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eração da prestação relativa ao tempo posterior.

As prestações duradouras implicam a atribuição de um regime especial de extinção aos


contratos que as incluem, sendo que o facto de estes se poderem prolongar no tempo implica
que a lei deva assegurar também alguma limitação à sua duração, sob pena da liberdade
económica das partes poder ficar seriamente comprometida.
Portanto, a lei tem de assegurar uma delimitação temporal aos contratos de execução
duradoura, o que é realizado através do acordo prévio das partes fixando um limite temporal
ao contrato – caso em que o decurso do tempo importa a extinção do contrato por caducidade
– ou, quando isso não sucede, através do instituto da denúncia do contrato. A denúncia do
contrato é um instituto típico dos contratos de execução duradoura, caracterizando-se por
permitir, quando as partes não houverem fixado a duração do contrato, que qualquer delas
proceda à sua extinção para o futuro, através de um negócio jurídico unilateral receptício.
Assim, se alguém celebrar um contrato de execução duradoura, o contrato pode manter-se
durante um certo lapso de tempo, não vigorando ilimitadamente, uma vez que ambas as partes
têm o direito de o denunciar para o futuro.
Se forem celebrados por tempo indeterminado, os contratos de execução duradoura podem,
assim, ser denunciados pelas partes. Se não o forem, a aplicação da resolução dos contratos
não está excluída, exigindo-se, no entanto, fundamentos específicos, correspondentes à
inexigibilidade de manutenção por mais tempo do vínculo contratual. Ainda assim, o regime
da resolução dos contratos de execução duradoura sofre um desvio à regra geral, sendo que
enquanto que a resolução do contrato tem geralmente eficácia retroactiva (art.º 434.º, n.º 1,
CC), nos contratos de execução duradoura esta não abrange as prestações já executadas, salvo
se entre elas e a causa de resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas
(art.º 434.º, n.º 2, CC).
Os contratos de execução duradoura caracterizam-se também pelo facto de nestes vigorarem
com maior intensidade os deveres acessórios, pelo facto de se tratarem de relações que,
atendendo à sua duração, pressupõem uma intensa relação de confiança e colaboração entre as
partes, pressupondo uma aplicação mais intensa do princípio da boa-fé e dos deveres acessórios
de protecção, informação e lealdade em ordem a manter uma permanente confiança recíproca
e entendimento mútuo no âmbito daquele contrato. Disto decorre que, se alguma das partes
vier a lesar a confiança da outra, mesmo que não incumprindo uma prestação recíproca, a parte
lesada tem o direito de resolução do contrato, com fundamento em justa causa.
Distingue-se também tradicionalmente entre prestações de resultado e prestações de meios.
Segundo esta classificação, nas prestações de resultado, o devedor vincular-se-ia efectivamente
a obter um resultado determinado, respondendo por incumprimento se este resultado não fosse
obtido. Nas prestações de meios, o devedor não estaria obrigado à obtenção do resultado, mas
apenas a actuar com a diligência necessária para que este resultado seja obtido.
Em termos de regime jurídico, a distinção resulta na forma de estabelecimento do ónus da
prova, sendo que bastaria ao credor, nas prestações de resultado, demonstrar a não verificação
do resultado para responsabilizar o devedor, sendo este que, para se exonerar de
responsabilidade, teria que demonstrar que a inexecução é devida a uma causa que não lhe é
imputável. Pelo contrário, nas prestações de meios é insuficiente a não verificação do resultado
para responsabilizar o devedor, havendo que proceder à demonstração de que a sua conduta
não correspondeu à diligência a que se tinha vinculado.
No entanto, Menezes Leitão entende que a distinção entre obrigações de meios e obrigações
de resultado não procede em virtude do facto de que em ambos os casos aquilo a que o devedor
se obriga é sempre uma conduta (a prestação), visando o credor um resultado, que corresponde
ao seu interesse (art.º 398.º, n.º 2, CC) e de caber sempre ao devedor o ónus da prova de que
realizou a prestação (art.º 342.º, n.º 2, CC) ou de que a falta de cumprimento não procede de
culpa sua (art.º 799.º, CC), sem o qual será sujeito a responsabilidade.

A prestação, enquanto objecto da obrigação, não necessita de se encontrar determinada no


momento da conclusão do negócio, bastando que seja determinável (art.os 280.º e 400.º, CC).
Tal permite estabelecer uma distinção entre prestações determinadas e prestações
indeterminadas, sendo prestações determinadas aquelas em que a prestação se encontra
completamente determinada no momento da constituição da obrigação e sendo prestações
indeterminadas aquelas em que a determinação não se encontra realizada, pelo que essa terá de
ocorrer até ao momento do cumprimento.
Por vezes, a indeterminação resulta de as partes não terem julgado necessário tomar posição
sobre o assunto, em virtude de haver regra supletiva aplicável, ou de pretenderem aplicar ao
negócio as condições usuais no mercado. Neste caso, a lei remete precisamente para esses
critérios, procedendo-se à determinação por essa via (cfr. art.º 883.º, CC).
Noutros casos, a indeterminação da prestação resulta de as partes terem pretendido conferir a
uma delas a faculdade de efectuar essa determinação, porque apenas essa parte tem os
conhecimentos necessários para o poder fazer adequadamente. As partes podem acordar que
essa informação seja fornecida à outra parte antes da celebração do contrato, sendo a prestação
determinada durante as negociações, permitindo a sua determinação no momento da conclusão
do negócio. Quando, porém, esta circunstância não ocorrer, tal significa que as partes
delegaram numa delas a faculdade de determinar o conteúdo da prestação, podendo esta
situação ser qualificada como um poder potestativo, tendo como contraponto a sujeição da
outra parte, a ver determinado o objecto da prestação, de acordo com a decisão da primeira.
A declaração de determinação da prestação tem natureza negocial, não sendo, no entanto,
sujeita a forma especial, mesmo que o contrato tenha natureza formal (cfr. art.º 221.º, n.º 2,
CC).
Quando as partes ou o terceiro não puderem determinar a prestação ou não o realizarem no
tempo devido, ela deve ser efectuada pelo tribunal (art.º 400.º, n.º 2, CC), tratando-se, neste
caso, de uma complementação do conteúdo do contrato através de uma actuação judicial e não
de uma mera interpretação do negócio (art.º 236.º, CC), implicando que a acção tenha
simultaneamente natureza constitutiva.
As obrigações genéricas e alternativas constituem as categorias mais importantes de
obrigações com prestações indeterminadas.

Obrigações genéricas

O art.º 539.º define as obrigações genéricas como aquelas em que o objecto da prestação se
encontra apenas determinado quanto ao género, significando isto que a prestação se encontra
determinada apenas por referência a uma certa quantidade, peso ou medida de coisas dentro de
um género, mas não estão ainda concretamente determinados quais os espécimes daquele
género que vão servir para o cumprimento da obrigação.
Pelo contrário, as obrigações específicas são aquelas em tanto o género como os espécimes da
prestação se encontram determinados.
As obrigações genéricas são bastante comuns no comércio, ocorrendo quase sempre que se
efectua uma negociação sobre coisas fungíveis, não consistindo necessariamente, no entanto,
o seu objecto neste tipo de coisas. Enquanto que a classificação entre coisas fungíveis e
infungíveis se relaciona com a sua consideração usual no tráfego, a classificação entre
obrigações genéricas e específicas resulta do acordo das partes. Portanto, é possível que coisas
infungíveis sejam objecto de obrigações genéricas.
O facto da obrigação ser genérica implica diferenças de regime, tendo que ocorrer um processo
de individualização dos espécimes dentro do género, sendo este a escolha que pode caber, nos
termos gerais, a ambas as partes ou a terceiro (art.º 400.º, CC). A regra nas obrigações genéricas
é a de que a escolha cabe ao devedor (art. 539.º, CC), devendo este, para Menezes Cordeiro,
entregar uma coisa de classe e qualidade média, invocando este ilustre Autor o regime da
integração dos negócios jurídicos segundo os ditames da boa-fé (art.º 239.º, CC). No entanto,
para Menezes Leitão, esta solução decorre do art.º 400.º que, ao estabelecer que a determinação
da prestação deve ser adequada à satisfação do interesse do credor, o que não ocorrerá se a
prestação for exclusivamente determinada com coisas de qualidade inferior.
A indeterminação inicial da obrigação genérica coloca o problema da averiguação do momento
em que tem lugar a transferência da propriedade sobre as coisas que vão servir para o
cumprimento da obrigação, o que releva para efeitos de risco, dado que a regra é a de que o
perecimento da coisa corre por conta do seu proprietário (res perit domino, cfr. art.º 796.º, CC).
Na obrigação genérica a transferência da propriedade não pode ocorrer no momento da
celebração do contrato, conforme resulta genericamente do art.º 408.º, n.º 1, relativamente às
coisas determinadas. Um direito real só pode ter por objecto coisas corpóreas e determinadas,
pelo que um direito a uma quantidade de coisas a escolher de certo género seria sempre
qualificado como um direito de crédito. Portanto, é sempre necessária a determinação da
prestação para obter a transferência da propriedade, operando esta transferência apenas quando
a coisa é determinada com o conhecimento de ambas as partes.
No entanto, as obrigações genéricas têm um regime especial, transmitindo-se a propriedade –
e o risco a ela associada – no momento da concentração da obrigação, i.e., quando a obrigação
passa de genérica a específica, não se exigindo que seja conhecida de ambas as partes.
Existem três teorias relativas à determinação do momento da concentração da obrigação:
i. Teoria da escolha – defendida por Thöl;
ii. Teoria do envio – defendida por Puntschart;
iii. Teoria da entrega – defendida por Jhering.
Segundo a teoria da escolha, a concentração da obrigação genérica ocorre logo no momento
em que o devedor procede à separação dentro do género das coisas que pretende usar para o
cumprimento da obrigação. Nesse momento, o devedor já teria procedido à escolha das coisas
dentro do género, pelo que a obrigação deixaria de ser genérica e passaria a considerar-se
específica. Assim, ocorrendo posteriormente o perecimento destas coisas, esse risco correria
por conta do credor e o devedor não seria obrigado a entregar outras coisas do mesmo género.
Segundo a teoria do envio, a simples separação não basta para a concentração da obrigação
genérica, exigindo-se antes que o devedor proceda ao envio para o credor das coisas com que
pretende cumprir a obrigação. Neste caso, logo que as coisas saem do domicílio do devedor a
obrigação genérica concentrar-se-ia, pelo que o risco do seu perecimento durante o transporte
correria por conta do credor.
Finalmente, segundo a teoria da entrega, a concentração da obrigação genérica só ocorreria
com o cumprimento da obrigação, só nesse momento se efectuando a transferência do risco
para o credor. Consequentemente, qualquer perecimento da coisa que ocorresse anteriormente
a esse momento correria por conta do devedor.
A lei portuguesa consagrou relativamente à concentração das obrigações genéricas por escolha
do devedor como regra geral a teoria da entrega de Jhering. Enquanto a prestação for possível
com coisas do género estipulado o devedor não fica exonerado pelo facto de terem perecido
aquelas com que se dispunha a cumprir (genus nanquam perit), consagrando-se a irrelevância
geral da escolha ou do envio para efeitos de concentração da obrigação genérica (art.º 540.º,
CC).
Se o devedor continua a ter que entregar coisas do mesmo género, tal significa que a obrigação
genérica ainda não se concentrou, ocorrendo tal apenas, regra geral, com o cumprimento, sendo
esse também o momento da transferência da propriedade sobre as coisas objecto da obrigação
genérica, dado que a transmissão da propriedade das coisas genéricas exige a sua concentração
(art.º 408.º, n.º 2, CC), o que normalmente apenas ocorre mediante a entrega pelo devedor (art.º
540.º, CC). A lei admite, no entanto, certos casos em que, embora cabendo a escolha ao
devedor, a obrigação se concentra antes do cumprimento (art.º 541.º, CC), sendo estas o acordo
das partes, o facto de o género se extinguir a ponto de restar apenas uma – ou, mais
precisamente, a quantidade devida – das coisas nele compreendidas, o facto do credor incorrer
em mora e a promessa de envio do art.º 797.º.
Para Menezes Cordeiro, a norma do art.º 541.º documenta cedências do legislador às teorias
da escolha e do envio, pelo que, neste caso, o legislador se teria desviado da teoria da entrega,
discordando Menezes Leitão de tal asserção.
Este último Autor entende que a possibilidade do acordo das partes afastar a regra geral da
concentração da obrigação genérica no momento do cumprimento trata-se de um contrato
modificativo da obrigação, através do qual as partes substituem uma obrigação genérica por
uma específica. No tocante à situação de o género se extinguir ao ponto de restar apenas a
quantidade de coisas que o devedor deve prestar, este Autor entende que a concentração ocorre
por mero facto da natureza, inexistindo um desvio à regra geral. Se as coisas sobrantes também
desaparecessem, deixaria a prestação de ser possível com coisas do género estipulado, pelo que
o devedor estaria sempre exonerado em virtude da impossibilidade da prestação (cf. art.º 790.º,
CC).
No caso da mora do credor (cf. art.º 813.º, CC), ocorre nesta situação que este último, sem
motivo justificado, recusa receber a prestação ou não pratica os actos necessários ao
cumprimento da obrigação, determinando a lei que, neste caso, a obrigação genérica se
concentra, correndo o risco de perecimento destas coisas por conta do credor, entendendo
Menezes Leitão que esta regra especial se trata de uma ficção estabelecida para estender a
aplicação às obrigações genéricas do regime do art.º 814.º, n.º 1, fazendo recair sobre o credor
em mora os riscos do perecimento superveniente das coisas com que se dispunha a prestar. No
entanto, a obrigação permanece genérica se o devedor, perante a mora do credor, proceder à
consignação em depósito de coisas do mesmo género que não sejam aquelas que o credor
recusou, ninguém consideraria que a consignação não se fez em relação à coisa devida (art.º
841.º, CC), pelo que se o credor posteriormente abandonar a sua situação de mora, não pode
recusar a entrega pelo devedor de outras coisas do mesmo género que não sejam as inicialmente
oferecidas.
No caso da promessa de envio referida no art.º 797.º, inexiste, para Menezes Leitão, uma
hipótese sequer de concentração da obrigação genérica antes do cumprimento. A norma em
análise não se refere às dívidas em que o devedor se compromete a levar ou a entregar a coisa
até ao local do cumprimento, suportando até então o risco do transporte, referindo-se apenas às
denominadas dívidas de enviou ou de remessa, em que o devedor não se compromete a
transportar a coisa até ao local do cumprimento, mas apenas a, no local do cumprimento,
colocar a coisa num meio de transporte destinado a outro local. Assim, essas obrigações
cumprem-se no próprio local de envio ou da remessa, ficando a obrigação extinta nesse
momento em virtude do cumprimento. O facto do credor ainda não ter recebido a prestação é
irrelevante, uma vez que o cumprimento pode ser realizado a terceiro se assim tiver sido
estipulado ou consentido pelo credor (cf. art.º 770.º, al a), CC).
Assim, para Menezes Leitão, a concentração da obrigação genérica, quando a escolha compete
ao devedor, apenas se dá no momento do cumprimento, podendo até lá o devedor revogar
escolhas que anteriormente tenha realizado, apenas não sucedendo tal se este tiver perdido a
possibilidade material de o fazer (perecimento das restantes coisas do género), ou se a escolha
tiver sido aceite, o que significa que as partes por acordo modificaram a obrigação,
transformando-a em específica. Inexistem, assim e para este Autor, desvios à consagração da
teoria da entrega no art.º 540.p, como soluções próximas da teoria da escolha ou do envio, pois
a mora do credor não deve impedir a realização de nova escolha pelo devedor até ao
cumprimento e na promessa de envio referida no art.º 797.º é de verdadeiro cumprimento que
se trata.
No entanto, quando as escolhas competem ao credor ou a terceiro, a lei adopta plenamente a
teoria da escolha, sendo esta irrevogável (art.º 542.º, CC). Portanto, a escolha pelo credor ou
terceiro concentra imediatamente a obrigação, desde que declarada respectivamente ao credor
ou a ambas as partes. Se, no entanto, a escolha couber ao credor e este não a fizer dentro do
prazo estabelecido ou daquele que para o efeito que for fixado pelo devedor, é a este que a
escolha passa a competir (art.º 542.º, n.º 2, CC), passando, neste caso, a ser aplicáveis as
disposições dos artigos 540.º e 541.º, como se a escolha coubesse ao devedor desde o início.

Obrigações alternativas

As obrigações alternativas consistem também em modalidades de prestações indeterminadas,


caracterizando-se por existirem duas ou mais prestações de natureza diferente, mas em que o
devedor se exonera com a mera realização de uma delas que, por escolha, vier a ser designada
(art.º 543.º, CC). As prestações encontram-se em alternativa, mas apenas uma delas é
concretizável através de uma escolha. Na falta de determinação em contrário, a escolha
pertence ao devedor (art.º 543.º, n.º 2, CC), podendo também competir ao credor ou a terceiro
(cf. art.º 549.º, CC). Assim, apesar de existirem duas ou mais prestações, o devedor tem apenas
uma obrigação, e o credor apenas um direito de crédito.
Só constituem obrigações alternativas aquelas que pressupõem uma escolha entre prestações,
não sendo permitido, no entanto e mesmo que se tratem de prestações divisíveis, que aquele a
quem incumbe a escolha decida realizá-la entre parte de uma prestação ou parte de outra (cf.
art.º 544.º, CC).
Menezes Leitão, Antunes Varela, Romano Martínez e Morais Carvalho entendem que o
momento da determinação, quando competindo ao devedor, desde que conhecida da outra
parte, ocorre durante a escolha desse último, coincidindo com a eficácia real e consequente
transferência do risco. Menezes Cordeiro diverge, defendendo a aplicação analógica do regime
da concentração das obrigações genéricas às obrigações alternativas. A escolha do devedor é
irrevogável, uma vez que, após a realização da escolha, ele só se exonera efectuando a prestação
escolhida, sendo esta igualmente irrevogável quando competir ao credor ou a terceiro, por força
da remissão do art.º 549.º para o art.º 542.º.
Se, porém, alguma das partes não realizar a escolha no tempo devido, a lei prevê a devolução
dessa faculdade à outra parte (cf. art.º 542.º, n.º 2 ex vi do art.º 549.º e art.º 548.º, CC), ainda
que sob critérios diferentes. Se a escolha couber ao credor, e ele não a fizer no prazo estipulado
ou naquele que para o efeito for fixado pelo devedor, a escolha passa imediatamente a competir
a este. Se, porém, a escolha couber ao devedor, a devolução da escolha ao credor ocorre apenas
na fase de execução (art.º 714.º, CPC), tendo o credor, na fase declarativa, que obter uma
condenação em alternativa através da formulação de um pedido alternativo (art.º 553.º, CPC).
Até à realização da escolha pelo devedor, o direito do credor não incide sobre ambas as
prestações isoladamente consideradas, sendo antes um direito a receber em alternativa uma ou
outra das prestações, pelo que a lei não lhe permite exigir do devedor apenas uma das
prestações antes de, na acção executiva, se lhe devolver o direito de escolha.
As obrigações alternativas têm um regime especial em sede de impossibilidade da prestação,
quando esta se verifica antes da escolha ter ocorrido, devendo distinguir-se entre
impossibilidade casual, impossibilidade imputável ao devedor e impossibilidade imputável ao
credor.
A impossibilidade casual, que é aquela que não é imputável a nenhuma das partes, leva a que,
estando a prestação indeterminada, por não ter ocorrido a escolha, a propriedade sobre qualquer
dos objectos da obrigação alternativa ainda não se transmitiu para o credor, pelo que o risco
pelo perecimento casual de algumas prestações corre por conta do devedor (art.º 545.º, CC).
Em virtude da impossibilidade casual ocorre um fenómeno de redução da obrigação alternativa
à prestação que ainda seja possível.
Se a responsabilidade for imputável ao devedor, e a escolha lhe competir, ele deve efectuar
uma das prestações possíveis (art.º 546.º, CC). Se a escolha competir ao credor, ele pode exigir
uma das prestações possíveis, ou exigir indemnização pelos danos de não ter sido realizada a
prestação que se tornou impossível, ou resolver o contrato nos termos gerais.
Se a responsabilidade for imputável ao credor, e se a escolha lhe pertencer, considera-se a
obrigação como cumprida (art.º 547.º, CC). Se a escolha pertencer ao devedor, a obrigação
também deve ser considerada como cumprida, a menos que o devedor prefira realizar outra
prestação e ser indemnizado dos danos que haja sofrido.
Se a impossibilidade for imputável a uma das partes e a escolha caber a terceiro, Antunes
Varela defende que, sendo a impossibilidade imputável ao devedor (art.º 546.º, CC), caberá ao
terceiro escolher entre realizar uma das prestações possíveis ou pedir indemnização pelos danos
resultantes de não ter sido realizada a prestação que se tornou impossível. O terceiro não pode,
porém, optar pela resolução do contrato, dado que se trata de uma faculdade que é atribuída em
exclusivo ao credor. Quando a responsabilidade for imputável ao credor (art.º 547.º, CC),
pertencendo a escolha a terceiro, caberá igualmente ao terceiro escolher se considera cumprida
a obrigação ou determinar ao devedor que realize a prestação possível e peça indemnização
pelos danos resultantes de não ter sido realizada a prestação que se tornou impossível.
No entanto, Menezes Cordeiro entende que quando a obrigação se torna impossível, o credor
perde a faculdade de realizar a escolha, dado que ele só pode escolher entre duas prestações
possíveis e não entre uma prestação e uma indemnização. Portanto, se a escolha pertencer a
terceiro e a responsabilidade for imputável ao devedor, deve passar a ser o credor que escolherá
entre exigir a prestação possível, a indemnização ou a resolução do contrato (art.º 546.º, CC).
Se a escolha pertencer a terceiro e a responsabilidade for imputável ao credor, deverá passar a
ser o devedor a escolher entre considerar cumprida a obrigação ou realizar outra prestação,
exigindo simultaneamente uma indemnização (art.º 547.º, CC). Menezes Leitão subscreve a
posição de Menezes Cordeiro, entendendo que quando as partes, ao abrigo da sua autonomia
privada, deferem a escolha a terceiro, fazem-nos exclusivamente para efeitos de determinação
da prestação (art.º 400.º, CC) e não para exercer os direitos que lhes competem quando a outra
parte culposamente impossibilita a realização da prestação.
As obrigações alternativas representam modalidades de obrigações com prestação
indeterminada, não se confundindo, por isso, com as obrigações com faculdade alternativa, nas
quais a prestação já se encontra determinada, mas dá-se ao devedor a faculdade de substituir o
objecto da prestação por outro.

Obrigações pecuniárias

As obrigações pecuniárias correspondem às obrigações que têm dinheiro por objecto, visando
proporcionar ao credor o valor que as respectivas espécies monetárias possuam, sendo estes
dois requisitos cumulativos. Se a obrigação visar apenas proporcionar ao credor um valor
económico (de um determinado objecto ou de uma componente do património), não tendo
assim por objecto a entrega de quantias em dinheiro, não se tratará de uma obrigação
pecuniária, mas sim de uma dívida de valor, a qual se caracteriza por ter um valor fixo, que não
sofre alteração em caso de desvalorização da moeda, não suportando assim o credor o risco
correspondente. No entanto, a dívida de valor terá, em certo momento, que ser liquidada em
dinheiro, pelo que nesse momento se converterá em obrigação pecuniária.
O dinheiro, objecto dessas obrigações, assegura na ordem económica simultaneamente a
função de meio geral de trocas, meio legal de pagamento e unidade de conta. A função de meio
geral de trocas advém do facto de o dinheiro, em função do seu poder de compra, ser utilizado
para efeitos de aquisição e alienação de bens e serviços, funcionando como meio intermediador
da circulação desses bens. A função de meio legal de pagamento resultado do facto de, por
força de uma disposição legal, ser atribuída eficácia liberatória a entrega de espécies monetárias
em pagamento das obrigações pecuniárias, vinculando-se assim o credor à sua aceitação. A
função de unidade de conta resulta do facto de, sendo o valor da moeda relativamente estável,
pode ser utilizado como medida do valor dos bens e serviços de qualquer tipo.
Segundo a sistematização do Código Civil, as obrigações pecuniárias podem dividir-se em três
modalidades:
a. Obrigações de quantidade;
b. Obrigações em moeda específica;
c. Obrigações em moeda estrangeira.
As obrigações de quantidade correspondem à categoria mais importante de obrigações
pecuniárias, consistindo naquelas obrigações que têm por objecto uma quantidade de moeda
com curso legal no país.
O regime das obrigações de quantidade consta do art.º 550.º:
“O cumprimento das obrigações pecuniárias faz-se em moeda que tenha curso legal no País à data em
que for efectuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salva estipulação em
contrário.”
Deste preceito resulta a referência a dois princípios reguladores do regime das obrigações
pecuniárias de quantidade:
i. O princípio do curso legal;
ii. O princípio do nominalismo monetário.
O princípio do curso legal significa que o cumprimento das obrigações pecuniárias se deve
realizar apenas com espécies monetárias a que o Estado conheça função liberatória genérica,
cuja aceitação é obrigatória para os particulares. Assim, a obrigação pecuniária de quantidade
tem sempre por objecto uma quantia de unidades monetárias, devendo o cumprimento ser
realizado com espécies (moedas ou notas) que, nesse momento, tenham curso legal, i.e., que
possam desempenhar a função de entrega de dinheiro que consiste em permitir ao credor a
recepção de um valor correspondente às espécies monetárias, em virtude da susceptibilidade
do seu uso enquanto instrumento geral de troca. Dogmaticamente, as obrigações pecuniárias
de quantidade consistem em obrigações genéricas, sujeitas ao regime respectivo, mas o género
de referência toma por base todo o universo da moeda com curso legal no país. Disto decorre
a impossibilidade da extinção do género referida no art.º 541.º, não ficando o devedor liberado
pelo facto de não possuir dinheiro para efectuar o pagamento, não sendo causa extintiva da
obrigação a impossibilidade económica do devedor, dado o facto de enquanto existir moeda
com curso legal subsistir o género acordado para o pagamento.
Outro princípio essencial do regime das obrigações pecuniárias consiste no princípio do
nominalismo monetário, segundo o qual se deve tomar em consideração somente o valor
nominal da moeda, independentemente de qual seja o valor de troca no momento do
cumprimento (art.º 550.º, CC), pelo que uma obrigação pecuniária de quantidade com um longo
prazo de cumprimento acarreta um risco de desvalorização da moeda, com a inerente perda do
seu poder de compra, e que esse risco é suportado pelo credor, já que o devedor se libera com
a simples entrega da quantia monetária convencionada.
No entanto, o princípio do nominalismo monetário sofre algumas excepções, podendo as
partes convencionarem coisa diferente, dada a supletividade do art.º 550.º, e ocorrendo que, em
alguns caos, a lei prevê a actualização das obrigações pecuniárias, sendo tal normal nos casos
em que se tratam de prestações periódicas ou em certas obrigações restitutórias, em que a
restituição ocorra passado um grande lapso de tempo.
O art.º 551.º determina que “quando a lei permitir a actualização das prestações pecuniárias,
por virtude das flutuações do valor da moeda, atender-se-á, na falta de outro critério legal, aos
índices dos preços, de modo a restabelecer, entre a prestação e a quantidade de mercadorias a
que equivale, a relação existente na data em que a obrigação se constituiu”. Portanto, adopta-
se preferencialmente o critério do índice dos preços, para efeitos de actualização das
obrigações, quando esta é legalmente permitida. No caso de actualização convencional das
obrigações pecuniárias, caberá naturalmente às partes fixar o critério de actualização.

As obrigações em moeda específica correspondem a situações em que a obrigação pecuniária


é convencionalmente limitada a espécies metálicas ou ao valor delas, afastando-se assim por
via contratual a possibilidade do pagamento em notas. O legislador, apesar do princípio do
curso legal, não excluiu a possibilidade de as partes convencionarem que o cumprimento se
fará em moeda específica (art.º 552.º, CC), permitindo assegurar a validade dessas cláusulas,
sempre que a lei não as proíba.
O legislador português distingue no art.º 552.º entre dois tipos de obrigações em moeda
específica:
i. As obrigações em certa espécie monetária;
ii. As obrigações em valor de uma espécie monetária.
A verificação de uma ou outra destas situações depende de ter sido ou não estipulado
igualmente um quantitativo expresso em moeda corrente. Se não for estipulado um quantitativo
expresso em moeda corrente considera-se que a obrigação tem que ser efectuada na espécie
monetária estipulada, desde que ela exista, ainda que tenha variado de valor após a data em que
a obrigação foi constituída (art.º 553.º, CC).
Se for estipulado um quantitativo expresso em moeda corrente, a estipulação do pagamento
em moeda específica, é considerada apenas como pretendendo estabelecer uma vinculação ao
valor corrente que a moeda ou moedas do metal específico tinham à data da estipulação (art.º
554.º, CC).

As obrigações em moeda estrangeira ou obrigações valutárias são aquelas em que a prestação


é estipulada em relação a espécies monetárias que têm curso legal apenas no estrangeiro.
A Doutrina distingue, no tocante às obrigações valutárias, entre obrigações valutárias próprias
ou puras e obrigações valutárias impróprias ou impuras. Nas primeiras verifica-se que o próprio
cumprimento da obrigação só pode ser realizado em moeda estrangeira, não podendo o credor
exigir o pagamento em moeda nacional nem o devedor entregar esta moeda. Nas obrigações
valutárias impróprias, a estipulação da moeda estrangeira funciona apenas como unidade de
referência para determinar, através do câmbio de determinada data, a quantidade de moeda
nacional devida. Neste caso, o cumprimento terá necessariamente que ser realizado em moeda
nacional.
O art.º 558.º vem, porém, consagrar, a título supletivo, uma categoria de obrigações valutárias
intermédias em relação a esta bipartição, sendo designada pela Doutrina de obrigação valutária
mista, consistindo esta na situação de ser estipulado o cumprimento em espécies monetárias
que possuem curso legal apenas no estrangeiro, mas admitindo-se a possibilidade de o devedor
realizar o pagamento na moeda nacional com base no câmbio da data de cumprimento. Esta
possibilidade é, no entanto, restrita ao devedor, constituindo, por isso, uma obrigação com
faculdade alternativa, já que o credor apenas pode exigir o cumprimento na moeda estipulada.
Se o credor entrar em mora, o devedor tem ainda a opção de realizar o cumprimento de acordo
com o câmbio da data em que a mora se deu (art.º 558.º, n.º 2, CC), sendo-lhe assim conferida
a possibilidade de por essa via impedir a aplicação da diferença cambial desfavorável que
poderia resultar da mora do credor. Se, pelo contrário, essa diferença cambial for favorável,
naturalmente que o devedor não é obrigado a fazer essa opção, uma vez que o credor deve
suportar todas as consequências da sua mora, mesmo que se traduzam num benefício para o
devedor.
A lei não regula o caso simétrico de ser o devedor a entrar em mora neste tipo de obrigações,
sendo que Menezes Leitão entende que caberá ao devedor indemnizar o credor por todos os
prejuízos sofridos, devendo a indemnização abranger não apenas a eventual diferença cambial
desfavorável, mas também os correspondentes juros de mora (ex vi art.º 804.º, n.º 2, CC). Os
juros corresponderão à taxa legal da moeda em causa ou à taxa de mercado, quando esta não
exista, não ficando, no entanto, o credor impedido de reclamar danos superiores.

Obrigações de juros

As obrigações de juros correspondem igualmente a uma modalidade específica de obrigações,


as quais se caracterizam por corresponderem à remuneração da cedência ou do diferimento da
entrega de coisas fungíveis (capital) por um certo lapso de tempo. A obrigação de juros
pressupõe assim uma obrigação de capital, sem a qual não se pode constituir e tem assim o seu
conteúdo e extensão delimitados em função do tempo, tratando-se, portanto, de uma prestação
duradoura periódica. Por este motivo, a lei caracteriza os juros como frutos civis (art.º 212.º,
n.º 2, CC), uma vez que são frutos das coisas fungíveis, produzidos periodicamente em virtude
de uma relação jurídica. Essa relação jurídica consiste, neste caso, na cedência das coisas
fungíveis com obrigação de restituição de outro tanto do mesmo género ou no diferimento da
sua entrega, sendo o juro calculado em função do lapso de tempo correspondente à utilização
do capital. Os juros representam assim uma prestação devida como compensação ou
indemnização pela privação temporária de uma quantidade de coisas fungíveis denominada
capital e pelo risco de reembolso desta.
A obrigação de juros aparece, por isso, como uma obrigação que se constitui tendo como
referência uma outra obrigação (a obrigação de entrega ou restituição do capital), constituindo
economicamente um rendimento desse mesmo capital. Tratam-se, no entanto, de obrigações
distintas, já que a partir do momento em que se constitui, o crédito de juros adquire autonomia
em relação ao crédito de capital, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro
(art.º 561.º, CC).
É possível distinguir-se entre juros legais e convencionais, sendo que os juros legais são
aplicáveis sempre que haja normas legais que determinem a atribuição de juros em
consequência do diferimento na realização da prestação, funcionando ainda supletivamente
sempre que as partes estipulem a atribuição de juros sem determinarem a sua taxa ou
quantitativo. A taxa de juros legais encontra-se fixa em 4% (Port. n.º 291/2003, de 8 de Abril).
Pelo contrário, os juros convencionais são aqueles em que a sua taxa ou quantitativo é
estipulada pelas partes. No entanto, a lei limita a liberdade de estipulação nesta matéria,
qualificando como usurários quaisquer juros anuais que excedam os juros legais acima de 3%
ou 5%, conforme exista ou não garantia real (art.os 1146.º e 559.º-A, CC), sendo apenas
permitida a cobrança de juros superiores se se tratar de uma cláusula penal moratória, caso em
que esses limites são respectivamente elevados para 7% e 9% (art.º 1146.º, n.º 2, CC). Portanto,
as partes são impedidas de estipular juros que ultrapassem esses limites e, caso o façam, a lei
determina a fixação dos juros nos montantes máximos legalmente permitidos, ainda que tivesse
sido outra a vontade dos contraentes.
Pode distinguir-se entre juros remuneratórios, moratórios e indemnizatórios. Os juros
remuneratórios têm uma finalidade remuneratória, correspondente ao preço do empréstimo do
dinheiro. O credor priva-se do capital por tê-lo cedido ao devedor por meio de mútuos, exigindo
uma remuneração por essa cedência (art.º 1145.º, n.º 1, CC). Os juros compensatórios
destinam-se a proporcionar ao credor um pagamento que compense uma temporária privação
de capital, que ele não deveria ter suportado. Os juros moratórios têm uma natureza
indemnizatória dos danos causados pela mora, visando recompensar o credor pelos prejuízos
sofridos, em virtude do retardamento no cumprimento da obrigação pelo devedor (art.º 806.º,
CC). Os juros indemnizatórios são aqueles que se destinam a indemnizar os danos sofridos por
outro facto praticado pelo devedor.
Nas obrigações de juros é proibido o anatocismo, i.e., a cobrança de juros sobre juros. Portanto,
a lei consagra a regra de que o juro não vence juros, a menos que haja convenção posterior ao
vencimento, ou seja efectuada uma notificação judicial ao devedor para capitalizar os juros ou
proceder ao seu pagamento, sob pena de capitalização (art.º 560.º, n.º 1, CC). Apenas nestes
dois casos ocorre a capitalização de juros e, mesmo assim, apenas são capitalizáveis os juros
correspondentes ao período mínimo de um ano (art.º 560.º, n.º 2, CC). A lei determina, porém,
que não são aplicáveis estas restrições se forem contrárias a regras ou usos particulares do
comércio (art.º 560.º, n.º 3, CC).

Uma situação específica que pode ocorrer nas obrigações respeita à possibilidade de
indeterminação do credor, podendo este não ficar determinado no momento em que a obrigação
é constituída, embora deva ser determinável, sob pena de nulidade do negócio jurídico de que
resulta a obrigação (art.º 511.º, CC). No entanto, o devedor é obrigatoriamente determinado no
momento em que a obrigação é constituída.
A indeterminação temporária do devedor pode resultar de se aguardar a verificação de um
facto futuro e incerto, ou em virtude de a ligação entre o credor e a relação obrigacional se
apresentar como indirecta ou mediata, sendo essa qualidade determinada através de uma
relação de natureza diferente.
Obrigações plurais

A definição de obrigação do art.º 397.º reporta-se, em bom rigor, às obrigações singulares, na


medida em que nela apenas se menciona um credor e um devedor. No entanto, a obrigação
pode também constituir-se abrangendo uma vinculação de várias pessoas para com outra
(pluralidade passiva), ou uma vinculação de uma pessoa para com outras (pluralidade activa),
ou ainda de várias pessoas para com outras (pluralidade mista). Em todas estas situações o
objecto da obrigação – a realização da prestação – pode ser o mesmo, mas varia o número de
pessoas que se vinculam a essa conduta ou que tem o direito de a exigir.
Portanto, a obrigação deve ser classificada consoante o número de sujeitos da relação
obrigacional. Se a obrigação abranger apenas dois sujeitos (o credor e o devedor), fala-se em
obrigação singular. Se abranger mais que dois sujeitos, tendo, assim, uma pluralidade de
credores ou uma pluralidade de devedores, fala-se em obrigação plural.
As obrigações plurais colocam o problema de determinar como se processa a contribuição dos
diversos devedores para a realização da prestação a que estão vinculados e em que termos pode
cada um dos credores exigir a prestação.
Nas obrigações conjuntas ou parciárias, cada um dos devedores só está vinculado a prestar ao
credor ou credores a sua parte na prestação e cada um dos credores só pode exigir do devedor
ou devedores a parte que lhe cabe. A prestação é, assim, realizada por partes, prestando cada
um dos devedores a parte a que se vinculou e não recebendo cada um dos credores mais do que
aquilo que lhe compete.
Nas obrigações parciárias cada credor só pode exigir a sua parte no crédito e cada devedor só
tem de prestar a sua parte na dívida.

As obrigações solidárias encontram-se previstas nos artigos 512.º e seguintes, caracterizando-


se pelo facto de nelas qualquer um dos devedores estar obrigado perante o credor a realizar a
prestação integral (solidariedade passiva) ou ainda por qualquer um dos credores poder exigir
do devedor a prestação integral (solidariedade activa) ou ainda pelo facto de qualquer um dos
credores poder exigir a qualquer um dos devedores a prestação devida por todos os devedores
a todos os credores (solidariedade mista).
Na solidariedade passiva, a realização da prestação integral por um dos devedores libera todos
os outros relativamente ao credor (art.º 512.º, CC), adquirindo depois esse devedor um direito
de regresso sobre os outros devedores para exigir a parte que lhes compete na obrigação (art.º
524.º, CC). Na solidariedade activa, a realização integral da prestação a um dos credores libera
o devedor no confronto com todos os credores (art.º 512.º, CC), embora o credor que recebeu
mais do que lhe compete esteja obrigado a satisfazer aos restantes a parte que lhes cabe no
crédito comum (art.º 533.º, CC). Na solidariedade mista, concorrem simultaneamente as duas
situações, pelo que a realização integral da prestação por um dos devedores a um dos credores
libera todos os devedores em relação a todos os credores. Neste caso, o devedor que realizou a
prestação tem um direito de regresso sobre os outros devedores pela parte que a estes compete
e o credor que recebeu a prestação está obrigado a entregar aos restantes credores a parte que
a estes compete.
Características da solidariedade são, assim, a identidade da prestação em relação a todos os
sujeitos da obrigação, a extensão integral do dever de prestar ou do direito à prestação em
relação respectivamente a todos os devedores ou credores, e o efeito extintivo comum da
obrigação caso se verifique a realização do cumprimento por um ou a apenas um deles.
A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das
partes (art.º 513.º, CC), pelo que se nada houver sido estipulado pelas partes nem resultar da
própria lei, a regra geral nas obrigações plurais é a da conjunção.

