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Alexandre Dittrich
Universidade Federal do Paraná
Introdução
Se parássemos por um momento para tentar identificar as diferenças mais básicas, mais
fundamentais, entre as diferentes abordagens psicológicas, talvez chegássemos à
conclusão de que essas diferenças dizem respeito ao modelo explicativo (ou modelo
causal) de cada abordagem. Um modelo explicativo é um quadro geral de referência a
partir do qual cada abordagem psicológica (ou cada área da ciência) parte para tentar
explicar os fenômenos que estuda, isto é, para tentar identificar, de maneira geral, os
determinantes dos fenômenos que estuda. Neste sentido, praticamente todas as
abordagens psicológicas são deterministas. Há muita confusão no uso do termo
determinismo em Psicologia. Muitas vezes esse termo é usado com um sentido de
“predestinação”, trazendo uma conotação de imutabilidade. Essa ideia de determinismo,
entre outras, é absolutamente equivocada. De maneira geral, dizer que uma abordagem
psicológica é determinista é o mesmo que dizer que para esta abordagem o
comportamento humano possui causas (múltiplas causas na maioria das vezes), que é
passível de explicação e não simplesmente um produto do acaso ou algo meramente
espontâneo.
2 Partes desse capítulo foram originalmente publicadas na dissertação de mestrado da primeira autora e da
consideram que o comportamento humano pode ser, de alguma maneira, explicado, que
não é meramente espontâneo (pelo menos boa parte dele); e se não fosse assim, seria
difícil pensar na existência de uma ciência chamada Psicologia.
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Moreira, M. B. (Org.) (2013). Comportamento e Práticas Culturais. Brasília: Instituto Walden4.
frequente naquele grupo de lobos, isto é, havia mais lobos capazes de desenvolver
velocidades maiores.
Na Figura 1, o segundo quadro começa com a cor branca e fica mais escuro – Períodos
2, 3 e 4. O interessante deste quadro é notar que à medida que as cascas das árvores,
por algum motivo (poluição, por exemplo), ficam mais escuras, o número de mariposas
brancas diminui gradativamente, até que a proporção entre mariposas claras e escuras se
inverte. À medida que a casca das árvores fica mais escura, as mariposas mais escuras
têm mais chances de sobreviver e reproduzir que as mais claras. Não diríamos nesse
exemplo que “as mariposas mudaram de cor para se adaptar”. Simplesmente dizemos
que o ambiente selecionou as variações (cor, nesse exemplo) mais adaptadas ao
ambiente.
entanto, chegar a quase 2,4 metros de altura ou não chegar a meio metro certamente
está relacionado a questões genéticas.
O que é selecionado?
Em sua obra máxima, The Origin of Species (1859/1902), Darwin argumenta que a
atuação da seleção natural ocorre sobre organismos individuais – isto é, sobre suas
características morfológicas, fisiológicas e comportamentais. Posteriormente, surgiria a
hipótese de que a seleção atuaria não sobre o indivíduo, mas sobre a espécie à qual este
pertence. Durante décadas, a questão foi alvo de acalorados debates – e, a rigor, ainda
não há acordo definitivo sobre o tema. Atualmente, porém, a chamada síntese
neodarwiniana – isto é, a base do pensamento evolucionista atual, derivada da
conjugação e atualização dos trabalhos de Darwin e Mendel – tende a reconhecer o gene
como a unidade primária sobre a qual age a seleção natural (Dawkins, 1976/1979). Essa
hipótese permite explicar, por exemplo, a seleção de parentesco, e mesmo formas de
comportamento “altruísta” que parecem beneficiar grupos de organismos. Ao que parece,
não é possível pensar em um altruísmo genético “puro”. O comportamento filogenético
sempre deve favorecer a transmissão dos genes do organismo que se comporta, mesmo
que por vias aparentemente tortuosas. É nesse sentido que podemos afirmar que o gene
é uma entidade “egoísta”: o “altruísmo” filogenético sempre deve reverter em benefício da
transmissão do gene para a descendência.
A opinião de Darwin pode ser justificada, em parte, pelo nível de conhecimento sobre o
assunto em sua época. O trabalho de Mendel sobre os mecanismos de hereditariedade
só receberia o devido reconhecimento a partir de 1900 (embora tenha vindo a público já
em 1866), e a genética molecular começaria a desenvolver-se algumas décadas depois.
Embora a ação das variáveis ambientais ocorra sobre o fenótipo, a seleção no nível 1
ocorre, efetivamente, sobre os genes. (Também é equivocado afirmar que a seleção
ocorre sobre genótipos, pois estes, enquanto combinações de genes, são únicos em cada
indivíduo. Não é o genótipo a unidade transmitida para a prole, mas apenas parte dos
genes que o compõem.)
Não há uma definição universalmente aceita sobre o que seja um gene, mas, para tomar
este conceito como unidade básica da seleção natural, é prudente defini-lo como uma
porção de material cromossômico com poucas possibilidades de divisão e grande
capacidade de auto-replicação. Essas características permitem ao gene, em princípio,
uma longa permanência no “fundo” genético de sucessivas gerações (Dawkins,
1976/1979, cap. 3). É exatamente essa possibilidade de permanência que permite tomar
o gene, assim definido, como unidade básica do processo seletivo. Mas essa definição é,
obviamente, uma idealização. Eventualmente, os genes dividem-se ou fazem “cópias”
imperfeitas de si mesmos. Genes assim gerados, por sua vez, também constituem
unidades sujeitas à seleção. O próprio processo seletivo só é possível, na verdade,
porque “erros” desse tipo acontecem.
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Moreira, M. B. (Org.) (2013). Comportamento e Práticas Culturais. Brasília: Instituto Walden4.
A Figura 5 ilustra como podemos utilizar a curva normal, por exemplo, para entender o
famoso exemplo do “tamanho do pescoço das girafas”. Observando o deslocamento do
tamanho médio dos pescoços na figura, podemos observar como os processos de
variação e seleção interagem. Na Figura 5 temos 3 girafas com três tamanhos de
pescoços diferentes. No Período 1, no qual a copa das árvores das quais as girafas se
alimentam são mais baixas, a maioria (a média) das girafas tem o pescoço mais ou
menos do tamanho da girafa do meio. Neste período, da mesma forma que temos
pessoas mais altas e outras mais baixas, havia também girafas com pescoços maiores e
menores. Portanto, no Período 1, temos que: (1) a maioria das girafas tinha um pescoço
com tamanho ideal para poder comer as folhas das maiorias das árvores; (2) algumas
poucas girafas não conseguiam ou tinham dificuldades de se alimentar porque seus
pescoços eram muito pequenos; e (3) algumas poucas girafas tinham que abaixar seus
pescoços para comer porque estes eram muito compridos.
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Moreira, M. B. (Org.) (2013). Comportamento e Práticas Culturais. Brasília: Instituto Walden4.
Agora, imagine que, por algum motivo, as copas das árvores foram, ao longo de séculos
ou milênios, ficando cada vez mais altas. Chegamos então ao Período 2 da Figura 5. No
Período 2, no qual a copa das árvores está mais alta, temos que: (1) aquelas girafas com
pescoços menores e que tinham dificuldades para se alimentar, não conseguem mais
alimento e padecem; (2) aqueles girafas, cujos pescoços tinham o tamanho médio têm
menos chances de alimentar e ficam menos frequentes (menor número de indivíduos na
população de girafas), deixam de ser “a média”; e (3) aquelas girafas, que no Período 1
tinham pescoços mais altos que as copas, agora têm pescoços na altura exata das copas
e, portanto, têm maiores chances de se alimentar, por conseguinte se reproduzir, e
passam a ser “a média”.
