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CRIAÇÃO DO MUNDO
DOIS OPÚSCULOS
CARLOS NOUGUÉ
NOTAS PRÉVIAS
Ou seja, por esta demonstração quia (como pelas outras quatro) chega-se a que
Deus é in rerum natura a partir justamente da experiência com as coisas sensíveis
(“Encontramos coisas que podem ser e não ser, pois, se as vemos gerar-se e corromper-
se, é porque podem ser e não ser”), enquanto Kant, para refutá-la, se detém em sua
experiência com as aparências impenetráveis, sem atentar sequer a que nesta via não se
trata de conceitos ou definições de essências. Trata-se tão somente, para ponto de partida,
da mesma experiência sensível que tanto Kant reclama. Mas Kant é como a serpente que
morde a própria cauda.
• Ademais, insiste Kant em que este argumento procede ao infinito. Mas diz Tomás,
cujo texto, repito-o, provavelmente o Alemão não conheceu de modo direto: “Ademais,
não é possível proceder ao infinito nas coisas necessárias que têm uma causa para sua
necessidade, assim como tampouco nas causas eficientes”. Pois bem, exponha-se como é
impossível fazer remontar ao infinito as causas eficientes.
Diz Santo Tomás no Comentário à Física: “Não é possível que a causa que se diz
‘unde principium motus’, isto é, a causa eficiente, proceda ao infinito, como quando
dizemos que o homem é movido a deixar o agasalho por causa do ar quente, que o ar foi
esquentado pelo sol, que o sol foi movido por alguma outra coisa, e assim ao infinito”. E
isso é assim pelo seguinte. Na causalidade eficiente, o efeito é sempre posterior à causa
(ainda que seja posterior só por natureza, e não na duração: como se vê de que, sendo
Deus a causa eficiente primeira e estando todavia fora do tempo, nada lhe pode ser
posterior na duração, sendo-lhe tudo porém posterior por natureza). Por conseguinte, se
há três coisas que se ordenam causalmente entre si como primeira, média e última,
necessariamente a primeira será causa das posteriores, ou seja, tanto da média como da
última. Não se pode dizer que a última seja causa das outras, porque não pode ser causa
de nenhuma: se fosse causa de alguma, não seria última. Repita-se: o efeito é sempre
posterior à causa no âmbito da causalidade eficiente. Mas tampouco pode suceder que
uma causa média seja causa de todas, porque não pode ser causa senão da seguinte. Se
porém não houver uma só coisa média, mas muitas, para estas valerá igualmente o que se
disse para aquela: não podem ser causas de todas, porque enquanto são médias não podem
ser causa da anterior.[11] Mas – atenção! – dá-se o mesmo se as causas médias são
potencial e sequencialmente infinitas em número (ou seja, efetivamente sem começo e
potencialmente sem fim no tempo, não sem começo nem fim na eternidade, donde a
possibilidade de que o mundo tivesse sido criado desde sempre):[12] porque, enquanto
são médias, nenhuma delas pode ser causa da primeira (entendida agora, devidamente,
como a causa que é a primeira da série mas estando acima da série). Com efeito, toda
causa eficiente que não seja a primeira (ou seja, que seja segunda e pois causada) requer
a causa eficiente primeira e incausada. Por conseguinte, se há causa média (uma, muitas
ou potencialmente infinitas), tem de haver uma causa primeira que de modo algum seja,
ela mesma, média. Se todavia se admite, insista-se, um processo simpliciter ao infinito
das causas eficientes e que pois não se detivesse numa primeira, todas as causas seriam
médias e nenhuma seria primeira e incausada. Mas a causa primeira é a causa de todas.
Logo, se se eliminasse a causa primeira (ou seja, a que não é causada por nenhuma
anterior), seguir-se-ia que se eliminariam também todas as causas – e, eliminadas todas
as causas, eliminar-se-ia também tudo aquilo de que tais causas são causas. Ter-se-ia
assim o nada.
Rui também, desse modo, a crítica kantiana deste argumento.
c) Por fim, examina Kant o argumento teleológico ou físico-teleológico ou de
finalidade. Respeitava-o o Alemão: “Este argumento é digno de ser citado com respeito.
É o mais antigo, o mais claro e o mais adequado à razão comum ou vulgar” (ibid., s.
6).[13] Mas, ah! também implica falácia, segundo Kant. Pretende, com efeito, remontar-
se da ordem do mundo a seu ordenador. Esse mesmo ordenador, todavia, não é mais que
um ente muito sábio, mas não onisciente, incapaz, portanto, de efetivamente impedir toda
desordem no mundo; e tampouco é criador, senão que, por isso mesmo, é tão só o grande
arquiteto do universo. Mas já nem isso Kant aceitará na Crítica do Juízo (cf. p. 2, § 75),
onde dirá que ao princípio de finalidade falta “valor objetivo”. Para que se pudesse prová-
lo, seria preciso voltar ao argumento cosmológico, que, como já disse Kant, incorre no
problema de proceder ao infinito e que, por sua vez, como também já disse, se funda no
argumento “ontológico”. Por isso conclui o Alemão: a “prova ontológica é a única
possível” e é “tirada de simples conceitos da razão” – ou seja, é a única possível não para
demonstrar que Deus seja in rerum natura, mas tão só na razão. Consigne-se no entanto
que, se como quer que seja é o único possível, o argumento ontológico é válido. Mas
na Dialética Kant o tinha considerado inválido.
Refute-se.
• Antes de tudo, como diz Teófilo Urdánoz, O. P. (em Historia de la Filosofía, IV,
Madrid, BAC, MCMXCI, p. 69, n. 35), “a prova tradicional pela ordem e finalidade do
mundo termina não só num demiurgo ordenador do mundo, como diz Kant, mas no Deus
criador. Santo Tomás considerou, antes de tudo, a ordem intrínseca na natureza das
coisas. Essa ordem essencial imersa nas leis e inclinações das coisas só a pôde imprimir
seu criador. Daí o adágio dos antigos: Opus naturae opus Intelligentiae [Obra da
natureza, obra da Inteligência], porque só a inteligência é capaz de ordenar. Ao contrário,
Kant, cuja Críticaintenta primordialmente pôr limites ao intelecto humano, caiu na fátua
presunção de crer que nosso intelecto é o que prescreve as leis à natureza”.
• Depois, leia-se a quinta e última via de Santo Tomás (a que se toma justamente do
governo das coisas e de sua finalidade), e ver-se-á que, como as outras, tem perfeito “valor
objetivo”, justamente porque, enquanto demonstração quia, termina num primeiro
que é de fato in rerum natura:
A quinta via é tomada do governo das coisas. Com efeito, vemos que as coisas
desprovidas de cognição, como os corpos naturais, operam conforme a um fim, o que se
mostra pelo fato de que, sempre ou frequentemente, têm o mesmo modo de operar, para
alcançar o ótimo; donde se patenteia que não por acaso, mas por uma intenção, alcançam
seu fim. Ora, aquilo que é desprovido de cognição não tende a um fim senão na medida
em que é dirigido por algo cognoscente e inteligente, assim como a flecha o é pelo
arqueiro. Logo, há algo inteligente pelo qual todas as coisas naturais são ordenadas a seu
fim, e a este algo chamamos Deus.[14]
II
Por fim, não terá sido difícil observar as várias vezes em que Kant incorre em
paralogismos. É que, como antecipado, Kant de fato nunca se debruçou sobre o ínfimo
dos manuais lógicos aristotélico-tomistas, ou, se o fez, não o entendeu. Mas, mais que
incorrer em paralogismos, Kant vê-se o tempo todo preso no referido círculo, que quanto
à “existência” de Deus parte da necessidade de um “ser transcendental” como condição
de possibilidade de todas as coisas, passa porém pela negação da possibilidade de
conhecê-lo, e no entanto volta a afirmar que sem ele não se dá tal condição, ainda que
negue a possibilidade de conhecê-lo – e assim sucessiva, circular e indefinidamente, sem
jamais encontrar saída. É isso o que pode explicar de algum modo a “inadvertência” de
Kant quanto à contradição em que incorre ao implicar na Dialética, primeiro, que a prova
ontológica é inválida e na Crítica do Juízo, depois, que a prova ontológica é válida.