A solidariedade passiva tem diversas consequências em termos de regime, as quais podem ser
separadamente analisadas no âmbito das relações entre o credor e os diversos devedores
(relações externas) ou no âmbito das relações dos diversos devedores entre si (relações
internas).
No âmbito das relações externas, em relação ao credor, a solidariedade caracteriza-se, em
primeiro lugar, por uma maior eficácia do seu direito, que se pode exercer integralmente contra
qualquer um dos devedores (art.os 512.º, n.º 1, e 519.º, n.º 1, CC), não podendo estes, uma vez
demandados pela totalidade da dívida, vir invocar o benefício da divisão (art.º 518.º, CC), tendo
assim que satisfazer a prestação integral. No entanto, esta maior eficácia não se traduz na
possibilidade do credor repetir sucessivamente a pretensão perante os vários devedores, pois a
exigência da totalidade ou de parte da prestação a um dos devedores impede o credor de exercer
nessa parte o seu direito contra os restantes, excepto se houver razão atendível, como a
insolvência ou o risco de insolvência do demandado (art.º 519.º, n.º 1, in fine, CC). Se, porém,
um dos devedores opuser eficazmente um meio de defesa pessoal, este continua a poder
reclamar dos outros a prestação integral (art.º 519.º, n.º 2, CC), podendo, em qualquer caso,
optar por demandar conjuntamente todos os devedores, caso em que renuncia à solidariedade
(art.º 517.º, CC). Admite-se também a possibilidade de o credor renunciar à solidariedade
apenas a favor de alguns devedores, caso em que conserva o direito à prestação integral sobre
os restantes (art.º 527.º, CC).
Relativamente aos devedores, a solidariedade caracteriza-se pelo facto da satisfação do direito
do credor, por cumprimento, dação em cumprimento, novação, consignação em depósito ou
compensação, mesmo que desencadeada apenas por um dos devedores, exonerar igualmente
os restantes (art.º 523.º, CC). Outras causas de extinção da obrigação, que incidirem sobre a
totalidade da dívida, como a impossibilidade objectiva da prestação (art.º 790.º, CC), exoneram
naturalmente todos os devedores. Se a dívida se extinguir apenas em relação a um dos
devedores, como ocorre na remissão concedida a apenas um dos obrigados (art.º 864.º, n.º 1,
CC), ou na confusão com a dívida deste (art.º 869.º, n.º 1, CC), dá-se uma extinção parcial da
obrigação limitada à parte daquele devedor. Se a prestação vier a ser não cumprida por facto
imputável a um dos devedores, todos eles são responsáveis pelo seu valor, mas só o devedor
ou devedores a quem o facto é imputável respondem pelos danos acima desse valor (art.º 520.º,
CC). Relativamente aos meios de defesa, o devedor, quando demandado, por opor ao credor os
meios de defesa que lhe são próprios e os que são comuns aos outros devedores, mas não pode
utilizar meios de defesa pessoais dos outros devedores (art.º 514.º, n.º 1, CC).
Nas relações entre os devedores, a solidariedade caracteriza-se, em primeiro lugar, pelo facto
de o devedor que satisfizer a prestação acima da parte que lhe competir adquirir um direito de
regresso sobre os outros devedores pela parte que a estes lhe compete (art.º 524.º, CC). O direito
do regresso do devedor que realizou a prestação é, assim, limitado à parte de cada um dos
outros devedores na obrigação comum, não se estendendo, portanto, o regime da solidariedade
às relações internas. No entanto, o devedor que pagou não suporta integralmente o risco de
insolvência ou de impossibilidade subjectiva de cumprimento de cada um dos devedores, já
que a lei prevê que nesses casos a quota-parte do devedor que não cumpre é dividida pelos
restantes, incluindo o credor de regresso e os devedores que pelo credor hajam sido exonerados
da obrigação ou do vínculo de solidariedade (art.º 526.º, n.º 1, CC). Esse benefício de repartição
deixa, porém, de aproveitar ao credor de regresso, se foi por negligência sua que não lhe foi
possível cobrar a parte do seu condevedor na obrigação solidária (art.º 526.º, n.º 2, CC).
Os meios de defesa que cada um dos condevedores possuía em relação ao cumprimento da
obrigação, quer comuns, quer pessoais, são igualmente oponíveis ao credor de regresso (art.º
525.º, n.º 1, CC), a menos que, sendo um meio comum de defesa, não tivesse sido
oportunamente utilizado por culpa desse devedor (art.º 525.º, n.º 2, CC). No tocante à
prescrição, esta é inoponível ao credor de regresso se, por não ter ela ainda decorrido
relativamente a esta, este vier a ser obrigado a cumprir a obrigação, apesar de prescritas as
obrigações dos outros condevedores (art.º 521.º, n.º 1, CC), sendo-lhe, no entanto, oponível se
o cumprimento da obrigação se verificar apenas em virtude de ele não ter invocado a prescrição
(art.º 521.º, n.º 2, CC).

Na solidariedade activa, o credor que exigir, por si só, a prestação integral, leva a que o devedor
se libere perante todos os credores com a realização da prestação a qualquer um destes (art.º
512.º, n.º 1, in fine, CC). O devedor pode, aliás, escolher o credor solidário a quem realizar a
prestação, enquanto não tiver sido judicialmente citado por um credor cujo crédito se encontre
vencido (art.º 528.º, n.º 1, CC).
Relativamente ao devedor, a solidariedade caracteriza-se pelo facto de a satisfação do direito
de um dos credores, por cumprimento, dação em cumprimento, novação, consignação em
depósito ou compensação, exonerar igualmente o devedor perante os restantes (art.º 532.º, CC).
Outras causas de extinção da obrigação, que incidirem sobre a totalidade da dívida, como a
impossibilidade objectiva da prestação (art.º 790.º, CC) exoneram naturalmente o devedor
perante todos os credores. Se a dívida se extinguir apenas em relação a um dos credores, como
sucede na remissão concedida apenas por um dos credores (art.º 864.º, n.º 3, CC), ou na
confusão apenas com o crédito deste (art.º 869.º, n.º 2, CC), dá-se uma extinção parcial do
crédito limitada à parte daquele credor. Já se a prestação vier a ser não cumprida por facto
imputável ao devedor a solidariedade mantém-se em relação ao crédito da indemnização (art.º
529.º, n.º 1, CC). Se a impossibilidade da prestação for imputável a um dos credores, fica o
devedor exonerado, mas o credor solidário é obrigado a indemnizar os restantes credores (art.º
529.º, n.º 2, CC). Relativamente aos meios de defesa, o devedor, uma vez demandado, pode
opor ao credor solidário os meios de defesa que lhe respeitem e os que são comuns aos outros
credores (art.º 514.º, n.º 2, CC), mas não pode utilizar meios de defesa que respeitem
exclusivamente a outros credores.
Nas relações entre credores, a solidariedade activa caracteriza-se pelo facto de o credor cujo
direito foi satisfeito além da parte que lhe competia na relação ter a obrigação de satisfazer aos
outros a parte que lhes cabe no crédito comum (art.º 533.º, CC), tratando-se se uma espécie de
direito de regresso activo dos outros credores sobre o credor que recebeu a prestação. Presume-
se a igualdade das partes dos credores na obrigação solidária, pelo que a obrigação de regresso
será cumprida em partes iguais (art.º 516.º, CC), salvo se os credores forem titulares em termos
diferentes, em que o regresso tomará em linha de conta essa diferente repartição, ou que só um
dos credores tenha o benefício do crédito. Neste último caso, apenas esse credor poderá exercer
o direito de regresso, o qual será realizado pela totalidade, se prestação for realizada a outro
credor, ou será excluído, se a prestação for realizada a ele próprio.

Existem obrigações plurais que tem como objecto uma prestação indivisível, tratando-se, neste
caso, de obrigações plurais indivisíveis. Neste caso, “se a prestação for indivisível e vários os
devedores, só de todos eles pode o credor exigir o cumprimento da obrigação, salvo se tiver
sido estipulada a solidariedade ou esta resultar da lei” (art.º 535.º, CC). Portanto, a prestação
tem de ser exigida de todos os devedores simultaneamente.
Nas obrigações indivisíveis com pluralidade de devedores, extinguindo-se relativamente a
algum ou alguns dos obrigados, não inibe o credor de exigir a prestação dos restantes obrigados,
contanto que lhes entregue o valor da parte que cabia ao devedor ou devedores exonerados
(art.º 536.º, CC). Ou seja, apesar da indivisibilidade da prestação, o facto de ela se extinguir
relativamente a algum ou alguns dos devedores não acarreta necessariamente a sua extinção
integral, sendo admitido um acréscimo da responsabilidade dos restantes obrigados, desde que
seja previamente compensado por uma contraprestação de entrega do valor da parte do devedor
ou devedores exonerados.
Se ocorrer uma impossibilidade superveniente da prestação imputável a algum ou alguns dos
devedores, os restantes ficam exonerados (art.º 537.º, CC), devendo aquele ou aqueles à qual
esta é imputável ser sujeito à indemnização por impossibilidade culposa (art.º 801.º, n.º 1, CC).
Relativamente aos restantes devedores, derivando a impossibilidade de uma causa que não lhes
é imputável, deverão ver extinta a sua obrigação (art.º 790.º, CC).
Se a obrigação for indivisível com pluralidade de credores, a lei refere que qualquer um deles
tem o direito de exigir a prestação por inteiro, mas que o devedor, enquanto não for
judicialmente citado, só relativamente a todos os credores em conjunto se pode exonerar (art.º
538.º, CC). Segundo Menezes Cordeiro, este regime significa que a citação judicial do devedor
por um dos credores transforma a obrigação conjunta em solidária, apontando Menezes Leitão
para o facto de que a extinção da obrigação relativamente a algum ou alguns dos credores
implica a aplicação analógica do art.º 536.º, podendo os restantes credores exigir a prestação
do devedor apenas se lhe entregarem o valor da parte que cabia à parte do crédito que se
extinguiu.

As obrigações correais caracterizam-se por, embora havendo uma pluralidade de devedores


ou de credores, quer a obrigação quer o direito de crédito apresentam-se como unos, pelo que,
ao contrário das restantes obrigações plurais, o crédito não se pode extinguir apenas em relação
a um dos devedores, ou a um dos credores, extinguindo-se antes globalmente sempre que
ocorra uma circunstância extintiva que afecte um dos sujeitos da obrigação.
As obrigações disjuntas correspondem a obrigações de sujeito alternativo, ou seja, em que
existe uma pluralidade de devedores ou credores, mas apenas um virá, por escolha, a ser
designado sujeito da relação obrigacional. Ao contrário do que ocorre nas obrigações
alternativas, a escolha não se coloca neste caso em relação a várias prestações, mas em relação
aos sujeitos a obrigação, vindo posteriormente um de entre vários, a ser designado como
devedor ou credor.
As obrigações em mão comum correspondem a situações, em que apesar de ocorrer uma
pluralidade de partes da relação obrigacional, essa pluralidade resulta da pertença da obrigação
a um património de mão comum autonomizado do restante património das partes, o que leva a
que o vínculo se estabeleça de uma forma colectiva, onerando o conjunto de devedores com o
dever de prestar ou o conjunto de credores com o direito à prestação.

Classificação das Fontes das Obrigações

As obrigações podem resultar de diversos fenómenos, sendo denominado de fonte da


obrigação o facto jurídico de onde emerge a relação obrigacional.
O Código Civil não apresentou, dada a heterogeneidade de situações obrigacionais, uma
sistematização científica das fontes das obrigações, optando antes por efectuar uma sua mera
enumeração nos art.os 405.º e ss.:
i. Contratos (art.os 405.º e ss., CC);
ii. Negócios jurídicos unilaterais (art.os 457.º e ss., CC);
iii. Gestão de negócios (art.os 464.º e ss., CC);
iv. Enriquecimento sem causa (art.os 473.º e ss., CC);
v. Responsabilidade civil (art.os 483.º e ss., CC).
Nem todas as fontes das obrigações têm igual importância, sendo as mais importantes os
contratos e a responsabilidade civil, sendo as formas estatisticamente mais comuns de
surgimento de obrigações.
Em relação às restantes fontes, a lei portuguesa procurou restringir a aplicação de duas delas,
os negócios unilaterais e o enriquecimento sem causa, a situações excepcionais (cf. art.os 457.º
e 474.º, CC) e a gestão de negócios refere uma situação específica de verificação rara (art.º
464.º, CC).
Menezes Cordeiro aponta para o facto do elenco tipificado no Código Civil não ser exaustivo,
enxameando por toda a ordem jurídica formas de constituição de obrigações que não se podem
reconduzir, com adequação dogmática, a nenhuma das cinco fontes básicas.

Os contratos – generalidades

Os negócios jurídicos costumam ser distinguidos em unilaterais, que são os que possuem
apenas uma parte, e contratos, que são os que possuem duas ou mais partes. Normalmente, o
contrato possui apenas duas partes, sendo, por isso, designado de negócio jurídico bilateral,
podendo, no entanto, ocorrer que o contrato tenha cariz multilateral quando tiver mais que duas
partes.
Na definição tradicional entende-se por parte, não uma pessoa, mas antes o titular de um
interesse, o que poderia implicar que duas ou mais pessoas constituíssem uma única parte,
quando tivessem interesses comuns. Daí a exigência de uma contraposição de interesses, na
autoria das declarações negociais, contraposição essa que seria resolvida através precisamente
da estipulação contratual. Portanto, o contrato consistiria, para Antunes Varela, “num acordo
vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado;
aceitação do outro) contrapostas, mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam
estabelecer uma regulamentação unitária de interesses” ou que nele existe, segundo Almeida
Costa, “a manifestação de duas ou mais vontades, com conteúdos diversos, prosseguindo
distintos interesses e fins, até opostos, mas que se ajustam reciprocamente para a produção de
um resultado unitário”.
No entanto, a classificação clássica das partes em função dos interesses foi criticada não
apenas por apelar a uma realidade extra-jurídica, mas também porque os vários intervenientes
num negócio unilateral podem ter interesses diversos, sem prejuízo da sua posição comum.
Menezes Cordeiro vem propor, em alternativa, que a distinção entre negócios unilaterais e
contratos se baseia nos efeitos que venham a ser desencadeados, sendo que “nos negócios
unilaterais os efeitos não diferenciam as pessoas que eventualmente neles tenham intervindo,
pelo que tende neles a haver uma única pessoa, uma única declaração ou um único interesse”.
Pelo contrário, nos contratos “os efeitos diferenciam duas ou mais pessoas, isto é: fazem surgir,
a cargo de cada interveniente, regras próprias que devem ser cumpridas e possam ser violadas
independentemente umas das outras; em moldes formais, há mais que uma parte; e em
consequência, tendem a surgir várias declarações, várias pessoas e vários interesses”.
Para Menezes Leitão, a distinção entre contratos e negócios jurídicos unilaterais reside no
facto do primeiro se assumir como o resultado de duas ou mais declarações negociais
contrapostas, mas integralmente concordantes entre si, de onde resulta uma unitária estipulação
de efeitos jurídicos, enquanto que os negócios jurídicos unilaterais produzem efeitos apenas
com uma declaração negocial.

Modalidades de contratos – classificações e tipologias

Os contratos têm uma enorme extensão, surgindo em praticamente todos os domínios do


jurídico, podendo ser objecto das mais diversas ordenações, em função de critérios de toda a
natureza.
Em Direito Civil, é comum apresentar-se classificações de negócios jurídicos e de obrigações,
podendo os primeiros ser:
i. Unilaterais e multilaterais ou contratos;
ii. Conjuntos e deliberações;
iii. Inter vivos e mortis causa;
iv. Reais quoad constitutionem e sujeitos a registo constitutivo;
v. Pessoais, obrigacionais e reais quoad effectum;
vi. Causais e abstractos;
vii. Típicos e atípicos e nominados e inominados;
viii. Onerosos e gratuitos;
ix. De administração e de disposição;
x. Parciários, de organização, de distribuição e aleatórios;
xi. Instrumentais, preparatórios e acessórios.
Nas obrigações, estas podem ser:
1. Quanto ao conteúdo, de entrega de coisa, de serviço, de abstenção e de organização;
2. Quanto aos vínculos, simples e complexas;
3. Quanto às partes, uni e plurilaterais;
4. Quanto à estrutura, absolutas, relativas e mistas;
5. Quanto à natureza obrigacional exclusiva, puras e combinadas, subordinadas e
subordinantes;
6. Quanto à previsão normativa ou social, típicas ou atípicas;
7. Quanto ao conhecimento prévio do conteúdo, determinadas e indeterminadas.
Contratos consensuais, formais e reais quoad constitutionem

Na tradição romana, a eficácia dos contratos consensuais era solo consensu, i.e., pelo mero
acordo entre as partes, fosse qual fosse o modo por que ele se manifestasse. No entanto, os
contratos reais exigiam a entrega da coisa visada.
Esta distinção tem, em regra, o seguinte conteúdo no Direito actual:
a. Os contratos consensuais não exigem qualquer forma específica, bastando que as
declarações de vontade que os integrem se manifestem de modo mutuamente
compreensível;
b. Os contratos formais requerem que as declarações em causa se exteriorizem por via
pré-determinada legalmente;
c. Os contratos reais (quoad constitutionem) implicam, além das declarações de vontade
(consensuais ou formais, dependendo do caso), a entrega de uma coisa.
O Direito romano era bastante formalista, sendo que este veio a regredir ao longo dos tempos,
mantendo-se, no entanto, em alguns negócios, devendo-se tal à solenidade, ligada à vantagem
de dar publicidade a certas ocorrências, à reflexão, promovida junto das partes, à facilidade de
prova, devida aos documentos e pelas memórias que fiquem dos actos celebrados. No entanto,
ainda que relevem as “razões justificativas” (art.os 221.º, n.º 2, e 238.º, n.º 2, CC), elas nem
sempre são racionais, em virtude da sua dissociação com os valores em jogo.
A regra geral é a de que, quando a lei nada disser, os contratos são consensuais (art.º 219.º,
CC), sendo esta norma entendida como uma extensão do princípio da autonomia privada.
A forma legal, ou seja, aquela que é exigida pela lei, para determinado negócio, é exigida
apenas para o cerne ou “núcleo contratual fundamental”, ficando as estipulações acessórias
incluídas nessa forma quando assumam uma delicadeza ou uma feição semelhante ao núcleo
(as “razões da exigência especial”, cfr. art.º 221.º, n.os 1 e 2, CC), aplicando-se a fortiori esta
regra a contratos subsequentes, modificativos ou extintivos do primeiro. Quando as
estipulações acessórias forem anteriores ao contrato ou dele contemporâneas, elas só valem se
se provar que correspondem à vontade das partes, no momento da contratação formal (art.º
221.º, n.º 1, CC).
Quando forma for voluntária, ou seja, quando for adoptada pelos contratantes, embora
dispensada por lei e por convenção, as estipulações acessórias valem quando se mostre que
correspondem à vontade das partes (art.º 222.º, n.º 1, CC), sendo que o abandono da forma
convencional pode resultar, tacitamente, da conduta das partes com ela incompatível.
Quando a forma for convencional, ou seja, pactuada, pelas partes, em acordo a tanto dirigido,
as estipulações acessórias que não a observem não serão, em princípio, aplicáveis, em virtude
da presunção (ilidível, art.º 350.º, n.º 2, CC) de que as partes só por esse modo se quiseram
vincular.
No tocante aos contratos mistos que, no seu seio, alberguem elementos contratuais sujeitos a
forma solene, ocorre que a “parcela” não submetida à forma, seja ela legal, voluntária ou
convencional, seja considerada, para efeito das competentes regras, como “estipulação
acessória”. No entanto, quando do conjunto do contrato, pela sua natureza, não seja nele
possível o discernimento de várias áreas, a exigência de forma para uma delas contamina o
conjunto.

Contratos nominados e inominados

O contrato nominado tem uma designação própria (um nomen ou nome), fixado na lei. O
inominado não a tem: ou dispõe de uma denominação habitual, na gíria do sector ou entre os
juristas, ou é referenciado através de perífrases.
Nos seus contratos, as partes recorrem, geralmente, a denominações. O uso de um nomen
comum pode significar a vontade de ambas de remeter para o correspondente regime. Será, no
entanto, necessária uma verificação casuística, recorrendo às regras da interpretação,
prevalecendo o regime, de todo o modo, sobre as (meras) qualificações das partes, as quais
podem estar erradas.

Contratos típicos e atípicos

São contratos típicos aqueles cujas cláusulas nucleares constem da lei, sucedendo tal
normalmente em torno de um nomen iuris, pelo que os contratos típicos tendem a ser
nominados. O tipo é, assim, o núcleo legalmente regulado.
Os contratos atípicos, pelo contrário, resultam do exercício da autonomia privada, sendo o
tipo, por seu turno, o conjunto concatenado das regras legais aplicáveis ao contrato visado, o
qual apresenta uma lógica interna.

A presença de tipos contratuais é geralmente explicada por razões histórico-culturais, tratando-


se de acervos estratificados que se vieram a apurar ao longo dos séculos. No entanto, a
densidade reguladora dos tipos varia substancialmente.
Por vezes, os tipos contratuais visam um determinado fim, sendo tipos funcionais,
essencialmente entretecidos para a sua prossecução. Noutros casos, o tipo apenas propõe um
edifício contratual, que as partes poderão, depois, destinar ao que lhes convenha, sendo um tipo
formal. A liberdade das partes permite, em regra, que um tipo funcional seja usado fora da
função típica.

Os tipos contratuais apresentam três vantagens:


i. Fixam o regime mais habitual, a nível supletivo, poupando às partes a necessidade
de desenvolver um articulado mais completo, o que seria sempre arriscado e
oneroso;
ii. Estabelecem o sistema de maior equilíbrio para regular os interesses em presença,
exprimindo, em regra, soluções antigas, aperfeiçoadas ao longo dos séculos e, nessa
medida, de maior justiça e harmonia;
iii. Facilitam a intervenção do Estado, quando se trate de fixar regimes imperativos
para vectores sensíveis ou de proibir concretas soluções que, historicamente,
tenham sido isoladas como nocivas.
De qualquer forma e salvo a existência de regras imperativas, as partes podem alterar as
composições dadas pelos tipos legais ou juntar, num contrato, elementos característicos de dois
ou mais tipos (art.º 405.º, CC), tendo-se, neste último caso, contratos mistos.

A par dos tipos contratuais legais, tem-se, ainda, tipos sociais, ou seja, encadeamentos de
cláusulas habitualmente praticadas em determinados sectores, em regra dotados de designação
própria e que, mau grado a não formalização em lei, traduzem composições equilibradas e
experimentadas. Não obstante a ausência de regulação pelo legislador, o tipo social pode
funcionar em moldes paralelos ao tipo legal, evitando este, às partes, o terem de se repetir em
lugares comuns, ao mesmo tempo que afeiçoa as soluções historicamente mais equilibradas.
Os tipos sociais são, com frequência, alvo de pequenas codificações, feitas em cláusulas
contratuais gerais, havendo, então, que proceder ao seu controlo material através da LCCG.

Contratos obrigacionais e reais quoad effectum

Os contratos obrigacionais apenas produzem efeitos no plano das obrigações, enquanto que os
contratos reais quoad effectum constituem, modificam ou extinguem direitos reais.
Os contratos reais quoad effectum situam-se, em regra, na jurisdição da compra e venda, da
doação, e, em alguns casos, da sociedade. Os contratos com eficácia real quoad effectum
tendem a ser mais formais e a apresentar uma maior rigidez em virtude de modificarem
situações jurídicas reais, sujeitas a uma tipicidade legal.
Nada impede às partes de inserirem, num contrato, elementos obrigacionais e reais quoad
effectum.

Contratos comuns e especiais

O contrato comum estabelece uma regulação básica, de âmbito genérico, sobre a qual se pode
firmar uma regulação mais especializada, em função de interesses ou vectores sectoriais,
tratando-se, nesse caso, de um contrato especial.
A duplicação de contratos, em comuns e especiais, é de regra quando exista um Direito
comercial autónomo, dado que todo este será Direito privado especial. A autonomização de
algumas províncias comerciais poderá também ditar o surgimento de novas especialidades.
No entanto, a duplicação de contratos em comum e especial também ocorre dentro do Direito
civil.

Contratos sinalagmáticos e não-sinalagmáticos

Os contratos são sinalagmáticos quando impliquem prestações recíprocas, de tal modo a que
as partes se apresentem, simultaneamente, como credora e devedora uma da outra. Pelo prisma
de cada uma delas, poder-se-á falar em prestação e contraprestação, sendo o sinalagma a
relação de reciprocidade que, entre ambas, se estabeleça, v.g. contrato de compra e venda.
Nos contratos não-sinalagmáticos, falta essa reciprocidade de prestações, v.g. contrato de
doação.

Dentro dos contratos sinalagmáticos, é possível distinguir-se:


i. O sinalagma genético;
ii. O sinalagma funcional.
O sinalagma genético manifesta-se aquando da conclusão do contrato, traduzindo a projecção
de reciprocidade que, nas partes, as leva a pretender aquele contrato. O sinalagma funcional
opera durante toda a vida do contrato, sendo perceptível nas obrigações duradouras, em que
uma das prestações vai sendo produzida para que a contraprestação seja recebida.
Esta contraposição manifesta-se, pelo menos tendencialmente, no regime. Existindo mero
sinalagma genético, o incumprimento, por uma das partes, pode não justificar a resolução (art.º
886.º, CC). No entanto, se o sinalagma for funcional, a resolução opera (art.º 801.º, n.º 1, CC),
funcionando a excepção de não-cumprimento quando não existam prazos diferentes, o que
constitui um sintoma de funcionalidade, no sinalagma subjacente (art.º 428.º, n.º 1, CC).

Como figura intermédia entre o sinalagma e o não-sinalagma, encontra-se o sinalagma


imperfeito, o qual se reporta a contratos que, sendo geneticamente não-sinalagmáticos,
poderão, no seu funcionamento, ser alvo do surgimento de prestações recíprocas.

A sinalagmaticidade dá azo ao instituto da excepção do não-cumprimento do contrato (art.os


428.º e ss., CC), interferindo noutros, como a resolução por incumprimento (art.os 432.º a 436.º
e 801.º, n.º 2, CC) ou por impossibilidade superveniente (art.º 795.º, n.º 1, CC). Esta tem ainda
um papel na estrutura teleológica do contrato e, daí, no tema da equivalência e das suas
perturbações.

Contratos monovinculantes e bivinculantes

Num contrato ocorre, geralmente, a produção de efeitos perante as duas partes, as quais devem
respeitá-los. Tal ocorre mesmo nos contratos gratuitos, v.g. doação, em que as partes ficam
envolvidas em prestações secundárias e deveres acessórios.
Em certos casos, todavia, apenas uma das partes fica vinculada, dispondo a outra do direito
potestativo de desencadear, para ambas os efeitos contratuais, v.g. “promessa unilateral” (art.º
411.º, CC).
Os contratos monovinculantes são claramente diferentes dos não-sinalagmáticos, os quais
fixam um regime relevante entre as partes, sem inserir, uma delas, na posição potestativa de
tudo desencadear. Ocorre também que um contrato sinalagmático pode depender da mera
vontade de uma das partes, v.g. opção de compra.
No entanto, Menezes Leitão entende que é impossível a autonomização de uma classificação
dos contratos em monovinculantes ou bivinculantes, entendendo este Autor que “dizer que só
uma das partes tem uma obrigação ou dizer que só uma das partes está vinculada é, no fundo,
dizer exactamente a mesma coisa”.

Contratos onerosos e gratuitos


Um contrato é oneroso quando implique esforços económicos para ambas as partes, em
simultâneo e com vantagens correlativas, sendo gratuito quando cada uma das partes dele retire
tão-só vantagens ou sacrifícios.
O caso paradigmático de um contrato oneroso é a compra e venda, sendo a sua contraparte
gratuita a doação. No entanto, existem contratos que podem surgir como onerosos ou gratuitos
conforme a estipulação das partes.
Da natureza gratuita ou onerosa dos contratos deriva a aplicação de múltiplas regras
diferenciadas, contando-se, a par das que se reportam aos respectivos tipos, as relativas aos
pressupostos, à interpretação e aos casos de impugnação.

Nos contratos gratuitos, o empobrecimento do património de uma das partes corresponde, em


regra, ao enriquecimento do património da outra. No entanto, tal regra geral tem excepções,
como verificado pelo caso da chamada doação onerosa, podendo ainda ocorrer que as partes
contratantes, ao abrigo da sua autonomia privada, componham um contrato misto que
compreenda uma parte gratuita e outra onerosa.

Menezes Cordeiro aponta para que, no verdadeiro contrato gratuito, a vontade livre do
sacrificado manifestou-se pela intenção de dar – o animus donandi – sendo a presença deste
factor condição sine qua non para a aplicação das regras próprias das liberalidades. Tal aspecto
é da maior importância pois o Direito não admite, em certas condições, desequilíbrios
excessivos entre as posições das partes, ocorrendo que, no surgimento de um contrato gratuito,
desejado como tal (animus donandi), o desequilíbrio é justo e admissível. Os contratos gratuitos
têm um relevo social e económico considerável, dando corpo a manifestações de solidariedade,
fundamentais para a coesão ética e social de qualquer comunidade.

Contratos instrumentais e principais; preparatórios e definitivos; normativos; contratos-


tipo e contratos-quadro

Um contrato é instrumental quando vise reger, em exclusivo, aspectos atinentes a um outro


contrato, sendo principal quando se encontre orientado para o fim exterior.
A generalidade dos contratos instrumentais são preparatórios, sem prejuízo dos contratos
instrumentais que se reportem a contratos já celebrados e, mais genericamente, com contratos
sobre contratos.
O contrato diz-se normativo quando, do seu conteúdo, resultem regras gerais e abstractas, i.e.,
regras que se aplicarão eventualmente, caso ocorram situações que, com generalidade e
abstracção, eles próprios prevejam. No limite, o contrato normativo é contrato, quanto à
constituição, e lei, quanto aos efeitos.
O caso paradigmático dos contratos normativos é a convenção colectiva de trabalho, não se
confundindo esta primeira modalidade de contratos com as cláusulas contratuais gerais que,
sendo gerais e abstractas, são apenas predispostas para a conclusão de contratos singulares que
delas advenham. Estando-se no domínio da autonomia privada, os contratos normativos irão
produzir efeitos no círculo que tenha a ver com as entidades que os hajam celebrado, devendo
ter-se em contra na sua interpretação os vectores apurados para as convenções colectivas de
trabalho.

Os contratos-tipo são modelos a adoptar em contratos ulteriores, que venham a ser celebrados.
Estes podem operar como cláusulas contratuais gerais, quando postos à disposição de
interessados indeterminados, podendo também servir como simples figurinos que as partes
poderão adoptar no futuro. Neste último caso, a existência de um “modelo” pode ser tida em
conta na interpretação e integração.
Os contratos-quadro são contratos que contém elementos a inserir em contratos ulteriores, sem
que os prefigure in totum, ordenando apenas seja a sua aparição, seja a sua concatenação, seja
alguns aspectos do seu interior (cf. art.º 251.º, CCP).

Contratos mistos

É contrato misto aquele que envolve regras próprias de um tipo contratual e regras que lhe
sejam estranhas, seja por pertencerem a um tipo diverso, seja por não caberem em qualquer
tipo. Os contratos mistos são, por conseguinte, contratos atípicos lato sensu.
Os contratos atípicos stricto sensu são aqueles cuja regulação nada tenha a ver com qualquer
tipo legal.

Dada a latitude da autonomia privada, é possível às partes:


i. Escolher um tipo previsto na lei;
ii. Optar por um tipo social que, embora sem previsão legal específica, convoque
regras que, de certo modo, o acompanhem;
iii. Associar, no mesmo contrato, regras provenientes de dois ou mais tipos legais;
iv. Associar, no mesmo contrato, regras provenientes de dois ou mais tipos sociais ou
articular, num instrumento, regras típicas, legais ou sociais;
v. Incluir, junto de cláusulas típicas, proposições inteiramente novas, da sua lavra;
vi. Usar figuras típicas mas de tal modo que venham desempenhar um papel diferente
daquele que, normalmente, lhe está associado;
vii. Engendrar figuras inteiramente novas;
viii. Adoptar esquemas conhecidos no estrangeiro, seja com tipos legais, seja como tipos
sociais, mas em termos tais que a lei do contrato seja a portuguesa.

Existem quatro grandes categorias de contratos mistos:


1. Contratos complementados;
2. Contratos combinados ou múltiplos;
3. Contratos duplos ou híbridos;
4. Contratos indirectos ou mistos stricto sensu.
Nos contratos complementados ou contratos típicos com prestações subordinadas de outra
espécie, tem-se uma composição que, no essencial, se enquadra num tipo contratual mas que,
a acompanhar esse núcleo, apresenta prestações próprias de outras figuras.
Nos contratos combinados ou múltiplos, uma das partes está adstrita a uma prestação própria
de certo tipo, enquanto a outra se vincula a diversas prestações redutíveis a distintos tipos
contratuais.
Nos contratos duplos ou híbridos, uma das partes está adstrita a uma prestação própria de um
tipo contratual, enquanto a outra se enquadra na prestação típica de outro.
Os contratos indirectos ou mistos stricto sensu correspondem àqueles em que as partes usam
um determinado tipo contratual, fazendo-o, no entanto, de tal forma que prosseguem, de facto,
a composição de interesses própria de um tipo diverso.

Colocando-se frequentemente a questão da determinação de qual o regime que lhes deve ser
aplicado, dado que as partes, reunindo no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios total
ou parcialmente regulados na lei, provocam sempre um conflito de regimes legais
potencialmente aplicáveis, a doutrina aponta três teses que pretendem resolver esta questão:
a Teoria da absorção – defendida por Lotmar;
b Teoria da combinação – defendida por Rümelin e Hoeniger;
c Teoria da analogia – defendida por Schreiber.
A teoria da absorção vem defender que o conflito de regimes contratuais suscitado pelos
contratos mistos deve ser resolvido pela opção a favor de um único regime contratual – o que
se pudesse considerar predominante – o qual absorveria as regulações respeitantes aos outros
tipos contratuais.
A teoria da combinação vem, por outro lado, sustentar que o conflito entre os regimes
contratuais não deve ser resolvido pela opção a favor de um deles, mas antes se deve realizar
uma aplicação combinada dos dois regimes.
A teoria da analogia vem sustentar que o conflito de regimes contratuais deve implicar a não
aplicação de qualquer deles, configurando-se, por isso, o contrato misto como um contrato
integralmente atípico, não regulado por qualquer tipo contratual, mas apenas pela parte geral
do Direito das Obrigações, e sendo as questões do seu regime consideradas, por isso, como
lacunas da lei, a resolver através da integração analógica, com base na norma mais próxima em
termos de situação de interesses e fim da le.
Galvão Telles defendeu que os contratos múltiplos ou combinados e duplos ou híbridos se
devem reger pela teoria da combinação, enquanto que os contratos mistos stricto sensu e os
contratos complementados se devem reger pela teoria da absorção. Antunes Varela defendeu
que, sempre que a lei não estabeleça um regime para o contrato misto deve ponderar-se, em
concreto, se o seu regime deveria ser estabelecido através da absorção ou da combinação.
Almeida Costa apela aos critérios de integração dos negócios jurídicos (art.º 239.º, CC),
sustentando que deve ser em primeiro lugar averiguada a possibilidade de aplicação analógica
da disciplina de algum ou alguns contratos típicos, correspondendo à teoria da analogia.
Menezes Cordeiro defende a aplicação preferencial da teoria da absorção, recorrendo-se
subsidiariamente à combinação ou à analogia quando a aplicação daquela teoria seja afastada
por normas injuntivas, vontade das partes em contrário ou se torne inviável. Ferreira de
Almeida defende a resolução primordial das questões através da interpretação contratual e da
integração de lacunas, defendendo, quando tal seja insuficiente, a combinação cumulada de
regimes.
Para Menezes Leitão, sempre que, na economia do contrato misto, os elementos pertencentes
a um dos contratos assumirem preponderância, deve ser aplicado essencialmente o regime
desse contrato – teoria da absorção. Quando não for possível estabelecer essa preponderância,
a solução deve ser a aplicação simultânea dos dois regimes – teoria da combinação.
A opinião deste Autor leva a que, tendencialmente, os contratos múltiplos e híbridos se regerão
pela teoria da combinação e os contratos indirectos e complementados pela teoria da absorção.
A união de contratos

Deve distinguir-se dos contratos mistos a figura da união de contratos. No contrato misto,
ainda que se recolham elementos de vários tipos contratuais, estes elementos dissolvem-se para
formar um contrato único. Na união de contratos, pelo contrário, essa dissolução não ocorre,
verificando-se antes a celebração conjunta de diversos contratos, unidos entre si. Assim, a
união de contratos permite que cada contrato mantenha a sua autonomia, possibilitando a sua
individualização em face do conjunto, existindo, no entanto, um nexo entre os vários contratos.
Admitem-se as seguintes formas de união de contratos:
i. União externa;
ii. União interna;
iii. União alternativa.
Ocorre uma união externa quando a ligação entre os diversos contratos resulta apenas da
circunstância de serem celebrados ao mesmo tempo, já que as partes não estabeleceram
qualquer nexo de dependência entre os diversos contratos.
Na união interna, pelo contrário, os dois contratos apresentam-se ligados entre si por uma
relação de dependência, já que na altura da sua celebração, uma das partes estabeleceu que não
aceitaria celebrar um dos contratos sem o outro. Esta dependência pode ser unilateral quando
apenas um dos contratos depende do outro, ou bilateral, quando ambos os contratos se
encontram dependentes entre si. Em qualquer caso, as partes querem um dos contratos, ou
ambos, como associados economicamente, pelo que a validade e a vigência de um ou ambos
dos contratos ficará dependente da validade e vigência do outro.
Na união alternativa, as partes declaram pretender ou um ou outro contrato, consoante ocorrer
ou não a verificação de determinada condição. A verificação da condição implica assim a
produção de efeitos de um dos contratos, ao mesmo tempo que exclui a produção de efeitos do
outro. Os contratos encontram-se, por isso, numa fase inicial unidos entre si, mas essa união é
meramente ocasional e virá a ser resolvida a favor da permanência de apenas um dos contratos.

Contratos com eficácia real

Não sendo a única fonte das obrigações, o contrato é a mais importante entre todas elas. No
entanto, o contrato não se limita a constituir, modificar e extinguir relações obrigacionais,
nascendo dele também relações jurídicas familiares, direitos sucessórios e direitos reais.
A regra geral, no tocante à constituição e transferência de direitos reais, é a da sua verificação
por mero efeito do contrato (art.º 408.º, CC).
Assim, se for celebrado um contrato de compra e venda, este imporá ao vendedor a obrigação
de entregar a coisa (art.º 879.º, CC), sendo que, ao mesmo tempo, por força da regra geral do
art.º 408.º, a celebração do contrato transfere, desde logo, do vendedor para o comprador, o
domínio sobre a coisa.
Aos contratos com semelhante efeito chamam-se contratos com eficácia real ou contratos reais
quoad effectum.

O princípio da transferência imediata do direito real constitui a regra dos contratos de alienação
de coisa determinada (art.º 408.º, n.º 1, CC), tratando-se, no entanto, de uma regra puramente
supletiva, a qual pode ser afastada pelas partes, por exemplo, mediante o estabelecimento de
uma cláusula de reserva de propriedade.
A reserva de propriedade, prevista no art.º 409.º (art.º 934.º no tocante à reserva na venda a
prestações), consiste na possibilidade, conferida ao alienante de coisa determinada, de manter
na sua titularidade o domínio da coisa até ao cumprimento (total ou parcial) das obrigações que
recaiam sobre a outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento.
Se reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento das obrigações da outra parte
ou à verificação de qualquer outro evento, a alienação é feita sob condição suspensiva – e não
da condição resolutiva da falta de cumprimento ou da não verificação do evento.
Para que seja eficaz em relação a terceiros, tratando-se de coisas imóveis ou de coisas móveis
sujeitas a registo, é necessário que o direito emergente da cláusula (pactum reservati dominii)
tenha sido inscrito no registo.
Tendo a alienação por objecto coisas móveis não sujeitas a registo, a reserva vale, mesmo em
relação a terceiros, por simples convenção das partes. Esta solução pode lesar as expectativas,
quer dos credores do adquirente, quer dos próprios subadquirentes, dada a inexistência do
princípio “posse vale título” no ordenamento português, que suponham, por ignorância da
cláusula, pertencerem desde logo ao adquirente as mercadorias por ele compradas, que se
encontrem em seu poder, explicando-se principalmente pelo intuito de facilitar a concessão de
crédito ao adquirente e ainda pela possibilidade que, em regra, não faltará a um contraente
prudente e cauteloso de conhecer a real situação das coisas. Aliás, apenas mediante esta
cláusula ou a reserva da resolução do contrato o vendedor poderá recuperar o domínio da coisa
vendida, depois de efectuada a entrega dela, com fundamento na falta de pagamento do preço,
dada a disposição excepcional do art.º 886.º
Contrato-promessa – noção genérica

O contrato-promessa é a convenção pela qual ambas as partes ou apenas uma delas, se


obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado
contrato. Ao contrato a cuja futura realização as partes, ou apenas uma delas, ficam adstritas
dá-se o nome de contrato prometido.
O contrato-promessa cria a obrigação de contratar, ou, mais concretamente, a obrigação de
emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido. A obrigação assumida
por ambos os contraentes, ou por um deles se a promessa for apenas unilateral, tem assim por
objecto uma prestação de facto positivo, um facere oportere, sendo o direito atribuído à
contraparte uma verdadeira pretensão.

