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de O Príncipe, de Maquiavel
O
que faz com que uma obra Para José Luiz Ames, da Universi- sofia que oriente a política com vistas a
como O Príncipe, de Nicolau dade Estadual do Oeste do Paraná — uma sociedade melhor, acentua Bernar-
Maquiavel, siga suscitando Unioeste, uma das novidades dos escri- do Alfredo Mayta Sakamoto, da Uni-
debates e sendo importante tos de Maquiavel foi a reflexão sobre a versidade Estadual do Oeste do Paraná
para compreendermos o fenômeno po- política e o Estado enquanto este ainda — Unioeste.
lítico cinco séculos após sua publicação? estava em formação. Alessandro Pinzani, da Univer-
Para além do senso comum, que estabe- Categorias médicas foram utiliza- sidade Federal de Santa Catarina —
lece um nexo direto entre as ideias do das por Maquiavel em seu pensamento
UFSC, assinala que, para Maquiavel,
pensador florentino e toda a sorte de político, mas de modo transformado,
um bom príncipe é aquele que conse-
vilanias que seriam aceitáveis na políti- observa Marie Gaille, da Universidade
gue estabelecer “um domínio capaz de
ca, a IHU On-Line desta semana ouviu Paris Diderot, na França.
diversos especialistas para ponderar o Ricardo Fubini, da Università degli sobreviver-lhe”.
impacto desse pensamento até nossos Studi di Firenze, na Itália, considera Ma- A obra Agamben and theolo-
dias. quiavel o precursor das revoluções mo- gy (London: T & T Clark International,
Para Helton Adverse, da Uni- dernas, e localiza a ruptura com a tradi- 2011), de Colby Dickinson, professor
versidade Federal de Minas Gerais — ção e a violência que isso implica como da Universidade Loyola, em Chicago, é
UFMG, Maquiavel é autor de ideias que basilares de seu pensamento. debatida pelo próprio autor e por Adam
deixaram marcas indeléveis na reflexão Marco Vanzulli, professor na Univer- Kotsko, docente no Shimer College,
política ocidental, sem o apelo à trans- sidade degli Studi di Milano-Bicocca, na também em Chicago. A política é “es-
cendência para explicar o fenômeno Itália, aponta O Príncipe como uma obra petáculo religioso mal disfarçado” e é
político. que é um verdadeiro campo de batalha. A preciso que Agamben aprofunde o nexo
António Bento, filósofo docente investigação maquiaveliana sobre a natu- entre Paulo e o desenvolvimento do
na Universidade da Beira Interior, em reza do poder, o que ele é e como exer- pensamento econômico, afirmam.
Portugal, assevera que Maquiavel pode cê-lo seguem atuais, pontua. Trata-se de O Prof. Ms. Gelson Luiz Fioren-
ser considerado o pai da filosofia políti- um pensamento que analisa de modo lú- tin concede uma entrevista explicando
ca moderna. A despeito do ódio e des- cido a “política antes do advento do pen-
do que se trata e como será o II Semi-
prezo imensos que gerou, sua influência samento único da liberal-democracia”.
nário do Mercosul sobre pediculose,
política jamais deixou de ser sentida. Gonzalo Rojas, da Universidade
De acordo com José Antônio Mar- Federal de Campina Grande, na Paraíba, escabiose e tungíase: uma abordagem
tins, da Universidade Estadual de Ma- diz que, para Gramsci, Maquiavel inova interdisciplinar, que ocorre no final do
ringá — UEM, a partir dos escritos do ao compreender a política como uma mês de setembro na Unisinos.
florentino, a corrupção deve ser com- ciência autônoma, com princípios e leis A revista IHU On-Line está disponí-
preendida como uma doença que inicia particulares, diferentes daqueles utiliza- vel em html, pdf, e ‘versão para folhear’
em determinada parte do corpo político dos na moral e na religião. na página eletrônica do IHU.
e, se não for debelada, continua a se Na obra fundamental de Maquia- A todas e a todos uma boa leitura e
expandir. vel não há um modelo, projeto ou filo- uma excelente semana!
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REDAÇÃO Colaboração: César Sanson,
Unisinos
André Langer e Darli Sampaio,
Diretor de redação: Inácio do Centro de Pesquisa e Apoio
Neutzling (inacio@unisinos.br).
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Revisão: Carla Bigliardi Silva e Suélen Farias
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Índice
LEIA NESTA EDIÇÃO
TEMA DE CAPA | Entrevistas
5 Biografia
6 Helton Adverse: Uma política da incerteza e do conflito
10 António Bento: Maquiavel, o pai da filosofia política moderna
19 José Antonio Martins: A corrupção política e a falta de virtù
24 José Luiz Ames: A atualidade do republicanismo maquiaveliano
29 Marie Gaille: O governante e o médico e a importância do prognóstico antecipado
34 Riccardo Fubini: Maquiavel, o precursor das revoluções modernas
38 Marco Vanzulli: Uma obra que é um campo de batalha
43 Gonzalo Rojas: A política desnudada
47 Bernardo Alfredo Mayta Sakamoto: O Príncipe e a falta de uma utopia política
51 Alessandro Pinzani: Maquiavel e as instituições estáveis como objetivo da ação política
55 Baú da IHU On-Line
DESTAQUES DA SEMANA
57 PERFIL: A filosofia substantiva de Franklin Leopoldo e Silva
61 LIVRO DA SEMANA: Colby Dickinson e Adam Kotsko: Agamben e a estreita relação
entre filosofia e teologia
67 Destaques On-Line
IHU EM REVISTA
73 Agenda de Eventos
75 Retrovisor
76 Publicação em Destaque: A pessoa na era da biopolítica: autonomia, corpo e sociedade www.ihu.unisinos.br
77 Entrevista de Eventos: Gelson Luiz Fiorentin: Abordagem interdisciplinar da saúde
pública em debate
79 Sala de Leitura
twitter.com/ihu
http://on.fb.me/o26cNs
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3
Tema
de
Capa
Destaques
da Semana
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IHU em
Revista
4 SÃO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIÇÃO 000
Biografia
Tema de Capa
Nicolau Maquiavel (1469-1527) e a partir dessa experiência retirou de publicado postumamente, em
nasceu em Florença, na Itália. Foi his- alguns postulados para sua obra. De- 1532. Teve origem com a união de
toriador, poeta, diplomata e músico pois de servir em Florença durante Giuliano de Médici e do Papa Leão
italiano do Renascimento. É reconhe- 14 anos foi afastado e escreveu suas X, com a qual Maquiavel viu a pos-
cido como fundador do pensamento principais obras. Conseguiu também sibilidade de um príncipe finalmente
e da ciência política moderna, pelo algumas missões de pequena impor- unificar a Itália e defendê-la contra
fato de ter escrito sobre o Estado e o tância, mas jamais voltou ao seu anti- os estrangeiros, apesar de dedicar a
governo como realmente são, e não go posto como desejava. obra a Lourenço de Médici II, mais jo-
como deveriam ser. Os recentes estu- Como renascentista, Maquiavel vem, de forma a estimulá-lo a realizar
dos do autor e da sua obra admitem se utilizou de autores e conceitos esta empreitada. Outra versão sobre
que seu pensamento foi mal interpre- da Antiguidade clássica de maneira a origem do livro diz que ele o teria
tado historicamente. nova. Um dos principais autores foi escrito em uma tentativa de obter fa-
Desde as primeiras críticas, fei- Tito Lívio1, além de outros lidos atra- vores dos Médici, contudo ambas as
tas postumamente pelo cardeal inglês vés de traduções latinas, e, entre os versões não são excludentes.
Reginald Pole, as opiniões, muitas ve- conceitos apropriados por ele, encon- A obra está dividida em 26 capí-
zes contraditórias, acumularam-se, de tram-se o de virtù e o de fortuna. tulos. No início ela apresenta os tipos
forma que o adjetivo maquiavélico, de principado existentes e expõe as ca-
criado a partir do seu nome, significa O Príncipe racterísticas de cada um deles. A partir
esperteza, astúcia, aleivosia, maldade. “O Príncipe” é provavelmente o daí, defende a necessidade de o prín-
Maquiavel viveu a juventude livro mais conhecido de Maquiavel cipe basear suas forças em exércitos
sob o esplendor político da República e foi escrito no ano de 1513, apesar próprios, não em mercenários. Após
Florentina durante o governo de Lou- tratar do governo propriamente dito e
renço de Médici e entrou para a polí- dos motivos por trás da fraqueza dos
1 Tito Lívio (59 a.C.-17 d.C.): historiador
tica aos 29 anos de idade no cargo de romano. Autor de Ab urbe condita (Desde
Estados italianos, conclui a obra fazen-
Secretário da Segunda Chancelaria. a fundação da cidade), na qual narra a do uma exortação para que um novo
Nesse cargo, observou o comporta- história de Roma desde sua fundação, príncipe conquiste e liberte a Itália.
em 753 a.C., até o início da Era Cristã.
mento de grandes nomes da época Escrevia em latim. (Nota IHU On-Line)
Fonte: http://bit.ly/sigVc
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do conflito
Autor de ideias que deixaram marcas indeléveis na reflexão política ocidental,
Maquiavel se recusa a enquadrar a política em um esquema normativo, observa
Helton Adverse. Sem o apelo à transcendência para explicar o fenômeno político,
o florentino reconhece no Estado o aglutinador e organizador do conflito
M
aquiavel é um pensador que “mina ro. Pelo contrário. Ao incorporar como um
nossas certezas, abala nossas con- dos conceitos fundamentais de sua reflexão
vicções e nos alerta que, ao aden- a noção de Fortuna, Maquiavel conserva, no
trarmos no domínio da ação política, somos interior de sua própria ‘filosofia política’, a in-
vulneráveis aos efeitos daquilo que nós mes- certeza e o inacabamento da ação política”. A
mos produzimos, sem ter sobre as ações um atualidade da obra de Maquiavel se dá, entre
controle definitivo”. A reflexão é do filósofo outros aspectos, por pensar o caráter relacio-
Helton Adverse, em entrevista concedida por nal do exercício do poder, o que pressupõe
e-mail à IHU On-Line. “Um livro como O Prín- “seu constante enfrentamento e a necessidade
cipe esclarece que o poder é algo a ser sempre de seu rearranjo. Nesse sentido, a atual crise
conquistado; mostra também que as circuns- de representatividade é mais um capítulo da
tâncias que o condicionam são mutáveis e que história política moderna na qual o povo foi al-
o homem político deve, se quiser continuar çado ao patamar de agente político”.
a exercer o poder, demonstrar sensibilidade Helton Adverse é graduado em Psicologia
às alterações trazidas pelo tempo”. Seu pen- pela Fundação Mineira de Educação e Cultu-
samento, destaca Adverse, “se alimenta das ra, mestre e doutor em Filosofia pela Univer-
(e está também exposto às) instabilidades do sidade Federal de Minas Gerais — UFMG com
campo político que examina”, e não deve ser a tese Aparência, retórica e juízo na filosofia
considerado como uma obra acabada ou sis- política de Maquiavel. Docente na UFMG, é
temática, pois “não oferece um saber seguro autor de Maquiavel. Política e Retórica (Belo
sobre a ação política de modo a proporcionar Horizonte: UFMG, 2009).
àquele que o conhecesse o êxito duradou- Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a relação está em questão não é simplesmente controle sobre seus subordinados, o
entre aparência, retórica e juízo na a necessidade de o governante recor- que resolveria a política em um jogo
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filosofia política de Maquiavel? rer a um conjunto de técnicas que lhe de aparências no qual a “verdadeira
Helton Adverse - Em diversas assegurem a composição de uma boa política” seria a dos bastidores, isto é,
passagens de seus livros, Maquiavel imagem tendo em vista a dominação: não seria visível a não ser para aque-
chama a atenção para o seguinte fato: na verdade, Maquiavel observa que o les que se encontram no centro do
as relações de poder não são devida- problema da imagem e da aparência poder. Ora, Maquiavel nos diz exata-
mente compreendidas se não forem está no fundamento do poder. Dizen- mente o contrário.
referidas à dimensão “imaginária” do de outra maneira, a imagem não
da política. Isto significa que aquele é algo acessório, um mero “fenôme- Ser e aparência
que exerce o poder (o príncipe) deve no de superfície” da política, mas um Por exemplo, em um trecho mui-
levar em consideração, no exercício dos eixos em torno dos quais se es- to conhecido, presente no capítulo
de seu governo, o impacto que sua truturam as relações de poder. Caso a XVIII de O Príncipe, ele afirma que os
imagem exerce sobre aqueles que imagem fosse este mero “fenômeno homens, em sua maioria, julgam com
governa. Esta é, certamente, uma de superfície”, aumentariam as possi- os olhos, ou seja, julgam à distância;
máxima prudencial conhecida muito bilidades de o príncipe dominar uma poucos são aqueles que “podem
antes de Maquiavel. Porém, o que técnica que lhe asseguraria um firme tocar” o príncipe e, consequente-
Tema de Capa
“muitos” que julgam com os olhos, aspectos, o pensamento de Maquia- tramos o problema da indistinção en-
Maquiavel denomina “vulgo”, e, diz vel exerceu influência sobre Hannah tre ser e parecer em Maquiavel. Com
ele, no mundo “só existe o vulgo”. Arendt. Alguns dos temas centrais da efeito, a virtù (como excelência per-
É, portanto, neste encontro com o obra da filósofa alemã mantêm es- formativa plenamente efetivada na
“vulgo”, sendo objeto de seu juízo, treita relação com as preocupações glória) manifesta toda sua potenciali-
que o príncipe se constitui como um maiores de Maquiavel, dentre eles dade somente sob a condição de que
homem de poder. O juízo elaborado o problema da fundação do corpo esteja abolida a distância que separa
na proximidade do tato, embora seja político. No entanto, acredito que o ser de seu aparecer: sem a chance-
politicamente relevante, é insuficien- seja importante destacar um ponto la do reconhecimento, o homem de
te para a conformação do espaço po- fundamental, para o qual suas obras virtù vê abortadas as possibilidades
lítico. Mais precisamente, este juízo convergem: apesar das diferentes de se constituir como um homem de
não é “originário” do político porque vias que seguem, ambos os pensa- poder.
não é um juízo “público”. O “juízo das dores concordam que na política ser
mãos” indica a necessidade de uma e parecer coincidem. A via, porém, IHU On-Line - Qual é o nexo
“técnica” política (o homem de poder que conduz Arendt a esta conclusão entre o desejo de liberdade e a Re-
deve saber o que faz e saber se distin- passa por Maquiavel. Isto fica claro pública no pensamento maquiave-
guir de sua pessoa pública). quando lemos as considerações da liano? Qual é a atualidade dessa
Contudo, a “primazia” do “juízo autora sobre a natureza da ação po- concepção?
do olhar” embaralha a distinção entre lítica, presentes sobretudo em seu Helton Adverse - A república,
homem público e homem privado, o livro A Condição Humana (São Paulo: para Maquiavel, é a única forma de
que nos permite entender que no es- Forense Universitária, 2010). Um dos organização política na qual os ho-
paço político não é possível distinguir traços característicos da ação é sua mens encontram a liberdade política.
ser e aparência. É exatamente devido irredutibilidade a categorias como Isso porque a república implica, por
a essa impossibilidade de separar ser meio e fim, o que significa que, em um lado, a não dominação dos cida-
e aparência que a política revela sua certa medida, a ação é fim nela mes- dãos por um grupo em especial ou
“homologia estrutural” com a retóri- ma. Sendo assim, é possível identifi- por um único homem (todos estão
ca. O discurso retórico se caracteriza car o elemento propriamente “per- submetidos à lei). Por outro lado, a
pela suspensão dessa distinção, to- formático” na política. Arendt, então, república corresponde a uma forma
mando as palavras em sua capacida- relembra (ao contrário da tradição de associação política na qual os ci-
de “efetiva”, isto é, sua força plástica, interpretativa que vê no florentino o dadãos se veem na necessidade de
seu poder de conformação da reali- pensador do pragmatismo político) participar mais ou menos ativamente
dade. Nesse sentido, a retórica não que Maquiavel já havia intuído esta da vida pública, isto é, os cidadãos
concerne à essência das coisas; antes, dimensão performática com seu con- exercem efetivamente o poder. Mas
ela é o discurso que pressupõe e, ao ceito de virtù. Na leitura de Arendt, o é preciso lembrar que o desejo de
mesmo tempo, reinaugura a coinci- conceito maquiaveliano é mais bem liberdade não é um desejo “natural”,
dência entre ser e aparecer. compreendido à luz das artes per- o que quer dizer que Maquiavel o
formativas, como o teatro. Isso não compreende como um desejo políti-
IHU On-Line - Como política e significa identificar o espaço político co, que se constitui no âmbito da vida
aparência se conciliam no pensa- com o palco, mas a analogia permite política. Em princípio, ele é reativo,
mento de Hannah Arendt1 a partir de compreender que, à semelhança de isto é, ele é um desejo (típico daque-
suas leituras de Maquiavel? um ator, o agente político aparece em les que Maquiavel chama de “povo”)
um espaço público no qual, por meio de não ser dominado pelos homens
de sua ação, uma história é realizada que têm proeminência e que desejam
1 Hannah Arendt (1906-1975): filósofa
e uma personagem ganha existência. dominar (que Maquiavel chama de
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e socióloga alemã, de origem judaica.
Foi influenciada por Heidegger, Hus- A qualidade requerida para a excelên- “grandes”). Porém, o desejo de liber-
serl e Karl Jaspers. Em consequência a cia desta atuação seria, no entender dade ultrapassa o limite de uma ca-
perseguições nazistas, em 1941, partiu
para os Estados Unidos, onde escreveu
de Arendt, o que Maquiavel chamou tegoria de cidadãos (o “povo”), uma
grande parte das suas obras. Lecionou de virtù e sua consequência mais visí- vez que ele pode coincidir com o bem
nas principais universidades deste país. vel seria a glória. comum, isto é, estar livre da opres-
Sua filosofia assenta numa crítica à so-
ciedade de massas e à sua tendência
são e viver sob leis. É esta capacidade
para atomizar os indivíduos. Preconiza Edith Stein. Três mulheres que marca- de “universalização” do desejo de li-
um regresso a uma concepção política ram o século XX, disponível em http:// berdade que o transforma no desejo
separada da esfera econômica, tendo bit.ly/v0aMxT, e 206, de 27-11-2006, in-
como modelo de inspiração a antiga titulada O mundo moderno é o mundo
político por excelência e que permite
cidade grega. Entre suas obras, estão: sem política. Hannah Arendt 1906-1975, compreender por que a república é a
Eichmann em Jerusalém - Uma reporta- disponível em http://bit.ly/1aEYDyQ. única forma de associação política ca-
gem sobre a banalidade do mal (Lisboa: Nas Notícias Diárias de 04-12-2006, você
Tenacitas, 2004) e O Sistema Totalitá- confere a entrevista Um pensamento
paz de satisfazê-lo.
rio (Lisboa: Publicações Dom Quixote, e uma presença provocativos, conce- Esta concepção de “liberdade
1978). Sobre Arendt, confira as edições dida com exclusividade por Michelle- pública” conserva sua atualidade pela
168 da IHU On-Line, de 12-12- 2005, sob -Irène Brudny, disponível em http://bit.
o título Hannah Arendt, Simone Weil e ly/17SjvPl. (Nota da IHU On-Line)
seguinte razão: podemos facilmente
imprescindível para a vida política na do poder não pode dispensar o exer- conhecesse o êxito duradouro. Pelo
medida em que atende a uma neces- cício da força e a presença de algum
sidade externa (a defesa da cidade) e grau de violência. Dizendo de outra 4 Thomas Hobbes (1588–1679): filósofo
a uma necessidade interna (a educa- maneira, a política não pode ser re- inglês. Sua obra mais famosa, O Leviatã
ção cívica). duzida à experiência do diálogo e do (1651), trata de teoria política. Neste
livro, Hobbes nega que o homem seja
Vale ainda lembrar que Maquia- entendimento e do uso da racionali- um ser naturalmente social. Afirma, ao
vel encontra muitos antecessores em dade. Por outro lado (e essa é a se- contrário, que os homens são impulsio-
sua reflexão sobre o tema. Podemos gunda série de considerações), a for- nados apenas por considerações egoís-
tas. Também escreveu sobre física e psi-
destacar dois: o primeiro, o romano cologia. Hobbes estudou na Universidade
Vegetius2; o segundo, bem mais pró- para a medicina veterinária. (Nota da de Oxford e foi secretário de Sir Francis
IHU On-Line) Bacon. A respeito desse filósofo, confira
3 Leonardo Bruni (1369-1444): Filósofo a entrevista O conflito é o motor da vida
2 Vegetius (Publius Flavius Vegetius humanista, historiador, chanceler italia- política, concedida pela Profa. Dra. Ma-
Renatus): escritor do Império Romano. no e secretário papal de quatro pontífi- ria Isabel Limongi à edição 276 da revista
Escreveu Epitoma rei militaris (tam- ces. É reconhecido como um dos primei- IHU On-Line, de 06-10-2008. O material
bém conhecida como De re militari) e ros historiadores modernos (Nota da IHU está disponível em http://bit.ly/q6Wr-
Digesta Artis Mulomedicinae, um guia On-line) Na. (Nota da IHU On-Line)
Tema de Capa
dos conceitos fundamentais de sua problema da corrupção, poderemos
reflexão a noção de Fortuna, Maquia-
vel conserva, no interior de sua pró-
algo que será então nos perguntar se ele não indica
a limitação de nossas instituições po-
pria “filosofia política”, a incerteza e o
inacabamento da ação política.
definitivamente líticas, sua incapacidade de assegurar
uma participação política mais efetiva
No campo da incerteza
incorporado na e fomentar um engajamento político
mais consistente.
A leitura de sua obra, por conse-
guinte, nos revela uma face da vida
história teórica e IHU On-Line - O que O Príncipe,
política que até então permanecia na prática do Estado de Maquiavel, tem a nos dizer em
sombra em razão da ênfase concedi- um momento no qual a democracia
da à racionalidade e à previsibilidade. moderno: o representativa passa por grandes
Maquiavel faz exatamente o oposto: questionamentos não só no Brasil,
mina nossas certezas, abala nossas Estado encontra, mas em grande parte do mundo?
convicções e nos alerta que, ao aden- Helton Adverse - O Príncipe é
trarmos no domínio da ação política, como condição de um livro escrito em um contexto de
somos vulneráveis aos efeitos daqui-
lo que nós mesmos produzimos, sem possibilidade de crise, no qual as comunidades políti-
cas italianas se veem ameaçadas por
ter sobre as ações um controle defini-
tivo. Certamente, isso faz reformular seu surgimento, o inimigos externos, mas também por
sua própria incapacidade política de
alguns conceitos-chave na tradição
do pensamento político, como o con-
conflito” assegurar uma ordem estável no âm-
bito interno. Momentos como este
ceito de poder. Tenho a impressão de são valiosos do ponto de vista teóri-
que Maquiavel demonstra que ele é co, porque nos permitem enxergar
essencialmente “relacional”, porque mais claramente quais são os funda-
jamais será totalmente eliminada.
não tem outro fundamento a não ser mentos sobre os quais se assentam
Toda e qualquer comunidade política
o que deriva da própria ação humana. nossa vida coletiva. Encontramos,
é sujeita à corrupção porque os tem-
Um livro como O Príncipe escla- então, a ocasião propícia para passar
pos e as circunstâncias mudam, o que
rece que o poder é algo a ser sempre em exame esses fundamentos e, no
a leva a perder sua força e vitalidade
conquistado; mostra também que que concerne à prática política, é o
originárias. É importante colocar o
as circunstâncias que o condicionam momento oportuno para reformular
problema nesses termos para evitar o
são mutáveis e que o homem político e reformar.
tratamento exclusivamente moral do
deve, se quiser continuar a exercer o Por outro lado, o livro de Ma-
problema da corrupção política. Não
poder, demonstrar sensibilidade às quiavel permite compreender que
há dúvidas de que a corrupção, en-
alterações trazidas pelo tempo. Com os questionamentos e a instabilidade
relação ao conceito de Estado, não é tendida como ação criminosa realiza- são inerentes à vida política moder-
raro atribuir a Maquiavel a responsa- da individualmente ou em grupo, e na na. Se o exercício do poder é sempre
bilidade por sua primeira formulação qual o interesse coletivo é preterido “relacional”, nada mais natural do
teórica. Esta é uma questão que divi- tendo em vista o interesse privado, é que seu constante enfrentamento e a
de os comentadores. Quanto a mim, um problema político grave. Contu- necessidade de seu rearranjo. Nesse
creio que valha a pena assinalar que do, um pensador como Maquiavel sentido, a atual crise de representati-
Maquiavel intui algo que será defi- nos ajuda a entender as causas pro- vidade é mais um capítulo da história
nitivamente incorporado na história fundas da corrupção, e elas não são política moderna na qual o povo foi
teórica e prática do Estado moderno: encontradas na suposta natureza alçado ao patamar de agente político.