Baste porém o dito com respeito à crítica kantiana das provas da “existência” de Deus.
APÊNDICE 1[15]
1) Para que se compreendam as vias pelas quais alcançamos a ciência, é preciso antes
de tudo precisar perfeitamente três noções que estão implicadas naquelas: princípio,
causa e elemento.
Pois bem, princípio é aquilo que na ordem de um processo vem por primeiro,
enquantocausa é aquilo de que algo depende segundo o ser (esse) ou o fazer-se (fieri).
Desse modo, o que se chama causalidade implica um processo ordenado em que primeiro
vem a causa e depois o causado, razão por que toda e qualquer causa pode dizer-se
princípio do mesmo processo causal. Há todavia processos ordenados que não são
causais, razão por que nem todo princípio pode ter-se por causa. Por seu lado, elemento é
aquilo de que se compõe primeiramente uma coisa permanecendo nela, razão por que
todo e qualquer elemento pode considerar-se causa: porque todo composto depende do
elemento tanto segundo seu ser como segundo seu fazer-se. Nem toda causa, porém, é
elemento, porque há causas que se dão ou fora da coisa, ou na coisa mas não
primeiramente.
Desse modo, a aurora é princípio do dia e o ponto é-o da linha, mas não são suas
respectivas causas. O fogo, por outro lado, é causa do calor da água, mas, por aplicar-se
exteriormente, não é elemento seu. Ademais, a água é causa (material) do chá que se bebe,
mas não é elemento seu porque não é algo primeiro; enquanto, na ordem das substâncias,
o hidrogênio e o oxigênio são elementos da água, porque não só a compõem como algo
primeiro, mas se mantêm nela. Diga-se algo análogo na ordem das coisas artificiais (os
exemplos são nossos): as letras são os elementos da escrita, assim como as notas o são da
música.
Há quatro e só quatro espécies de causas: eficiente/final, material/formal, das quais
dependem as coisas em seu ser. Mas podem chamar-se princípios às causas motoras ou
agentes: porque, com efeito, é a partir delas que mais manifestamente as coisas procedem.
Ademais, chamam-se causas antes à causa final e à formal, porque é destas que
maximamente dependem as coisas não só em seu ser, mas em seu fazer-se. E, por fim,
podem entender-se por elementos, latamente, as causas intrínsecas – a matéria e a forma
– e, estritamente, as causas materiais primeiras.[16]
2) No âmbito de cada ciência, dá-se certa circularidade em razão da distância que
há entre os princípios do conhecimento e os das coisas mesmas. Com efeito, toda e
qualquer investigação científica tem de começar pelos princípios evidentes quanto a
nós (quoad nos), ainda que não sejam os efetivos princípios das coisas. Por isso, antes de
tudo havemos de determinar, por via de resolução ou de análise (a via resolutionis), os
princípios ou causas efetivas da coisa investigada.[17]
3) Mas à via de resolução ou análise contrapõe-se a via de composição ou de síntese
(via compositionis). Insista-se em que pela via resolutionis se resolve ou se divide o
composto em seus elementos. Ao contrário, pela via compositionis se unem os elementos
no composto. Na primeira, por conseguinte, vai-se do composto ao simples, ou do
divisível ao indivisível, ou do acidente à essência, ou do efeito à causa, ou enfim do
potencial ao atual; na segunda, no entanto, dá-se o inverso.[18]
4) Sucede, porém, que a resolução ou análise pode dar-se de dois modos. Quando os
princípios do composto são evidentes, a resolução dá-se por demonstração propter quid,
ou seja, aquela em que se chega aos efeitos a partir das causas. Se porém os princípios do
composto não são evidentes, então a resolução se dá por demonstração quia, ou seja,
aquela em que se chega às causas a partir dos efeitos (como é o caso das vias tomistas
para demonstrar que Deus é).[19]
5) Não obstante, ainda que a via resolutionis se dê pela simples solução ou distinção
evidente dos princípios, ainda assim permanece que não só as causas ou princípios sempre
nos serão menos cognoscíveis que os efeitos, mas também o todo sempre nos será menos
cognoscível que suas partes. Sucede, todavia, que em si mesmos os princípios ou causas
são mais evidentes – assim como Deus é de si o inteligível por excelência evidente, ainda
que não seja evidente quanto a nós –, razão por que, ainda que se trate de
demonstração quia, as causas que se alcançam supõem um conhecimento mais claro dos
mesmos efeitos de que se partiu. Como diz o Padre Álvaro Calderón,[20] “esta mútua
dependência cognoscitiva dos princípios do conhecimento e das coisas, a qual não pode
suprimir-se totalmente por nosso modo de conhecer, põe outro véu no desenvolvimento
de cada ciência, pois a luz de evidência com que se conhecem as demais conclusões da
ciência depende da luz com que se conhecem seus princípios e causas” – trata-se, ainda,
da circularidade referida mais acima. Insisto, todavia, em que tal circularidade, se não
permite solução total, permite ao menos solução parcial, ao contrário da circularidade
aporética ou aporemática de Kant.
6) Há porém outra distinção: a que se faz entre a via de invenção (via inventionis) e a
via de juízo (via iudicii). A primeira dá-se quando se parte do conhecimento dos
princípios e se chega ao conhecimento de uma nova conclusão, enquanto a segunda se dá
quando se parte do conhecimento não científico de uma conclusão e se chega a seu
conhecimento científico por se terem encontrado os princípios que a explicam. Na
primeira, como se vê, tem-se novo conhecimento, enquanto na segunda se tem um novo
modo de conhecer, ou seja: a invenção desce dos princípios à conclusão, enquanto o juízo
primeiro sobe da conclusão aos princípios e depois desce com nova luz à conclusão.[21]
7) Alguns tomistas confundem a distinção entre via inventionis e via iudicii com a
distinção entre via resolutionis e via compositionis; mas elas não se equivalem. A
primeira diz respeito antes ao conhecimento, enquanto a segunda diz respeito antes às
coisas mesmas. É inegável, todavia, que têm certa relação entre si. Com efeito, na
demonstração a via inventionis vai das premissas às conclusões; mas, como visto, a
demonstração pode serpropter quid ou quia, e, ainda como visto, a primeira procede das
causas para os efeitos, enquanto a segunda procede dos efeitos para a causa. Logo, a via
inventionis supõe na demonstração propter quid um processo compositivo, enquanto
supõe na demonstração quiaum processo resolutivo.[22]
A via iudicii, por seu lado, supõe os dois processos, porque, com efeito, “para achar
os princípios que explicam a conclusão, deve fazer-se uma resolução, e depois uma
composição ou síntese para ver a conclusão à luz dos princípios; mas, como o mais
importante e difícil é o primeiro processo, Santo Tomás costuma dizer que
o iudicium [juízo] se faz por meio daresolutio [resolução], ainda que inclua também
uma compositio [composição]”.[23]
APÊNDICE 2
II
DA ETERNIDADE DO MUNDO
CONTRA MURMURANTES[39]
APÊNDICE
CARLOS NOUGUÉ
Não é possível que a causa que se diz “unde principium motus”, isto é, a causa
eficiente, proceda ao infinito, como quando dizemos que o homem é movido a deixar o
agasalho por causa do ar quente, que o ar foi esquentado pelo sol, que o sol foi movido
por alguma outra coisa, e assim ao infinito.