Dissemos anteriormente que por algum motivo as copas das árvores foram, ao longo de
séculos ou milênios, ficando cada vez mais altas. Podemos utilizar o mesmo raciocínio
que aplicamos à mudança no tamanho médio do pescoço das girafas para entender esse
“algum motivo”. No Período 1 (Figura 5), também havia variabilidade na altura da copa
das árvores. Árvores mais altas tinham mais chances de produzir descendentes, pois a
maioria das girafas não alcançava suas copas e, aos poucos, as árvores mais altas foram
se tornando cada vez mais numerosas na população de árvores. (Questão para pesquisa
e reflexão: como esse processo atinge um equilíbrio? Será que as árvores continuam
ficando cada vez mais altas e os pescoços das girafas cada vez maiores?).
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Moreira, M. B. (Org.) (2013). Comportamento e Práticas Culturais. Brasília: Instituto Walden4.
9. Por que Darwin (1859) chamou seu modelo explicativo de seleção natural?
11. Descreva, de modo geral, como ocorre a seleção natural usando como referência a
figura abaixo (explicite o que representa a seleção e o que representa a variabilidade
na figura).
Referências bibliográficas
Darwin, C. R. (1859). On the origin of species by means of natural selection, or the preservation of favoured
races in the struggle for life. London: John Murray.
Darwin, C. R. (1902). The origin of species. London: John Murray. (Originalmente publicado em em 1859)
Dawkins, R. (1979). O gene egoísta (G. H. M. Florsheim, Trad.). Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP.
(Originalmente publicado em 1976)
Skinner, B. F. (1984). The phylogeny and ontogeny of behavior. Em A. C. Catania & S. Harnad (Eds.),
Canonical papers of B.F. Skinner (pp. 669-677). The Behavioral and Brain Sciences, 7, 473-724.
(Originalmente publicado em em 1966)
Skinner, B. F. (1989). Genes and behavior. Em B. F. Skinner, Recent issues in the analysis of behavior (pp.
49-56). Columbus, OH: Merrill. (Originalmente publicado em 1988)
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IN T R O D U Ç Ã O O Q U E É A PRENDIZAGEM ?
A aprendizagem é um tem a recorrente entre as disci N o laboratório de condicionamento operante, dizemos
plinas preocupadas com algum aspecto do comportamento que um rato aprendeu a pressionar a barra quando essa
hum ano, sejam as diversas abordagens da psicologia, as resposta passa a ser frequente, sendo que observamos no
neurociências ou a pedagogia, para citar algumas. Todavia, passado que ele não a em itia em quantidade significa
em bora possamos encontrar com facilidade material de tiva. Se ouvimos um a mãe dizer que seu filho finalmente
qualidade sobre um a variedade de tópicos dentro do tema aprendeu a andar de bicicleta sem rodinhas, supom os
—processos de aprendizagem, mecanismos neurais da aprendi imediatamente que, há pouco tempo, aquela criança não
zagem, aprendizagem associativa, aprendizagem por tentativa era capaz de se equilibrar por conta própria e pedalar ao
e erro, déficits de aprendizagem etc. —, raramente encon mesmo tem po. Se perguntamos a um a criança o que ela
tramos um a definição formal de aprendizagem. Aparen aprendeu na escola, esperamos que ela nos conte algo novo,
tem ente, trata-se de um daqueles conceitos que todos que não era capaz de fazer anteriorm ente. U m a pessoa,
parecem compreender, mas ninguém é capaz de definir. O
tendo sua pia de cozinha entupida, pode afirm ar que
fato é que os episódios reconhecidos como casos de apren
aprendeu, “da pior forma possível”, a não jogar restos de
dizagem são tão variados e as explicações que cada disci
comida no ralo, mas somente concordaremos que ela de
plina privilegia são tão diversas (e, por vezes, até incompa
fato aprendeu se passar a jogar os restos em outro lugar no
tíveis entre si) que se torna realmente difícil arriscar um a
futuro. Em todos esses exemplos, reconhecer ou não algo
definição suficientemente abrangente e coerente o bastante
como aprendizagem depende de se considerar o estado
para agradar a leitores de todas as predileções teóricas.
presente de algum aspecto do com portam ento de um a
Este capítulo não busca fornecer essa definição abran
pessoa em comparação com seu estado anterior. Apren
gente. N ão pretendem os englobar todas as facetas que
dizagem, então, é um a demonstração de com portam ento
possam vir a ser atribuídas ao “fenôm eno” aprendizagem,
nos seus mais diversos tratam entos. Pelo contrário, o novo ou modificado. É um a alteração no m odo como um
objetivo aqui é identificar características com portam en- indivíduo responde a parcelas relevantes do m undo.
tais m inim am ente definidoras daquelas ocorrências reco N o entanto, nem toda alteração na relação do orga
nhecidas como aprendizagem. Por certo, os hum anos não nismo com o ambiente qualificar-se-á como aprendizagem.
são os únicos animais capazes de aprender, então, nossa Certas ocorrências podem modificar tem porariam ente a
definição de aprendizagem precisa ter características que maneira como um organismo responde. Por exemplo, uma
sejam observadas tam bém em outros animais. Conside pessoa que acabou de assistir a um filme de terror pode
remos, então, o que no com portam ento de um organismo responder por algum tempo de maneira exacerbada a certos
nos faz reconhecer um caso de aprendizagem. ruídos, mesmo àqueles com os quais está familiarizada.
Aprendizagem 21
Em manipulações experimentais, é possível observar um responder da maneira que não responde hoje (volta a jogar
ruído provocar um sobressalto maior que o usual em um os restos na pia). Ao observarmos um a mudança no modo
rato quando antecedido por um choque elétrico. O utro como determinado indivíduo interage com certos eventos
exemplo de modificação circunstancial da maneira como ambientais, devemos considerar se o organismo perm a
o organismo responde a partes do m undo é quando certos nece sensível àquele conjunto de acontecim entos antes
eventos deixam de evocar as respostas que norm alm ente de reconhecermos aquela m udança como sendo aprendi
evocam se forem apresentados em rápida sucessão ou de zagem. Para a Análise do C om portam ento, ambiente não
modo continuado. É o que acontece quando você simples diz respeito a todo o universo que circunda o organismo,
mente deixa de notar o ruído da sua geladeira, por exemplo. mas justam ente àqueles eventos que exercem influência
Alterações desse tipo na relação dos organismos com o de fato sobre o seu com portam ento (ver, por exemplo,
ambiente (conhecidas na literatura técnica como “sensi Tourinho, 2001). Portanto, podem os considerar que
bilização” e “habituação”, respectivamente) são exemplos aqueles eventos aos quais um organismo responderia se
im portantes de m odulação da influência dos estímulos tivesse um aparato visual intacto deixam de ser “ambiente”
ou da sensibilidade do organismo, dependendo do ponto para a pessoa que teve dano visual permanente. Q uando
de vista), mas não serão tratados como casos de aprendi falarmos em “ambiente”, então, estaremos nos referindo a
zagem, devido ao seu caráter transitório e pontual. Essas aspectos do m undo que um organismo é capaz de perceber
são situações em que um determ inado arranjo ambiental (ver no Capítulo 3 como a percepção pode ser tratada de
causa um a modificação no responder, mas esse responder um a perspectiva analítico-comportamental).