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o Estado encontra, como condição egoísta do homem, muito menos na Sem querer menosprezar o impacto
de possibilidade de seu surgimento, maldade intrínseca a determinados que manifestações e protestos mais
o conflito. Em outras palavras: existe grupos sociais. A corrupção, para Ma- ou menos ruidosos, mais ou menos
Estado na medida em que os confli- quiavel, é um problema que concerne violentos, podem ter, é necessário
tos que estruturam e convulsionam a todo o corpo político: ela assinala a lembrar que o povo é, por natureza,
a vida política requerem a existência incapacidade dos cidadãos (em geral) refratário a qualquer representação
de uma estrutura institucional que os de encontrar ou manter a forma po- definitiva. Nesse sentido, sempre ha-
acomodem sem suprimi-los. lítica adequada a seus anseios. Con- verá um déficit de representatividade
sequentemente, a corrupção tem de nas democracias modernas. Tenho
IHU On-Line - Em que medida o ser referida à história política de um a impressão de que ao reconhecer,
conjunto da obra de Maquiavel pode povo, na qual será possível aferir o em seus escritos, o papel político do
nos ajudar a repensar a problemáti- grau de comprometimento que o vin- povo — e a inevitável turbulência que
ca da corrupção no Estado moderno? cula a suas instituições, ao mesmo produz na vida pública —, Maquiavel
Helton Adverse - A corrupção é tempo que evidencia a qualidade po- vislumbrou um elemento essencial
uma possibilidade da vida política que lítica dessas mesmas instituições. Se de nossa atualidade política.
política moderna
Segundo o filósofo António Bento, o maquiavelismo “sobreviveu” ao seu criador,
mesmo entre aqueles que se diziam seus inimigos políticos. Thomas Hobbes foi
largamente influenciado pelas ideias do florentino ao compor o Leviathan
“O
s termos ‘maquiavelismo’ e ‘ma- António Bento é doutor em Filosofia pela
quiavélico’ se impuseram no Universidade da Beira Inteiror — UBI, em Co-
imaginário político moderno eu- vilhã, Portugal, onde é vice-diretor do curso
ropeu como sinônimos de uma ação política de Ciência Política e Relações Internacionais.
baseada na fraude, na violência e na impieda- Aí integra como investigador o Instituto de
de”, reflete o filósofo português António Ben- Filosofia Prática (IFP) e o Centro de Estudos
to, na entrevista que concedeu, por e-mail, à Judaicos (CEJ). É membro do editorial da re-
IHU On-Line. E acrescenta: “acusar um deter- vista Machiavelli and Machiavellism integra-
minado inimigo político de ‘maquiavelismo’ e da no Progetto Hypermachiavellism (www.
estigmatizar publicamente os seus atos como hypermachiavellism.net). Organizou e editou
‘maquiavélicos’, constitui, no fundo, uma sim- Maquiavel e o Maquiavelismo (Coimbra: Al-
ples arma de arremesso político”. A influência medina, 2012) e Razão de Estado e Democra-
política do pensador florentino, “a despeito cia (Coimbra: Almedina, 2012). Mais recen-
de um desprezo e de um ódio imensos, ja- temente, organizou e editou (com José Rosa)
mais deixou de se sentir. Pelo contrário, antes Revisiting Spinoza’s Theological-Political Trea-
ganhou mais e mais terreno, e, como de cer- tise (Zürich — New York: Hildesheim, Georg
ta maneira não poderia deixar de acontecer, Olms Verlag, 2013).
preferencialmente no próprio seio daqueles Confira a entrevista.
que se declaravam seus inimigos políticos”.
IHU On-Line - O que é o maquia- nhas as lendas associadas ao nome ca, estão na origem da designação,
velismo e o hipermaquiavelismo? Maquiavel! como se sabe, de duas perversões
António Bento - Uma resposta Mas, enfim, para tentar res- sexuais de base: o “sadismo” e o
adequada e, tanto quanto possível, ponder concretamente à sua per- “masoquismo”. Aceitando proviso-
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exaustiva, à sua pergunta — na apa- gunta, começaria talvez por evocar riamente e com reservas esta analo-
rência tão genuína e simples — mo- um estudo de Gilles Deleuze2 sobre gia, pode-se perguntar se Maquiavel
bilizaria certamente uma biblioteca a repercussão dos nomes de Sade e não será também um daqueles gran-
inteira, não uma biblioteca qualquer, de Masoch na história da literatura des “doentes” típicos que empres-
nem sequer uma biblioteca especia- médica, os quais, constituindo pro- tam às doenças (o “maquiavelismo”;
lizada em estudos sobre Maquiavel, digiosos exemplos de eficácia clíni- o “hipermaquiavelismo”) os seus no-
mas uma “biblioteca total”, digamos mes próprios? Mas talvez devamos
que à semelhança daquela “Bibliote- começar por modificar ligeiramente
ge Luis Borges.A virtude da ironia na sala
ca de Babel” concebida por Jorge Luis de espera do mistério, disponível http://
a pergunta, de modo a obtermos
Borges1! Tal a “reputação” e tama- bit.ly/hjDZxG. (Nota da IHU On-Line) outro tipo de respostas, respostas
2 Gilles Deleuze (1925-1995): filósofo que, precisamente, digam respeito
francês. Assim como Foucault, foi um
1 Jorge Luis Borges (Jorge Francisco Isi- dos estudiosos de Kant, mas tem em
a outro tipo de perguntas: não serão
doro Luis Borges Acevedo) (1899-1986): Bérgson, Nietzsche e Espinosa poderosas antes os “médicos” que, a posterio-
poeta, escritor, tradutor, crítico literário interseções. Deleuze atualizou conceitos ri e analisando de perto a “doença”,
e ensaísta argentino. A Revista IHU On- como os de devir, acontecimentos e sin-
-Line dedicou a edição 193 ao autor Jor- gularidades. (Nota da IHU On-Line)
agrupam sintomas até então disso-
Tema de Capa
-os e rebatizando-os) compondo um “cínico”, “irreligioso”, “blasfemo”, acusação implícita de que a perver-
“quadro clínico” novo e original à “demoníaco”: “O público está persua- sidade política absorve e resume em
custa de um sortilégio extraordiná- dido de que o maquiavelismo e a arte si mesma toda e qualquer forma de
rio e de um estranho poder de cono- de reinar tiranicamente são termos perversidade que o homem possa co-
tar signos (signos políticos, no caso de igual significação”. Um século mais nhecer ou praticar. Por exemplo, do
de Maquiavel) que um determinado tarde, Toussaint Guiraudet5 escrevia o ponto de vista político que enforma
nome próprio possui e liberta? seguinte num prefácio às Œuvres de a visão dos funcionários católicos go-
Machiavel: “O nome de Maquiavel vernamentais da Contrarreforma, o
Maquiavelismos parece consagrado em todos os idio- “maquiavelismo”, depositário de toda
A verdade é que os termos “ma- mas a recordar ou mesmo a expressar a sorte de iniquidades e malfeitorias,
quiavelismo” e “maquiavélico” se im- todos os desvios e as prevaricações era a encarnação da imoralidade em
puseram no imaginário político mo- da política mais astuciosa e mais cri- política, uma encarnação de tal ma-
derno europeu como sinônimos de minosa. A maior parte de todos os neira forte que, como refere Claude
uma ação política baseada na fraude, que o pronunciaram, como a todas Lefort8, “sugere a identificação da
na violência e na impiedade. Como as outras palavras de uma língua, an- política com a imoralidade”. Mais:
quer que seja, “maquiavelismos” há tes de saberem o que ele significa e tendo em conta que a malignidade e
e haverá, com toda a certeza, sempre de onde deriva… deve ter acreditado a “tentação” do “maquiavelismo” é a
muitos e diversos, de acordo, aliás, que era o nome de um tirano”. Fede- malignidade e a “tentação” de obter
com as épocas da história e com os rico Chabod6, por exemplo, para me o sucesso e o poder por meio do mal,
combates políticos que lhes dão for- deter apenas em um interessante es- “o maquiavelismo é o nome dado
ma. Já no século XVII, naquela que tudioso contemporâneo da obra de à política na medida em que ela é o
foi, sem dúvida, a primeira grande Maquiavel, observa, a justo título, o mal” (Claude Lefort).
cruzada moralista — simultaneamen- modo como todos nós, mesmo an- Ora, creio que o mesmo se po-
te contrarreformista e protestante tes de havermos lido — quanto mais derá dizer dos dias de hoje, sobretu-
— contra os escritos e ensinamen- estudado — as obras de Maquiavel, do se tivermos em conta, como ob-
tos políticos de Maquiavel, existiram usamos, sem hesitações de qualquer serva Carl Schmitt9 no seu opúsculo
decerto o “maquiavelismo” de Ma- espécie, o termo “maquiavelismo”: O Conceito do Político, que “todos
quiavel, o “maquiavelismo” dos “ma- “É como se Maquiavel tivesse criado os conceitos, representações e pala-
quiavelistas” e o “maquiavelismo” não a teoria da política, mas a própria vras políticas têm um sentido polê-
dos “antimaquiavelistas”. E os “anti- política, sem mais; como se, antes mico; visam a um antagonismo con-
maquiavelismos” serão tantos quan- dele, os monarcas tivessem sido to- creto e estão ligados a uma situação
tos os potenciais inimigos — coevos, dos eles candura, bondade e boa fé, concreta cuja última consequência
modernos, contemporâneos — de e apenas de Maquiavel houvessem é um agrupamento amigo-inimigo,
Maquiavel: anglicanismo ou protes- aprendido a reger o Estado com ou- transformando-se em abstrações va-
tantismo, jesuitismo ou galicanismo, tros meios que não o pai-nosso”. zias e fantasmagóricas quando esta
tacitismo, cepticismo, fideísmo, ate- situação deixa de vigorar”. Sob esta
ísmo, etc. Cada uma destas seitas ou A política como “o mal” perspectiva, acusar um determinado
ideologias acusou as outras ou foi por Em poucas palavras, tamanho inimigo político de “maquiavelismo”
elas acusada de “maquiavelismo”. A é, enfim, o poder de sugestão da ex- e estigmatizar publicamente os seus
verdade é que, como observou al- pressão “maquiavelismo”, que hou- atos como “maquiavélicos” constitui,
gures Thomas Berns3, “nenhuma se ve mesmo quem pretendesse traçar no fundo, uma simples arma de arre-
reivindicou do maquiavelismo, de uma história do “maquiavelismo an- messo político.
tal modo que este inimigo comum e terior a Maquiavel” (cf. Maurice Joly7,
fugidio a que Maquiavel deu o seu Diálogo no Inferno entre Maquiavel e
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8 Jean-Claude Lefort (1924-2010): fi-
nome parece ser o grande ausente do Montesquieu, 1864) ou de um “ma- lósofo francês, autor, entre outros, de
debate”. quiavelismo perpétuo e universal”, A invenção democrática: os limites da
dominação totalitária (São Paulo: Bra-
Pierre Bayle4, por exemplo, na dando assim razão aos que pensam siliense, 1983) e Desafios da escrita
entrada “Maquiavel” do seu Dictio- que o “mito do maquiavelismo” traz política (São Paulo: Discurso Editorial,
nnaire historique et critique (1697), consigo não apenas uma identificação 1999). Por ocasião de seu falecimento,
a IHU On-Line entrevistou a filósofa Ol-
faz-se portador da opinião reinante gária Matos, na edição 348 da revista
segundo a qual o ensino do secre- IHU On-Line, de 25-10-2010, disponível
5 Toussaint Guiraudet (Charles Philippe em http://migre.me/34oI9 e intitulada
Toussaint Guiraudet): autor e pesquisador Claude Lefort e a invenção democrática.
3 Thomas Berns (1967): filósofo, pro- da obra de Nicolau Maquiavel. (Nota da (Nota da IHU On-Line)
fessor de filosofia política, de filosofia IHU On-Line) 9 Carl Schmitt (1888-1985): jurista e
da legislação e ética, Me. em Estudos da 6 Federico Chabod (1901-1960): histo- cientista político alemão. A IHU On-Line
Renascença pela Universidade de Ferra- riador e político italiano. Desenvolveu 139, de 2-05-2005, publicou o artigo O
ra e Dr. em Filosofia e Letras pela Univer- sua tese na Universidade de Turin sobre a pensamento jurídico-político de Heideg-
sidade Livre de Bruxelas. (Nota da IHU obra de Nicolau Maquiavel (Nota da IHU ger e Carl Schmitt. A fascinação por no-
On-Line) On-line). ções fundadoras do nazismo, do filósofo
4 Pierre Bayle (1647-1706): filósofo e 7 Maurice Joly (1829-1878): advogado e Yves-Chales Zarka, disponível em http://
escritor francês. (Nota da IHU On-Line) humorista francês. (Nota da IHU On-line). bit.ly/TJcnLW. (Nota da IHU On-Line)
espírito, a coerência íntima; a verdade mitir-se que é na paradoxal aliança de António Bento - O problema não
sacrificada a um efeito sensível”. uns e de outros que hão de ser bus- é pacífico, nem isento de certas pai-
cadas as razões remotas da crescente xões, digamos assim, hermenêuticas.
IHU On-Line - Em que medi- fortuna do “maquiavelismo” e do “hi- Muito antes de Carl Schmitt, outros
da esses conceitos transcendem ou permaquiavelismo” no pensamento autores, não menos importantes que
político moderno e contemporâneo. o jurista alemão, insistiram no duplo
O “maquiavelismo”, enfim, sobrevive- aspecto do ensinamento político de
10 António Sérgio (1883-1969): filósofo Maquiavel, consoante este é deduzi-
português dedicado aos estudos da po-
lítica, educação e da história. (Nota da 12 Ernst Cassirer (1874-1945): filósofo
do de O Príncipe ou de Os Discursos
IHU On-Line) alemão de origem judaica que perten- sobre a primeira década de Tito Lívio
11 António de Oliveira Salazar (1889- ceu a Escola de Marburg.Foi um dos mais (ou ainda de Histórias Florentinas).
1970): político nacionalista português. importantes representantes da tradição
Instituiu o Estado Novo em 1933 e, na con- neokantiana de Marburgo. Desenvolveu
dição de Presidente do Conselho de Minis- uma filosofia da Cultura como uma te-
tros, implementou um regime de inspira- oria dos símbolos, baseada na Fenome- 13 Christopher Marlowe (1564-1593):
ção fascista, governando o país como um nologia do Conhecimento. (Nota da IHU dramaturgo, poeta e tradutor inglês.
ditador até 1968. (Nota da IHU On-Line) On-Line) (Nota da IHU On-Line)
Tema de Capa
teria sido o próprio Maquiavel – de penso; é ela que ele mais claramen- para arrastar os homens bons à perdi-
acordo com uma tradição republica- te descreve”. Em pleno Iluminismo, ção, o grande subversor, o mestre do
na, liberal, romântica, e até marxista, numa época em que uma afetada ex- mal, le docteur de la scélératesse, o
de interpretação do seu pensamento pressão pública de uma repugnância inspirador do Massacre de São Barto-
– muito pouco “maquiavélico”, um pela política fez a sua escola, no arti- lomeu, o modelo de Iago. É o ‘sangui-
daqueles instrutores de príncipes que go “Maquiavelismo” da Encyclopédie nário Maquiavel’ das famosas quatro-
conhecem o jogo político do Estado (t. IX, Neuchâtel, 1765, p. 793), Dide- centas e tal referências da literatura
e que integralmente o ensinam, ao rot16 dá, também ele, pouco mais ou isabelina. O seu nome acrescenta um
passo que o “maquiavelismo” vul- menos, uma interpretação semelhan- novo ingrediente à figura mais antiga
gar, esse sim, ensinaria a fazer outra te de O Príncipe: “Quando Maquiavel do Old Nick (O Diabo). Para os jesuí-
coisa? Tal é já a opinião do prudente escreveu o seu tratado do príncipe, é tas, ele é ‘sócio do diabo nos crimes’,
Espinosa14, para quem “talvez Ma- como se ele tivesse dito aos seus con- um escritor infame e um cético, e O
quiavel quisesse mostrar quanto uma cidadãos, lede bem esta obra. Se um Príncipe é, nas palavras de Bertrand
multidão livre deve ter medo de con- dia aceitardes um senhor, ele será tal Russell19, ‘um manual para gangs-
fiar a sua defesa a um só, o qual, se como eu vo-lo pinto: eis o animal fe- ters’”. Para concluir, refiro apenas as
não for vaidoso nem julgar que pode roz ao qual vos abandonareis”. palavras que um autor da estatura de
agradar a todos, tem de temer re- Leo Strauss20 consagra ao duplo ensi-
voltas todos os dias, sendo por isso “Manual para gangsters” no de Maquiavel (tirânico em O Prín-
obrigado a precaver-se e a atraiçoar Quanto ao ódio que os seus cipe; republicano nos Discorsi): “Não
a multidão em vez de governá-la” contemporâneos destilaram sobre escandalizaremos ninguém, apenas
(Tratado Político, V). Em idêntico Maquiavel, apresentara-o já Trajano nos exporemos ao ridículo amável
sentido se pronunciou Jean-Jacques Boccalini17, na primeira década de ou em todo o caso inofensivo, se nos
Rousseau15: “Fazendo crer que dava seiscentos, nos seguintes termos: “Os declaramos inclinados para a opinião
lições aos reis, dava-as bem grandes inimigos de Maquiavel consideram-no antiquada e simples segundo a qual
aos povos. O Príncipe, de Maquiavel, homem digno de punição porque re- Maquiavel era um mestre do mal”.
é o livro dos republicanos”. Ademais, velou como os príncipes governam e,
numa elucidativa nota que acrescen- assim, instruiu o povo; ‘colocou dentes IHU On-Line - De que modo
tou à versão do Contrato social de de cães nas ovelhas’, destruiu os mitos Maquiavel e Hobbes21 problemati-
1772, observa ainda Rousseau, a pro- do poder, o prestígio da autoridade, zam a questão da natureza humana
pósito de O Príncipe, de Maquiavel, o tornou mais difícil governar, porque os e do absolutismo? Como tais com-
seguinte: “Maquiavel era um homem governados podem saber a este res- preensões repercutem na política
honesto e um bom cidadão. Mas, peito tanto quanto os governantes”. ocidental?
atado à missão dos Médicis, viu-se Não foi, porém, esta benigna in- António Bento - A questão do
forçado, na opressão da sua pátria, a terpretação que os autores da teoria “absolutismo”, se tomarmos este con-
mascarar o seu amor à liberdade. Já a política católica da Contrarreforma ceito no seu estrito significado histó-
escolha do seu execrável herói (César colheram nos escritos de Maquiavel, rico e político, só se põe a partir do
Bórgia) manifesta bem a sua intenção nem a alegada admiração do secretá- momento em que Jean Bodin22, pri-
secreta; e a oposição das máximas rio florentino pelos ideais republica-
do seu livro O Príncipe às dos seus nos da Roma antiga magnificamente lítico britânico. (Nota da IHU On-Line)
Discursos sobre Tito Lívio e às da sua expressa nos Discorsi suscitou alguma 19 Bertrand Russell (1872-1970): mate-
mático, filósofo, lógico e político liberal
História de Florença demonstra que vez neles simpatia ou simplesmente britânico. (Nota da IHU On-Line)
este político profundo não teve até respeito. Àquela visão benevolen- 20 Leo Strauss (1899-1973): filósofo po-
agora senão leitores superficiais ou te atrás referida, preferiram a visão lítico teuto-americano. Fundou a escola
de pensadores “Straussians” e foi forte
corrompidos. A corte de Roma proi- mais comum e mais antiga de Ma-
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crítico da filosofia moderna. (Nota da
quiavel, uma visão segundo a qual, IHU On-Line)
e cito Isaiah Berlin18, “Maquiavel é 21 Thomas Hobbes (1588–1679): filósofo
14 Espinosa (Baruch de Espinosa) (1632- inglês. Sua obra mais famosa, O Leviatã
1677): filósofo holandês, pertencente a (1651), trata de teoria política. Neste
uma família judia originária de Portugal. 16 Diderot (Denis Diderot) (1713-1784): livro, Hobbes nega que o homem seja
Publicou o Tractus Tehologico-Politicus e filósofo e escritor francês. A primeira um ser naturalmente social. Afirma, ao
Ética, além de ter deixado várias obras peça importante da sua carreira literária contrário, que os homens são impulsio-
inéditas, estas publicadas em 1677 com é Lettres sur les aveugles à l’usage de nados apenas por considerações egoís-
o título Opera Posthuma. A Revista IHU ceux qui voient, em que resume a evolu- tas. Também escreveu sobre física e psi-
On-Line, na edição 397, Baruch Spino- ção do seu pensamento desde o deísmo cologia. Hobbes estudou na Universidade
za. Um convite à alegria do pensamen- até ao cepticismo e o materialismo ateu, de Oxford e foi secretário de Sir Francis
to, disponível em http://bit.ly/Q5v356. o que o leva à prisão. Mas a obra da sua Bacon. A respeito desse filósofo, confira
(Nota da IHU On-Line) vida é a edição da Encyclopédie (1750- a entrevista O conflito é o motor da vida
15 Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), 1772), que leva a cabo com empenho e política, concedida pela Profa. Dra. Ma-
filósofo franco-suíço, escritor, teórico po- entusiasmo apesar de alguma oposição ria Isabel Limongi à edição 276 da revista
lítico. A Revista IHU On-Line, na edição da Igreja Católica e dos poderes estabe- IHU On-Line, de 06-10-2008. O material
397, Somos condenados a viver em socie- lecidos. (Nota da IHU On-Line) está disponível em http://bit.ly/q6Wr-
dade? As contribuições de Rousseau à mo- 17 Trajano Boccalini (1556-1613): humo- Na. (Nota da IHU On-Line)
dernidade política, disponível em http:// rista italiano. (Nota da IHU On-Line) 22 Jean Bodin (1530-1596): jurista fran-
bit.ly/YGU1gM. (Nota da IHU On-Line). 18 Isaiah Berlin (1909-1997): filósofo po- cês, membro do Parlamento de Paris
Tema de Capa
Mas as consequências profun- tica de tendência paranoica, que des- ração dos valores?
das do pensamento político de Tho- confia de fronteiras que se tornam António Bento - Creio, since-
mas Hobbes repercutiram de modo cada vez mais indelimitáveis. […] É, ramente, que em absolutamente
assaz veemente e surpreendente na com efeito, impossível compreender nenhum sentido. Efetivamente, não
nossa contemporaneidade. De acor- os objetivos proclamados da biopolí- creio que se possa, e menos ainda
do com Roberto Esposito, o autor tica sem interrogar a sua ‘outra cena’, deva, misturar o sol materialista de
que melhor refletiu sobre as conse- o seu fantasma de imunização abso- Florença com o nevoeiro metafísico
quências do paradigma securitário luta, de proteção total”. de Bayreuth… Isto, claro, ressalvando
hobbesiano nas sociedades contem- Com efeito, capturada numa embora toda a genuína admiração de
porâneas, a política conhece cada dialética aporética entre o risco e a Nietzsche por Maquiavel: “A minha re-
vez mais, e hoje, porventura, mais proteção, um risco que requer prote- criação, a minha predileção, a minha
do que nunca, apenas um “paradig- ção tanto quanto a própria proteção cura de todo o platonismo foi sempre
ma imunitário”. De acordo com a produz, por sua vez, risco, a política Tucídides26. Tucídides e, talvez, O Prín-
interessante leitura que Esposito faz moderna tende a criar, por um exces- cipe, de Maquiavel, me são mais afins
do pensamento político de Thomas so neurótico de prevenção, autoimu- pela determinação incondicional de
Hobbes, se os conceitos modernos nidade, instituindo assim o perigo de não se deixar iludir em nada e de ver
de “soberania”, “propriedade” e “li- morte para a própria espécie. Desse a razão na realidade — não na ‘razão’,
berdade” tendem, num determinado modo, a prevenção — e, no limite, a e menos ainda na ‘moral’…”, confessa
momento da sua história, a confluir e eliminação — da doença, pode reve- o “cabeça-de-dinamite” (Ernst Jün-
a reduzir-se à “segurança” do sujeito lar-se mais perigosa do que a própria ger27) em O Crepúsculo dos Ídolos.
que é seu titular, isso é a inevitável doença. A consequência disso é que a
consequência do modo imunitário vida política ocidental entra num cur- IHU On-Line - Nesse sentido,
como a modernidade pensa a políti- to-circuito permanente. E este cres- como o “estatuto da mentira na Filo-
ca. Segundo Esposito, o que ele desig- cente interesse pela ideia de regula- sofia Política” pode ser compreendi-
na como “paradigma da imunidade” ção do risco, consequência, muitas
resulta do duplo processo cruzado vezes, de um pânico politicamente
de politização da vida e de biologi- administrado, deu origem ao estabe- de Friedrich Nietzsche e pode ser aces-
zação da política, o qual reúne num lecimento da categoria do “precautio- sada em http://migre.me/s7BU. Confi-
ra, também, a entrevista concedida por
único horizonte de sentido as duas nary principle” (ou “Vorsorgeprinzip” Ernildo Stein à edição 328 da revista IHU
dimensões do conceito de “imunida- no original), a que eu chamo princípio On-Line, de 10-05-2010, disponível em
de”: a dimensão jurídico-política e a de absolutização da imunidade polí- http://bit.ly/18TFDHq, intitulada O bio-
logismo radical de Nietzsche não pode
dimensão biológica. Ainda, segundo tica. Princípio da irresponsabilidade. ser minimizado, na qual discute ideias
este autor, uma vez consumada a de sua conferência “A crítica de Heideg-
completa sobreposição do léxico polí- IHU On-Line - Em que sentido as ger ao biologismo de Nietzsche e a ques-
tão da biopolítica”, parte integrante do
tico e do léxico médico modernos, “a constatações políticas de Maquiavel Ciclo de Estudos Filosofias da diferença
imunização torna-se não apenas no ecoam nas concepções políticas de - Pré-evento do XI Simpósio Internacio-
instrumento, mas também na forma Nietzsche25, como na grande política, nal IHU: O (des)governo biopolítico da
vida humana. Na edição 330 da Revis-
da civilização ocidental”. ta IHU On-Line, de 24-05-2010, leia a
Finalizando: que um paradigma da IHU On-Line) entrevista Nietzsche, o pensamento
25 Friedrich Nietzsche (1844-1900): fi- trágico e a afirmação da totalidade
político imunitário governa hoje de lósofo alemão, conhecido por seus con- da existência, concedida pelo Prof.