A promessa unilateral aproxima-se bastante de outras figuras negociais, como os pactos de


preferência, a venda a retro, os pactos de opção e a proposta contratual.
No pacto de preferência (art.os 414.º e ss., CC), a pessoa não se obriga a contratar, como sucede
no contrato-promessa, mas apenas a escolher em certos termos uma outra como contraente, no
caso de se decidir a contratar.
Na venda a retro (art.os 927.º e ss., CC), o comprador não promete celebrar uma outra venda
com o vendedor, ficando antes sujeito a que este, mediante uma simples notificação, resolva o
contrato, não necessitando, portanto, de qualquer nova declaração contratual por parte do
comprador.
Nos pactos de opção, uma das partes emite logo a declaração correspondente ao contrato que
pretende celebrar, enquanto a outra se reserva a faculdade de aceitar ou declinar o contrato,
dentro de certo prazo. Aceitando, o contrato torna-se perfeito sem necessidade de qualquer
nova declaração da contraparte, contrariamente ao que ocorre com a promessa unilateral, em
que se torna necessário um acordo posterior para dar vida ao contrato definitivo.
Da promessa unilateral deriva para o não-promitente uma verdadeira pretensão à celebração
do contrato prometido, enquanto que do pacto de opção deriva um direito potestativo à
aceitação da proposta contratual emitida e mantida pela outra parte.
A promessa unilateral também não se confunde com a proposta contratual, dado que se
prescinde, nesta última, de nova manifestação de vontade do proponente para que o contrato se
aperfeiçoe, enquanto que na promessa unilateral o promitente obriga-se apenas à celebração de
um contrato futuro. Enquanto a promessa unilateral assenta sobre um contrato consumado, a
proposta é uma simples declaração de vontade emitida por uma das partes que só se converte
em contrato com a aceitação do outro contraente, que ela visa provocar.

A celebração de contrato com sinal, tendo íntima ligação com o contrato-promessa, não se
confunde com este.
O sinal consiste na coisa que um dos contraentes entrega ao outro, no momento da celebração
do contrato ou em momento posterior, como prova da seriedade do seu propósito negocial e
garantia do seu cumprimento (sinal confirmatório) ou como antecipação da indemnização
devida ao outro contraente, na hipótese de o autor do sinal se arrepender do negócio e voltar
atrás (sinal penitencial), podendo a coisa entregue coincidir ou não com o objecto da prestação
devida ex contractu.
O contrato-promessa é uma convenção autónoma, enquanto que a constituição de sinal é uma
cláusula dependente de um outro negócio, no qual se insere, podendo este último acompanhar
tanto um contrato-promessa, como um contrato definitivo.
No contrato-promessa em que um dos contraentes entregue ao outro qualquer quantia em
dinheiro ou alguma coisa, mesmo que a coisa coincida no todo ou em parte com a prestação
correspondente ao contrato prometido, a entrega tanto pode representar a constituição do sinal
como uma antecipação de pagamento, consoante as circunstâncias.
Na promessa de compra e venda presume-se, até prova do contrário, que reveste o sentido de
sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que
declaradamente a título de antecipação ou princípio de pagamento.

Forma e substância do contrato-promessa. Princípio da equiparação

A regra geral que a lei estabelece em relação ao regime do contrato-promessa é a do princípio


da equiparação (art.º 410.º, CC), que consiste em aplicar, como regra, aos requisitos e aos
efeitos do contrato-promessa as disposições relativas ao contrato prometido.
No entanto, o princípio da equiparação é excepcionado em dois aspectos, sendo o primeiro é
atinente à forma e o segundo atinente às disposições que, pela sua razão de ser, se não podem
considerar extensíveis ao contrato-promessa (art.º 410.º, n.º 1, CC).
Quanto à forma, a solução aplicável ao contrato-promessa traduz-se nos seguintes preceitos:
a. Se, para o contrato prometido, a lei exigir documento (seja ele autêntico ou particular),
como sucede para a venda ou doação de coisas imóveis, o respectivo contrato-promessa
só é válido se constar de documento escrito, assinado pela parte que se vincula à
celebração do contrato definitivo (art.º 410.º, n.º 2, CC);
b. Tratando-se de contrato-promessa relativo à celebração de contrato oneroso de
transmissão ou constituição de direito real sobre edifício (ou de fracção autónoma) já
construído, em vias de construção ou que deva ser construído, o documento escrito
necessita de ter reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes, bem como
a certificação notarial da existência da licença de utilização ou de construção;
c. Se o contrato prometido estiver subordinado a qualquer outra formalidade, que não seja
a redução a documento, vale para a respectiva promessa a regra geral da liberdade de
forma (art.º 219.º, CC).

Na eventualidade do contrato-promessa bilateral ser assinado apenas por um dos promitentes,


existe a questão sobre se este pode valer como promessa unilateral, apresentando a doutrina as
seguintes teorias:
i. Tese da transmutação automática do contrato em promessa unilateral;
ii. Tese da nulidade total do contrato;
iii. Tese da conversão;
iv. Tese da redução.
A tese da transmutação automática do contrato-promessa bilateral em que faltasse a assinatura
de uma das partes em promessa unilateral foi sufragada pelo STJ numa primeira fase, entre
1972 e 1977.
A tese da nulidade total do contrato veio a ser sufragada pelo STJ, numa segunda fase, a partir
de 1977, passando então a defender-se que falta da assinatura de uma das partes é um elemento
essencial para a forma do contrato-promessa bilateral e que atenta a natureza sinalagmática
deste contrato, a invalidade de uma das obrigações tem que afectar igualmente a outra, dado
que o sinalagma genético é irredutível a metade. Esta tese foi defendida por Galvão Telles até
1986.
A tese da conversão foi defendida por Antunes Varela e, posteriormente, por Galvão Telles,
sendo que esta defende que se apresentaria como iníquo não permitir o aproveitamento do
negócio, mas que este deve ser realizado através do mecanismo da conversão e não da redução,
já que esta última pressupõe uma invalidade parcial e o contrato-promessa bilateral a que falte
uma das assinaturas se apresenta como totalmente nulo, por falta da forma exigida por lei. Por
outro lado, a natureza sinalagmática do contrato-promessa bilateral torná-lo-ia radicalmente
diferente do contrato-promessa unilateral, que não reveste essa natureza. Portanto, não se está
perante um aproveitamento parcial do negócio, mas perante a sua transformação num negócio
de tipo ou, pelo menos, de conteúdo diferente, situação sujeita por isso ao regime da conversão
(art.º 293.º, CC). O aproveitamento do negócio afigura-se, neste caso, como um ónus sobre a
parte interessada em tal.
A tese da redução foi defendida por Almeida Costa, Ribeiro de Faria, Calvão da Silva e
Gravato de Morais, sendo que esta tese defende que se no contrato-promessa a lei só exige a
assinatura para a declaração negocial do contraente que se vincula à promessa, a nulidade por
falta de forma no contrato-promessa bilateral será parcial se apenas um dos contraentes não
assinar o contrato, o que justifica a aplicação do regime da redução (art.º 292.º, CC). Neste
caso, o regime da redução só será afastado se se demonstrar que a vontade das partes vai em
sentido contrário.
Menezes Cordeiro defende uma tese intermédia, considerando a promessa unilateral
visceralmente diferente do contrato-promessa bilateral, pelo que a situação será
necessariamente de invalidade total pelo que, em princípio, apenas a conversão poderia salvar
o negócio. No entanto, este Autor, reconhecendo que a redução é a solução que melhor
salvaguarda os interesses do contraente vinculado propugna uma aplicação conjunta dos dois
preceitos, remetendo-se ainda, com base no art.º 239.º para a boa-fé afim de se encontrar a
solução mais justa.

A segunda excepção ao princípio da equiparação reporta-se principalmente aos efeitos do


contrato-promessa.
O contrato-promessa, criando para o promitente uma obrigação de contratar, cujo objecto é
uma prestação de facto, goza apenas, em princípio, de eficácia meramente obrigacional, restrita
por conseguinte às partes contratantes, ao invés do contrato prometido, quando se trate de
contrato de alienação ou oneração de coisa determinada, que goza de eficácia real.
Para o regime da relação obrigacional emergente da promessa continua, entretanto, a valer o
mesmo princípio da equiparação estabelecido no art.º 410.º, não se distinguindo, na sua
aplicação, entre os requisitos da formação e os efeitos do negócio. São, assim, aplicáveis
mutatis mutandis à promessa de venda, as regras que na compra e venda se reportam à
determinação e redução do preço, à venda de bens alheios, de coisas defeituosas, de bens
onerados, etc.
Sendo afastadas as disposições que, pela sua razão de ser, se não devam considerar extensivas
ao contrato-promessa, deve apurar-se, em obediência à directriz traçada, a razão de ser dessa
regra, a ratio legis da norma que a consagra.
Assim, não é aplicável à promessa de venda, que tem eficácia meramente obrigacional, a
eficácia translativa da compra e venda, a qual define o risco do comprador pelo perecimento
da coisa (art.º 796.º, CC), ou a limitação ao direito de resolução do contrato por parte do
vendedor (art.º 886.º, CC). São igualmente inaplicáveis ao contrato-promessa a proibição da
venda de coisa alheia (art.º 892.º, CC), a proibição da venda de coisa comum (indivisa) por um
só dos condóminos (art.os 1405.º e 1408.º, CC) e outras proibições análogas. É igualmente
inaplicável à promessa de venda de bens imóveis a exigência de intervenção de ambos os
cônjuges nos contratos de alienação dessa natureza (art.º 1682.º-A, n.º 1, CC).
Na fixação das consequências do não cumprimento do contrato-promessa, deve corrigir-se o
princípio da equiparação à luz das prescrições especiais constantes dos artigos 442.º e 830.º
para a falta de cumprimento do contrato-promessa.

Contrato-promessa com eficácia real

O contrato-promessa produz, em regra, efeitos somente inter partes, sendo, no entanto,


admitido que a promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis,
ou sobre bens móveis sujeitos a registo, produza efeitos em relação a terceiros, desde que se
verifiquem os seguintes requisitos (art.º 413.º, CC):
a. Constar a promessa de escritura pública ou documento particular autenticado, salvo se
a lei não exigir tal forma, caso em que a promessa deve ser realizada em documento
particular com reconhecimento da assinatura da parte que se vincula ou de ambas,
consoante se trate de contrato-promessa unilateral ou bilateral;
b. Pretenderem as partes atribuir-lhe eficácia real;
c. Serem inscritos no registo os direitos emergentes da promessa.
Quando assim for, a promessa, enquanto não for revogada, declarada nula ou anulada ou não
caducar, prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente se constituam
relativamente à coisa, tudo se passando, sob esse aspecto, relativamente a terceiros, como se a
alienação ou oneração prometida, uma vez realizada, se houvesse efectuado na data em que a
promessa foi registada.
Na falta dos requisitos exigidos, o contrato-promessa, ainda que válido, tem eficácia
meramente obrigacional, não sendo os direitos nascidos desse contrato oponíveis a terceiros.

A Doutrina discute qual a natureza do direito do beneficiário da promessa com eficácia real,
entendendo Menezes Cordeiro, Galvão Telles e Oliveira Ascensão que se trata de um direito
real de aquisição. Antunes Varela, Almeida Costa, Pessoa Jorge e Henrique Mesquita entendem
que se trata ainda de um direito de crédito, embora sujeito a um regime especial de
oponibilidade a terceiros.
Perante a alienação faltosa a terceiro, existem as seguintes posições:
i. Recorrer-se-ia a uma execução específica contra o promitente faltoso, e ao regime
da nulidade, contra o terceiro, por venda de bens alheios – Antunes Varela e Ribeiro
de Faria;
ii. Idem, mas sendo a venda feita a terceiros meramente ineficaz – Pessoa Jorge,
Almeida Costa, Henrique Mesquita e Gravato Morais;
iii. Usar-se-ia a execução específica contra o terceiro adquirente – Dias Marques – ou
contra este e o promitente faltoso – Oliveira Ascensão;
iv. Lançar-se-ia mão de uma acção ad hoc “declarativa constitutiva, eventualmente
cumulável com um pedido de restituição, a instaurar em litisconsórcio necessário
contra o promitente e o terceiro adquirente” – Menezes Leitão;
v. Intentar-se-ia uma reivindicação contra o actual possuidor da coisa – Menezes
Cordeiro.

Registo da acção de execução específica

No caso de, sem que o contrato-promessa tenha eficácia real, uma acção de execução
específica julgada procedente que tenha sido registada pelo seu autor, esta sentença é oponível
a terceiros, desde que a sentença favorável venha a ser registada.
O registo da sentença que julgue definitivamente procedente a acção de execução específica
baseada em contrato-promessa de venda de coisa imóvel, destituída de eficácia real, tem os
seguintes efeitos:
a. O direito do promitente-adquirente, convertido em adquirente pela sentença de
procedência da acção, prevalece evidentemente, pela publicidade que o registo conferiu
à acção, sobre o direito de todos os promitentes-adquirentes baseados em contratos-
promessa de data posterior, quer estes tenham, quer estes não tenham eficácia real;
b. A prevalência do registo da sentença favorável ao promitente-adquirente estende-se ao
próprio registo da transmissão efectuada pelo promitente-vendedor a terceiro, depois
de registada a acção de execução específica, por duas razões: primeiro, porque o registo
da acção, embora provisório por natureza, tornou pública a pretensão do promitente,
alertando, por conseguinte, qualquer futuro adquirente contra o perigo decisivo da sua
aquisição; segundo, porque, de outro modo, o promitente-vendedor, depois de
demandado na acção de execução específica, teria sempre um meio fácil de inutilizar o
efeito principal da procedência da acção, alienando entretanto o imóvel a terceiro;
c. A prevalência do registo da sentença favorável ocorre sobre terceiro que houver
adquirido antes da propositura de acção de execução específica quando esta última for
julgada procedente antes do terceiro adquirente proceder ao registo da aquisição.

Transmissão dos direitos e obrigações dos promitentes

Os direitos e obrigações resultantes da promessa contratual são, em princípio, transmissíveis


por morte e por negócio entre vivos (art.º 412.º, n.º 1, CC). Se, para um dos contraentes, a
promessa cria apenas um direito de crédito, este poderá cedê-lo, nos termos gerais da cessão
de créditos (art.os 577.º e ss., CC). Quando do contrato-promessa lhe advenham ao mesmo
tempo direitos e obrigações, como no caso da promessa de compra e venda, ele poderá ceder a
sua posição contratual (art.os 424.º e ss., CC). Falecendo qualquer das partes, a posição dela
transmite-se aos seus sucessores, de acordo com as regras da sucessão.
Exceptuam-se da regra da transmissão os direitos e obrigações em cuja constituição, segundo
a vontade dos contraentes ou as próprias circunstâncias do contrato, tenham exercido papel
decisivo as qualidades ou atributos pessoais do promitente ou da contraparte. É a estes direitos
ou obrigações constituídos intuitu personae que o art.º 412.º se refere com a expressão “direitos
e obrigações exclusivamente pessoais”.
A questão da transmissibilidade não deve, no entanto, ser decidida em termos rígidos,
atendendo apenas à natureza do contrato prometido, tendo esta de ser articulada com a vontade
real ou presumível dos contraentes e com as circunstâncias especiais de cada contrato.

Execução específica do contrato-promessa

As partes vinculam-se, no contrato-promessa, a uma prestação de facto jurídico, sendo esta


incoercível, pelo que o devedor não pode ser coagido pela força a emitir a declaração negocial
a que se obrigou. No entanto, a lei admite que a obrigação de contratar seja alvo de execução
específica, consistindo na substituição do devedor no cumprimento, obtendo o credor por via
judicial a satisfação do seu direito. Neste caso, a execução específica consistirá na emissão, por
parte do tribunal, de uma sentença que produza os mesmos efeitos jurídicos da declaração
negocial que não foi realizada, operando-se assim a constituição do contrato definitivo.
A execução específica da obrigação de contratar encontra-se prevista no art.º 830.º, onde se
determina que:
“Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte,
na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do
faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”.
Disto decorre que o não cumprimento da promessa atribui à contraparte o direito de recorrer à
execução específica, entendendo Menezes Leitão que a referência legal a não cumprimento
deve ser entendida em sentido amplo, uma vez que para efeitos da execução específica é
suficiente a simples mora, já que o credor mantém interesse na prestação, exercendo o seu
direito.
A execução específica deixa de ser possível a partir do momento quem se verifique uma
impossibilidade definitiva de cumprimento.
Existem duas situações em que é expressamente excluída a execução específica do contrato-
promessa, sendo estas:
1. A existência de convenção em contrário;
2. A execução específica ser incompatível com a natureza da obrigação assumida.
A possibilidade de execução específica da obrigação de contratar não se apresenta como um
regime imperativo, pelo que as partes podem derrogá-lo através de convenção, presumindo-se
tal no caso de as partes constituírem sinal ou estipularem uma penalização para o
incumprimento (art.º 830.º, n.º 2, CC) por se presumir, nesta situação, que as partes pretendem
unicamente, em caso de incumprimento, a obtenção da indemnização convencionada e não a
execução específica. No entanto, esta presunção é ilidível por prova em contrário (art.º 350.,
n.º 2, CC), nada impedindo, por isso, que as partes convencionem a aplicação dos dois regimes,
cabendo nesse caso ao credor optar pela alternativa que lhe for mais conveniente.
No caso de promessa relativa à constituição ou transmissão de direito real sobre edifício ou
fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o direito à execução
específica não pode ser afastado pelas partes (art.º 830.º, n.º 3, CC), pelo que a convenção de
sinal ou a cláusula penal nunca terão carácter alternativo à execução específica. A execução
específica não pode, segundo Antunes Varela, ser afastada quando a promessa tenha eficácia
real, mesmo que exista convenção de sinal ou de cláusula penal.
Existem também casos em que a execução específica se apresenta como incompatível com a
obrigação assumida pela índole específica do processo de formação do contrato prometido ou
a sua natureza pessoal não se apresentar como compatível com a sua constituição por sentença
judicial. Tal ocorre nas promessas relativas a contratos reais quoad constitutionem, em que se
exige a tradição da coisa para operar o contrato definitivo, não podendo o tribunal substituir-
se ao promitente na tradição da coisa, acto cuja espontaneidade a lei pressupõe. Nestes casos,
o incumprimento do contrato-promessa apenas poderá gerar indemnização por
responsabilidade contratual, não se admitindo a produção dos seus efeitos através de sentença
judicial.
A lei procura também solucionar problemas que a execução específica poderia desencadear.
No caso do bem ter sido prometido vender livre de ónus ou encargos, mas se encontrar
presentemente hipotecado, é possível que, a par da acção de execução específica, se peça
simultaneamente a condenação do promitente faltoso na quantia necessária para expurgar a
hipoteca, assim se conseguindo a sua extinção, sem prejuízo para o beneficiário da promessa
(art.º 830.º, n.º 4, CC). No caso do promitente faltoso invocar a excepção de não cumprimento
do contrato, a acção improcede se o autor da acção não consignar em depósito a sua prestação
no prazo fixado pelo tribunal (art.º 830.º, n.º 5, CC).

Sinal

O regime do contrato-promessa deve ser articulado com o regime do sinal, o qual consiste
numa cláusula acessória dos contratos onerosos, mediante a qual uma das partes entrega à
outra, por ocasião da celebração do contrato, uma coisa fungível, que pode ter natureza diversa
da obrigação contraída ou a contrair. O sinal funciona, nesse caso, como fixação das
consequências do incumprimento, uma vez que se a parte que constituiu o sinal deixou de
cumprir a sua obrigação, a outra parte tem o direito de fazer sua a coisa entregue. Se o não
cumprimento partir de quem recebeu o sinal, este tem que o devolver em dobro (art.º 442.º, n.º
2, primeira parte, CC).
No entanto, se se verificar o cumprimento do contrato, a coisa entregue deve ser imputada na
prestação devida – valendo, então, como princípio de pagamento – ou restituída, caso essa
imputação não seja possível (art.º 442.º, n.º 1, CC).
Para Menezes Leitão, o sinal representa um caso típico de datio rei, transmitindo-se a
propriedade com uma função confirmatória-penal, podendo nessa medida qualificar-se como
um contrato real simultaneamente quoad effectum e quoad constitutionem. O sinal só se
constitui com a tradição da coisa que é o seu objecto, sendo nesse momento a propriedade
adquirida pelo accipiens, mas podendo vir a ser forçado a restituí-la ao dans se não for possível
a sua imputação à prestação devida. Sendo possível essa imputação, a coisa objecto do sinal
fica definitivamente no património do accipiens, em caso de cumprimento do contrato.
Verificando-se o incumprimento do contrato, há lugar à aplicação dos efeitos penais, passando
pela perda do sinal ou pela sua restituição em dobro.
Envolvendo uma estipulação da indemnização em caso de incumprimento, o sinal aproxima-
se da cláusula penal (art.º 810.º, n.º 1, CC), distinguindo-se desta apenas pelo facto de pressupor
a entrega prévia de uma coisa fungível.

A regra geral é que, no contexto dos contratos, a realização de uma datio rei, por uma das
partes, na altura da celebração do contrato ou em momento posterior, não implica presunção
de constituição de sinal sempre que se verifique coincidência entre a datio rei realizada e o
objecto da obrigação a que aquela parte está adstrita (art.º 440.º, CC). Nesta situação, entende-
se que o que se visou com a datio foi antecipar o cumprimento da obrigação e não a constituição
de sinal, devendo as partes, se pretenderem que a prestação entregue tenha o carácter de sinal,
atribuir-lhe especificamente essa natureza.
No entanto, no caso dos contratos-promessa, não podendo em caso algum a datio rei coincidir
com a prestação a que fica adstrito, dado o facto do contrato-promessa instituir apenas
obrigações de prestação de facto jurídico, i.e., a celebração do contrato definitivo, a entrega de
uma coisa nunca poderia constituir cumprimento. Portanto, aplica-se o art.º 441.º aos contratos-
promessa, o qual dispõe:
“No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia
entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou
princípio de pagamento do preço.”
Disto decorre que a entrega de quantias em dinheiro (datio pecuniae) pelo promitente-
comprador ao promitente-vendedor constitui presunção da estipulação de sinal por essa via, e
isso mesmo quando as quantias entregues o sejam a título de antecipação ou princípio de
pagamento do preço. Dado que a obrigação de pagamento do preço surge com a celebração do
contrato definitivo, a sua antecipação ou princípio de pagamento na fase do contrato-promessa
tem por referência uma obrigação ainda não existente, sendo, portanto, insuficiente para a
elisão da presunção de constituição de sinal.

Funcionamento do sinal

A lei estabelece uma distinção no regime do sinal, consoante ele seja aplicado genericamente
a todos os contratos, ou especificamente ao contrato-promessa.
O art.º 442.º, n.º 1, refere-se ao regime do sinal em geral, indicando o seu funcionamento em
caso de cumprimento da obrigação, imputando-se o sinal na prestação devida quando coincida
com esta. Sendo impossível a imputação, pela coisa entregue não coincidir com a prestação
devida, deve o sinal ser restituído em singelo, ocorrendo tal também nos casos em que se
verifique a impossibilidade da prestação por facto não imputável a qualquer das partes ou
imputável a ambas.
O art.º 442.º, n.º 2, primeira parte, refere-se igualmente ao regime do sinal em geral, explicando
o seu funcionamento em caso de não-cumprimento. Neste caso, se o não-cumprimento for de
quem constituiu o sinal, este será perdido a favor da contraparte. Se for esta a incumprir o
contrato, terá de restituir o sinal em dobro.
O art.º 442.º, n.º 2, segunda parte, trata-se do sinal no contrato-promessa. Se houver tradição
da coisa a que se refere o contrato-prometido, o promitente-adquirente pode optar, em lugar da
restituição do sinal em dobro, por receber o valor actual da coisa, com dedução do preço
convencionado, acrescido do sinal (em singelo) e da parte do preço que tenha sido paga.
A Doutrina discute se a exigência do aumento do valor da coisa ou do direito, a que se refere
o contrato-prometido, pressupõe que tenha sido constituído sinal ou basta-se apenas com a
tradição da coisa.
Menezes Cordeiro e Menezes Leitão entendem que deve ser exigida a constituição de sinal,
uma vez que, quando este não é estipulado, a tradição da coisa para o promitente-comprador
apresenta-se como um acto de mera tolerância do promitente-vendedor, não havendo razão
para que ele seja prejudicado por esse acto. Galvão Telles e Januário Gomes entendem que o
aumento do valor da coisa ou do direito tem lugar mesmo que não tenha sido estipulado sinal,
já que não haveria motivo para só se aplicar este regime quando o sinal exista em alternativa a
este.
Para Menezes Leitão, o art.º 442.º, n.º 3, primeira parte, o qual vem referir que “em qualquer
dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer
a execução específica do contrato, nos termos do art.º 830.º” tem uma redacção defeituosa, uma
vez que ela faz parecer que o contraente não faltoso tem sempre a possibilidade de optar pela
execução específica em alternativa ao sinal. Não é isto que ocorre, sendo que, em face ao art.º
830.º, havendo sinal, presume-se que as partes efectuam uma estipulação contrária à execução
específica (art.º 830.º, n.º 2, CC), só podendo esta funcionar em alternativa caso as partes ilidam
esta presunção, ou se trate da hipótese prevista no art.º 830.º, n.º 3, onde a execução específica
é imperativa.
O art.º 442.º, n.º 3, segunda parte, prevê ainda que “se o contraente não faltoso optar pelo
aumento da coisa ou do direito, conforme se refere no número anterior, pode a outra parte opor-
se ao exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no
art.º 808.º”. Menezes Cordeiro qualificara esta figura como a “excepção do cumprimento do
contrato-promessa”.
Antunes Varela e Menezes Cordeiro entendem que a mera ocorrência de mora é bastante para
a aplicação do art.º 442.º, n.º 3. Galvão Telles e Calvão da Silva entendem que se exige uma
situação de incumprimento definitivo. Almeida Costa considera que o regime do art.º 442.º, n.º
3, acrescenta ao art.º 808.º um novo caso de transformação da mora em incumprimento
definitivo, que seria a exigência do sinal ou do aumento do valor da coisa, a qual constituiria
uma declaração tácita de resolução do contrato-promessa. Januário Gomes veio defender que
se deveria distinguir entre os dois casos previstos no art.º 808.º, para a transformação da mora
em incumprimento definitivo, exigindo-se previamente à restituição do sinal em dobro ou do
aumento do valor da coisa, a outorga ao devedor de um prazo suplementar de cumprimento,
podendo este, no entanto, após esse prazo, caso houvesse opção pelo valor da coisa, ainda
cumprir a obrigação, a menos que se verificasse a perda do interesse do credor.
A jurisprudência adopta maioritariamente a posição de que se deve exigir uma situação de
incumprimento definitivo.
Menezes Leitão entende que para a aplicação do mecanismo do sinal se deve exigir o
incumprimento definitivo da obrigação, por objectiva perda de interesse na prestação ou pela
fixação de um prazo suplementar de cumprimento. Este Autor entende também que enquanto
que os efeitos do sinal apenas ocorrem em caso de incumprimento definitivo, a opção pelo
aumento do valor da coisa ou do direito pode ocorrer antes, em caso de simples mora, valendo
esta como renúncia do promitente-comprador a desencadear o mecanismo do sinal, uma vez
verificado o incumprimento definitivo.
O direito ao aumento do valor da coisa ou do direito, reconhecido ao promitente-comprador,
trata-se, no entender de Antunes Varela, de uma forma especial de sanção pecuniária
compulsória, enquanto que para Galvão Telles se trata de uma indemnização compensatória,
destinada a ressarcir os prejuízos causados pelo incumprimento definitivo, atento o facto de
surgir em paralelismo com a exigência do sinal em dobro.
Menezes Leitão entende que este direito é um afloramento do princípio da proibição do
enriquecimento injustificado. O sinal funciona, no regime supletivo, enquanto fixação
antecipada da indemnização devida, em caso de não cumprimento, pelo que a parte não poderá
reclamar outras indemnizações, para além daquelas previstas na lei (art.º 442.º, n.º 4, CC). Se
as partes estabelecerem um regime em contrário, a convenção de sinal funcionará como um
limite mínimo da indemnização, que não obstará a que a parte lesada possa reclamar uma
quantia superior se demonstrar que sofreu danos mais elevados. De qualquer forma, o n.º 4 do
art.º 442.º exclui apenas outras indemnizações resultantes do não cumprimento do contrato-
promessa.

Funções do sinal

A Doutrina discute qual a função do sinal no direito português vigente.


Para Galvão Telles, o sinal não tem natureza penitencial, mas antes confirmatória-penal, dado
que a indemnização convencionada não funciona como preço de arrependimento, mas antes
como sanção para um acto ilícito, o incumprimento da obrigação. No entanto, nada obstaria a
que as partes pudessem estipular um sinal penitencial, ao qual se deve reservar o nome de arras.
Para António Pinto Monteiro, o sinal tem natureza penitencial no contrato-promessa, face ao
disposto no art.º 830.º, n.º 2, e, embora não seja essa a função prevista no art.º 442.º, n.º 4, para
os demais contratos, acaba por corresponder, de facto, à mesma situação.
Para Menezes Cordeiro, o regime vigente procedeu à junção das diversas funções do sinal,
uma vez que o sinal tem natureza confirmatório-penal, “na medida em que dá consistência ao
contrato e funciona como indemnização” e natureza penitencial, “quando funcione como preço
de arrependimento, permitindo ao interessado resolver o contrato, mediante o pagamento que
resulte do próprio sinal”. Para este Autor, o sinal tem natureza confirmatório-penal quando
coexistir com a possibilidade de execução específica, e natureza penitencial quando estes sejam
incompatíveis.
Menezes Leitão entende que o sinal nunca pode ser penitencial, dado que a sua exigibilidade
depende do incumprimento definitivo da obrigação pela contraparte, funcionando como pré-
determinação das consequências desse incumprimento, ou seja, tem natureza confirmatório-
penal.

A atribuição do direito de retenção ao promitente que obteve a tradição da coisa

O sinal vinculístico, ou seja, o sinal existente num contrato-promessa em que haja ocorrido
tradição da coisa, é reforçado pela atribuição, ao promitente-adquirente, de um direito de
retenção (art.º 755.º, n.º 1, al f), CC).
O direito de retenção é uma garantia especial que permite ao devedor que disponha de um
crédito contra o seu credor, reter a coisa em seu poder se, estando obrigado a entrega-la, o seu
crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados (art.º 754.º, CC).
Havendo retenção de coisas móveis, o seu titular goza dos direitos e está sujeito às obrigações
do credor pignoratício, salvo no que respeita à substituição e reforço da garantia (art.º 758.º,
CC), sendo que se estiver em jogo a retenção de coisas imóveis, como ocorre no caso
paradigmático da promessa habitacional, o seu titular tem os seguintes poderes (art.º 759.º,
CC):
i. De executar a coisa, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário
e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor;
ii. De fazer prevalecer esse seu poder sobre a hipoteca, ainda que registada
anteriormente;
iii. De beneficiar das regras do penhor, as quais incluem a defesa possessória.
O direito de retenção veio, assim, blindar em absoluto o promitente-adquirente traditário.

Tendo em conta que o direito de retenção conferido ao promitente-adquirente traditário o


colocou numa posição mais forte que o próprio adquirente, dada a prevalência deste primeiro
direito real sobre a hipoteca, mesmo que anteriormente registada, a jurisprudência tem
assentado em interpretações restritivas, pelo que:
i. O promitente-adquirente só pode coagir o vendedor enquanto a coisa pertencer a
este;
ii. Não há retenção quando a promessa seja nula;
iii. O promitente-adquirente não tem a retenção da coisa se, proposta uma acção de
execução específica, esta for considerada procedente;
iv. A tradição, por via de uma promessa, de um lote de terreno não dá a retenção sobre
a construção que nele se venha a edificar;
v. Não há retenção quando ocorra culpa do promitente-adquirente no incumprimento;
vi. Não dispõe de retenção o promitente-adquirente que compre a coisa numa venda
executiva;
vii. Na falência ou na insolvência, o promitente-adquirente não pode opor-se à inclusão
da coisa na massa, cabendo ao administrador tomar as competentes decisões;
viii. A retenção do promitente adquirente prevalece sobre as hipotecas anteriores,
funcionando perante as constituídas após 18 de Julho de 1980.
Menezes Cordeiro e Menezes Leitão entendem que o direito de retenção surge apenas caso
tenha sido passado sinal:
i. Porque os créditos referidos no art.º 442.º são apenas o da restituição do sinal em
dobro ou o aumento do valor da coisa e não o crédito geral indemnizatório ex 798.º;
ii. Porque, não havendo sinal, a tradição será uma mera tolerância, não cabendo
penalizar o promitente-vendedor.
A retenção só garante o direito ao aumento do valor da coisa e não à restituição do sinal em
dobro, sendo que estes Autores entendem que o direito do credor hipotecário tem um direito
que se reporta ao valor da coisa ao tempo da hipoteca e não ao aumento desse valor.

Pactos de preferência – generalidades

Pactos de preferência são os contratos pelos quais alguém assume a obrigação de, em
igualdade de condições, escolher determinada pessoa (a outra parte ou terceiro) como seu
contraente, no caso de se decidir a celebrar determinado negócio.
Os pactos de preferência, ainda que sejam mais vulgares na compra e venda – pactos de
prelacção (pacta prelationis) ou preempção –, podem ter também por objecto outros contratos.
Os pactos de preferência são admitidos em relação à compra e venda (art.º 414.º, CC) e
relativamente a todos os contratos onerosos em que tenha sentido a opção por certa pessoa
sobre quaisquer outros concorrentes (art.º 423.º, CC).
Do pacto de preferência nasce uma obrigação típica: para uns autores, a de o devedor não
contratar com terceiro (non facere), se o outro contraente se dispuser a contratar em iguais
condições; para outros, a de, querendo contratar, o obrigado escolher a contraparte, de
preferência a qualquer outra pessoa (facere). Em face dessa obrigação, fica a plena liberdade
de o titular da preferência aceitar ou não a celebração do contrato, nos termos em que o
obrigado se propõe a realizá-lo.
É de se notar, porém, que o pacto de preferência raramente surgirá isolado, dado que tal
configuraria uma liberalidade, pelo que este surge usualmente como uma cláusula no seio de
um contrato mais vasto.

O pacto de preferência distingue-se do contrato-promessa, sendo que na promessa bilateral há


uma obrigação recíproca de contratar, enquanto que no pacto de preferência só um dos
contraentes se vincula. Na promessa unilateral, o promitente compromete-se a contratar,
enquanto que no pacto de preferência o vinculado não se obriga a contratar, prometendo
apenas, se contratar, preferir certa pessoa – tanto por tanto, em igualdade de condições – a
qualquer outro interessado, havendo assim, quanto muito, uma promessa unilateral
condicional.
O pacto de preferência distingue-se da venda a retro (art.os 927.º e ss., CC), o qual assenta
sobre uma cláusula resolutiva. A venda a retro implica a faculdade de resolução da venda
anterior por simples declaração de vontade do vendedor, obrigando por isso à entrega do preço
primitivo e determinando a caducidade dos direitos entretanto constituídos sobre a coisa. O
pacto de preferência prevê a realização eventual de um futuro contrato, sobre o qual se exerce
então o direito conferido ao titular da preferência, tendo este de pagar o preço (ou a contra-
prestação) que o terceiro deu ou estaria disposto a dar.
O pacto de preferência não se confunde com o pacto de opção, existindo já, neste último, a
declaração contratual de uma das partes num contrato em formação, enquanto que no pacto de
preferência se prevê a celebração de um contrato eventual.

Requisitos e forma do pacto de preferência

Para Antunes Varela e Almeida Costa, valem para os pactos de preferência, como verdadeiros
contratos que são, as regras gerais dos contratos.
Para Menezes Cordeiro, o pacto de preferência não pode ser insensível ao contrato definitivo
nele prefigurado, defendendo este ilustre Autor a aplicação, à preferência, do princípio da
equiparação, fundada nos seguintes motivos:
i. Pela preferência pode o obrigado ficar na eventualidade de ter mesmo de fechar o
contrato definitivo, não podendo este, por via da preferência, conseguir algo que o
Direito proíba, pelo que os requisitos da preferência terão de ser os do contrato
definitivo, o que se consegue pela equiparação;
ii. Na preferência, tem-se um contrato preparatório, que pode desembocar no dever de
contratar, procedendo as razões que, na promessa, conduzem à regra da
equiparação;
iii. O art.º 415.º, embora epigrafado “forma”, limita-se a remeter, sem excepções nem
distinções, para o art.º 410.º, n.º 2, o qual pressupõe a aplicabilidade do primeiro
número deste artigo;
iv. Que o regime do contrato-promessa é a base para a construção do regime de outros
contratos prévios.
Este Autor defende, subsequentemente, a aplicabilidade, ao pacto de preferência, das regras
aplicáveis à capacidade, à conformidade legal e aos demais requisitos atinentes ao objecto (art.º
280.º, CC), próprias do contrato preferível. Ainda nos termos do aplicável art.º 410.º, n.º 1,
devem ser excepcionadas as regras que, pela sua razão de ser, não caibam na preferência. No
entanto, a aproximação preconizada não deve conduzir a resultados tão estritos como os
verificados no contrato-promessa, dado que no pacto de preferência, contrariamente ao
contrato-promessa, apenas se encontra prefixado o tipo geral do contrato definitivo, geralmente
a compra e venda.

O art.º 415.º, remetendo para o art.º 410.º, n.º 2, leva a que a forma aplicável ao pacto de
preferência seja equivalente àquela aplicável ao contrato-promessa.
Assim, se a preferência respeitar a contrato para cuja celebração a lei exija documento
(autêntico ou particular), o pacto só é válido se constar de documento escrito, assinado pelo
obrigado, não sendo necessária a assinatura da outra parte, visto esta não ser promitente.
No entanto, Menezes Cordeiro nota que seria pouco compaginável uma preferência ad nutum,
pelo que ou existe uma contraprestação – o prémio da preferência – ou este inclui-se, como
cláusula, num pacto mais vasto, de onde promanam deveres para ambas as partes. Neste caso
e para este Autor, será exigível, se necessário, a assinatura de ambas as partes, aplicando-se na
falta de uma destas o regime do contrato-promessa, relativo à redução ou conversão.

O pacto de preferência tem, geralmente, eficácia obrigacional ou inter partes. Portanto, o seu
titular não é chamado sequer a exercer o seu direito nos processos de execução, de falência, de
insolvência, etc., nem procedendo a preferência contra a alienação efectuada nos processos
dessa natureza.
No entanto, a preferência pode ser eficaz contra terceiros, se gozar de eficácia real, quando se
reporte a bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo. Para tal, devem ser verificados os
requisitos exigidos para o caso paralelo do contrato-promessa, ou seja:
i. Constar a preferência de escritura pública ou de documento particular autenticado,
salvo se a lei não exigir essa forma para o contrato preferível, caso em que se exige
apenas documento particular com reconhecimento da assinatura do obrigado;
ii. Pretenderem as partes atribuir-lhe eficácia real;
iii. Inscreverem-se no registo os direitos emergentes da preferência.
Neste caso, a preferência será oponível ao terceiro adquirente da coisa e será igualmente
atendível nos processos de execução ou de liquidação, em que os direitos de origem
convencional, dada a sua eficácia erga omnes, serão tratados como os direitos legais de
preferência, sem prejuízo da prioridade devida em qualquer caso a estes últimos. Havendo,
porém, direitos reais de gozo ou de garantia anteriormente registados sobre a mesma coisa, o
direito de preferência, embora goze de eficácia real, não os pode afectar.

