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Embora os cruzados tenham lutado para retomar Jerusalém e seus santuários, eles haviam

originalmente acreditado que tais santuários seriam restabelecidos aos gregos bizantinos. Os
primeiros colonos ocidentais, poucos e isolados, estavam, portanto, despreparados para a
tarefa que se lhes impunha, embora eles soubessem bem que a raison d’être de seus
assentamentos era a manutenção e a proteção dos lugares santos. Eles os encontraram
desertos.

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Dentre os colonos em Jerusalém e em seu entorno que podem ser identificados antes de 1131,
mais de 51 por cento eram eclesiásticos. Está claro, pelos seus topônimos, que muitos deles
vieram diretamente da França. Alguns eclesiásticos sêniores foram enviados pelo papado.
Dagoberto de Pisa já foi mencionado. O arcebispo Gibelin de Arles, que chegou como legatário
em 1107, também se tornou patriarca de Jerusalém. Outros podem ter sido convocados à
Palestina pelos próprios líderes dos assentamentos. Gilduin de Le Puiset, um primo do Rei
Balduíno II, que fora um monge de Cluny e prior da casa cluníaca de Lurcy-le-Bourg antes de
viajar para o leste em um tempo de crise no ano de 1120 para se tornar abade de Santa Maria
do Vale de Josafá, foi provavelmente convidado pelo rei. Estevão de Chartres, abade de Saint
Jean-en-Vallée em Chartres e outro primo de Balduíno, veio em peregrinação em 1128 e foi
imediatamente elevado ao patriarcado.

Um primeiro objetivo foi reconstruir ou renovar os grandes santuários. Uma característica de


Jerusalém era a localização cuidadosa dos eventos registrados na Escritura. Eles incluíam a
Crucificação no Calvário e a Ressureição no Santo Sepulcro, a Santa Ceia em um quarto que
também foi o lugar onde o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos no Pentecostes, o diálogo
de Cristo com os doutores e a fúria contra os mercadores no templo, sua agonia em um jardim
próximo ao lugar de sua prisão no Getsêmane, a assunção da Virgem Maria de uma tumba no
vale de Josafá – outro santuário de ressurreição – e a casa de seus parentes, São Joaquim e
Santa Ana, próximo ao tanque das ovelhas, onde Cristo curou um paralítico. Muitos desses
lugares foram localizados muito antes e, embora alguns fossem pura invenção – os cavaleiros
do Hospital de São João chegaram a identificar seus quarteirões com uma hospedaria
supostamente fundada pelos macabeus, a mando de Zacarias, o pai de São João Batista, e
frequentada por Cristo –, a localização era essencial, porque apenas em um lugar identificável,
radiante de poder espiritual e visados pelos santos poderiam as orações dos peregrinos serem
verdadeiramente eficazes.

Quando os cruzados chegaram, muitos dos lugares santos estavam em uma condição precária.
Alguns estavam em ruínas e outros necessitavam ser reconstruídos, ou pelo menos
restaurados. O programa de construção começou relativamente lento, mas ele se intensificou
nos anos 1140 sob o patronado da Rainha Melisanda. Os planejadores não exprimiram
publicamente o que eles pretendiam fazer – de todo modo, nenhuma descrição de suas
intenções sobreviveu –, mas é francamente claro que seus projetos eram governados pelo
respeito à santidade dos santuários agora sob seus cuidados e pelos requerimentos dos
peregrinos, cuja devoção reforçava aquela santidade. Mais peregrinos do que nunca estavam
chegando a Jerusalém. Eles queriam a garantia de que suas próprias orações seriam
suplementadas por aquelas dos religiosos residentes no local, e um ambiente simpático que os
assistiria em suas devoções. Isso não significava necessariamente que a atmosfera deveria ser
reverentemente quieta. O século XII foi uma época intensamente teatral, na qual cada técnica
era usada para ampliar a emoção do público, mediante exibições dramáticas na liturgia. Uma
igreja-santuário, alcançada após uma longa e cansativa viagem, era parecida com um palco na
qual a santidade dos eventos ou pessoas que ela comemorava poderiam ser dramaticamente
reproduzidos, gerando exibições públicas de fervor.

Em Jerusalém, espetáculos litúrgicos deveriam ser experimentados regularmente, como, por


exemplo, nas procissões de Vésperas na Igreja do Santo Sepulcro a cada sábado, da Páscoa ao
Advento. O mais teatral dos dramas peregrinos naquela igreja tinha lugar a cada ano, com o
milagre do Santo Fogo, a iluminação automática de uma das sete lamparinas na Edícula, uma
pequena capela independente anexada ao Túmulo, a qual se situava sob uma rotunda
construída no século IX. O milagre aconteceu durante um Sábado Santo, durante a Liturgia do
Fogo Sagrado, a qual, em toda a cristandade, depende da batida em uma pederneira. Isso, um
monumento tanto para muçulmanos como para cristãos durante séculos, era precedido na
Sexta-Feira Santa pela extinção do fogo das lamparinas da Edícula, a qual estava trancada e
não seria aberta novamente até o milagre acontecer, embora ela tivesse pequenas janelas
através das quais a luz tremeluzente de um dos pavios podia ser vista assim que fosse ateada.
A liturgia começaria em uma igreja lotada às nove horas da manhã. Embora o tempo de
chegada do fogo pudesse ser errático, e era mesmo sabido que ele seria acendido em um ou
outro dos lugares santos da cidade, como o Templo e a Igreja de São João, o fogo geralmente
chegava no Sepulcro durante a tarde. Aproximadamente às três horas, após as leituras
apontadas, cantadas alternativamente em grego e em latim, e os salmos e orações a elas
associados, um cantor grego posicionado em uma parte da rotunda começaria a cantar o
tríplice apelo Kyrie eleison com sua responsa, que anunciava a chegada do fogo. Ao mesmo
tempo, o patriarca se aproximaria da Edícula, carregando uma vela e precedido da relíquia da
Cruz Verdadeira. Após a realização do milagre, ele entraria e acenderia sua vela na lamparina,
antes de passar a luz para as velas de todos os presentes e então seguir a procissão por
Jerusalém em direção ao Templo.