maneira transversal e capilar as rela- ceitos além-do-homem, transvaloração Dr. Oswaldo Giacoia e disponível em
ções humanas globais no seu conjun- dos valores, niilismo, vontade de poder http://bit.ly/15UTSzj. Na edição 388,
e eterno retorno. Entre suas obras fi- de 09-04-2012, leia a entrevista O
to, comprova-o o fato de a modulação guram como as mais importantes Assim amor fati como resposta à tirania do
afetiva e o controle da intensidade do
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falou Zaratustra (9. ed. Rio de Janei- sentido, com Danilo Bilate, disponível
medo se terem tornado um assunto ro: Civilização Brasileira, 1998), O an- em http://bit.ly/HzaJpJ. (Nota da IHU
ticristo (Lisboa: Guimarães, 1916) e A On-Line)
político de interesse público. Cada vez genealogia da moral (5. ed. São Paulo: 26 Tucídides (460–400 a.C.): historiador
mais, a “sociedade do risco” em que Centauro, 2004). Escreveu até 1888, grego, autor de História da Guerra do
nos movemos é permanentemen- quando foi acometido por um colapso Peloponeso, em que ele conta a guerra
nervoso que nunca o abandonou, até o entre Esparta e Atenas, ocorrida no sé-
te ameaçada pelo pânico ante toda dia de sua morte. A Nietzsche foi dedi- culo V A. C. No dia 29-05-2003, durante
a espécie de potenciais catástrofes cado o tema de capa da edição número a segunda edição do evento Abrindo o Li-
(ambientais, ecológicas, epidêmicas, 127 da IHU On-Line, de 13-12-2004, in- vro, promovido pelo IHU, a obra História
titulada Nietzsche: filósofo do martelo da Guerra do Peloponeso foi apresentada
terroristas, políticas, econômicas, e do crepúsculo, disponível em http:// pelo Prof. Dr. Anderson Zalewski Vargas,
etc.) que devem ser cientificamente bit.ly/Hl7xwP. Sobre o filósofo alemão, da Pós-Graduação em História da UFRGS.
prevenidas. Como observa Frédéric conferir ainda a entrevista exclusiva A revista IHU On-Line entrevistou o his-
realizada pela IHU On-Line edição 175, toriador na 62ª edição, de 02-06-2003. O
Neyrat24: “A biopolítica contemporâ- de 10-04-2006, com o jesuíta cubano material está disponível para download
Emilio Brito, docente na Universidade de no link http://bit.ly/186nPXl. (Nota da
Louvain-La-Neuve, intitulada “Nietzsche IHU On-Line)
24 Neyrat Frederick (1968): filósofo fran- e Paulo”, disponível em http://bit.ly/ 27 Ernst Jünger (1895-1998): escritor,
cês, dedicado aos temas da biopolítica, dyA7sR. A edição 15 dos Cadernos IHU filósofo e entomologista alemão. (Nota
imunopolítica e ecologia política. (Nota em formação é intitulada O pensamento da IHU On-Line)
(“Erhaltungstrieb”) e menos a uma francamente: quero isto, fiz aquilo, e ta a palavra dada e que souberam,
espécie de instinto para a verdade ou assim sucessivamente; portanto, por- com a astúcia, dar a volta aos cére-
de inclinação natural do homem para que o caminho da coação e da auto- bros dos homens; e no fim superaram
a verdade (“Wahrheitstrieb”). Na Ge- ridade é mais seguro que o do ardil. aqueles que se fundaram na sinceri-
nealogia da Moral (III, 24) Nietzsche Mas, por pouco complicadas que te- dade. […] Não pode, portanto, um se-
observa: “A verdade tem sido sempre nham sido as circunstâncias domés- nhor prudente, nem deve, observar a
postulada como essência, como Deus, ticas em que uma criança tenha sido palavra dada quando tal observância
como instância suprema [...] Mas a educada, ela serve-se naturalmente se volta contra ele e se extinguiram
vontade de verdade tem necessida- da mentira e diz sempre, involunta- os motivos que o fizeram prometer.
de de uma crítica. Defina-se assim a riamente, tudo o que serve aos seus E, se os homens fossem todos bons,
nossa tarefa — é necessário de uma próprios interesses: a noção da ver- este preceito não seria bom. Mas,
vez por todas pôr em questão o valor dade, a repugnância pela mentira em porque eles são ruins e não a obser-
da verdade”. O problema que Nietzs- si, lhe são totalmente estranhas e ina- variam para contigo, tu também não
che aqui apresenta é muito simples: cessíveis, e a criança mente com toda a tens de observar para com eles,
no seu entender, os filósofos clássicos a inocência”. “Na medida em que o nem faltarão jamais a um príncipe
Tema de Capa
inobservância”. inofensivos no arsenal da ação po- de perigo iminente e atual”.
Tal como em O Príncipe, tam- lítica”. Que a política e a verdade Neste ensaio, Arendt esboça a
bém nas Histórias Florentinas (III, sempre estiveram em más relações problemática da efetividade e da per-
5) Maquiavel justifica o perjúrio e a e que a boa fé jamais foi incluída na formatividade de uma mentira cuja
mentira pelo imperativo pragmático classe das virtudes políticas, é algo estrutura e acontecimento estariam
da necessidade e utilidade: “E, como bem conhecido e mesmo um lugar ligados, de maneira essencial, ao con-
em todos o temor de Deus e a reli- comum. Com efeito, o segredo, os ar- ceito de “ação”, e, mais precisamen-
gião desapareceram, o juramento e a cana imperii, o engano, a falsificação te, ao conceito de “ação política”. É
palavra empenhada são respeitados deliberada e a mentira descarada são este um motivo presente logo nas
só quando podem tornar-se úteis, e usados como meios legítimos para al- primeiras páginas de Lying in Politics.
os homens disto se valem não para cançar fins políticos desde os primór- Reflections on the Pentagon Papers:
cumprir, mas como meio de melhor dios da história documentada. Não “Uma característica da ação humana
enganar; e quanto mais fácil e se- por acaso, Hannah Arendt lembra-o é que ela começa sempre algo novo,
guramente o engano é conseguido, constantemente: “As mentiras foram o que não significa que seja sempre
mais louvores e glória adquirem: por sempre consideradas necessárias e permitido começar ab ovo, criar ex
isso os homens nocivos são louvados justificáveis, não apenas à profissão nihilo. De modo a arranjar espaço
como laboriosos, e os bons, como to- do político e do demagogo, mas tam- para a nossa própria ação, algo que
los, são ralhados”. bém à do homem de Estado. Por que já aí estava antes deve ser removido
será assim? O que é que isto repre- ou destruído, e deste modo as coisas
Mutação na história da mentira senta, por um lado, para a natureza e mudam e deixam de ser o que eram
Finalmente, há que referir, ainda a dignidade da esfera política, e, por antes. Essa mudança teria sido im-
que necessariamente de forma muito outro, para a natureza e a dignidade possível se não pudéssemos remover-
breve e alusiva, às reflexões de Han- do domínio da verdade e da boa-fé?”. -nos mentalmente do local onde fisi-
nah Arendt28, uma admiradora con- Um dos pontos interessantes camente estamos e imaginar que as
fessa do pensamento de Maquiavel, da argumentação de Hannah Arendt coisas poderiam ser muito diferentes
sobre a mentira política moderna. neste ensaio prende-se com o reco- do que de fato são. Por outras pala-
Não foi há muito tempo que a autora nhecimento da existência de uma vras, a negação deliberada da verda-
de Truth and Politics (1967) chamou transformação ou mutação na histó- de fatual — a capacidade para mentir
a nossa atenção para o carácter ativo ria da mentira. Uma mutação simul- — e a faculdade de mudar os fatos —
e afirmativo da mentira, para o fato taneamente na história do conceito a capacidade para agir — estão inter-
de “as mentiras, desde que utiliza- de mentira e na história da própria ligadas. Elas devem a sua existência à
das como substitutos de meios mais prática do mentir. Segundo Arendt, a mesma fonte: a imaginação”.
violentos, poderem ser consideradas mentira teria modernamente atingi-
do o seu limite absoluto, tornando-se Verdade dos fatos e opinião
28 Hannah Arendt (1906-1975): filósofa agora “completa e definitiva”. Ao con- Finalmente, Hannah Arendt lem-
e socióloga alemã, de origem judaica. trário de Oscar Wilde29, que no seu O bra-nos que o mentiroso é, por ex-
Foi influenciada por Heidegger, Hus- Declínio da Mentira diagnostica uma celência, um homem de ação. Entre
serl e Karl Jaspers. Em consequência a
perseguições nazistas, em 1941, partiu agonia da mentira e lamenta que os mentir em política e agir em política,
para os Estados Unidos, onde escreveu políticos, os advogados, e mesmo os entre manifestar a sua liberdade pela
grande parte das suas obras. Lecionou jornalistas, saibam cada vez menos ação, transformar os fatos e antecipar
nas principais universidades deste país. o futuro, há como que uma afinidade
Sua filosofia assenta numa crítica à so- mentir e cultivem cada vez menos a
ciedade de massas e à sua tendência mentira, Arendt considera preocu- essencial. A imaginação: eis, segun-
para atomizar os indivíduos. Preconiza pante o crescimento hiperbólico da do Arendt, a raiz comum à “capaci-
um regresso a uma concepção política dade de mentir” e à “capacidade de
separada da esfera econômica, tendo
mentira na arena política moderna:
“A possibilidade da mentira completa agir”. Capacidade de produzir a ima-
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como modelo de inspiração a antiga
cidade grega. Entre suas obras, estão: e definitiva, ainda desconhecida nas gem. Pois “imagem” é justamente a
Eichmann em Jerusalém - Uma reporta- palavra-chave ou o conceito maior
gem sobre a banalidade do mal (Lisboa:
épocas anteriores, é o perigo que de-
Tenacitas, 2004) e O Sistema Totalitário corre da moderna manipulação dos de todas as análises consagradas à
(Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1978). fatos. Mesmo no mundo livre, onde o mentira política do nosso tempo. Sob
Sobre Arendt, confira as edições 168 da governo não monopolizou o poder de esta perspectiva, a mentira é o futu-
IHU On-Line, de 12-12- 2005, sob o títu-
lo Hannah Arendt, Simone Weil e Edith decidir e de dizer o que é ou não é da ro, podemos arriscar dizê-lo, sem,
Stein. Três mulheres que marcaram o esfera da fatualidade, gigantescas or- contudo, trair a intenção de Arendt
século XX, disponível em http://bit.ly/ ganizações de interesses generaliza- neste contexto. Dizer a verdade é,
v0aMxT, e 206, de 27-11-2006, intitulada pelo contrário, dizer o que é ou terá
O mundo moderno é o mundo sem políti- ram uma espécie de mentalidade de
ca. Hannah Arendt 1906-1975, disponível raison d’État, outrora confinada ao sido, o que será sempre preferir o
em http://bit.ly/1aEYDyQ. Nas Notícias domínio dos negócios estrangeiros, e, passado. Hannah Arendt fala, pois,
Diárias de 04-12-2006, você confere a en- de uma afinidade indesmentível da
trevista Um pensamento e uma presença
provocativos, concedida com exclusivida- mentira com a ação, com a mudança
de por Michelle-Irène Brudny, disponível do mundo — em suma, com a polí-
em http://bit.ly/17SjvPl. (Nota da IHU 29 Oscar Wilde (1854-1900): escritor ir- tica. “Ao contrário daquele que diz
On-Line) landês. (Nota da IHU On-Line)
conseguinte, caso a verdade dos fatos sofo francês. O pensamento tomista de própria imagem no espelho político
Maritain serviu-lhe de parâmetro para
fosse um dia consistente e totalmente a abordagem e julgamento de situações
de Maquiavel, não é, sobretudo, por-
substituída pelas mentiras, não seriam concretas como a política, a educação, que procure saber quais os pressu-
as mentiras que passariam a ser acei- a arte e a religião vigentes. Mas tratou postos do “maquiavelismo” que nele
também da base da gnosiologia, decidin-
tas como verdade, nem seria a verda- do-se pelo realismo imediato e intuição
— sob formas novas, é verdade — se
de que passaria a ser difamada como do ser, tal como no aristotelismo e na es- mantêm presentes. Assim, subme-
mentira, seria antes o sentido pelo colástica originária. Diferenciou a filoso- ter Maquiavel e o “maquiavelismo”
fia e a ciência experimental, bem como ao ponto de vista da nossa atualida-
qual nos orientamos no mundo real as diversas ciências filosóficas. Advertiu
que ficaria definitivamente destruído. para a diferença entre o tema da lógica de política não significa apenas uma
Este o medo de Hannah Arendt. e o da gnosiologia. Foi um dos principais mera contabilidade da herança que
expoentes do tomismo no século XX. o presente recebe do passado; antes
Uma de suas obras principais é Por um
IHU On-Line - Foi apenas no humanismo cristão (São Paulo: Paulus, implica, e de modo decisivo, uma ri-
século XIX que se proferiu de modo 1999). Sobre Maritain, confira o recém- gorosa avaliação do significado da
veemente o vaticínio da morte de -lançado Maritain à contre-temps: Pour brecha que o ponto de vista do pre-
une démocratie vivante (Paris: Desclée
Deus, através do último homem que de Brouwer, 2007), do filósofo jesuíta sente abre entre o passado e a sua
Nietzsche assenta na praça do merca- Paul Valadier. (Nota da IHU On-Line) própria autointerpretação.
Tema de Capa
de virtù
Como uma doença, a corrupção inicia em certa parte do corpo político e, se não
for combatida, continua a se alastrar, adverte José Antonio Martins. Entretanto,
Maquiavel nunca vinculou esse processo a “desvios morais de um indivíduo ou
falta de virtude de um grupo”
“S
ão as possibilidades de retarda- ao corrupto —, para Maquiavel a corrupção
mento ou postergação do proces- deve ser percebida na medida em que ela se
so da corrupção, por meio da ação insere como prática no corpo político, práti-
política dos homens, que refletem a novida- ca caracterizada pela pouca participação nos
de do pensamento político maquiaveliano. negócios públicos fundamentalmente”.
Consequência direta desse argumento é que Martins analisa, também, o sucesso da
a corrupção não se coloca na esfera moral ou obra de Maquiavel logo após seu lançamento,
individual, ou seja, as causas da corrupção cinco anos depois da morte do autor, sendo
não estão em indivíduos isolados, mas se in- até hoje uma das obras mais lidas e comen-
serem dentro de uma lógica de ação corrupta tadas sobre a questão política. Outro tema
incorporada pelos diversos atores políticos, da entrevista é a incompreensão de O Prínci-
um modo de agir corrupto que está disse- pe, tido como um libelo à monarquia. O fato
minado pelos diversos órgãos ou instituições é que “depois de O Príncipe, inaugura-se um
políticas da cidade”. A afirmação é do filósofo novo modo de pensar o campo do político”.
José Antonio Martins, em entrevista conce- E acrescenta: “o pensamento político ma-
dida por e-mail à IHU On-Line. Surgida pri- quiaveliano nos revela algo presente ainda
meiramente entre o povo, a corrupção passa no nosso modo de fazer política. Nessa sua
para as instituições “quando estas não visam capacidade de desvelar a lógica de ação po-
mais o interesse público, mas os desejos pri- lítica, Maquiavel consegue retratar e explicar
vados”. Vale ressaltar que, em todos os es- algo que ainda perdura, gostemos ou não, no
tágios de corrupção na esfera política, “Ma- palco das ações políticas”.
quiavel nunca responsabiliza ou vincula esse José Antonio Martins é graduado, mestre
processo a desvios morais de um indivíduo e doutor em Filosofia pela Universidade de
ou falta de virtude de um grupo. O que ele São Paulo — USP com a tese Os fundamentos
indica em várias obras é que isso tudo nasce da República e sua corrupção nos Discursos de
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da falta ou de pouca virtù, conceito este vin- Maquiavel. Docente na Universidade Estadu-
culado totalmente ao campo das ações polí- al de Maringá — UEM, é autor de Corrupção
ticas. Assim, ao contrário do que muitos de- (São Paulo: Globo, 2008 e organizador da edi-
fendem em nossos dias, de que a corrupção ção bilíngue de O Príncipe (2ª ed. São Paulo:
decorre de indivíduos corruptos — donde o Hedra, 2009).
combate à corrupção concentrar-se na caça Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como se apresen- José Antonio Martins - Essa va em entender como Maquiavel
tam os fundamentos da República pergunta me leva a recuperar o tema concebia a corrupção política. Ini-
e sua corrupção nos Discursos de da minha pesquisa de doutorado. cialmente eu me baseava em uma
Maquiavel? Num primeiro momento eu pensa- informação incompleta, originada
Tema de Capa
e metáforas que facilitam a sua com- lítica maquiaveliana ganha seus con- lado De principatibus (cuja tradução
preensão; e, a meu ver, o elemento tornos definitivos. correta deveria ser Dos principados
mais significativo, Maquiavel revela ou Sobre os principados). É essa in-
os mecanismos, as lógicas das ações Atemporalidade formação sobre o manuscrito, e não
políticas. Essa exposição de como de Com efeito, ao olharmos a se- a data da primeira publicação (que
fato funciona o mundo político, nas quência de elaboração dos textos, ocorre somente em 1532), que mar-
suas genuínas razões, sem rodeios iniciando com os primeiros opúscu- ca simbolicamente o nascimento da
ou disfarces, os motivos que levam los da época em que ele trabalhava obra. Contudo, mais do que recordar
os atores políticos a decidirem, to- na Chancelaria de Florença, passan- o momento em que ela foi escrita, en-
dos esses aspectos despertam a do posteriormente por O Príncipe, os tendo que devamos considerar, antes
curiosidade daqueles que querem Discursos, os demais textos políticos de qualquer coisa, como uma obra,
desvendar esse universo político. Ao menores e culminando na História um livro se mantém durante longo
explicitar esse mistério (que a tradi- de Florença, encontramos nessas tempo com tanta força e vitalidade,
ção interpretativa também nomeia obras as respostas para as demandas seja no tempo, seja no espaço. Na
como os Arcana Imperii), Maquiavel teóricas que o seu tempo formulou verdade, são 500 anos de um texto
faz um texto atualizado, pois a lógica e que ele, na condição de pensador que foi muito lido e comentado, não
de funcionamento do mundo políti- político, tentou encetar suas respos- somente nos territórios italianos, ao
co pouco alterou nesse tempo. tas. Mais ainda, encontramos nos qual faz referência de modo direto,
escritos políticos maquiavelianos o mas em todo o planeta. Este feito,
IHU On-Line - Qual é o contexto esforço para dar conta de proble- para uma obra não literária e não reli-
da escrita de O Príncipe e o que essa mas e dificuldades que perpassavam giosa, é certamente o fenômeno mais
obra reflete da vivência política do o pensamento político há séculos, significativo sobre o qual devamos
próprio Maquiavel e dos homens de como é o caso da questão dos ciclos refletir.
seu tempo? políticos e da corrupção dos gover-
José Antonio Martins - Essa é nos, por exemplo. É particularmente IHU On-Line - Qual é a impor-
uma boa questão até para entender por esse aspecto, por tentar dar con- tância de se ler O Príncipe tendo em
o modo como os pensadores elabo- ta de grandes dificuldades teóricas vista, igualmente, os Discursos sobre
ram seus textos. A Florença de Ma- do pensamento político ocidental, a primeira década de Tito Lívio?
quiavel, do final do século XV e das que as obras maquiavelianas não José Antonio Martins - O Prín-
primeiras décadas do século XVI, foi ficam restritas ao seu tempo e às cipe é, equivocadamente, definido
um palco de lutas políticas intensas, suas circunstâncias, tornando-se de como um livro em defesa da mo-
com mudanças de governos, sempre fato universais no tempo e no es- narquia, enquanto os Discursos são,
atribuladas. Juntamente com esses paço. O modo como o pensamento corretamente, caracterizados como
fatos históricos, a cidade também político maquiaveliano se estrutura a obra republicana de Maquiavel. O
se tornou um centro de reflexão e é educativo para nós, visto que nos problema é que o principado, tema
debate sobre o melhor modo de or- textos estão evidentes os dramas de da primeira parte de O Príncipe e
denar politicamente a cidade, quais seu momento histórico. Contudo, o critério para análise da figura des-
instituições criar ou extinguir, como pensador não se fixa somente nessas se príncipe, não é necessariamente
os grupos políticos poderiam ou não dificuldades, mas extrapola a sua re- um regime monárquico. Uma leitura
ter acesso às decisões, enfim, um flexão e a insere no quadro dos pro- atenta do texto revela que o princi-
verdadeiro centro de reflexão políti- blemas do pensamento político. Isso pado é um regime no qual aquele
ca. Isolar a produção intelectual de é um exemplo de como se compor- que lidera a cidade deve estar o tem-
Maquiavel desse contexto é um grave tam os grandes pensadores políticos, po todo atento aos movimentos dos
equívoco, pois foi no interior das lutas pois eles partem de seu mundo, dos diversos atores políticos e trabalhar
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políticas — nas quais ele tomou par- seus contextos e, sem negá-los ou ig- para conservar a sua legitimidade
te como membro ativo de um grupo norá-los, inserem essas dificuldades na disputa política. Nesse sentido,
político que governou a cidade, entre na história do pensamento político. esse comandante político não se as-
1498 e 1512, sob o comando de Pier semelha ao monarca clássico, muito
Soderini4 — e dos debates públicos 500 anos menos ao monarca absolutista do
A efeméride dos 500 anos de século XVI, como alguns tendem a
4 Pier Soderini ou Piero di Tommaso So- O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, retratá-lo. Compartilho da hipótese
derini (1452-1522): político de Florença. decorre de uma carta de 19 de de-
Durante seu governo, foram reformados defendida por alguns comentadores
o sistema judiciário e a organização tri- zembro de 1513, endereçada ao seu de que o principado pode ser o regi-
butária. Era considerado um líder mo- amigo e funcionário da Santa Sé, me no qual se transforma a repúbli-
derado e sábio, embora desprovido de Francisco Vettori5, na qual ele relata
certa malícia política e tido como um ca corrompida, conservando, quanto
articulador frágil. Por sugestão de Ma- se trata de um principado civil, várias
quiavel, criou uma força militar estatal 5 Francisco Vettori (1474-1539): his- características da dinâmica políti-
para substituir as milícias formadas por toriador e político. Foi embaixador de
mercenários estrangeiros. (Nota da IHU Florença junto ao Papa, em Roma, e na ca republicana. Donde poderíamos
On-Line) França. (Nota da IHU On-Line) pensar que uma leitura dos Discur-
península itálica,
o epicurismo era a chave que poderia
destaque para o cultivo das virtudes desvendar os segredos do universo e
cristãs. Ao manter aparentemente garantir a felicidade humana. (Nota IHU
esse formato, a obra maquiavelia-
na desconcerta o seu leitor, pois é
depois por quase On-Line)
7 Salústio (Gaius Sallustius Crispus) (86-
35 a.C.): historiador latino. Nasceu em
sim um manual para governantes
também, porém não orienta o prín-
toda a Europa” Sabine, Itália. (Nota IHU On-Line)
8 Cícero (Túlio Cícero) (106-43 a.C.):
filósofo, orador, escritor, advogado e
cipe neste sentido, mas alerta para político romano. (Nota da IHU On-Line)
práticas e critérios muito próprios 9 Vergézio (Giovanni Vergezio): escritor
do campo político, muitos dos quais e calígrafo do período do Renascimento
o pensamento de Maquiavel foi sub- em Florença, mestre na língua grega.
contrários ao ideário das virtudes metido ao longo dos séculos? (Nota da IHU On-Line)
cristãs. Consequência direta desse José Antonio Martins - O pri- 10 Platão (427-347 a. C.): filósofo ate-
niense. Criador de sistemas filosóficos
modo de apresentar o texto é a reve- meiro mal-entendido, talvez o mais influentes até hoje, como a Teoria das
lação dos mecanismos de funciona- grave, é de que ele foi um defensor Ideias e a Dialética. Discípulo de Sócra-
mento do universo político em seus de um modelo de governante monár- tes, Platão foi mestre de Aristóteles. En-
tre suas obras, destacam-se A República
termos verdadeiros, sem floreios. quico inescrupuloso e que a política e Fédon. Sobre Platão, confira as entre-
Esse realismo, como muitos gostam é um campo de ação sem virtudes ou vistas “As implicações éticas da cosmolo-
de qualificar o texto de Maquiavel, qualidades, consagrado naquilo que gia de Platão” e “O Platão de Lima Vaz”,
ambas concedidas pelo filósofo Prof. Dr.