O modus praelationis; o terceiro

O pacto de preferência origina uma relação complexa e duradoura entre as partes, sendo que
até à sua extinção pelo exercício (ou não-exercício) ou por qualquer outra forma de extinção
das obrigações, a preferência existe e deve ser respeitada.
Ao lado da prestação principal – a de dar preferência, a tanto por tanto – e das prestações
secundárias, como a de fazer a competente comunicação, existem deveres acessórios.
Apesar da situação de preferência ser mais lassa que a promessa, surge, entre as partes, uma
situação de confiança e, ainda, uma estruturação material. Portanto, consubstanciam-se deveres
de segurança, de lealdade e de informação, que devem respeitar as partes. Menezes Cordeiro
chama ao relacionamento surgido na situação de preferência de modus praelationis.

O terceiro que pretenda contratar com o obrigado à preferência, desencadeando o


funcionamento do pacto, gera uma situação que deve ser tratada, nos termos gerais, no regime
da eficácia externa das obrigações.

Em sectores delimitados e havendo proximidade entre o terceiro e o obrigado faltoso à


preferência, poderá eventualmente haver tutela de terceiros. Menezes Cordeiro entende que os
deveres acessórios próprios do modus praelationis podem envolver terceiros, em razão de uma
relação de proximidade entre com as partes ou de outro factor que, de forma equivalente, dê
azo a uma situação de confiança.

Os procedimentos de preferência – a comunicação ao preferente

O direito de preferência mostra as suas potencialidades quando o obrigado à preferência


obtenha uma proposta firme, por parte de um terceiro. Nessa altura, entra-se num
procedimento, i.e., um conjunto articulado de actos, que poderá levar ao exercício da
preferência.
O procedimento de preferência é desencadeado perante uma verdadeira proposta de contrato
que se insira no objecto da preferência, desde que o obrigado à preferência esteja interessado
nela. Tal proposta será, em regra, formulada pelo terceiro; poderá ter sido iniciativa do obrigado
à preferência, obtendo a concordância do terceiro mas sem que, daí, derive um contrato.
Requer-se uma proposta firme e completa, de modo que, uma vez dada a forma exigida, uma
aceitação simples faça surgir o contrato.

Na posse dessa proposta, o obrigado à preferência deve comunicá-la ao preferente, dispondo


o art.º 416.º, n.º 1:
“Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o
projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.”
A comunicação deverá ser feita pelo obrigado à preferência ou por alguém que, com poderes
bastantes, o represente.
A comunicação deve ser feita ao preferente, podendo haver vários preferentes, caso em que a
comunicação para preferência deve ser feita a todos.
Para Menezes Cordeiro, o projecto de negócio deve ser comunicado, nos seguintes termos:
i. A proposta – devidamente caracterizada enquanto tal e sobre a qual já exista um
acordo de princípio, embora, não o contrato; não chegam intenções não definitivas
nem projectos hipotéticos;
ii. Clausulado completo – ou, pelo menos, com todos os elementos essenciais que
relevem para a formação da vontade de preferir ou não preferir; a falta de factores
relevantes ou o facto de, depois da comunicação, se concluir o negócio com o
terceiro, mas em condições diferentes, invalida a comunicação feita;
iii. Identificando a pessoa do terceiro, nessa qualidade; também aqui a comunicação
ineficaz se, depois, o negócio definitivo for celebrado com pessoa diferente da
indicada na comunicação;
iv. Pedindo uma resposta, quanto ao exercício do direito de preferência – de outro
modo, poderá passar por uma mera informação;
v. Chegando a comunicação ao conhecimento efectivo do preferente.
Menezes Cordeiro admite que, apenas, na comunicação, não seja desde logo inserida a data da
escritura, uma vez que esta depende da colaboração entre os contratantes.

A comunicação da identidade do terceiro interessado tem levantado dúvidas, ainda que a


jurisprudência esteja consolidada no sentido de se entender que deve ser comunicada a
identidade do terceiro, advindo, no entanto, as dúvidas do facto da lei, expressamente, a não
exigir ou de ser procurarem distinguir as situações em que, pela presença de especiais vínculos
entre os envolvidos, essa indicação poderia ter relevância. Menezes Cordeiro entende que a
necessidade de se comunicar a identidade do terceiro interessado se funda na gestão
intrinsecamente privada dos interesses em jogo, pelas funções histórico-sociais da preferência
e pelas necessidades de controlo objectivo do processo.

A comunicação não está sujeita, por lei expressa, a nenhuma forma, entendendo até alguma
jurisprudência que esta pode ser mesmo verbal. Para uma comunicação relativa a um contrato
definitivo para o qual a lei exija documento, seja particular ou autêntico, exige-se, porém,
forma escrita (art.º 410.º, n.º 2, CC). A comunicação, a ser aceite pelo preferente, gera um dever
– contratual – de contratar ao qual se aplica o regime do contrato-promessa.
A comunicação pode, ainda, seguir a forma de notificação judicial, observando-se, nessa
altura, o disposto no art.º 1458.º do Código de Processo Civil.

A comunicação deve ser feita quando exista uma proposta contratual eficaz e enquanto tal
eficácia se mantiver ou, pelo menos, na presença de um projecto de contrato firme e sério. A
não se verificarem tais requisitos, das duas uma:
i. Ou o preferente prefere, convicto de que, se não o fizer, o terceiro ficará com o
negócio – estando enganado, já que o terceiro não celebraria tal contrato;
ii. Ou o preferente rejeita, deixando o negócio para o terceiro que, afinal, não o quer.
A lei fixa um prazo curto para que o preferente se pronuncie – oito dias (art.º 416.º, n.º 2, CC)
– a fim de assegurar que a proposta ou o projecto mantêm a sua actualidade.

A resposta do preferente; contrato definitivo

Recebida a comunicação para preferência, manda o art.º 416.º, n.º 2:


“(...) deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se
estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo.”
A fortiori, pode suceder que se tenha pactuado um prazo mais longo, altura em que este seja o
observável.

São possíveis enquadrar-se as seguintes atitudes do preferente:


i. Ou exerce a preferência – o que significa a aceitação pura e simples do contrato,
com o conteúdo indicado pelo obrigado;
ii. Ou renuncia à preferência – declarando que não está interessado;
iii. Ou nada faz e o seu direito extingue-se por caducidade.
A renúncia antecipada não é válida (art.º 809.º, n.º 1, CC), sendo apenas possível a renúncia
face a uma concreta situação de preferência, já formada e perante todos os elementos da
comunicação. Assim, a renúncia só é eficaz quando se reporte a uma transacção concreta,
quando, ao preferente, tiver sido dado conhecimento do projecto de venda e das cláusulas do
contrato e quando o preferente seja inequívoco e claro.
Na mesma linha, o prazo para a caducidade prevista no art.º 416.º, n.º 2, só começa a correr
perante uma comunicação completa e legitimamente feita e endereçada.
A aceitação da comunicação para preferência, com alterações, modificações ou reticências,
envolve, de pleno direito, a renúncia, por parte do preferente, ao seu direito. Qualquer outra
solução implicaria um acordo fora do direito de preferência em causa, valendo, neste caso, a
primeira parte do art.º 233.º.
Havendo aceitação da comunicação de preferência, perfila-se o contrato definitivo, i.e., o
contrato visualizado pelo pacto de preferência – ou pela preferência legal – e que, por opção
do beneficiário, se vem mesmo a concluir na esfera deste. Tem-se, assim, três sub-hipóteses:
i. Ou estão reunidas, pela comunicação/aceitação, os requisitos formais do contrato
definitivo, altura em que o mesmo se deve ter por concluído de imediato;
ii. Ou tal não sucede, mas por haver forma escrita, considera-se perfeito um contrato-
promessa relativo ao definitivo, cabendo a ambas seguir os seus trâmites;
iii. Ou falta esse circunstancialismo e, por via da boa-fé negocial e dos competentes
deveres acessórios, caberá às partes formalizar o definitivo, sob pena, por parte do
obrigado, de violar a preferência e, do preferente, de violar os deveres acessórios
ao mesmo ligado.
Havendo contrato-promessa, a sua execução específica não oferece dúvidas, se necessária.

Se se tratar de notificação judicial para preferência (art.os 1028.º e ss., CPC), a lei exige que o
contrato preferível seja celebrado no prazo de vinte dias após o exercício da preferência. Se tal
não acontecer, deve o preferente, sob pena de perda do seu direito (art.º 1028.º, n.º 3, CPC)
“requerer, nos 10 dias subsequentes, que se designe dia e hora para a parte contrária receber o
preço por termo no processo, sob pena de ser depositado, podendo o preferente depositá-lo no
dia seguinte, se a parte contrária, devidamente notificada, não comparecer ou se recusar a
receber o preço” (art.º 1028.º, n.º 2, CPC). Efectuado o pagamento ou depositado o preço, os
bens são adjudicados pelo tribunal ao preferente, com eficácia retroactiva à data do pagamento
ou do depósito (art.º 1028.º, n.º 4, CPC).

Venda da coisa conjuntamente com outras

O art.º 417.º, n.º 1, prevê a hipótese de venda da coisa juntamente com outras, tratando-se de
um preceito dirigido à compra e venda:
“Se o obrigado quiser vender a coisa juntamente com outra ou outras, por um preço global, pode o
direito ser exercido em relação àquela pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído, sendo
lícito, porém, ao obrigado exigir que a preferência abranja todas as restantes, se estas não forem
separáveis sem prejuízo apreciável.”
O regime da venda de coisa juntamente com outras aplica-se mesmo em casos de preferência
com eficácia real (art.º 417.º, n.º 2, CC).
A sequência será a seguinte:
i. O obrigado à preferência faz a comunicação da venda da coisa conjuntamente com
outras, não se considerando como tal a hipótese de vendas simultâneas com valores
individualizados, o que nem sempre será exacto – depende da vontade das partes e
da substância económica do negócio;
ii. Recebida a comunicação, o preferente pode exercer o seu direito em relação à coisa-
objecto, pelo preço que proporcionalmente lhe caiba: quando esteja este indicado,
não existe qualquer problema, embora se possa mostrar que não é ele o valor venal;
quando este não se encontrar indicado, o preferente depositará – havendo lugar a
depósito – o valor que, perante a boa-fé, achar razoável, fazendo depois os ajustes
decididos pelo tribunal, ou fazendo-se uma proporção simples e relegando para
execução de sentença o valor a pagar;
iii. Caso entenda que a separação lhe traz um prejuízo considerável, o que terá de
provar, pode o obrigado à preferência exigir que a preferência abranja todo o
conjunto – a discordância do preferente envolve oposição ao projecto e renúncia à
preferência.

Menezes Leitão entende que o art.º 417.º visaria as uniões de contratos e o art.º 418.º os
contratos mistos.
Prestação acessória; uniões de contratos e contratos mistos

O obrigado à preferência pode, no âmbito do negócio em que pretenda celebrar com o terceiro,
acordar uma prestação acessória – em bom rigor, secundária – que o preferente não possa
satisfazer (art.º 418º, n.º 1, 1.ª parte, CC), observando-se, neste caso, o seguinte (art.º 418.º, n.º
1, CC):
a. A prestação deve ser compensada em dinheiro;
b. Não sendo avaliável em dinheiro, é excluída a preferência;
c. A menos que seja “lícito presumir” que a venda seria efectuada mesmo sem a prestação
estipulada;
d. Ou que ela foi convencionada para afastar a preferência.
Neste último caso, mesmo quando avaliável em dinheiro, o preferente não é obrigado a
satisfazê-la. No caso de se tratar de uma prestação acessória não avaliável em dinheiro, afasta-
se, de facto, a preferência. Assim, a prova de que esta foi feita – apenas – com o intuito de
afastar a preferência é muito difícil, salvo completa chicana do obrigado e do terceiro. Deve
partir-se, desta forma, da regra de que tudo é avaliável em dinheiro e de que o ónus da
pessoalidade isenta compete ao obrigado à preferência.

As valorações subjacentes ao art.º 417.º apontam para as seguintes questões:


i. O contrato – ou a união – que inclua a matéria preferível é, ou não, divisível;
ii. E não sendo divisível, pode, ou não, o preferente satisfazê-lo.
A primeira questão abrange tanto as uniões de contratos como os contratos mistos.
Dependendo das circunstâncias, podem umas e outros ser desagregados, sem prejuízo para o
interessado. As valorações do art.º 417.º permitem, nesse caso, a divisão, de modo a que o
preferente exerça o seu direito no que lhe competia. À partida, os negócios e as uniões não são
divisíveis, pelo que existe, nesta situação, um beneficium divisionis a favor do preferente, desde
que este não prejudique o obrigado, sendo o critério o comum, o do valor ou da perda do valor.
Sendo o negócio divisível, procede-se à desarticulação e ao exercício da preferência na parcela
respectiva; não o sendo, o preferente ou desiste ou prefere no conjunto.

A segunda valoração tem a ver com a fungibilidade do negócio projectado, pelo que, saindo
do estrito plano da preferência e, portanto, quando esta recaia em objecto ou em conteúdo
inseridos em negócio mais vasto e não sendo eles divisíveis, o exercício do direito do preferente
sobre o conjunto implica que o mesmo seja fungível. Sendo-o, ele preferirá, ou não, sobre o
conjunto, consoante a decisão jurídico-económica que possa ou entenda tomar.
Não o sendo, a lei permite:
i. Ou a conversão da parte não-fungível em dinheiro;
ii. Ou ao afastamento da preferência quando isso não seja possível;
iii. Ou o afastamento da parte não-fungível, quando não seja essencial ou quando tenha
fins fraudulentos.
O art.º 418.º contém doutrina que não se limita aos contratos complementares, devendo-se
antes estender a todo o universo das uniões de contratos e dos contratos mistos, quando não
sejam desagregáveis e se apresentem não-fungíveis.

Pluralidade de preferentes

O art.º 419.º soluciona, à luz dos princípios gerais, as hipóteses de pluralidade de titulares do
direito de preferência. Tem-se três possibilidades básicas, que abrem sempre na indivisibilidade
dos direitos – ou cada um exerceria a sua parte:
a. Preferências conjuntas – só podem ser exercidas por todos os preferentes, em bloco, e
o obrigado só perante todos eles se exonera (art.º 419.º, n.º 1, 1.ª parte, CC), mas se o
direito se extinguir em relação a algum deles ou ele não o quiser exercer, acresce aos
restantes (art.º 419.º, n.º 1, 2.ª parte, CC), v.g. comunhão.
b. Preferências disjuntas – só um deles pode exercer o direito, afastando, com isso, os
restantes – não existindo processo de escolha, abre-se licitação, revertendo o excesso
para o obrigado (art.º 419.º, n.º 2, CC), v.g. relações de vizinhança e arrendamento;
c. Preferências sucessivas – existe uma ordem de prevalência entre os diversos
preferentes, designadamente nas preferências legais – o direito é submetido ao primeiro,
passando ao segundo se ele não quiser exercê-lo e assim sucessivamente.
Em termos de comunicação, esta deve ser realizada, sempre, a todos os preferentes, só depois
se abrindo o processo de escolha entre eles. Não pode um preferente exercer validamente o seu
direito se não mostrar que todos os outros foram avisados e que não quiseram ou não puderam
preferir. Quanto muito, entender-se-á nas preferências sucessivas, preferindo o de grau
superior, não há que indagar de comunicações aos restantes.

O direito e a obrigação convencionais de preferência não são transmissíveis nem em vida nem
por morte, salvo estipulação em contrário (art.º 420.º, CC). O direito de preferência é, assim,
intuitu personae, prevenindo-se o agravamento que adviria, para a posição do obrigado à
preferência, da passagem do direito a herdeiros e legatários.

Preferência com eficácia real – aspectos gerais

Havendo eficácia real, a preferência produz efeitos perante os terceiros adquirentes da coisa
em jogo, através de uma acção a tanto destinada – a acção de preferência, sendo esse o sentido
da remissão para o art.º 1410.º, feita no art.º 421.º, n.º 2.
Pactuada uma preferência com eficácia real, esta pode operar tanto para a primeira transmissão
como para sucessivas, dependendo da estipulação das partes. O registo protegerá a confiança
dos sucessivos adquirentes, os quais ficarão obrigados à competente obrigação de
comunicação. Nada dizendo, e dada a natureza real da preferência, entender-se-á que, estando
registada, ela perdura através das transmissões ulteriores.
Em todo o direito, enxameiam os casos de preferências legais, sabidamente de tipo real. Assim,
é a propósito de tais preferências que tem sido equacionada a eficácia real e testados os seus
meandros.

Âmbito da acção de preferência

A acção de preferência vem regulada no art.º 1410.º, aquando do direito de preferência do


comproprietário. Esta permite ao preferente, em caso de violação de uma preferência real, fazer
seu o negócio faltoso, i.e., afastar o terceiro adquirente e subingressar na posição dele. Na sua
redacção actual, o art.º 1410.º, n.º 1, dispõe:
“O comproprietário a quem não se dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o
direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a
contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço
devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.”
Para a acção de preferência ter um efectivo papel, ela não é prejudicada, bem como o direito
de preferência que vise realizar, pela modificação ou distrate da alienação faltosa, ainda que
resultantes de confissão ou transacção judicial (art.º 1410.º, n.º 2, CC).

A acção de preferência tem como âmbito os diversos direitos de preferência real perante
qualquer contrato preferível.
A doutrina divide-se relativamente a quem tem legitimidade passiva, a saber:
i. A acção deverá ser intentada contra o adquirente e o alienante faltoso, em
litisconsórcio – defendida por Antunes Varela e Menezes Leitão;
ii. A acção deverá ser intentada apenas contra o actual possuidor da coisa – defendida
pela restante doutrina – defendida por Mota Pinto, Galvão Telles, Almeida Costa,
Ribeiro de Faria e Menezes Cordeiro.

O prazo e o alcance do depósito do preço

A acção de preferência deve ser intentada no prazo de seis meses a contar da data em que o
preferente teve conhecimento “dos elementos essenciais da alienação”.
Para se iniciar o decurso desse prazo, é, portanto, necessário que o preferente tenha acesso ao
objecto do contrato, ao preço e à identidade do adquirente. Em termos processuais, o preferente,
quando intente acção passados os seis meses sobre a alienação faltosa, sujeitar-se-á a que lhe
seja levantada a excepção da caducidade, cabendo-lhe, então, demonstrar o momento em que
teve conhecimento das condições essenciais da venda ou, pelo menos, que dele não teve
conhecimento há mais de seis meses sobre a data da acção.

É exigido, nos 15 dias subsequentes à propositura da acção, o depósito do preço devido. A


doutrina diverge relativamente àquilo que deve ser entendido por preço:
a O “preço” abrangeria outras despesas suportadas necessariamente pelo adquirente –
defendida por Antunes Varela e Almeida Costa;
b O preço estrito, i.e., a quantia paga ao alienante- defendida pela maioria da
jurisprudência.
Neste caso, Menezes Cordeiro entende que o que se encontra em causa não é a totalidade
daquilo que o preferente deva pagar, mas apenas um depósito inicial, a fim de que a acção
possa prosseguir. Esse depósito equivale, de resto, a um preço pago ad nutum, enquanto o
terceiro adquirente terá podido, possivelmente, fraccioná-lo, sendo também complexo precisar
o montante das outras despesas.

A jurisprudência tem também defendido que o preço deve ser depositado em dinheiro, não
bastando uma garantia bancária.

A simulação
A preferência com eficácia real e a daí derivada acção de preferência levantam o problema
relativo a quando a alienação feita pelo obrigado à preferência, a um terceiro, assente num
contrato simulado.
Há simulação quando se reúnam cumulativamente três requisitos (art.º 240.º, CC):
a. Um acordo entre o declarante e o declaratário;
b. No sentido de uma divergência entre a declaração e a vontade das partes;
c. Com o intuito de enganar terceiros.
Estes elementos devem ser invocados e provados por quem pretenda prevalecer-se da
simulação ou de aspectos do seu regime.
O acordo entre as partes é essencial para prevenir a confusão com o erro ou a reserva mental,
surgindo a divergência entre a vontade e a declaração como dado essencial da simulação e
prendendo-se o intuito de enganar terceiros com a criação de uma aparência. Terceiros são,
neste caso, quaisquer pessoas alheias ao conluio, não necessariamente ao contrato simulado.

Existem diversos tipos de simulação, sendo esta fraudulenta quando vise prejudicar alguém –
animus nocendi ou animus decipiendi – ou inocente, quando não tenha tal escopo. A simulação
é absoluta quando as partes não pretendam celebrar qualquer negócio, ou relativa, quando sob
a simulação se esconda um negócio verdadeiramente pretendido – o negócio dissimulado. A
simulação diz-se objectiva quando a divergência voluntária recaia sobre o objecto do negócio
ou sobre o seu conteúdo, sendo subjectiva quando ela incida sobre as próprias partes.

O negócio dissimulado e a posição dos terceiros

O art.º 240.º, n.º 2, considera, lapidarmente, o negócio simulado como nulo, não se tratando,
no entanto, de verdadeira nulidade, dado que esta não pode ser invocada por qualquer
interessado nem – a fortiori – ser declarada oficiosamente pelo tribunal (cf. Ac. STJ
25/03/2003). Assim, o negócio simulado não produz efeitos entre as partes e perante terceiros
que conheçam ou devessem conhecer a simulação.
A simulação não prejudica a validade do negócio dissimulado, dispondo-se apenas que,
quando tenha natureza formal, ele só seja válida se houver sido observada a forma exigida pela
lei (art.º 241.º, n.º 1, CC).
Os próprios simuladores, mesmo na simulação fraudulenta, têm legitimidade para arguir a
simulação (art.º 242.º, n.º 1, CC), tratando-se de um preceito que visa ladear a eventual
invocação do tu quoque. Os interessados prejudicados, nos seus direitos legitimários pela
sucessão, estão legitimados a arguir a simulação (art.º 242.º, n.º 2, CC). A nulidade é invocável,
nos termos gerais, por qualquer interessado (art.º 286.º, CC), contra os simuladores ou os seus
herdeiros.
No entanto, os simuladores não podem invocar a simulação contra terceiros de boa-fé (art.º
243.º, n.º 1, CC), ou seja, contra terceiros que desconheçam, sem culpa, a simulação.
Determina-se a má-fé do terceiro perante o registo da acção de simulação (art.º 243.º, n.º 3,
CC).

A regra da inoponibilidade da simulação a terceiros de boa-fé suscita um delicado problema


de justiça no seu confronto com as preferências com eficácia real, podendo gerar um
enriquecimento escandaloso para o preferente. Vaz Serra, Castro Mendes e Antunes Varela
vieram defender que a simulação é, em qualquer caso, inoponível a terceiros de boa-fé.
Menezes Leitão entende que existe um investimento de confiança por parte do titular da
preferência, levando a que fosse manifestamente iníquo que, tendo o preferente feito o
legalmente exigido para a procedência da acção de preferência, suportando despesas para o
efeito, que visse no fim a acção improceder, pelos simuladores virem, contrariamente ao art.º
243.º, n.º 2, invocar a simulação de preço que eles próprios tinham declarado em documento
autêntico e em cuja exactidão o preferente confiou. Portanto, este Autor entende que, em caso
de celebração de negócio simulado, pode o titular da preferência exercê-la pelo preço simulado.
Contrariamente, Mota Pinto, Almeida Costa, Carvalho Fernandes e Menezes Cordeiro
defendem que o objectivo da lei, perante os interesses em presença, nunca poderia ser o de
facultar o enriquecimento do preferente, sendo esta última posição sufragada.
Os terceiros preferentes não podem, para Menezes Cordeiro, invocar “boa-fé” para optarem
por um preço inferior ao real, inexistindo, portanto, para este Autor, qualquer investimento de
confiança, ressalvando, no entanto, a possibilidade do ressarcimento das despesas e demais
danos causados ao preferente, quando ele próprio esteja de boa-fé.
A simulação pode, nos termos gerais, ser constatada na própria acção de preferência, aí sendo,
então, declarada a competente nulidade, de modo a poder preferir-se pelo preço real. Apenas
na hipótese do surgimento de uma acção de simulação autónoma será necessário, ao preferente,
aguardar pelo trânsito em julgado de decisão que declare a nulidade, para preferir por esse
preço, podendo, em alternativa, preferir desde logo pelo preço real.
Quando as partes, a fim de afastarem o preferente, declaram um preço superior ao
efectivamente combinado e praticado, o preferente pode invocar a nulidade do negócio
simulado e preferir pelo preço real. Na mesma linha, o preferente pode invocar a nulidade de
uma doação, quando esta vise encobrir uma compra e venda dissimulada, tendo-se recorrido a
tal esquema justamente para afastar a preferência.

A prova da simulação

A prova testemunhal do acordo simulatório e do negócio dissimulado é aparentemente


proibida (art.º 394.º, n.º 2, CC).
De qualquer forma, a simulação é, só por si, difícil de provar, pelo que o impedimento da
prova testemunhal equivale, frequentemente, a restringir, de modo indirecto, a prescrição do
art.º 240.º, n.º 2, relativo à nulidade da simulação. A confiança de terceiros encontra-se, no
entanto, tutelada pelo art.º 243.º.
Assim, tem-se vindo a defender um entendimento restritivo do art.º 394.º, n.º 2, pelo que,
havendo um princípio de prova escrita, é admissível complementá-la através de testemunhas,
podendo até os próprios simuladores serem ouvidos sobre a simulação, em depoimento de
parte.

Menezes Leitão entende que é impossível a prova testemunhal do acordo simulatório e do


acordo dissimulado, visando evitar que, com base numa prova testemunhal de “conteúdo
altamente duvidoso, se venha pôr em causa, a fiabilidade do documento autêntico”. No entanto,
Menezes Cordeiro responde afirmando que o princípio da livre apreciação da prova
testemunhal dá toda a margem para o juiz não se deixar convencer.

A natureza da obrigação de preferência

Para Manuel de Andrade e Galvão Telles, a obrigação de preferência corresponde a uma


verdadeira obrigação de contratar, sujeita simultaneamente a uma condição potestativa a parte
debitoris, a de que o devedor tome a decisão de contratar, e a uma condição potestativa a parte
creditoris, de que o credor queira exercer a sua preferência – teoria da dupla condição.
Para Henrique Mesquita e Cardoso Guedes, a preferência não corresponderia a uma obrigação,
mas antes a uma sujeição, adquirindo o titular da preferência, no caso de o obrigado decidir
contratar com outrem, um direito potestativo a constituí-lo no dever de celebrar o contrato –
teoria do direito potestativo.
Para Menezes Leitão e Carlos Lacerda Barata, a obrigação de preferência teria antes um
conteúdo negativo: o de não celebrar com mais ninguém o contrato, em relação ao qual se deu
preferência, a não ser com o titular da preferência, salvo se este renunciar à preferência – teoria
do facto negativo.
Antunes Varela, Menezes Cordeiro e João Redinha entendem que não existirá na obrigação de
preferência nem uma obrigação de contratar, nem um negócio condicional, tendo, porém, a
obrigação conteúdo positivo – escolher o titular da preferência como contraparte, no caso de
se decidir a contratar – teoria do facto positivo.

Pacto de opção – noção básica

O pacto de opção é um contrato pelo qual uma das partes (o beneficiário, o titular ou o optante)
recebe o direito de, mediante uma simples declaração de vontade dirigida à outra parte (o
vinculado ou o adstrito à opção), fazer surgir o contrato entre ambas combinado – o contrato
definitivo.

Menezes Cordeiro entende que, à imagem da promessa, é possível introduzir o conceito de


“optabilidade”, i.e., a susceptibilidade que os contratos tenham de poder ser objecto de pactos
de opção.
No domínio do Direito das Obrigações vigora a autonomia privada, permitindo a liberdade
contratual (art.º 405.º, CC) às partes, em regra, introduzir em opção a conclusão de quaisquer
contratos. No entanto, a opção é, apesar de tudo, um minus relativamente ao contrato definitivo,
sendo que se as partes podem concluir certos contratos, poderão, relativamente, fechar opções.
Todavia, a opção está estruturalmente vocacionada para posições patrimoniais disponíveis,
aplicando-se, directamente ou por analogia, as regras sobre a prometibilidade em sentido forte.

Não é possível a opção relativamente a contratos que excluam a execução específica ou que
exijam, na conclusão, operações que transcendam a mera declaração unilateral do optante. Esta
é excluída no contrato de trabalho (art.º 103.º, n.º 3, CT), sendo admissível quanto a contratos
reais quoad constitutionem se o optante – ou alguém por ele – já detiver o controlo material da
coisa.
A hipótese de uma “opção” que, uma vez exercida, obrigaria o adstrito a entregar a coisa para,
assim, se completar o definitivo é lícita e eficaz, não sendo, no entanto, uma opção. Trata-se
de uma figura atípica, próxima da opção, mas que não é de puro funcionamento potestativo.

A opção representa, para o seu beneficiário, uma vantagem evidente, permitindo-lhe, por sua
exclusiva vontade, adquirir uma determinada posição jurídica, traduzindo, em compensação,
uma desvantagem de conteúdo inverso para o adstrito.
É compreensível, por isso, a existência de uma contrapartida monetária na concessão de uma
opção – um preço –, pagando o optante ao adstrito pela constituição da opção.
A cláusula de pagamento tem natureza acessória, podendo escapar à forma imposta à opção
(art.º 221.º, CC), sendo, no entanto, recomendada, por razões de clareza, de facilidade de prova
e de linearidade fiscal, a sua inserção no próprio pacto. No entanto, se, por razões de negócios,
for inconveniente o seu conhecimento no mercado, recomenda-se a sua inserção num segundo
documento.

Regime e construção dogmática

O regime do pacto de opção é enformado pelo princípio da equiparação, seguindo este o


regime do contrato definitivo, excepto no que tanja ao seu cumprimento.
A opção não é um tipo de contrato, sendo uma figura geral, i.e., um modo de estar de in
contrahendo.
Perante cada hipótese de opção, por mera declaração unilateral, dá azo ao contrato definitivo,
pelo que esta apenas será válida e eficaz se, perante o concreto contrato definitivo em causa,
ela reunir os diversos requisitos pré-figurados.
Pode-se precisar:
i Quanto à forma – aplica-se, sem aligeiramento, a forma do definitivo pois a opção,
tornando-se eficaz a declaração do optante, é o definitivo;
ii Quanto aos pressupostos – funcionam os do definitivo, podendo-se hesitar no
tocante à legitimidade, uma vez que esta, faltando ab initio, poderia ser recuperada
antes do exercício do direito; nessa eventualidade ter-se-ia o misto de opção com o
dever de adquirir a coisa;
iii Quanto à execução – a opção cessa com o seu exercício, passando a integrar o
definitivo; consequente e logicamente, as regras deste só nessa altura se
manifestam.
A aplicabilidade do princípio da equiparação é ainda reforçada pela proximidade entre a opção
e o inerente definitivo condicionado à vontade do beneficiário (si volet). Nessa eventualidade,
ter-se-ia um único negócio, com a cláusula si volet – uma condição potestativa, ligada à pura
opção do beneficiário e que poria em acção um contrato já acordado.

A opção tem uma especialidade: normalmente pactuada pelas partes mas, em certos domínios,
ditada pela prática comum e apoiada nas circunstâncias que a rodeia. Esta dá azo, na esfera do
optante, a uma posição livremente disponível.

A opção integra-se, muitas vezes, em contratos mais vastos.

Direitos e deveres, execução e incumprimento

O pacto de opção origina direitos e deveres para ambas as partes. No que toca ao optante, ele
recebe o direito potestativo de, por uma simples manifestação da sua vontade, provocar o
aparecimento do contrato definitivo.
O direito de opção é exercível pelo tempo estipulado pelas partes, ocorrendo que, na hipótese
de as partes nada terem clausulado nesse domínio, Menezes Cordeiro entende que se deve
aplicar, por analogia, o art.º 411.º, pedindo o vinculado, ao tribunal, que fixe um prazo razoável
para o seu exercício.
O optante deve satisfazer as cláusulas acessórias a que, porventura, esteja sujeito, com relevo
para o pagamento do preço da opção, quando pactuado. Este fica também inserido numa teia
de deveres acessórios (art.º 762.º, n.º 2, CC) que, entre outros aspectos, o obrigam a não
complicar a posição do adstrito à opção.

O adstrito à opção fica imerso numa situação de sujeição, a qual é, pela natureza das coisas,
insusceptível de violação. No entanto, este fica vinculado a prestações secundárias e deveres
acessórios, de modo a permitir, ao optante, o exercício eventual da opção, retirando, dela, todas
as vantagens que, pela natureza das coisas, ela possa proporcionar.

A execução do pacto de opção centra-se na comunicação da opção – uma declaração


recipienda, dirigida pelo optante ao adstrito, com um conteúdo simples de exercício de direito
– opto. Esta declaração deve ser feita no prazo de eficácia da opção, divergindo a doutrina
relativamente à sua forma:
i. A declaração poderia ser meramente consensual – defendida por Baptista Machado
e Vaz Serra;
ii. A declaração deve assumir a forma exigida para o contrato definitivo – defendida
por Menezes Cordeiro e Tiago Soares da Fonseca.
A declaração de opção é um acto jurídico unilateral – comportando liberdade de celebração,
mas não de liberdade de estipulação, uma vez que tudo foi decidido no próprio pacto. É-lhe
aplicada o regime dos negócios, por via do art.º 295.º, mas na medida em que a analogia das
situações o justifiquem, segundo esse mesmo preceito. A declaração de opção é um acto sobre
um negócio, indo alterar a eficácia que já advinha deste, pelo que as razões especiais que
sustentem uma forma solene lhe são aplicáveis (art.º 221.º, n.º 2, CC).

A opção tem uma estrutura que não lhe permite encarar com facilidade o seu próprio
incumprimento, em virtude de se ter, no seu cerne, um direito potestativo e uma sujeição. O
incumprimento de uma opção residirá, fundamentalmente, na inobservância de prestações
secundárias que tenham sido pactuadas ou na desatenção pelos deveres acessórios que recaiam,
ex bona fide, em qualquer das partes.
No caso do adstrito à opção alienar a coisa que era suposto manter para o optante, aplica-se,
por analogia, o art.º 274.º, tornando-se a venda a terceiro ineficaz quando a opção seja exercida
– o optante adquire a propriedade da coisa onde quer que ela esteja, podendo exigir, depois, a
sua entrega. Ressalvam-se apenas as hipóteses de o terceiro poder, por razões próprias, invocar
a usucapião ou a aquisição tabular. Ocorre, em qualquer caso, violação de prestações
secundárias e de deveres acessórios, pelo que o adstrito deverá indemnizar o optante pelas
maiores despesas que tenha ocasionado.
A venda feita nestas condições é meramente ineficaz no caso de exercício da opção, sendo,
fora desse caso, válida e legítima, produzindo efeitos até ao exercício deste direito potestativo.

Se o adstrito destruir a coisa ou se recusar a entrega-la, o optante pode exercer o seu direito –
o qual visa o contrato e não a coisa. Caso o exerça e a coisa haja sido destruída, verifica-se a
violação da propriedade e do contrato definitivo; de igual modo, a recusa da entrega da coisa
implica a inobservância do definitivo e o desrespeito pela propriedade. O optante pode, neste
caso, reagir usando os competentes institutos.

Actuada a opção, surge o contrato definitivo, o qual deve ser cumprido.


A natureza da opção

Na determinação da natureza da opção, encontram-se, na sua construção dogmática, duas


grandes teorias:
i. A teoria unitária;
ii. A teoria da separação.

Pela teoria unitária, a opção e o contrato principal constituiriam um único contrato, sendo a
opção, no fundo, um contrato condicionado à conclusão da vontade do optante.
A teoria da separação contrapõe o papel específico da opção, o seu teor criativo e a
descontinuidade entre a opção e o principal. Posta a questão nestes termos, a teoria da separação
é, no entender de Menezes Cordeiro, a recomendável, em virtude da opção suscitar valorações
próprias e um regime distinto, que não se dilui no definitivo.

Contrato a favor de terceiro – generalidades

O contrato a favor de terceiro é o contrato em que um dos contraentes (promitente) atribui, por
conta e à ordem do outro (promissário), uma vantagem a um terceiro (beneficiário), estranho à
relação contratual.
A vantagem traduz-se, em regra, numa prestação assente sobre o respectivo direito de crédito,
podendo, no entanto, consistir na liberação de um débito, na constituição, modificação ou
extinção de um direito real.
É essencial para o contrato a favor de terceiro, como figura típica autónoma, que os contraentes
procedam com a intenção de atribuir, através dele, um direito (de crédito ou real) a terceiro ou
que dele resulte, pelo menos, uma atribuição patrimonial imediata para o beneficiário.
Nos casos em que as partes celebrarem um contrato cuja prestação principal se destine a
terceiro, mas sem que este adquira previamente, segundo a intenção dos contraentes e o próprio
conteúdo do contrato, qualquer direito de crédito à prestação, estar-se-á perante um contrato
autorizativo da prestação a terceiro, sendo o único credor da prestação um dos contraentes. Os
terceiros reflexamente beneficiados não são titulares de qualquer direito referente às prestações
principais ou secundárias emergentes do contrato, mas dos direitos correspondentes a alguns
dos deveres acessórios de conduta que integram a respectiva relação contratual.
Então, para que haja contratos a favor de terceiro, é necessário que o terceiro seja titular do
direito à prestação ou beneficiário directo da atribuição nascida do contrato.
Nos contratos a favor de terceiro, deve assinalar-se, em primeiro lugar, os dois contraentes: o
promitente (reus promittendi), a pessoa que promete realizar a prestação; e o estipulante (reus
stipulandi) ou promissário, a pessoa a quem a promessa é feita, perante quem ou à ordem da
qual a vantagem do terceiro é criada. O terceiro beneficiário adquire direito à prestação ou a
outro benefício, em regra desde a celebração do contrato.

O Código Vaz Serra não só reconheceu em termos muito amplos a validade das estipulações
a favor de terceiro, como traçou com bastante latitude o quadro das espécies que elas abrangem,
contrariamente à proibição histórica de estipulações a favor de terceiro (alteri stipulari nemo
potest).
O único requisito estabelecido para a validade do contrato é paralelo ao que vigora para a
constituição de qualquer obrigação, exigindo-se que o promissário ou estipulante tenha na
prestação prometida ao terceiro um interesse digno de protecção legal.
A lei consagra não apenas a eficácia dos contratos com eficácia obrigacional, mas também a
dos contratos liberatórios (art.º 443.º, n.º 2, CC) e a dos contratos constitutivos, modificativos
ou extintivos de direitos reais, que não envolvem nenhuma obrigação do promitente em relação
ao terceiro beneficiário. Através desses contratos, que contêm verdadeiros actos de disposição
a favor de terceiro, operam-se imediatamente na esfera jurídica do terceiro os efeitos
decorrentes do contrato.
Não é exigida a gratuitidade da vantagem proporcionada ao beneficiário.

Relação entre promissário e promitente

O contrato a favor de terceiro é, no seu aspecto instrumental, o meio de que o promissário se


serve para efectuar uma atribuição patrimonial indirecta – porque obtida através da prestação
do promitente – em benefício de terceiro.
A prestação usada para esse fim provém da relação já existente ou criada no momento do
contrato, entre o promissário e o promitente – relação essa que pode ter a mais variada natureza
–, chamando-se de relação de cobertura ou provisão.
No entanto, o direito atribuído ao beneficiário integra-se numa outra relação, estabelecida entre
o promissário e o terceiro beneficiário, chamada relação de valuta.
A relação de cobertura ou de provisão tem uma importância fundamental na fixação dos
direitos e deveres recíprocos do promitente e do promissário, bem como na determinação dos
meios de defesa que podem opor um ao outro. A relação de cobertura é também fundamental
na determinação das relações entre promitente e terceiro, dado que o promitente pode opor a
terceiro todos os meios de defesa derivados do contrato (art.º 449.º, CC). Fica vedado ao
promitente invocar os meios de defesa baseados em qualquer outra relação entre ele e o
promissário ou na relação de valuta entre promissário e terceiro.
Se tiver já cumprido, e o contrato que serve de cobertura à prestação vier a ser declarado
inválido ou perder, por outro motivo qualquer, a sua eficácia, o promitente não poderá, em
princípio, repetir a prestação já efectuada, se a relação de valuta se mantiver. A prestação só
será repetível nos termos do art.º 478.º, se forem verificados os pressupostos necessários.