modificado está restrito à ocorrência daquele arranjo espe Após essas considerações, podemos, agora, arriscar uma
cífico: sem o choque, o rato do exemplo citado voltará a definição comportamental de aprendizagem. Aprendizagem
responder aos ruídos da mesma maneira que antes de ter é qualquer mudança duradoura na maneira como os orga
experimentado a sucessão choque-ruído. Estamos interes nismos respondem ao ambiente. Tal definição será suficiente
sados aqui em mudanças na relação do organismo com o para identificarmos a maioria dos casos de aprendizagem,
ambiente que sejam duradouras, no sentido de perdurar seja na natureza, no laboratório ou na escola, mas ainda é
e repercutir no responder futuro do organismo, mesmo necessário que consideremos os meios pelos quais a modifi
que ele não volte a ter contato com o arranjo ambiental cação da “relação organismo-ambiente” se dá. Essa relação,
específico que originou a mudança no responder. As condi a qual nos referimos de m aneira mais ou menos genérica
ções que favorecem esse tipo de modificação duradoura até então, diz respeito à relação funcional observada entre
no responder dos organismos serão discutidas no decorrer eventos ambientais e respostas do organismo, ou seja, a
deste capítulo. relação entre estímulos e respostas. Assim, a “m udança na
O utra ressalva é feita por Catania (1998/1999) em seu relação organism o-am biente” que caracteriza a aprendi
livro Aprendizagem. O autor comenta que se, após encarar zagem pode ser tanto a modificação de um a relação estí-
um eclipse solar, um observador tiver dano perm anente m ulo-resposta preexistente com o o estabelecim ento de
nos olhos, seu com portam ento futuro certam ente será um a relação estímulo-resposta nova.
alterado, mas, “se alguém afirmasse que essa alteração é As relações entre estímulos e respostas não são todas
um caso de aprendizagem, provavelmente discordaríamos” iguais. Alguns estímulos estão fortem ente vinculados a
p. 22). Certam ente, nesse caso, a relação daquele orga uma resposta, de modo que a resposta ocorre praticamente
nismo com toda estimulação visual passa a ser diferente toda vez que o organismo entra em contato com o estí
do que foi no passado, mas isso ocorre porque ele deixou mulo (como a contração da pupila no contato com uma
de ser sensível àquela parcela do m undo. N ão é que ele fonte de iluminação intensa). O utras respostas, embora
responda de m odo diferente... Ele não é mais capaz de claramente ligadas a certo estímulo, não acontecem sempre
responder! Claro que há situações em que deixar de que o estímulo está presente (como abrir a porta da gela
responder a um estím ulo é um caso de aprendizagem, deira) e ainda podem se relacionar com outros estímulos
como seria não jogar restos de com ida na pia. A diferença (a porta do carro, de casa, do arm ário). A literatura da
é que, nesses casos, o indivíduo é capaz de perceber o Análise do C om portam ento costum a dividir as relações
evento, ainda que não responda de m aneira específica a comportam entais em duas categorias - “com portam ento
ele. O indivíduo responde de outras maneiras (joga restos respondente” e “comportamento operante” —, dependendo
de comida no lixo, por exemplo) e pode, inclusive, vir a das correlações entre eventos ambientais e com portam en-
22 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento
tais que as descrevem. Apresentaremos a seguir um a breve Som alto e repentino Resposta de sobressalto
caracterização dessas duas classes de relações com porta-
mentais, antes de abordarmos as maneiras como elas se US UR
estabelecem e/ou se modificam, ou seja, os processos de FIGURA 2.1 Exemplo de um com portam ento reflexo incondicionado,
aprendizagem propriam ente ditos. no qual US (unconditioned stimulus) é o estím ulo incondicionado e
U R (unconditioned response) é a resposta incondicionada. As siglas se
referem aos term os em inglês, sendo as siglas usadas na literatura.
Comportamento respondente
O term o “com portam ento respondente” é usado em
Análise do Com portam ento para se referir aos compor nossa integridade física. Assustar-se com um som alto e
tam entos conhecidos com o reflexos, costum eiram ente repentino é um reflexo relevante, pois prepara o organismo
caracterizados como reações involuntárias do organismo para um a potencial situação de perigo.
a certos eventos. O exemplo mais célebre é o reflexo de
salivar dos cães, estudado por Ivan Petrovich Pavlov (1849
1936). As relações comportam entais ditas respondentes
Comportamento operante
são as mais fundamentais encontradas em organismos que N o século 19, Edw ard L. T horndike (1874-1949)
apresentam sistema nervoso central. Em termos analítico- descreveu pela prim eira vez que o com portam ento dos
comportamentais, são caracterizadas por um a reação alta animais era influenciado por seus efeitos. Ele construiu
mente provável do organismo a um estímulo específico do uma variedade de caixas-problema, nas quais colocava dife
am biente (Catania, 1998/1999; Millenson, 1967/1975; rentes animais. Esses animais deveriam aprender a resposta
Skinner, 1953/2000; Skinner, 1974). Sob condições que abria a caixa, que lhes permitia sair da mesma e comer
ótim as,1 a resposta ocorrerá toda vez que o organismo o alimento colocado fora dela. Por tentativa e erro, todos
entrar em contato com o estímulo. os animais aprendiam tal resposta (puxar um a corda, abrir
Diante de uma relação estímulo-resposta desse tipo, um um trinco etc.). Primeiramente, os animais abriam a caixa
analista do com portam ento dirá que o estímulo eliciou a por acaso, enquanto se movimentavam dentro dela. Com
resposta reflexa (Figura 2.1). Eliciar é o termo usado para o passar do tem po, movimentos que perm itiam o escape
dizer que a resposta foi provocada pelo estímulo. Quando a da caixa ocorriam após intervalos de tempo cada vez mais
resposta reflexa do organismo a determinado estímulo não curtos a partir da inserção do anim al na caixa. C om a
precisou ser aprendida, usa-se o termo incondicionado ou resposta já aprendida, os animais passavam a abrir a caixa
primário para se referir tanto ao estímulo quanto à resposta quase que instantaneamente, assim que eram colocados lá
(Catania, 1998/1999; M illenson, 1967/1975; Skinner, dentro. A aprendizagem era avaliada pela redução no tempo
1953/2000). Os seres hum anos não precisam aprender a que o animal levava para escapar da caixa-problema nas
contrair a pupila diante de um a luz intensa. Esse reflexo é, inserções sucessivas do sujeito dentro do aparato. A partir
portanto, um reflexo incondicionado. As relações respon dessas observações, Thorndike (1898/1911) elaborou a Lei
dentes incondicionadas são inatas e foram selecionadas na do Efeito, que basicamente dizia que o com portam ento
história de cada espécie em razão de seu valor de sobrevi era modificado em função de seus efeitos.
vência. Por exemplo, afastar a mão rapidamente de uma N a década de 1930, Burrhus Frederic Skinner (1904
fonte de calor é um reflexo im portante na m anutenção de 1990), ao estudar com portam ento reflexo em ratos, cons
tatou que muitos comportam entos não podiam ser expli
cados em termos de relações reflexas (como se supunha
na época). D iferentem ente do observado nos reflexos,
'O comportamento reflexo obedece a algumas leis que regem a sua ocor
rência. Por exemplo, o estímulo incondicionado tem que ocorrer em naqueles comportamentos não havia uma relação de deter
intensidade suficiente para eliciar a resposta incondicionada, de modo minação absoluta de um estímulo antecedente sobre um a
que existe um limiar a partir do qual o estímulo produz a resposta. Uma
fonte de calor pouco intensa provavelmente não provocará o afastamento
determinada resposta, porque ou havia imprecisão em se
irresistível da mão. Além disso, quanto maior a intensidade do estímulo, verificar a ocorrência de qualquer estímulo que pudesse
maior a força (ou magnitude) da resposta reflexa e mais rapidamente estar controlando um a resposta observada, ou, quando
ela se seguirá ao estímulo (menor latência entre estímulo e resposta).