Já havia uma tradição no Ocidente de reproduzir o Santo Sepulcro em pedra como um pano de
fundo para representações litúrgicas da entrada de Cristo em Jerusalém no Domingo de Ramos
e sua Paixão, Morte e Ressurreição no Tríduo Pascal. A intenção de homens e mulheres na
Idade Média central era representação, não imitação. Sua realidade deveria ser encontrada
nos ícones, cujo propósito era fornecer pontes para a imutável verdade que jaz atrás deles. Os
novos governantes de Jerusalém jamais pretenderam, portanto, reproduzir acuradamente a
atualidade física das cenas que as localizações representam. Eles quiseram dar uma impressão
delas, se possível, e reforçar a realidade através do uso de outros elementos. Em alguns
lugares seus objetivos já haviam sido adequadamente cumpridos, e as construções eram de
qualquer forma tão familiares que alterações drásticas teriam sido contra-producentes. Eles
transformaram a Cúpula da Rocha em uma igreja, mas a deixaram, assim como fizeram com a
Igreja da Natividade em Belém, mais ou menos intocada em termos arquitetônicos, embora
tivessem decorado seus interiores, introduzindo em Belém o que foi descrito como um dos
mais extensos e complexos programas de decoração com mosaicos, afrescos e esculturas no
mundo mediterrâneo.

No século IV, a Tumba de Cristo fora destacada pelos engenheiros do imperador Constantino
do resto da jazida a partir da qual fora esculpida, e fora incrustada em uma edícula. A Edícula
do século XII era, para todas as intenções e propósitos, aquela reconstruída pelos gregos nos
anos 1030 após a tumba-caverna ter sido destruída por Aláqueme. Os gregos haviam recriado
artificialmente a caverna e a Edícula permaneceu uma câmara em forma de tumba,
evidentemente decorada de maneira suntuosa, com uma passagem em um compartimento
oriental, de modo que os peregrinos pudessem entrar por uma porta e sair por outra. Tudo o
que os colonos fizeram foi embelezar essa pequena construção com mosaicos, cobri-la com
prata e adicionar-lhe uma cúpula. Ela tinha, afinal de contas, apenas 60 anos quando eles
chegaram.

Eles adotaram a mesma abordagem com respeito à Capela do Calvário, no topo da coluna de
pedra à qual a colina do Gólgota fora reduzida pelos engenheiros de Constantino. O lugar
atual, o cume do Calvário, era, como a pedra da Tumba, visível, mas era envolta em mármore.
Ao contrário do que aconteceu na Edícula, ali jamais houve, por razões óbvias, qualquer
tentativa de recriar a atualidade do topo de um monte de pedras, ao ar livre no meio ou à
margem de uma pedreira abandonada. Dentro da capela era tudo escuridão, que parecia ainda
maior por contraste ao exterior bem iluminado pela luz do sol, com um fraco brilho de
mosaicos à luz de velas. Toda a atenção poderia ser concentrada no cume de pedras cercado
por um altar com um elemento de realidade – o buraco dentro do qual a cruz fora inserida –
visível e tangível.

Quando sentiram necessidade, porém, os latinos de fato se engajaram em trabalhos de


construção maiores, e esses frequentemente demonstram como suas mentes funcionaram. O
Cenáculo do Monte Sião, o “Quarto Superior” onde a Última Ceia e a Descida do Espírito Santo
no Pentecostes supostamente aconteceram, fora identificada há séculos. As narrativas da
Escritura deixam claro que ele fazia parte de uma construção com dois andares, mas a Abadia
da Dormição, à qual ele fora anexado, estava em ruínas em 1099. Aqui, então, os latinos
precisaram reconstruir. Pouco resta da sua igreja, exceto o próprio Cenáculo, que se revelou
uma capela gótica de fins do século XII. Os contemporâneos teriam se desapontado com a
câmara pequena, escura, de baixa qualidade, ao estilo do século I, e a sala foi provavelmente
planejada pelo menos duas vezes pelos latinos antes de tomar sua forma final. As quatro
abóbodas reforçadas, amparadas em colunas elegantes, obviamente representaram o que os
contemporâneos pensavam que um quarto digno da Última Ceia deveria parecer: um dos
peregrinos, comentando as proporções de uma versão anterior, observou que ela era grande o
suficiente para que Cristo e os apóstolos ceassem ali. Seu sucesso pode ser medido pela
maneira como sua forma ecoou nos refeitórios dos cônegos agostinianos no Ocidente.

Uma preocupação dos construtores era garantir que um fluxo contínuo de orações ao Céu
reforçasse aa petições dos peregrinos. A prática cristã comum de instalar um altar ou coro
sobre uma cripta na qual jaz o corpo de um santo ou sobre um local particularmente santo foi
frequentemente encontrada na Palestina, como na Igreja de Santa Ana em Jerusalém, onde
uma igreja romanesca ligeiramente irregular foi construída de modo que seu santuário
estivesse diretamente sobre a cripta onde se acreditou que a Virgem Maria tivesse nascido.
Um ambicioso exemplo da prática se encontra em Betânia, que foi o local de diversas histórias
dos Evangelhos. Foi o lugar de onde Cristo começou sua entrada triunfal em Jerusalém no
Domingo de Ramos e a cidade das irmãs Marta e Maria (identificada com Maria Madalena).
Aqui se localizava a casa de Simão o Leproso, onde Maria ungiu Cristo com óleo. É também a
cidade onde Cristo ressuscitou Lázaro, o irmão das irmãs. Betânia fora integrada à liturgia de
Jerusalém, pois no Domingo de Ramos, e também em outros dias no ano, houve procissões de
e para Betânia. Ali já havia uma igreja do século VI, que se acreditou ter sido construída sobre
a casa de Simão o Leproso. A uma jarda a oeste estava a tumba-caverna que se atribuiu a
Lázaro. Em 1138, esse lugar passou para o convento beneditino de São Lázaro de Betânia,
recentemente fundado pela Rainha Melisanda como uma comunidade adequada para ser
governada por sua irmã, Yveta, como abadessa. As freiras construíram uma grande sala
abobadada na fachada da tumba-caverna, mas no nível de pedra superior elas construíram
uma basílica de três naves. A igreja foi destruída por Saladino em 1187 e dificilmente algum
detalhe decorativo sobreviveu, mas é certamente significativo que o coro das freiras estava
situado imediatamente acima da tumba-caverna, de modo que suas intercessões pudessem
recorrer à santidade do lugar e reforçá-la.