Posição do terceiro. Relação entre o promissário e terceiro

O terceiro adquire direito à prestação como efeito imediato do contrato, independentemente


da aceitação ou até do conhecimento da celebração do contrato. Da mesma forma, se o contrato
revestir alguma das modalidades especialmente previstas no n.º 2 do art.º 443.º, a eficácia
opera-se independentemente da aceitação do terceiro. A aceitação – adesão, na linguagem
legislativa – tem, no entanto, o efeito de precludir a revogação da promessa por parte do
promissário (art.º 447.º, n.º 3, CC). A adesão tem de ser declarada ao promitente, a quem
incumbe realizar a prestação, e ao promissário, para que não conte com a revogabilidade da
promessa.
A aquisição do direito pode, no entanto, ser subordinada a condição ou sujeita a termo.
Enquanto a adesão não for comunicada ao promissário, mesmo que o seja ao promitente, pode
o primeiro revogar a promessa; se a adesão não for comunicada ao promitente, este não
incorrerá em mora, nem estará vinculado aos deveres secundários de conduta que só se
justifiquem após a adesão.
Mesmo após a adesão, o terceiro não se torna contraente, mas apenas titular definitivo do
direito que o contrato lhe conferiu, pelo que, sendo de carácter gratuito a atribuição feita pelo
promissário a terceiro, ela não está sujeita às formalidades próprias da doação.
Ao mesmo tempo que fica obrigado perante o terceiro, relativamente à prestação principal, o
promitente fica naturalmente adstrito a deveres acessórios de conduta.
Em lugar de aceitar o direito, aderindo ao contrato, o terceiro pode rejeitá-lo. Embora a
atribuição do direito represente para o beneficiário uma vantagem, entende-se que esta não
deve ser imposta contra sua vontade (invito non datur benefitum). A rejeição, feita mediante
declaração ao promitente, destrói retroactivamente os efeitos da aquisição imediata do direito,
reconstituindo a situação jurídica existente no momento anterior à celebração do contrato.
Dado o seu carácter renunciativo, a rejeição está sujeita à impugnação pauliana por parte dos
credores do terceiro beneficiário.
O direito de resolução do contrato, por impossibilidade superveniente da prestação, não cabe
ao terceiro, mas ao promissário, por se tratar de uma faculdade exclusivamente reservada aos
contraentes.

O promissário tem o direito de exigir do promitente o cumprimento da promessa, salvo


estipulação em contrário (art.º 444.º, n.º 2, CC). A coexistência do direito do beneficiário à
prestação com o direito do promissário a exigir também o cumprimento da obrigação pode
suscitar dúvidas e embaraços, especialmente quando haja divergência sobre a forma de
cumprimento da prestação, devendo resolver-se tais dúvidas de forma harmoniosa com a
vontade expressa no contrato pelos contraentes. No entanto, na impossibilidade de tal, deve
atender-se à natureza dos dois direitos na economia da relação.
O direito do promissário a exigir o cumprimento da promessa é um poder instrumental,
acessório, ao serviço do interesse fundamental do terceiro beneficiário.
Quanto ao poder de disposição do terceiro sobre o direito que lhe é atribuído, o seu regime
dependerá das indicações que para o efeito facultaram as declarações dos contraentes e as
circunstâncias do contrato.
Não se pode reconhecer ao promissário, em princípio, a faculdade de, uma vez consolidado o
direito do beneficiário através da adesão, remitir a obrigação do promitente, nem de autorizar
por si só a modificação da prestação devida.
Na titularidade do promissário, além do direito a exigir a prestação a ser realizada a terceiro,
continuam os meios de defesa provenientes, quer da relação de cobertura, quer da relação de
valuta, e ainda o direito de resolução do contrato por falta de cumprimento do promitente, pelo
menos quando esta não prejudique o direito de indemnização a que o terceiro tenha direito.
Tem ainda o promissário o direito de revogar a promessa, enquanto ela não for aceite pelo
beneficiário, ou enquanto vivo for, se ela se destinar a ser cumprida só após a sua morte.
Ressalvam-se, no entanto, os dois casos seguintes:
a. O de haver estipulação em contrário;
b. O de a promessa ser feita no interesse de ambos os outorgantes – neste caso, a revogação
dependerá também do consentimento do promitente.
Mesmo após a aquisição definitiva do direito por parte do terceiro, o promissário pode invocar
contra ela os vícios concernentes à relação da valuta.

Prestação em benefício de pessoa indeterminada ou no interesse público

O destinatário de uma prestação estipulada nos contratos a favor de terceiro é, em regra, uma
ou são várias pessoas determinadas. No entanto, pode suceder que a prestação vise proteger
um interesse público ou se destine a um conjunto indeterminado de pessoas.
Neste caso, reconhece-se uma legitimidade difusa para a exigência da prestação, podendo, não
apenas o promissário ou seus herdeiros exigir a realização da prestação, mas também as
entidades competentes para defender os interesses em causa (art.º 445.º, CC).
É vedada ao promissário, herdeiros e entidades competentes a disposição do direito à prestação
ou a autorização de qualquer modificação no seu objecto (art.º 446.º, n.º 1, CC). Portanto,
Menezes Leitão entende que não se trata de um direito de crédito mas de um mero direito de
reclamar a prestação do promitente.

Contrato para pessoa a nomear – noção e origem

Contrato para pessoa a nomear é aquele cujos termos permitem que uma das partes tenha o
direito de designar um terceiro que encabece os direitos e as obrigações dele derivados. Num
primeiro tempo, o contrato é concluído entre duas partes, podendo uma delas, porém, indicar
um terceiro que irá ocupar o seu lugar. No contexto do contrato para pessoa a nomear, usa-se
a seguinte terminologia:
i. Promitens ou promitente – a parte firme;
ii. Stipulans ou estipulante – a parte que pode nomear um terceiro, para ocupar o seu
lugar;
iii. Amicus – o terceiro;
iv. Eligendus – o amicus ou terceiro, antes de ter ocorrido a sua nomeação;
v. Electio ou electio amici – a escolha ou a escolha do amigo ou terceiro, para ocupar
o lugar definitivo no contrato;
vi. Electus ou amicus electus – o terceiro nomeado, que passa a parte definitiva, no
contrato;
vii. Facultas amicum eligendi – a faculdade de designar o terceiro ou amicus, para
integrar o contrato.

Funções e figuras afins

O contrato para pessoa a nomear servirá, naturalmente, as funções que as pessoas, nele partes,
hajam por convenientes. No entanto, existem as seguintes funções típicas:
i. Discrição – certas figuras públicas não podem surgir em público sem serem
incomodadas, sendo que a presença de procuradores nem sempre resolve o
problema;
ii. Vantagem negocial – o resguardo de conhecidos comerciantes ou intermediários
pode evitar perturbações no mercado;
iii. Negociação em dois tempos – um adquirente pode reservar-se a faculdade de
manter o bem para si ou de o passar a outrem;
iv. Rapidez – pretendendo concluir um negócio por conta de outrem e não tendo
poderes de representação, o agente pode recorrer ao contrato para pessoa a nomear
como modo expedito de, mais tarde, se redocumentar;
v. Benefício fiscal – a alternativa para uma contratação por conta de outrem, sem
representação, é o mandato, o qual obriga a uma dupla transmissão, com duplicação
fiscal.
O contrato para pessoa a nomear ocupa, em sobreposição, funções que podem ser asseguradas
por outros institutos, distinguindo-se:
i. Da representação – nesta, os efeitos produzem-se imediata e automaticamente na esfera
do representado e não, num primeiro momento, na do representante, não requerendo
uma actuação específica para passar à do representado;
ii. Da representação sem poderes – o “representante” actua em nome e por conta do
“representado”, embora lhe faltem os poderes; no contrato para pessoa a nomear, o
stipulans age em nome próprio;
iii. Da cessão da posição contratual – aqui, os contratantes iniciais são os definitivos, não
havendo cláusula de pessoa a nomear; ocorre simplesmente que, em momento posterior
e eventual, um deles, com o acordo do outro, cede a sua posição a um terceiro (art.º
428.º, CC);
iv. Da venda de bens alheios – o alienante, quando eles sejam tomados por futuros (art.º
893.º, CC), deve procurar adquiri-los, para regularizar a situação; tal implica,
logicamente, um contrato distinto, inexistente no contrato para pessoa a nomear;
v. Do contrato a favor de terceiro – este é o beneficiário de um prestação, não ocupando,
mesmo quando adira ao contrato, a posição de parte;
vi. Do mandato sem representação – o mandante, em tal conjuntura, vem,
supervenientemente, a receber os direitos adquiridos por sua conta pelo mandatário,
não indo ocupar, ab initio, a posição deste;
vii. Da gestão de negócios – este instituto tem um âmbito mais vasto, sem que o gestor
venha a ocupar a posição do dominus.

Regime e efeitos

A cláusula para pessoa a nomear consta, em princípio, do próprio contrato que a contenha.
Nada obsta a que se insira num texto à parte ou, até, subsequente – no entanto, revestirá,
todavia, a forma exigida para o contrato em si, em virtude de procederem as razões
justificativas da forma (art.º 221.º, n.º 2, CC), para além da regra relativa à forma da procuração
(art.º 262.º, n.º 2, CC).
No entanto, nem todos os contratos comportam cláusula para pessoa a nomear, excluindo a lei
(art.º 452.º, n.º 2, CC):
i Os casos em que não é admitida a representação;
ii Aqueles em que a determinação dos contraentes é indispensável.
A representação é universalmente admitida, mesmo no casamento (cf. art.º 1620.º, CC), desde
que se indique, na procuração, o outro nubente e a modalidade do casamento. Relativamente à
“determinação dos contraentes”, pode-se apontar:
1. Negócios intuitu personae em que as qualidades pessoais da contraparte sejam
essenciais;
2. Negócios de tipo não-patrimonial
3. Negócios em que os valores subjacentes impliquem a imediata indicação do contratante
em jogo.
Menezes Cordeiro entende que deve ser realizada uma ponderação casuística sobre os aspectos
envolvidos.
Concluído o contrato para pessoa a nomear, inicia-se um procedimento que poderá culminar
na colocação do amicus na posição do stipulans, com a seguinte sequência:
a. Conclusão do contrato;
b. Concordância do amicus;
c. Electio.
A conclusão do contrato com cláusula de pessoa a nomear é o pressuposto básico de todo o
desenvolvimento subsequente. O amicus dará ou não o seu assentimento, sendo que, neste
último caso, o processo cessa. Embora a lei não o diga, a concordância do amicus é necessária
pelas regras gerais do Direito privado e pelo art.º 453.º, n.º 2, que manda seja a nomeação
acompanhada do instrumento de ratificação do contrato ou de procuração anterior à celebração
do próprio contrato.
Quanto à electio, esta deverá ser feita por escrito, ao outro contraente, no prazo convencionado
ou dentro dos cinco dias posteriores à conclusão do contrato (art.º 453.º, n.º 1, CC). Se o
contrato não indicar outro prazo e mesmo havendo procuração anterior, a nomeação deve ser
feita do prazo de cinco dias, sob pena de o contrato produzir efeitos perante os contratantes
iniciais. No caso de se tratar de um contrato-promessa em que se estipulou que o definitivo será
concluído com o promitente em causa ou com quem ele indicar, a electio pode ocorrer apenas
na celebração do definitivo.

A ratificação deve constar de documento escrito (art.º 454.º, n.º 1, CC) ou de documento de
força probatória equivalente à do contrato, quando superior (art.º 454.º, n.º 2, CC).

Feita regularmente e comunicada a designação, a pessoa nomeada (amicus electus) adquire os


direitos e assume as obrigações decorrentes do contrato concluído a partir da celebração (art.º
455.º, n.º 1, CC). A electio tem, pois, eficácia retroactiva.
Se a declaração de nomeação não for feita nos termos legais, o negócio consolida-se na esfera
do stipulans, produzindo efeitos relativamente ao contraente originário. Tal não sucederá
apenas se existir estipulação em contrário, caso em que o negócio fica sem efeito (art.º 455.º,
n.º 2, CC).

Estando o contrato sujeito a registo, pode o mesmo ser feito em nome do contraente originário,
com indicação da cláusula para pessoa a nomear, fazendo-se, depois, os averbamentos
necessários (art.º 456.º, n.º 1, CC), aplicando-se mutatis mutandis a mesma regra a qualquer
outra forma de publicidade a que o contrato esteja sujeito (art.º 456.º, n.º 2, CC).
Natureza

Existem as seguintes teorias sobre a natureza jurídica do contrato para pessoa a nomear:
i. Teoria da condição – o contrato para pessoa a nomear seria o contrato definitivo sujeito
a uma dupla condição – resolutiva quanto à aquisição pelo estipulante e suspensiva
quanto à aquisição pelo amicus – defendida por Guilherme Moreira, Galvão Telles,
Antunes Varela, Ribeiro de Faria e Menezes Leitão;
ii. Teoria do duplo contrato – o contrato para pessoa a nomear consistiria, em rigor, em
dois contratos, um celebrado entre o promitens e o stipulans e outro celebrado entre o
promitens e o eligendus. Num primeiro tempo, o promitens contrataria, a título
provisório, com o stipulans. Desde logo, porém, estaria subjacente um contrato, agora
definitivo, entre o promitens e o eligendus;
iii. Teoria da concentração subjectiva – o sujeito seria inicialmente indeterminado, até
ocorrer a imputação individualizante;
iv. Teoria da faculdade alternativa – a obrigação surgiria encabeçada pelo stipulans, mas
com a possibilidade, a cargo deste, de se fazer substituir;
v. Teoria da formação sucessiva – no contrato para pessoa a nomear, ter-se-ia, um
procedimento complexo, que culminaria com o contrato definitivo. Neste processo
encontrar-se-ia, sucessivamente: a dissociação entre a formação do acto e a realização
da relação, facultando a distinção entre partes num sentido formal e num sentido
substancial; a actuação sucessiva da previsão, que comporta, além do contrato, a
designação de um terceiro e a exibição dos necessários instrumentos de legitimação; a
suspensão provisória da relação;
vi. Teoria da sub-rogação legal – verificados os requisitos a que a lei submente a
desingação e a eficácia, não havendo lugar à representação, o terceiro ingressaria na
posição do stipulans, num típico fenómeno de sub-rogação;
vii. Teoria da autorização – a situação do promitens seria enfraquecida, autorizando a que,
do outro lado, operasse uma substituição da parte, com eficácia ex tunc;
viii. Teoria do negócio per relationem – o conjunto articulado dos estipulações que regem
os interesses das partes são visados no negócio, sendo o seu concreto objecto
determinado per relationem, i.e., por instruções ou indicações ulteriores;
ix. Teoria da representação – o contrato para pessoa a nomear andará na órbita da
representação.
Menezes Cordeiro entende que o contrato para pessoa a nomear consiste numa categoria
contratual típica e autónoma, implicando, num todo coerente, a cláusula para pessoa a nomear,
a electio com os seus requisitos com os seus requisitos ou alternativas: ou o amicus electus, ou
o stipulans ou a ineficácia do conjunto.

Negócios unilaterais – generalidades

A forma privilegiada de constituição de obrigações com base no princípio da autonomia


privada consiste na celebração de contratos, da qual decorre uma certa limitação à constituição
de obrigações por negócio unilateral, apresentando a doutrina as seguintes objecções sobre a
questão:
a. A constituição de obrigações por negócio unilateral implicaria a constituição de um
direito de crédito na esfera jurídica alheia sem o acordo do seu titular, violando-se assim
a regra invito beneficium non datur.
b. Admitir a eficácia dos negócios unilaterais como constitutivos de obrigações poderia
conduzir à criação de vinculações precipitadamente assumidas, em a prévia obtenção
do acordo das partes em relação a elas.
Menezes Leitão entende que a primeira objecção é facilmente torneável, bastando consagrar
em relação aos negócios unilaterais a solução que vigora no contrato a favor de terceiro, em
que o terceiro, embora adquira o direito, pode extingui-lo mediante a comunicação da sua
rejeição.
Dadas ambas as objecções, foi defendido o princípio do contrato, o qual consiste na ideia de
que apenas o contrato é forma idónea para a constituição de obrigações, exigindo-se que exista
uma declaração negocial do credor convergente com aquela do devedor.
O legislador não aceitou o princípio do contrato em termos absolutos, mas considerou, no
entanto, que só excepcionalmente o negócio unilateral seria fonte de obrigações (art.º 457.º,
CC), estabelecendo que “a promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos
por lei”. Face a esta questão, Antunes Varela, Almeida Costa, Menezes Leitão e Rui de Alarcão
entendem que se trata de uma limitação à celebração de negócios unilaterais, instituindo um
sistema de numerus clausus.
Menezes Cordeiro defende a ausência de tipicidade dos negócios unilaterais com fundamento
no carácter totalmente livre da proposta contratual, negócio unilateral por excelência. Sendo a
proposta contratual um negócio unilateral, e sendo a sua celebração possível em relação a
qualquer contrato, o princípio da tipicidade fica esvaziado de conteúdo, uma vez que a lei prevê
um tipo de negócio unilateral suficientemente abrangente para permitir uma atipicidade
negocial.
Pais de Vasconcelos defende que a tipicidade do art.º 457.º apenas se aplica a negócios
unilaterais abstractos, uma vez que, em se tratando de negócios unilaterais causais, vigoraria a
regra do art.º 458.º, que estabeleceria o seu valor declaratório, levando a presumir a respectiva
causa.

Promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida

A promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida aparece no art.º 458.º, n.º 1:


“Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida,
sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja
existência se presume até prova em contrário.”
Ou seja, havendo uma declaração unilateral de existência de uma dívida, sem indicação da sua
fonte, fica o credor dispensado de a exibir, podendo o devedor, porém, ilidir a presunção da
sua existência, provando o contrário.

Menezes Cordeiro entende que o art.º 458.º, n.º 1, não origina qualquer obrigação nova,
limitando-se a permitir que se prometa uma “prestação”, comum ou pecuniária, devidas,
anteriormente, por força de qualquer outra fonte. O único papel desse preceito será, para este
Autor:
a. Dispensar o beneficiário de indicar a verdadeira fonte da obrigação em jogo;
b. Fonte essa cuja existência se presume, até prova em contrário.
Existe, neste caso, um negócio unilateral, ainda que com mera eficácia declarativa, limitada à
inversão do ónus da prova. Antes, caberia ao beneficiário que invocasse uma obrigação,
provasse a sua fonte ou origem; agora, pode este contentar-se com a apresentação da
“promessa” ou de “reconhecimento”, cabendo ao devedor demonstrar que, afinal, ela não
existia.
A declaração de promessa de cumprimento ou de reconhecimento de dívida tem um
destinatário – o próprio beneficiário, devendo ser interpretada nos termos normais (art.º 236.º,
n.º 1, CC). Se da declaração resultar a existência de uma dívida, ainda que, a tanto, ela não for
primacialmente destinada, funciona a presunção do art.º 458.º.
Exige-se documento escrito para a declaração (art.º 458.º, n.º 2, CC), salvo “se outras
formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental”. Cabe-lhes, no entanto
a prova de que as tais formalidades são exigidas, em função da relação principal.

Promessa pública

O art.º 459.º ocupa-se da promessa pública, sendo que segundo o n.º 1 dessa norma:
a. Aquele que, por anúncio público;
b. Prometer uma prestação;
c. A quem se encontre em determinada situação ou pratique certo facto, positivo ou
negativo;
Fica desde logo vinculado à promessa. Este estará, salvo declaração em contrário, vinculado
mesmo em relação àqueles que se encontrem na situação prevista ou tenham praticado o facto,
sem atender à promessa ou na ignorância dela (art.º 459.º, n.º 2, CC).

A situação distingue-se, muito claramente, da oferta ao público (art.º 230.º, n.º 2, CC), sendo
que nesta, o destinatário apenas adquire o direito potestativo de, pela aceitação, constituir o
contrato, só nessa altura se constituindo, propriamente, obrigado; na promessa pública, o
beneficiário adquire imediatamente o direito à prestação, ficando, desde logo, o promitente
adstrito à sua efectivação.

Feita a promessa pública, o promitente queda obrigado:


a. Até que, surgindo alguém nas condições nela previstas, ele extinga, pelo cumprimento,
a sua obrigação;
b. Até que expire o prazo nela fixado (art.º 460.º, CC);
c. Até que a sua natureza ou o seu fim ditem a sua extinção (art.º 460.º, CC);
d. Até que, não tendo prazo, seja revogada (art.º 461.º, n.º 1, CC);
e. Até que, tendo prazo, seja revogada, antes dele, por haver justa causa (art.º 461.º, n.º 1,
in fine, CC).
A justa causa será, neste caso, um motivo atendível, objectiva ou subjectivamente, que torne
a promessa inexigível, perante os valores fundamentais do sistema – a boa fé. Na determinação
da justa causa haverá, designadamente, que atender à confiança que ela tenha suscitado no
público a que se destine.
Colaborando várias pessoas na promessa do resultado previsto no concurso, a prestação deverá
ser equitativamente repartida, atendendo-se à parte que cada uma delas tenha tido na produção
do resultado (art.º 462.º, CC).

Concurso público

O art.º 463.º, relativo a concursos públicos, constitui uma especial modalidade de promessa
pública. A sua particularidade reside na atribuição da prestação operar a favor de quem vença
um concurso, a título de prémio. Deve-se proceder a articulação do regime do concurso público
com a figura da abertura de concurso para a celebração de um contrato.
A oferta da prestação pelo concurso só é válida se fixar um prazo para a apresentação dos
concorrentes (art.º 463.º, n.º 1, CC), de outra forma, o concurso ficaria indefinidamente aberto,
podendo surgir mais concorrentes, sem que nada de decidisse.
A decisão de admissão ao concurso ou de concessão do prémio compete, exclusivamente, às
pessoas designadas no anúncio – o “júri” – ou, na sua falta, ao promitente (art.º 463.º, n.º 2,
CC).

Quando o anúncio de um concurso tenha um regulamento, o promitente fica vinculado ao


mesmo. A discricionariedade da decisão poderá, assim, ser reduzida. Também deve haver
respeito pelos concorrentes, devendo o concurso decorrer nos limites dos bons costumes e da
ordem pública.

No caso de erro na atribuição do prémio, se a ponderação for totalmente subjectiva, inexiste


qualquer controlo judicial possível. Sendo a prestação pedida objectiva, a desconsideração
desse facto configura um desrespeito pelos termos do concurso, assim sucedendo com
concursos que exijam respostas a questões históricas ou científicas (cf. Ac. RLx 8/7/2004).

Responsabilidade civil – generalidades

Responsabilidade civil é o instituto que é uma forma de constituição de obrigações pela qual
uma pessoa (o agente) fica adstrita a uma obrigação de indemnizar (a indemnização) outra
pessoa – o lesado (art.os 483.º a 510.º, CC).

A responsabilidade funciona numa de três situações:


i. Quando tenha sido praticado um facto ilícito ou delito que ocasione um dano – art.os
483.º a 498.º, CC – responsabilidade por facto ilícito;
ii. Quando tenha ocorrido um dano que o Direito determine que seja suportado por uma
pessoa diferente da que, inicialmente, o tenha sofrido – art.os 499.º a 510.º, CC –
responsabilidade pelo risco;
iii. Quando a lei permita que alguém provoque danos mas, não obstante, os deva, depois e
pelo menos em parte, compensar – responsabilidade pelo sacrifício.

A responsabilidade nuclear é a que advém da prática de factos ilícitos (art.os 483.º e ss., CC),
também chamada de responsabilidade aquiliana. Esta tem em comum com as responsabilidades
pelo risco e pelo sacrifício o facto de não pressupor, num momento prévio, nenhuma ligação
específica entre os intervenientes. Nesta importante dimensão contrapõe-se à responsabilidade
contratual, que emerge do incumprimento de um contrato, também chamada, por poder derivar
da violação de outras obrigações, que não contratuais, de responsabilidade obrigacional (art.os
798.º e ss., CC).

A responsabilidade pressupõe sempre a ocorrência de um dano – a supressão de uma vantagem


tutelada pelo Direito – implicando distinções e subdistinções, além de regras delicadas de
compartimentação.
O dano é suportado pela pessoa a quem caibam as vantagens suprimidas ou é atribuído a
outrem tratando-se da imputação do dano, a qual poderá ser aquiliana (a quem praticou o delito)
ou contratual (a quem violou o contrato); imputação delitual (por facto ilícito), pelo risco ou
pelo sacrifício.

Mapa do Código Civil

No Código Civil, a matéria da responsabilidade civil surge muito disseminada, sendo


mencionada em mais de cem artigos. No entanto, sobressaem três núcleos fundamentais:
i. A responsabilidade aquiliana ou, simplesmente, responsabilidade civil, tratada como a
última das fontes das obrigações, após o enriquecimento sem causa, nos artigos 483.º a
510.º;
ii. A obrigação de indemnizar inserida entre as modalidades de obrigações, nos artigos
562.º a 572.º;
iii. A falta de cumprimento das obrigações e a mora imputáveis ao devedor, presente na
secção dedicada ao não cumprimento das obrigações, nos artigos 798.º a 812.º.

Modalidades e tipologias da responsabilidade civil

A responsabilidade civil constitui um universo inesgotável e em expansão, sendo infindáveis


os temas, suscitando, além disso, questões conexas que tendem a abarcar a totalidade do
ordenamento.
A responsabilidade obrigacional (art.os 798.º e ss., CC) intervém perante a inobservância, pelo
devedor, de uma obrigação, enquanto a aquiliana acorde em face da violação ilícita e culposa
de um direito ou interesse tutelado (art.º 483.º, n.º 1, CC). As principais diferenças entre a
responsabilidade aquiliana e obrigacional consistem, para Pessoa Jorge, nos seguintes pontos:
1. Presume-se a culpa na obrigacional (art.º 799.º, n.º 1, CC), mas não na aquiliana (art.º
487.º, n.º 1, CC), existindo, todavia, nesta última, uma série de excepções, com
presunção de culpa (art.os 491.º, 492.º, n.º 1, e 493.º, CC);
2. Havendo pluralidade passiva, ter-se-ia solidariedade na delitual (art.º 497.º, CC), mas
não na obrigacional, salvo se a própria obrigação violada fosse solidária;
3. Surgiriam diferenças de competência territorial judicial e de normas de conflito
espacial.

A doutrina diverge quanto à questão sobre se a responsabilidade aquiliana e a obrigacional


devem ser objecto de um tratamento unitário, a saber:
a. Tratam-se de institutos de natureza diferentes, dado que a responsabilidade aquiliana
gera deveres primários de prestação e, consequentemente, consiste numa fonte de
obrigações, uma vez que através dela surge pela primeira vez uma relação obrigacional
legal. Pelo contrário, a responsabilidade obrigacional não geraria deveres primários de
prestação, mas apenas deveres secundários, uma vez que teria como pressuposto uma
obrigação já existente, de que o dever de indemnizar se apresentaria como sucedâneo,
em caso de incumprimento, ou como paralelo em caso de mora – defendida por
Guilherme Moreira, Manuel de Andrade, Galvão Telles, Antunes Varela, Mota Pinto,
Jorge Sinde Monteiro, João Calvão da Silva e Menezes Cordeiro;
b. A obrigação de indemnização em caso de incumprimento ou mora não se identifica com
a obrigação inicialmente violada, uma vez que apresenta um fundamento distinto. A
responsabilidade obrigacional será, assim, uma fonte de obrigações, à semelhança da
responsabilidade aquiliana, e não como uma mera modificação da obrigação
inicialmente constituída. A sua especialidade resulta da circunstância de a sua fonte ser
a frustração ilícita de um direito de crédito, o qual é primariamente tutelado através da
acção de cumprimento – defendida por Manuel Gomes da Silva, Paulo Cunha, Pessoa
Jorge e Menezes Leitão.

Menezes Cordeiro aponta para o facto da obrigação ser considerada actualmente uma relação
complexa, compreendendo o dever de prestar, os deveres secundários e os deveres acessórios.
Assim, o seu incumprimento-padrão traduz-se na não-execução definitiva ou na
impossibilitação do dever de prestar principal, subsistindo a obrigação, sendo-lhe apenas
enxertado o dever de indemnizar. Portanto, poderá ocorrer uma readaptação das prestações
secundárias e dos deveres acessórios, mantendo a obrigação a sua identidade e sendo
impensável dispensar a sua fonte original.
A responsabilidade obrigacional está ao serviço do valor “contrato”, de que é um lógico
prolongamento. A responsabilidade aquiliana cobre uma área distinta, não derivando de prévias
obrigações específicas, com o seu conteúdo complexo e o seu séquito de deveres, antes
emergindo da inobservância de deveres genéricos de respeito, estruturalmente distintos e
varáveis em função das circunstâncias. O relacionamento específico entre os envolvidos surge
apenas com o facto ilícito e os demais pressupostos, servindo o valor “propriedade lato sensu”.

A diferença genética projecta-se na diferenciação funcional apontada:


i. Enquanto a responsabilidade obrigacional visa, na sua matriz, assegurar e prolongar
a função do contrato, assente na criação e na circulação da riqueza;
ii. A responsabilidade aquiliana procura tutelar a função dos direitos subjectivos,
assente na defesa da riqueza já obtida.

As diferenças de regime

A diferenciação dos regimes da responsabilidade aquiliana e obrigacional funda-se nas


diferenças genéticas entre ambas. Na responsabilidade obrigacional deve lidar-se sempre com
a fonte original da obrigação em jogo e com o “facto ilícito” do seu incumprimento, sendo o
ponto de partida, neste caso, a constituição da obrigação dado o todo o processo necessário até
à indemnização. Na responsabilidade aquiliana, basta o facto e demais pressupostos, sendo o
momento zero o da perpetração do facto em causa devendo, a partir daí, construir-se toda uma
relação entre o agente e o lesado.

Havendo, entre as partes, uma obrigação específica, cabe ao devedor executar a prestação
principal. O dever dele é o bem do credor, atribuído e legitimado pelo ordenamento. Não
cumprindo o devedor, é grave, dado que este está a frustrar, pela sua conduta, precisamente o
valor que o Direito atribuíra ao credor. Em face do incumprimento, o devedor é
automaticamente condenado a indemnizar, i.e., a prosseguir, no plano indemnizatório, o dever
de prestar principal que inadimpliu.
A fim de se tutelar a posição do credor, coloca-se o ónus da prova no devedor, ao qual
competirá:
a. Ou provar o cumprimento, tratando-se de um facto extintivo, cujo ónus probatório lhe
assiste (art.º 342.º, n.º 2, CC);
b. Ou provar que tinha uma qualquer causa de justificação ou de excusa para não cumprir
(art.º 799.º, n.º 1, CC).
A “presunção de culpa” do art.º 799.º, n.º 1, é, de facto, uma presunção de culpa e de ilicitude,
pelo que quando haja inadimplência, presume-se que esta ocorreu ilicitamente e com culpa
(dolo).

Pelo contrário, na falta de uma obrigação específica prévia, a eventualidade da


responsabilidade aquiliana é gravosa para as pessoas e para a sua liberdade. Num mundo de
contactos intensivos, qualquer pessoa pode, ad nutum, ser confrontada com danos
alegadamente provocados a terceiros. Portanto, o legislador limitou a responsabilidade,
cabendo ao lesado provar os diversos elementos constitutivos da invocada responsabilidade,
incluindo os factos de onde se retire o juízo de culpa (art.º 487.º, n.º 1, CC).
Disto decorre que a responsabilidade obrigacional é dotada de uma maior eficácia.

Existem, porém, outras diferenças:


1. As obrigações, mesmo quando incumpridas e, sobretudo, se incumpridas, prescrevem
no prazo ordinário de vinte anos (art.º 309.º, CC), enquanto a obrigação aquiliana de
indemnização prescreve, regra geral, em três anos (art.º 498.º, CC);
2. Na responsabilidade obrigacional, o devedor é automática e plenamente responsável
pelos actos dos seus representantes legais e auxiliares (art.º 800.º, n.º 1, CC), enquanto,
na aquiliana, funciona o regime da responsabilidade do comitente (art.º 500.º, n.º 1, CC)
– o principal só responde se, sobre o comissário, recair, também, obrigação de
indemnizar;
3. Na responsabilidade obrigacional funcionam as regras comuns da capacidade de
exercício e do suprimento de incapacidades (art.os 122.º, 123.º e 124.º, CC), na aquiliana
existe uma regra geral de capacidade (imputabilidade), apenas se presumindo a sua
ausência nos menores de sete anos e em interditos por anomalia psíquica (art.º 488.º,
n.º 2, CC);
4. Na responsabilidade obrigacional, o devedor é sempre plenamente obrigado à
indemnização, na aquiliana, havendo mera culpa (negligência), a indemnização pode
ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos
causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e
do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem (art.º 494.º, CC);
5. A cláusula penal reporta-se à responsabilidade obrigacional (art.os 810.º a 812.º, CC),
funcionando para a aquiliana a regra da proibição da renúncia antecipada aos direitos
(art.º 809.º, CC);
6. Numa situação de complexidade subjectiva aplica-se, na responsabilidade obrigacional,
supletivamente, a regra da parciariedade (art.º 513.º, CC), na aquiliana, a regra geral é
a da solidariedade (art.os 490.º e 499.º, CC);
7. A responsabilidade obrigacional é complementada por deveres acessórios, a aquiliana
pelos deveres do tráfego.

O fenómeno da interpenetração

Não obstante as diferenças existentes entre os regimes da responsabilidade aquiliana e


obrigacional, existe uma interpenetração entre ambas, a qual resulta, essencialmente, de dois
fenómenos:
i. De o legislador de 1966, seguindo o modelo alemão, ter dado um aparente
tratamento unitário à obrigação de indemnizar (art.os 562.º a 572.º, CC);
ii. De o mesmo legislador, no capítulo reservado à responsabilidade aquiliana, ter
inserido diversas obrigações legais.

A obrigação de indemnização está matricialmente virada para a responsabilidade aquiliana.


De facto, na responsabilidade obrigacional, o devedor inadimplente deve repor o equivalente à
prestação principal em falta, podendo os artigos 562.º e 563.º ser aplicados, mas sem um grande
alcance. Os artigos 566.º e 567.º cedem perante as regras da execução específica (art.os 827.º a
830.º, CC). O art.º 571.º opera na responsabilidade obrigacional e não na responsabilidade
aquiliana, sob pena de conflito com o art.º 500.º.

Mais significativo é o facto de o legislador, a propósito da responsabilidade aquiliana, ter


previsto diversas obrigações legais ou ter assentado na prévia existência de contratos:
a. O art.º 485.º, n.º 1, configura situações derivadas de prévios negócios ou obrigações de
informar – responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações;
b. O art.º 486.º refere a hipótese de, por lei ou negócio, haver o dever jurídico (específico)
de praticar o acto omitido;
c. O art.º 491.º reporta-se à responsabilidade das pessoas que, por lei ou negócio jurídico,
estejam obrigadas a vigiar outras, por incapacidade natural destas e pelos danos que
pratiquem, “salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ...” – uma
autêntica presunção de culpa (faute);
d. O art.º 492.º, n.º 1, postula uma obrigação do proprietário ou do possuidor de tomarem
as medidas necessárias para evitar o desmoronar, total ou parcial, do edifício ou outra
obra, donde a presunção de culpa; o n.º 2 aplica-se ao terceiro que, por lei ou negócio,
esteja obrigado a essa conservação;
e. O art.º 493.º, n.º 1, assenta numa obrigação de vigiar coisas, animais ou actividades e
de ela não ser cumprida, disto decorrendo uma presunção de culpa.
Estes denominados “delitos específicos” são, de facto, obrigações legais ou negociais,
ocorrendo que, nestes casos, por expressas injunções legais, ser-lhes aplicável o regime da
responsabilidade obrigacional.

O concurso

É possível que um evento preencha, em simultâneo, os pressupostos da responsabilidade


aquiliana e obrigacional.
Deve proceder-se, em primeiro lugar, a uma depuração liminar: o art.º 483.º, n.º 1, não pode
ser interpretado de modo a abranger, ad nutum, o incumprimento. Ou seja, o devedor que não
cumpra integra, tecnicamente, a previsão de incumprimento do art.º 798.º e não a de violação
ilícita do direito alheio.
Para Teixeira de Sousa e Menezes Cordeiro, inexiste uma relação de especialidade que permita
a prevalência da imputação obrigacional, verificando-se, antes, um concurso de títulos de
aquisição de pretensões, de tal modo que o autor pode invocar cada um deles – ou todos –
cabendo ao defendente repelir cada um deles. Seria posteriormente necessário ponderar caso a
caso os termos divergentes dos regimes.

A questão da responsabilidade de terceira via

O confronto entre as responsabilidades aquiliana e obrigacional leva a que alguns Autores


referenciem a chamada terceira via.
A fim de enquadrar as situações de responsabilidade por proximidade negocial ou similar nos
institutos da culpa in contrahendo, da violação positiva do contrato, da subsistência da
obrigação sem dever de prestar principal e da culpa post pactum finitum, Canaris, no contexto
do BGB pré-reforma, defendeu a existência de uma vinculação especial, traduzida num dever
de protecção unitário, de base legal. A sua violação situar-se-ia entre as responsabilidades
obrigacional e aquiliana – a terceira pista –, embora o regime a aplicar fosse, no essencial, o da
primeira. Esta ideia foi posteriormente retomada por Picker, o qual entende, no essencial, que
a natureza lacunosa da tutela delitual alemã deixaria espaço para se tutelarem os danos
puramente patrimoniais, i.e., os que não disporiam, em primeira linha, de uma protecção
explícita, justificando-se, especialmente na culpa in contrahendo e na violação positiva do
contrato, uma linha de protecção.

Na Doutrina portuguesa, a ideia de uma responsabilidade de terceira via foi defendida


implicitamente por Baptista Machado e por Sinde Monteiro e explicitamente por Carneiro da
Frada e Menezes Leitão. Este último dá-lhe um alcance sistemático de grande relevo, uma vez
que o conceito lhe permite agrupar os institutos da responsabilidade pré-contratual e da culpa
post pactum finitum, do contrato com protecção de terceiros e da relação corrente de negócios.
Almeida Costa e Menezes Cordeiro colocam-se contra a ideia de uma responsabilidade de
terceira via, entendendo que esta, ainda que apreciável, é desnecessária perante o Código Civil,
remetendo-se a questão para a responsabilidade aquiliana.

Menezes Cordeiro aponta para que os institutos ligados às relações obrigacionais sem dever
de prestar principal encontram fundamento na boa-fé, explicitamente prevista para o efeito nos
artigos 227.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2. Estas visam, em virtude de uma especial conexão entre as
partes, proporcionar determinadas tutelas, através da actuação dos envolvidos. Trata-se de
orientar, pela positiva, a actuação das pessoas e não de as responsabilizar ab initio.
Para este Autor, a noção de “terceira via” terá vantagens na área dos deveres do tráfego, os
quais emanam da responsabilidade aquiliana, visando reforçar os bens nela em jogo. Tais
deveres são específicos, sendo muito gravosos para a liberdade das pessoas, escapando
totalmente à sua vontade – directa (contrato) ou indirecta (contacto social e
paracontratualidade). Por isso, apesar da especificidade, quem, por eles e pela sua alegada
inobservância, queira ser indemnizado, terá de provar a sua existência, a ilicitude da violação
e a culpa do agente. Aí o regime será, de facto, intermédio.
Portanto, Menezes Cordeiro situa a “terceira via” numa dependência da responsabilidade
aquiliana.

Responsabilidade por factos ilícitos, pelo risco e pelo sacrifício

A responsabilidade por factos ilícitos, também dita delitual, corresponde à previsão do art.º
483.º, n.º 1, assentando na violação ilícita e culposa de direitos subjectivos ou de normas
destinadas a proteger interesses alheios. Surge como figura nuclear, descendente directa da lex
aquilia, em torno da qual se articulam os pressupostos da responsabilidade civil.