U m tratam ento mais completo das leis do reflexo pode ser encontrado verificada sua presença, a apresentação do estímulo não
em Catania (1998/1999), Millenson (1967/1975) e Skinner (1938). era garantia de ocorrência da resposta. A relação entre estí-
Aprendizagem 23
mulos e respostas era marcada pela flexibilidade: a probabi de outra forma, os contextos semelhantes àquele no qual
lidade de ocorrência da resposta variava ao longo de m últi certas respostas foram consistentemente acompanhadas de
plas exposições ao estímulo. Além disso, vários estímulos reforçadores têm m aior probabilidade do que outros de
podiam estar relacionados com a mesma resposta e várias evocar aquelas respostas. Por isso, a Análise do C om por
respostas com o mesmo estímulo. U nindo suas observa tam ento descreve o com portam ento operante por meio
ções aos estudos de Thorndike, Skinner identificou que, da tríplice contingência, que envolve não só a resposta e
nesses casos, a ocorrência ou não das respostas e sua relação a consequência, mas ainda o contexto em que ocorrem
com os estímulos que as antecediam eram influenciadas (Figura 2.2). Esse contexto, a estimulação antecedente à
por suas consequências passadas. Alguns eventos am bien resposta, recebe o nom e de estímulo discriminativo (SD).
tais consequentes, isto é, que ocorrem após a emissão de Em princípio, podemos imaginar que as respostas podem
um a resposta pelo organismo, fazem com que respostas se tornar mais ou menos frequentes de m aneira genera
semelhantes a ela tenham m aior ou m enor probabili lizada, a despeito do contexto, mas basta um a inspeção
dade de ocorrer no futuro (Baum, 1994/1999; Catania, mais atenta para notarm os que não é isso o que acon
1998/1999; Millenson, 1967/1975; Skinner, 1953/2000, tece. Considerem os o exemplo de chutar um a bola. O
Skinner, 1974). Se a resposta passa a ocorrer com maior que chamamos de resposta, ‘chutar bola”, se pensarmos
frequência em situações semelhantes àquelas em que a bem, já é um a relação entre estímulos e respostas: como
consequência foi produzida, dizemos tratar-se de um a seria possível chutar um a bola na ausência de uma bola?
consequência reforçadora. Se, ao contrário, a frequência Ainda assim, a presença da bola nem sempre vai evocar
da resposta dim inuir naquelas situações, dizemos que a respostas de “chutar bola”. Imaginem os que tenham os
consequência é aversiva. Vejamos um exemplo: observado que a criança em questão norm alm ente chuta
Todos conhecem a curiosidade das crianças. Qualquer a bola quando há um adulto presente, que se engaja em
objeto novo as fascina de tal maneira que elas logo se apro chutar a bola de volta. Então, a relação comportam ental,
ximam e m anipulam o objeto. Ao ver um a tomada, uma nesse caso, inclui a presença da bola e de um adulto. Essa
criança se aproxima e não demora m uito para começar a relação será modificada dependendo das consequências.
colocar o dedo ou até mesmo objetos em seus orifícios. Se o adulto costum eiram ente se engajar em jogar bola
Em um determ inado m om ento, ela leva um pequeno com a criança, chutar a bola sob aquelas condições será
choque e se afasta da tomada. Será pouco provável que mais provável no futuro. Por outro lado, se aquele adulto
ela volte a colocar o dedo ou objetos em seus orifícios, estiver rotineiramente cansado e não brincar com a criança,
visto que choques costum am ter funções aversivas. Em a relação será enfraquecida.
outra situação, esta mesma criança vê um a bola e começa No caso dos operantes, a relação entre o estímulo ante
a manipulá-la. Ela aperta a bola, joga a bola, observa a bola cedente e a resposta não é considerada um a relação de
pulando, chuta a bola etc. Se houver um adulto presente, eliciação. Respostas de “chutar a bola” são emitidas em
provavelmente ele brincará de jogar a bola com a criança. determ inadas situações e sua emissão é m odulada pelas
Todas essas consequências da resposta de manipular a bola suas consequências. Relações com portam entais m odu
são potencialm ente reforçadoras, o que se confirmará se ladas pelas consequências são am plam ente encontradas
a criança frequentem ente pegar e brincar com um a bola na natureza, nas mais variadas espécies. Skinner estudou
quando esse objeto estiver presente no seu ambiente. esses com portam entos com pombos e ratos por meio de
Certas respostas, portanto, tornam-se mais ou menos um a câmara experimental —a famosa Caixa de Skinner
prováveis em situações semelhantes àquelas nas quais costumam —, que perm itia o controle automatizado da apresentação
estar correlacionadas com determinadas consequências. Dito de eventos ambientais antes e após a ocorrência de uma
FIGURA 2.2 Esquem a de um a tríplice contingência operante. SD é o estím ulo antecedente (estím ulo discrim inativo), R a resposta e SR o es
tím ulo reforçador.
24 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento
mentais (p. ex., DeGrandpre, Bickell, 1993) como neuro- mulo, os eventos que o organismo encontrará em diversas
fisiológicos e bioquímicos (ver, p. ex., Everitt, Robbins, ocasiões não são necessariamente os mesmos, nem são
2005, para um a revisão). semelhantes em todos os aspectos. Mais adiante, veremos
como diversos eventos ambientais podem vir a ser agru
pados em um a m esm a classe de estímulos, isto é, um
Condicionamento operante conjunto de estímulos que, mesmo não sendo exatamente
Na breve exposição feita sobre comportamento operante, idênticos entre si nem aos que o organismo encontrou
falamos sempre de respostas que produzem consequências, no passado, estão relacionados com um a m esm a classe
mas é im portante dizer que o Behaviorismo Radical não de respostas.
define um com portam ento operante pela forma (ou topo São m uitos os exemplos de aprendizagem operante,
grafia) específica da resposta, e sim por sua função; um a envolvendo desde com portam entos mais simples, como
resposta em itida por um organismo nunca é idêntica a levar a colher até a boca durante um a refeição, a com por
outra. A chance de que o organismo apresente uma resposta tamentos mais complexos, como a resolução de problemas
topograficamente idêntica a anterior é m uito pequena, de matemáticos. Todos dependem da correlação entre eventos
m odo que ocorrerão variações nas formas das respostas. O ambientais antecedentes, respostas e eventos consequentes.
analista do com portam ento reconhece todas as respostas Essa correlação entre eventos, quando produz a m odifi
que tiveram sua frequência aum entada por um mesmo cação da probabilidade de que certos estímulos antece
tipo de consequência como da mesma função.3 Pensemos dentes e certas respostas coocorram, recebe o nom e de
no com portam ento de abrir uma porta, por exemplo. O condicionamento operante. Em condições artificialmente
m odo como um a pessoa abre a porta depende de um a arranjadas, como no laboratório, isso é obtido basicamente
série de fatores. Pode abrir a porta com a m ão direita pela disponibilização de certos eventos ambientais como
ou com a mão esquerda. Pode abri-la apoiando o coto consequência para a emissão de determinadas respostas e
velo na maçaneta, porque tem as mãos ocupadas. Pode não de outras sob um a estimulação antecedente específica
ainda pedir que alguém que a acom panha abra a porta. (Catania, 1998/1999; Skinner, 1953/2000). N a natureza,
Enfim, há diversas formas (topografias) de se abrir uma o condicionamento ocorre quando determinadas ações do
porta, mas todas elas têm a mesma função: ter acesso ao organismo consistentemente promovem o contato com
am biente que se encontra atrás da porta. É por isso que o consequências ecologicamente relevantes, o que costuma
analista do com portam ento não fala apenas em respostas, acontecer em contextos específicos. Por exemplo, se um
mas em classe de respostas, no sentido de que existe todo um babuíno jovem permanece próximo de um a fêmea, igno
grupo de topografias possíveis que têm a mesma função, rando o m acho alfa que se aproxim a com os dentes à
ou seja, que têm sua ocorrência influenciada pela mesma mostra, provavelmente será violentamente atacado. Se ele
consequência (Catania, 1998/1999; Skinner, 1953/2000). sobreviver, é provável que não se aproxime daquela fêmea,
Todas as respostas usadas para abrir um a porta formam ou somente o faça na ausência do macho alfa e trate de se
a classe de respostas “abrir a porta”. O u tra razão para a afastar rapidamente ao avistá-lo. O analista do com por
adoção da noção de classe é lógica: a consequência que tam ento reconheceria aí uma contingência natural (visão
segue um a determ inada resposta não pode reforçar essa do macho alfa —>permanecer próximo à fêmea —> sofrer
mesma resposta, porque ela ocorreu antes da consequência. agressão) promovendo a aprendizagem.