inaugura um novo capítulo, seja na ficou conhecido como o maquiavelis- Marcelo Perine, respectivamente às edi-
reflexão política, seja no modo como mo. Na verdade, essa interpretação ções 194, de 04-09-2006, e 374, de 26-
se avalia o mundo político. Depois surgiu entre seus adversários, que o 09-2011, da revista IHU On-Line, dispo-
níveis em http://bit.ly/pteX8f e http://
de O Príncipe, as interpretações e acusavam de ser um pensador amo- bit.ly/oaAUiL. Leia, também, a edição
os comentários sobre o modo como
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ral. Essa corrente interpretativa, que 294 da Revista IHU On-Line, de 25-05-
os atores políticos tomam suas deci- se inicia com os católicos do século 2009, intitulada Platão. A totalidade em
movimento, disponível em http://bit.
sões, suas razões, suas finalidades, XVI e perpassa os séculos, perde força ly/iSqddU. (Nota da IHU On-Line)
seus interesses não evidentes, nun- quando, no século XIX, os estudos da 11 Aristóteles (Aristóteles de Estagira)
ca mais foram os mesmos, pois as obra maquiaveliana são retomados (384–322 a.C.): filósofo nascido na Cal-
cídica, Estagira, um dos maiores pensa-
boas intenções, o bem comum pre- com força no contexto da unificação dores de todos os tempos. Suas reflexões
sente nos discursos do governante da Itália, e, com maior vigor, no sécu- filosóficas — por um lado originais e por
que zela pelo seu povo, estarão sem- lo XX, quando temos de fato o início outro reformuladoras da tradição grega
— acabaram por configurar um modo de
pre em dúvida. Enfim, e esse dado é de estudos e pesquisas acadêmicas. pensar que se estenderia por séculos.
consenso entre os historiadores do É consenso geral hoje que os adver- Prestou inigualáveis contribuições para o
pensamento político, depois de O sários intelectuais de Maquiavel não pensamento humano, destacando-se nos
campos da ética, política, física, metafí-
Príncipe, inaugura-se um novo modo perceberam a força e a profundidade sica, lógica, psicologia, poesia, retórica,
de pensar o campo político. da noção de virtù, fundamento do zoologia, biologia, história natural e ou-
agir político. Longe de ser amoral, o tras áreas de conhecimento. É conside-
rado, por muitos, o filósofo que mais in-
IHU On-Line - Quais foram os pensamento político maquiaveliano, fluenciou o pensamento ocidental. (Nota
principais mal-entendidos aos quais ao defender a necessidade da virtù da IHU On-Line)
Tema de Capa
que vários outros autores romanos Todavia, por maior que seja a virtù de
e pensadores medievais foram lidos
e se tornaram ou fonte para seus ar- entendido, talvez um indivíduo ou de uma cidade, ela
não é o bastante para conter as for-
gumentos, ou adversários a serem re-
batidos, e neste caso claramente po- o mais grave, é ças da natureza que atuam sobre os
destinos dos homens, donde sempre
demos identificar os escritos políticos ser necessário considerar a fortuna.
de Agostinho de Hipona12. Conforme de que ele foi A noção de fortuna deve ser pensada
esclarece Eugenio Garin13, é na cultu- no interior da cultura do Renascimen-
ra do Renascimento italiano que está um defensor to, nesse desejo dos homens do pe-
a verdadeira fonte de Maquiavel. ríodo em afirmar suas capacidades ou
de um modelo potencialidades e poderem, assim,
IHU On-Line - Em que medida controlar a natureza. Apesar dessa
os conceitos de virtù e fortuna são de governante crença nas capacidades humanas,
tributários a Tito Lívio e reinterpre- vários pensadores do Renascimento,
tados pelo pensador florentino? monárquico como Maquiavel, reconheciam que a
José Antonio Martins - Esses força humana não podia tudo, que a
conceitos não nascem diretamente inescrupuloso natureza exercia seu poder sobre os
destinos humanos. Donde ser neces-
de Tito Lívio, mas de outras fontes.
Aqui cabe um esclarecimento neces-
sário. Maquiavel comenta apenas os
e que a política sário ao homem de virtù saber reco-
nhecer e tentar controlar os ímpetos
dez primeiros livros da História de
Roma de Tito Lívio, que era composta
é um campo de da natureza, a fortuna, que sempre
acaba interferindo no destino dos ho-
por 142 livros, donde o correto seria
nomear Discurso sobre a primeira de-
ação sem virtudes mens. Enfim, os fundamentos da no-
ção de fortuna devem ser buscados
zena, e não década, como se adotou
nas edições brasileiras. Ele escolhe
ou qualidades, na cosmologia do Renascimento, nes-
ta certeza de que a natureza interfere
apenas esses livros para comentar
por dois motivos: primeiro, por ser
consagrado no destino dos homens.
maquiaveliano
Uma das novidades dos escritos de Maquiavel foi a reflexão sobre a política e o
Estado enquanto este ainda estava em formação, observa José Luiz Ames. Tais
obras podem nos ajudar a entender as manifestações de desagravo que expressam
“a vitalidade política de um Estado”
“E
nquanto o lugar comum da inter- e promover as transformações institucionais
pretação de O Príncipe era o de nela contida”. Segundo Ames, é fundamental
uma obra destinada a orientar os analisar a vida política e seu desenvolvimen-
tiranos no poder, Rousseau insiste em que a to na esfera da aparência: “a verdade da po-
sua finalidade é de acautelar o povo contra o lítica é possível de ser captada tão somente
que os tiranos podem fazer, a fim de ajudá- pelos efeitos (resultados ou consequências)
-lo a resistir a eles. Com esta interpretação, das ações. E nisto consiste a conhecida ruptu-
Rousseau ajudou a recuperar o republicanis- ra maquiaveliana com a moral e a instituição
mo maquiaveliano, concepção da mais plena da política como um domínio autônomo, algo
atualidade nos debates políticos contemporâ- pensado a partir dela mesma”.
neos, e a desfazer a imagem de maquiavélico, Graduado em Filosofia pelo Instituto Edu-
isto é, da justificação dos meios pelo fim”. A cacional Dom Bosco, José Luiz Ames é mestre
ponderação é do filósofo José Luiz Ames, na em Filosofia pela Pontifícia Universidade Ca-
entrevista que concedeu por e-mail à IHU tólica do Rio Grande do Sul — PUCRS e doutor
On-Line. E acrescenta: “estar ‘condenado’ a em Filosofia pela Universidade Estadual de
viver em sociedade não é uma questão que Campinas — Unicamp com a tese Maquiavel:
preocupe o florentino. Interessa-lhe, isto sim, a lógica da ação política (Cascavel: Edunioes-
examinar as condições sob as quais a vida em te, 2002). Leciona na Universidade Estadual
sociedade pode converter-se em um vivere do Oeste do Paraná — Unioeste e é autor de,
libero, isto é, em uma forma de existência po- entre outros, Liberdade e libertação na ética
lítica na qual os homens são regidos por leis de Dussel (Campo Grande: CEFIL, 1992) e Fi-
autoimpostas e na qual os cargos públicos es- losofia Política: Reflexões (Curitiba: Protexto,
tão abertos de forma igual a todos”. As obras 2012). É o criador da página Portal da filoso-
do florentino auxiliam no entendimento das fia, http://portaldafilosofia.blogspot.com.br/,
manifestações de rua, que demonstram “a site no qual publica vários artigos sobre filo-
vitalidade política de um Estado. Cabe à po- sofia política.
www.ihu.unisinos.br
IHU On-Line - Como podemos tante cargo na república de Florença. como a conhecemos hoje, não exis-
compreender o contexto filosófico e Destacaria três aspectos importantes tia ainda. O “Estado” que Maquia-
político do surgimento das ideias de para a compreensão do contexto filo- vel serviu como Segundo Chanceler
Maquiavel? sófico e político que influenciaram no por quase 15 anos foi a república de
José Luiz Ames - Nicolau Ma- desenvolvimento de suas ideias. Florença.
quiavel nasceu em Florença, Itália, Um primeiro é o de que a Itália, Um segundo aspecto é o de que
em 3 de maio de 1469 e morreu em neste período, era um mosaico de os Estados Nacionais tais como os co-
21 de junho de 1527. Pouco sabemos cerca de 20 Estados de dimensões nhecemos hoje estavam ainda em for-
de sua vida antes de 1498, ano em territoriais e regimes políticos muito mação. O conceito propriamente dito
que foi eleito para exercer um impor- variáveis. A Itália como Estado, tal de “Estado” como entidade abstrata
Tema de Capa
apenas bem mais tarde, com Jean oposição dos desejos (outras vezes por outro lado, a necessidade força a
Bodin1 e Thomas Hobbes, que ele virá ele também se refere a eles como limitação recíproca dos desejos natu-
à luz. Maquiavel, porém, com suas humores) fundamentais de “gran- ralmente inconciliáveis de grandes e
ideias, contribuirá decisivamente na des” e “povo”. Para Maquiavel, esta povo, fazendo surgir a vida política.
sua formulação, particularmente com cisão é constitutiva de todas as so-
sua defesa enfática da necessidade ciedades e é de tal grandeza que é IHU On-Line - Como Maquiavel
de uma autoridade suprema como impossível encontrar unidade entre concilia a liberdade do sujeito e a
condição de conservação da unidade ela. Importante destacar de imediato regulação dos desejos do povo via
de um povo sob um território. que grandes e povo não são, em Ma- política?
quiavel, categorias socioeconômicas, José Luiz Ames - Faz-se presente
Reflexão filosófica sobre o poder e sim ontológicas. No entanto, ainda no pensamento maquiaveliano uma
Um terceiro aspecto a considerar que o movimento natural do desejo ideia geral de liberdade concebida
é a influência exercida sobre o pen- de grandes e povo seja o de aniquilar como atributo do homem, liberdade
samento de Maquiavel pela função cada qual ao outro, é contido em seu entendida como algo inerente à con-
pública por ele desempenhada. Ma- curso, porque cada parte é limitada dição humana. Contudo, tanto liber-
quiavel foi eleito, em 19 de junho de pela outra: o desejo de comandar dos dade quanto livre arbítrio, como qua-
1498, ao cargo de chefe da Segunda grandes encontra, no desejo de liber- lidades do homem (a noção de sujeito
Chancelaria da república de Florença, dade do povo, seu limite e vice-versa. é estranha ao contexto maquiavelia-
que tratava dos negócios internos e Isso obriga as duas partes ao acordo: no, sendo anacrônico seu uso para
extraordinários, entre os quais os pro- nascem dali leis e instituições capazes explicar sua obra, pois surgirá apenas
blemas da guerra. Foi à frente desse de dar vazão aos desejos dissimétri- bem mais tarde, com Descartes2 e
cargo, que exerceu até 7 de novembro cos de grandes e povo. Hobbes, por exemplo), são sempre
de 1512, que ele teve a oportunidade É preciso ter presente ainda que compreendidas em um contexto
de conhecer profundamente os princi- esse acordo não põe fim ao conflito, sócio-histórico bem determinado, e
pais Estados europeus graças às mais não é capaz de neutralizá-lo, mas ape- não em uma perspectiva individual
de 20 missões diplomáticas em que nas normalizá-lo em formas sempre e subjetiva. É este sentido político de
representou sua pátria. precárias e provisórias. O confronto liberdade, liberdade compreendida
Maquiavel foi, portanto, o pen- de grandes e povo em uma arena po- como uma experiência que se dá em
sador que refletiu sobre a política e lítica, isto é, pelas vias institucionais e
um contexto associativo, que prevale-
o Estado num período em que este legais, tem como resultado uma cer-
ce na obra de Maquiavel.
estava ainda em formação e o fez a ta ordem político-institucional que é
O homem é livre (ou é capaz
partir de um conhecimento adquirido mais favorável ora a uma ora a outra
de livre arbítrio), para Maquiavel,
direta e pessoalmente dos aconteci- das partes em confronto na totalida-
sempre no quadro de uma vida asso-
mentos de seu tempo. Ele eleva esta de social. O equilíbrio alcançado num
ciada, de uma coletividade humana
experiência ao nível abstrato da refle- momento jamais é tal que não possa
determinada. Libertà e libero arbi-
xão filosófica sobre o poder. Maquia- ser revertido em uma situação poste-
trio não são experiências humanas
vel pensa filosoficamente sobre a po- rior. A impossibilidade de uma parte
que podem ser ditas de um singular
lítica na perspectiva de oferecer um impor-se plenamente sobre a outra
na interioridade de seu espírito (de
entendimento do quadro contempo- assegura, por um lado, que as leis te-
nham em vista o bem comum e não o um sujeito), mas da relação deste
râneo, por um lado, mas também de
da parte vencedora e, de outro, deixa homem com os demais dentro de
proporcionar uma compreensão do
sempre em aberto a possibilidade de uma coletividade política. Maquiavel
político como dimensão inerradicável
reversão. jamais se ocupa dessas expressões
do ser humano.
como se fossem essências abstratas
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IHU On-Line - Em que medida Desejo e necessidade
2 Descartes (René Descartes) (1596-
a necessidade e o desejo estão no Estas considerações evidenciam, 1650): filósofo, físico e matemático
cerne da instauração política para pois, que o desejo, naturalmente francês. Notabilizou-se sobretudo pelo
Maquiavel? desmesurado, de grandes e povo é seu trabalho revolucionário da Filoso-
fia, tendo também sido famoso por ser
José Luiz Ames - Maquiavel ex- contido pela necessidade. A necessità o inventor do sistema de coordenadas
plica, em O Príncipe (capítulo XV), é, assim, a coação imposta pelas con- cartesiano, que influenciou o desenvol-
que todas as formas de vida política dições reais nas quais a ação política vimento do cálculo moderno. Descartes,
por vezes chamado o fundador da filo-
se desenrola ao forçar os homens a sofia e matemática modernas, inspirou
1 Jean Bodin (1530-1596): jurista fran- agir em uma determinada direção, ou os seus contemporâneos e gerações de
cês, membro do Parlamento de Paris então de limitar a desmesura de seus filósofos. Na opinião de alguns comen-
e professor de Direito em Toulouse. É tadores, ele iniciou a formação daquilo
considerado por muitos o pai da Ciência desejos. Dessa maneira, ao cons- a que hoje se chama de racionalismo
Política devido a sua teoria sobre sobera- tranger os homens a seguir a única continental (supostamente em oposição
nia. Baseou-se nesta mesma teoria para alternativa viável concretamente nas à escola que predominava nas ilhas bri-
afirmar a legitimação do poder do homem tânicas, o empirismo), posição filosófica
sobre a mulher e da monarquia sobre a circunstâncias dadas, a necessidade dos séculos XVII e XVIII na Europa. (Nota
gerontocracia. (Nota da IHU On-Line) evita a dispersão a que a ação estaria da IHU On-Line)
quiavel parte simplesmente do fato submetida à lógica da necessidade, veliana com a moral e a instituição da
da vida humana sob o Estado; sequer o ator político vê-se obrigado a ava- política como um domínio autônomo,
se ocupa em problematizar a neces- liar vícios e virtudes unicamente em algo pensado a partir dela mesma.
sidade ou não da existência coletiva. relação aos seus efeitos, ou seja, em
Assim, estar “condenado” a viver em função de suas possibilidades de con- IHU On-Line - Qual é a origem
sociedade não é uma questão que quista e conservação do poder. As- da compreensão maquiaveliana de
preocupe o florentino. Interessa-lhe, sim, por ser a necessidade, e não uma que a política é um jogo?
isto sim, examinar as condições sob norma do bem, que determina a ação José Luiz Ames - Ernst Cassirer
as quais a vida em sociedade pode política, a exigência de conservar o é, talvez, o mais conhecido dos de-
converter-se em um vivere libero; isto poder pode obrigar o ator político a fensores da tese de que Maquiavel é
é, em uma forma de existência políti- “entrar no mal”. um técnico frio, sem compromissos
ca na qual os homens são regidos por éticos ou políticos, um analista políti-
leis autoimpostas e na qual os cargos Esfera da aparência co objetivo, um cientista moralmente
públicos estão abertos de forma igual Os capítulos XVI a XIX de O Prín- neutro e desinteressado quanto ao
a todos. cipe completam esta concepção: uso de suas descobertas “técnicas”,
Tema de Capa
res quanto a déspotas. Para Cassirer, seu objetivo ultrapassa largamente a
a atividade política se ajustaria tanto
ao Estado legal quanto ao ilegal, não foi, portanto, o mera descrição minuciosa da vida po-
lítica. Maquiavel percebe o poder em
sendo imoral nem moral, mas sim
amoral. Ele simplesmente ofereceria pensador que sua inserção ineludível naquilo que
considera a atividade mais sublime e
a todos os soberanos, reais ou virtu- enobrecedora dos seres humanos: a
ais, legítimos ou ilegítimos, conselhos refletiu sobre a política. No entanto, suas afirmativas
eficazes para estabelecer e manter o não são empíricas ou puramente des-
seu poder, para evitar as discórdias política e o Estado critivas: não só nos diz que na política
internas, para prevenir ou para triun- o mal está sempre presente, que ele
far sobre as conspirações. Maquiavel num período é utilizado normal e impunemente
é apresentado como o profeta da téc- nela, mas sustenta que, em determi-
nica em política, o mestre do realis- em que este nadas situações, o mal deve ser feito
mo amoral. O campo de preocupação no âmbito da política. Esta não é uma
de Maquiavel não seria a política em
sentido normativo, e sim desta ativi-
estava ainda em afirmação de alguém que aspira à im-
parcialidade científica. É um juízo nor-
dade humana no sentido puramente
descritivo, abordando-a de modo se-
formação e o fez mativo que é preciso ser interpretado
como uma recomendação ética para
melhante a um cientista social que
descreve como funcionam de fato
a partir de um aquele que age no campo da política.
Revela que Maquiavel está longe de
as realidades políticas. Indignar-se
diante dos meios indicados para a
conhecimento mostrar-se indiferente em relação ao
fim visado pelas ações humanas. Sua
fundação e conservação de Estados
enunciados por Maquiavel seria algo
adquirido direta e linguagem deixa claro que a política
não se mede unicamente pelo êxito,
tão fora de lugar quanto repreender
um físico que enuncia o valor de uma pessoalmente dos não é um simples cálculo estratégico,
mas revela que há um valor a ser rea-
constante.
Esta compreensão maquiavelia- acontecimentos lizado através da política.
Tema de Capa
importância do prognóstico
antecipado
Categorias médicas foram utilizadas por Maquiavel em seu pensamento político, mas
de modo transformado, observa Marie Gaille. Ao analisar uma “dinâmica do desejo
nos homens”, o pensador não quis elaborar uma concepção de “natureza humana”
“M
aquiavel não retoma stricto a relação dos escritos maquiavelianos com
sensu a definição médica da a secularização. Segundo ela, por várias ve-
saúde e da doença, nem a dis- zes se tomou Maquiavel como um pensador
tinção entre os quatro humores, dominante ateu, “alguém que teria dado fim, em termos
na época. Em outras palavras, em seu pensa- gramscianos, ao reinado da transcendência.
mento, a transferência de categorias médicas Incontestavelmente, ele concentra sua aten-
para o pensamento político não ocorre sem ção nas condições humanas da ação política.
transformação”, analisa Maire Gaille, filósofa No entanto, não se pode afirmar sem nuan-
francesa, que concedeu a entrevista a seguir, ças que, para ele, o campo político seja isento
por e-mail, à IHU On-Line. “Em Maquiavel, de qualquer forma de intervenção divina”. E
a transferência de categorias médicas para arremata: “Muito mais latente em sua refle-
o pensamento político não tem como único xão é o papel político que uma religião pode
objeto essa metáfora do corpo político. As- desempenhar”.
sociada à imagem do corpo misto, encontra- Marie Gaille é diretora de Pesquisa no
mos em Maquiavel, de fato, uma tentativa SPHERE – Centro Nacional de Pesquisa
para pensar as transformações que a pólis Científica – Universidade Paris Diderot, na
sofre”, adverte. E acrescenta: “Diante dessa França. É autora de, entre outros, Liberté et
história essencialmente instável das pólis, o conflit civil, la politique machiavélienne en-
governante e o pensador político, segundo tre histoire et médecine (Paris: Champion,
Maquiavel, devem se assemelhar ao médi- 2004), Le gouvernement mixte, de l’idéal
co e tomar emprestado à arte definida pela politique au monstre constitutionnel en
tradição hipocrático-galênica diversas com- Europe (13è-17è siècles) (Presses Universi-
petências: a de prever ou fazer o prognóstico taires de Saint-Étienne, 2005) e Machiavel,
antecipado (“ver o invisível através do visí- biographie (Paris: Tallandier, 2005), que foi
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vel”), a de diagnosticar o mal quando ele se traduzido para o português como Maquiavel
manifesta e, por fim, a de tratar em função (Lisboa: Edições 70, 2008).
da gravidade do mal”. Gaille analisa, também, Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em que sentido a ca intercambiam suas categorias. Os ou a política, a importar o vocabulário
filosofia política e moral está ligada à vaivéns acontecem nos dois sentidos. da outra. O Corpus hipocrático inclui
questão da medicina? A demonstração disso, por excelên- muitos termos de origem política ou
Marie Gaille - A filosofia políti- cia, é um trecho de Alcmeon de Cro- termos, tais como dynamis, que têm
ca e moral, a meu ver, está ligada à tona (500 a.C.), médico pré-socrático um significado indiferentemente polí-
questão da medicina de múltiplas que emprega os termos gregos iso- tico ou médico. A constatação dessas
maneiras. Como mostra a história da nomia e monarchia para designar a trocas entre medicina e política fez
filosofia, que têm suas raízes na he- saúde e a doença, sem que se possa dos empréstimos do pensamento po-
rança grega antiga, medicina e políti- saber qual foi a primeira, a medicina lítico à teoria médica, desde Platão,
Tema de Capa
mento, a transferência de categorias as ideias de Maquiavel mantêm sua
médicas para o pensamento político
não ocorre sem transformação. Seu Maquiavel fala influência em áreas como a política e
a medicina?