Mais importante de tudo, é claro, era a Igreja do Santo Sepulcro (Figura 4.1), que foi
consagrada, embora ainda não inteiramente finalizada, em 15 de julho de 1149, o
quinquagésimo aniversário da libertação de Jerusalém. Quando os cruzados tomaram a cidade,
não havia uma igreja, mas um conjunto contendo diferentes santuários separados em torno de
um pátio aberto, incluindo a Tumba, o Calvário e, um tanto apartadas, as ruínas da basílica de
Constantino, construída sobre o lugar onde sua mãe teria descoberto a madeira da Cruz
Verdadeira em 320. O programa de construção, no qual pedreiros, escultores, mosaicistas e
pintores da Europa e da Ásia se engajaram, era surpreendentemente original. Um peregrino
estaria familiarizado com os detalhes de uma narrativa na qual Cristo foi levado para fora dos
muros da cidade para o Gólgota ou Calvário, onde alguns acreditam ter sido também o lugar
onde fora enterrado Adão, o primeiro homem, muitos séculos antes. Cristo foi confinado nas
proximidades enquanto sua cruz era erigida. Então ele foi crucificado. Uma vez morto, seu
corpo foi apressadamente ungido com especiarias e sepultado em uma tumba-caverna
abandonada nas proximidades. O Sepulcro divisa um jardim onde, depois de descobrir o
túmulo vazio na manhã de Páscoa, Maria Madalena perguntou a um homem, que ela
acreditava ser um jardineiro, mas que na verdade era o Cristo ressurreto, para onde o corpo
fora levado. Aproximadamente três séculos mais tarde, a mãe do imperador Constantino
descobriu a verdadeira cruz usada na crucificação enterrada em uma cova não muito longe
dali.

Os latinos decidiram cobrir o pátio com um telhado. As localizações da morte e da ressurreição


de Cristo seriam pela primeira vez ligadas uma à outra em uma única, enorme, suntuosamente
decorada construção, que teria os elementos familiares de uma grande igreja européia,
incluindo um ambulatório, mas que conteria também um número adicional de locais santos
associados. Cada um desses – a Capela de Adão, a Capela de Santa Helena e a Gruta da Cruz, a
Prisão de Cristo e o Lugar da Unção – seria um centro de um culto maior no Ocidente. O
trabalho haveria de ser concluído em uma configuração urbana e em uma zona urbanizada,
atulhada de prévias estruturas constantinianas e bizantinas. Os lugares santos incluídos
estavam em pontos fixos, uma vez que eles haviam sido firmemente identificados, e assim não
poderiam ser movidos para localizações mais convenientes.

As decisões sobre o que preservar ou demolir e sobre qual seria o plano-base parecem ter sido
tomadas no princípio. A rotunda bizantina em torno à tumba foi mantida, embora a sua abside
oriental estivesse desmantelada, de modo que ela poderia ser anexada a uma nova igreja
gótica transicional ao leste. A Edícula e a Capela do Calvário foram preservadas, mas
embelezadas. A bizantina Prisão de Cristo foi mantida e isso conduziu, talvez por razões
estéticas, à retenção de uma arcada bizantina e de um muro constantiniano. Ao mesmo
tempo, decidiu-se destruir três pequenos santuários no lado oriental do antigo pátio e
substituí-los por três radiantes capelas desligadas do ambulatório.

A Igreja do Santo Sepulcro é, de fato, a melhor ilustração das políticas devocionais dos colonos.
A decisão de construir um telhado sobre o pátio e de construir um edifício unificando todos os
elementos díspares descritos nos Evangelhos significou que um cenário fechado fora
construído, no qual os visitantes poderiam vagar à vontade. As vantagens eram óbvias. Os
peregrinos não mais se distrairiam por ter de cruzar um pátio aberto ao ir de um santuário a
outro. Em um espaço fechado, o retiro (concentração da mente) poderia ser mais facilmente
mantido, enquanto tudo aquilo que poderia contribuir para um ambiente favorável – o cheiro
de incenso, o som de sinos e cantos – poderia ser controlado. É indicativo que os latinos
instalaram o coro, do qual se erguem as solenes intercessões do Ofício, diretamente no centro
da igreja: a leste do Sepulcro, ao norte do Calvário, ao sul da Prisão e a oeste da Gruta da Cruz.

Ao chegarem, os peregrinos seriam confrontados por uma entrada dupla: usualmente, eles
não entrariam na igreja por esse caminho, mas subiriam uma escadaria externa até a Capela
do Calvário. Após venerar ali o lugar da crucificação, eles desceriam no corpo da igreja,
passadas a Capela de Adão e uma rachadura na rocha, a qual se dizia ter sido aberta no
momento da morte de Cristo e que, segundo se acreditava, ainda estava salpicada de
remanescentes secos de seu sangue. Eles poderiam então cruzar diretamente para a própria
Edícula da Tumba, a aproximadamente 85 pés, andando sob um domo que complementava o
domo bizantino sobre a rotunda e que fora instalado sobre o lugar onde se supõe que o corpo
de Cristo fora ungido antes do sepultamento. Eles poderiam então explorar a igreja, que se
acreditava estar posta no lugar do jardim (o que possivelmente é indicado pelas folhagens dos
capiteis das colunas em forma de árvores), visitando a Prisão de Cristo e passando por um
ambulatório ao fim do qual encontrariam capelas abertas, duas das quais contendo relicários
da Cruz Verdadeira. Eles desceriam um lance de degraus que os levaria ao lugar da descoberta
original da Cruz ou subiriam às galerias que ligam a nova igreja e a rotunda.

Aonde quer que eles fossem, inscrições, esculturas, mosaicos e afrescos os lembrariam do
evento que aconteceu naquele lugar particular que eles estão venerando. Para muitos
peregrinos, as representações em mosaicos e pinturas teriam mais significado do que as
inscrições, e as cenas representadas parecem ter sido muito simples e fáceis de entender.
Quase tudo isso foi destruído e nós estamos tão dependentes de referências fragmentárias
que só podemos identificar algumas poucas representações. Novamente, os latinos não
parecem ter eliminado aquilo que admiravam ou achavam útil; eles até mesmo transferiram
uma grande Anastasis bizantina da rotunda para a nova abside oriental sobre o altar. Eles
preferiam suplementar a substituir. Sobre uma das duas portas na entrada da igreja estava um
mosaico representando o Cristo ressurreto aparecendo a Maria Madalena no jardim próximo à
sua tumba. O significado do fato de que a primeira testemunha da Ressurreição foi uma
pecadora convertida não foi perdido por aqueles que estavam em peregrinação penitencial.
Sob o mosaico um friso esculpido em uma verga ilustrava cenas desde a ressurreição de Lázaro
até a Última Ceia. Pode ter sido pretendido continuar o friso sobre a outra porta, completando
as séries com cenas da Paixão, mas se isso for verdade o trabalho não foi jamais terminado e
um auto-relevo onde humanos e pássaros se entrelaçavam numa vinha foi colocado em seu
lugar. Sobre a entrada do próprio Sepulcro havia mosaicos mostrando Cristo em sua tumba, a
Virgem Maria, e as Três Marias com seus frascos de unguento diante do Sepulcro vazio
confrontadas pelo anjo que havia acabado de afastar a pedra da entrada. Os latinos não
distorceram um esquema de imagens tradicional na Capela do Calvário, incluindo uma
crucificação bizantina sobre o altar, mas eles aumentaram o número de figuras de profetas e
reis do Antigo Testamento e adicionaram o mosaico sobrevivente da Ascenção. No lugar onde
a Verdadeira Cruz supostamente foi encontrada por Santa Helena, eles pintaram um afresco
ilustrando a Crucificação. Foi escrito que “é preciso imaginar a igreja do Santo Sepulcro
irradiando toda a riqueza moderada com a qual nós estamos familiarizados na Igreja de São
Marcos em Veneza”.
Embora fossem empregados gregos e mão-de-obra local, o estilo das igrejas e monastérios ao
longo dos assentamentos era visivelmente ocidental. Escultores de primeira qualidade foram
recrutados na Europa para trabalhar em comissões particulares, como nos capitéis e na
entrada da catedral em Nazaré, ou para criar semi-permanentes oficinas no leste nas quais o
seu ofício inter-reagia com os de outros imigrantes ocidentais, como na “oficina do Templo”
em Jerusalém, ativa de aproximadamente 1170 a 1187 e reunida em torno de um grupo de
artesãos provençais. E o esplendor das igrejas se refletia em seus mobiliários. Uma magnífica
série de livros litúrgicos sobrevive, um deles um produto soberbo para a própria Rainha
Melisanda, os demais testemunhos da presença de mestres habilidosos no scriptorium do
Santo Sepulcro.

