas
sociais médios ou mesmo
de elite. Propunha, portanto,
letras originais. Embora regravando
uma “música de mediação”, canções do repertório tradicional,
ou seja, um tipo de música como por exemplo a música
capaz de ser aceito tanto pelo
seu público tradicional como “Menino da Porteira”, ele passou a
pelo de MPB.117 interpretá-las com um registro vocal
FONTE: http://sergioreis.uol.com.br/home.asp. Acesso em: 25 de abr. de 2010
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Notas de rodapé
1 SANTOS. ap. NEPOMUCENO, Rosa. Música caipira: da roça ao rodeio. São Paulo: 34, 1999. p. 99.
2 Elpídio dos Santos foi músico, tocador de violão, criador de valsas, sambas e dobrados. Era sempre requisitado por Mazzaropi para produzir
músicas-tema de seus filmes. Elpídio contribuiu com sua música para a formação e o enriquecimento de um repertório ao mesmo tempo caipira
e diversificado que pode ser compreendido como uma reflexão acerca da identidade em transformação, numa época marcada pelo intenso
êxodo rural.
3 MARTINS, José de Souza. Viola Quebrada. In: Revista Debate & Crítica. São Paulo: Hucitec Ltda, n.4, 1974. p. 23-47
4 TEIXEIRA, Renato. Rapaz Caipira. In: Renato Teixeira & Pena Branca e Xavantinho ao vivo em Tatuí. Rio de Janeiro: Kuarup, 1992. KCD-53.
5 WEBER. ap. BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985. p. 307.
6 VELOSO, Mônica P. O Modernismo e a questão nacional. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de A.N. (org.). O Brasil Republicano: O
tempo do liberalismo excludente. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 356-357.
7 HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra,1997. p.9.
8 HERMANN, Jacqueline. Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado. In: FERREIRA,
Jorge (org.). O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasilei-
ra; 2006. p. 126.
9 GEERTZ, Clifford. Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 56.
10 BERGER, Peter L.; LUCKMAN, Thomas. A construção social da realidade. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 140.
11 CHARTIER, Roger. Por uma sociologia histórica das práticas culturais. In:_____. A História Cultural: Entre práticas e representações. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. p. 245.