Não é possível que se proceda ao infinito em que algo se faça de algo como de matéria,
como, por exemplo, que a carne se faça de terra, a terra de ar, o ar de fogo, e que isto não
se detenha em algo primeiro, senão que proceda ao infinito.[65]
Devemos, ademais, ainda de maneira preambular, atender ao que diz o Padre Álvaro
Calderón: “Quanto a isto, há que considerar que o paciente se sujeita ao agente, de
maneira que proceder na ordem dos agentes supõe ascender (sursum ire), enquanto
proceder na ordem dos pacientes implica descer (deorsum ire). Ora, assim como o agir se
atribui à causa eficiente ou motora, assim também o padecer se atribui à matéria. Portanto,
o processo das causas motoras é ascendente (in sursum), enquanto o processo das causas
materiais é descendente (in deorsum)”.[66] Mas já se mostrou que não é possível proceder
– in sursum – ao infinito no âmbito das causas eficientes ou motoras: há que mostrar
agora, por conseguinte, que tampouco é possível proceder – in deorsum – ao infinito no
âmbito das causas materiais. Para fazê-lo, antes de tudo sigamos a argumentação de Santo
Tomás em In II Metaphysica, lect. 3, n. 305-314.
No gênero das causas eficientes, é manifesto para os sentidos o último efeito, que já
não move nada, razão por que já não se investiga se se procede ao infinito in deorsum –
isto é, ao inferior – segundo este gênero de causas, senão que se investiga apenas se se
pode proceder in sursum, isto é, ao superior – em outras palavras, do mais particular ao
mais universal. No gênero todavia das causas materiais, tem-se por suposto que existe
algo primeiro que é fundamento de tudo o mais: a matéria prima. Apresenta-se então o
problema de se se pode proceder ao infinito descendo – ou seja, indo do mais universal
ao mais particular – segundo o processo mesmo do que se gera da matéria. Desse modo,
se se pusesse, como diz o Padre Calderón, que a matéria prima de todas as coisas fosse o
fogo ou o plasma, haveria que perguntar se “pode dar-se que do fogo ou do plasma se
gere a água ou o hidrogênio, se da água ou do hidrogênio se gere a terra ou o carbono, se
do carbono os carbonatos, se dos carbonatos outros materiais e assim ao infinito, indo do
mais geral ao mais particular”.[67]
Para resolver esta questão, é necessário considerar os modos como algo se faz de outro
algo propriamente e essencialmente (isto é, per se). Com efeito, há que excluir o
modoimpróprio segundo o qual se diz que algo se faz de outro algo tão somente porque
se faz depois deste algo, como quando se diz que a Epifania se faz do Natal. Mas isso não
se diz propriamente, porque todo e qualquer fazer-se é certa mudança, e em toda e
qualquer mudança se requer não só a ordem de dois termos, mas também um mesmo
sujeito para ambos, o que não se dá no exemplo da Epifania e do Natal.[68]
Pois bem, diz-se propriamente que algo se faz de outro algo quando algum sujeito
muda disto para aquilo, o que pode dar-se de duplo modo. Antes de tudo, como da criança
se faz o homem, ou seja, na medida em que passa ou muda do estado infantil para o estado
adulto. Depois, como da água se faz o ar, ou seja, por certa transmutação. Mas também
é dupla a diferença entre estes dois modos.
• Em primeiro lugar, no primeiro modo se diz que da criança se faz o homem assim
como do que se está fazendo se faz o já feito, ou assim como do que se está perfazendo se
faz o já perfeito. O que está fazendo-se ou perfazendo-se é algo médio entre o ente e o
não ente, assim como a geração é algo médio entre o ser e o não ser. Ora, assim como
pelo meio se chega ao extremo, assim também do que se gera se faz o que está gerado, e
do que se perfaz se faz o perfeito. Diz-se assim, portanto, que da criança se faz o homem,
ou que do que aprende se faz o sábio. – No segundo modo, todavia, segundo o qual se diz
que da água se faz o ar, um dos extremos não está para o outro como o que se está fazendo
está para o já feito, mas antes como o termo de que se parte está para o termo a que se
chega, de modo que da corrupção de um se faz o outro.
• Em segundo lugar, do que se acaba de dizer decorre a outra diferença. Com efeito,
como no primeiro modo um está para o outro como o que se está fazendo está para o já
feito e como o meio está para o extremo, é manifesto que há uma ordem natural entre os
dois, razão por que não podem eles reverter-se entre si indiferentemente. De fato, não se
pode dizer que, assim como da criança se faz o homem, assim do homem se faz a criança,
porque estes dois, de um dos quais se faz o outro segundo o primeiro modo, não estão
entre si como dois termos de certa transmutação, mas como dois dos quais um vem depois
do outro. E isso é assim porque o gerado, isto é, o que é termo da geração, não se faz da
geração como se a própria geração mudasse no que é, senão que o ser vem após a geração
porque se segue à geração segundo a ordem natural (assim como o termo vem ao fim da
via, e o último após o médio). Se pois se consideram a geração e o ser, ver-se-á que não
diferem do modo que se excluiu, no qual só se considerava a ordem, como quando se diz
que o dia se faz da aurora porque vem depois desta. Mas tampouco aqui se pode dizer,
pela ordem natural que seguem, que inversamente a aurora se faz do dia: justamente
como, pela mesma razão, não se pode dizer que do homem se faz a criança. – Segundo
todavia o outro modo em que algo se faz de outro algo, dá-se, sim, reversão ou reflexão:
com efeito, assim como o ar se gera da corrupção da água, assim também a água se gera
da corrupção do ar. É que estas duas coisas não estão uma para a outra segundo uma
ordem natural, como de meio para termo, mas como dois extremos que podem ser, ambos,
primeiros ou últimos.
Supostas pois tais distinções, e sempre segundo Santo Tomás no lugar citado, vê-se
que é impossível um processo ao infinito nos dois modos referidos.
• No primeiro, no qual, por exemplo, da criança se faz o homem, não se pode proceder
ao infinito porque a criança se encontra como meio entre dois extremos, o ser e o não ser;
e é impossível que, dados estes dois extremos, haja infinitos meios, porque, com efeito, o
extremo repugna ao infinito. Trata-se da mesma razão que para as causas eficientes ou
motoras, onde sempre se dá uma ordem de anterior a posterior sem reversão ou reflexão.
• No segundo, ademais, tampouco se pode remontar ao infinito, mas aqui porque neste
modo se dá reversão ou reflexão dos extremos entre si. Com efeito, a corrupção de um
implica a geração do outro, mas, onde se dá reversão ou reflexão, volta-se ao primeiro,
de sorte que o que primeiramente foi princípio passa a termo. Mas isto não pode dar-se
no infinito, em que não há princípio nem fim.
Conclui-se, por conseguinte, que nada pode fazer-se de outro ao infinito.
Como diz porém Santo Tomás em muitos lugares e especialmente, repita-se, em Da
Eternidade do Mundo contra Murmurantes, conquanto saibamos pela fé que o mundo foi
criado no tempo, não é impossível porém que tivesse sido criado desde sempre. Neste
caso, portanto, como não se pode remontar ao infinito nas causas materiais, dever-se-ia
então encontrar um princípio material desde sempre existente de que se fizessem todas as
coisas – e pareceriam ter razão, então, os filósofos pré-aristotélicos. Para refutá-lo, no
entanto, basta que sigamos uma vez mais a Santo Tomás.[69]
Com efeito, Aristóteles mostra em que sentido algo provém de um princípio material.