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O custo da restauração dos lugares sagrados deve ter sido gigantesco, em um tempo em que
projetos de construção estavam em andamento em todos os assentamentos. Tanto dinheiro
jamais poderia ter sido levantado sem o próprio reino de Jerusalém, cuja existência estava
sempre sob ameaça militar, ou dos impostos incidentes sobre o tráfego de peregrinos ou das
oblações dos peregrinos. Enormes subsídios devem ter chegado de além-mar, embora nenhum
registro de sua saída ou entrada tenha sobrevivido. Mas o resultado certamente valeu todo o
investimento. A impressão que se tinha da Jerusalém Católica no século XII era a de um centro
de culto que estava sendo inteligentemente administrado. Santuários já bem conhecidos dos
peregrinos ocidentais não foram perturbados, mas foram embelezados. Alguns dos mais
prestigiados eram vinculados uns aos outros em uma grande igreja que combinava todas as
melhores características de um grande santuário, incluindo a garantia de orações regulares. O
Cenáculo e Betânia foram inteligentemente desenvolvidos. O programa de construção em
Jerusalém demonstra o quão sensíveis os colonos eram às necessidades e predisposições dos
peregrinos, cuja chegada, duas vezes por ano, fornecia à cidade sua raison d’être.

O estabelecimento da Igreja Latina

A Igreja Latina na Palestina e na Síria foi formada nas duas décadas que se seguiram à
conquista. Os cruzados haviam entrado em uma região na qual muitas populações tentavam
coexistir. Ao norte, a maioria da população local era cristã, muitos deles armênios monofisistas
e jacobitas, embora houvesse também comunidades ortodoxas gregas fortes, particularmente
em torno de Antioquia. Ao sul, deixando de lado um número desconhecido de convertidos ao
catolicismo – incluindo, de 1180 em diante, comunidades de igrejas católicas orientais, os
maronitas e uma parte dos armênios –, os povos locais consistiam de vários grupos cristãos –
gregos ortodoxos que, em geral, falavam árabe, monofisistas de diferentes tipos,
particularmente jacobitas, armênios e coptas, e nestorianos – mas havia mais muçulmanos –
sunitas e xiitas de vários tipos, inclusive drusos – do que no norte, embora tenha sido sugerido
que eles ainda não formavam uma maioria. Havia também judeus de diversas escolas e
samaritanos, e uns poucos zoroastrianos.

Os colonos eventualmente tinham de lidar com todos os grupos religiosos que estavam agora
sujeitos a eles, mas em primeiro lugar eles estavam determinados a expulsar todos os infiéis,
muçulmanos ou judeus, dos centros de importância religiosa ou militar. Essa política já pode
ser vista em operação no inverno de 1097-8. Em Tilbeşar, Ravanda e Artah os muçulmanos
foram assassinados ou expulsos, mas os cristãos locais foram autorizados a permanecer. Os
cruzados adotaram o mesmo procedimento no mês de junho seguinte, quando eles tomaram
Antioquia, embora tenha sido dito que na escuridão que precede a aurora era difícil distinguir
os cristãos e os muçulmanos da cidade, e novamente em julho de 1099, quando tomaram
Jerusalém. Os muçulmanos e judeus sobreviventes eram expulsos e proibidos de viver em
Jerusalém, embora eles pudessem visitá-la como peregrinos; de fato, poucos residiam ali no
final do século XII. Os cristãos nativos de Jerusalém foram autorizados a permanecer, mas o
relativamente pequeno número de habitantes levou a medidas extraordinárias para aumentar
o tamanho da população, incluindo a realocação de aldeões cristãos da Transjordânia.

Esperava-se, presumivelmente, que os colonos ocidentais tomassem o lugar dos muçulmanos


e judeus que haviam sido expulsos. Em muitos dos primeiros exemplos – el Barah na Síria,
tomada por Raimundo de Saint-Gilles no outono de 1098; Ramle na Palestina, alcançada pela
cruzada em junho de 1099; e Cesaréia, que foi tomada pelos colonos em maio de 1101 –, o
assentamento era acompanhado pela fundação de um bispado católico, de cujo responsável
também se esperava que exercesse comando militar ao longo da linha de alguma sede
fronteiriça na Europa ocidental. Ao mesmo tempo, os cruzados tinham o cuidado de não
mover os bispados ortodoxos já existentes, cuja legitimidade e autoridade eles reconheciam. O
patriarca ortodoxo de Antioquia, João IV, que estivera na cidade e sofrera durante o cerco, foi
restaurado à sua catedral, uma vez que ela foi reconsagrada, e foi tratado com toda a honra.
Mas uma decisão no Concílio de Clermont, feito com referência à Espanha, que determinou
que as igrejas libertadas “pertenceriam” aos principados daqueles que as conquistaram, foi
usada para justificar a nomeação de bispos católicos onde nenhuma sé ortodoxa existisse ou
onde houvesse vacâncias. O patriarca católico de Jerusalém, que fora eleito uma quinzena
após a libertação da cidade, foi nomeado na consciência de que havia uma vacância, pois o
patriarca ortodoxo Simeão, que acompanhara a cruzada durante parte de sua jornada, havia
morrido em Chipre.