Q uando falamos que um a resposta é reforçada, portanto, Q u a n d o falam os em “ações que consisten tem ente
estamos, na verdade, falando do aumento da probabilidade prom ovem contato com consequências ecologicam ente
futura de respostas de um a mesma classe. relevantes”, pode parecer que cada resposta de um orga
A mesma noção de classe se aplica quando falamos de nism o precisa produzir determ inada consequência para
estímulos. Em bora falemos costum eiram ente em o estí que seja reconhecida um a contingência. N ão é esse o
caso. A contingência operante consiste na coocorrência
reguläre.ntre respostas e consequências em dada situação,
3É com um esse term o ser tom ado com a conotação de que as
respostas funcionam, agem, de m odo a produzir certa consequência, mas não é essencial que cada ocorrência de um a classe
ou que sua função é produzi-la. Entretanto, o sentido mais apro de resposta seja acom panhada da consequência que
priado para o term o “função” nesse contexto seria o usado na mate
mática: o aumento ou a m anutenção da frequência das respostas da define aquela classe. N a verdade, as contingências mais
classe R é fimção da apresentação contingente da consequência X. com uns parecem ser aquelas em que a consequência é
Aprendizagem 27
produzida para algumas ocorrências de um a classe de para a sobrevivência do organismo, tais como alim ento,
respostas, nao para todas. Tom em os como exemplo um água, contato sexual, eventos danosos etc. Em bora
pássaro que forrageia virando pedras com seu bico em tenham os até então enfatizado exemplos de fortaleci
busca de pequenos insetos. N em todas as pedras revi m ento de relações entre estímulos e respostas, é im por
radas serão abrigo de insetos, mas seu com portam ento tante ressaltar que os processos que envolvem o enfra
de virar pedras será m an tid o se pelo m enos algum as quecim ento de relações com portam entais tam bém são
delas apresentarem alim ento em quantidade suficiente processos de aprendizagem . C om o dissemos anterior
para suprir a dem anda energética do animal. Em outros mente, as consequências que estão correlacionadas com a
casos, a disponibilidade da consequência no am biente dim inuição da frequência de certa classe de respostas em
do organism o depende não da quantidade de respostas determ inado contexto são chamadas “aversivas”. Aqueles
efetuadas, mas da passagem de um período de tem po eventos cujo valor reforçador ou aversivo decorre da
antes que a resposta ocorra. Im agine um a pessoa que história da espécie (filogênese) são denom inados incon
recebe m ensalm ente um a correspondência im portante, dicionados ou prim ários. U m a enorm e variedade de
mas ainda não notou que ela chega sempre após as 14 h estímulos, entretanto, adquire valor reforçador ou aver
do q u in to dia útil. N em todas as respostas de abrir a sivo ao longo da vida do organismo ao serem pareados
caixa de correio “produzirão” a consequência prevista: com eventos que já apresentam um a dessas funções.
não im porta que a pessoa verifique sua caixa de correio Isso ocorre po r um processo de aprendizagem com o
todo dia ou 1 vez por semana, a carta som ente estará lá qual o leitor já está fam iliarizado, o condicionam ento
se a caixa for aberta após as 14 h do quinto dia útil de respondente. Esses eventos recebem o nom e de reforça-
cada mês. A literatura de Análise do C om portam ento dores/aversivos condicionados ou secundários. Vejamos
estuda esse tipo de contingência em que a relação entre o exemplo do dinheiro como reforçador condicionado.
respostas e reforçadores é interm itente sob as rubricas D inheiro é um p ro d u to da cultura h u m an a e não da
Reforçamento Interm itente e Esquemas de Reforçamento. história da espécie. N a verdade, não passa de pedaços de
C atania (1998/1999) divide os esquem as de reforça papel ou círculos de metal. E ntretanto, é um reforçador
m ento em três tipos básicos: condicionado poderoso, pois ao longo de nossa vida ele
• Aqueles em que a produção do reforçador depende foi pareado a praticam ente todos os reforçadores incon
da ocorrência de um núm ero fixo ou variável de dicionados e condicionados que existem.4 Com dinheiro,
respostas, como no exemplo do pássaro forrageando adquirem -se alim ento, água potável, proteção (roupas,
(conhecidos como esquemas de razão) calçados, casas etc.), diversão, entre outras coisas. N ão é
• Aqueles em que a produção do reforçador depende de se estranhar que m uitas pessoas façam qualquer coisa
não apenas da emissão de um a resposta, mas da para ter acesso a este reforçador.
passagem de um intervalo de tem po fixo ou variável, Prim ários ou secundários, a questão é que qualquer
com o no exemplo da carta (conhecidos como resposta que perm ita ao organism o obter os eventos
esquemas de intervalo) reforçadores ou evitar os eventos aversivos será forta
• Aqueles que dependem da taxa de respostas ou do lecida no seu repertório co m p o rtam en tal. Por o u tro
espaçamento temporal entre respostas. lado, respostas que p ro d u zam eventos aversivos ou
elim inem reforçadores serão enfraquecidas. T anto
H á ainda um a variedade de esquem as com plexos o fo rtalecim en to com o o e n fraq u ecim en to de um a
derivados da com binação de esquem as básicos. C ada classe de respostas em um a dada situação são casos de
arranjo de contingências que caracteriza um esquem a aprendizagem : a relação do organism o com parcelas
produz um padrão de respostas peculiar, com taxas de do am biente se m odifica de algum a form a duradoura.
respostas e distribuição distintas. A literatura da área
é tão rica que m esm o um tratam ento superficial extra
polaria em m u ito o escopo deste capítulo. (Para um
tratam en to porm enorizado, ver C atan ia 1998/1999; 4Q uando um reforçador condicionado tem seu valor reforçador com
base em vários reforçadores primários, costuma-se chamá-lo de refor
Ferster, Skinner, 1957).
çador generalizado. Por essa relação com vários reforçadores primá
H á um a série de eventos “ecologicamente relevantes”, rios, o reforçador condicionado generalizado pode ser efetivo quando
eventos ambientais im portantes de serem considerados contingente a diversas classes de respostas (Catania, 1998/1999).