Para tal, vale-se aqui de duas suposições gerais com respeito às quais todos os filósofos
antigos estavam de acordo. A primeira é, precisamente, que existe um primeiro princípio
material, o que impede que se remonte ao infinito na geração. A segunda é a
sempiternidade da matéria prima ou primeiro princípio material tal como postulado por
eles. E desta segunda suposição conclui, de imediato, que de tal matéria prima não se faz
nada no segundo modo, ou seja, como do ar corrupto se faz a água, porque o que é
sempiterno não pode corromper-se. Poder-se-ia objetar, porém, que tais filósofos não
punham sempiterno seu primeiro princípio material como se se tratasse de algo uno
segundo o número, mas enquanto sempiterno por sucessão, assim como se pode pôr a
sempiternidade do gênero humano. Mas exclui-o Aristóteles a partir da primeira
suposição, dizendo que, porque a geração não é infinita in sursum e se detém num
primeiro princípio material, é necessário que de tal princípio de que as demais coisas se
fazem por sua corrupção não seja o postulado por aqueles filósofos. Insista-se, com efeito,
em que não pode ser tal se de sua corrupção se geram as outras coisas, e se ele mesmo se
gera da corrupção das outras coisas. Não resta senão, portanto, que as coisas se façam de
um primeiro princípio material como de um imperfeito existente em potência,
intermediário entre o puro não ente e o ente, e não como a água se faz da corrupção do ar
e vice-versa.
Pois bem, podemos considerá-lo, de certo modo, o inverso da causa motora ou
eficiente primeira: assim como esta, para sê-lo, há de estar quanto ao ser acima da própria
série de causas de que é primeira, assim também a matéria prima, para sê-lo, tem de estar
quanto ao ser abaixo da própria série de entes de que é princípio material primeiro: ou
seja, subjacente a eles no sentido de implícita neles, porque, com efeito, a matéria prima
por si não tem forma nem ser, senão que está em potência para todas as formas.
Mas justamente por ser pura potência entre o não ente absoluto e o ente é que a matéria
prima, como que mais que tudo, tem de ter sido criada, ou seja, feita de nada, ex nihilo.
Como todavia é pura potência, não pode ter sido criada senão como já subjacente aos
entes em sua multiplicidade de formas, ou seja, enquanto já informada. Por isso é que, se
não pode por si proceder ao infinito segundo sucessão, pode no entanto subjazer numa
sucessão potencialmente infinita, por exemplo, de homens: com o que voltamos às causas
eficientes. “Deve dizer-se”, escreve Santo Tomás de Aquino na Suma Teológica I, q. 46,
a. 2, ad 7,[70]“que nas causas eficientes é impossível proceder ao infinito per se: como
se as causas queper se se requerem para algum efeito se multiplicassem ao infinito; assim
como se a pedra fosse movida pelo bastão, e o bastão pela mão, e isto ao infinito. Mas per
accidens não se reputa impossível proceder ao infinito nas causas agentes: é como se
todas as causas que se multiplicassem ao infinito não tivessem ordem senão a uma só
causa, e sua multiplicação fosse per accidens; assim como um artífice usa muitos
martelos per accidens, porque um após outro se quebra. É pois acidental a cada um de
tais martelos que opere após a ação de outro martelo. E similarmente é acidental a este
homem, enquanto gera, que seja gerado por outro: gera, com efeito, enquanto homem, e
não enquanto é filho de outro homem; com efeito, todos os homens generantes têm um
mesmo grau nas causas eficientes, ou seja, o grau de generante particular. Por isso não é
impossível que um homem seja gerado por outro ao infinito. Isto porém seria impossível
se a geração deste homem dependesse de outro homem, e de um corpo elementar, e do
sol, e assim ao infinito” (ou seja, enquanto ordenadasper se, é impossível que estas causas
não se detenham numa causa primeira e universal). Pois bem, se é possível que um
homem seja gerado por outro ao infinito enquanto este é generante particular, e como no
homem subjaz aquele primeiro princípio material que é como um meio entre o puro não
ente e o ente, então é possível que deste modo a matéria prima também proceda ao
infinito. E, deste mesmo modo, poderia ter sido criada desde sempre por Deus.
De todo o dito, portanto, decorre que aqui se trata de investigar não a origem temporal,
mas a origem entitativa do mundo como um todo e de cada série sua – o que só é possível
se se seguem os quatro passos ou degraus analógicos postos mais acima.[71] Ademais,
como diz ainda o Padre Penido,[72] “uma dependência ontológica nada tem que ver com
o tempo, pois consiste apenas numa relação; que esta relação tenha começado a existir
em um momento dado, ou não, pouco importa, contanto que haja uma Fonte e um [ente]
que da Fonte receba (cf. De pot. q. 3, a. 14 c. e ad 8)”.
O mundo, por conseguinte, poderia ter sido criado desde sempre, sem que isso, aliás,
implicasse coeternidade com o criador: porque, com efeito, “Deus é anterior ao mundo
em duração. Mas este anterior não designa prioridade de tempo, senão de
eternidade”.[73]
OBSERVAÇÃO FINAL 1. Insista-se em que, embora não repugne à razão que o mundo
tivesse existido desde sempre, é de fé, como sempre o lembra Santo Tomás, que o mundo
foi criado no tempo. Mais que isso, todavia, é mais conveniente que tenha sido assim,
porque assim mais e melhor se manifestam o poder e a majestade de Deus. Com efeito,
como diz Santo Tomás na Suma Teológica I, q. 46, a. 1, ad 6,[74] deve considerar-se que
o agente universal “deu a seu efeito tanto tempo quanto quis, e segundo o que foi
conveniente para demonstrar sua potência. De fato, de modo mais manifesto conduz ao
conhecimento da potência divina criadora que o mundo não tenha sido sempre do que se
tivesse sido sempre: tudo, com efeito, o que não foi sempre é manifesto que tem causa;
mas não é tão manifesto que [a tenha] o que sempre foi”.
OBSERVAÇÃO FINAL 2. Ademais, ainda que Deus tivesse criado desde sempre ou
certos entes ou o universo como um todo, não se trataria de eternidade. Com efeito, como
diz Boécio, “a eternidade é a posse simultaneamente total e perfeita de uma vida
interminável”.[75] Mas, se Deus tivesse criado desde sempre algum ente incorruptível,
este estaria ou no evo ou no tempo, de cuja razão não faz parte a simultaneidade total e
perfeita. Se todavia tivesse criado desde sempre o universo como um todo, este também
seria segundo algum modo de sucessão, razão por que tampouco seria de sua razão
a simultaneidade total e perfeita. Não há pois repugnância entre que Deus seja eterno e
que tivesse criado algo desde sempre.
OBSERVAÇÃO FINAL 3. Por fim, disse-se mais acima que é preciso um Ente que não
só seja causa dessas coisas deficientes, senão que saia delas, escape a elas. Sucede porém
que, quando se encontra, assim, tal Ente que está acima ou fora da série das
coisas deficientes, já não poderá dizer-se tão somente Ente, porque, com efeito, tal Ente
acima da série das coisasdeficientes é seu mesmo ser e, pois, é o Ser. É O PRÓPRIO SER
SUBSISTENTE POR SI MESMO.