Limpeza étnica, gerada do desespero e do isolamento, não poderia ser mantida


indefinidamente uma vez que se tornou claro que a imigração ocidental nunca seria grande o
suficiente para criar um Estado exclusivamente para cristãos. A tomada de Sídon em 1110
marcou uma mudança de política e a aceitação do fato de que não-cristãos deveriam ser
autorizados a viver nas grandes cidades. De outro lado, a tolerância em relação aos bispos
ortodoxos existentes já havia acabado. No Natal de 1099, Dagoberto, agora patriarca de
Jerusalém, consagrou os arcebispos católicos de Tarso, Misis e Edessa, bem como um bispo
católico de Artah. Esses eclesiásticos haviam acompanhado seus mestres temporais,
Boemundo de Antioquia e Balduíno de Edessa, e o próprio Dagoberto, para o sul, em direção a
Jerusalém. Essas cidades tinham populações cristãs nativas substanciais, e é difícil de acreditar
que em todas elas os bispados ortodoxos estivessem vacantes. Além disso, todas estavam sob
o patriarcado de Antioquia, e é possível que o Patriarca João tenha se recusado a consagrá-las,
o que é o motivo pelo qual Dagoberto o fez, em virtude de sua legação do papa. A consagração
se seguiu, seis meses depois, da retirada forçada do patriarca ortodoxo de Antioquia e sua
substituição por um patriarca católico. A posição de João se tornou, ou foi tornada, intolerável
e ele se retirou para o mosteiro de Oxeia. Isso foi considerado, pelos latinos, como uma
abdicação. A mudança na relação com os bispos ortodoxos foi atribuída à suposta hostilidade
de Dagoberto aos gregos, mas o seu pano de fundo foi as invasões bizantinas na Cilícia e o
desejo manifesto do império de obter o controle de Antioquia. Tarso e Misis controlavam as
estradas de e para Cilícia. Artah estava diante da estrada leste de Antioquia. Edessa já havia
provado seu valor estratégico no verão de 1098. Na Normandia, contava-se que os colonos
temiam que o Patriarca João traísse Antioquia para o imperador bizantino depois que
Bohemundo caiu nas mãos dos turcos. O estabelecimento de bispos católicos no lugar de
bispos ortodoxos foi, portanto, uma resposta à pressão militar e política do governo bizantino
e certamente não é uma coincidência que, no início do século XII, dioceses católicas tenham
sido estabelecidas muito mais rapidamente na Síria do que na Palestina, onde ainda em 1120
havia apenas quatro bispos católicos, além do patriarca.

Muitas das primeiras nomeações eram de má qualidade, como vimos, e padrões na igreja dos
colonos não podiam se revelar aquilo que o papado desejava. O principal representante do
Papa Urbano, Ademar de Le Puy, havia morrido em 1098, e os primeiros governantes de
Jerusalém haviam suportado os imperialistas ocidentais na Querela das Investiduras. Isso não
necessariamente impediu a simpatia por ideias reformistas, pois muitos dos imperialistas eram
eles próprios reformadores, diferenciando-se dos canonistas apenas quanto aos meios pelos
quais a reforma deveria ser feita. Mas nem Godofredo de Bouillon nem Balduíno I mostraram
qualquer simpatia por ideias reformistas; de fato, Balduíno, que havia sido treinado para o
sacerdócio e por isso deve ter sido consciente de algumas de suas questões, era claramente
antipático.

É contra esse pano de fundo que se deve ver o conflito entre Balduíno e Dagoberto de Pisa.
Urbano nomeara Dagoberto seu principal legatário em substituição de Ademar de Le Puy e foi
nessa qualidade que, chegando em Jerusalém antes do Natal de 1099, Dagoberto presidiu um
concílio que se recusou a confirmar a eleição de Arnulfo de Chocques ao patriarcado. O
próprio Dagoberto foi então eleito patriarca e presidiu uma cerimônia na qual investiu
Godofredo e Boemundo em seus principados. É possível que eles tivessem em mente os
estados-vassalos do papado, do qual Dagoberto ainda era legatário, ou os estados-vassalos do
Santo Sepulcro, ao longo das fronteiras das terras de São Pedro na Europa, ou simplesmente a
confirmação do governo dos príncipes por um representante do papado, um poder qualificado
para garantir esse reconhecimento. Qualquer que seja a intenção dos presentes, os futuros
governantes de Jerusalém e Antioquia nunca foram vistos como vassalos dos papas ou dos
patriarcas.

Dagoberto pensou em uma solução radical para o problema da dotação de sua igreja. Ele quis
criar um patrimônio patriarcal, centrado em Jerusalém, semelhante ao patrimônio papal na
Itália. Para prover os 20 cônegos católicos, que já haviam sido instalados no Santo Sepulcro, o
clero ortodoxo local estava privado de seus benefícios, mas Godofredo, que tinha pouco
dinheiro, provavelmente estava relutante a restaurar à igreja de Jerusalém todas as
propriedades e direitos que ela dizia ter possuído no passado. Ele foi persuadido por
Dagoberto a confirmar a restauração em suas antigas propriedades ao mesmo tempo em que
o novo patriarca era consagrado – embora o seu inventário possa ter sido menor do que o de
Dagoberto – e seis meses mais tarde ele concedeu uma quarta parte de Jafa. Acreditou-se em
alguns círculos eclesiásticos em Jerusalém que na Páscoa de 1100 Dagoberto persuadiu
Godofredo a ceder-lhe toda a cidade de Jerusalém, inclusive a sua cidadela, e os três qurtos
remanescentes de Jafa, embora a necessidade de Godofredo por recursos foi reconhecida,
uma vez que ele foi autorizado a reter o controle até que o assentamento fosse aumentado.
Também se acreditou que Godofredo prometeu que, se ele morresse sem um herdeiro,
Jerusalém e Jafa passariam imediatamente para o patriarcado, e que ele teria confirmado isso
em seu leito de morte. Foi dito que apenas a ação rápida da sua família frustrou Dagoberto e
garantiu a posse do domínio de Godofredo por Balduíno. A igreja de Jerusalém renovou
brevemente suas reivindicações a Jerusalém e Jafa 30 anos mais tarde, mas seu único
resultado ao final foi o desenvolvimento de um senhorio patriarcal em torno da Igreja do Santo
Sepulcro, a noroeste da cidade de Jerusalém.