A responsabilidade pelo risco, também chamada de imputação ou responsabilidade objectiva,


equivale à transferência, por razões político-sociais, de um dano, de uma esfera para a outra,
através de uma obrigação de indemnizar. Trata-se de uma situação muito delicada, apenas
possível nos casos expressamente previstos na lei (art.º 483.º, n.º 2, CC) e sujeitos a um
particular controlo de constitucionalidade.
O art.º 499.º manda aplicar, à responsabilidade pelo risco, “na parte aplicável e na falta de
preceitos legais em contrário”, as disposições relativas à responsabilidade por factos ilícitos.
No entanto, na responsabilidade pelo risco não há nem culpa, nem ilicitude, inexistindo, em
regra, “facto”, no sentido de actuação livre e consciente do responsabilizado, capaz de originar
um dano. Tanto basta para que a causalidade e o próprio cálculo da indemnização tenham de
seguir regras diferenciadas.
A “responsabilidade pelo risco” é, para Menezes Cordeiro, um tipo autónomo de
responsabilização, com todo um subsistema diferenciado de pressupostos e de consequências.
A responsabilidade pelo sacrifício ou por factos lícitos não vem genericamente referida na lei
civil, implicando a prática de um acto voluntário que, apesar de danoso, o Direito admite, mercê
das circunstâncias em que seja levado a cabo. Apesar da ilicitude, ele pode originar um dever
de indemnizar.
Existem, na responsabilidade pelo sacrifício, pressupostos diferentes dos da responsabilidade
delitual e que obrigam à construção de um subsistema coerente.

A responsabilidade por factos ilícitos, pelo risco e pelo sacrifício pertencem ao tipo mais geral
da responsabilidade aquiliana, tratando-se, todavia, no tocante às últimas duas modalidades, de
subtipos desfocados, uma vez que só com adaptações seguem o regime material. Este fenómeno
só é captável com recurso às ordenações e à doutrina dos tipos.

Classificações em função dos pressupostos

Os pressupostos da responsabilidade civil (facto, ilicitude, culpa, dano e nexo causal) dão azo
a diversas classificações.
De acordo com o facto, a responsabilidade diz-se por acção ou por omissão. Pode, ainda, ser
singular ou conjunta, em função dos autores do facto, tendo-se, nesse plano, a responsabilidade
pessoal e as responsabilidades por actos do representante, do mandatário, do comissário ou do
auxiliar. Existe a responsabilidade da pessoa singular e a das pessoas colectivas. Existem as
responsabilidades profissionais e a do produtor, dotada de um regime especial.
A responsabilidade pode também ser por facto próprio ou por facto de terceiro. O facto pode
ter relevância apenas civil ou, também, penal, ocorrendo as responsabilidades simples ou
conexa com a criminal.

No campo da ilicitude e em função dela, distingue-se as responsabilidades por violação de um


direito subjectivo ou por inobservância de normas de protecção, existindo nesta última o
subtipo da responsabilidade por violação de deveres de cuidado (deveres do tráfego).
O tipo de direito subjectivo permite ainda referir a responsabilidade do terceiro pela violação
do crédito, a responsabilidade pela violação de direitos de personalidade, reais, familiares ou
relativos a bens intelectuais, entre outros.
A culpa permite distinguir a responsabilidade pelo dolo ou por negligência. A negligência
pode ser, pelo menos, leve ou grave.

O dano pode ser moral ou patrimonial, directo ou indirecto, emergente ou lucro cessante,
presente ou futuro, indemnizável ou compensável. Existe ainda a responsabilidade por danos
meramente patrimoniais, a qual se reporta àqueles que não correspondam a vantagens tuteladas
pela inclusão no conteúdo de um direito subjectivo.
A causalidade permite falar na responsabilidade isolada ou concordante, real ou hipotética,
efectiva ou virtual.

Figuras afins

A responsabilidade civil distingue-se da responsabilidade penal pelo facto da primeira visar


ressarcir ou compensar um dano, enquanto que a segunda se dirige à aplicação de uma pena.
Têm também âmbitos próprios as responsabilidades administrativa, tributária, fiscal ou
política. Nuns casos avocam-se princípios próprios dos da responsabilidade civil, noutros
ocorre apenas uma imagem da imputação delitual.

A responsabilidade civil distingue-se do enriquecimento sem causa, dado que a primeira lida
com danos e a segunda com enriquecimentos, tendo pressupostos próprios e regimes
diferenciados, integrando dogmáticas inconfundíveis.

A responsabilidade civil distingue-se da responsabilidade patrimonial, consistindo o último


instituto naquele pelo qual o património do devedor responde pelo cumprimento das suas
obrigações (art.º 601.º, CC).

[pp. 409-428]

Pressupostos da responsabilidade civil delitual

Originalmente, Menezes Cordeiro defendera que os pressupostos gerais da responsabilidade


civil eram o dano e a imputação com base no respectivo tipo (delitual, pelo risco ou pelo
sacrifício).
No entanto, a generalidade da doutrina (Galvão Telles, Almeida Costa, Antunes Varela,
Ribeiro de Faria e Menezes Leitão) e da jurisprudência defendem que os pressupostos da
responsabilidade civil são:
1. Facto;
2. Ilicitude;
3. Culpa;
4. Dano;
5. Nexo de causalidade.
O facto da esmagadora maioria da doutrina e da jurisprudência assentarem na pentapartição
dos pressupostos da responsabilidade civil levou Menezes Cordeiro a abandonar a sua anterior
posição a fim de evitar querelas terminológicas, sem que, no entanto, considere que a posição
original esteja errada. Para este Autor, os pressupostos defendidos pela generalidade da
doutrina são apenas aplicáveis à imputação delitual dos danos.

Os pressupostos da responsabilidade civil foram moldados, por motivos histórico-culturais


com base na matriz delitual.

O facto – acção e omissão

O facto é designado, no contexto da responsabilidade civil, como o acto ou facto humano que
subjaz a qualquer imputação delitual.
A acção é um facto humano, correspondendo a um desencadear de meios materiais e humanos,
determinado pelo cérebro do agente, para prosseguir um determinado fim. O agente intervém
em dois pontos: na escolha do fim que visa prosseguir e na selecção dos meios que tem por
admissíveis e adequados, para esse efeito.
Dependendo dos circunstancialismos existentes, o agente pode prosseguir e alcançar o seu
objectivo justamente não fazendo nada. Portanto, o “facto”, para além de integrar as acções
humanas efectivamente levadas a cabo pelo agente, pode abarcar omissões, desde que exista,
num momento prévio, o dever de praticar o acto omitido (art.º 486.º, CC).

A obrigação derivada de negócio jurídico e que seja desrespeitada por omissão dá azo a
responsabilidade obrigacional. Da mesma forma, a inobservância de obrigações legais
explícitas conduz a esse tipo de responsabilidade – é o caso dos chamados “delitos tipificados”
(art.os 491.º, 492.º e 493.º, CC), que, inclusive, prevêem uma presunção de “culpa”.
Nas situações de negligência, em que o bem protegido é atingido pela inobservância de certos
deveres de cautela que se impusessem, a omissão é determinada pela violação, por um agente,
de um direito subjectivo ou de uma norma de protecção (art.º 483.º, n.º 1, CC).
No caso dos deveres de tráfego, i.e., os deveres que protegem certos bens delicados ou que
impendem sobre quem tenha o controlo de fontes de perigo, tem-se uma construção derivada
da responsabilidade aquiliana e que pode integrar a chamada “terceira via”.

Em termos ontológicos, a conduta e o resultado são inseparáveis, constituindo uma evidente


unidade, sendo estes, portanto, úteis elementos para conhecer o facto.

A imputabilidade

A presença de um facto com relevância civil, para efeitos de imputação delitual, requer que o
agente se tenha, efectivamente, autodeterminado. Portanto, as suas acções ou omissões
correspondem a duas capacidades suas:
a. A capacidade de entender;
b. A capacidade de querer.
Inexistirá a primeira se, por falta ou deficiência das capacidades cognitivas, naturais ou
artificiais, o agente não tinha a possibilidade de aprender o significado das suas actuações,
faltando a segunda se o agente, por constrições externas, não dispunha de liberdade.

Presume-se que todas as pessoas são imputáveis, sendo ainda imputáveis aquelas, que violando
deveres de cuidado, se coloquem transitoriamente num estado de inimputabilidade (art.º 488.º,
n.º 1, 2.ª parte, CC). Qualquer verdadeira inimputabilidade deverá ser provada por quem, dela,
se queira prevalecer.
Não há limites de idade, para efeitos de imputação delitual, presumindo-se apenas a falta de
imputabilidade nos menores de sete anos e nos interditos por anomalia psíquica (art.º 488.º, n.º
2, CC).

A ilicitude – delimitações positiva e negativa

O art.º 483.º, n.º 1, refere, de modo expresso:


“Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição
legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos
resultantes da violação.”
A ilicitude implica, simplesmente, a inobservância do direito, sendo ilícito, só por si, a
violação de direitos subjectivos e normas de protecção.
No entanto, a ilicitude pode ser, em certos casos, legitimada, tornando-se lícita. São as
chamadas causas de justificação: acção directa, legítima defesa e estado de necessidade,
podendo somar-se ainda o cumprimento de um dever e o consentimento do lesado. Por isso,
para haver ilicitude, exige-se, ainda, a ausência de causas de justificação.
Ou seja, pela positiva, a ilicitude advém da violação de direitos subjectivos e de norma de
protecção; pela negativa, ela postula que não existam causas de justificação. Esta orientação é
defendida pela generalidade da Doutrina, designadamente Menezes Cordeiro, Menezes Leitão,
Ribeiro de Faria e Pinto de Oliveira.

A violação do direito de outrem

A primeira modalidade de ilicitude advém da violação de “... o direito de outrem...”. Os


direitos subjectivos aqui abrangidos são principalmente, para Antunes Varela, os direitos
absolutos (o não-cumprimento, o cumprimento tardio e o cumprimento defeituoso dos direitos
de crédito são abrangidos pela responsabilidade obrigacional), designadamente os direitos de
personalidade, os direitos reais, os direitos familiares e a propriedade intelectual.
Entre os direitos reais avulta o direito de propriedade, cuja violação pode revestir os mais
variados aspectos – a privação do uso ou fruição da coisa, imposta ao titular; a apropriação,
deterioração ou destruição da coisa; a disposição indevida dela; a subtracção dela; a
perturbação do exercício do direito do proprietário.
No caso dos direitos de personalidade, a sua violação pode dar lugar à obrigação de
indemnizar, ocorrendo que nos direitos de autor é mais frequente a violação dos direitos
patrimoniais do que do direito moral.
A violação dos direitos familiares patrimoniais pode também determinar a obrigação de
indemnizar. No entanto, a doutrina maioritária entende que inexiste obrigação de indemnizar
nos direitos de carácter pessoal.

Para Menezes Cordeiro, a contraposição feita no art.º 483.º, n.º 1, entre direitos e “... qualquer
disposição legal destinada a proteger interesses alheios...” inculca que “direitos” são, neste
caso, o direito subjectivo proprio sensu. A tutela aquiliana é concedida, apenas, perante
permissões específicas de aproveitamento de bens. As permissões genéricas, desde que não se
contundam com direitos de personalidade não se encontram abrangidas pela responsabilidade
aquiliana.
Excluem-se também da tutela aquiliana dos direitos de outrem os denominados danos
puramente patrimoniais, i.e., os danos que não passem pela violação de um direito subjectivo.

A violação da norma de protecção

Como segunda modalidade de ilicitude tem-se, seguindo o art.º 483.º, n.º 1, o “... violar ...
qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios...”.
As normas de protecção são actualmente entendidas como “correias de transmissão” de valores
apurados, noutros âmbitos jurídicos, para o domínio aquiliano. O Direito Civil estatui,
predominantemente, com recurso a direitos subjectivos – às pessoas são confiadas posições
vantajosas que lhes permitem o específico aproveitamento de certos bens. Assim, a ilicitude
tipicamente civil tem a ver com a violação de direitos subjectivos.
Noutras áreas normativas, as normas jurídicas prescrevem regras de conduta, no interesse geral
e de cada um, mas sem delimitar porções axiológicas entregues, em exclusividade, a certas
pessoas. Tal ocorre, por exemplo, com normas penais e contra-ordenacionais.
Quando a violação de tais normas provoque danos, embora não se tenham propriamente
violado direitos subjectivos, pode caber o dever de indemnizar, desde que verificados os demais
requisitos. Estão em causa, entre outras, as normas que visem afastar os perigos abstractos.

Para a aplicação do art.º 483.º, n.º 1, relativamente às normas de protecção, são necessários os
seguintes requisitos:
1. Requer-se a presença de uma norma de conduta, devidamente aplicável;
2. Essa norma deve destinar-se a proteger determinados interesses alheios, como tal se
entendendo vantagens juridicamente protegidas e cuja supressão dê azo a um dano;
3. A adopção, pelo agente, de um comportamento contrário à referida norma de conduta;
4. De tal maneira que sejam precisamente atingidos os interesses protegidos pela norma
violada.
As normas de protecção não têm de advir de leis expressas, podendo ser construídas por
elaboração jurídico-científica, predominando, ainda, regras de direito público.
A natureza da ilicitude

A ilicitude implica uma pura desconformidade da conduta com a estatuição normativa.


A ilicitude incide sobre uma acção humana, voluntária e imputável. Cabem nesta todos os
elementos subjectivos necessários para compreender plenamente o sentido de uma acção
humana.

O lesado interessado deverá alegar e provar todos os elementos materiais, objectivos ou


subjectivos, que permitirão depois, ao juiz, pronunciar-se no sentido da ilicitude.

As causas de justificação

A ilicitude ocorre, pela positiva, quando se viole um direito subjectivo ou uma norma de
protecção e, pela negativa, se o agente não se prevalecer de uma causa de justificação.
Causa de justificação será, assim, a eventualidade que torne permitida a implicação de um
dano.

Existem as seguintes causas de justificação:


a. Colisão de direitos;
b. Legítima defesa;
c. Estado de necessidade;
d. Acção directa
e. Consentimento do lesado

A colisão de direitos

Pode ocorrer que alguém disponha de um direito cujo exercício vá causar danos a outrem,
contradizendo direitos subjectivos do lesado ou inobservando normas de protecção destinadas
a proteger precisamente os interesses atingidos pelo exercício em jogo. Ou, ainda, pode
acontecer que o destinatário de um dever se encontre na contingência de, para o cumprir, ter
de violar um direito alheio ou uma norma de protecção.

Na colisão de direitos, extrapolável para a de obrigações, há que atender, perante o art.º 335.º,
ao facto de serem diferentes ou de igual natureza. Sendo diferentes, prevalece o que se deva
considerar superior (art.º 335.º, n.º 2, CC).; sendo iguais, os titulares devem ceder na medida
do necessário para que todos produzam, igualmente, o seu efeito, sem mais detrimento para
qualquer das partes (art.º 335.º, n.º 1, CC).

Os critérios de prevalência são:


1. A antiguidade relativa;
2. Os danos previsíveis;
3. As vantagens envolvidas.
Num conflito de direitos, o que primeiro se constitua prefere, à partida (prior tempore, potior
jure). Quando não resolva, cederá a posição cujo sacrifício envolva menores danos. Não
havendo danos ou não sendo possível, por essa via, solucionar o problema, contabilizar-se-ão
as vantagens perdidas, optando-se pela solução que sacrifique menos riqueza futura.
Não sendo possível encontrar uma saída pelos critérios de prevalência, dever-se-á apreciar os
direitos in abstracto. Não havendo saída, sacrificar-se-ão igualmente as posições ou serão
realizadas composições aleatórias. Menezes Cordeiro entende que os critérios de prevalência
devem ser articulados nos termos de um sistema móvel.

Tratando-se de direitos (ou obrigações), aplica-se o art.º 335.º, n.º 1, 2.ª parte, cedendo todos
na medida do necessário, para que todos produzam o seu efeito, sem maior detrimento para
qualquer das partes. Pressupõe-se, assim, que sejam possíveis “cedências” e “exercícios
parcelares”.

A legítima defesa

O art.º 337.º, n.º 1, faculta uma noção de legítima defesa:


“Considera-se justificado o acto destinado a afastar qualquer agressão actual e contrária à lei contra a
pessoa ou património do agente ou de terceiro, desde que não seja possível fazê-lo pelos meios
normais e o prejuízo causado pelo acto não seja manifestamente superior ao que pode resultar da
agressão.”

Assim, o núcleo da legítima defesa é o acto destinado a afastar qualquer agressão actual e
contrária à lei, pautando-se o preceito pelo prisma das causas de justificação. São pressupostos
da legítima defesa:
a. Uma agressão actual e contrária à lei, contra a pessoa ou património do agente ou de
terceiro;
b. Um acto de defesa necessário;
c. O prejuízo causado pelo acto não ser manifestamente superior ao que pode resultar da
agressão.

O estado de necessidade

O estado de necessidade é a situação na qual uma pessoa se veja constrangida a destruir ou a


danificar coisa alheia, com o fim de remover o perigo de um dano manifestamente superior,
quer do agente, quer de um terceiro (art.º 339.º, n.º 1, CC).
Os pressupostos do estado de necessidade podem extrair-se do art.º 339.º, n.º 1:
i. Um perigo actual de um dano, para o agente ou para um terceiro;
ii. Dano esse que seja manifestamente superior ao dano causado pelo agente;
iii. Um comportamento danoso, destinado a remover esse perigo.

A exigência de perigo de um dano, para o agente ou para terceiros, constitui a base do estado
de necessidade. O dano poderá ser patrimonial, pessoal ou moral, referindo a lei um “perigo
actual”, o qual poderá ser um dano já em curso, mas minorável, ou um dano iminente. A isto
subjaz a ideia da impossibilidade de afastar o perigo, sem a actuação em necessidade,
designadamente a inviabilidade de avisar, em tempo útil, as autoridades competentes para
remover o perigo.
A proporcionalidade – em termos tais que o dano evitado seja manifestamente superior ao
causado pelo agente – será o resultado de uma ponderação feita pelo próprio agente, de acordo
com os elementos disponíveis no momento. Assim, bastará que, nesse juízo, o dano a prevenir
se apresente como muito provável, na sua concretização e no seu montante. A valoração dos
danos em jogo deverá operar de acordo com bitolas gerais de valor, não segundo escalas
privativas do agente.
A acção implicada pelo agente deverá ser a necessária, quer quanto à sua efectivação, quer
quanto aos meios utilizados, devendo, portanto, ser objectivamente adequada à remoção do
dano, contendo-se nos limites exigíveis.
Será um comportamento danoso, podendo ser causados danos a quaisquer bens jurídicos,
desde que para evitar um dano desmesuradamente maior.
Contra uma actuação em estado de necessidade, não pode haver legítima defesa dado que falta
o pressuposto básico da agressão ilícita.

Verificada a situação de necessidade, a acção do agente é lícita, não podendo o dano causado
ser-lhe imputado a título aquiliano. O art.º 339.º, n.º 2, dispõe sobre o destino ou a repartição
desse dano, prevendo:
a. A sua imputação ao agente, quando o perigo tenha sido provocado por sua culpa
exclusiva;
b. A sua imputação equitativa ao próprio agente, àqueles que tenham tirado proveito do
acto ou que hajam contribuído para o estado de necessidade.

A lei não contempla a hipótese de excesso de estado de necessidade, podendo-se, no caso de


excesso de zelo que leve a atingir bens que não seria necessário danificar para esconjurar o
perigo, fixar uma indemnização pelo sacrifício, desde que inexistente uma avaliação culposa
por parte do agente.
No caso do estado de necessidade putativo, no qual o agente se comporta na convicção, não
culposa, de se verificarem os pressupostos que levaram à acção, Menezes Cordeiro entende
que o regime do art.º 338 é aplicável.
Perante o estado de necessidade pode sempre haver, depois, uma (re)distribuição equitativa
dos danos (art.º 339.º, n.º 2, CC), de tal modo que ninguém saia injustamente prejudicado, para
além do risco normal em que todos incorrem.
Na prática do estado de necessidade, verifica-se que a generalidade das decisões que se lhe
reportam acabam por recorrer à colisão de direitos.

A acção directa

Na legítima defesa, o Direito permite que o particular afaste, pela força, uma agressão ilícita;
no estado de necessidade, pode o mesmo atingir bens jurídicos, para prevenir um dano
iminente. A acção directa consiste na possibilidade de recorrer à força para realizar ou
assegurar o próprio direito (art.º 336.º, n.º 1, CC).
Em princípio, a acção directa coloca-se nas antípodas do modo de ser do Direito, não podendo
ninguém ser juiz em causa própria. São pressupostos da acção directa:
i. A necessidade de realizar ou de assegurar o próprio direito;
ii. O recurso à própria força;
iii. A contenção nos meios usados.
A necessidade de realizar ou de assegurar o próprio direito afere-se por dois parâmetros (art.º
336.º, n.º 1, CC):
a. A urgência, de modo a evitar a inutilização prática do direito em causa;
b. A impossibilidade de recorrer, em tempo útil, aos meios coercivos normais.
A referência ao “próprio direito” deve ser tomada em termos latos: a acção directa tem
cabimento para defender quaisquer posições activas, desde que suficientemente precisas para
permitirem as conexões subsequentes. A posição jurídica a defender deverá ser susceptível de
coerção jurídica, podendo a necessidade ser ditada por facto humano ou natural.
O recurso à própria força representa o cerne da acção directa, exigindo-se uma específica
vontade de auto-ajuda ou acção directa, requerendo um máximo de racionalidade, por parte do
agente.
A acção directa pode dirigir-se contra coisas ou contra pessoas, devendo a actuação por ela
pressuposta ser duplamente contida:
1. Não pode exceder o que for necessário para evitar o prejuízo (art.º 336.º, n.º 1, in fine,
CC);
2. Não deve sacrificar interesses superiores aos que o agente vise realizar ou assegurar
(art.º 336.º, n.º 3, CC).

A acção directa é lícita e legitimadora, não tendo o agente, verificados os seus pressupostos,
qualquer dever de indemnizar os danos que dela decorram. Estes serão imputáveis ou ao
“resistente” ou a quem haja ocasionado a situação ou, finalmente, ao risco próprio dos
circunstantes.
O excesso de acção directa verificar-se-á quando o agente ultrapassasse, na sua acção, o que
for necessário para evitar a inutilização prática da posição a tutelar ou, em qualquer caso,
quando sacrifique interesses superiores aos que visava realizar ou assegurar (art.º 336.º, n.º 1,
in fine e n.º 3, CC). O excesso é ilícito, com as devidas consequências, admitindo Menezes
Cordeiro a desculpabilidade do excesso, quando os factos ocorram em ambiente de especial
tensão, havendo, contudo, que providenciar quanto aos danos.

O art.º 338.º prevê expressamente a acção directa putativa, na qual o agente age na suposição
errónea de se verificarem os pressupostos que justificam a acção directa. O erro é possível
perante qualquer um dos pressupostos da acção directa. Assim, pode ocorrer que o agente
suponha agir em legítima defesa, quando o caso seja de acção directa, e inversamente.
O juízo de desculpabilidade seguirá, nos termos gerais (art.º 487.º, n.º 2, CC), a bitola do bonus
pater familias, colocado na concreta posição do agente. Quando tal juízo seja negativo, o agente
não tem cobertura jurídica, devendo indemnizar.
Qualquer um corre o risco de ver, contra si, formar-se uma aparência de acção directa.

O consentimento do lesado

O acto lesivo dos direitos de outrem, é lícito, desde que este tenha consentido na lesão (art.º
340.º, n.º 1, CC). Assim, são pressupostos do consentimento do lesado:
i. Um direito disponível;
ii. Um acto de consentimento;
iii. Um acto lesivo.
A disponibilidade do direito é um requisito basilar, sendo que o consentimento do lesado não
exclui a ilicitude do acto quando este for contrário a uma proibição legal ou aos bons costumes
(art.º 340.º, n.º 2, CC).
Existem, assim, as hipóteses da indisponibilidade de um direito e as hipóteses de, havendo
embora disponibilidade, o consentimento do lesado se revelar ineficaz, para efeitos de
justificação de ilicitude, por o concreto acto ofensivo ser, por si, contrário à lei ou aos bons
costumes. As hipóteses de proibição legal são mais extensas do que poderia parecer,
abrangendo designadamente:
a. Os direitos de personalidade, nos quais existem restrições ponderosas (art.º 81.º, CC);
b. Nos direitos de crédito, onde não é permitida uma renúncia prévia aos direitos do credor
(art.º 809.º, CC), tendo a remissão, sempre, natureza contratual (art.º 863.º, n.º 1, CC);
c. Não é possível a doação de bens futuros (art.º 942.º, n.º 1, CC);
d. No Direito da Família trabalha-se, em regra, com situações indisponíveis.
O art.º 340.º só opera perante a responsabilidade aquiliana (art.º 483.º, n.º 1, CC),
especialmente com direitos reais e – nas devidas margens – com direitos de personalidade.

O acto de consentimento será, em rigor, um acto unilateral. Não se exclui, no entanto, uma
natureza negocial: o dominus poderá estipular os termos e o alcance da autorização dada,
havendo, nessa eventualidade, liberdade de celebração e liberdade de estipulação.
Dependendo das circunstâncias (art.º 127.º, CC), o consentimento do lesado exigirá
legitimidade, capacidade de gozo e capacidade de exercício. Integrará uma declaração de
vontade, expressa ou tácita, e deverá passar pelo crivo das regras sobre a perfeição e a eficácia
das declarações de vontade.
Se o “lesado” não se encontrar em condições de consentir na lesão, mas esta é do seu interesse
e corresponde à sua vontade plausível (art.º 340.º, n.º 3, CC), o consentimento tem-se por
verificado.
Perante o consentimento do interessado, será levado a cabo um acto lesivo, em sentido amplo,
o qual pode consistir:
i. Num acto que provoque um dano efectivo, de tipo patrimonial ou moral;
ii. Num acto que não seja danoso, mas que integre, todavia, um núcleo de bens aos
quais os terceiros não devam aceder.
O acto lesivo não poderá ir além do consentido. Havendo excesso ou ocorrendo um
consentimento putativo, o agente será responsável pelos danos, salva a hipótese de falta de
culpa.

O consentimento do lesado encontra a sua justificação básica na liberdade pressuposta pelos


direitos subjectivos. Em termos gerais, o consentimento do lesado – neste caso, do “ofendido”
– pode ser construído de diversas formas e, designadamente, como factor que ponha em causa
a tipicidade penal da acção ou como verdadeira causa de justificação. Em moldes civis,
distinguir-se-ão as seguintes situações:
a. O exercício normal do direito, que habilita os terceiros a agir;
b. O exercício anormal, mas lícito, do direito, em termos que permitam actuações de outro
modo vedadas;
c. A obtenção de uma vantagem, numa área reservada, porém, ao titular do direito;
d. O efectivo sofrimento de um dano, que o lesado decide suportar.

Culpa – aspectos gerais

A ideia de culpa está no cerne da imputação delitual, i.e., na efectivação normativa de mandar
que alguém, através de uma indemnização, suporte os danos primeiro ocorridos numa esfera
jurídica alheia. A culpa permite:
a. Formular o juízo geral de legitimidade no despojar alguém de alguns dos seus bens e
entregá-los a outrem;
b. Decidir quem merece sofrer esse tratamento e quem é o beneficiário.
No Código Civil, Menezes Cordeiro aponta para a existência de oito acepções tendenciais de
culpa:
1. Culpa como negligência, contraposta ao dolo;
2. Culpa como dolo ou negligência, contraposta à ilicitude;
3. Culpa como dolo, negligência, ilicitude e, nalguns casos, a causalidade;
4. Culpa como dolo, negligência, ilicitude e causalidade;
5. Culpa como ignorância censurável – má-fé subjectiva;
6. Culpa como inobservância de deveres específicos de cuidado e de actuação;
7. Culpa como imputabilidade de algo a alguém, incluindo a título objectivo;
8. Culpa como imputação jurisdicional de responsabilidade a um cônjuge, pela separação
ou divórcio.

Menezes Cordeiro entende que o sentido dogmaticamente mais apurado e abaixo utilizado é o
do pressuposto da responsabilidade aquiliana, contraposto à ilicitude, ou seja, uma culpa em
sentido amplo, sem se confundir com a faute. A “mera culpa” deverá ser chamada de
negligência. Assim, define-se culpa como o juízo de censura ao agente por ter adoptado a
conduta que adoptou, quando de acordo com o comando legal estaria obrigado a adoptar
conduta diferente.

O dolo

O dolo trata-se de uma graduação da culpa em sentido amplo, agindo com dolo aquele que
procede voluntariamente contra a norma jurídica cuja violação acarreta o dano.
Existem três tipos de dolo:
i. Dolo directo – o agente actua directamente contra a norma;
ii. Dolo necessário – o agente actua em determinado sentido que, não sendo propriamente
a norma violada, implica, no entanto, a inobservância voluntária desta;
iii. Dolo eventual – o agente actua em determinado sentido que, não sendo o da violação
da norma, pode implicar a inobservância voluntária desta. Menezes Cordeiro entende
que há dolo eventual quando a conduta do agente ainda possa ser reconduzida à
violação da norma e não à simples inobservância de deveres de cuidado. Para tal, basta
averiguar se a conduta do agente era norteada de antemão pela possibilidade de
violação, sendo esta aceite como fim, ainda que instrumental.
Negligência (ou mera culpa)

A culpa traduz o juízo de censura que recai sobre aquele cuja actuação é reprovada pelo Direito
– culpa lato sensu.
Actualmente, a mera culpa ou negligência tem sido entendida como a violação (objectiva) de
uma norma por inobservância de deveres de cuidado ou, conforme explícito no Código alemão,
por violação do cuidado necessário no tráfego.

No decurso da sua actuação na sociedade, as pessoas devem observar determinadas regras de


cuidado, de prudência, de atenção ou de diligência para que não violem, ainda que
involuntariamente, normas jurídicas. A não observância desses cuidados elementares pode
provocar uma violação, ainda que não incluída a título directo, necessário ou eventual na
actuação do agente. Verifica-se, assim, o delito negligente, i.e., aquele cuja previsão reside nos
deveres de cuidado.
Portanto, aceitam-se dois graus de negligência:
a. Negligência consciente – o agente tem conhecimento da existência dos deveres de
cuidado mas, não obstante, não os acata, esperando que não haja danos;
b. Negligência inconsciente – o agente desconhece os deveres de cuidado.

O Código Civil refere-se no seu art.º 487.º, n.º 2, relativo à negligência, à diligência do bonus
pater familias, ao invés dos deveres de cuidado.
Contrariamente ao dolo, o qual é de fácil apreciação em virtude de ser suficiente a constatação
de que existiu vontade de prevaricar, a negligência ocorre em situações em que a violação
danosa emerge simplesmente de um desrespeito por deveres de precaução que a causou.
Os deveres de cuidado e a medida de esforço exigida ao agente são dados pelo art.º 487.º, n.º
2, o qual define o critério de apreciação da culpa como derivando:
1. Da diligência do bonus pater familias;
2. Em face das circunstâncias de cada caso concreto.
Assim, quem, inobservando a diligência do bonus pater familias, violar objectivamente uma
norma, age com negligência.

Quando o comportamento do agente seja destinado à violação de cláusulas gerais, com


produção de danos, há dolo; quando esse comportamento se dirija a cláusulas que acautelam a
violação, por inadvertência, há negligência.
Dolo e negligência no Direito Civil

Contrariamente ao que ocorre no Direito Penal, em que o tipo negligente tem um âmbito de
aplicação mais estrito (art.º 13.º, CP), no Direito Civil a distinção entre dolo e negligência é
pouco relevante para efeitos de imputação delitual (art.º 483.º, n.º 1, CC).
No entanto, a determinação do montante da obrigação varia em razão da culpa ser por dolo ou
por negligência (art.º 494.º, CC), ocorrendo que na imputação delitual dolosa, a obrigação de
indemnização deve equivaler ao montante do dano, enquanto que na imputação negligente, o
juiz pode determinar uma indemnização inferior, conforme as circunstâncias.

Na indagação da culpa, deve recorrer-se a todos os indícios admitidos em Direito, para


determinar o sentido da actuação do agente. A fim de se facilitar o funcionamento da imputação
delitual, dada a complexidade do processo indagatório, o Direito estabelece um regime de
presunções, distribuindo o ónus da prova da culpa.
A regra geral é que compete ao lesado provar a culpa do autor da lesão (art.º 487.º, n.º 1, CC).
No entanto, a culpa é um juízo de valor, sendo, portanto, insusceptível de prova. A prova recai
sobre os factos que, fixando a ilicitude, permitam tal juízo.
As presunções de culpa mais notáveis são:
a. Contra quem esteja obrigado a vigiar outrem, pelos danos que este provocar (art.º 491.º,
CC);
b. Contra aquele cujo edifício ou obra desabar, provocando danos (art.º 492.º, n.º 1, CC);
c. Contra quem deva vigiar animal ou outra coisa, pelos danos, por eles provocados (art.º
493.º, n.º 1, CC);
d. Contra quem provoque danos a outrem, no exercício de uma actividade perigosa (art.º
493.º, n.º 2, CC);
e. Contra o devedor, por danos emergentes do incumprimento da obrigação (art.º 799.º,
n.º 1, CC).
Dada a equiparação de regimes realizada pelo art.º 483.º, n.º 1, entre a culpa e a negligência,
deve entender-se que a presunção de culpa funciona em relação ao dolo e à negligência. Não
bastará, ao agente sobre quem recaia a presunção de culpa, provar que não agiu com dolo, pois
funcionaria a imputação delitual negligente, devendo, portanto, demonstrar que os deveres de
cuidado exigíveis foram observados.
As causas de excusa

A imputação aquiliana de estilo germânico pressupõe, além de um juízo de ilicitude, um juízo


axiológico de censura, i.e., de culpa. Trata-se de uma instância global de controlo sobre a
decisão grave de mandar indemnizar, implicando uma ponderação à luz de toda a ordem
jurídica e da generalidade dos elementos que têm a ver com o agente.
Sendo um juízo de censura, este não está pré-determinado: de outro modo, não teria
autonomia, dissolvendo-se na própria ilicitude. O intérprete-aplicador deverá, portanto, optar
pela presença de dolo ou de negligência. Se inexistir culpa, não haverá dever de indemnizar,
por não se encontrarem reunidos os pressupostos requeridos, o que se trata de uma ocorrência
grave, por deixar danos ilícitos por ressarcir. A lei civil não tipifica causas de desculpabilidade
ou de excusa, tendo de ser inferidas dos princípios gerais.

É, no Direito Civil, causa de excusa todo o factor que, apesar de não integrar propriamente a
impossibilidade de entender e de querer, consubstanciadora de inimputabilidade, conduz, no
entanto, a uma tal perturbação da vontade do agente que evita o juízo de desvalor, integrante
da ideia de culpabilidade, ou seja, havendo causa de excusa, não há culpa.
Pessoa Jorge consagrou as seguintes modalidades de causas de excusa:
i. O erro desculpável;
ii. O medo invencível;
iii. A desculpabilidade.
Por erro desculpável deve entender-se o falso entendimento, por parte do agente, dos
elementos condicionantes que ditaram a sua atitude objectivamente contrária à norma, quando
não existisse nenhum dever de cautela, em ordem a evitar o engano. O erro deve, desta forma,
recair sobre factores determinantes da conduta – essencialmente – e não deve ser, ele próprio,
fruto de violação de deveres de cuidado – desculpabilidade.
Em princípio, também, o erro não deve recair sobre elementos da ordem jurídica, mas tão-só
sobre elementos de facto.

O medo invencível também exclui a reprovação do agente, pela afectação que acarreta à sua
vontade, que se pretende livre e esclarecida. Necessário é, no entanto, que o medo recaia em
aspectos verdadeiramente condicionantes do comportamento do agente – essencialidade – e
que seja de molde a, em termos de normalidade, explicar o desvio da vontade – invencibilidade.
Quando o medo resulta de uma atitude humana, pode falar-se em coacção psicológica; quando
derive de circunstâncias diversas, a hipótese é de estado de necessidade subjectivo.

A desculpabilidade, finalmente, surge como factor que, não podendo ser qualificado de erro
ou de medo é, no entanto, de tal natureza que, face ao sentir geral, impede a reprovação do
Direito, com referência a determinada conduta.
A desculpabilidade explica-se como cláusula de segurança, em situações extremas, contra o
rigor das normas de que resultariam efeitos nunca queridos pelo Direito. Assim, a
desculpabilidade manifesta-se quando, por qualquer razão ponderosa, a exigência, ao agente,
do acatamento da conduta devida, ofenda gravemente o princípio da boa-fé.

O dano – generalidades

O dano é a supressão ou diminuição de uma situação favorável, reconhecida ou protegida pelo


Direito.
O nível axiológico do dano pode advir de uma de duas situações:
i. Ou a de existir um bem atribuído, em termos permissivos, a uma pessoa, i.e., um
direito subjectivo;
ii. Ou a de vingar, simplesmente, uma vantagem atribuída pelo Direito, mas que ou
por não corporizar um bem, ou por não assumir a forma de uma permissão
específica, surge, simplesmente, como interesse protegido.
Normalmente, o dano jurídico vem aferido à lesão de interesses jurídicos tutelados pelo Direito
ou, se se quiser, à perturbação de bens juridicamente protegidos. No entanto, pode existir dano
sem que exista quer um direito subjectivo quer um interesse protegido.
Assim, o dano em sentido jurídico deve ser aferido à chamada ilicitude objectiva, i.e., às
soluções preconizadas pelo Direito para o ordenamento, desde que tomadas em abstracto e
consideradas independentemente da vicissitude da violação voluntária. Apenas uma valoração
legal é susceptível de identificar o sujeito prejudicado pela ocorrência do dano: se não for
considerada a norma que, em termos de direito subjectivo ou outros, reserva, para alguém,
determinada vantagem, é impossível de apurar quem veio a ser prejudicado pela ocorrência.

O dano real é o prejuízo correspondente às efectivas vantagens – materiais ou espirituais – que


foram desviadas do seu destinatário jurídico. O dano de cálculo é a expressão monetária do
dano real.
Danos patrimoniais e danos morais

Um dano é patrimonial quando a situação vantajosa prejudicada tenha natureza económica.


Quando assuma simplesmente natureza espiritual, o dano diz-se não patrimonial ou moral. Ou
seja, o dano moral reporta-se a vantagens que o Direito não admite que sejam trocáveis por
dinheiro, admitindo-se, naturalmente, a sua compensação, em sede de responsabilidade civil.
Esta distinção opera, em primeira linha, com referência à natureza da vantagem afectada, e
não de acordo com o tipo de direito ou de norma, lesado pela ocorrência danosa. Assim, podem
advir danos morais da violação de direitos patrimoniais e a ocorrência de danos patrimoniais
oriundos da violação de direitos de personalidade.

A existência de danos morais, para efeitos de responsabilidade civil, levantou dúvidas na


doutrina, advindo a problemática da aparente contradição entre a natureza não patrimonial dos
danos em causa e a essência necessariamente patrimonial da obrigação de indemnização.
Assim, contraditando-se a possibilidade de, para efeitos de responsabilidade civil, imputar os
danos morais, tem-se dito, nomeadamente:
a. Que seria impossível obter, do dano moral, um dano de cálculo, condição necessária
para o funcionamento da responsabilidade civil;
b. Que seria atentatório à própria essência dos valores morais admitir a possibilidade da
sua compensação através da atribuição de direitos pecuniários.
Respondeu-se a tal argumentação, em primeira linha, que a indemnização por danos morais
não tinha, forçosamente, de ser pecuniária, podendo o juiz, muito simplesmente, determinar
uma reparação também moral. Por outro lado, a atribuição de somas pecuniárias à vítima moral
seria ainda possível, a título de pena civil.

A tendência actual, nos diversos ordenamentos, vai no sentido de admitir o dano moral como
dano proprio sensu. Constata-se que a responsabilidade civil não tem exclusiva função
reconstitutiva, podendo contentar-se com simples papel compensatório.
A questão da imoralidade por recepção de dinheiro, a troco de valores morais pretendidos, tem
sido afastada em virtude do crescente dinamismo do Direito das Obrigações, como disciplina
predominantemente patrimonial, tendendo os princípios patrimoniais a penetrar todos os
meandros do Direito. Por abstracção, o dinheiro nunca é imoral.
Seria também totalmente injusto deixar sem qualquer reparação civil os danos morais, cuja
ocorrência inflingiria autêntico sofrimento ao lesado. Não se pode negar, no entanto, que a
cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento
para o obrigado, pelo que, nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa
injunção punitiva, à semelhança, aliás, de qualquer indemnização.

O Código Civil acolhe a ideia de dano não patrimonial, no n.º 1 do art.º 496.º, merecendo a
redacção do preceito críticas da parte de Menezes Cordeiro. No entanto, este Autor entende
que, contrariamente ao que a letra da lei faz parecer, o dano não patrimonial é um dano
autónomo, sendo qualquer um que tenha essas características.