[1] Chama-se deísmo à doutrina que considera a razão como a única via capaz de assegurar-nos a
“existência” de Deus. O deísmo difundiu-se sobretudo entre os filósofos enciclopedistas e foi uma das
causas do ateísmo moderno. – Veja-se porém que tampouco os deístas tinham efetivo conhecimento do
tomismo: este, com efeito, diz que a razão pode alcançar só por si que Deus é (como repetirá o Concílio
Vaticano I, sob pena de anátema). Sucede todavia que, no estado de natureza caída em que se encontra o
homem, “se essas verdades [ou seja, as que não excedem a razão humana]”, como diz Tomás de Aquino,
“fossem abandonadas à só razão humana, surgiriam três inconvenientes. O primeiro é que, se tal se desse,
poucos homens alcançariam o conhecimento de Deus. Muitos seriam impedidos de descobrir a verdade –
que é fruto de investigação assídua – por três razões. Antes de tudo, alguns devido a defeito da própria
constituição natural que os dispõe para o conhecimento; estes por esforço algum poderiam alcançar o grau
supremo do conhecimento humano, que consiste no conhecimento de Deus. Outros, depois, devido aos
trabalhos necessários para o sustento da família. Convém, sem dúvida, que entre os homens uns se
entreguem ao cuidado das coisas temporais. Estes, porém, não podem despender o tempo necessário para
o ócio exigido pela investigação contemplativa para alcançar o máximo nesta investigação, [máximo] que
consiste justamente no conhecimento de Deus. Outros, por fim, são impedidos pela preguiça. Ora, para o
conhecimento das verdades divinas investigáveis pela razão, são necessários muitos conhecimentos
prévios: como o labor especulativo de toda a filosofia se ordena ao conhecimento de Deus, a metafísica –
que versa sobre as verdades divinas – é a última parte no aprendizado da filosofia. Não se pode, pois, chegar
à investigação das verdades supramencionadas senão com grande esforço especulativo. Poucos todavia
querem dar-se a tal trabalho por amor à ciência, apesar de Deus ter inserido na mente humana o desejo
natural de conhecer aquelas verdades. O segundo inconveniente consiste em que os que chegam à invenção
das verdades divinas não o fazem senão após longo tempo de investigação. Isso acontece em razão da
profundidade delas, e só um longo trabalho torna o intelecto apto para compreendê-las pela via da razão
natural. Isso acontece também porque, como dissemos acima, se exigem muitos conhecimentos prévios. E,
finalmente, também porque no período da juventude, quando a alma é agitada por impulso de tantas paixões,
o homem não está maduro para tão elevado conhecimento da verdade. Por isso é que se diz no livro VIII
da Física: ‘É na quietude que o homem se torna prudente e sábio’. O gênero humano, portanto,
permaneceria nas mais profundas trevas da ignorância se para o conhecimento de Deus só tivesse aberta a
via da razão: porque só poucos homens, e só após longo tempo, chegariam a este conhecimento, que os faz
maximamente perfeitos e bons. O terceiro inconveniente consiste em que a falsidade se introduz largamente
na investigação da verdade a que procede a razão humana, por causa da debilidade de nosso intelecto para
julgar e da mistura dos fantasmas [ou imagens sensíveis]. Muitos, com efeito, por ignorar o valor da
demonstração, põem em dúvida as verdades verissimamente demonstradas. Isto aliás se dá sobretudo
quando se veem muitos que se dizem sábios a ensinar coisas diversas. Ademais, entre as verdades que se
vão demonstrando, imiscui-se por vezes algo de falso que não pode ser demonstrado, e que, no entanto, é
afirmado com argumentação provável ou sofística, mas tida por demonstração clara. Por todos esses
motivos foi conveniente que pela via da fé se apresentassem aos homens a firme certeza e a pura verdade
das coisas divinas. Foi por conseguinte vantajoso que a clemência divina determinasse fossem tidas
como de fé também as verdades que a razão pode por si mesma investigar. Dessa maneira, todos podem
com facilidade, sem dúvida e sem erro ser partícipes do conhecimento das verdades divinas. Daí que esteja
escrito: ‘Já não andais como os povos que andam segundo a vaidade dos sentidos, tendo obscurecido o
intelecto’ (Ef 4, 17); e: ‘Todos os teus filhos serão instruídos pelo Senhor’ (Is 54, 13)” (Suma contra os
Gentios, 1, c. 4). – Repete-o Santo Tomás, mas mais sintética e lapidarmente, na Suma Teológica (I, q. 1,
a. 1, c.): “A verdade sobre Deus investigada pela razão humana seria alcançada apenas por pequeno número,
após muito tempo, e cheia de erros. Mas do conhecimento desta verdade depende a salvação do homem, a
qual se encontra em Deus. Por isso, para que a salvação chegasse aos homens com mais facilidade e com
mais garantia, era necessário fossem eles instruídos a respeito de Deus por uma revelação divina”.
[2] Insista-se: não se confunda a transcendência de Deus com respeito à serie de causas e a todos os entes
criados com os transcendentais, que são conceitos análogos que podem dizer-se (analogamente, insista-
se) de todas as coisas ordenadas entre as categorias ou predicamentos. Mas atenção: nem todos se aplicam
propriamente a Deus, porque, com efeito, “coisa” não pode dizer-se propriamente de Deus. Isso é assim
porque Deus, por ser o ato puro de ser, não tem essência como se fosse, digamos, um “modo”. Em outras
palavras, é Ente, mas não é coisa.
[3] Diz Santo Tomás na Suma Teológica I, q. 2, proêmio: “[...] tertio considerandum erit de his quae ad
operationem ipsius pertinent, scilicet de scientia et de voluntate et potentia”, ou seja, “em terceiro lugar
deverá considerar-se o pertencente (ou atinente) à sua operação (de Deus), ou seja, sua ciência, sua vontade,
sua potência”. Com efeito, nos entes criados, o ser não é o mesmo que a essência, nem a essência é o mesmo
que as potências, nem as potências são o mesmo que as operações. Mas Deus é simpliciter simples, e nele
o ser é o mesmo que a essência, a essência que as potências, as potências que as operações. Logo, conhecer
algo do atinente à sua operação é conhecer, de certo modo, algo quiditativo seu.
[4] Como se dirá no apêndice 1, de fato se dá certa circularidade em nosso modo de conhecer. Mas esta
circularidade, como se verá, nada tem que ver com a kantiana.
[5] Em verdade, “a definição [ou conceito] é a oração que significa quod quid est [isto é, a quididade, ou
natureza]” (TOMÁS DE AQUINO, In II Post. Analyt., lect. 2, n. 419).
[6] Como porém as demonstrações propter quid são não só ex causis mas também ex immediatis, então as
demonstrações quia podem ser ou pelos efeitos, ou por causas mediatas.
[7] Cf. seu Tratado do Primeiro Princípio, publicado pela É Realizações (São Paulo, 2016).
[8] Cf. também TOMÁS DE AQUINO, Suma contra os Gentios, I, c. 10-11; etc.
[9] Quanto a em que sentido Tomás de Aquino diz que “é preciso que algo seja necessário nas
coisas”, vide o apêndice 2.
[10] Summa Theol., I, q. 2, a. 3 (“Tertia via est sumpta ex possibili et necessario, quae talis est. Invenimus
enim in rebus quaedam quae sunt possibilia esse et non esse, cum quaedam inveniantur generari et
corrumpi, et per consequens possibilia esse et non esse. Impossibile est autem omnia quae sunt, talia esse,
quia quod possibile est non esse, quandoque non est. Si igitur omnia sunt possibilia non esse, aliquando
nihil fuit in rebus. Sed si hoc est verum, etiam nunc nihil esset, quia quod non est, non incipit esse nisi per
aliquid quod est; si igitur nihil fuit ens, impossibile fuit quod aliquid inciperet esse, et sic modo nihil esset,
quod patet esse falsum. Non ergo omnia entia sunt possibilia, sed oportet aliquid esse necessarium in rebus.