A morte de Godofredo e o fracasso de assegurar que Boemundo o sucedesse enfraqueceu


grandemente a posição de Dagoberto. Papa Pascoal, além disso, havia agora nomeado um
novo legatário, Maurício do Porto, que chegou em Latakia em setembro de 1100 e se
encontrou com Balduíno na jornada deste ao sul para reclamar o reino. Balduíno foi coroado
rei por Dagoberto no Natal de 1100. Ele claramente não tinha intenção de abandonar aquilo
que ele entendia ser seus direitos e quando o novo legatário chegou na Palestina na primavera
seguinte ele partiu para a ofensiva. Ele acusou Dagoberto de vários crimes, inclusive de tramar
sua morte após a morte de Godofredo, e ele arquitetou a sua suspensão do patriarcado.
Então, após autorizar a Dagoberto reaver a sua graça, Balduíno exigiu dinheiro para pagar os
estipêndios dos cavaleiros; nesse tempo, o assentamento era muito precário e um grande
exército egípcio estava se reunindo na fronteira meridional. Dagoberto fez uma contribuição
que foi considerada muito pouca. Quando o rei se irou e exigiu mais, ele replicou apelando à
liberdade da Igreja, perguntando a Balduíno se ele ousava fazer dela uma tributária e uma
serva, quando Cristo a havia livrado dos muçulmanos e ameaçou o rei se excomunhão pelo
papa. E um compromisso negociado por Maurício do Porto falhou porque Dagoberto apenas
em parte cumpriu a sua parte da barganha.

Balduíno então atacou impiedosamente, acusando Dagoberto de desviar o dinheiro enviado


para o leste pelo Conde Rogério da Sicília e de forçá-lo ao exílio em Antioquia. Embora
Dagoberto tenha sido brevemente restaurado ao poder em 1102, em cumprimento de uma
condição que Tancredo fizera em troca de ajuda militar da parte de Antioquia, ele foi quase
imediatamente processado por um concílio presidido por outro legatário papal, Roberto de
Paris, e deposto. Ele apelou para o papa e acompanhou Boemundo para o oeste em 1104. Seu
sucessor no patriarcado, Evremar, foi convocado à cúria papal para defender a sua eleição,
mas nem ele nem Balduíno enviaram representantes para Roma e o caso resultou na derrota
de Dagoberto, que morreu em Messina em sua viagem de volta para o leste. Evremar então
viajou para a Itália para defender sua causa, mas ele foi seguido por Arnulfo de Chocques, que
levava cartas das mesmas pessoas que haviam escrito as referências com as quais Evremar
estivera munido, pedindo pela sua deposição. O papa se escandalizou e escolheu um novo
legatário, Gibelin de Arles, para resolver o caso. Em 1108, Gibelin declarou inválida a eleição
de Evremar, porque Dagoberto fora deposto sob pressão real. Em seu turno, Gibelin foi eleito
patriarca.

Dagoberto, que tivera uma distinta carreira como político reformador da igreja, não foi páreo
para Balduíno. Ele teve uma má reputação entre os historiadores, que se apoiaram em fontes
hostis a ele, mas em sua chegada ao leste ele deve ter ficado horrorizado ao encontrar uma
igreja recém-estabelecida inadequadamente dotada e auxiliada por um clero de baixa
qualidade, com algumas dioceses servindo também como postos de fronteira militares,
reminiscências dos antigos e maus dias da Europa ocidental. Ele deve ter ficado impressionado
pelo fato de que o poder em Jerusalém era detido não por um partidário dos papas
reformistas, como Boemundo, mas por um homem que fora próximo de seu arqui-inimigo,
Henrique IV da Alemanha. Suas medidas foram anuladas por Balduíno e, embora a decisão do
Papa Pascoal lhe fosse favorável, os dois legatários papais enviados para o leste não lhe deram
todo o suporte. O problema, é claro, foi que nem eles nem o papa poderia assentir em algo
que pudesse enfraquecer o assentamento, cuja situação já era perigosa o suficiente.
Pascoal tomou a iniciativa de confirmar a assunção de Balduíno à coroa, o que ele
posteriormente fez. O arcebispado de Tiro, com suas sedes votantes, inclusive Acre, Sídon e
Beirute, era uma província do patriarcado de Antioquia. Balduíno naturalmente não queria que
a Igreja ao norte de seu reino estivesse sujeita a um patriarcado fora do seu controle, então
ele e o Patriarca Gibelin apelaram a Roma. Em 1111 Pascoal decidiu que a fronteira entre os
patriarcados deveria ser a fronteira política entre Jerusalém e os assentamentos setentrionais,
destacando, dessa maneira, uma grande parte da província mais meridional de um antigo
patriarcado e incorporando-a em outro. Nesse processo, Tiro perdeu suas três sedes
setentrionais, Trípoli, Jubail e Tartus, que se tornaram diretamente sujeitas a Antioquia. O
patriarca de Antioquia protestou e Pascoal deu sinais de mudar de opinião, mas os direitos de
Jerusalém foram confirmados pelo Papa Honório II em 1128. Essa confusa decisão, que sempre
foi insatisfatória e permaneceu controversa até pelo menos meado do século, é uma evidência
de como Pascoal estava preparado para se associar às vontades do rei. Esse não é o único
exemplo em seu pontificado de conformidade aos desejos dos governantes seculares, mas ele
também demonstra como a necessidade de um governo forte nos novos assentamentos
tendia a preceder outras considerações.

A Igreja Latina depois de 1111 e as relações com os nativos

Uma característica da Igreja Latina na Palestina e na Síria era que ela era relativamente
pequena em termos numéricos. Após a Primeira Cruzada, não havia mais do que 2.000 a 4.000
europeus ocidentais em todo o Oriente Próximo e embora os números aumentassem
substancialmente, de modo que eventualmente possa ter havido mais de 150.000 na
Palestina, os assentamentos eram sempre pequenos. Havia alguns convertidos para o
catolicismo, talvez um número significativo, dentre os povos nativos – o simples fato de nomes
nativos aparecerem nas listas de testemunhas dos estatutos o testifica, uma vez que, segundo
a lei, somente o testemunho de católicos tinha total valor para a corte –, mas é impossível
estimar o tamanho da comunidade convertida, porque havia uma tendência natural das
famílias convertidas de adotar os nomes dos santos latinos e assim imergirem na multidão. A
família Arrabi apareceu primeiramente em 1122, quando Muisse Arrabi era um cavaleiro em
Jafa. Muisse tinha um filho chamado Jorge, cujos quatro filhos foram chamados Henrique,
Pedro, João e Maria; se eles não tivessem escolhido usar seu sobrenome distintivo, suas
origens estariam perdidas para nós. Um burguês de Acre chamado Saliba fez um testamento
em 1264 o qual revela que ele era um católico, ou pelo menos um maronita, uma vez que fez
doações para muitas igrejas latinas. Sua irmã se chamava Nayme. Seu irmão Estevão, que já
não mais vivia, fora casado com uma mulher chamada Settedar. Ele teve duas filhas, Catarina e
Hodierna, quatro sobrinhas, Vista, Caolfe, Bonaventura e Isabellona, e seis sobrinhos,
Leonardo, Thomasinus, Jorge, Domênico, Nicolas e Leonardinus.