Marie Gaille - De meu ponto de
próprio par de humores, o dos gran-
des e o do povo, se assemelha mais dos humores, vista, é inútil procurar uma influência
aos pares de opostos que Alcmeon de Maquiavel na área da medicina. E
de Crotona concebeu. No entanto, das paixões, dos no prolongamento disso, é preciso di-
essa aproximação também tem seus zer que a obra de Maquiavel faz parte
limites: seu esquema binário não desejos, das de uma longa série de reflexões políti-
corresponde à ideia alcmeoniana de cas que utilizaram o pensamento mé-
uma infinidade de pares de opostos. necessidades dico. No entanto, ele não contribuiu
Para Maquiavel, um humor em parti- para a elaboração de uma filosofia da
cular, o dos grandes, é relativamente fundamentais dos medicina, e muito menos para a ética
mais nocivo que o outro na pólis, en- da medicina.
quanto, no modelo médico, nenhum
é caracterizado negativamente. Essas
homens, de sua Em contrapartida, a questão
sobre sua influência tem um sentido
diferenças não diminuem em nada
a importância da fonte médica para
relação com o mal para o campo político. Se perguntar-
mos sobre a influência de Maquiavel
compreender o modo como Maquia-
vel formula seu pensamento institu-
e o bem. Pode-se nos tempos atuais, a resposta é deli-
cada, pois tal influência é logo difrata-
cional e sua concepção da liberdade
política como “mistura equilibrada”.
até mesmo dizer da em várias opções interpretativas:
tem-se ainda e sempre Maquiavel
Elas indicam simplesmente que ele
faz da fonte médica, assim como de
que ele propõe como conselheiro dos príncipes, e
principalmente mestre do logro e da
suas outras fontes, um uso livre.
uma análise dissimulação, do uso refletido da as-
túcia e da força. Este é o Maquiavel
Prognóstico antecipado
Em Maquiavel, a transferência da dinâmica mais evidente, mais comum, mais
simples também. Encontramos hoje
de categorias médicas para o pensa-
mento político não tem como único do desejo nos também uma figura de Maquiavel
que engloba esses aspectos, mas é
objeto essa metáfora do corpo po- um pouco mais complexa: Maquiavel
lítico. Associada à imagem do corpo homens. Mas essa como pensador da ação política, so-
misto, encontramos em Maquiavel, bre o qual, a meu ver, Claude Lefort
de fato, uma tentativa para pensar evocação não escreveu páginas extraordinárias em
as transformações que a pólis so- Travail de l’oeuvre Machiavel (1971).
fre. A metáfora do “corpo misto” lhe está relacionada O seu pensamento sobre o con-
permite enfatizar o fato de que toda flito civil e a relação deste com a liber-
pólis tem um tempo de vida determi- com o projeto dade é também muito influente, mas
nado, que ela pode morrer antes do foi retomado em diferentes direções.
momento de sua morte natural, mas
pode também manter-se até esse
de elaborar Sobre este assunto, publiquei uma
parte do meu trabalho de doutora-
momento se aqueles que governam
souberem tomar as medidas ade-
uma concepção do: Liberté et conflit civil. La pensée
machiavélienne entre histoire et mé-
quadas. Além disso, toda pólis sofre da ‘natureza decine (Paris: Champion, 2004). O
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alterações, no sentido aristotélico do Capítulo 6 dessa obra foi dedicado ao
termo, isto é, mudanças, pelas quais
todas elas se mantêm fundamental-
humana’” “espelho apresentado por Maquia-
vel à democracia contemporânea”.
mente idênticas a si mesmas, mas Examinei ali principalmente os usos
sofrem também mutações naturais feitos da obra maquiavélica desde os
segundo um processo designado pelo antecipado (“ver o invisível através anos 1970 acerca do tema da liberda-
termo de “corrupção”. do visível”), a de diagnosticar o mal de política. Dentre os usos mais sig-
Diante dessa história essencial- quando ele se manifesta e, por fim, a nificativos do pensamento maquia-
mente instável das pólis, o gover- de tratar em função da gravidade do vélico sobre a liberdade, comentei
nante e o pensador político, segundo mal. Observa-se, assim, que, em caso aquele que Q. Skinner faz, apoiando-
Maquiavel, devem se assemelhar ao de crise, Maquiavel parece tomar -se em Maquiavel para lançar um
médico e tomar emprestado à arte emprestado ao tratado hipocrático alerta aos liberais. Segundo ele, estes
definida pela tradição hipocrático- O regime das doenças agudas a ideia se apoiam equivocadamente numa
-galênica diversas competências: a de uma terapia em sentido inverso e concepção negativa da liberdade e
de prever ou fazer o prognóstico proporcional à força da doença. deveriam adotar uma visão participa-
Tema de Capa
dado fim, em termos gramscianos, ao da como um elemento estruturante e guerra, ou ainda para os escritos go-
reinado da transcendência. Incontes- unificador da vida política em Roma. vernamentais. Sua escrita e composi-
tavelmente, ele concentra sua aten- O juramento tem uma dimensão re- ção são certamente determinantes, e
ção nas condições humanas da ação ligiosa. O apego aos deuses romanos poucos são aqueles que veem nesse
política. No entanto, não se pode “viriliza” os cidadãos. texto, como o historiador Paul Veyne,
afirmar sem nuanças que, para ele, Na medida em que Roma encar- um simples “bibelô de época”. É notá-
o campo político seja isento de qual- nou, para Maquiavel, o paradigma da vel o fato de ele ser lido mais além do
quer forma de intervenção divina. De liberdade, não podemos deixar de meio acadêmico, mesmo que seja de
resto, penso que esse ponto não é o nos perguntar sobre o papel desem- forma excessivamente simplificadora:
mais interessante a ser discutido na penhado pela religião, além do confli- best-seller editorial para conquistar
exegese maquiavélica: qualquer que to civil, no advento e na manutenção um lugar amoroso ou comercial e, ul-
seja o lado para o qual pese a balança da liberdade, de acordo com a visão timamente, parental e educativo.
interpretativa, a parte do “livre arbí- dele. A concepção rousseauniana da O contexto político e geopolítico
trio humano” é o que lhe interessa na religião civil suscita também essa in- mudou radicalmente. É difícil a priori
verdade. dagação. Entretanto, a resposta, a imaginar que o cidadão ou o gover-
Muito mais latente em sua refle- partir de Maquiavel, é complicada, so- no de uma sociedade democrática
xão é o papel político que uma reli- bretudo se a pergunta for formulada tenha algo a aprender com O Prínci-
gião pode desempenhar. Mais além na sua “tradução” contemporânea: pe. No entanto, este texto repercute
da dimensão biográfica, desde o efei- dispomos, hoje, de um equivalente como um clássico, principalmente em
to que os sermões de Savonarole pro- da religião romana? Uma democracia relação aos conselhos prodigados so-
duziram sobre o jovem Maquiavel até tem as mesmas necessidades políti- bre as condições instáveis e incertas
o papel desempenhado pelo papado cas da república romana referida por da ação política. E isso, ao contrário,
na sua vida depois de sua exclusão Maquiavel nos Discursos? deve nos levar a indagar: até que pon-
da chancelaria florentina, Maquiavel to agimos diferentemente num regi-
faz da religião um objeto de reflexão IHU On-Line - Qual é a atualida- me democrático e num principado?
obrigatório para todo e qualquer ator de de O Príncipe após 500 anos de Eu diria que sua atualidade resi-
político. sua publicação? de, acima de tudo, na exigência que
Marie Gaille - Como eu disse Maquiavel demonstra: exigência de
Provações políticas anteriormente, existem vários Ma- compreensão, de análise e de for-
Com ele, entramos num con- quiavel, dos quais um está especi- mulação. Ele decompõe os episódios
texto religioso pluralista: a religião ficamente ligado ao Príncipe. Este históricos que visualiza, concebe
cristã católica, que domina a sua épo- texto se destaca dos outros escritos as diferentes alternativas possíveis
ca, confronta-se com a religião civil de Maquiavel de forma incontestável do desenrolar da ação, pergunta-se
romana. Conhecemos o julgamento se seguirmos a história de sua pos- constantemente se uma delas não foi
severo que ele emite contra a primei- teridade editorial e de sua difusão, desprezada, distingue o que deve ser,
ra: chamando os homens a crer num embora hoje a exegese acadêmica etc. Pretende deixar de lado as ilu-
além, ela enfraquece a virtude deles de Maquiavel tenha cedido grande sões do pensamento e a preguiça do
e os prepara mal para as provações espaço para os Discursos sobre a pri- caráter. Temos nele um exemplo ex-
políticas da vida terrestre. A religião meira década de Tito Lívio ou mesmo cepcional do discernimento político.
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EDIÇÃO 427 | SÃO LEOPOLDO, 16 DE SETEMBRO DE 2013 33
Maquiavel, o precursor das
Tema de Capa
revoluções modernas
A ruptura com a tradição e a violência que isso implica está na base do pensamento
maquiaveliano, analisa Riccardo Fubini. Uma inversão do jusnaturalismo tradicional e
um consequente ateísmo político também podem ser verificados em seus escritos
“S
egundo Maquiavel, a ‘moral’ (no to de Maquiavel, que ultrapassa, sem sequer
sentido individual do termo) não se discutir, a tradicional doutrina de fundamento
apoia sobre uma norma objetiva, aristotélico”. Tido como pensador basilar das
estabelecida por Deus ou pela natureza, mas revoluções inauguradas na modernidade, o
sim sobre um ordenamento humanamente florentino é lembrado, ainda, pela “suposta ‘se-
estabelecido. A força ‘põe’ a lei, e esta última paração’ da política da moral, e a consequente
constitui a garantia da moral comum. Trata-se, ‘autonomia’ da política”. Para Fubini, trata-se
em outros termos, da inversão do jusnaturalis- de uma “fórmula de conveniência, em tem-
mo tradicional. Se este último era fundamen- pos posteriores, para a justificação, ao mesmo
tado em uma teologia (estoica, cristã), em Ma- tempo, do Estado e da moral burguesa”.
quiavel temos, em termos consequenciais, um Riccardo Fubini leciona na Università degli
ateísmo político”, assinala o filósofo italiano Studi di Firenze, na Itália, onde ensina sobre a
Riccardo Fubini, em entrevista concedida por História do Renascimento. É autor de, entre
e-mail à IHU On-Line. E completa: “O sentido outros, Quattrocento fiorentino. Politica, di-
de uma ruptura de tradição, e da violência plomazia, cultura (Pisa: Pacini, 1996).
que ela implica, está na base do pensamen- Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais são as pe- da virtude intelectual da “prudência” está a própria ideia de justiça, ou, o
culiaridades do pensamento polí- sobre as paixões que movem a “von- que é o mesmo, a lei natural desejada
tico renascentista? E que posição e tade”. Uma influência determinante por Deus.
importância Maquiavel ocupa nes- e inseparável também é a do pensa- No princípio jusnaturalista, o
se contexto? Qual é a novidade do mento jurídico, isto é, do direito ro- pensamento jurídico medieval se
pensamento de Maquiavel em rela- mano interpretado pelos glosadores encontra com a teologia das gran-
ção ao pensamento político corrente e comentaristas, dos quais o principal des escolas da filosofia escolástica,
daquele período? foi Bártolo da Sassoferrato1. Daí deri- difundida na sociedade citadina na
Riccardo Fubini - Antes de falar vam, além dos conceitos básicos de pregação das ordens mendicantes.
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de pensamento político em abstra- “utilidade pública” e do primado da Mesmo descendo para o plano dos
to, deve-se ter presente que a pers- lei sobre o arbítrio individual, a noção grandes princípios ao mais modesto
pectiva antes de Maquiavel é a da da intangibilidade da própria lei, além da realidade político-social, o concei-
cidade-estado de Florença e das suas da variedade das interpretações e das to de “inovação” continua carregado
tradições. A cidade comunal, nas suas circunstâncias particulares. Aquilo de valor negativo, como violação de
tradições dos séculos XIII e XIV, adap- que para nós hoje é lei constitucional, uma “ordem” dada e comumente
tou às suas estruturas institucionais na legislação citadina comunal é en- participada.
e à mentalidade corrente as concep- tendida como reta interpretação de
ções aristotélicas na sua interpreta- uma tradição inviolável, em cuja base Historiografia renovada
ção e divulgação tomista. Os pontos A evolução política e institucio-
salientes são a soberania popular, nal de Florença a partir das últimas
1 Bártolo de Sassoferrato (1313-1357):
que se expressa através do voto rigo- Jurisconsulto medieval, reconhecido por
décadas do século XIV pôs em evi-
rosamente secreto dos Conselhos, o seu trabalho proeminente com Direito dência a crise de tais princípios. Na
primado do “bem comum” sobre os Romano. Seus estudos defendiam a legi- constituição do Estado regional, Flo-
timidade dos governos despóticos italia-
interesses particulares, a prevalência nos (Nota da IHU On-line).
rença reivindicou para si aquele prin-
Tema de Capa
cabia apenas aos poderes universais de humana. A ética política, ao estar criação do cargo de Gonfaloneiro vi-
da Igreja e do Império, guardiões e voltada a finalidades mais elevadas, talício) para adquirir o caráter de uma
garantes de qualquer outra legislação é distinta da meramente individual. verdadeira senhoria. 2) A expulsão do
inferior. Na consequente centraliza- A finalidade do Estado está voltada herdeiro de Lorenzo, Piero de Medici
ção do poder interno, desapareceu à ampliação dos seus poderes. Segu- (1494), na circunstância da queda na
o equilíbrio entre o órgão executivo ramente, é exaltado o regime “civil” Itália de Carlos VIII7, rei da França. As
da Signoria (os Priores das artes e republicano da cidade, que, ao con- pretensões, em Florença, de restri-
Gonfaloneiros de justiça, com os seus trário dos principados, fundados na tos grupos oligárquicos de conservar
dois “colégios” consultores e delibe- fidelidade feudal, contempla a igual- os velhos poderes foram abatidas
rativos) e os Conselhos citadinos (“do dade dos cidadãos no respeito da lei. pela proclamação de uma forma de
Povo” e “da Comuna”), que perderam Mas o governo também é julgado em regime até então desconhecida, que
de fato aquele papel representante relação à sua eficiência, e com isso se restituía a soberania efetiva ao povo
da cidade inteira que, contudo, o di- diferencia daquele meramente parti- na forma do Conselho Maior. Este era
reito estatutário lhes atribuía. Essa cipativo e administrativo da idade co- formado de direito por todos aqueles
foi a idade chamada da “oligarquia”, munal. Em tudo isso, as Histórias, de cidadãos que, em direito próprio ou
isto é, dominada por grupos restritos, Leonardo Bruni, constituem um ante- hereditário, remontando até a quarta
que controlavam, em uma crescente cedente essencial para o pensamento geração, tivessem feito parte dos re-
impopularidade, a cada vez mais am- político e historiográfico de Maquia- gimentos passados. Em outras pala-
biciosa política da Comuna, que se vel e Guicciardini4. vras, a forma do governo de regimen-
tornou (assim como o ducado de Mi- to (muito diferente dos Conselhos de
lão, da república de Veneza, do Esta- Novidade x tradição memória comunal) era preservada,
do da Igreja, do reino de Nápoles) um A razão da originalidade desses mas excluindo dela o componente
dos principais potentados da Itália. dois escritores políticos reside na faccioso e, portanto, legitimada como
Aquela legitimação que a oligarquia mudança radical da situação político- constituição “nova”. Em outros ter-
dominante não sabia mais encontrar -constitucional de Florença. Enfatizo mos, a novidade deixava de ser uma
nos princípios do direito e da doutri- a esse respeito duas fases sucessivas. conotação negativa, ou, em outras
na foi buscada na propaganda, mas 1) O advento do regime dos Médici5 palavras, a referência à tradição não
sobretudo em uma renovada histo- e, de modo particular, o governo de constituía mais uma norma legitiman-
riografia, capaz de reinterpretar a his- Lorenzo, o Magnífico 6(1469-1492), te. Quem afirmou isso não foi um ho-
tória da cidade em chave política, isto que suprime, de fato, os resíduos da mem político, mas sim um homem de
é, do “aumento” do seu poder e da constituição comunal, substituindo- fé, inspirado na profecia bíblica, Giro-
racionalidade do seu governo. -os por uma estrutura de poder que lamo Savonarola, protagonista de tal
A obra basilar nesse sentido, aguarda apenas pela legitimação de passagem essencial. Os florentinos,
bem presente a Maquiavel, é a de afirmou ele na sua pregação, não de-
Leonardo Bruni2, Historiae Florentini 4 Francesco Guicciardini (1483-1540):
viam mais apelar ao “costume”, mas
populi (desde as origens da cidade Historiador e estadista italiano. Conside- sim à “verdade”, entendendo com
até 1402), escrita nos anos 1416- rado um dos maiores escritores políticos essa palavra a pacificação e a justiça
da Itália renascentista, era amigo e crí-
1442 e traduzida em vulgar toscano tico de Nicolau Maquiavel. Um dos pais
desejadas por Deus. Eles deviam, em
aos cuidados República (nessa forma da história moderna, revolucionou ao outros termos, prescindir do seu pas-
foi impressa em 1476 e depois no- utilizar fontes oficiais e documentos do sado e fazer “coisas novas”.
governo para escrever a história da Itália
vamente em 1491). Ao contrário das (Nota da IHU On-line).
crônicas, que se referem às Sagradas 5 Casa de Médici: Dinastia política ita- Ruptura de tradição
Escrituras, e, quase constantemente, liana que começou a ganhar proemi- E com isso chegamos a Maquia-
nência com Cosme de Médici, em 1434.
à concepção providencialista de Paolo vel, aparentemente nos antípodas
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Foram a primeira dinastia a ganhar seu
Orosio3, as Histórias, de Bruni, são ra- status não pela guerra, casamento ou de Savonarola, na realidade, embo-
dicalmente secularizadas: a variação influência, mas pelo comércio. A família ra nas suas convicções materialistas,
foi a fundadora do Medici Bank, insti-
dos eventos é atribuída ao acaso (ou tuição financeira que se tornou uma das
profundamente influenciado por ele.
“sorte”), o sucesso ou o insucesso das maiores da Europa do século XV (Nota da Nas suas Istorie fiorentine, ele distin-
IHU On-line). gue uma república a ser ordenada
6 Lourenço de Médici (1449-1492): Es-
2 Leonardo Bruni (1369-1444): Filósofo tadista italiano também conhecido como
(isto é, diríamos nós, a ser reforma-
humanista, historiador, chanceler italia- Lourenço, o Magnífico. Neto de Cosme da), ou, vice-versa, a ser reordenada
no e secretário papal de quatro pontífi- de Médici, assume o papel de soberano (isto é, a ser re-ordenada de cima a
ces. É reconhecido como um dos primei- de Florença aos 20 anos de idade. Dife-
ros historiadores modernos (Nota da IHU rente de seu avô, Lourenço não foi bem
baixo na sua própria constituição). O
On-line). sucedido ao gerenciar o banco da família sentido de uma ruptura de tradição, e
3 Paulo Orósio (385-420): Historiador, e nem em utilizar as riquezas para neu-
teólogo e sacerdote cristão. Desenvolveu tralizar a oposição, o que resultou em
estudos em teologia, chegando a ser co- uma conspiração que quase o tirou do 7 Carlos VIII (1470-1498): Rei da Fran-
laborador de Santo Agostinho. Escreveu poder em 1478. O soberano ganhou a ini- ça da Dinastia de Valois, era conhecido
obras que ainda hoje são referenciais mizade do papa Sisto IV, enfrentou duras como O Afável. Seu reinado foi marcado
para a historiografia da Idade Antiga e da batalhas para se manter no poder (Nota por tentativas de conquistar o Reino de
Idade Média (Nota da IHU On-line). da IHU On-line). Nápoles (Nota da IHU On-line).
Tema de Capa
quiavel é ignorar os “caminhos do de dos novos súditos, para além das Ocidente?
meio”, isto é, diríamos nós, as vias velhas dependências e costumes feu- Riccardo Fubini – A este ponto
de compromisso). O Príncipe não foi dais. Os Discursos referem-se a outra cada um pode dar a sua resposta. O
escrito em relação à mãe-pátria flo- problemática, sobre como implantar importante, como se pode ver a par-
rentina, mas sim na perspectiva de um regime duradouro nas repúbli- tir desta entrevista, é que se conti-
um “principado novo”, isto é, aquele cas (no modelo de Roma, descrito na nua discutindo sobre Maquiavel. Por
que o Papa Leão X11 pensava para o primeira Decade de Tito Lívio), e têm exemplo, a “apatia política” sobre a
irmão Giuliano no complexo de Par- como argumento principal a força, qual você escreve, se traduz perfei-
ma, Piacenza, Modena e Reggio (em inevitavelmente também expansiva, tamente na linguagem de Maquiavel,
torno daquele que depois se torna- que deriva da participação popular, no “ócio”, o principal dos vícios que
ria o principado Farnese), esperando como no caso da inserção dos ple- ele indica em contraste à “virtude”
Maquiavel ser nomeado na ocasião beus no aparato de governo na Roma ativa dos seus heróis políticos. O mes-
como “secretário” do “príncipe novo”. antiga. O adversário mais direto é, mo pode ser dito sobre a “corrupção”,
As violências, por exemplo, de Cesare neste caso, para Maquiavel, as re- que em Maquiavel tem o significado
Borgia12, são indicadas como meios públicas aristocráticas, antigamente estendido da impotência da lei para
Esparta, modernamente Veneza, cuja se fazer valer; daí a necessidade do
11 Papa Leão X (1475-1521): Papa cató- duração, tão exaltada pelos escrito- advento de um novo Legislador. Para
lico durante a Reforma Protestante. Nas- res, na realidade, não é senão inércia, responder mais completamente, se-
cido Giovanni di Lorenzo de’ Medici, foi ou, diríamos nós, egoísmo de classe. ria necessário um cientista político
o último não sacerdote ser eleito Papa
(Nota da IHU On-line). IHU On-Line - A partir das con- dotado de virtude profética, como
12 César Bórgia (1475-1507): Príncipe, cepções políticas de Maquiavel, como evidentemente eu não sou. Mas isto
cardeal e nobre italiano durante a podemos pensar fenômenos como a basta para indicar a magnitude dos
Renascença. Após o assassinato de
seu irmão, abandona a vida religiosa e apatia política e a corrupção, larga- problemas que, por vias mais ou me-
torna-se Duque de Valentinois. Após a nos diretas, Maquiavel ainda levanta.
morte de seu pai, o Papa Alexandre VI,
é incapaz de manter o poder por muito Bórgias. César chegou a ser preso, mas
tempo pois quem assume o papado é o conseguiu escapar e morreu em batalha
Papa Júlio II, reconhecido inimigo dos na Espanha.) (Nota da IHU On-line).
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batalha
Investigação maquiaveliana sobre a natureza do poder, o que ele é e como se o
exerce segue atual, assevera Marco Vanzulli. Trata-se de um pensamento que
analisa de modo lúcido a “política antes do advento do pensamento único da
liberal-democracia”
É
preciso fazer tábula rasa das interpre- nos anos 1700, fora de si um imenso desen-
tações que, até o século XVI, se sobre- volvimento dos estudos sobre o funciona-
puseram à obra de Nicolau Maquiavel, mento econômico dos Estados e comércios,
aconselha o filósofo italiano Marco Vanzulli os estudos monetários, as teorias da melhor
em entrevista concedida por e-mail à IHU On- economia nacional”. E assevera: “A leitura de
-Line. “Nesse sentido, a obra de Maquiavel é Maquiavel consente-nos voltar, sem preten-
um autêntico campo de batalha. Ler Maquia- são, às formas de desunião social, a um pen-
vel por Maquiavel pode parecer, de um lado, samento que olha lucidamente para a política
uma operação difícil ou até mesmo ingênua antes do advento do pensamento único da
ou irrealista, como a que pretende voltar a liberal-democracia”.
uma pureza do original”, observa. Em seu Marco Vanzulli é doutor em Ciências Hu-
ponto de vista, “um tema de grande inova- manas pela Universidade de Nice Sophia Anti-
ção em Maquiavel é ter juntado à tradicional polis — UNSA, na França, com a tese L’idée de
teorização sobre o exercício do poder grande science chez Vico. Mythe et anthropologie. Le-
atenção às maneiras de sua conquista”. Van- ciona na Universidade degli Studi di Milano-
zulli examina também como Maquiavel e Vico -Bicocca, na Itália. É autor de, entre outros, La
procuravam compreender a tradicional ques- scienza delle nazioni e lo spirito dell idealismo.
tão do caráter instável das democracias. “De Su Vico, Croce, Hegel (Milano: Guerini e Asso-
um lado, a política constitui-se claramente ciati, 2003) e La scienza di Vico. Il sistema del
na esfera autônoma do pensamento, e, de mondo civile (2ª ed. Milano: Mimesis, 2006).
outro, essa autonomia vê crescer, sobretudo Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a impor- to realista. Refiro-me naturalmente à constitui a sua atitude para julgar as
tância do pensamento de Maquiavel audácia de O Príncipe, uma ousadia relações entre os homens. Um passo
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para a filosofia política de seu tempo que atravessa toda a obra, mas que é audacioso, o de Maquiavel, que se
e para a filosofia política dos nossos expressa de modo felicíssimo no Ca- pode encontrar na celebérrima tese
dias? pítulo XV, e na famosíssima admoes- sobre a relação entre a grandeza do
Marco Vanzulli - Maquiavel tação para “buscar a verdade efetiva império romano e a desunião da ple-
expressa uma filosofia política que da coisa”. No texto, essa admoesta- be e do senado, no Capítulo 4, do Li-
pretende romper com toda a tradi- ção — o “realismo” de Maquiavel, vro I dos Discursos, ou na temática,
ção precedente. Considere-se o uso como se diz — é imediatamente usa- tratada tanto em O Príncipe quan-
contínuo dos advérbios adversativos, da para redefinir a atitude do prínci- to nos Discursos, sobre a fundação
que seguem a referência à opinião pe para com a ética e a religião (e as do governo popular, que não é um
comum, particularmente, mas não duas coisas, do ponto de vista de Ma- fundamento instável, sobre terreno
exclusivamente, em O Príncipe. Essa quiavel, são uma só coisa, uma vez pantanoso, como no ditado popular
sua atitude nas comparações entre que está ausente nele a considera- (veja-se o Capítulo IX, sobre o princi-
a tradição e a imaginação literária é ção da religião como transcendência, pado civil de O Príncipe, e em muitas
devido à sua nítida distinção entre o como algo que não seja humano, isto passagens dos Discursos), mas a mais
pensamento utópico e o pensamen- é, divino, teologia), mas, em geral, sólida base política.
Tema de Capa
Agora, se considerarmos que como marxista, punha-se a pergunta “prognóstico” e não de “progresso”.