Omne autem necessarium vel habet causam suae necessitatis aliunde, vel non habet. Non est autem
possibile quod procedatur in infinitum in necessariis quae habent causam suae necessitatis, sicut nec in
causis efficientibus, ut probatum est. Ergo necesse est ponere aliquid quod sit per se necessarium, non
habens causam necessitatis aliunde, sed quod est causa necessitatis aliis, quod omnes dicunt Deum”).
[11] CF. PADRE ÁLVARO CALDERÓN, La naturaleza y sus causas, t. II, Buenos Aires, Ediciones
Corredentora, 2016, p. 364-365).
[12] Mas o que se acaba de dizer está muito além da capacidade de aceitação não só de um Kant, mas de
praticamente todos os não tomistas. Cf., para este ponto, o PADRE MAURÍLIO TEIXEIRA-LEITE PENIDO, A
Função da Analogia em Teologia Dogmática, Petrópolis, Vozes, 1946, p. 89 ss. – Ademais, reza um
princípio derivado respeitante à eficiência: “In causis efficientibus impossibile est procedere in
infinitum per se” (TOMÁS DE AQUINO,Summa Theol., I, q. 46, a. 2, ad 7; destaque nosso).
[13] Diz porém Santo Tomás que sua primeira via, ou seja, a que se dá da parte do movimento (ex parte
motus), é a que é a manifestior via (a via mais manifesta) – o que é patente. Cf. Summa Theol., I, q. 2, a. 3
(“Prima autem et manifestior via est, quae sumitur ex parte motus. Certum est enim, et sensu constat, aliqua
moveri in hoc mundo. Omne autem quod movetur, ab alio movetur. Nihil enim movetur, nisi secundum
quod est in potentia ad illud ad quod movetur, movet autem aliquid secundum quod est actu. Movere enim
nihil aliud est quam educere aliquid de potentia in actum, de potentia autem non potest aliquid reduci in
actum, nisi per aliquod ens in actu, sicut calidum in actu, ut ignis, facit lignum, quod est calidum in potentia,
esse actu calidum, et per hoc movet et alterat ipsum. Non autem est possibile ut idem sit simul in actu et
potentia secundum idem, sed solum secundum diversa, quod enim est calidum in actu, non potest simul
esse calidum in potentia, sed est simul frigidum in potentia. Impossibile est ergo quod, secundum idem et
eodem modo, aliquid sit movens et motum, vel quod moveat seipsum. Omne ergo quod movetur, oportet
ab alio moveri. Si ergo id a quo movetur, moveatur, oportet et ipsum ab alio moveri et illud ab alio. Hic
autem non est procedere in infinitum, quia sic non esset aliquod primum movens; et per consequens nec
aliquod aliud movens, quia moventia secunda non movent nisi per hoc quod sunt mota a primo movente,
sicut baculus non movet nisi per hoc quod est motus a manu. Ergo necesse est devenire ad aliquod primum
movens, quod a nullo movetur, et hoc omnes intelligunt Deum”).
[14] Summa Theol., I, q. 2, a. 1 (“Quinta via sumitur ex gubernatione rerum. Videmus enim quod aliqua
quae cognitione carent, scilicet corpora naturalia, operantur propter finem, quod apparet ex hoc quod
semper aut frequentius eodem modo operantur, ut consequantur id quod est optimum; unde patet quod non
a casu, sed ex intentione perveniunt ad finem. Ea autem quae non habent cognitionem, non tendunt in finem
nisi directa ab aliquo cognoscente et intelligente, sicut sagitta a sagittante. Ergo est aliquid intelligens, a
quo omnes res naturales ordinantur ad finem, et hoc dicimus Deum”).
[15] Este apêndice é, em grande parte, uma exposição das páginas 359-368 de Umbrales de la
Filosofía, Cuatro Introducciones Tomistas, do Padre Álvaro Calderón (Argentina, edição do autor, 2011).
[16] Quanto às demonstrações, chama-se princípios às proposições de que procede a conclusão; causa ao
termo médio, que dá o porquê da conclusão; e elementos aos três termos, justo porque são o que compõe
primeiramente a demonstração permanecendo nela.
[17] Com efeito, “em cada ciência definimos o sujeito pelo gênero próximo e pela diferença, que são
princípios de nosso conhecimento que consideram o sujeito a modo de todo e se distinguem secundum
rationem. Mas deveríamos defini-lo pelos princípios, causas e elementos em si do sujeito,
distintos secundum rem, para poder ter verdadeiras demonstrações propter quid, que deem a causa real
segundo a natureza do sujeito. Este duplo problema não tem solução completa, mas parcial, por uma dupla
circularidade, que deixa o conhecimento científico das coisas coberto por um duplo véu” (PADRE ÁLVARO
CALDERÓN, op. cit., p. 363). Note-se, pois, que este duplo problema implica, sim, certa circularidade e não
encontra senão solução parcial – mas solução, afinal, enquanto a circularidade kantiana, de natureza muito
diferente, jamais encontra solução ou saída alguma. Trata-se de uma sorte de aporia, ou de aporema.
[18] Cf. TOMÁS DE AQUINO, In II Metaph., lect. 1, n. 278.
[19] Não se confunda, digo, a distinção entre demonstração quia e demonstração propter quid com a
distinção entre questão quia e questão propter quid. A questão quia pergunta se dada propriedade pertence
verdadeiramente a certa coisa, enquanto a questão propter quid pergunta por que uma coisa essencialmente
determinada tem necessariamente tal propriedade. Não obstante, as duas distinções relacionam-se
intimamente, porque, com efeito, como se viu, a propriedade está para a essência como o efeito para a
causa, enquanto a essência está para a propriedade como a causa para o efeito.
[20] Op. cit., p. 365.
[21] Cf. TOMÁS DE AQUINO, De verit., q. 17, a. 1; e PADRE ÁLVARO CALDERÓN, op. cit., p. 367.
[22] Cf. TOMÁS DE AQUINO, In Boeth. de Trin., III, q. 6, a. 1 (co 22); Summa Theol., I, q. 79, a. 1; e PADRE
ÁLVARO CALDERÓN, ibidem.
[23] PADRE ÁLVARO CALDERÓN, op. cit., p. 368. Cf. TOMÁS DE AQUINO De Verit., q. 28, a 3, ad. 6; e In I
Sent., d. 8, q. 5, a. 1, 2.ª obj.
[24] Constituição Dogmática sobre a Fé Católica, cap. 2 (“Da Revelação”); Denzinger, 1785.
[25] Cf. TOMÁS DE AQUINO, In V Metaph., lect. 6, n. 838-839.
[26] “Os princípios são necessários por si mesmos porque são algo de certo modo divino, pois se dão na
mente à maneira de um reflexo especular da Verdade primeira, que é Deus (cf. TOMÁS DE AQUINO, Summa
Theol. I, q. 16, a. 5, ad 1). Mas mostrar isto pertence à Metafísica, única ciência que reflete sobre seus
próprios princípios. A necessidade, em contrapartida, da conclusão de uma demonstração per
causam ou proter quid, única verdade propriamente científica, é uma necessidade com causa” (PADRE
ÁLVARO CALDERÓN, La naturaleza y sus causas, t. I, Buenos Aires, Ediciones Corredentora, 2016, p. 152-
153).
[27] Cf. PADRE ÁLVARO CALDERÓN, op. cit., p. 153.
[28] Cf. a Isagoge de Porfírio.
[29] Com efeito, diz Santo Tomás na Suma Teológica (parte I, proêmio da questão 2): “Circa essentiam
vero divinam, primo considerandum est an Deus sit; secundo, quomodo sit, vel potius quomodo non sit;
tertio considerandum erit de his quae ad operationem ipsius pertinent, scilicet de scientia et de voluntate et
potentia”.
[30] 2.ª ed., São Paulo, 2003, p. 167-168.