A inferioridade legal dos não-católicos, sobre a qual falaremos mais adiante, obviamente
encorajou conversões e no século XIII houve proselitismo ativo e pressão diplomática de
missionários e delegações do Ocidente. Os franciscanos e dominicanos eram ativos na Terra
Santa e o studium dominicano em Acre era uma escola de missionários. A mais importante
submissão a Roma era da Igreja Maronita, uma comunidade monoteleta sob seu próprio
patriarcado e bispos, os quais tinham a lealdade da maioria dos cristãos nativos no condado de
Trípoli. Em cerca de 1181, ela entrou em união religiosa completa com Roma e 30 anos mais
tarde sua situação foi regularizada. Ela se tornou a primeira Igreja Uniata com seus próprios
ritos, direito canônico e hierarquia, a ser diretamente sujeita aos papas sem o intermédio dos
bispos católicos locais. A despeito de um partido hostil à união, os maronitas permaneceram
sentimentalmente vinculados à Santa Sé mesmo depois de os ocidentais terem sido varridos
do Líbano. Os outros casos foram menos impressionantes. Em 1198, um importante segmento
da Igreja Armênia, aquele na Cilícia, uniu-se formalmente com Roma. Isso foi arranjado pelo
governante que fora feito rei pelos representantes do imperador do Ocidente, mas o acordo
foi obtido sem o consentimento da maioria dos bispos armênios, que viviam fora da Cilícia, foi
mal-compreendido pela maioria do povo armênio, provocou ansiedade naqueles que de fato o
entenderam e teve poucos resultados, à medida em que as reformas requisitadas pelo papado
jamais foram implementadas. Os armênios permaneceram em um estado de semi-
independência. Profissões de fé católica feitas aos dominicanos em 1237 pelo patriarca
jacobita e arcebispo de Jerusalém e por um arcebispo nestoriano foram de ainda menor
importância, sendo pessoais. De fato, o trabalho dos missionários dominicanos e franciscanos
trouxe à luz o fato de que as comunidades jacobitas e nestorianas, embora tecnicamente
heréticas, consistia de mal-educados, pessoas devotas que tinham muito pouco entendimento
ou preocupação acerca das disputas teológicas que conduziram à separação. Mas essa
descoberta das realidades da situação veio tarde demais para que qualquer coisa pudesse ser
feita a seu respeito.

Mesmo considerando famílias convertidas ou uniatas, nós ainda estamos lidando com muito
poucos católicos, um fato que é confirmado pelo pequeno número de igrejas de paróquia –
usualmente uma para cada assentamento – e pela prática de fazer a catedral servir como a
única igreja de paróquia nas grandes cidades: mesmo em Jerusalém a única igreja latina com o
jus parochiale era o Santo Sepulcro. Jafa tinha duas paróquias após 1168, e Acre e Antioquia
tinham múltiplas paróquias no século XIII, mas essas eram exceção. Uma completa hierarquia
católica foi eventualmente estabelecida, mas ela se firmou sobre uma base muito pequena e
suas responsabilidades foram depois reduzidas pelo sistema de isenções, que libertou da
jurisdição episcopal os grandes monastérios e ordens religiosas e, no século XIII, algumas das
igrejas nas áreas mercantis da Itália.

Os bispos católicos retinham, é claro, autoridade formal sobre os membros das outras
denominações cristãs, embora uma distinção fosse feita entre os ortodoxos, que eram
considerados relativamente corretos, pelo menos até o fim do século XII, e os demais, que
eram tecnicamente heréticos. Os ortodoxos tinham suas próprias igrejas e comunidades
monásticas. Não há evidência suficiente de que eles tenham sido expelidos dos maiores
centros de culto, embora os seus padres que estavam ali tivessem sido privados de seus
benefícios e presumivelmente tivessem de subsistir de ofertas feitas pelos fieis. Eles estavam
presentes na Igreja do Santo Sepulcro e testemunharam a falha, em 1101, da auto-iluminação
do fogo pascal na Edícula, fato que foi erroneamente atribuído à sua ausência. Durante o
período da ocupação católica, a liturgia ortodoxa parece ter sido celebrada diariamente diante
do Sepulcro em um grande altar em um lugar proeminente na igreja e em um altar na igreja de
Nossa Senhora do Vale de Josafá. É digno de nota que, quando a Igreja da Natividade em
Belém foi redecorada por mosaicistas gregos às custas do imperador bizantino Manuel, a
cláusula filioque, uma questão disputada entre ortodoxos e católicos, foi omitida, de acordo
com a prática ortodoxa, da fórmula da Procissão do Santo Espírito inscrita nas paredes. Os
patriarcas ortodoxos titulares de Antioquia e Jerusalém viveram no exílio – embora por um
curto período, de 1165 a 1170, o Patriarca Ortodoxo Atanásio foi restaurado a Antioquia –,
mas muitos bispos ortodoxos permaneceram residindo ali e algumas sés devem ter tido novos
incumbentes depois de centenas de anos de vacância. Sua presença não era reconhecida no
patriarcado de Antioquia e os bispos católicos, que consideravam a si mesmos em todo caso os
legítimos sucessores das linhas apostólicas, designaram vigários para fiscalizar seus rebanhos
ortodoxos. No patriarcado de Jerusalém, prelados ortodoxos parecem ter sido tratados pelos
católicos como coadjuvantes: sabemos de bispos individuais em Gaza e provavelmente
também em Sídon e Lida. O único prelado ortodoxo reconhecido pelos latinos como um bispo
diocesano completo, entretanto, era o arcebispo de Sinai, longe ao sul e fora do seu controle
direto.

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Dos demais cristãos os mais numerosos eram os jacobitas e os armênios. Na prática, eles
foram deixados em paz. Ao norte, onde a maioria deles vivia e onde o patriarcado jacobita e os
catholicos armênios residiam, muitos dos bispos católicos não interferiram, embora o vigário
designado para supervisionar os ortodoxos em pelo menos uma diocese também os
fiscalizava. Ao sul eles eram considerados como estando sob a autoridade do patriarcado
católico e seus arcebispos de Jerusalém eram tratados como seus sufragâneos, embora isso
pareça ter sido não mais do que um tecnicismo legal. Ambas as comunidades tinham catedrais
em Jerusalém e capelas nas vizinhanças do Santo Sepulcro.