28 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento
A lém disso, os dois processos fre q u e n te m en te estão Em outros casos, a introdução de um estím ulo pode
envolvidos em um a m esm a aprendizagem . O babuíno ser p u n itiv a e sua elim inação reforçadora (digam os,
do exemplo citado pode aprender a ficar longe da fêmea um choque elétrico).5
na presença do m acho alfa; ao se aproxim ar, produz O processo de condicionam ento pelo qual um orga
consequências aversivas; e pode aprender tam bém a se nismo aprende a responder diferencialmente na presença
aproxim ar dela na ausência do m acho alfa; quando se ou ausência de um estímulo antecedente é chamado de
aproxim a, produz consequências reforçadoras. Temos discriminação. A discriminação ocorre quando o com por
duas relações co m p o rtam en tais com suas p ro b ab ili tam ento do organismo é controlado6 pela presença ou
dades de ocorrência m odificadas em função de suas ausência de determ inado padrão de estimulação antece
consequências: especificamente “aproximar-se da fêmea dente. Ao analisar o com portam ento, o pesquisador iden
na presença do m acho alfa” d im in u in d o a frequência tifica aquelas propriedades do ambiente que se relacionam
e “aproxim ar-se da fêmea na ausência do m acho alfa” de maneira significativa com o comportamento sob análise.
a u m e n tan d o a frequência. O s processos que levam As propriedades que consistentemente participam juntas
a essas variações n a aprendizagem o p e ra n te serão do controle do com portam ento são identificadas pelo
descritos a seguir. experim entador como um “estímulo”. Os casos em que
Q u a n d o um c o m p o rtam e n to é m a n tid o p o r suas um a resposta somente é evocada por um mesmo agrupa
consequências, dizem os que ele foi reforçado (fortale m ento de propriedades, ou seja, de um mesmo estímulo,
cido) e que a consequência é, p o rta n to , reforçadora. costumam ser denominados “discriminação simples”. Um
Q u a n d o , ao co n trário , um co m p o rtam en to dim in u i exemplo é um cão fazer festa quando seu dono chega a casa,
de frequência (ocorre menos) ou deixa de ocorrer em mas não o fazer quando a empregada chega. Entretanto, há
decorrência de suas consequências, dizemos que ele foi casos em que o organismo responde de maneiras distintas
pu n id o (enfraquecido) e que a consequência é, então, a diferentes combinações de dois ou mais agrupamentos
p u n itiv a ou p u n id o ra (B aum , 1 9 9 4 /1 9 9 9 ; C atania, de propriedades. Suponhamos que, de m anhã cedo, o cão
1998/1999; Skinner, 1953/2000). O s term os “p u n i busque a atenção do dono e ignore a empregada, mas,
tivo” e “refo rçad o r” não se referem a características ao m eio-dia, busca a atenção da em pregada e ignore o
intrínsecas dos estím ulos, mas sim à função que exer dono. Casos desse tipo costumam ser identificados como
ceram sobre dada classe de respostas. N ote que o que “discriminação condicional”, pois se entende que a função
define se a consequência é reforçadora ou punidora não dos estímulos (“dono” e “empregada”, no nosso exemplo)
é o estím ulo em si, mas o seu efeito sobre a frequência
da resposta. N ão se pode, po rtan to , definir a priori se
um a consequência será punitiva ou reforçadora. Essa
regra se aplica ta n to aos reforçadores condicionados 5Uma maneira de se referir à função dos estímulos que o leitor encon
trará com frequência na literatura é que certos estímulos são “reforça
q u a n to aos in co n d icio n ad o s. U m m esm o estím ulo
dores positivos” (se reforçam quando acrescentados, somados ao ambiente)
pode ser reforçador para um indivíduo e punitivo para e “punidores negativos" (se punem quando eliminados, subtraídos);
outro. N a verdade, um m esm o estím ulo pode desem enquanto outros estímulos são “reforçadores negativos” (se sua subtração
do ambiente é reforçadora) e “punidores positivos’ (se sua adição é puni
penhar as duas funções para um m esm o indivíduo, a tiva). Âs vezes, no entanto, pode parecer confuso dizer que um estímulo
depender do contexto. Por exem plo, quando estamos aversivo (geralmente danoso) tem função reforçadora. U m a maneira de
com fome, o alim ento torna-se altam ente reforçador. Se evitar a confusão seria considerar não que um evento - choque elétrico,
por exemplo - está sendo introduzido ou retirado do ambiente, mas que
com em os demais, entretanto, a m era visão da com ida a “introdução do choque” é um evento ambiental e a “eliminação do
pode nos causar náuseas. N o prim eiro caso, a com ida choque” é outro. O primeiro é um evento potencialmente punitivo, pois
respostas que produzem a “introdução do choque” geralmente diminuem
é p o ten c ialm en te reforçadora, pois é provável que
de frequência, ao passo que o segundo é potencialmente reforçador, pois
em itam os respostas para obtê-la; no segundo caso, é respostas que produzem “a eliminação do choque” tendem a se tornar
um estím ulo potencialm ente aversivo, pois é provável mais frequentes (ver, p. ex., Michael, 1975; Baron, Galizio, 2005; 2006).
6Quando dizemos que o estímulo antecedente controla a ocorrência de
que respondam os de m odo a evitá-la. A lém disso,
determinado comportamento, queremos dizer que, por ter sido reforçada
respostas podem tanto produzir a apresentação de um na sua presença, a classe de respostas tem maior probabilidade de ocorrer
evento quanto produzir a sua remoção. Em certos casos, novamente diante deste estímulo. E equivalente a dizer que o estímulo
antecedente “evoca” a resposta que produz determinada consequência. Vale
a in tro d u ção de um estím ulo pode ser reforçadora e lembrar que controlar dicriminativamente determinada resposta, entre
sua elim inação pu n itiv a (um sorvete, p o r exem plo). tanto, é diferente de eliciar (como ocorre com o comportamento reflexo).
A prendizagem 29
respostas e a consequência que a m antém dá-se o nom e operante. C om o consequência disso, o estím ulo discri
de extinção operante (C atania, 1998/1999; M illenson m inativo tam bém pode assum ir função eliciadora (da
1967/1975; Skinner, 1953/2000). resposta eliciada pelo reforçador) e pode inclusive servir
O padrão de resposta descrito no exemplo é típico com o reforçador condicionado para outras respostas
do processo de extinção operante. C om o a classe de operantes. Além disso, as relações reflexas podem servir
respostas em processo de extinção foi m uito reforçada de p o n to de partid a para o desenvolvim ento de rela
na história do indivíduo, é esperado que nao seja tão ções operantes. Tom e-se com o exem plo o reflexo de
fácil eliminá-la de seu repertório. E em decorrência dessa sucção dos bebês hum anos. Já nos prim eiros m om entos
questão do reforçam ento que há um aum ento abrupto de vida qu alq u er estim ulação tátil dos lábios de um
na frequência de um a classe de respostas subm etida a bebê elicia um padrão de sucção, im p o rtan tíssim o
um a condição de extinção antes que possamos observar para o seu contato inicial com alim ento. E n tretan to ,
a redução de sua ocorrência. Esse fenôm eno tem sido apenas um a parcela restrita do am biente disponibiliza
am plam ente observado com os mais diversos tipos de alim ento. C o m o passar do tem po, o contato com as
com portam ento operante em diversas espécies (Catania, consequências diferenciais faz com que as respostas de
1998/1999). Acontece ainda que dificilm ente a resposta sugar sejam evocadas apenas pelos estímulos relevantes.