Maquiavel é um autor fundamental- da tomada do poder — tinha achado- No entanto, mesmo sobre este ponto,
mente anticínico, compreenderemos -o particularmente interessante). Seria, aconselho, entre outros, a leitura, no
que o seu “realismo” não é desapego todavia, um erro para qualquer um que contexto dos Discursos, no Proêmio ao
das coisas humanas, porque, como no desejasse entender Maquiavel (um Segundo Livro, no qual Maquiavel, an-
fundo sempre se alerta (com algumas erro que foi cometido desde o século tes de confirmar que os antigos eram
exceções, que depois talvez teremos XVI) tomar essas considerações fun- melhores do que os modernos e que
oportunidade de indicar), a sua escri- damentais sobre poder como meras os romanos eram os mais virtuosos
ta é também ação política. Como bem conclusões técnicas, como regras ma- dos italianos, explora com profundi-
escreveu Frederico Chabod, em Ma- nualísticas boas para cada uso, separá- dade admirável a natureza do nosso
quiavel a capacidade lógica e a com- -las do quadro filosófico maquiaveliano olhar histórico.
preensão profunda da realidade reali- sobre o homem e sobre a sociedade
zam-se e tornam-se pensamento vivo em que estão colocados. Rompimento
e orgânico apenas por intermédio de Maquiavel é um clássico, cujas
uma poderosa e inesgotável imagina- IHU On-Line - Em que sentido páginas devem ser reconhecidas, ou
ção. Agora, o pensamento imaginativo as ideias desse pensador ajudam a seja, além de mostrar-nos, de um
de Maquiavel não é separável da sua compreender as questões de teoria lado, um autor que pensa diferente-
capacidade de análise; é, na verdade, da história e da política? mente de nós, com outras categorias,
a alma. Todos esses motivos devem Marco Vanzulli - A primeira ope- outra temporalização dos eventos,
ser levados em consideração, se se de- ração a fazer é, sem dúvida, a de pro- por outro lado, mostra-nos um au-
seja compreender a peculiaridade do curar ler Maquiavel por Maquiavel; tor que pensa como nós, que coloca
pensamento de Maquiavel. em outras palavras, fazer tábula rasa as questões que estão em curso, e,
Do ponto de vista mais estrita- de todas as interpretações que, até o por isso, para o futuro, os problemas
mente da teoria da política, continua século XVI, sobrepuseram-se à obra sobre os quais sempre se meditará.
a ser fundamental a investigação de maquiaveliana (tivemos pesadas e Em segundo lugar, Maquiavel, com
Maquiavel sobre a natureza do poder, volumosas no próprio recente século talento e perspicácia inigualáveis, es-
sobre o que ele é e como se o exerce. XX). Nesse sentido, a obra de Maquia- tabeleceu a questão da relação entre
Como se observou, um tema de gran- vel é um autêntico campo de batalha. força e imaginação no mundo políti-
de inovação em Maquiavel é ter jun- Ler Maquiavel por Maquiavel pode co de modo muito concreto, de uma
tado à tradicional teorização sobre o parecer, de um lado, uma operação forma que deveria ser questionada
exercício do poder grande atenção às difícil ou até mesmo ingênua ou irre- também a partir das questões de his-
maneiras de sua conquista (Bobbio1 ob- alista, como a que pretende voltar a tória política contemporânea. Vê-se
uma pureza do original, eliminando, em muitos contextos: toda a exposi-
de repente, toda a Wirkungsgeschi- ção incomum da virtude do príncipe,
1 Norberto Bobbio (1910-2004): filósofo
e senador vitalício italiano. Considerado
chte2, que constituiria, segundo uma a partir do capítulo XV de O Prínci-
um dos grandes intelectuais italianos, tradição hermenêutica, o próprio sen- pe, é atentíssima, é mesmo focada
Bobbio era doutor em Filosofia e Direito tido da obra. Essa operação, de outro no motivo da “reputação”, ou seja,
pela Universidade de Turim, fez parte
do grupo antifascista Giustizia e Liberta
lado, é tornada substancialmente mais sobre a imaginação que o povo tem
(Justiça e Liberdade). Adepto do socialis- fácil em uma comparação direta com do príncipe: a diferença entre a ação
mo liberal, Bobbio foi preso durante uma a página maquiaveliana, que conserva real do príncipe e a imaginação que o
semana, em 1935, pelo regime fascista de
Benito Mussolini. Em 1994, Bobbio assu-
um extraordinário frescor. Maquiavel povo tem é considerada inevitável, e,
miu publicamente uma posição contra as ajuda-nos, em primeiro lugar, a com- baseando-se nela, Maquiavel rompe
políticas defendidas por Silvio Berlusconi, preender — isso pode parecer trivial, decisivamente com os tratados hu-
que representava o centro-direita nas
mas abre o caminho para uma refle- manistas quatrocentistas.
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eleições gerais. Nesta altura, escreveu
um dos seus ensaios mais conhecidos Di- xão muito fecunda, e, no meu modo
reita e Esquerda, no qual se pronunciou de ver, ineludível — o quanto mudou IHU On-Line - Em que medida a
contra a “nova direita”. Além desta obra,
Bobbio assinou e realizou mais de 1300
a nossa concepção da história política, obra de Maquiavel influencia o pen-
livros, ensaios, artigos, conferências e pela sua comparação com o modelo samento político de Vico e Gramsci?
entrevistas. Norberto Bobbio recebeu o romano e pelo seu pensar a história,
doutoramento Honoris Causa pelas uni-
versidades de Paris, Buenos Aires, Madrid, 3 Reinhart Koselleck (1923-2006): Um
Bolonha e Chambéry (France). Autor de dos mais importantes historiadores
livros de impacto, como Direita e Esquer- neiro: Contraponto, 2003. Na 89ª edição alemães do pós-guerra, destacando-se
da, tinha como principais matrizes de sua da Revista IHU On-Line, de 12-01-2004, na como um dos fundadores e o principal
obra a discussão da guerra e da paz, os editoria Memória, além de um artigo de teórico da história dos conceitos. As suas
direitos humanos e a democracia. Alguns Ricupero, um de Janine Ribeiro, foi publi- investigações, ensaios e monografias
dos livros mais recentes são: Teoria Ge- cada a biografia de Norberto Bobbio, em cobrem um vasto campo temático. No
ral da Política. Rio de Janeiro: Campus, virtude de seu falecimento aos 94 anos, geral, pode-se dizer que a obra de Kosel-
1999; Diálogo em Torno da República. Rio no dia 9-01-2004. (Nota da IHU On-Line) leck gira em torno da história intelectual
de Janeiro: Campus, 2001; Entre Duas 2 História dos Efeitos (Wirkungsgeschi- da Europa ocidental do século XVIII aos
Repúblicas. Brasília: Ed. UnB, 2001; Elo- chte). Refere-se a continua influência da dias atuais. Também é notável o seu in-
gio da Serenidade. São Paulo: Ed. Unesp, recepção de obras ou acontecimentos teresse pela teoria da história. (Nota da
2002; O Filósofo e a Política. Rio de Ja- (Nota da IHU On-line). IHU On-Line)
Tema de Capa
uma grande confiança na eficácia da lidade das monarquias, mas não há desmembrava-a em partes pré-filosó-
sua abordagem, que não aspira tanto dúvida de que, para ele, a plenitude e ficas e partes pseudocientíficas.
a colocar-se como “tratado de política”, o ápice de um percurso civil venham
mas propõe as soluções para os proble- na república popular, onde a política IHU On-Line - Qual é o limite in-
mas políticos de sua época por inter- resolve-se com transparência, e está transponível da política sobre a base
médio de uma conceptualização e, por- ausente o tema da razão de Estado. do pensamento desses dois autores?
tanto, de uma teorização da política. Mesmo Maquiavel — republicano no Marco Vanzulli - Uma diferença
Não surpreendentemente, ob- coração, como também Guicciardini, fundamental entre Maquiavel e Vico
serva-se que as últimas obras per- mesmo ele, como o amigo, acabou é que o segundo coloca fortemente
dem o vigor, a concisão figurativa da acusado de ser um mero conselhei- como tema, e em conexão com a polí-
primeira produção. Está aqui tam- ro dos tiranos! — oscila entre essas tica, as razões ligadas ao “econômico”,
bém o motivo da união entre “teo- duas formas políticas. O Príncipe, à propriedade, ao trabalho e à reivin-
ria” e “prática” característica das assim como os Discursos, bem longe dicação dos direitos; para Maquiavel,
obras de Maquiavel. Foi certamente de serem obras de “ciência política” o econômico, como escreveu Rober-
um erro de Croce (já em certo sen- geral, são, também, as respostas pre- to Esposito10, representa de alguma
tido desmascarado por Gramsci) de cisas para os problemas político-ins- maneira “o impensado”: veja-se a
tornar Maquiavel um “teórico”, um titucionais de Florença. Felix Gilberto discussão em Discursos, I, 37, sobre a
“cientista” da política. Por outro lado, mostrou-o muito bem. Portanto, o reforma agrária dos Gracos, a imobili-
essa união entre teoria e prática em horizonte do bem comum para Ma- dade que simboliza o corpo da cidade,
Maquiavel constituiu o ponto de par- quiavel está historicamente entre o dividida em dois estados de espírito
tida para interpretações arrojadas, repensar da participação popular da imutáveis (“e estão em cada república
mas absolutamente sem fundamento comunidade florentina (relançada no dois estados de espírito diversos, o do
nos textos, como aquelas atuais que período de seu amigo Soderini Savo- povo e o dos grandes”), os “grandes”
enfatizam indevidamente a noção narola) e a forma monárquica do go- e o “povo”, as considerações sobre
de “multidão” em Maquiavel, distor- verno Medici, no contexto iminente “plebe”; o público, para Maquiavel,
cendo-lhe o pensamento. O risco é o da servidão da Itália. deve ser mantido rico, e os cidadãos,
de submeter o pensamento de Ma- não demasiadamente ricos, para ter
quiavel sobre “povo” às exigências Hipoteca interpretativa a cidade virtuosa. Não são temas no-
contemporâneas, mas que não eram Para Vico, o contexto históri- vos, encontramo-los frequentemente
as do escritor florentino. Por “povo”, co impõe o desenvolvimento de um na tradição ocidental, da antiguidade
Maquiavel não compreende o que pensamento político que favoreça grega em diante. De nosso ponto de
se pensa da Revolução Francesa em ideologicamente o acesso das classes vista, a consideração da política, ao
diante. Recordemos que, em Maquia- progressistas à condução do governo, contrário, apresenta uma impureza de
vel, o “povo” opõe-se aos “grandes”, solidamente na mão da monarquia fundo, dada às exigências econômicas,
às famílias patrícias conservadoras, absoluta em quase toda a Europa. às constantes influências econômicas
mas não inclui os assalariados, a ple- Trata-se de iluminá-los. Nesse pon- na política, que se desejava, em vez
be, a parte mais pobre da população to estão as oscilações significativas disso, puro exercício de autoadminis-
florentina, que não constitui cida- nas diversas versões da Nova Ciên- tração de parte de uma comunidade.
dania em sentido próprio. O nosso cia, como mostra a maior ou menor De um lado, a política constitui-se cla-
filosofar sobre um autor não pode ênfase no argumento do recurso, as ramente na esfera autônoma do pen-
descuidar de levar em consideração mesmas variações no estilo literário. samento, e, de outro, essa autonomia
esses aspectos histórico-políticos. Mesmo em Vico, portanto, a dimen- vê crescer, sobretudo nos anos 1700
são político-prática do pensamento fora de si um imenso desenvolvimento
IHU On-Line - Quais são as prin- moderno é fundamental, não extrín- dos estudos sobre o funcionamento
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cipais questões que surgem do pen- seca, não é simples corolário de uma econômico dos Estados e comércios,
samento de Maquiavel e Vico sobre ciência geral. Ciência que, em Vico, é os estudos monetários, as teorias da
o tema do bem público? fortemente (não é por acaso que o tí- melhor economia nacional.
Marco Vanzulli - Em ambos, a tulo da sua obra principal seja Nova
atenção para tal questão está relacio- Ciência, mas os seus comentaristas A economia como “a própria
nada àquela da virtude de uma civili- raramente levaram-no a sério) dota- ciência”
zação e às formas de governo e de vida da, no entanto, de uma complexidade Tradicionalmente, a economia
cívica mais adequada para sustentá- que escapa a todas as interpretações era considerada em sintonia com a
-la, e ambos têm, tradicionalmente, dominantes. E, mesmo aqui, não se
a preocupação do caráter transitório pode insistir o bastante sobre a pe- 10 Roberto Esposito: filósofo italiano,
da república popular. Desse ponto sada hipoteca interpretativa colo- especialista em filosofia moral e política.
De sua vasta produção bibliográfica, ci-
de vista específico, poder-se-ia dizer cada pela interpretação crociana de tamos Pensiero vivente. Origine e attua-
que ambos tentam dar uma resposta 1911, que, se atribuía a Maquiavel lità della filosofia italiana (2010), Bios.
à tradicional questão do caráter ins- uma ciência que não existia, desta Biopolitica e filosofia (2008), L’origine
della politica. Hannah Arendt o Simone
tável das democracias: em Vico, no vez não compreendia o caráter do Weil? (1996). (Nota da IHU On-Line)
Tema de Capa
Para Gramsci, Maquiavel inova ao compreender a política como uma ciência
autônoma, com princípios e leis particulares, diferentes daqueles utilizados na
moral e na religião, observa Gonzalo Rojas
U
m campo autônomo, com regras de dores, mas também a política da filosofia da
jogo próprias, e que “evita a guerra e práxis, o que dá um caráter essencialmente
permite uma vida civilizada”. Essa era revolucionário” às suas ideias.
a compreensão de Nicolau Maquiavel sobre Gonzalo Rojas é graduado em Ciência
a política, explica o cientista político Gonza- Política pela Universidade de Buenos Aires
lo Rojas, na entrevista concedida por e-mail — UBA, doutor em Ciência Política pela Uni-
à IHU On-Line. Seu pensamento incomoda versidade de São Paulo — USP com a tese Os
porque “desnuda” a política, “deixa de ser o socialistas na Argentina (1880-1980). Um sé-
‘bem comum’, ou uma ‘vontade divina’ para, culo de ação política, e pós-doutor pela Uni-
pelo contrário, ser definida como a luta pelo versidade Estadual de Campinas — Unicamp.
poder e sua conservação entre os homens”. Leciona na Universidade Federal de Campina
Promovendo um cisma entre religião e polí- Grande, na Paraíba.
tica, o florentino “melhorou a técnica política Confira a entrevista.
tradicional dos grupos dirigentes conserva-
IHU On-Line - Em que aspectos rios, reações ou aprovações como o Maquiavel é um realista, do
Maquiavel é um escritor fundante da florentino. Maquiavel incomoda des- ponto de vista que estuda a realida-
moderna Ciência Política? Alguns au- nudando a política mesma, que deixa de como ela é, não como deveria ser.
tores assinalam que Maquiavel foi o de ser o “bem comum”, ou uma “von- Ele não acredita que essa realidade
autor de uma teoria política ao cindir tade divina” para, pelo contrário, ser seja imutável. Sendo a política domi-
o Estado da religião e ao separar a definida como a luta pelo poder e sua nação, conflito, toda decisão política
ética cristã da esfera política. Outros conservação entre os homens. inclui a avaliação de que grupos so-
afirmam que Maquiavel somente A principal preocupação de Ma- ciais vão se beneficiar e outros irão se
teorizou situações que presenciara, quiavel é atingir um objetivo político, prejudicar. O realismo, la veritá effet-
sem haver formulado uma teoria es- como lograr a unidade nacional italia- tuale delle cose, a verdade efetiva das
pecificamente. Qual é seu ponto de na dispersa em múltiplos principados, coisas, é um componente de uma vi-
vista? unidade lograda pela França e Espa- são moderna da política.
Gonzalo Rojas - Maquiavel é o nha; como elaborar uma estratégia
primeiro filósofo político que separa bem-sucedida para alcançar o poder IHU On-Line - O que O Príncipe
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a “política” da moral e da religião. À e como o conservar, o que, segundo tem a dizer à política de nossos dias?
diferença da teoria política clássica Sheldon Wolin1, supunha uma econo- Quais são as ideias fundamentais
(grega antiga), onde a política faz par- mia da violência2. dessa obra que encontram reflexo
te de uma totalidade, sendo a polis na práxis política do século XXI? Em
o único marco onde o homem pode que aspectos Antonio Gramsci se
1 Sheldon S. Wolin (1922): filósofo políti-
desenvolver suas atitudes individuais, co norte-americano e atualmente é pro-
“apropriou” de Maquiavel em uma
morais e intelectuais pela sua nature- fessor emérito na Princeton University. perspectiva contra-hegemônica?
za, e da teoria política medieval, onde Wolin é conhecido por ter criado o termo Gonzalo Rojas - Gramsci apre-
“totalitarismo invertido”, fazendo refe-
predomina uma visão teocrática, des- rência às tendências políticas do gover-
senta, na sua interpretação de Ma-
cendente do poder político onde este no dos Estados Unidos. Este, ao mesmo
emana de Deus, Maquiavel concebe a tempo em que promove investidas em
todo o mundo em defesa da democra- pelo filósofo político Sheldon Wolin
política como um campo autônomo, cia, assume ele próprio comportamento (1922) que versa sobre o uso racional da
que tem regras de jogo próprias. Não totalitário – partilhando semelhanças e violência. Trata-se da limitação de seu
há escritor político que tenha susci- diferenças em relação ao regime nazista uso por meio de sua aplicação sensata,
(Nota da IHU On-line). e não da sua eliminação total (Nota da
tado tantas controvérsias, comentá- 2 Economia da violência: Termo criado IHU On-line).
Tema de Capa
mos abstratos. Segundo o comunista que sim, o príncipe tem que escolher
italiano, pode-se pensar que Maquia-
vel tem em vista “quem não sabe” de Maquiavel não entre os grandes e o povo, tem que
se decidir, sem dúvida alguma, pelo
e pretende educar politicamente
“quem não sabe”, de forma positiva, era só entender povo, principalmente porque neces-
sita viver sempre com o mesmo povo,
quem deve reconhecer como neces- mas não com a mesma nobreza.
sários certos meios, mesmo próprios lucidamente o O povo só pede para não ser opri-
dos tiranos, porque deseja deter- mido, ponto de partida e chegada da
minados fins. Quem não sabe nes- drama político e interpretação dos elitistas, mas esta
sa época? A classe revolucionária, o afirmação só é real para Maquiavel
“povo”, a “nação italiana”. de civilização que nos principados onde seus habitantes
Maquiavel tem um objetivo são súditos; então, o povo é um ator
claramente político: persuadir estas se desenvolvia passivo. Mas nas repúblicas é dife-
forças a ter um “chefe” que saiba rente, porque o povo está constituído
aquilo que quer e como obtê-lo, acei-
tá-lo com entusiasmo, mesmo se suas
ante seus olhos, pelos cidadãos. Nos capítulos XXIX e
LVIII do livro I dos Discursi, Maquiavel
ações possam estar ou parecer con-
traditórias com a ideologia difundida
senão mudar um sustenta que o povo é menos ingrato,
mais sábio e constante que o príncipe.
na época, a religião. Para Gramsci, o
maquiavelismo melhorou a técnica
estado de coisas” Drama político
política tradicional dos grupos diri- Nos três livros, Maquiavel refere
gentes conservadores, mas também se pergunta também que lugar ocu- que O Príncipe deve possuir armas
a política da filosofia da práxis, o que pa ou deve ocupar a ciência política, próprias, sendo sua principal ocupa-
dá um caráter essencialmente revolu- a política como ciência autônoma, ção, durante a paz, se preparar na
cionário ao florentino. em uma concepção sistemática, coe- arte da guerra, na organização e dis-
rente e consequente do mundo, em ciplina dos exércitos, constituindo a
Superação da sociedade uma filosofia da práxis, em uma con- verdadeira ciência do governante. A
capitalista cepção do mundo. Como conclusão preocupação de Maquiavel não era
Em outra parte dos Cadernos, é geral do trabalho, consideramos que só entender lucidamente o drama po-
importante a crítica que Gramsci rea- as análises das reconceitualizações lítico e de civilização que se desenvol-
liza sobre a teoria dos partidos políti- gramscianas de Maquiavel fornecem via ante seus olhos, senão mudar um
cos elaborada pelo discípulo de Max elementos para uma filosofia da prá- estado de coisas. Era um político, um
Weber6, Robert Michels7, autor da xis contra-hegemônica que permite homem de ação que exorta à ação,
“lei de ferro das oligarquias”. Gramsci superar a sociedade capitalista. segundo Antonio Gramsci. Fiel a este
talante, mais de uma vez Maquiavel
6 Max Weber (1864-1920): sociólogo IHU On-Line - Tomando O Prín- pega a justeza da observação de seu
alemão, considerado um dos fundado-
cipe em consideração, alguns estu- admirado Dante ao falar que “em
res da Sociologia. Ética protestante e
o espírito do capitalismo (Rio de Janei- diosos apontam Maquiavel como política não se age para saber, senão
ro: Companhia das Letras, 2004) é uma absolutista. A partir dos Discursos que se sabe para agir”. Qualquer in-
das suas mais conhecidas e importantes
sobre a primeira década de Tito Lí- terpretação monoexplicativa da obra
obras. Cem anos depois, a IHU On-Line
dedicou-lhe a sua 101ª edição, de 17- vio, o florentino é tido como republi- de Maquiavel, no meu entendimen-
05-2004, intitulada Max Weber. A ética canista. Como percebe essas concei- to, expressa uma incompreensão da
protestante e o espírito do capitalismo
tualizações e o que elas expressam obra maquiaveliana.
100 anos depois, disponível para down- www.ihu.unisinos.br
load em http://bit.ly/13MmaZt. De sobre a (in)compreensão da obra
Max Weber o IHU publicou o Cadernos maquiaveliana? IHU On-Line - Rousseau afirmou
IHU em Formação nº 3, 2005, chamado
Gonzalo Rojas - Temos três que, fingindo dar lições aos reis, Ma-
Max Weber – o espírito do capitalismo.
Em 10-11-2005, o professor Antônio obras fundamentais do florentino quiavel deu lições ao povo. Qual é o
Flávio Pierucci ministrou a conferência — Os discursos sobre a década de fundamento dessa ideia?
de encerramento do I Ciclo de Estudos
Tito Lívio, O Príncipe (1513) e A arte Gonzalo Rojas - Em geral eu
Repensando os Clássicos da Economia,
promovido pelo IHU, intitulada Relações da guerra — nas quais encontramos agrupo em quatro, mas poderiam
e implicações da ética protestante para suas preocupações centrais. Consi- ser mais, as interpretações sobre
o capitalismo. (Nota da IHU On-Line)
deramos obras complementárias, de Maquiavel.
7 Robert Michels (1876-1936): sociólogo
alemão, autor de Para uma sociologia jeito nenhum excludentes. Através de 1) Benedetto Croce, interpreta-
dos partidos políticos na democracia Tito Lívio, Maquiavel pôde expressar ção conhecida como historicista: Ma-
moderna. (Lisboa: Antígona, 2001). For-
suas ideias sobre a política, a repúbli- quiavel foi um puro teórico, objetivo e
mulou a teoria da destinação oligárquica
dos partidos, conhecida como “lei de ca e o conflito. Deve-se destacar que neutro, que fez a ciência política sem
bronze”. Juntamente com Gaetano Mo- o conflito entre a plebe e a nobreza, a paixão, falou das coisas como elas são
sca e Vilfredo Pareto, é um dos formula-
plebe e o Senado, foi causa de gran- (realista) e essas coisas podem servir
dores da teoria das elites. (Nota da IHU
On-Line). deza e liberdade para Roma, e não a qualquer um.
Tema de Capa
utopia política
Na obra fundamental de Maquiavel não há um modelo, projeto ou filosofia política
que oriente a política com vistas a uma sociedade melhor, acentua Bernardo Alfredo
Mayta Sakamoto
“O
legado de Maquiavel é uma polí- atualmente as democracias representativas
tica realista. Daí a origem do ter- correm o perigo de ter seu poder centralizado
mo realpolitik e da máxima ‘o fim “de consolidar privilégios e excluir setores da
justifica os meios’”, destaca Bernardo Alfredo sociedade”, isso porque esse sistema político
Mayta Sakamoto na entrevista que concedeu, “é uma forma de governo que depende de
por e-mail, à IHU On-Line. “Percebemos que, nós. É um invento social”.
em Maquiavel, a justiça nos principados favo- Bernardo Alfredo Mayta Sakamoto é gra-
rece os príncipes. A justiça é dos mais fortes, duado e especialista em Filosofia pela Uni-
não existe a virtude de justiça. Em Hume, a versidade Nacional Mayor de San Marcos, no
justiça permeia a sociedade, é a virtude arti- Peru. É mestre em Filosofia Política pela Uni-
ficial que une a sociedade e que estabelece versidade Estadual de Campinas — Unicamp,
ordem e segurança duradoura”. De acordo onde cursou doutorado em Ciência Política
com Sakamoto, falta uma utopia em O Prín- com a tese Da ordem astronômica à ordem
cipe. “A obra encontra-se imersa na época, social: o indivíduo e a gravitação como fun-
na sua determinação histórica. Mostra-se damentos do mercado (Cascavel: Edunioeste,
explicitamente a natureza ‘besta-homem’ do 2010). Leciona na Universidade Estadual do
príncipe: aparentar, mentir, trair, matar, pos- Oeste do Paraná — Unioeste e é autor, entre
suir virtù para dominar a fortuna, aprender outros, de Filosofia Política (São Luís: Uema-
pela história fatos dos tiranos para conquistar net, 2012).
ou manter o poder”. Em seu ponto de vista, Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é o maior le- de ética, sem princípios morais, pro- compõem a sociedade: o príncipe,
gado político de Maquiavel? põe-se um projeto social sem utopia. a aristocracia e o povo. Maquiavel
Bernardo Alfredo Mayta Saka- Por quê? Porque a natureza humana apresenta as boas leis como a expres-
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moto - Suas obras, principalmente O está inserida em uma história circular, são das partes constitutivas de uma
Príncipe e os Discorsi. Em O Príncipe, a finita. O ser humano é assim, não vai república. É uma política totalmente
política apresenta-se como a relação melhorar. No caráter do bom gover- inclusiva.
de poder determinada pelo critério nante, os valores de ser e aparentar
do governante. É uma política orien- são equivalentes. IHU On-Line - Qual é a relevân-
tada para a obtenção e conservação Nos Discorsi (Comentários so- cia e atualidade de O Príncipe cinco
do poder. O legado de Maquiavel é bre a primeira década de Tito Livio), séculos após sua escrita?
uma política realista. Daí a origem do Maquiavel concebe as melhores leis Bernardo Alfredo Mayta Saka-
termo realpolitik e da máxima “o fim — as que determinam a liberdade e moto - O leitor atual de O Príncipe
justifica os meios”, que os tradutores a estabilidade política — decretadas rejeita seu conteúdo, pois descreve
anotaram e Maurice Joly divulgou no em uma república com “forma mista as práticas do governo absolutista, do
Diálogo no Inferno entre Maquiavel de governo”, isto é, as boas leis são poder de um indivíduo. Lembremos
e Montesquieu no século XIX. Em O aquelas formuladas na república que que esta obra foi originalmente um
Príncipe a prática da política é privada não exclui nenhum dos setores que manual para o governo de Lorenzo
Tema de Capa
“em toda parte só existe um princípio as origens do totalitarismo, uma so-
de justiça: o interesse do mais forte”.