A morte como dano

A doutrina e a jurisprudência levantam dúvidas relativamente à natureza da morte enquanto


dano. Existem três questões fundamentais que Menezes Cordeiro coloca no tocante a esta
questão:
1. Se a morte de uma pessoa é um dano;
2. Que prejuízos são danos;
3. Como são imputados os danos.
Para Menezes Cordeiro, a morte é definitivamente um dano, correspondendo ao bem jurídico
mais importante. Portanto, e para este Autor, a morte deve ser indemnizável ao lesado, ainda
que, naturalmente, esse direito passe aos sucessores do de cuius. No entanto, pela natureza
intrinsecamente social do homem, a vida de uma pessoa não é, apenas, um bem pessoal de cada
um, antes beneficiando, além do próprio, todos os elementos da comunidade, principalmente
os mais próximos – pais, filhos, cônjuge, etc. A sua supressão causa dor moral a todos, sendo,
nessa dimensão social, também tutelado, i.e., pode originar compensações pelos desgostos que
a sua supressão acarreta.
Os eventos que provocam a supressão do bem-vida são dotados de especial intensidade, não
se limitando, por isso, a danificar a vida do agente, antes atingindo vários outros bens conexos.
Assim, os danos derivados de tratamentos ou tentativas de evitar a morte, transportes, funerais,
aqueles advenientes do sofrimento que todo o processo de lesão que conduz à morte, os danos
patrimoniais e morais suportados pela própria vítima, devem ser considerados danos.
A morte de uma pessoa constitui um dano, uma vez que a vida é um bem juridicamente
tutelado através do direito à vida; trata-se de um dano com aspectos morais e patrimoniais;
além disso, é um dano infligido ao morto e, reflexamente, a certos elementos que o rodeiam,
nos aludidos aspectos morais e patrimoniais; o ressarcimento de que beneficie a vítima
transmite-se, pela morte, aos seus sucessores.

O art.º 495.º trata da imputação por danos patrimoniais provocados nas pessoas que rodeavam
o morto. Estão cobertos os danos derivados das tentativas de salvar o morto, do funeral e as
demais (art.º 495.º, n.º 1, CC) e que recaiam sobre os intervenientes (art.º 495.º, n.º 2, CC).
Estão, ainda, cobertos os danos provocados nas pessoas que dependiam economicamente do
falecido (art.º 405.º, n.º 3, CC).
O art.º 496.º versa sobre os danos não patrimoniais causados, também, nas pessoas mais
próximas do morto. A morte de uma pessoa que provoque, efectivamente, danos morais
complexos nas pessoas que a rodearam, levanta delicados problemas atinentes a dois pontos:
i. Quem sofre os danos;
ii. Como calcular esses danos.
Em rigor, a morte de uma pessoa pode causar desgosto a um número indeterminado de pessoas,
pelo que o legislador sentiu, então, a necessidade de delimitar, precisamente, quem sofreu
danos, para efeitos de Direito, sob pena de se perder qualquer indemnização útil, esvaída num
sem fim de prejudicados. Portanto, os danos apenas ocorrem nas esferas do cônjuge não
separado, dos filhos e outros descendentes e, na sua falta, os pais e outros ascendentes e,
finalmente, os irmãos ou sobrinhos (art.º 496.º, n.º 2, CC), admitindo Menezes Cordeiro, em
virtude dos valores em jogo e do espírito da lei, uma prudente interpretação extensiva.
O n.º 4 do art.º 496.º vem dar várias indicações ao juiz, para o cálculo da indemnização, o qual
tenderá a ser fortemente variável, consoante as circunstâncias. Assim, além de se ter em conta
a fórmula dolosa ou negligente da imputação, por remissão para o art.º 494.º, manda a lei
atender aos danos não patrimoniais sofridos pela vítima e aos sofridos pelos beneficiários acima
referidos nos n.os 2 e 3 do mesmo artigo.
Menezes Cordeiro entende que os danos referidos no art.º 496.º, n.º 4, são todos os danos
morais que emergem da morte de uma pessoa – que não directamente a morte, sendo que a
morte é a base da indemnização. Para a delimitação da morte deve atender-se ao tipo desta.
Fala-se em danos sofridos pela vítima e pelas próprias pessoas, apesar de estarem apenas em
causa os danos sofridos por estas, porque não é indiferente, para avaliar o sofrimento dos
sobreviventes, o padecimento da vítima de que todos tiveram conhecimento. Assim, para
computar os danos sofridos pelas pessoas referidas no art.º 496.º, n.º 2, há que computar não
só o sofrimento delas, mas o próprio sofrimento do morto.
Os artigos 495.º e 496.º não tratam, nem tinham de tratar, dos danos sofridos pelo próprio
morto, os quais, podendo ser patrimoniais ou morais, derivam das normas que garantem a sua
propriedade (em sentido amplo) e os seus bens de personalidade, conjuntamente com as
cláusulas gerais dos art.os 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1. Nos termos gerais do fenómeno sucessório,
as indemnizações a que tais danos dêem lugar transmitem-se aos sucessores do morto que
podem coincidir, ou não, com as pessoas referidas no art.º 496.º, n.º 2. Havendo coincidência,
as pessoas visadas acumularão indemnizações: directamente, pelos danos por elas sofridos e a
título de sucessão, pelos danos suportados pelo morto.

A doutrina divide-se na questão de saber se, entre os danos sentidos pelo morto que se
transmitem aos sucessores, na óptica da indemnização, se compreende a própria morte. Para
Menezes Cordeiro, se a morte dá lugar a um dano imputável face à própria vítima, em termos
de originar responsabilidade civil, é evidente que o direito à indemnização se transmite aos
sucessores.
No entanto, existe doutrina que duvida da existência de tal dano dado que a morte sobrevém
com a extinção da personalidade da vítima, pelo que esta já não seria pessoa em termos de
poder sofrer o dano-morte e porque o artigo 496.º, n.º 2, ao determinar os beneficiários da
indemnização por morte, excluiria quaisquer outros, por via sucessória. Menezes Cordeiro
responde que o último argumento é completamente inoportuno, dado que nada no art.º 496.º
exclui a possibilidade da vítima de uma lesão que lhe cause a morte sofrer danos ressarcíveis,
patrimoniais e morais. Para este Autor, o primeiro argumento não pesa dado que basta o
reconhecimento do direito à vida para existir tal lesão.
Assim, a morte de uma pessoa é, para esta, um dano que pode dar lugar a imputação, sendo o
destino da indemnização, depois, uma questão de Direito das Sucessões.

O art.º 496.º, n.º 2, visa, apenas delimitar os beneficiários, iure proprio, de determinadas
indemnizações por morte de pessoa próxima. É, no entanto, um mapa rígido, que escapa,
inclusive, à própria vontade do morto, o qual, por testamento, por exemplo, poderá querer
indicar o beneficiário da indemnização pela sua própria morte. A consagração de uma
indemnização ao próprio morto permite reforçar o dispositivo do art.º 496.º, n.º 2, tornando-o
mais maleável e permitindo à vítima, nos esquemas do Direito das Sucessões, beneficiar quem
entender.
A solução da querela tem de ser procurada através de uma interpretação valorativa e não de
um esquema aparentado à jurisprudência dos conceitos. Portanto, a questão de saber se o dano
morte é, ou não, indemnizável não pode ficar dependente de lucubrações teóricas, assentes em
exercícios silogísticos formais. O Direito civil não pode deixar de sancionar o dano-morte.
Concomitantemente, consegue-se um esquema que permite a atribuição de indemnizações
complementares.

Existe uma posição – defendida por Antunes Varela, Oliveira Ascensão, Ribeiro de Faria e
Pamplona Corte-Real – que contesta que o direito à vida possa ser indemnizável a favor do
lesado, fazendo-o com os seguintes argumentos:
1. Com a morte cessa a personalidade; logo, não se pode constituir um direito em algo que
já não existe;
2. Os trabalhos preparatórios e o cuidado posto (por Antunes Varela) em contraditar as
iniciativas iniciais de Vaz Serra, favoráveis ao dano-morte, mostrariam que a lei não
consagraria tal solução;
3. O art.º 496.º esgota o universo dos danos indemnizáveis e dos seus beneficiários.
Menezes Cordeiro responde a esta argumentação afirmando que:
1. Se a morte não é ressarcível, então a vida não é um direito subjectivo, representando
tal, por puras razões conceptuais, um enorme retrocesso na defesa da dignidade
humana, alcançada nas últimas décadas;
2. Os trabalhos preparatórios mostram apenas a intenção subjectiva de quem os fez, não
tendo a intenção em análise obtido assento final no Código;
3. O art.º 496.º não esgota o universo a que se aplica, funcionando, ao seu lado, os artigos
70.º, n.º 1, 483.º, n.º 1, e 2024.º.

Existe uma outra posição – defendida por Galvão Telles, Almeida Costa, Leite de Campos,
Menezes Cordeiro e Menezes Leitão – favorável a que, para além das indemnizações atribuídas
por via do art.º 496.º, ainda haja outras, por danos morais e pela supressão do direito à vida, do
próprio lesado, e que seguem, depois, por via hereditária. Fundamentam esta posição os
seguintes argumentos:
a. Não faz sentido descobrir “direitos” e, depois, negar-lhes o regime; se existe um direito
à vida, então há que dotá-lo da competente tutela aquiliana, logicamente a favor do seu
titular;
b. A actual responsabilidade civil tem funções retributivas e preventivas; ora tais funções
perder-se-ão quando se admitam direitos que desapareçam logo que sejam violados;
c. A mera aplicação do art.º 496.º, n.º 2, desarticulado do resto do ordenamento, conduz a
resultados inaceitáveis;
d. As indemnizações arbitradas pelos tribunais portugueses são, para Menezes Cordeiro,
totalmente insatisfatórias.
A jurisprudência envereda, na sua larga maioria, pelo caminho de que a morte é um dano
indemnizável, transmissível iure hereditario.

Danos emergentes e lucros cessantes

No universo dos danos, remonta ao Direito romano a distinção entre danos emergentes e lucros
cessantes. O dano emergente é o que resulta da frustração de uma vantagem já existente; o
lucro cessante advém da não concretização de uma vantagem que, doutra forma, operaria.
De Cupis coloca a tónica desta distinção no momento presente ou futuro em que se verifiquem
os interesses atingidos pelo dano, considerando Menezes Cordeiro que tal asserção é
admissível. No entanto, Pessoa Jorge afirma que os danos emergentes são presentes e os lucros
cessantes futuros, estando esta distinção consignada no art.º 564.º, n.º 1. Neste quadro, o lucro
cessante consiste no lesado ter a titularidade de um direito que lhe facultaria um ganho futuro.
Gomes da Silva propõe uma classificação diferente, isolando quatro tipos de danos:
i. A perda ou deterioração de um bem existente no património do ofendido;
ii. Os gastos extraordinários que o ofendido é obrigado a fazer, por força da lesão;
iii. O desaproveitamento de despesas já feitas;
iv. Os lucros cessantes.
Menezes Cordeiro entende que é possível reconduzir os gastos extraordinários e o
desaproveitamento de despesas aos danos emergentes, dado que em ambos os casos se verifica
a frustração de vantagens já existentes, sem contrapartida e por força da lesão.
Esta distinção tem, praticamente, mero interesse descritivo, uma vez que a lei trata, regra geral,
os dois tipos de danos de uma forma unitária.

A natureza do dano

Menezes Cordeiro define o dano como a diminuição de uma qualquer vantagem tutelada pelo
Direito, existindo fundamentalmente duas orientações sobre a sua natureza jurídica:
a. Dano abstracto;
b. Dano concreto.
A teoria do dano abstracto diria que o dano consistiria na diferença de valores existentes no
património, antes ou depois da lesão ou, se se quiser, na diferença entre o valor real do
património com a lesão e o seu valor hipotético se lesão alguma tivesse ocorrido. A teoria do
dano concreto defende, simplesmente, que o mesmo se traduz na lesão de um determinado
bem.
Castro Mendes propõe, em alternativa, a seguinte sistematização para as teorias explicativas
da natureza do dano:
i. Subjectivas;
ii. Objectivas;
iii. Intermédias.
As teses subjectivas defendem que o dano teria por objecto a pessoa ou algo que se define em
função dela, sendo que a sua principal modalidade explicitá-lo-ia como uma lesão a um
interesse subjectivo. As teorias objectivas defendem que o dano implicaria a perda de valor de
um património ou a lesão de uma coisa ou de um interesse (objectivo). As teses intermédias
são de três tipos: as que misturam elementos objectivos e subjectivos, “por carência de análise”;
as que constroem dois conceitos de dano, um objectivo e um subjectivo, “inutilmente”; as que
apresentam o objecto do dano como algo de intermédio entre a pessoa e o bem.

Manuel Gomes da Silva entende que “dano é a privação de um ou mais benefícios


concretamente considerados, ou de uma generalidade de benefícios; deve assim, ser tomado
concretamente, embora deva ser apreciado em relação ao conjunto do património da pessoa”.
Castro Mendes, preocupado com a distinção entre o objecto do dano e a sua causa de relevância,
entende-o como o “saldo da contraposição de auxílios e resistências com que o homem lida
para prosseguir os seus fins” (objecto), “pela quebra da justa proporção de auxílio que o homem
deve receber para a prossecução dos seus fins” (causa).
Pessoa Jorge, defende a concepção do dano em concreto, fazendo notar que a aparente
recepção, pelo art.º 566.º, n.º 2, do Código, da teoria da diferença tem a ver com a determinação
do montante da indemnização e não com a natureza do dano em si.

O nexo de causalidade – problemática geral


Entre os pressupostos da responsabilidade civil, cabe ainda examinar o chamado nexo causal
ou nexo de causalidade. Entre a violação ilícita e culposa de um direito subjectivo ou de uma
norma de protecção e o dano ocorrido, deve haver uma certa relação. A doutrina tem
apresentado, como critérios para o estabelecimento do nexo de causalidade, as seguintes
teorias:
a. Teoria da equivalência das condições ou da conditio sine qua non;
b. Teoria da última condição;
c. Teoria da causalidade adequada;
d. Teoria do escopo da norma violada;
e. Teoria da condição eficiente.

A teoria da equivalência das condições ou da conditio sine qua non defende que o prejuízo
deveria ser considerado como provocado por quaisquer eventos cuja não verificação tivesse
acarretado a inexistência de dano, i.e., o nexo causal dar-se-ia a favor de qualquer evento que
fosse condição necessária do dano.
Menezes Leitão entende que, aplicada ao Direito, a teoria conduz a resultados absurdos.
Efectivamente, ao se afirmar a relevância de todas as condições para o processo causal, já que
per se nenhuma teria força suficiente para afastar a outra, o resultado é abdicar-se de efectuar
uma selecção das condições juridicamente relevantes.
A teoria da última condição só considera como causa do evento a última condição que se
verificou antes de este ocorrer e que, portanto, o precede directamente. Esta orientação não tem
sido acolhida, dado que pode surgir como última condição uma conduta que, em termos
valorativos, pouco ou nada tenha a ver com o dano.
A teoria da condição eficiente pretende que para descobrir a causa do dano terá que ser
efectuada uma avaliação quantitativa da eficiência das diversas condições do processo causal,
para averiguar qual a que se apresenta mais relevante em termos causais. Esta teoria não
fornece, para Menezes Leitão, um verdadeiro critério para o estabelecimento do nexo causal,
ado que a escolha da condição mais eficiente em termos causais apenas é possível remetendo
para o ponto de vista do julgador, o que acaba por redundar num subjectivismo integral,
totalmente inadequado para a construção jurídica.
A teoria da causalidade adequada, defendida pela maioria da Doutrina, designadamente por
Antunes Varela, entende que para que exista nexo de causalidade entre o facto e o dano não
basta que o facto tenha sido em concreto causa do dano, em termos de conditio sine qua non.
É também necessário que, em abstracto, seja também adequado a produzi-lo, segundo o curso
normal das coisas.
A averiguação da adequação abstracta do facto a produzir o dano só pode ser realizada a
posteriori, através da avaliação de se seria previsível que a prática daquele facto originasse
aquele dano (prognose póstuma). A doutrina da adequação aceita que essa aceita que essa
avaliação tome por base não apenas as circunstâncias normais que levariam um observador
externo a efectuar um juízo de previsibilidade, mas também circunstâncias anormais, desde
que recognoscíveis ou conhecidas pelo agente. Tal implica que a doutrina da causalidade
adequada remeta, no fundo, para questões de imputação subjectiva.
Para Menezes Leitão, a teoria da causalidade adequada subjaz ao art.º 563.º do Código Civil,
entendendo, pelo contrário, Menezes Cordeiro que não existe no preceito supra-referido
referência a qualquer adequação.
A teoria do escopo da norma violada defende, pelo contrário, que para o estabelecimento do
nexo de causalidade é apenas necessário averiguar se os danos que resultaram do facto
correspondem à frustração das utilidades que a norma visava conferir ao sujeito através do
direito subjectivo ou da norma de protecção. Assim, a questão da determinação do nexo de
causalidade acaba por se reconduzir a um problema de interpretação do conteúdo e fim
específico da norma que serviu de base à imputação dos danos. Trata-se da posição defendida
por Menezes Leitão.

Menezes Cordeiro entende que no nexo de causalidade requerido pela responsabilidade


aquiliana, inexistem fórmulas universais válidas. O art.º 563.º do Código Civil, a propósito da
obrigação de indemnização, dispõe:
“A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria
sofrido se não fosse a lesão.”
Pode-se distinguir, no domínio da causalidade, dois planos, para efeitos de análise:
i. A causalidade enquanto pressuposto de responsabilidade civil;
ii. A causalidade como bitola de indemnização.
No primeiro plano, a causalidade opera como filtro negativo, a conditio sine qua non: se o
facto ilícito for indiferente para a produção do dano, não há como imputá-lo ao agente. No
entanto, este é insuficiente, pelo que é necessário que, pela positiva, se formule um juízo
humano de implicação – dadas as condições existentes, era compaginável, para a pessoa
normal, colocada na situação de agente, que a conduta deste teria como resultado
razoavelmente provável ou, simplesmente, possível, a produção do dano. A “pessoa normal” é
uma pessoa social, integrada no meio onde o problema se ponha. Tem-se, aqui, uma ideia de
adequação, que pode ser enriquecida ao infinito com múltiplas considerações.
Para este Autor, a filtragem negativa e positiva operada pela causalidade é insuficiente, dado
que, esta pode não ser “socialmente adequada”, mas ter sido voluntariamente montada para se
conseguir, ainda que por via anómala, o resultado. Tem-se, então, a causalidade provocada.
Assim, o elemento decisivo para fixar a causalidade será o escopo da norma violada.
A causalidade, para Menezes Cordeiro, enquanto pressuposto da responsabilidade civil,
operará em quatro tempos:
i. Conditio sine qua non;
ii. Adequada, em termos de normalidade social; ou
iii. Provocada pelo agente, para obter o seu fim;
iv. Consoante os valores tutelados pela norma violada.

Enquanto bitola de indemnização, a causalidade vai permitir responder a questões deste tipo:
a. Há que contar com danos indirectos ou, apenas, com os directos?
b. O que sucede perante sequências causais anómalas não provocadas?
c. Como conjugar concursos de causas ou, mais latamente, de imputações?
d. A causalidade virtual releva e, sendo a resposta afirmativa: positiva ou negativamente?

Situações aquilianas em especial – ofensa do crédito e do bom nome

O Código de 1966, tendo fixado, no art.º 483.º, n.º 1, a cláusula geral de responsabilidade
aquiliana, passa a tratar situações especiais – aquelas que, no entendimento do legislador,
apresentam uma compleição que suscita regras diferenciadas, em relação ao que já derivaria
do princípio geral. A primeira destas situações encontra-se expressa no art.º 484.º, relativo à
“ofensa do crédito ou do bom nome”:
“Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa,
singular ou colectiva, responde pelos danos causados.”
A esta norma subjaz a tutela civil do direito à honra.

O art.º 484.º prevê a ocorrência de alguém “afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar
o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa”, sendo “facto”, neste caso, uma afirmação ou
uma insinuação, feita pela palavra (escrita ou oral), pela imagem ou pelo som, que impliquem
ou possam implicar desprimor para o visado. Este resultará – ou poderá resultar – apoucado,
aviltado ou, por qualquer outro modo, diminuído na consideração social ou naquela que ele se
tenha a si mesmo. A pessoa média normal – bonus pater familias – é a bitola da avaliação do
facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome do visado.

A doutrina diverge relativamente a se o facto atentatório do crédito ou do bom nome, capaz


de desencadear a responsabilidade, deve ser falso ou pode ser verdadeiro. Pessoa Jorge entende
que o art.º 484.º exige, para a responsabilidade, a natureza não-verídica dos factos imputados,
enquanto que Menezes Cordeiro e Antunes Varela entendem, ladeados pela jurisprudência, que
não se exige a falsidade dos factos imputados para a existência de responsabilidade.
Podem gerar responsabilidade, a título de exemplo, as seguintes afirmações:
i. Afirmações falsas só por si – contêm uma asserção que não corresponde à verdade;
a falsidade poderá ser imputável ao agente ou ter sido perpetrada de boa-fé;
ii. Afirmações dubitativas – será que certa pessoa é honesta?
iii. Afirmações verdadeiras, mas que inculcam o contrário do que digam ou que
insinuem coisa diversa;
iv. Afirmações verdadeiras, mas sem contexto;
v. Afirmações verdadeiras, mas desinseridas de um contexto;
vi. Afirmações verdadeiras, mas protegidas;
vii. Afirmações totalmente verdadeiras.
Tudo o que seja amputar a verdade, transmiti-la a sugerir algo diverso do que dela resulte,
redigi-la de modo a provocar valorações tendenciosas, levantar dúvidas ou reticências ou
fabricar notícias por qualquer modo, não pode reivindicar a veritas. Assim sendo, será ilícito
desde que atinja a honra de alguém.
A afirmação totalmente verdadeira pode atentar contra a honra das pessoas, dado que nem tudo
o que sucede, existe ou se faz tem de ser revelado. Mesmo não estando em causa a intimidade
privada, protegida por um direito específico, há um juízo de oportunidade a fazer. Assim,
Menezes Cordeiro entende que a afirmação verdadeira pode ser particularmente indicada para
atingir a honra, não sendo a exceptio veritatis, só por si, justificativa.

A defesa do crédito e do bom nome de cada pessoa pode entrar em colisão com prerrogativas
constitucionalmente garantidas e, designadamente, com a liberdade de informação ou, pelo
prisma subjectivo, com o direito, de cada um, à informação.
Deve ter-se presente que o direito à honra é um direito de personalidade, marcando um círculo
em que o interesse da pessoa beneficiária prevalece sobre quaiquer pretensos valores
superiores.
Quanto se refere a liberdade de informação, há que reportá-la a algo de socialmente útil ou
relevante.

A violação do direito ao crédito ou ao bom nome pode determinar danos patrimoniais e não-
patrimoniais, sendo que os primeiros devem ser ressarcidos, até ao montante do prejuízo, sendo
ainda computáveis danos emergentes e lucros cessantes. Os segundos colocam um problema
de danos morais, a arbitrar de acordo com o art.º 496.º, n.º 3, 1.ª parte. A indemnização deve,
para Menezes Cordeiro, ser suficientemente pesada, para exprimir a reprovação do Direito e
ter efeitos no futuro.
No entanto, a tutela indemnizatória é insuficiente, sendo, em regra, mais importante a
reposição da verdade ou a reparação da ofensa feita.

Conselhos, recomendações ou informações – a desresponsabilização

Segundo o art.º 485.º, n.º 1, do Código Civil:


“Os simples conselhos, recomendações ou informações não responsabilizam quem os dá, ainda que
haja negligência da sua parte.”
O n.º 2 tenta delimitar esta regra, fixando que, afinal, o dever de indemnizar existe em três
circunstâncias:
a. Quando se tenha assumido a responsabilidade pelos danos;
b. Quando havia o dever jurídico de dar conselho, recomendação ou informação e se tenha
procedido com negligência ou intenção de prejudicar;
c. Quando o procedimento do agente constitua facto punível.
O art.º 485.º, n.º 1, parte de um postulado de desresponsabilização de quem dê conselhos,
recomendações ou informações: mesmo quando haja negligência da sua parte e sejam quais
forem as consequências. Almeida Costa e Pessoa Jorge alargam doutrinariamente esta
desresponsabilização aos casos em que exista dolo.

Para Menezes Cordeiro, o art.º 485.º, n.º 1, não desresponsabiliza (todos) os conselhos,
recomendações ou informações, reportando-se (apenas), aos simples conselhos,
recomendações ou informações, distinguindo-se entre:
i. Indicações circunstanciais, sem consistência aparente e, nessa medida,
insusceptíveis de criar uma situação de confiança na pessoa normal;
ii. Verdadeiros conselhos, recomendações ou informações, nas quais quaisquer
pessoas acreditam e que são susceptíveis de determinar, da parte destas, efectivas
actuações.
Assim, este preceito leva, pois, a distinguir situações “simples”, que não ocasionem confiança
legítima nem induzam condutas, de outras, mais poderosas, em que o informado se vai auto-
determinar (razoavelmente) pelo que ouviu. No primeiro caso justifica-se uma certa
desresponsabilização, no segundo, não.

A sequência vocabular do art.º 485.º, n.º 1, sugere que a desresponsabilização apenas ocorre
em relação ao resultado normalmente ligado à informação prestada. Se o iter desencadeado
pelos conselhos, recomendações ou informações puder esconder perigos ou danos, que o
“aconselhante” conheça (dolo), ou deva conhecer (negligência), já haverá responsabilidade.
Apenas a negligência leve é causa de desresponsabilização.

O art.º 485.º, n.º 2, prevê explícitas situações de responsabilidade por conselhos,


recomendações ou informações. Têm-se, sintetizando, três hipóteses:
i. Foi assumida a responsabilidade pelos danos;
ii. Havia o dever jurídico de dar conselhos, recomendações ou informações;
iii. O procedimento constitui facto punível.
Em qualquer dos casos, deverá haver dolo ou negligência. Naturalmente, na presença de
deveres específicos, a “culpa” presume-se (art.º 799.º, n.º 1, CC), equivalente à faute. No
primeiro caso, existe um contrato, no qual o informante assegura o resultado, pressupondo-se
a aceitação, nos termos gerais, tratando-se de uma responsabilidade obrigacional.
No segundo caso, está-se perante um dos numerosos deveres de informação com que trabalha
o moderno direito das obrigações: deveres acessórios com ou sem prestação principal,
prestação principal de informar e deveres de informação de tipo paracontratual. Todo este
universo implica responsabilidade obrigacional.
No terceiro caso, a referência à punibilidade de facto, apela às normas de protecção. As
informações falsas, erradas ou insuficientes irão provocar danos em interesses protegidos pelas
normas violadas pelo (mau) informador.

A prevenção do perigo (deveres do tráfego) – aspectos gerais


Numa primeira abordagem, a tutela aquiliana contentar-se-ia com a abstenção do agente: quem
nada fizesse, não poderia integrar a previsão do art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil. No entanto,
desde o princípio do século XX, verificou-se, todavia, que, em certos casos, os danos poderiam
sobrevir, de modo adequado e merecedor de censura jurídica, não, apenas de acções, mas,
também, de omissões. Para tanto, seria necessário entender que a tutela aquiliana pode implicar,
para certas pessoas, a observância de deveres destinados a prevenir determinados perigos –
deveres do tráfego.
No Direito Civil, esta matéria foi introduzida judicialmente, ficando, como liderantes, duas
decisões do Reichsgericht, tomadas no princípio do século XX, relativas aos perigos
específicos de locais públicos.
Na evolução subsequente, os deveres do tráfego vieram assumir um papel de prevenção do
perigo e a adoptar um alargamento de protecção requerido por esse escopo, tendo-se três pontos
ou fases de evolução:
a. Passou-se dos perigos específicos de locais públicos para riscos atinentes a sítios
privados, quando seja de prever a intromissão de estranhos no local perigoso;
b. Alargou-se a responsabilidade a danos negligentemente causados por terceiros, em
conexão com o âmbito do garante;
c. Chegando a cobrir perigos provocados pela própria actuação dolosa de terceiros.
Os deveres do tráfego são, hoje, derivados do art.º 483.º, n.º 1, surgindo, fundamentalmente,
quando alguém crie ou controle uma fonte de perigo. Cabem-lhe, então, as medidas necessárias
para prevenir ou evitar os danos.
A matéria dá lugar a extensas seriações de ocorrências relevantes, podendo-se elencar:
i. A criação do perigo – aquele que dê azo ao perigo deve tomar as medidas
adequadas;
ii. A responsabilidade pelo espaço – quem controla um espaço deve prevenir os
perigos que lá ocorram ou possam ocorrer: quem tem a vantagem do lugar deve
assumir os deveres que daí decorram;
iii. A abertura ao tráfego – quem tenha um local aberto ao tráfego deve garantir a sua
segurança;
iv. A assunção de uma tarefa – o arquitecto e o construtor não respondem apenas
perante o parceiro no contrato por vício da obra; garantem a segurança de quaisquer
terceiros;
v. A introdução de bens no tráfego – o seu autor responde pelos danos daí resultantes
(responsabilidade do produtor, dotada de regime explícito);
vi. A responsabilidade do Estado;
vii. A responsabilidade pelo governo da casa – quem o tenha deve assegurar-se que,
daí, não resultam danos.
O conteúdo dos deveres do tráfego é multifacetado, dependendo do caso concreto, como por
exemplo:
1. Deveres de aviso e de proibição de acesso ao local do perigo,
2. Deveres de instrução das pessoas sujeitas à fonte do perigo;
3. Deveres de controlo do perigo, tomando medidas físicas para a sua confinação;
4. Deveres de escolha criteriosa de colaboradores e de organização;
5. Deveres de formação profissional;
6. Deveres de avisar e pedir auxílio, em tempo útil, às autoridades públicas competentes;
7. Deveres de assistência e de cuidado reportados a pessoas.

Pessoas obrigadas à vigilância de outrem

Existem manifestações concretas, legalmente fixadas, de deveres de prevenção do perigo,


sendo a primeira a responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem (culpa in
vigilando), disciplinada pelo art.º 491.º:
“As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da
incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se
mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o
tivessem cumprido.”

O art.º 491.º prevê:


a. Pessoas obrigadas, por lei ou por negócio jurídico, a vigiar outras, por virtude da
incapacidade natural destas;
b. Danos que as incapazes causem a terceiro.
Tem-se, efectivamente, uma relação jurídica, de base legal ou especial, entre o vigilante e o
vigiado ou entre o vigilante e os promissários e o vigiado, quando a situação se construa como
um contrato a favor de terceiro. No entanto, a tutela legal não se destina, directamente, a
acautelar essa relação, antes protegendo os terceiros que, por via da actuação do incapaz,
venham a sofrer danos. O inimputável não é responsável (art.º 488.º, n.º 1, CC), salvo o especial
circunstancialismo do art.º 489.º e com os limites aí prescritos.
O vigilante pode evitar a responsabilidade:
i. Ou provando que cumpriu o seu dever de vigilância;
ii. Ou demonstrando que os danos se teriam dado de qualquer maneira (relevância
negativa da causa virtual).

Danos causados por edifícios ou outras obras

O art.º 492.º relativo aos danos causados por edifícios ou outras obras, dispõe:
1. O proprietário ou possuidor de edifício ou de outra obra que ruir, no todo ou em parte, por
vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se
provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não
teriam evitado os danos;
2. A pessoa obrigada, por lei ou por negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra responde,
em lugar do proprietário ou possuidor, quando os danos forem devidos exclusivamente a
defeito de conservação.
Os requisitos para a existência de responsabilidade são os seguintes:
i. Um proprietário ou possuidor – ficam afastados detentores ou, em geral, pessoas
em cujos poderes não se incluem os de fazer as obras de manutenção;
ii. Cujo edifício ou obra ruir, no todo ou em parte – figura-se uma súbita modificação
da coisa, que tenha por defeito o deixar jogar a lei da gravidade;
iii. Por vício de construção ou defeito de conservação – estão em causa vícios ou causas
atinentes ao edifício ou à obra em causa, por oposição a causas extrínsecas.
Perante isso, o proprietário ou possuidor implicados respondem pelos danos causados, mas
com duas ressalvas:
a. Ou de ele provar que não houve culpa da sua parte;
b. Ou que, mesmo com a diligência devida, não se teriam evitado os danos.
A culpa é um juízo de valor formulado pelo ordenamento, que não pode existir se não tiver
ocorrido a (prévia) violação de normas, i.e., a ilicitude. “Provar que não houve culpa”, pode
significar uma de duas coisas:
1. Ou provar que não houve incumprimento de deveres aplicáveis (ilicitude), sendo, por
aí, inviável o juízo de culpa;
2. Ou que, apesar desse incumprimento, não era exigível, ao visado, outra conduta –
verificar-se-ia uma causa de excusa.

O legislador, no confronto entre os artigos 491.º, 492.º e 493.º, deu mostras de flutuações de
linguagem que, no fundo, traduzem uma certa dificuldade em descolar da linguagem
napoleónica.
O elemento substancial que dá corpo ao art.º 492.º é uma clara obrigação de prevenir o perigo
dos desmoronamentos: seja evitando vícios de construção, através de uma adequada
observância das regras da arte, seja procedendo à conservação que se mostre necessária. O
conteúdo desta obrigação é totalmente variável, em função das circunstâncias.
A ilisão segue uma de duas vias: ou a prova do cumprimento, ou a demonstração da
procedência de uma causa de excusa.
O final do art.º 492.º, n.º 1, compreende uma hipótese de relevância negativa da causa virtual
– o edifício ruiu por vício ou por falta de manutenção; todavia, verifica-se que os danos assim
ocasionados adviriam, igualmente, de uma outra causa, que não chega a manifestar-se (a causa
virtual), com isso se evitando a responsabilidade (relevância negativa).

O art.º 492.º, n.º 2, convola para a pessoa obrigada, por lei ou por negócio jurídico, a conservar
o edifício ou obra, a responsabilidade por defeito de construção. O dever do tráfego, passa,
como é lógico, para esta.

Danos causados por coisas ou animais

O art.º 493.º, relativo a danos causados por coisas, animais ou actividades, diz no seu primeiro
número:
“Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver
assumido o encargo de vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os
animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam
igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”
O n.º 2 diz respeito a actividades perigosas.

No tocante a animais, o preceito-base é o art.º 502.º: o dono deles ou qualquer outra pessoa
que os utilize no próprio interesse, responde pelos danos que eles causarem, desde que resultem
do perigo especial que envolva a sua utilização. Este preceito trata de responsabilidade
objectiva, que não pode ser afastada.
O art.º 493.º, n.º 1, trata de algo diferente, prevendo:
i. Alguém que tenha em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar;
ii. Ou tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais,
Responde pelos danos que as coisas ou os animais causarem. O dever de vigilância, que se
deveria manter inter partes, projecta-se, protegendo terceiros. Ficam em aberto duas hipóteses
de alijamento da responsabilidade:
1. A de o vigilante provar que “nenhuma culpa houve da sua parte”;
2. Ou “que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
Assim como ocorre no art.º 492.º, n.º 1, a “presunção de culpa” neste preceito é uma presunção
de ilicitude, i.e., perante os danos, postula-se ter havido inobservância do dever de vigiar. Com
isto, estando em causa animais, a lei visou prevenir o proliferar de danos: o proprietário, não
usando os animais no interesse próprio, sairia da previsão do art.º 502.º. Quando a coisas: a não
haver uma autónoma responsabilidade civil do vigilante, este poderia ser descuidado, com
prejuízo para terceiros.
As “coisas e animais” só podem causar danos em sentido naturalístico, devendo-se, pois,
subentender um tipo de causalidade natural, ligada aos especiais riscos que envolvam.

Danos causados por actividades perigosas

O art.º 493.º, n.º 2, tem o maior interesse, por computar, subjacente, o princípio geral das
actividades perigosas, dispondo:
“Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou
pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as
providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”
Havendo uma actividade perigosa, a pessoa que dela se sirva ou que a desencadeie tem deveres
de prevenção e de cuidado a seu cargo: os deveres do tráfego. Tais deveres têm o conteúdo de,
nas condições existentes e de acordo com as (boas) técnicas aplicáveis, prevenirem danos,
pessoais ou materiais.
Quando a actividade seja perigosa e dela decorra danos, é ao beneficiário que cumpre provar
o efectivo cumprimento de tais deveres: tal é o concreto sentido que, aqui, assume a presunção
de culpa.
Os deveres do tráfego

Na base dos deveres do tráfego, tem-se uma situação potencialmente danosa para os membros
da comunidade jurídica e designadamente:
i. Pessoas inimputáveis (“incapacidade natural”) e, como tal, duplamente perigosa:
por poderem apresentar condutas irracionais e, como tal, imprevisíveis e agressivas
e por não responderem, elas próprias e em princípio, pelos danos (art.º 491.º, CC);
ii. Edifícios ou outras obras, que podem sofrer de vícios de construção ou de defeitos
de conservação, não-aparentes e, como tal, susceptíveis de atingir terceiros (art.º
492.º, CC);
iii. Coisas ou animais que estejam sob vigia, postulando, desde logo, o facto de estarem
sob vigilância a eventualidade do perigo, ficando a segurança de terceiros
dependente do vigilante (art.º 493.º, n.º 1, CC);
iv. Actividades perigosas, por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados (art.º
493.º, n.º 2, CC).
Estas situações podem advir de relações jurídicas específicas (obrigações), legais ou negociais.
No entanto, o que está em causa não é a protecção das partes nas relações existentes – para
isso, valeria a responsabilidade obrigacional – mas sim a de terceiros. Tem um conteúdo
variável até ao infinito.
Para prevenir o perigo, a lei prevê os deveres do tráfego, os quais não são, todavia, pré-
determinados, nem nos seus sujeitos, nem no seu conteúdo, de modo a poderem dar azo a uma
verdadeira obrigação. Eles antes nascem ao sabor das muitas circunstâncias que podem
acompanhar cada uma das situações em presença, disto resultando a inversão do ónus da prova:
é ao lesante que compete fazer prova da sua correcta execução.
Subjacente está uma dupla ideia do legislador: a de incentivar a que, no momento próprio,
sejam tomadas as devidas precauções e a de fazer correr, pelos beneficiários do perigo, o risco
dos danos. Como contrapeso, é-lhes conferida a hipótese de se prevalecerem da relevância
negativa de causas virtuais.
Os deveres do tráfego têm natureza aquiliana, sendo puramente defensivos, visando evitar
danos, não tendo nem sujeitos nem conteúdo pré-determinado. O seu incumprimento, para
Menezes Cordeiro, Carneiro da Frada e Adelaide Menezes Leitão, só releva havendo danos.

A responsabilidade pelo risco – generalidades


A responsabilidade pelo risco, também chamada de responsabilidade objectiva ou imputação
sem culpa, é a situação na qual uma pessoa – o imputado ou respondente – fica adstrita a
ressarcir outra, por um determinado dano, independentemente de, ilicitamente e com culpa, o
ter originado. Trata-se de uma figura delicada, uma vez que prescinde da culpa: quer como
elemento individualizador da pessoa que irá ficar obrigada a indemnizar, quer como factor
significativo-ideológico justificante da própria situação de responsabilidade.
A responsabilidade pelo risco desenvolveu-se como um reflexo da imputação delitual: certas
actividades perigosas deveriam, havendo danos, dar azo a deveres de indemnizar. Nalguns
casos, ainda se poderia construir ou pressupor uma culpa mais ou menos fictícia; noutros, isso
não seria credível.

Faltando o princípio da culpa, existem duas linhas de fundamentação da imputação objectiva:


i. A justiça distributiva;
ii. A ilicitude imperfeita.
A justiça distributiva diz que o risco deve estar associado à vantagem, explicando este vector,
em princípio, que, na falta de um fundamento de imputação, o risco deva correr pelo titular do
direito que venha a ser suprimido ou constrangido. Em certos casos, poderá haver outras saídas,
respondendo quem tem uma especial conexão com certos bens pelos danos que eles possam
causar. No fundo, reconhece-se a necessidade de prolongar, pela responsabilidade, o âmbito de
direitos subjectivos que, pela natureza ou pelas circunstâncias, possam funcionar em termos
expansivos.
A ilicitude imperfeita recorda que, no fundo, o Direito pretende que não haja danos. Assim,
embora em certos casos não seja possível imputá-los a título de delito, a imputação objectiva é
um poderoso incentivo para que sejam tomadas medidas preventivas atempadas.