que passou pelo processo de extinção deixa de ocorrer O mesmo ocorre com o choro. As crianças rapidam ente
indefinidam ente. O casionalm ente, essa resposta pode aprendem a chorar com m aior frequência em dadas
voltar a ser emitida e, se pensarmos bem, é adaptativo que ocasiões em função das consequências do chorar, isto é,
assim seja. Para que um organismo tenha m aior chance das m udanças produzidas no am biente por interm édio
de sobrevivência, é preciso que tenha um a variabilidade do com portam ento dos cuidadores.8
com portam ental a partir da qual novas respostas possam Ambos os tipos de condicionamentos têm em comum
ser reforçadas, a depender das exigências do ambiente. Se o estabelecimento de um a nova relação entre estímulos
a cada processo de extinção classes de respostas deixassem e respostas. N o condicionam ento respondente, a corre
de existir, teríam os um organismo com um repertório lação entre um estímulo neutro e um estímulo eliciador faz
com portam ental m uito restrito e, consequentem ente, com que o estímulo inicialmente neutro passe a eliciar a
com m enor capacidade de se adaptar às m udanças no resposta reflexa. No condicionamento operante, estímulos
am biente. O fenôm eno do ressurgim ento de respostas e respostas que coocorrem em correlação com um estímulo
que foram reforçadas na história do organismo (Reed, “eliciador” (o reforçador) passam a ocorrer juntos com mais
M organ, 2006), observado durante a aplicação do proce frequência. Nos dois casos, uma relação S-R é fortalecida
d im ento de extinção a um a dada classe, sustenta essa pela correlação com um estímulo eliciador. A diferença
hipótese. está nos arranjos ambientais que produzem essas relações
e no controle do estímulo sobre a resposta. Reconhecendo
O princípio unificado do reforço essa afinidade, os pesquisadores Donahoe e Palmer (1994)
propuseram o Princípio Unificado do Refiorço. A ideia, basi
E m b o ra tenham os descrito os co n d icionam entos
camente, é que em ambos os condicionamentos ocorre o
resp o n d en te e o p erante em separado, atu alm en te é
mesmo processo de fortalecimento. Em linhas gerais, o
bastante difu n d id a na Análise do C o m p o rtam en to a
sistema nervoso dos organismos capazes de aprender está
noção de que essa separação é m eram en te didática.
configurado de modo que os estímulos e as respostas que
C om o o leitor deve ter percebido quando falamos dos
consistentemente ocorrem contiguamente a um estímulo
eventos reforçadores/aversivos condicionados, há na
eliciador terão maior probabilidade de ocorrer juntos no
natureza um a sobreposição, ou entrelaçam ento, de
contingências operantes e respondentes. Os estímulos
que funcionam como reforçadores são necessariamente
estím ulos eliciadores de um a resposta reflexa. Em um a “U m a parcela considerável dos eventos ambientais que influenciam o
contingência operante (SD —R —SR), em que o estí comportamento humano é composta por produtos do comportamento
m ulo “eliciador” (reforçador) é consistentem ente corre de outrem. Em Análise do Comportamento, os comportamentos que são
estabelecidos e mantidos por consequências mediadas por outros indivíduos
lacionado com o estím ulo discrim inativo, tem os um a são estudados sob a rubrica de “Comportamento Verbal”, cuja formulação
contingência respondente “em butida” na contingência original pode ser encontrada em Skinner (1957) e descrita no Capítulo 7.
Aprendizagem 31
Estímulo
Resposta
operante
futuro,9 independente de como tais eventos se correla fortalecer relações entre estímulos e respostas, não tipos
cionem em primeiro lugar. Dessa perspectiva, os qualifi diferentes de comportam ento.
cativos “respondente” e “operante” caracterizam os proce A Figura 2.5 ilustra essa noção. Tanto contingências
dimentos que o experimentador usa no laboratório para respondentes como contingências operantes correlacionam
eventos ambientais inicialmente “neutros” com respostas
“O princípio unificado do reforço é parte da proposta “biocomporta- e estímulos eliciadores. Com o você deve lembrar, os dois
mental” de D onahoe e Palmer (1994), que busca suplementar a expli-
cacão do comportamento com dados acerca da fisiologia dos organismos. tipos de contingências diferem no m om ento de apresen
Os autores defendem que a base fisiológica do reforço é o fortalecimento tação do estím ulo eliciador. No condicionamento respon
íináptico produzido em certas regiões do cérebro quando o organismo
entra em contato com os eventos reforçadores. Em resumo, os reforça dente, o estímulo eliciador é apresentado contiguamente a
dores são estímulos que atuam sobre uma área do sistema límbico chamada um estímulo neutro, ao passo que no condicionam ento
=rea tegum entar ventral (VTA). A VTA interage com um conjunto de
regiões do cérebro onde há sinapses entre neurônios que participam do
operante o eliciador é apresentado contiguamente a uma
contato com eventos ambientais e neurônios que participam da produção resposta. Apesar dessas diferenças formais, o efeito da
de respostas. Quando o organismo entra em contato com um reforçador,
is sinapses provenientes da VTA lançam o neurotransmissor dopamina
coocorrência recorrente desses eventos é a mesma nos dois
naquelas regiões. U m efeito da dopam ina é promover o aum ento da casos: o fortalecimento da relação entre todos os estímulos
eficácia das sinapses que estão ativas no m om ento em que entram em
contato com ela. Se o organismo for exposto recorrentemente a arranjos e respostas que coincidiram com a apresentação do estí
ambientais em que o contato com certos estímulos e a emissão de certas mulo eliciador. Após múltiplas exposições à contingência,
respostas são consistentemente acompanhados do contato com um refor
çador (eliciador), o efeito cumulativo do fortalecimento das sinapses ativas o estímulo originalmente neutro eventualm ente passa a
no contato com o reforço será o favorecimento de uma rede neural que, ser seguido daquelas respostas mesmo na ausência do estí
grosso modo, subsidia a relação entre estímulos e respostas. Diversas inves-
ngações acerca da neurobiologia da aprendizagem têm corroborado e esten m ulo “eliciador”. Repare que, na contingência operante,
dido esse modelo (para um a revisão desses estudos, ver Guerra, 2006; o estímulo que se tornará discriminativo para a resposta
para mais detalhes sobre a proposta biocomportamental, ver Donahoe,
?ilmer, 1994; para uma discussão acerca da participação de eventos neurais em questão tam bém passa a eliciar as respostas reflexas
na contingência de reforço, ver Silva, Gonçalves, Garcia-Mijares, 2007). produzidas pelo reforçador.
Moreira, M. B. (Org.) (2013). Comportamento e Práticas Culturais. Brasília: Instituto Walden4.
Introdução
A seleção natural, ou filogenia, nos ajuda a
entender a origem das diferenças entre as
espécies; a seleção operante, ou ontogenia, nos
ajuda a entender a origem das diferenças
comportamentais entre os indivíduos e, embora
este segundo nível de seleção nos permita
explicar uma infinidade de comportamentos e
processo psicológicos, há ainda uma lacuna para
a adequada compreensão do ser humano.
Segundo Skinner (1981/2007) essa lacuna é
preenchida por um terceiro nível de seleção pelas
consequências: o nível de seleção cultural.
4 Partes desse capítulo foram originalmente publicadas na tese de doutorado do primeiro autor, dissertação
de mestrado da segunda autora e tese de doutorado do quarto autor.
• Dittrich, A. (2004). Behaviorismo radical, ética e política: aspectos teóricos do compromisso social. Tese
de doutorado, Universidade Federal de São Carlos-SP.
• Melo, C. M. (2004). A concepção de Homem no Behaviorismo Radical de Skinner: um compromisso com o
'bem' da cultura. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de São Carlos-SP.
• Martone, R. C. (2008). Efeito de consequências externas e de mudanças na constituição do grupo sobre a
distribuição dos ganhos em uma metacontingência experimental. Tese de doutorado, Universidade de
Brasília-DF.
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Moreira, M. B. (Org.) (2013). Comportamento e Práticas Culturais. Brasília: Instituto Walden4.
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Moreira, M. B. (Org.) (2013). Comportamento e Práticas Culturais. Brasília: Instituto Walden4.