Para Hume, a justiça é a virtude
falta utopia. A ciedade excludente que privilegia um
reduzido grupo social que segura o
que ordena as sociedades. Para este
filósofo empirista escocês, interessa-
obra encontra- poder. A educação para alguns privi-
legiados é fundamental para manter
do no conhecimento do ser humano
(sua obra principal é O Tratado da
se imersa na a ordem hierárquica.
equitativos: legislativo, judicial e exe- seus governantes”, La Boétie) que os Por estes critérios conceituais, O
cutivo, determinando funções e inde- deveres do cidadão na democracia Príncipe, de Maquiavel, é mais orien-
pendência entre eles. As leis dos po- representativa. Uma forma de evitar tado para o que hoje denominamos
vos são determinadas pela geografia, a centralização de poder nas demo- ciência política ou política. Por quê?
clima, etnia, costumes, crenças, espí- cracias é exigir dos representantes Considero que Maquiavel trabalhava
ritos, etc.; as melhores leis serão as a transparência de sua gestão e dos como conselheiro de principados, era
decretadas nas repúblicas com tripar- gastos públicos e a promoção da in- assessor de príncipes, esse era seu
tição de poder, pois outorgam liber- clusão social. ganha-pão. Os Discorsi são obra de
dade política a toda sua população. um filósofo político. Maquiavel pro-
Estes três pensadores tentavam IHU On-Line - Em que sentido põe uma república mista que é está-
evitar a concentração de poder em Maquiavel é um defensor da liberda- vel e justa porque equilibra as paixões
um setor ou classe social que compõe de política? dos indivíduos — expressados nos
a sociedade, por isso suas propos- Bernardo Alfredo Mayta Saka- interesses dos grupos —, através da
tas por equilibrar ou dividir o poder. moto - Ao procurar as melhores leis formulação de leis.
Tema de Capa
estáveis como objetivo da
ação política
Para Maquiavel, um bom príncipe é aquele que consegue estabelecer “um domínio
capaz de sobreviver-lhe”, adverte Alessandro Pinzani. A preocupação do florentino era
o vivere civile, ou seja, a existência política de uma comunidade, mesmo que fosse
preciso o uso de meios tidos como imorais
“F
oi um verdadeiro choque cultural, capazes de garantir uma vida livre e gloriosa
também pela linguagem crua e pela à comunidade política regida por elas. Neste
maneira direta na qual Maquiavel sentido, sua atualidade deveria consistir em
expressava seu pensamento. Até hoje certas indicar aos políticos a primazia da dimensão
passagens podem chocar o leitor contempo- institucional sobre a do seu poder pessoal”.
râneo, pouco acostumado ao estilo conciso Alessandro Pinzani nasceu em Florença
e direto dos historiadores romanos que ins- (Itália). Doutorou-se em Filosofia na Univer-
piraram o florentino. O uso de expressões sidade de Tübingen, na Alemanha. De 1997
típicas do italiano falado em Florença, que até 2004, trabalhou como pesquisador e do-
até hoje é bastante direto e cortante, contri- cente em Tübingen, onde, em 2004, obteve
bui para dar a impressão de um realismo que a habilitação e a livre-docência em Filosofia.
beira o cinismo. Mas é uma falsa impressão: Em 2001-2002, foi Visiting Scholar na Co-
Maquiavel é sempre movido por um profun- lumbia University de Nova Iorque, Estados
do senso da dimensão ética da política e por Unidos. Desde julho de 2004 é professor no
uma grande preocupação pelo vivere civile”. Departamento de Filosofia da Universida-
A ponderação é do filósofo Alessandro Pinza- de Federal de Santa Catarina - UFSC. É autor
ni na entrevista que concedeu, por e-mail, à de Maquiavel e “O Príncipe” (Rio de Janeiro:
IHU On-Line. Segundo ele, “o erro típico de Jorge Zahar, 2004), Diritto, politica e morali-
certa interpretação do pensamento maquia- tà in Kant (Milão: Bruno Mondadori, 2004),
veliano é o de fazer dele um autor maquia- Ghirlande di fiori e catene di ferro. Istituzioni
vélico, interessado somente na conquista do e virtù politiche in Machiavelli, Hobbes, Rous-
poder sem nenhuma consideração de caráter seau e Kant (Firenze: Le Lettere, 2006) e An
ético ou moral, enquanto na realidade a ação den Wurzeln moderner Demokratie. Bürger
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do príncipe (do governante, em geral) deve und Staat in der Neuzeit (Berlim: Akademie
orientar-se por esta preocupação para com a Verlag, 2009), entre outros.
criação e manutenção de instituições políticas Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em que aspectos versão manuscrita, difundida quase gens podem chocar o leitor contem-
O Príncipe continua atual 500 anos clandestinamente nas cortes e nos porâneo, pouco acostumado ao estilo
após seu lançamento? palácios dos governos, e depois em conciso e direto dos historiadores ro-
Alessandro Pinzani - O Príncipe versão impressa. Foi um verdadeiro manos que inspiraram o florentino. O
representou um desafio à maneira choque cultural, também pela lin- uso de expressões típicas do italiano
de pensar a política e, sobretudo, guagem crua e pela maneira direta falado em Florença, que até hoje é
a figura do governante já no século na qual Maquiavel expressava seu bastante direto e cortante, contribui
XVI, quando apareceu, primeiro em pensamento. Até hoje certas passa- para dar a impressão de um realismo
Tema de Capa
preexistentes. Faltam a Maquiavel lítico deve ser malvado. Como já dis- fracassaram miseramente (Veneza,
as categorias intelectuais (históricas se, a ação política deve ter como fim cuja derrota em Agnadello8 é citada
e sociológicas) para pensar o Esta- a criação de instituições estáveis (na várias vezes nas obras de Maquiavel
do moderno; por isso ele nunca usa medida em que algo pode ser estável como exemplo negativo). Roma, pelo
o termo italiano stato para indicar o neste mundo) e isso pode levar os contrário, soube conquistar um im-
Estado, mas somente para indicar a governantes (os criadores de novos pério e a glória eterna. Além disso,
situação de poder na qual se encon- estados ou os que tentam reformar embora sua vida como república te-
tra um governante. Contudo, a maio- estados existentes) a praticar ações nha sido menor do que a de Esparta
ria dos tradutores (para português que seriam inaceitáveis, se considera- e Veneza, garantiu aos seus cidadãos
ou para outros idiomas) traduz stato das a partir de uma moral pessoal ou uma maior liberdade, chamando-os a
como Estado — o que não somente individualista. Um ato de crueldade é participar não somente de suas em-
constitui um anacronismo, mas pode condenável, do ponto de vista desta preitadas militares, mas também do
levar a interpretar erroneamente o moral, mas pode ser justificado, se governo da cidade. Poderíamos dizer
pensamento de Maquiavel. serve ao fim superior da criação ou que na opinião de Maquiavel é me-
da salvaguarda de instituições políti- lhor para uma república ser uma cha-
IHU On-Line - Em que sentido cas. Neste sentido, embora Maquia- ma forte e brilhante, embora de curta
Maquiavel desvendou a lógica da vel não pense minimamente no con- duração, do que uma vela fraca que
ação política? ceito de razão de Estado (que surgirá se consome lentamente.
Alessandro Pinzani - Em primeiro no fim do século XVI), podemos dizer Ora, é neste sentido que deve-
lugar, Maquiavel pretende identificar que há no seu pensamento a possibi- mos entender a importância superior
algumas regularidades presentes na lidade de desenvolver tal conceito. dos fins políticos sobre os fins morais.
ação dos homens políticos da Anti- O poder pelo poder não constitui, aos
guidade e de seus tempos. Isso não Chama forte e brilhante olhos de Maquiavel, um fim político
significa que haja leis históricas imutá- Botero6 ou Paruta 7(os primeiros que merece ser alcançado a qualquer
veis, embora haja em Maquiavel uma teóricos da razão de Estado) tiraram preço.
filosofia da história, a saber, a visão esta conclusão de sua leitura de Ma-
cíclica inspirada por Políbio5 (que, por quiavel, mas é provável que o florenti- IHU On-Line - Qual é a com-
sua vez, seguia Platão). Porém é ine- no questionasse a ideia de que a esta- preensão desse pensador sobre as
gável que, para Maquiavel, nada de bilidade do Estado deve ser garantida utopias políticas e em que medida
verdadeiramente novo acontece neste a qualquer preço, inclusive sacrifican- essa ideia nos ajuda a compreen-
mundo: os homens permanecem os do a liberdade dos cidadãos. Repito, a der o atual rechaço à democracia
mesmos e, em geral, nada apreendem preocupação principal de Maquiavel representativa?
do passado. Somente alguns indiví- não era com a estabilidade, mas com Alessandro Pinzani - Creio que
duos podem servir-se do estudo da uma forma de vivere civile, de exis- respondi a esta questão anteriormen-
história antiga e recente para trazer li- tência política de uma comunidade, te, quando mencionei a incapacidade
ções relevantes para sua ação. É a eles que merecesse ser realizada inclusive atual de pensarmos em alternativas
que Maquiavel endereça seus escritos. com meios considerados imorais. Por à situação existente. Por mais realis-
Para agir de maneira efetiva no âmbito isso, ele prefere o modelo de Roma ta que Maquiavel possa ser, ele não
político é necessário conhecer a natu- àquele de Esparta ou Veneza. Estas acredita na imutabilidade e inevitabi-
reza humana (imutável) e os exemplos duas repúblicas tiveram vida muito lidade de qualquer forma de governo
dos que tentaram realizar os mesmos mais longa e pacífica do que aquela, ou de qualquer situação de poder.
fins que nos propomos. Por isso, é ne- mas o preço disso foi uma vida obs- Além disso, para ele a única forma de
cessário saber como agiu Agátocles, cura, com instituições estáveis, mas vida política aceitável é a que garante
apesar de ele ser um exemplo que não que sufocavam a iniciativa dos indi- a liberdade política dos cidadãos. Se
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deveria ser seguido. víduos e, sobretudo, impediram que a democracia representativa se reve-
Em segundo lugar, Maquiavel estas cidades alcançassem a glória lar incapaz disso, deveríamos pensar
afirma a independência da política de Roma. Aliás: quando tentaram de- em alternativas. Contudo, não tenho
da moral tradicional, em particular da dicar-se à conquista de um império, certeza de que ela tenha esgotado
moral cristã. Isso não significa que a perderam rapidamente sua liberdade suas potencialidades. Parece-me, an-
5 Políbio (203 a.C. — 120 a.C.): histo- 8 Batalha de Agnadello ou Vailá: Uma
riador da Grécia Antiga. Integrante da 6 Giovanni Botero (1540-1617): ex-jesu- das maiores e mais significantes batalhas
nobreza, dedicou-se à atividade política íta, foi secretário do Cardeal Carlo Bor- da Guerra da Liga de Cambrai. Os france-
em Megalópolis. Defendeu a indepen- romeu em Milão. Foi um dos primeiros ses, comandados por Luiz XII, atacaram e
dência da região de Acaia e se elegeu teóricos das relações internacionais e da derrotaram os venezianos em Agnadello
comandante de cavalaria do exército. demografia. (Nota da IHU On-Line) em maio de 1509. A batalha é menciona-
Na sua obra, constrói uma análise das 7 Paolo Paruta (1540-1598) foi um histo- da do Príncipe, de Maquiavel, que chama
motivações e valores presentes nos fa- riador e estadista veneziano. Estudioso atenção para o fato de que em um dia
tos narrados, pretendendo produzir uma das obras de Maquiavel e Guicciandini, os venezianos “perderam aquilo que a
visão mais ampla do que a mera associa- buscou unificar as novas ideias dos pen- poder de tantos trabalhos haviam con-
ção dos acontecimentos a datas. (Nota sadores italianos com a tradição clássica quistado em oitocentos anos”. (Nota da
da IHU On-Line) ao qual pertence. (Nota da IHU On-Line) IHU On-Line)
mitam prever sempre os resultados sopra la provisione del danaio an- deste pensador.
de nossas ações (Fortuna é o principal tecipa em tudo a visão que passará
obstáculo, neste contexto). Podería- à história como visão hobbesiana:
mos dizer que, para Maquiavel, a ideia
de uma técnica do governo no sentido
os estados são sujeitos egoístas que
pensam somente em seus interesses Leia mais...
dos tecnocratas contemporâneos não e não se sentem plenamente vincula-
dos pelos tratados, considerando-se >>Alessandro Pinzani já concedeu
faria sentido nenhum.
justificados em quebrar sua palavra outra entrevista à IHU On-Line.
IHU On-Line - Que aproxima- quando isto for do seu interesse. E os
ções e distanciamentos são perceptí- dois acreditam que a natureza huma- • Os rumos do republicanismo. Entre-
veis entre Maquiavel e Hobbes? na é imutável. Contudo, Maquiavel
vista especial com Alessandro Pin-
Alessandro Pinzani - Diversa- baseia esta crença em sua filosofia
mente de Maquiavel, Hobbes vive cíclica da história, enquanto Hobbes zani. Notícias do Dia 05-12-2006,
em uma época na qual os estados a baseia em uma visão mecanicista
do ser humano (se o homem é uma disponível em http://bit.ly/1ck8qYk
nacionais são plenamente formados
Tema de Capa
Confira outras edições da revista IHU On-Line cujo tema de capa aborda autores e temas ligados à filosofia.
Destaques
da Semana
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IHU em
Revista
56 SÃO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIÇÃO 000
Destaques da Semana
Perfil
A filosofia substantiva de
Franklin Leopoldo e Silva
Franklin Leopoldo e Silva prefere de formação; depois migrou para co- viajando para Minas Gerais e por isso
a filosofia menos como verbo e mais légios maristas, onde completou a for- me considero com essa dupla ‘natura-
como substantivo. “A filosofia não é, mação básica. Em seguida foi para um lidade’”, conta. www.ihu.unisinos.br
para mim, tanto no sentido de filoso- colégio estadual no antigo ginasial,
far, mas no sentido de transmiti-la, de equivalente ao atual ensino médio. Aposentadoria – Ao contrário do
forma clara e coerente, aos alunos”, Por fim, ingressou na Universidade de que se poderia supor, a aposentado-
dispara. Apesar da contundência São Paulo — USP, onde trabalhou até ria do professor Franklin resultou em
da afirmação, quem vê o professor a aposentadoria. mais trabalho que descanso. “Minha
Franklin quase escondido detrás das Franklin nasceu, como ele mes- rotina piorou muito depois que eu me
lentes transparentes de seus óculos, mo diz, por acaso, na capital paulista, aposentei. Acabei aceitando muitos
com seu jeito tranquilo e um tanto mas não por acaso vive desde então convites para dar aula e isso acabou
quanto discreto, não imagina que na na cidade em que veio ao mundo. desorganizando minha vida”, revela.
infância foi um garoto “rebelde”, se- Seus 66 anos de vida foram vividos Atualmente, ministra cursos e aula em
gundo sua própria autodefinição. Sua na mesma cidade, mas se considera três faculdades — São Bento, São Ju-
mãe sempre exigiu que ele estudasse mais mineiro que paulista. “Nasci em das e Centro Universitário São Camilo.
em colégios confessionais, começan- São Paulo, mas como minha família é
do nos salesianos, onde foi “convida- toda do Sul de Minas e minha mãe fi- Sossego – Nas poucas horas que
do a sair”, ainda nos primeiros anos cou viúva jovem, passei muito tempo tem livre, Franklin comenta que gosta
Destaques da Semana
tema, por isso li muito Heidegger na francesa, mas a questão da língua foi mas que gerou marcas significativas
minha graduação e segui lendo até o preponderante, porque eu estudei em seu pensamento, sobretudo na
hoje”, explica. Depois das pesquisas inglês e francês, mas nunca conse- organização de seus cursos. “Durante
realizadas com Bergson, o professor gui ir adiante no alemão, embora te- algum tempo, frequentando a Facul-
passou a estudar Jean-Paul Sartre8 e, nha tentado várias vezes”, esclarece. dade Jesuíta de Filosofia e Teologia –
para melhor compreendê-lo, recorreu Franklin considera que, para um tra- Faje, convivi com o padre Lima Vaz e
a Edmund Husserl9 — fenomenologia balho de pesquisa mais sério, é preci- li toda a sua obra. Depois fui convida-
— e a Heidegger — analítica da exis- so ir aos originais, mas suas leituras de do a fazer um dos capítulos do livro
tência —, que são os geradores do Husserl e Heidegger derivam da rela- dedicado a ele. Tive uma relação pes-
pensamento de Sartre. ção deles com os franceses. soal rápida com ele e mais demorada
com seus textos. Creio que a minha
Filosofia francesa – O interesse Fé e Razão – Coube ao professor formação teria sido diferente se eu
nasceu da necessidade de fazer um dar um curso sobre filosofia medieval
trabalho durante a graduação e foi na USP e, para tanto, dedicou-se a estu- n. 102, jan.-ab. 2005, p. 5-24, publica
quando descobriu Bergson. “Meus dar amplamente a obra de Santo Agos- o artigo Um Depoimento sobre o Padre
tinho, embora não tenha lido toda a li- Vaz, de Paulo Eduardo Arantes, professor
do Departamento de Filosofia da USP,
mitt. A fascinação por noções fundadoras
teratura. Daí surgiu o interesse pelo eixo que merece ser lido e consultado com
do nazismo, disponível para download em principal da filosofia de Agostinho, fé e atenção. Celebrando a memória do
http://migre.me/uNtf. Sobre Heidegger, razão. “Como eu trabalho com filosofia Padre Vaz, a edição 142, de 23-05-2005,
confira as edições 185, de 19-06-2006, in- publicou a editoria Memória, disponível
titulada O século de Heidegger, disponível
medieval nas minhas incursões, even- para download em http://migre.me/
para download em http://migre.me/uNtv, tualmente faço trabalhos relacionados DtoL. Confira, ainda, os seguintes
e 187, de 3-07-2006, intitulada Ser e tem- à teologia, mas não é minha vertente materiais, publicados pela IHU On-Line:
po. A desconstrução da metafísica, que a Entrevista da Semana intitulada Vaz
pode ser acessado em http://migre.me/
principal. Embora trabalhe em faculda- e a filosofia da natureza, com Armando
uNtC. Confira, ainda, o nº 12 do Cader- des confessionais, minha competência Lopes de Oliveira, na edição 187, de
nos IHU Em Formação intitulado Martin é muito pequena nesse ponto de vista, 03-07-06, disponível em http://migre.
Heidegger. A desconstrução da metafísica, me/DtoR; a entrevista Vaz: intérprete
que pode ser acessado em http://migre.
mas acompanho e tenho lido muito. Pa- de uma civilização arreligiosa, com
me/uNtL. Confira, também, a entrevista rece ser uma retomada do problema da Marcelo Fernandes de Aquino, na edição
concedida por Ernildo Stein à edição 328 fé e da razão por meio da crise da mo- 186, de 26-06-06, disponível em http://
da revista IHU On-Line, de 10-05-2010, migre.me/Dtp2; os Artigos da Semana
disponível em http://migre.me/FC8R, in-
dernidade. Isso é um respiro de certo intitulados O comunitarismo cristão e a
titulada O biologismo radical de Nietzsche dogmatismo laico da filosofia”, justifica. refundação de uma ética transcendental,
não pode ser minimizado, na qual discu- O professor ressalta, entretan- na edição 185, de 19-06-06, disponível
te ideias de sua conferência A crítica de em http://migre.me/Dtpc, e Um diálogo
Heidegger ao biologismo de Nietzsche e a
to, que as discussões em torno da cristão com o marxismo crítico. A
questão da biopolítica, parte integrante temática da fé e da razão têm sido contribuição de Henrique de Lima Vaz,
do Ciclo de Estudos Filosofias da diferença mais amplas e que há uma abertura na edição 189, de 31-07-06, disponível
- Pré-evento do XI Simpósio Internacional em http://migre.me/DtpD, ambos de
IHU: O (des)governo biopolítico da vida
maior para tratar do assunto. Isso autoria do Prof. Dr. Juarez Guimarães.
humana. (Nota da IHU On-Line) porque, segundo ele, antigamente Inspirada no pensamento de Lima Vaz,
8 Jean-Paul Sartre (1905-1980): filósofo os debates sempre implicavam certo a IHU On-Line edição 197, de 25-09-
existencialista francês. Escreveu obras 2006 trouxe como tema de capa A
teóricas, romances, peças teatrais e
compromisso religioso — com o cris- política em tempos de niilismo ético,
contos. Seu primeiro romance foi A tianismo ou o judaísmo, por exem- disponível para download em http://
náusea (1938), e seu principal trabalho plo. “Há uma abertura muito grande, migre.me/DtpM. Nessa edição, confira
filosófico é O ser e o nada (1943). especialmente as entrevistas com
Sartre define o existencialismo em
tenho acompanhado como posso as Juarez Guimarães, intitulada Crise de
seu ensaio O existencialismo é um discussões e penso que seja alguma fundamentos éticos do espaço público, e
humanismo como a doutrina na qual, coisa muito importante, pois dá um a entrevista com Marcelo Perine, Padre
para o homem, “a existência precede a Vaz e o diálogo com a modernidade.
outro horizonte para a reflexão filo-
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essência”. Na Crítica da razão dialética Esse tema, em específico, foi abordado
(1964), Sartre apresenta suas teorias sófica”, avalia. por Perine em uma conferência em 22-
políticas e sociológicas. Aplicou suas 05-2007, no Simpósio Internacional O
teorias psicanalíticas nas biografias futuro da Autonomia. Uma sociedade
Baudelaire (1947) e Saint Genet (1953).
Lima Vaz – A descoberta de Lima de indivíduos? Na edição 186 da IHU On-
As palavras (1963) é a primeira parte de Vaz10 por Franklin ocorreu de forma Line, de 26-06-2006, o reitor da Unisinos,
sua autobiografia. Em 1964, foi escolhido Prof. Dr. Marcelo Aquino, SJ, concedeu
para o prêmio Nobel de literatura, que a entrevista Vaz, intérprete de uma
recusou. (Nota da IHU On-Line) 10 Henrique Cláudio de Lima Vaz civilização arreligiosa. Confira no link
9 Edmund Gustav Albrecht Husserl (1921 – 2002): filósofo e padre jesuíta, http://migre.me/DtpU. Leia, também,
(1859-1938): matemático e filósofo autor de importante obra filosófica. A a edição especial da IHU On-Line sobre
alemão, conhecido como o fundador da IHU On-Line número 19, de 27-05-2002, o legado filosófico vaziano: edição 374,
fenomenologia, nascido em uma família disponível em http://migre.me/Dto9, de 26-09-2011, Henrique Cláudio de
judaica numa pequena localidade da dedicou sua matéria de capa à vida e à Lima Vaz. Um sistema em resposta ao
Morávia (região da actual República obra de Lima Vaz, com o título Sábio, niilismo ético, disponível em http://bit.