Como um exército de uma república de bananas, a Igreja Latina tinha generais demais para as
tropas disponíveis. Era muito monástico porque a custódia de tantos lugares sagrados era
confiada às comunidades religiosas e isso, combinado com o fato de que os leigos não eram
muito numerosos, significava que os católicos diretamente sujeitos aos bispos eram tão
poucos que os próprios bispos tinham muito pouco que fazer. No inverno de 1216-17, Tiago de
Vitry, que, como bispo de Acre, era responsável pela maior comunidade católica do leste,
descreveu sua rotina: primeira coisa, a missa de manhã; depois, a oitiva de confissões até o
meio-dia; depois, após uma refeição – ele reclama de ter perdido o apetite desde que chegou
na Palestina –, visitar os doentes até a Nona ou a Véspera; depois, uma sessão do seu tribunal,
que tomava muito do resto do dia. Ele escreveu que não tinha tempo para ler outra coisa que
não fosse os lecionários na Missa ou Matinas e que ele tinha que reservar as noites para
orações e meditações, mas suas responsabilidades em uma cidade cheia de refugiados
eclesiásticos do interior, com todas as disputas sobre direitos que isso envolvia, eram
excepcionais.

Ao tempo em que ele escrevia, a situação se tornara absurda. À medida em que os cristãos
começavam a perder território para os muçulmanos, bispos exilados e seus cabidos lotaram as
cidades na costa, particularmente Acre, e ali muitos deles permaneceram, seja porque suas
sés, como aquelas de Hebrom e Sebastea, não foram recuperadas, seja porque, como aquelas
de Nazaré, Lida, Tiberias e mesmo Jerusalém, estavam expostas demais para serem
reocupadas com segurança. Algumas linhas de bispos se perderam, duas foram integradas a
outras dioceses, mas muitas continuaram, principalmente porque suas igrejas haviam sido
agraciadas com propriedades ao longo da costa e na Europa ocidental. As igrejas catedrais do
Santo Sepulcro, Sebastea, Nazaré e Belém, junto com as abadias de Santa Maria dos Latinos e
Santa Maria do Vale de Josafá, o priorado do Monte Sião e as ordens militares, receberam
estados por toda a extensão da cristandade, de onde recursos continuavam a fluir. A sua
administração provia a sobrevivência de alguns dos cônegos e religiosos. Nos novos estatutos
elaborados em 1251 para o cabido de Nazaré foi estabelecido que, se o próprio senhorio do
arcebispo na Galiléia, não providenciasse sustento a ele e prebendas para o cabido,
“somente o prior deverá permanecer vivendo com o arcebispo na Síria. Os demais cônegos
deverão ser providos da maneira como parecer honestamente conveniente, ou eles serão
enviados além-mar para governar os priorados e igrejas pertencentes à catedral de Nazaré”.

Mesmo sem igrejas catedrais e deveres pastorais, esses cabidos recebiam doações de forma
independente, como os modernos colégios de Oxford e Cambridge, e permaneceram
subsistindo apenas por essa razão. Um resultado curioso foi que os muros de Acre, no século
XIII, continha, além de seu próprio clero e os irmãos das ordens militares e os frades, o cabido
do Santo Sepulcro, comunidades religiosas como Monte Sião e Santa Maria do Vale de Josafá
exiladas de Jerusalém e bispos titulares in partibus infidelium com seus cabidos.

Um excesso de bispos ociosos era apenas uma de várias características estranhas da Igreja.
Representando uma minoria em uma potencialmente hostil população, ela foi forçada, após os
brutais despovoamentos da primeira década, a admitir a prática aberta de outras crenças
religiosas e a aceitar um sistema de tolerância parcial, baseado em uma adaptação do direito
muçulmano que eu vou descrever no próximo capítulo. Mesquitas em Tiro foram mencionadas
pelo viajante Ibn Jubayr. Camponeses muçulmanos de Hanbali se reuniram para as orações de
sexta-feira com o khutba, invocando o nome do califa abássida, no vilarejo de Jamma‘il,
próximo de Nablus, antes que alguns deles migrassem em 1156. Eles partiram por causa da
taxação exorbitante e porque suas orações de sexta-feira estavam sendo ameaçadas: seu
senhor latino aparentemente estava dizendo que eles deveriam trabalhar ao invés de orar.
Esse foi, é verdade, um caso de discriminação, mas resultava do comportamento de um senhor
da terra – e incidentalmente do elaborado poder de um professor muçulmano que estava
atraindo muitas pessoas no distrito – e isso demonstrou que até aquele momento a prática
religiosa não foi perturbada. Visitantes muçulmanos ficaram impressionados pela maneira
como os santuários locais continuavam a florescer. Escrevendo sobre a região de Nablus, ‘Imad
ad-Din comentou que os francos “não mudaram uma única lei ou prática de culto dos
[habitantes muçulmanos]”, uma frase repetida pelo geógrafo Yaqut, que escreveu, com
referência a uma mesquita em Belém, que “os francos não mudaram nada quando eles
tomaram o país”, e pelo viajante Ibn Jubayr, quando descreveu um santuário em ‘Ain el Baqar
(a fonte de Ox) em Acre: “nas mãos dos cristãos sua natureza venerável está mantida e Deus a
preservou como um lugar de oração para os muçulmanos”. Uma nova sinagoga fora construída
pelos judeus samaritanos em Nablus nos anos 1130 e a magnificência das sinagogas em
Meiron, perto de Safad (Safed), foi comentada por um judeu viajante em cerca de 1240. O
Muro Ocidental do Templo e as tumbas dos reis do Antigo Testamento no Monte Sião eram
visitados por judeus, embora estes últimos tenham sido selados, e santuários locais venerados
tanto por muçulmanos quanto por judeus incluíam as tumbas de Jonas em Kar Kannah e de
Hanona b. Horkenos, em Safad. Não-cristãos, que eram tecnicamente proibidos de viver na
cidade de Jerusalém, certamente a visitaram como peregrinos. No Templo composto
muçulmanos foram ao Domo da Rocha, agora uma igreja agostiniana, e para a mesquita de el
Aqsa, agora propriedade dos templários. A notícia da descoberta, em Hebrom, em 1119, pelos
recém-estabelecidos cônegos agostinianos, do que se supôs ser as tumbas dos patriarcas
Abraão, Isaque e Jacó foi uma sensação, e judeus e muçulmanos poderiam ser autorizados a
entrar, depois de os peregrinos cristãos terem saído, sob pagamento de uma douceur para a
custódia. O mesmo tipo de acordo aconteceu em Sebastea, onde o clero se beneficiou de
presentes dados pelos muçulmanos desejosos de orar na cripta de São João Batista.

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