A questão que se impõe, de imediato, diz respeito aos “motivos” que levam os integrantes
das culturas a transmitir suas práticas. A resposta esclarece, em grande parte, o paralelo
entre seleção natural e seleção cultural: as culturas que não transmitiram suas práticas
simplesmente não estão mais entre nós; extinguiram-se, assim como as espécies que não
transmitiram seus genes. A pergunta sobre os “motivos” para a transmissão de práticas
culturais reveste-se, assim, de novo sentido.
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Não há diferenças de natureza entre os dois processos de variação dos operantes ora
descritos. Porém, a diferenciação entre a variação das respostas em um mesmo operante
e o surgimento de operantes “originais” permanece válida se lembrarmos que este último
termo implica a produção de consequências inéditas em relação ao comportamento de
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Moreira, M. B. (Org.) (2013). Comportamento e Práticas Culturais. Brasília: Instituto Walden4.
certo organismo. (Em linguagem leiga, pode-se dizer que há diferentes formas de se fazer
a mesma coisa, assim como há muitas formas de se fazer coisas diferentes.)
A Figura 2 ilustra como podemos utilizar a curva normal para descrever a variabilidade
com relação a uma prática cultural. Quando dizemos que um determinado conjunto de
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É interessante notar que neste grupo hipotético a maioria dos indivíduos joga o lixo no
lixo, digamos, sempre que possível, um número pequeno de indivíduos nunca, ou
raramente, joga o lixo no lixo e um outro número, também pequeno, de indivíduos jogo o
lixo sempre, ou quase sempre, no lixo. Podemos notar nesse exemplo, portanto, a
variabilidade nos comportamentos relativos à prática cultural em questão. (Para reflexão:
baseando-se no que foi explicado sobre os níveis filogenético e ontogenético, tente
formular um exemplo de como a prática cultural do exemplo poderia mudar; como o
número de membros do grupo que sempre jogam o lixo no lixo poderia passar a ser a
média, a ser o maior número de indivíduo no grupo social).
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O que é selecionado?
De acordo com Skinner (1971), as unidades de seleção no terceiro nível são as práticas
culturais. Tais práticas são definidas de acordo com suas consequências ou produtos:
“(...) fazer uma ferramenta, cultivar alimento ou ensinar uma criança” (Skinner, 1981/1984,
p. 478). O adjetivo “culturais” indica que a aprendizagem de tais práticas é mediada por
outros seres humanos – visto que “cultura”, para Skinner (1953/1965), é o conjunto das
contingências de reforço mantidas por certo grupo social. Mas qual a fonte original dessas
unidades? Práticas culturais surgem a partir de contingências que afetam o
comportamento de indivíduos (Skinner, 1981/1984) – e, neste sentido, seu surgimento em
nada difere do surgimento dos operantes no repertório comportamental dos organismos.
Mas, nesse caso, o que diferencia as práticas culturais dos operantes? Práticas culturais
são constituídas por operantes, mas para que a adoção do conceito seja justificada, tais
práticas devem apresentar características indicativas de um novo nível de organização
seletiva. De imediato, duas dessas características são identificáveis:
1) Em princípio, qualquer operante pode tornar-se uma prática cultural, desde que seja
reforçado e transmitido pelos membros de certa cultura. Em muitos casos, porém,
equiparar práticas culturais a operantes individuais é uma simplificação. Diferentes formas
de cultivar alimentos, educar crianças e governar países não são “operantes”, em sentido
estrito, mas sim longas e complexas cadeias de operantes, envolvendo diversos
indivíduos e sendo definidos por expressões que apontam para suas consequências ou
produtos finais. Um operante simples pode tornar-se uma prática cultural: “cumprimentar”,
por exemplo, é um operante e uma prática cultural. Usualmente, porém, práticas culturais
são constituídas por contingências de reforço entrelaçadas (Glenn, 1988; 1991) – isto é,
contingências nas quais os indivíduos envolvidos não apenas comportam-se, mas, ao
fazê-lo, criam variáveis ambientais que participam do controle do comportamento de
outros indivíduos. Normalmente, as contingências entrelaçadas que integram práticas
culturais contam com a participação de grupos de indivíduos desenvolvendo ações
coordenadas para a produção de certos resultados que não poderiam ser alcançados pela
ação isolada dos membros do grupo. Esses resultados, por sua vez, retroagem sobre o
grupo, influenciando as possibilidades de
sobrevivência tanto de seus membros
quanto das práticas que executam.
segunda característica deve ser igualmente considerada. Para que possamos denominá-
los práticas culturais, operantes devem ser transmitidos como partes de um ambiente
social. Sabemos que a frequência de certa prática cultural em um ambiente social
dependerá da extensão na qual esta prática é reforçada por seus membros – mas isso
não é suficiente para explicar a continuidade da prática enquanto tal. Para que operantes
– ou conjuntos de operantes – possam ser caracterizados como práticas culturais, a
transmissão entre gerações sucessivas deve ser assegurada – e isso ocorre quando
membros do grupo social não apenas são ensinados a “praticar a prática”, mas também
são “ensinados a ensinar” a prática. A continuidade de certa prática cultural depende
fundamentalmente desse processo de transmissão das unidades de seleção. Essas são,
portanto, as características definidoras das práticas culturais: elas são operantes (ou
conjuntos de operantes ligados por contingências entrelaçadas) reforçados por certa
cultura e transmitidos entre as sucessivas gerações desta cultura. A conjunção dessas
características permite atribuir a um terceiro nível seletivo a configuração das culturas.
Skinner, obviamente, não foi o único autor a traçar analogias entre a seleção natural e a
seleção de práticas culturais. A sociobiologia e o darwinismo social, por exemplo,
angariaram considerável atenção nas últimas décadas. Skinner critica ambas as
alternativas (1971) – basicamente, por 1) ignorar o nível operante de seleção,
comparando diretamente a seleção natural à seleção cultural; 2) conferir demasiada
ênfase à competição entre culturas, negligenciando a “competição” das culturas com seus
próprios ambientes.
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Moreira, M. B. (Org.) (2013). Comportamento e Práticas Culturais. Brasília: Instituto Walden4.
Há um problema final que merece ser aprofundado. Em que sentido podemos dizer que o
nível 3 difere do nível 2? O processo de condicionamento operante é a base a partir da
qual surgem as unidades seletivas, tanto no nível 2 como no nível 3. Mas, nesse caso,
onde está a diferença entre os níveis? No nível 3, estamos falando, é claro, de grupos
sociais, de culturas, de agências de controle – em suma, estamos tratando de
www.walden4.com.br 53
Moreira, M. B. (Org.) (2013). Comportamento e Práticas Culturais. Brasília: Instituto Walden4.
As condições para o surgimento de um terceiro nível de seleção são dadas por certas
características excepcionais legadas pela evolução natural à espécie humana: a ampla
suscetibilidade ao condicionamento operante, o controle da musculatura vocal e a
consequente possibilidade de exercer controle relativamente preciso sobre o
comportamento dos membros da cultura. A possibilidade de transmissão intergeracional
de operantes é, sem dúvida, a marca principal desse processo, permitindo que se fale,
propriamente, de evolução cultural – uma vez que verifica-se, a partir de então, a
continuidade seletiva de elementos culturais de gerações anteriores. De certo modo, ao
fornecer subsídios para que se fale de modo original sobre variação, reprodução e
seleção de unidades, as culturas criam um universo evolutivo próprio. Isso não significa
que tais elementos devam ser tratados como pertencentes a uma dimensão não-natural.
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Moreira, M. B. (Org.) (2013). Comportamento e Práticas Culturais. Brasília: Instituto Walden4.
5. Quais são as fontes de variabilidade (ou variação) no nível cultural? Exemplifique sua
resposta.
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