[31] Obviamente, a doutrina cosmológica segundo a qual os corpos celestes são incorruptíveis e não têm
potência senão para o lugar era falha (por falta do devido instrumental) e caducou; mas foi compartilhada
universalmente até Galileu, que por sua vez cometeu equívocos tão graves como pôr o sol imóvel no centro
do universo.
[32] Segundo porém o dito em seguida na mesma via, se os corpos celestes, por sua natureza incorruptível,
seriam necessários, não teriam por si todavia tal necessidade, senão que a teriam causada por outro. Mas
por isso mesmo também deveriam dizer-se possíveis ou contingentes. Com efeito, como põe o Padre Álvaro
Calderón em La naturaleza y sus causas (t. II, op. cit., p. 90), “a Metafísica conclui que só Deus tem o ser
por essência, e que tudo o mais depende d’Ele para existir, razão por que, embora algumas coisas pudessem
ter um ser eterno, ingerável e incorruptível, podem todavia ser criadas ou aniquiladas, razão por que podem
dizer-se ‘contingentes’ em sentido mais amplo [...]”.
[33] “[...] aliqua sunt necessária dupliciter. Quaedam quidem quorum altera sit causa necessitatis; quaedam
vero quorum nulla sit causa necessitatis; et talia sunt necessaria propter seipsa” (TOMÁS DE AQUINO, In V
Metaph., lect. 6, n. 839).
[34] TOMÁS DE AQUINO, In V Metaph., lect. 6, n. 827.
[35] “Quaerit ergo primo utrum in rebus naturalibus sit necessarium simpliciter, idest absolute, aut
necesario ex conditione, sive ex suppositione” (TOMÁS DE AQUINO, In II Physic, lec. 15, n. 270).
[36] TOMÁS DE AQUINO, In II Physic, lec. 15, n. 270 (“Quaerit ergo primo utrum in rebus naturalibus sit
necessarium simpliciter, idest absolute, aut necessarium ex conditione, sive ex suppositione. Ad cuius
evidentiam sciendum est, quod necessitas quae dependet ex causis prioribus, est necessitas absoluta, ut
patet ex necessario quod dependet ex materia. Animal enim esse corruptibile, est necessarium absolute:
consequitur enim ad hoc quod est animal, esse compositum ex contrariis. Similiter etiam quod habet
necessitatem ex causa formali, est necessarium absolute; sicut hominem esse rationalem, aut triangulum
habere tres angulos aequales duobus rectis, quod reducitur in definitionem trianguli. Et similiter quod habet
necessitatem ex causa efficiente, est necessarium absolute; sicut necessarium est esse alternationem noctis
et diei propter motum solis. Quod autem habet necessitatem ab eo quod est posterius in esse, est necessarium
ex conditione, vel suppositione; ut puta si dicatur, necesse est hoc esse si hoc debeat fieri: et huiusmodi
necessitas est ex fine, et ex forma inquantum est finis generationis. Quaerere igitur utrum in rebus
naturalibus sit necessarium simpliciter aut ex suppositione, nihil aliud est quam quaerere utrum in rebus
naturalibus necessitas inveniatur ex fine, aut ex matéria”).
[37] Cf. TOMÁS DE AQUINO, In Metaph., lect. 6, n. 827. – À objeção de que o modo de necessidade dito ex
suppositione não é real, mas somente lógico, responde o Padre Calderón (La naturaleza y sus causas, t.
I, op. cit., p. 152): “A necessidade hipotética [ex suppositione] tem certa realidade se B não se considera
como efeito e consequência de A, mas como fim. Porque, conquanto o fim seja posterior no ser, é porém
anterior na intenção, e, como tal, é verdadeira causa. Se na intenção do artífice está que a cadeira seja
combustível, fazê-la de madeira então se faz realmente necessário, ainda que evidentemente se trate de um
modo distinto de necessidade”.
[38] Ibidem, p. 154.
[39] Este opúsculo, de 1270 (ou seja, o ano em que Santo Tomás termina a Prima Secundae da Summa
Theologiae), parece-nos fundamental para a refutação de muitas das objeções às cinco vias tomistas. – A
tradução e as notas são nossas. – Para o texto latino, http://www.corpusthomisticum.org/ocm.html.
– PARALL.:Summa Theol. I, q. 7, a. 4; II Sent., dist. 1, q. 1, a. 5, ad 17 ss.; De verit., q. 2, a. 10; Quodlib., IX,
a. 1, ad 2.; IIIPhysic., lect. 12; e Summa Theol. I, q. 46, a. 1; II Sent., dist. 1, q. 1, a. 5; Cont. Gent., II, 31
ss.; De pot., q. 3, a. 17; Quodlib., III, q. 14, a. 2; Comp. Theol., c. 98; VIII Physic., lec. 2; I De cael. et
mund., lec. 6, 29; XIIMetaphys., lect. 5; Summa Theol. I, q. 46, a. 2; II Sent., dist. 1, q. 1, a. 5; Cont. Gent.,
II, 38; De pot., q. 3, a. 14;Quodlib., XII, q. 6, a. 1; Summa Theol. I, q. 46, a. 3; II Sent., dist. 1, q. 1, a. 6.
Cf. o apêndice nosso.
[40] Alusão aos que, seguindo a São Pedro Damião, subtraem a potência divina ao princípio da não
contradição.
[41] E como o nega Santo Tomás, como se verá.
[42] Alusão a São Pedro Damião.
[43] Põem que há tal repugnância São Boaventura e John Peckham (como o faria Henrique de Gante depois
de Santo Tomás).
[44] Cf. ARISTÓTELES, Phys., VIII, 2, 251 b 21.
[45] Cf. TOMÁS DE AQUINO, In Sent., II, d. 1, q. 1, a. 5.
[46] Cf. ARISTÓTELES, De gen. et corr., II, 10, 336 a 27-28.
[47] É o argumento de mestres das artes. Cf. ALBERTO MAGNO, Summa de creaturis, I, q. 20, a. 1, e Super
Sent., II, d. 1, a. 10.
[48] É o argumento notadamente de Alexandre de Hales. Cf. Quaestio De aeternitate, Paris, BN 16406, f.
6 rb, citado pela Edição Leonina.
[49] Cf. TOMÁS DE AQUINO, In Sent., II (1. 1, q. 1, a. 5, ad 1), e De pot., q. 3, a. 14, ad 7.
[50] Dicção de tradução difícil. Poderia talvez verter-se por “coocorrente”.
[51] Retomada irônica de Jó 12, 2: “Logo, só vós sois homens, e convosco morrerá [morietur] a sabedoria?”
Santo Tomás põe oritur (nasce) em lugar de morietur. Segundo muitas fontes, a ironia parece dirigida a
São Boaventura e a seu discípulo John Peckham.
[52] I, 1, cap. 1.
[53] V, pro. 6.
[54] 23, 44.
[55] 30, 40.
[56] Cf. também TOMÁS DE AQUINO, Sent., l. 2, d. 1, q. 1, a. 5, ad s. c. 6. Mas na Suma Teológica I, q. 7, a.
4, o mesmo Tomás de Aquino dissera demonstrativamente: “É impossível haver multidão infinita em ato,
quer per se, quer per accidens. – Igualmente, a multidão existente in rerum natura é criada: e todo o criado
se compreende sob alguma intenção determinada do que cria: com efeito, o agente não obra algo em vão.
Por isso é necessário que todas as coisas criadas se compreendam sob certo número. É impossível, portanto,
que haja multidão infinita em ato, mesmo per accidens. Mas é possível haver multidão infinita em potência.