Checa). Husserl influenciou, entre humanista e cristão. Sobre ele também ly/qE7Dm8. O último Cadernos IHU foi
outros, os alemães Edith Stein, Eugen pode ser consultado na IHU On-Line nº dedicado ao pensador, intitulado Ética
Fink e Martin Heidegger, e os franceses 140, de 09-05-2005, um artigo em que e Intersubjetividade: a filosofia do agir
Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, comenta a obra de Teilhard de Chardin, humano segundo Lima Vaz, a 42ª edição,
Michel Henry e Jacques Derrida. (Nota da disponível em http://migre.me/Dtoo. traz o texto de Antonio Marcos Alves da
IHU On-Line). A revista Síntese. Revista de Filosofia, Silva. (Nota da IHU On-Line)
Destaques da Semana
DICKINSON, Colby. Agamben and theology
(London: T & T Clark International, 2011)
Destaques da Semana
interessante ver o que acontece com certo ponto da interpretação psica-
a distinção entre filosofia e teologia nalítica, não está tão claro qual é sua
em sua obra subsequente a Opus da soberania pode própria posição. Acho que essa é uma
Dei (Opus Dei. Arqueologia do ofício área em que a obra de Eric Santner4
(Homo Sacer, II, 5. São Paulo: Editora ser uma fonte de é realmente valiosa para entender
Boitempo, 2013), onde ele postula Agamben, porque ele complemen-
duas ontologias, uma do ser e outra
do mando, o que pode corresponder
transformação ta continuamente os conceitos de
Agamben com conceitos psicanalíti-
(ou servir como objeto de) à filosofia
e à teologia, respectivamente. e criatividade. cos, e, olhando retrospectivamente, a
proposta do próprio Agamben pode,
Colby Dickinson - Uma das coi- às vezes, parecer incompleta. É como
sas que mais apreciei em Opus Dei, Isso porque ele se ele precisasse desse complemento
na verdade, foi a volta dele ao ético- psicanalítico e, ainda assim, não qui-
-filosófico ao criticar o senso de “de- corresponde à sesse lidar com ele.
ver” kantiano — algo que, na opinião
de muitas pessoas, está muito ligado a
um senso interno de mandar ou con-
inoperatividade IHU On-Line - Para Agamben, a
assinatura do sagrado foi transferida
trolar a si mesmo, se posso expressá-
-lo assim. Há muito a ser repensado fundamental da da religião para o espaço da política.
Quais são as consequências desse
ainda dentro da tradição ocidental deslocamento de perspectiva em ter-
cristã em relação ao dever, à obriga- humanidade: mos filosóficos e teológicos?
ção e à responsabilidade, para men- Colby Dickinson - Em suma, a
cionar apenas alguns conceitos cen- o fato de não consequência dessa transferência é
trais, e acho que Agamben está aqui que a política, atualmente, funciona
apontando o caminho para tal refor-
mulação, e o está fazendo de formas
termos uma como um espetáculo religioso mal
disfarçado, completada com suas
muito profundas.
Adam Kotsko - A maneira como finalidade ou conclamações à glória para perme-
ar cada gesto seu. Pode-se observar,
Agamben fala do imperativo categó- em primeiro lugar, quão “sagrados”
rico kantiano combina muito com a tarefa dada se tornaram certos espaços e pessoas
explicação psicanalítica do relaciona- políticas ao longo do tempo. De uma
previamente maneira profundamente irônica, en-
do em Tarso, na Cilícia, hoje Turquia, tão, Agamben tenta, em certo senti-
era originariamente chamado de Saulo.
Entretanto, é mais conhecido como São no mundo” do, preservar a capacidade (“original”,
ou talvez simplesmente paulina) da
Paulo, o Apóstolo. É considerado por mui-
tos cristãos como o mais importante dis- teologia de criticar a esfera política
cípulo de Jesus e, depois de Jesus, a figu-
mento desse imperativo com o supe- e sua dependência das reduções vio-
ra mais importante no desenvolvimento
do Cristianismo nascente. Paulo de Tar- rego — junto com toda a crueldade e lentas cometidas no tocante a suas
so é um apóstolo diferente dos demais. o sadismo aí implicados. Ele reconhe- representações dadas, normativas.
Primeiro porque ao contrário dos outros,
ce a existência dessa conexão escre- Embora ele seja altamente crítico em
Paulo não conheceu Jesus pessoalmente.
Era um homem culto, frequentou uma vendo uma longa nota sobre “Kant relação ao legado da teologia, falando
escola em Jerusalém, fez carreira no avec Sade”, de Lacan3, e, embora este- do ponto de vista histórico, há tam-
Templo (era fariseu), onde foi sacerdote. bém algo na tradição cristã especifica-
Educado em duas culturas (grega e judai-
mente — desde os escritos de Paulo
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ca), Paulo fez muito pela difusão do Cris- 3 Jacques Lacan (1901-1981): psica-
tianismo entre os gentios e é considerado nalista francês. Realizou uma releitura até a tentativa de São Francisco de As-
uma das principais fontes da doutrina do trabalho de Freud, mas acabou por
da Igreja. As suas Epístolas formam uma eliminar vários elementos deste autor
seção fundamental do Novo Testamento. (descartando os impulsos sexuais e de ponível para download em http://migre.
Afirma-se que ele foi quem verdadeira- agressividade, por exemplo). Para Lacan, me/zAMO, e edição 303, de 10-08-2009,
mente transformou o cristianismo numa o inconsciente determina a consciência, intitulada A ética da psicanálise. Lacan
nova religião, e não mais numa seita do mas este é apenas uma estrutura vazia estaria justificado em dizer “não cedas
Judaísmo. Sobre Paulo de Tarso a IHU e sem conteúdo. Confira a edição 267 da de teu desejo”?, disponível para downlo-
On-Line 175, de 10-04-2006, dedicou o Revista IHU On-Line, de 04-08-2008, inti- ad em http://migre.me/zAMQ. (Nota da
tema de capa Paulo de Tarso e a con- tulada A função do pai, hoje. Uma leitu- IHU On-Line)
temporaneidade, disponível em http:// ra de Lacan, disponível em http://migre. 4 Eric L. Santner (1955): Acadêmico
migre.me/FC0K; edição 32 dos Cadenros me/zAMA. Sobre Lacan, confira, ainda, norte-americano, professor do departa-
IHU Em Formação, Paulo de Tarso desafia as seguintes edições da revista IHU On- mento de Estudos Germãnicos da Univer-
a Igreja de hoje a um novo sentido de -Line, produzidas tendo em vista o Co- sity of Chicago. Seus estudos abordam
realidade, disponível em http://bit.ly/ lóquio Internacional A ética da psicaná- literatura, psicanálise, religião e filoso-
tnxDBC; edição 55 dos Cadernos Teologia lise: Lacan estaria justificado em dizer fia. É especialista em poesia alemã e em
Pública, São Paulo contra as mulheres? “não cedas de teu desejo”? [ne cède estudos do Holocausto. Ele é autor, entre
-- Afirmação e declínio da mulher cristã pas sur ton désir]?, realizado em 14 e 15 outros, do livro On The Psychotheology of
no século I, disponível em http://bit.ly/ de agosto de 2009: edição 298, de 22-06- Everyday Life. Chicago University Press.
tlt5R9. (Nota da IHU On-Line) 2009, intitulada Desejo e violência, dis- (Nota da IHU On-Line).
isso sob o falso pretexto de um senso encontrar sua libertação de tais for- min e Girard8?
predeterminado do que exatamente é ças opressoras. Tradicionalmente, na
o “sagrado”. Acho que muitas pessoas compreensão dele, era a teologia que 8 René Girard (1923): filosofo e antro-
fora dos Estados Unidos geralmente preenchia o espaço vazio entre a filo- pólogo francês. Partiu para os Estados
ficam surpresas quando veem como sofia e a poesia, dois campos inter- Unidos para dar aulas de francês. De suas
obras, destacamos La Violence et le Sacré
-relacionados com focos diferentes: (A violência e o sagrado), Des Choses Ca-
5 São Francisco de Assis (1181-1226): respectivamente, o conhecimento chées depuis la Fondation du Monde(Das
frade católico, fundador da “Ordem dos e a experiência. O movimento entre coisas escondidas desde a fundação do
Frades Menores”, mais conhecidos como mundo), Le Bouc Émissaire (O Bode ex-
Franciscanos. Foi canonizado em 1228 piatório), 1982. Todos esses livros foram
pela Igreja Católica. Por seu apreço à 6 Giorgio Caproni (1912 - 1990). Poeta, publicados pela Editora Bernard Grasset
natureza, é mundialmente conhecido crítico literário e tradutor italiano. (Nota de Paris. Ganhou o Grande Prêmio de Fi-
como o santo patrono dos animais e do da IHU On-Line). losofia da Academia Francesa, em 1996,
meio ambiente. Sobre Francisco de Assis 7 Rainer Maria Rilke (1875-1926): um dos e o Prêmio Médicis, em 1990. O seu livro
confira a edição 238 da IHU On-Line, de mais importantes poetas de língua alemã mais conhecido em português é A violên-
01-10-2007, intitulada Francisco. O san- do século XX por sua obra inovadora e seu cia e o sagrado (São Paulo: Perspectiva,
to, disponível para download em http:// incomparável estilo lírico. (Nota da IHU 1973). Sobre o tema desejo e violência,
migre.me/61MbS. (Nota da IHU On-Line) On-Line) confira a edição 298 da revista IHU On-Li-
Destaques da Semana
nexo de autores pode ser ligado atra- figura do trono vazio utilizada por
vés do foco de cada um no papel da
violência em relação à religião, es- da compreensão Agamben em O Reino e a Glória?
Adam Kotsko - Em O reino e a
glória, o objetivo de Agamben é re-
pecialmente porque cada um quer
tomar, mais ou menos, o partido das paulina do velar que o poder soberano está
forças fracas, messiânicas da história fundamentalmente vazio, e o trono
contra os poderes fortes, soberanos “messiânico” e vazio é uma imagem vigorosa para
que, do contrário, tendem a gover- expressar essa realidade (ou falta
nar as coisas. Essa certamente era sua capacidade de de realidade). Mas ele faz uma coisa
uma convergência importante de interessante com essa imagem. Ela
ideias para Benjamin, e creio que derrubar qualquer parece ser meramente uma maneira
para Agamben também. Para este de desmascarar a ilegitimidade do
último, especialmente em sua série uma de nossas poder soberano, mas ele sustenta
Homo Sacer e, anteriormente, em que também há algo positivo a ser
Linguagem e morte, há uma forte li-
gação entre sacrifício, violência e — o
representações dito. O vácuo no cerne da soberania
pode ser uma fonte de transforma-
que Girard nomearia — mecanismos
avulsos da vítima. Embora eu não
através de uma ção e criatividade. Isso porque ele
corresponde à inoperatividade fun-
chegasse a dizer que a obra deles se
sobrepõe inteiramente — e estou fa-
“divisão da própria damental da humanidade: o fato de
não termos uma finalidade ou tarefa
lando principalmente de Agamben e
Girard aqui —, certamente sou leva-
divisão” (em O dada previamente no mundo. O po-
der soberano mascara essa inoperati-
do a ver suas respectivas obras como
que formando um esforço conjunto
tempo que resta), vidade reivindicando ser a finalidade
de toda atividade humana, e des-
para iluminar as injustiças feitas à ví-
tima, as noções falsas de sacralidade está sinalizando o mascarar o poder soberano nos dá a
possibilidade de criar finalidades ou
que atuam dentro de tais mecanis-
mos e coisas afins. Penso que o fato cerne “teológico” tarefas novas e diferentes para nós.
Colby Dickinson - Eu acharia mui-
de Gianni Vattimo9 ter conseguido
interpretar Girard como alguém cuja de nossos to interessante colocar essa concep-
ção do “vácuo” no cerne da soberania
obra nos leva, em última análise, em diálogo com a noção de “perico-
rumo a uma sociedade mais “secu- mais básicos rese” de Moltmann10, em que é dito
lar”, parece apenas confirmar a lei- que a própria trindade tem um vácuo
tura independente que Agamben faz empreendimentos em seu cerne. Nesse livro, Agamben
-Line n.º 97, de 19-04-2004, sob o título edição 203, de 06-11-2006, disponível
Karl Rahner: teólogo do Concílio Vatica- em http://migre.me/vMj7, e edição 364,
no nascido há 100 anos, disponível em de 06-06-2011, disponível em http://bit. IHU: O (des)governo biopolítico da vida
http://bit.ly/mlSwUc. A edição número ly/k3Fcp3. Além disso, o IHU organizou, humana. Para maiores informações,
102, da IHU On-Line, de 24-05-2004, de- durante o ano de 2004, o evento Ciclo acesse http://migre.me/JyaH. Confira a
dicou a matéria de capa à memória do de Estudos sobre Michel Foucault, que edição 343 da IHU On-Line, intitulada O
centenário de nascimento de Karl Rah- também foi tema da edição número 13 (des)governo biopolítico da vida humana,
ner, disponível para download em http:// dos Cadernos IHU em Formação, disponí- publicada em 13-09-2010, disponível em
migre.me/11DTW. Os Cadernos Teologia vel para download em http://migre.me/ http://bit.ly/bi5U9l, e a edição 344, in-
Pública publicaram o artigo Conceito e vMjd sob o título Michel Foucault. Sua titulada Biopolitica, estado de excecao
Missão da Teologia em Karl Rahner, de contribuição para a educação, a política e vida nua. Um debate, disponível em
autoria do Prof. Dr. Érico João Hammes. e a ética. Confira, também, a entrevista http://bit.ly/9SQCgl. A edição 364, de
Confira esse material em http://migre. com o filósofo José Ternes, concedida à 06-06-2011 é intitulada ‘’História da lou-
me/11DUa. A edição 297, de 15-06-2009, IHU On-Line 325, sob o título Foucault, cura’’ e o discurso racional em debate,
intitula-se Karl Rahner e a ruptura do a sociedade panóptica e o sujeito his- inspirada na obra História da loucura, e
Vaticano II, disponível para download em tórico, disponível em http://migre.me/ está disponível em http://bit.ly/lXBq1m.
http://migre.me/11DUj. (Nota da IHU zASO. De 13 a 16 de setembro de 2010 (Nota da IHU On-Line)
On-Line) aconteceu o XI Simpósio Internacional
Destaques da Semana
Entrevistas especiais feitas pela IHU On-Line no período de 05-09-2013 a 13-09-2013, disponíveis nas Entrevistas do Dia
do sítio do IHU (www.ihu.unisinos.br).
Destaques da Semana
a exportação do petróleo produzido. Os governos assim”, pontua o geólogo. E continua: “Há um grupo
aceitaram e continuam aceitando esta condição. grande de cientistas que trabalham diretamente com
Assim, nenhuma refinaria é construída por elas a questão da água e que estão legitimamente muito
no Brasil. A razão é óbvia, pois a maioria possui preocupados com a possibilidade de autorização da
refinarias nos seus países de origem, que dependem exploração do xisto no Brasil, sem que tenhamos uma
do petróleo vindo do exterior”. Paulo Metri também definição clara dos prejuízos que isso irá causar para
critica o leilão de Libra, o qual irá conceder áreas os aquíferos”. De acordo com Scheibe, a comunidade
para a exploração de petróleo e gás natural na região científica brasileira solicitou que o xisto seja excluído
do pré-sal, na Bacia de Santos — SP. “Sobre este do leilão energético programado para os dias 28 e
leilão, que corresponde à alienação de uma riqueza 29 de novembro. Os especialistas argumentam que
no valor de, no mínimo, US$ 1 trilhão, o povo não é preciso estudar com calma as variáveis que estão
sabe de nada. Libra é um campo com as reservas contidas na exploração. Na avaliação do pesquisador,
razoavelmente medidas, então não pode ser leiloado. a extração do gás não convencional “gera problemas
Leilão é, na melhor das hipóteses, para blocos com ambientais sérios tanto do ponto de vista da
perspectiva de existência de petróleo. Só no Iraque contaminação do metano, como da contaminação
e no Brasil se leiloa petróleo conhecido existente no da água que se utiliza para fazer o fraturamento
subsolo, sendo que, no Iraque, há tanques, caças hidráulico”. E acrescenta: “Querer começar a explorar
e metralhadoras apontadas para os iraquianos. E o xisto no Brasil, sem uma infraestrutura adequada,
aqui?”, questiona. Na avaliação dele, Libra “tinha sabendo que se trata de uma exploração controlada e
que ser entregue à Petrobras, sem leilão, para esta que toda a grande produção é feita no primeiro ano,
assinar um contrato de partilha com a União, se é querer se arriscar a produzir o gás e não ter o que
comprometendo a remeter 80% do lucro líquido para fazer com ele”.
o Fundo Social, o que nenhuma empresa privada
fará”.
NO SITE DO IHU
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Destaques
da Semana
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IHU em
Revista
72 SÃO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIÇÃO 000
Agenda de
IHU em Revista
Eventos
Eventos do Instituto Humanitas Unisinos — IHU
programados para a quinzena de 17-09-2013 a
30-09-2013.
Data: 18-09-2013
Evento: A tradição religiosa: Africanista
Ministrantes: Mãe Dolores, Pai Dejair e Pai Daniel
Horário: 19h30min às 22h10min
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Mais informações: http://bit.ly/18t7x0d
Data: 23-09-2013
Evento: Foucault e as tecnologias de subjetivação
Palestrante: Prof. Dr. Castor Ruiz (Unisinos)
Horário: 19h30min às 22 horas
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Mais informações: http://bit.ly/11amEa0
Data: 25-09-2013
Evento: A tradição religiosa: Umbanda
Ministrante: Pai Nilton
Horário: 19h30min às 22h10min
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Mais informações: http://bit.ly/18t7x0d
Data: 25-09-2013
Evento: Ciclo de Cinema — Exibição do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço (Stanley Kubrick, EUA,
1968, 149 min) www.ihu.unisinos.br
Horário: 16h30min às 19 horas
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Mais informações: http://bit.ly/17rKtiT
Data: 26-09-2013
Evento: Mesa-redonda sobre Pediculose: processo de infestação, problemas decorrentes, medidas
de controle e as questões socioambientais
Debatedores: Dr. Julio Vianna Barbosa (Fiocruz), Dr. Pedro Marcos Linardi (UFMG), Dra. Maria do Carmo Ferreira (UNIRIO).
Coordenação: Profa. MS Raquel Castilhos Fortes (Unisinos)
Horário: 10 horas às 12 horas
Local: Anfiteatro Pe. Werner
Mais informações: http://bit.ly/1azASpc
Data: 26-09-2013
Evento: Mesa-redonda sobre Determinantes e Condicionantes em Saúde
Debatedores: Dra. Vera Maria Ribeiro Nogueira (UFSC), Sandro Camargo (Semae — São Leopoldo/RS). Coordenação: Dra.
Ruth Henn (Unisinos)
Horário: 16h20min às 18 horas
Local: Anfiteatro Pe. Werner
Mais informações: http://bit.ly/1azASpc
Data: 27-09-2013
Evento: Mesa-redonda sobre Miíases: processo de infestação, problemas decorrentes, medidas de
controle e as questões socioambientais
Debatedores: Dra. Cláudia Soares Santos Lessa (UNIRIO). Coordenação: Dr. José Antônio Batista da Silva (Prefeitura de
Itaboraí/RJ)
Horário: 8h40min às 10 horas
Local: Anfiteatro Pe. Werner
Mais informações: http://bit.ly/1azASpc
Data: 27-09-2013
Evento: Mesa-redonda sobre Tungíase: processo de infestação, problemas decorrentes, medidas de
controle e as questões socioambientais
Debatedores: Dr. Raimundo Wilson de Carvalho (ENSP/Fiocruz). Coordenação: Dr. Pedro Marco Linardi (UFMG)
Horário: 10h20min às 12 horas
Local: Anfiteatro Pe. Werner
Mais informações: http://bit.ly/1azASpc
www.ihu.unisinos.br
Data: 27-09-2013
Evento: Mesa-redonda sobre Vigilância Ambiental
Debatedores: Prof. Dr. Jader da Cruz Cardoso (La Salle – Canoas/RS), Alberto do Nascimento Leães (Vigilância Ambiental
de São Leopoldo/RS), Dr. José Antônio Batista da Silva (Prefeitura de Itaboraí/RJ). Coordenação: Dr. Raimundo Wilson de
Carvalho (ENSP/Fiocruz)
Horário: 14 horas às 16 horas
Local: Anfiteatro Pe. Werner
Mais informações: http://bit.ly/1azASpc
IHU em Revista
Veja algumas das edições já publicadas da Revista IHU On-Line
Rock’n’roll na veia
Edição 212–Ano–VII-19-03-2007
Disponível em http://bit.ly/ySPITJ
www.ihu.unisinos.br
Que universidade o País necessita?
Edição 90-Ano-IV-01-03-2004
Disponível em http://bit.ly/17tdY0O
IHU em Revista
Abordagem interdisciplinar da
saúde pública em debate
A Unisinos sediará, nos dias 26 e 27 de setembro, o II Seminário do Mercosul
sobre pediculose, escabiose e tungíase, onde profissionais de várias áreas
discutirão o tema
Marcadas pelo tabu e pelo preconcei- mação, às condições de moradia e aos ser-
to, inclusive entre profissionais das áreas da viços municipais. Não raro, seres humanos e
saúde, doenças como pediculose (piolho-da- animais domésticos dividem o mesmo espaço
-cabeça), escabiose (sarna) e tungíase (bicho- de convívio, favorecendo o surgimento de en-
-do-pé) serão o centro das discussões no II fermidades entre uma camada social com o
Seminário do Mercosul sobre pediculose, mínimo de condições básicas de renda e hi-
escabiose e tungíase: uma abordagem inter- giene”, avalia Gelson. “Os parasitas e vetores,
disciplinar, que será realizado nos dias 26 e geralmente, possuem um ciclo de vida curto.
27 de setembro no Auditório Pe. Werner, na Assim, apresentam intensa multiplicação com
Unisinos, em São Leopoldo. A proposta do número elevado de indivíduos. As populações
evento, coordenado pelo professor mestre que vivem em situação de miséria, pobreza e
Gelson Luiz Fiorentin, que concedeu entrevis- vulnerabilidade social geram considerações
ta por e-mail à revista IHU On-Line, é “capaci- favoráveis para multiplicação e manutenção
tar nossos agentes (públicos) e ampliar o nú- do ciclo desses animais em suas habitações”,
mero de pessoas trabalhando nessas áreas”, complementa.
explica Gelson. Gelson Luiz Fiorentin é graduado em
Segundo o coordenador do evento, há Ciências e em Biologia pela Unisinos. Fez
uma carência de ações objetivas no sentido mestrado em Biociências (Zoologia) pela Pon-
de garantir acesso à informação e prevenção tifícia Universidade Católica do Rio Grande do
junto às comunidades mais vulneráveis, so- Sul — PUC-RS. Atualmente é professor titular
bretudo quando se leva em conta a carência da Unisinos e professor titular da Universida-
de profissionais para a área. “A desigualdade de Luterana do Brasil — Ulbra.
social e a miséria potencializam a incidência Confira a entrevista.
www.ihu.unisinos.br
entre a população com menor acesso à infor-
IHU On-Line – Quais são os obje- podem causar, principalmente, na co- -pé) apresentam uma característica
tivos do II Seminário do Mercosul so- munidade escolar. comum, que é o prurido (coceira),
bre pediculose, escabiose e tungíase? muitas vezes bastante intenso. Esse
Gelson Luiz Fiorentin - Trata-se IHU On-Line - Como cada uma sintoma, aliado a outros, pode gerar
de um seminário que visa salientar dessas doenças se manifesta e quais irritação e consequentemente alterar
a importância conjunta entre educa- são suas características? o rendimento escolar.
dores e gestores das áreas de saúde, Gelson Luiz Fiorentin - A pedi-
ambiente e assistência social sobre culose (piolho-da-cabeça), a esca- IHU On-Line - Alguma dessas
os prejuízos que esses organismos biose (sarna) e a tungíase (bicho-do- doenças pode levar à morte? Como?
1 Estratégia de Saúde da Família: o carência, podemos destacar que pare- qual atravessamentos como a misé-
programa visa a reorganização da atenção ce não haver interesse, por muitos ad- ria, a degradação ambiental, a falta
básica em saúde no país, conforme os
preceitos do Sistema Único de Saúde - ministradores, com a saúde das pes- de infraestrutura, o difícil acesso à
SUS. É coordenado pelo Ministério da soas que mais necessitam. Estamos informação e aos serviços públicos
Saúde, em conjunto com os gestores
estaduais e municipais, e executado por precisando educar para a prevenção. se manifestam aos pares, não há
equipes multiprofissionais compostas Nesse contexto, as crianças e adoles- espaço para uma única visão, pois
por, no mínimo: um médico generalista
ou especialista em Saúde da Família ou centes são os que sofrem as maiores as expressões da questão social se
médico de Família e Comunidade; um consequências. manifestam sob vários prismas, ne-
enfermeiro generalista ou especialista em
Saúde da Família; um auxiliar ou técnico
cessitando, dessa forma, da soma
de enfermagem; agentes comunitários dos conhecimentos.
de saúde. Eventualmente, as equipes dentista generalista ou especialista em
contam também com profissionais de Saúde da Família e auxiliar e/ou técnico
saúde bucal, entre os quais cirurgião- em Saúde Bucal. (Nota da IHU On-Line).
IHU em Revista
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TAHAN, Malba. O homem que calculava, 79. Ed. Rio de Janeiro: Editora
Record, 2010.
Programação
Data: 28-10-2013
Data: 02-10-2013 Evento: Reconhecimento de culturas, direito à terra
Evento: A Constituição no Supremo Tribunal Fede- e a Constituição Federal de 88.
ral: a (des) construção da democracia brasileira Mesa redonda com Prof. Dr. José Otávio Catafesto
Palestrante: Prof. Dr. Adriano Pilatti – Instituto de de Souza – LAE/UFRGS e Profa. MS Janaina Cam-
Direito/PUC-Rio pos Lobo – INCRA - UFRGS.
Horário: 17h30min às 19h Horário: 20h às 22h
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
twitter.com/ihu http://on.fb.me/o26cNs