Porque o aumento da multidão se segue à divisão da magnitude: com efeito, quanto mais algo se divide,
tantos mais resultam segundo o número. Por isso, assim como o infinito se encontra em potência na divisão
do contínuo, porque se procede à matéria, como se mostrou acima, assim também, pela mesma razão, o
infinito se encontra em potência na adição da multidão” [“Unde impossibile est esse multitudinem infinitam
actu, sive per se, sive per accidens. Item, multitudo in rerum natura existens est creata, et omne creatum
sub aliqua certa intentione creantis comprehenditur, non enim in vanum agens aliquod operatur. Unde
necesse est quod sub certo numero omnia creata comprehendantur. Impossibile est ergo esse multitudinem
infinitam in actu, etiam per accidens. Sed esse multitudinem infinitam in potentia, possibile est. Quia
augmentum multitudinis consequitur divisionem magnitudinis, quanto enim aliquid plus dividitur, tanto
plura secundum numerum resultant. Unde, sicut infinitum invenitur in potentia in divisione continui, quia
proceditur ad materiam, ut supra ostensum est; eadem ratione etiam infinitum invenitur in potentia in
additione multitudinis”]. Ademais, loc. cit, ad 1, “[...] o infinito de multidão não se reduz a ato de modo
que seja toda simultaneamente, mas [pode ter-se] sucessivamente: porque após qualquer multidão pode
tomar-se outra ao infinito” [“(...) infinitum multitudinis non reducitur in actum ut sit totum simul, sed
successive, quia post quamlibet multitudinem, potest sumi alia multitudo in infinitum”].
[57] In Sent., II, d. 1, q. 1, a. 5; Contra Gent., II, cap. 38; De pot., q. 3, a. 14 e 17; Summa Theol., I, q. 46,
a. 1 e 2; Quod. III, q. 14, a. 2.
[58] “As argumentações metafísicas”, diz Caetano, “empregam a princípio noções estritamente unas; ao
termo, porém, utilizam noções unas apenas proporcionalmente ou por analogia” (In Iam. q. 13, a. 5; cf.
tambémFERRAR. In I C.G, c. 34, n. IX; apud PADRE MAURÍLIO TEIXEIRA-LEITE PENIDO, A Função da
Analogia em Teologia Dogmática, Petrópolis, Vozes, 1946, p. 92). – Valer-nos-emos aqui de páginas
luminosas do Padre Penido, o que porém não quer dizer que nos identifiquemos com todo o seu tratamento
do metafísico, o qual a nosso ver escapa em certos pontos ao espírito e à letra de Santo Tomás.
[59] Ibid., p. 93.
[60] Cf. TOMÁS DE AQUINO, Summa Theol., I, q. 3, a. 5, ad 2; e PADRE MAURÍLIO TEIXEIRA-LEITE
PENIDO, ibid., p. 94-95.
[61] Op. cit., p. 96-97.
[62] Ibid., p. 97.
[63] Salvo indicação em contrário, seguimos estritamente a partir daqui o dito pelo Padre Álvaro Calderón
em La naturaleza y sus causas, t. II, Buenos Aires, Ediciones Corredentora, 2016, p. 364-365.
[64] Mas, como se verá mais adiante, não podem ser potencialmente infinitas senão as causas eficientes
que se multipliquem per accidens.
[65] In II Metaphysica, lect. 2, n. 300.
[66] La naturaleza y sus causas, t. II, op. cit., p. 366.
[67] Idem.
[68] Se dizemos que a Epifania se faz do Natal, não é senão porque imaginamos que o tempo é o sujeito
das diversas festas.
[69] Segue-se a partir daqui o dito em In II Metaphysica, lect. 3, n. 315: “Deinde cum dicit simul autem
ostendit quod praedictorum modorum ex prima materia aliquid fiat. Ubi considerandum est, quod
Aristoteles utitur hic duabus communibus suppositionibus, in quibus omnes antiqui naturales conveniebant:
quarum una est, quod sit aliquod primum principium materiale, ita scilicet quod in generationibus rerum
non procedatur in infinitum ex parte superiori, scilicet eius ex quo generatur. Secunda suppositio est, quod
prima materia est sempiterna. Ex hac igitur secunda suppositione statim concludit, quod ex prima materia
non fit aliquid secundo modo, scilicet sicut ex aere corrupto fit aqua, quia scilicet illud quod est
sempiternum, non potest corrumpi. Sed quia posset aliquis dicere, quod primum principium materiale non
ponitur a philosophis sempiternum, propter hoc quod unum numero manens sit sempiternum, sed quia est
sempiternum per successionem, sicut si ponatur humanum genus sempiternum: hoc excludit ex prima
suppositione, dicens, quod, quia generatio non est infinita in sursum, sed devenitur ad aliquod primum
principium materiale, necesse est quod, si aliquid sit primum materiale principium, ex quo fiunt alia per
eius corruptionem, quod non sit illud sempiternum de quo philosophi dicunt. Non enim posset esse illud
primum materiale principium sempiternum, si eo corrupto alia generarentur, et iterum ipsum ex alio
corrupto generaretur. Unde manifestum est, quod ex primo materiali principio fit aliquid, sicut ex
imperfecto et in potentia existente, quod est medium inter purum non ens et ens actu; non autem sicut aqua
ex aere fit corrupto”.
[70] “Ad septimum dicendum quod in causis efficientibus impossibile est procedere in infinitum per se; ut
puta si causae quae per se requiruntur ad aliquem effectum, multiplicarentur in infinitum; sicut si lapis
moveretur a baculo, et baculus a manu, et hoc in infinitum. Sed per accidens in infinitum procedere in
causis agentibus non reputatur impossibile; ut puta si omnes causae quae in infinitum multiplicantur, non
teneant ordinem nisi unius causae, sed earum multiplicatio sit per accidens; sicut artifex agit multis martellis
per accidens, quia unus post unum frangitur. Accidit ergo huic martello, quod agat post actionem alterius
martelli. Et similiter accidit huic homini, inquantum generat, quod sit generatus ab alio, generat enim
inquantum homo, et non inquantum est filius alterius hominis; omnes enim homines generantes habent
gradum unum in causis efficientibus, scilicet gradum particularis generantis. Unde non est impossibile quod
homo generetur ab homine in infinitum. Esset autem impossibile, si generatio huius hominis dependeret ab
hoc homine, et a corpore elementari, et a sole, et sic in infinitum.”
[71] Por esta razão, aliás, ou seja, porque se trata aqui de investigar não a origem temporal mas a origem
entitativa do mundo como um todo e de cada série sua, é que considerar a origem das coisas não pertence
à Filosofia da Natureza, mas à Filosofia Primeira, que considera o ente em geral e o que transcende o
movimento (cf. TOMÁS DE AQUINO, Cont. Gent., II, c. 37).
[72] Op. cit., p. 98. – Insista-se, no entanto, em que não há em Deus relação às criaturas. É nestas que há
relação a Deus.
[73] TOMÁS DE AQUINO, Summa Theol., I, q. 46, a. 1, ad 8: “Ad octavum dicendum quod Deus est prior
mundo duratione. Sed ly prius non designat prioritatem temporis, sed aeternitatis”.
[74] “Sed in agente universali, quod producit rem et tempus, non est considerare quod agat nunc et non
prius, secundum imaginationem temporis post tempus, quasi tempus praesupponatur eius actioni, sed
considerandum est in eo, quod dedit effectui suo tempus quantum voluit, et secundum quod conveniens fuit
ad suam potentiam demonstrandam. Manifestius enim mundus ducit in cognitionem divinae potentiae
creantis, si mundus non semper fuit, quam si semper fuisset, omne enim quod non semper fuit, manifestum
est habere causam; sed non ita manifestum est de eo quod semper fuit.”
[75] Em De consolat., V, pro. 6.