A imputação objectiva é, frequentemente, dobrada pelo seguro de responsabilidade civil.


Através da técnica da responsabilidade civil, o risco de certos danos acaba por ser suportado
pelo sistema, havendo um máximo de justificação distributiva.

Responsabilidade do comitente – generalidades e pressupostos

Segundo a sistematização do Código Civil, a primeira hipótese responsabilidade pelo risco é


a responsabilidade do comitente (art.º 500.º, n.º 1, CC):
“Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos
danos que o comissário causar, desde que sobre este também recaia a obrigação de indemnizar.”
Existem três pressupostos elencados no art.º 500.º, n.º 1:
i. A comissão;
ii. Danos, causalidade e imputação ao comissário;
iii. No exercício da função.

A comissão

O primeiro pressuposto inserido no art.º 500.º, n.º 1, para a responsabilidade do comitente, é a


situação de alguém encarregar outrem de uma comissão ou, se se quiser, o acto e o efeito de
comitir. Podem distinguir-se os elementos seguintes:
i. A presença de liberdade de escolha do comitente;
ii. A incumbência de uma comissão a outrem;
iii. A aceitação dessa incumbência, pelo escolhido que, assim, se torna comissário ou
comitido;
iv. A existência de uma relação, daí resultante;
v. A actuação do comissário, no âmbito da comissão, por conta do comitente.
A liberdade de escolha do comitente é o ponto de partida para a aplicação desta figura. Na sua
falta haverá uma relação legal ou uma gestão de negócios, consoante a relação derive da lei ou
da iniciativa do próprio agente, verificados os competentes pressupostos.
Para além da escolha, o comitente deverá ter incumbido o eleito de uma determinada actuação
ou comissão. A lei é muito abrangente, podendo ser um acto isolado ou um desempenho
continuado, de natureza jurídica, material ou mista, gratuito ou oneroso, manual ou intelectual.
A incumbência pode – ou não – ser acompanhada da concessão de poderes de representação,
gerando o mandato, na em princípio, uma situação de comissão.
A incumbência pode derivar de um contrato, entre ambos concluído, de um acto unilateral
operado no âmbito de uma relação previamente constituída ou de uma pura indicação de facto,
que são se deixe validamente reconduzir a um figurino jurídico. Apenas se requer que o
comitente tenha a possibilidade de se exprimir e que o seu facto seja, enquanto tal, devidamente
tomado pelo seu destinatário, i.e., o comissário.

A incumbência deve ser aceite, sendo que se assim não for, o comissário irá agir como terceiro
estranho, respondendo, nos termos gerais, pelas decisões que tome e ponha em prática, mas
sem com isso envolver a responsabilidade do comitente. Não se exige ao comissário qualquer
aceitação juridicamente operacional, em termos de dar azo a um contrato, sendo-lhe apenas
exigida a imputabilidade geral (art.º 488.º, CC).
Da incumbência e da sua aceitação decorre uma relação entre as partes, entendendo Antunes
Varela que se exige um nexo de subordinação entre o comitente e o comissário, a qual poderá
ter carácter permanente ou duradouro, assim como pode ser puramente transitória, ocasional,
limitada a actos materiais ou jurídicos de curta duração. Para Menezes Cordeiro, a comissão
existe quando alguém encarrgue outrem de agir por conta do primeiro.

Danos, causalidade e imputação ao comissário

Havendo comissão, o art.º 500.º, n.º 1, depende, ainda, dos seguintes pressupostos:
i. A ocorrência de danos – danos;
ii. Causados pelo comissário – causalidade;
iii. Desde que, sbore este, recaia também a obrigação de indemnizar – imputação ao
comissário.
A ocorrência de danos é o ponto de partida de qualquer situação de responsabilidade civil, não
especificando o art.º 500.º, n.º 1, qualquer tipo de danos. Portanto, incluem-se, nos termos
gerais, todos os tipos de danos, incluindo os morais. No entanto, só relevam os danos que
ocorram no âmbito da comissão em jogo.

Os danos resultantes devem ter sido causados pelo próprio comissário, exigindo-se, para que
seja operável a imputação pelo risco sobre o comitente, que também sobre o primeiro recaia a
obrigação de indemnizar (art.º 500.º, n.º 1, in fine, CC). A doutrina divide-se no tocante ao
título de imputação que deverá recair sobre o comissário:
i. O comissário deveria incorrer em responsabilidade delitual – defendida por Antunes
Varela, Rui de Alarcão e Pedro Nunes de Carvalho;
ii. Basta que o comissário incorra em responsabilidade, no âmbito da sua comissão e
isso quer tal suceda a título delitual, quer pelo risco – defendida por Menezes
Cordeiro, Almeida Costa, Sofia Galvão;
iii. Basta que recaia sobre o comissário uma presunção de culpa, sendo, no entanto,
duvidosa a possibilidade de aqui serem abrangidas a responsabilidade pelo risco ou
pelo sacrifício praticado pelo comissário – defendida por Menezes Leitão e Ribeiro
de Faria.
Menezes Leitão nega a possibilidade de a imputação ao comissário ser puramente objectiva
dado que isso impediria a existência do direito de regresso do comitente contra o comissário,
atendendo ao n.º 3 do art.º 500.º, visando a responsabilidade do comitente apenas a garantia do
pagamento da indemnização ao lesado. Menezes Cordeiro, admitindo que, em termos práticos,
a responsabilidade do comitente garanta a do comissário, entende que inexiste, numa
perspectiva técnica, qualquer obrigação de garantia, antes existindo uma clara obrigação
principal.
Para este Autor, o n.º 3 do art.º 500.º deve ser lido no seu contexto, significando que se o
comitente responder pelo comissário responsável pelo risco sobre este recai também a
obrigação de indemnizar.

No exercício da função

Relativamente à responsabilidade do comitente, o n.º 2 do art.º 500.º faz a seguinte precisão:


“A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que
intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.”
Com este preceito, o legislador delimita o âmbito do risco que vai recair sobre o comitente,
divergindo a doutrina relativamente à concreta extensão deste:
i. A fronteira do risco será restritiva, devendo haver um nexo funcional entre os danos
e a própria função do comissário – defendida por Antunes Varela;
ii. A fronteira do risco será extensiva, bastando que os danos sejam causados no
exercício da função e não por causa desse exercício – defendida por Menezes Leitão
e Menezes Cordeiro.
A jurisprudência do STJ explica que a fórmula do art.º 500.º, n.º 2, apenas visou afastar, da
responsabilidade do comitente, os actos que apenas tenham um nexo temporal ou local com a
comissão.

O direito de regresso do comitente

O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso


de tudo quanto haja pago (art.º 500.º, n.º 3, 1.ª parte, CC), tratando-se tal posição jurídica de
um direito de regresso.
Na lógica do art.º 500.º, a responsabilidade do comitente é uma obrigação principal,
funcionando de modo autónomo, com regras de configuração que não equivalem,
necessariamente, à imputação feita ao comissário.

Se houver, da parte do comitente, “também culpa”, aplica-se o n.º 2 do art.º 497.º, existindo o
direito de regresso na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advierem,
presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis (art.º 500.º, n.º 3, 2.ª parte, CC).
Menezes Cordeiro nota que a expressão “também culpa” deve ser interpretada em sentido
amplo, significando “imputação”, seja qual for o título. Assim, a lei prevê a hipótese de o dano,
imputável ao comitente a título de comissão, poder ser-lhe também imputado, directamente, a
qualquer outro título, surgindo várias hipóteses:
a. Que o dano seja imputável a ambos, comitente e comissário, a título de ilicitude e culpa;
b. Que seja imputável ao comitente, a título de culpa, e ao comissário, a título de risco;
c. Que seja imputável ao comitente a título de risco, por um instituto diverso daquele do
art.º 500.º, e ao comissário, a título de ilicitude e culpa ou, até, a título de risco.
Assim, nestas eventualidades, o direito de regresso do comitente ficará diminuído, havendo
que valorar a medida das imputações em concurso presumindo-se iguais, quando certa saída
não se imponha.

A natureza da responsabilidade do comitente

Existem as seguintes teses que tentam explicar a natureza da responsabilidade do comitente:


1. Tese da culpa in eligendo;
2. Tese da representação;
3. Tese da garantia;
4. Tese do risco;
5. Tese da ilicitude imperfeita.
A tese da culpa in eligendo sustenta que o comitente vai ser responsabilizado por não ter tido
cuidado na escolha do comissário.
A tese da representação sustenta a presença de um vínculo de imputação derivado da própria
comissão. Ao agir por conta do comitente e no âmbito da incumbência deste recebida, o
comissário faria repercutir, na esfera daquele, automaticamente, determinados efeitos,
sobretudo quando estivessem em causa terceiros – Menezes Cordeiro entende que esta
orientação abdica da ideia técnica de representação, pelo que deve ser evitada.
A teoria da garantia – defendida por Antunes Varela e Menezes Leitão – explica que o
legislador pretendeu garantir a indemnização do lesado, fixando, para além da responsabilidade
do próprio agente, aquela do comitente. Este é devedor, mas para efeitos externos, uma vez
que, no plano dos internos, ele tem o regresso contra o comissário. Menezes Cordeiro entende
que a teoria da garantia tem sentido na medida em que uma das preocupações do legislador terá
sido a de facultar uma efectiva reparação do dano, para tanto chamando o comitente. No
entanto, existem outros aspectos, com relevo para o preventivo, que a ideia de garantia,
puramente patológica, não refere. A obrigação do comitente é principal, não sendo secundária,
ocorrendo que quando o comitente pague há regresso, não sub-rogação.
A teoria do risco exprime a essência da imputação objectiva, entendendo o legislador que,
tendo o comitente os cómodos de poder atingir os seus objectivos encarregando comissários de
os prosseguirem, por sua conta, é justo que assuma os riscos envolvidos para terceiros. Ao
responsabilizá-lo, o Direito desloca para o comitente o risco que, de outro modo, caberia ao
lesado: o de se disputar com o comissário que, em regra, não tem margem económica para
pagar indemnizações.
A teoria da ilicitude imperfeita defende que o legislador pretende que não haja danos
suplementares para as pessoas, por via da existência de vínculos de comissão, podendo tal
suceder por diversos motivos. Pela natureza das coisas, o comitente terá mais poder económico
que o comissário, pretendendo o legislador, pela imputação objectiva, levar a que os comitentes
escolham bons comissários, lhes dêem boas missões, que os acompanhem como deve ser, que
os motivem e que lhes confiram conforto económico. Trata-se de um modo indirecto de orientar
as condutas em sociedade, envolvendo o seu desrespeito a chamada ilicitude imperfeita, a qual
gera o dever de indemnizar.

A responsabilidade das pessoas colectivas

Os representantes das pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos
seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes
respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários (art.º 165.º, CC, art.º 998.º, n.º 1, CC
e art.º 6.º, n.º 5, CSC).
As pessoas colectivas, sendo dotadas de personalidade jurídica, podem integrar, para Menezes
Cordeiro, a previsão do art.º 483.º. Assim, a culpa, enquanto juízo de censura, ser-lhe-á
directamente aplicável.
O art.º 165.º não tem a ver com a responsabilidade das pessoas colectivas por actos dos seus
órgãos, sendo antes aplicável aos actos dos seus representantes, eventualmente constituídos
para determinados efeitos, dos seus agentes e dos seus mandatários. Neste caso, já fará sentido
apelar para a imputação ao comitente.

Os danos causados por animais – culpa in vigilando e risco; pressupostos

Para os efeitos do art.º 502.º, deve considerar-se como “animal” o ser vivo não-humano que,
em termos de normalidade social, como tal é considerado. Assim, excluem-se as plantas e os
micro-organismos, as quais são objecto, em certos casos, de regras especiais. Faltando estas,
aplicam-se as regras gerais e, sendo o caso, fazendo o apelo aos deveres do tráfego, pelo
manuseio de material perigoso.
A lei faz uma contraposição fundamental, em termos de responsabilidade:
i. Alguém tem em seu poder um animal com o encargo da vigilância (art.º 493.º, n.º
1, CC) – responde pelos danos que ele causar, salvo provando que agiu sem culpa
ou que os danos se teriam, do mesmo modo, produzido;
ii. Alguém utiliza no seu próprio interesse quaisquer animais (art.º 502.º, CC) –
responde pelos danos que estes causarem, desde que resultem do perigo especial
que envolve a sua utilização.
No primeiro caso, há uma situação específica com presunção de “culpa”, mais especificamente
culpa in vigilando; no segundo, a imputação é verdadeiramente objectiva ou pelo risco.

Os pressupostos são distintos, assentando a imputação pelo risco, relativa a animais, em três
pontos:
i. A utilização de animais por uma pessoa;
ii. No seu próprio interesse;
iii. Danos resultantes do perigo especial que envolva a sua utilização.
A utilização de animais pressupõe a existência, sobre eles, de um controlo material, podendo
tratar-se de um proprietário, de um locador, de um comodatário ou de um simples possuidor,
mesmo de má-fé. Esse controlo deve operar no seu próprio interesse, visando a expressão evitar
a imputação quando o animal seja usado por um comissário. No caso de alguém pedir a outra
pessoa que lhe guarde o animal, a qual aceite, trata-se da hipótese do n.º 1 do art.º 493.º,
existindo dever de vigilância. São apenas indemnizáveis os danos resultantes de perigo especial
envolvido.
A imputação derivada do art.º 502.º pode concorrer com a do art.º 493.º, n.º 1. Assim, o dono
de um cão perigoso tem o dever de o vigiar, presumindo-se, se ele causar danos, a culpa in
vigilando do art.º 493.º, n.º 1, respondendo este pelo risco, se esta presunção for ilidida.
Se alguma causa fortuita ou actuação de terceiro potenciar o perigo, estas enquadrar-se-ão, da
mesma forma, no “perigo especial” envolvido pela utilização do animal, funcionando a
responsabilidade objectiva em pleno. Assim, o descontrolo súbito do animal integra o risco
imputado pelo art.º 502.º.
Além dos danos físicos e patrimoniais, outros relevam e são indemnizáveis.

Natureza; regimes especiais para cães perigosos

No domínio dos danos causados por animais, o art.º 502.º, correspondendo a uma antiga
tradição, consagra um esquema de responsabilidade pelo risco. Independentemente de saber se
o dono ou detentor do animal observou os deveres de cuidado que coubessem e mesmo que se
mostre que os cumpriu, ele responde pelo risco envolvido. Os arestos jurisdicionais tornam
notório que a ordem jurídica sanciona os donos, ficando subjacente, ainda que de modo
indirecto, se houve danos, foi porque não se tomaram as precauções necessárias, tendo-se, pois,
presente, a ideia de ilicitude imperfeita.
Actualmente, existem problemas causados por raças especialmente agressivas de cães que,
ainda que o art.º 493.º, n.º 1, dobrado pelo art.º 502.º, chegassem para a imputação de danos,
levaram o legislador a produzir o Decreto-Lei n.º 315/2009, relativo a animais perigosos ou
potencialmente perigosos, funcionando tais normas como normas de protecção.

Os acidentes de viação – problemática geral e evolução

Acidentes de viação é a expressão consagrada para designar a ocorrência de danos com


intervenção de veículos, em regra motorizados.
No domínio dos acidentes de viação, há que partir sempre das imputações básicas, assim (art.º
483.º, n.º 1, CC):
i. Aquele que, usando um veículo automóvel, ilicitamente, com dolo ou negligência,
viole um direito alheio, é obrigado a indemnizar;
ii. O mesmo sucede se, independente de um direito, for violada uma norma de
protecção.
Além disso, o condutor incorre em responsabilidade contratual, quando o acidente que
provoque redunde no incumprimento de obrigações específicas previamente assumidas.
As normas do Código da Estrada são, tecnicamente, normas de protecção, ocorrendo que, em
regra, os danos causados por veículos atingem direitos subjectivos, pelo que a hipótese “normas
de protecção” é consumida.
A ilicitude resulta clara perante os danos que traduzam a violação dos direitos subjectivos,
sendo que a prova exigida pelo art.º 487.º, n.º 1, apenas exige a demonstração de factos de onde
se infira a causalidade.

A aplicação da comissão

No concreto domínio dos acidentes rodoviários, cumpre salientar a aplicação intensa, aí feita,
do instituto da responsabilidade do comitente. Com efeito, pode-se distinguir, na circulação de
um veículo sob condução humana, três possíveis intervenientes:
i. O proprietário do veículo ou, mais latamente, a pessoa que detenha o poder de
decidir da sua utilização;
ii. O condutor material do veículo;
iii. A pessoa por conta da qual (ou no interesse da qual) se processe a condução.
As três apontadas qualidades podem coincidir, podendo o veículo ser conduzido pelo seu dono
e no seu próprio interesse. Em tal eventualidade, as consequências dos danos, ilícitos e culposos
que ele possa provocar são imputáveis ao agente único. No entanto, podem igualmente divergir,
sendo que a atribuição, nessa altura, os danos apenas ao condutor poderá ser fraca solução,
dado que se multiplicariam os condutores sem critério e sem património, com grave
proliferação de danos.
O primeiro esquema é o da aplicação da comissão, sendo referida no n.º 1 do art.º 503.º,
operando nos termos gerais: deve haver uma comissão, com danos imputáveis ao comissário e
causados por este no exercício da sua função.

A presunção de culpa do comissário

O art.º 503.º, n.º 3, formula uma presunção de culpa contra o comissário:


“Aquele que conduzir o veículo por contra de outrem responde pelos danos que causar, salvo se
provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de
comissário, responde nos termos do n.º 1.”
A sucessão é clara: quando um veículo conduzido por um comissário se envolva num acidente,
presume-se que a culpa é dele. E sendo a responsabilidade do comissário, responde o comitente,
nos termos do art.º 500.º. Infere-se ainda que conduzindo o veículo fora das suas funções de
comissário, este passa a detentor, respondendo pelo risco nos termos do n.º 1 do art.º 503.º.

Perante a presunção de culpa do comissário, a qual se repercute no comitente, os tribunais têm


sido mais restritivos na caracterização da comissão. Assim, a culpa do condutor só se presume
quando o conduza por conta de outrem e não quando apenas conduza um veículo alheio.
A presunção funciona desde que se saiba que o condutor era comissário e isso mesmo quando
não seja possível identificá-lo concretamente.

A responsabilidade pelo risco

O art.º 503.º, n.º 1, fixa um caso significativo de responsabilidade pelo risco:


“Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu
próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos
riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.”
Tem-se, como requisitos:
i. A direcção efectiva do veículo;
ii. A sua utilização no próprio interesse.
A “direcção efectiva” equivale ao controlo material do veículo, a título de posse ou de
detenção. A propriedade do veículo faz presumir a direcção efectiva e o interesse na sua
utilização pelo dono – uma presunção hominis.
A “utilização no próprio interesse” justifica-se para evitar a imputação ao comissário. Sobre
este recairá a responsabilidade for acto ilícito, depois repercutida na esfera do comitente; mas
não a responsabilidade pelo risco, que apenas a este diz respeito, na valoração legal.
A causalidade reporta-se ao âmbito dos “riscos próprios do veículo”, sendo estes tudo o que
tenha a ver com a circulação. Além disso, fenómenos como a autocombustão de um veículo
armazenado ou a destravagem inexplicada de um veículo parado são “riscos próprios”, sendo,
de igual modo, riscos próprios as deficiências que possam suceder ao condutor.

Subjacente à imputação pelo risco por danos causados por veículos está a ideia da ilicitude
imperfeita, dirigindo-se o risco contra quem tem a “direcção efectiva” do veículo e, portanto,
contra a pessoa que pode prevenir danos, tomando antecipadamente todas as medidas que, para
tanto, sejam necessárias. Tratando-se de pessoa não imputável, a responsabilidade é filtrada
pelo art.º 489.º, imputada a pessoa a quem incumbe a vigilância – e que, aqui, deveria ter
tomado as medidas preventivas necessárias – e isso por forma a não privar o não-imputável
dos alimentos necessários (art.º 503.º, n.º 2, CC).

Os beneficiários e exclusão da responsabilidade

Havendo responsabilidade por danos causados por veículos, seja por via delitual, seja por via
do risco, as indemnizações caberão, à partida, aos lesados. No entanto, é possível a exclusão
ou limitação, por contrato, no tocante aos danos que atinjam os bens (art.º 504.º, n.º 4, CC, a
contrario).

A ideia básica da lei é a de que, no tocante a acidentes de viação, não deve haver danos por
indemnizar. Dada a generalização do uso de veículos motorizados e os riscos envolvidos,
pretende-se uma socialização lata dos danos envolvidos. O art.º 505.º fixa três casos de
exclusão de responsabilidade:
i. A aplicação do art.º 570.º;
ii. A imputação do acidente ao lesado ou a terceiro;
iii. O caso de força maior estranha ao funcionamento do veículo.
A aplicação do art.º 570.º consome a imputação do acidente ao lesado, pelo menos quando
haja culpa deste. Além disso, fixa algumas consequências de ordem geral, para a hipótese do
concurso de “culpas”. A exclusão de culpa opera quando o acidente for, no todo, imputável ao
lesado, com ou sem culpa deste.
Causas de força maior estranhas ao veículo seriam, por exemplo, o desmoronamento da berma,
o atentado terrorista que projectasse a viatura contra um prédio, etc.

A colisão de veículos

O art.º 506.º, n.º 1, regula os casos em que sobrevenha uma colisão de veículos, mas sem ser
possível imputá-la à culpa de nenhum dos condutores intervenientes. Tal eventualidade pode
advir de se verificar que, de facto, nenhum teve culpa ou, muito simplesmente, não se ter
conseguido provar, ou atribuir, a qualquer deles, a causa do acidente.
Prevêem-se duas hipóteses:
a. Ambos os veículos contribuíram para os danos;
b. Apenas um deles lhes deu azo.
Na primeira hipótese, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um
dos veículos houver contribuído para os danos. Estes são computados conjuntamente, fazendo-
se depois a repartição. Quanto à medida do risco, esta será calculada em função da perigosidade
típica de cada veículo, implicando um camião mais riscos do que um misto.
Na segunda hipótese, a responsabilidade corre por quem, a qualquer título, responda pelo
veículo causador.

O preceito funciona, também, perante os danos que a colisão tenha ocasionado em terceiros,
sem que se apure a culpa de nenhum dos condutores envolvidos. Os terceiros em causa serão
indemnizados pelos envolvidos na colisão, na proporção dos riscos respectivos.
Em casos de dúvida, seja na repartição dos riscos, seja na de culpas, estas devem ser
consideradas iguais (art.º 506.º, n.º 2, CC).

A solidariedade

Quando a responsabilidade pelo risco recaia sobre várias pessoas, mesmo quando haja culpa
de alguma ou de algumas, a obrigação de indemnizar é solidária (art.º 507.º, n.º 1, CC). Se a
“culpa” fosse de todas, já haveria solidariedade ex vi art.º 497.º, n.º 1.
Quando algum dos co-responsáveis solidários seja chamado a indemnizar, o que pague tem
direito de regresso contra os demais (art.º 524.º, CC), nos seguintes termos (art.º 507.º, n.º 2,
CC):
1. Se todos respondem pelo risco, a indemnização reparte-se entre os responsáveis de
harmonia com o interesse de cada um na utilização do veículo;
2. Se houver culpa de algum ou alguns deles, apenas os culpados respondem; tendo os
restantes o “direito de regresso pleno” contra eles;
3. Se houver vários culpados, há que atentar na medida das culpas respectivas (art.º 497.º,
n.º 2, CC).
Quando não se consiga determinar a medida do interesse de cada um, eles presumem-se iguais,
presumindo-se essa mesma igualdade no tocante à medida das culpas (art.º 497.º, n.º 2, in fine,
ou art.º 506.º, n.º 2, CC).

Limites máximos; o seguro obrigatório


O art.º 508.º estabelece limites máximos para a indemnização em casos de acidentes de viação:
1. A indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem
como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil
automóvel.
2. Se o acidente for causado por veículo utilizado em transporte colectivo, a indemnização tem
como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil
automóvel estabelecido para os transportes colectivos.
3. Se o acidente por causado por veículo utilizado em transporte ferroviário, a indemnização tem
como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil
estabelecido para essa situação em legislação especial.

Instalações de gás e electricidade

O art.º 509.º, n.º 1, dispõe o seguinte:


“Aquele que tiver a direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega da energia
eléctrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive
da condução ou entrega da electricidade ou do gás, como pelos danos resultantes da própria
instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e
em perfeito estado de conservação.”
São manifestos os paralelos entre o art.º 509.º, n.º 1, e o art.º 503.º, n.º 1, requerendo-se, para
a responsabilização por instalações de gás e de electricidade:
a. A direcção efectiva dessas instalações;
b. A sua utilização no interesse próprio.
A direcção efectiva implica a posse ou a detenção das instalações; a utilização no interesse
próprio afasta o regime da imputação ao comitente: de outro modo, a responsabilidade do art.º
509.º, n.º 1, acabaria por recair sobre os próprios trabalhadores.

Os danos imputados são os que resultem da condução ou entrega de electricidade ou do gás e,


ainda, os derivados da própria instalação. No entanto, a responsabilidade é afastada:
i. Quando a instalação esteja de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito
estado de funcionamento (art.º 509.º, n.º 1, in fine, CC);
ii. Quando os danos derivem de causa de força maior (art.º 509.º, n.º 2, CC);
iii. Quando se trate de danos causados por utensílios de uso de energia (art.º 509.º, n.º
3, CC).
A jurisprudência aponta para que o respeito pelas regras técnicas e perfeito estado de
funcionamento da instalação só releva quanto a danos provocados pela própria instalação e não
pelos causados pela condução ou pela entrega de energia.
A imputação pelo risco prevista no art.º 509.º assenta numa ideia clara de ilicitude imperfeita.

A limitação da responsabilidade

O art.º 510.º vem limitar a responsabilidade, estabelecendo o seguinte:


“A indemnização fundada na responsabilidade a que se refere o artigo precedente, quando não haja
culpa do responsável, tem, para cada acidente, como limite máximo o estabelecido no n.º 1 do art.º
508.º, salvo se, havendo seguro obrigatório, diploma especial estabelecer um capital mínimo de
seguro, caso em que a indemnização tem como limite máximo esse capital.”

A responsabilidade pelo sacrifício – aspectos gerais

Há responsabilidade pelo sacrifício sempre que o Direito admita, como lícita, a prática de
determinados danos mas, não obstante, confira ao lesado o direito a uma indemnização. Por
isso, fala-se, também, em responsabilidade por factos lícitos.
A ideia de base é a de que o Direito, de acordo com critérios nominalmente enformados pelo
interesse público exige, em cetos casos, sacrifícios selectivos que envolvem a supressão ou a
compressão de direitos privados ou o postergar de interesses seus legalmente protegidos.
Quando tal suceda, impõe-se compensar o atingido.

Existem dois requisitos para a fixação de directrizes de ordem geral:


i. A permissão de causar um dano, através da inobservância de direitos subjectivos ou
de interesses juridicamente tutelados;
ii. A imposição de um dever de indemnizar.
A permissão de causar um dano é, seguramente, excepcional. Uma autorização geral para lesar
as pessoas, em áreas de tutela jurídica, não surge compaginável com uma ideia consistente de
ordenamento civil. Pode-se, portanto, falar numa tipicidade de situações de possível imputação
pelo sacrifício, a qual se pode inferir do n.º 2 do art.º 483.º.

As previsões de sacrifício
Existem três blocos de previsões de imputação pelo sacrifício:
i. O estado de necessidade;
ii. A lesão ao direito de propriedade;
iii. O incumprimento de contratos.
O estado de necessidade permite destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o
perigo actual de um dano manifestamente superior, do agente ou de terceiro. Quanto à
indemnização, a lei é muito lalta:
i. Ela é integral e recai sobre o agente, quando o perigo for provocado por sua “culpa”
exclusiva, sendo “culpa”, neste caso, qualquer circunstancialismo que lhe seja
imputável;
ii. Ela pode ser (apenas) equitativa, cabendo ao agente e, ainda, aos que tiraram
proveito do acto ou contribuíram para o estado de necessidade.
A indemnização “equitativa” vai sedimentar-se, na parte em que não cubra os danos efectivos,
como prejuízo definitivo do lesado. Só será justa na medida em que, ao próprio lesado, possam
ser atribuídas “culpas” no surgimento do perigo ou benefícios derivados da actuação do agente.
Nas hipóteses de lesões a direitos reais, existem inúmeros casos legalmente previstos. Nestes,
o saber se se está perante uma imputação pelo risco ou uma imputação pelo sacrifício depende
de determinar se, imaginando que os danos fossem previsíveis, é lícito ou não provocá-los. No
primeiro, há sacrifício; no segundo, risco, se faltar “culpa”.
A responsabilidade pelo sacrifício ocorre ainda em casos nos quais seja permitido o não-
cumprimento de um contrato, tendo, então, natureza obrigacional.

Regime geral e natureza

A possibilidade de causar licitamente danos na esfera alheia é um verdadeiro privilégio, que


deve ser visto com cuidado, tendo natureza excepcional. Na determinação dos danos a
indemnizar, há que avantajar a causalidade normativa, sendo imputáveis todos os danos
correspondentes aos bens jurídicos tutelados que, excepcionalmente, a lei permita que sejam
atingidos.

A responsabilidade pelo sacrifício é uma responsabilidade sem ilicitude e sem culpa,


pretendendo a ordem jurídica, no entanto, prevenir os danos. Desta forma, é possível o apelo à
ideia da ilicitude imperfeita.
O regime do dever de indemnizar – generalidades

Dentro do sistema da responsabilidade civil, a indemnização pode traduzir:


i. A obrigação de indemnizar;
ii. O objecto da obrigação de indemnizar, i.e., a sua prestação;
iii. A situação jurídica que compreende um fenómeno de responsabilidade civil, depois
de consubstanciada determinada imputação.
Analiticamente, pode tomar-se a indemnização, compreendendo, agora, os seus aspectos
multifacetados, como a estatuição da norma de que a imputação do dano funciona como
previsão.
Efectivamente, quando os danos, mercê de alguma das causas de imputação, devam ser
imputados a pessoa diferente daquela que inicialmente os sofra, constitui-se uma obrigação
cujo pólo activo é o lesado e o passivo a pessoa integrada pela previsão de imputação, a título
delitual, de risco ou de sacrifício.
A obrigação de indemnizar surge, desta forma, como um vínculo estruturalmente creditício,
em tudo semelhante aos restantes. Apresenta, no entanto, características próprias que justificam
a sua autonomização pela doutrina, assim:
a. Tem, como fonte, um simples facto jurídico – o que integre qualquer imputação – uma
vez que a respectiva constituição não depende da vontade humana, considerada como
tal;
b. Tem, como sujeitos, o lesado e o imputado, sendo o primeiro, credor e, o segundo,
devedor;
c. Tem, como conteúdo, uma prestação que se traduz na actividade necessária à supressão
do dano;
d. Tem, por escopo, a aludida supressão.
A obrigação de indemnização surge, no Código Civil, nos artigos 562.º a 572.º, inserida no
capítulo sobre as modalidades de obrigações, ficando, assim, separada tanto da
responsabilidade aquiliana como da obrigacional. Os preceitos sobre a obrigação de
indemnização são de ordem geral, conhecendo, depois, concretizações distintas, consoante se
trate de responsabilidade obrigacional ou de responsabilidade aquiliana. E dentro desta, há
ainda orientações diferentes consoante o título de imputação em jogo.
A obrigação de indemnizar traduz o epílogo lógico de toda a responsabilidade civil, podendo-
se construir todo o sistema deste instituto em torno da indemnização, ainda que essa não seja a
tradição lusófona.
Modalidades da obrigação de indemnizar

A indemnização, enquanto vínculo obrigacional, pode ser classificada em várias modalidades,


de acordo com diversos critérios, designadamente:
i. O dos sujeitos;
ii. O do tipo de imputação;
iii. O da espécie de dano;
iv. O do conteúdo;
v. O do escopo.
Quanto aos sujeitos, pode-se considerar a indemnização como plural ou singular, consoante se
verifique, ou não, um fenómeno de complexidade subjectiva. A indemnização plural pode ser
solidária ou parciária, conforme os regimes concretamente aplicáveis. A indemnização plural
implica, normalmente, que na respectiva imputação genética ocorra um fenómeno de concurso.
Quanto ao tipo de imputação, a indemnização é delitual, pelo risco, ou pelo sacrifício. A ser
delitual, a respectiva ilicitude pode ser induzida da violação de normas de personalidade, reais,
ou outras, manifestando-se, concretamente, como ilicitude dolosa ou negligente.
Quanto à espécie de danos a ressarcir, a indemnização pode ser por danos morais ou por danos
patrimonais, por danos emergentes ou por lucros cessantes.
Quanto ao conteúdo, a indemnização pode ser:
1. Específica;
2. Pecuniária.
Diz-se específica quando a respectiva prestação implique a entrega, ao lesado, de um bem
igual ao prejudicado; é pecuniária quando haja, apenas, lugar à restituição do valor
correspondente ao da lesão, normalmente através de uma entrega em dinheiro.
Quanto ao escopo, a indemnização pode ser reconstitutiva, quando vise colocar o lesado na
situação idêntica à da ausência da lesão ou, tão-só, compensatória, quando pretenda conceder,
ao ofendido, bens a título de compensação.

O legislador manifestou uma clara preferência pela indemnização específica, considerada mais
perfeita do ponto de vista da reparação do dano (art.º 566.º, n.º 1, CC), tendo esta lugar como
regra, só não se aplicando:
i. Quando seja impossível;
ii. Quando não repare integralmente os danos;
iii. Quando seja excessivamente onerosa para o devedor, i.e., para a pessoa obrigada à
indemnização.
A indemnização específica não é, de um modo geral, possível, sempre que o bem lesado não
seja fungível, v.g. danos morais.
A hipótese de, através de uma entrega específica, não se conseguir uma reparação integral de
danos deriva de que, muitas vezes a lesão de um bem provoca danos conexos com a própria
lesão em si, os quais, naturalmente, não desaparecem retroactivamente, com a substituição do
bem lesado. Não se deve concluir, da letra da lei, que em tal eventualidade, toda a indemnização
deva ser paga em dinheiro, podendo ocorrer uma indemnização específica e, nos danos
remanescentes, uma entrega pecuniária compensatória.
A indemnização específica, sendo possível, pode acarretar, para o obrigado a indemnizar, um
esforço que não tenha qualquer equivalência com a vantagem do lesado, podendo-se, então,
recorrer à indemnização pecuniária. Menezes Cordeiro entende que a “excessiva onerosidade
para o devedor” ocorre quando a sua exigência atente gravemente contra os princípios da boa-
fé.

Determinação; indemnização provisória e indemnização em renda

A obrigação de indemnização visa a remoção do dano imputado. Assim, a medida da


indemnização será, simplesmente, a do dano efectivamente imputado ao sujeito, por qualquer
das formas de imputação admitidas pelo ordenamento. Quando esse dano, uma vez
determinado, não tenha expressão em dinheiro, deve proceder-se a um cálculo equitativo.
Desta forma, transcendem a simples problemática da determinação da indemnização questões
como a do chamado nexo de causalidade ou a da cobertura dos danos emergentes e dos lucros
cessantes.
A primeira resulta do requisito da adequação geral ou concreta aos danos verificados e do
escopo da norma, quando a imputação seja delitual ou pelo sacrifício, ou da simples
correspondência entre o dano e a perigosidade, quando haja imputação pelo risco.
A segunda tem a ver com classificações dos danos, que não se circunscreverem, simplesmente,
à dos danos emergentes e lucros cessantes. De qualquer forma, todos os danos imputados
devem ser cobertos.
A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do
lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se
não existissem danos (art.º 566.º, n.º 2, CC).
A fim de se realizar a contraprova, Pereira Coelho, Vaz Serra, Antunes Varela e Menezes
Cordeiro recorrem ao seguinte exemplo:
“A danifica um objecto, reduzindo-o a metade do seu valor normal, valor esse que era de 300 no
momento do dano e seria de 500 no momento da apreciação judicial.”
Existem quatro formas de se calcular a indemnização:
a. A diferença entre a situação anterior ao facto (300) e a vigente no momento da
apreciação judicial (250, metade de 500) – ou seja, 50;
b. A diferença entre a situação anterior ao facto (300) e a situação imediatamente posterior
ao mesmo facto (150, metade de 300) – ou seja, 150;
c. A diferença entre a situação que existiria sem o facto, data da apreciação judicial (500)
e a situação anterior ao facto (300) – ou seja, 200;
d. A diferença entre a situação hipotética actual, se não houvesse dano (500), e a situação
actual, com o dano (250) – ou seja, 250.
A primeira possibilidade tem sido rejeitada por esquecer o lucro cessante; a segunda, por
esquecer o lucro cessante e a repercussão actual do dano; a terceira, por esquecer o valor que,
efectivamente, ficou a existir no património do lesado.
Desta forma, resta a quarta diferença, a qual proporciona a exacta medida do dano, sendo a
consagrada no Código Civil (art.º 566.º, n.º 2, CC).

Pode ocorrer a situação de indemnização provisória e de indemnização em renda, verificando-


se, em ambos os casos, a presença de danos diferidos no tempo, i.e., de danos que implicam
prejuízos continuados ou de repercussão reflexa que se prolonga. É possível que o devedor seja
condenado pelo tribunal em indemnização provisória, nos casos em que o dano vá aumentando
até ao momento em que seja totalmente ressarcido, remetendo-se para momento oportuno a
fixação da indemnização definitiva; quando a verificação de indemnização provisória venha
diminuir o dano efectivo, tal facto deve ser levado em conta na indemnização definitiva.
Pode, também, suceder que um dano tenha natureza continuada, podendo o juiz arbitrar uma
indemnização em renda periódica.

Delimitações; compensatio lucri cum damno; culpa do lesado


A regra geral no tocante à determinação é a da equivalência ao montante do dano imputado,
existindo, no entanto, diversas excepções a esse princípio que, operando como autênticas
delimitações ao princípio fundamental, conduzem a que a indemnização seja inferior aos danos
verificados.
Na imputação delitual inexiste, geralmente, quaisquer limitações, salvo o caso da imputação a
título de mera negligência (art.º 494.º, CC), podendo-se então fixar equitativamente a
indemnização, em montante inferior ao que corresponder aos danos causados.

Contrariamente ao que ocorre na imputação delitual, é frequente, na imputação objectiva,


nomeadamente pelo risco, a existência de limites às indemnizações que, dessa forma, podem
ficar aquém dos danos. Assim, no caso das indemnizações assacadas a inimputáveis, devem as
mesmas ser calculadas “(...) por forma a não privar a pessoa não imputável dos alimentos
necessários, conforme o seu estado e condição, nem dos meios indispensáveis para cumprir os
seus deveres legais de alimentos.” (art.º 489.º, n.º 2, CC).

O instituto da compensatio lucri cum damno, ainda que não consubstancie, em sentido próprio,
uma limitação à indemnização, delimita-a. Assim, os “lucros” da lesão devem influir no cálcuo
da indemnização ou, em alternativa, pode o responsável exigir ao lesado, no momento do
pagamento da indemnização ou posteriormente, a cedência dos direitos que lhe advenham da
lesão, pagando, neste caso, o valor completo da indemnização (art.º 568.º, CC).

Se o lesado contribuir para o facto danoso, ainda que involuntária ou licitamente, a


indemnização será reduzida ou anulada (art.º 570.º, n.º 1, CC), excluindo-se a indemnização
nos casos em que a responsabilidade se fundar numa presunção de culpa (art.º 570.º, n.º 2, CC).
A culpa do lesado deverá ser provada por quem a alegue, embora o tribunal possa conhecer
oficiosamente da sua verificação (art.º 572.º, CC). Nestes casos, inexiste qualquer limitação da
indemnização, mas apenas uma delimitação dos danos que, ao agente, devam ser imputados.

Sujeitos da indemnização; complexidade subjectiva; terceiro violador da obrigação

Em princípio, são sujeitos da indemnização o lesado e a pessoa a quem os danos sejam


imputados. Assim, se a determinação do titular da indemnização é, normalmente, de apreensão
imediata, só através das regras de imputação se torna possível reconhecer o devedor da mesma
indemnização.
De qualquer forma, na imputação delitual, é obrigado o autor da lesão, surgindo, na imputação
objectiva, como responsável o beneficiário do processo que originou os danos.

No campo da responsabilidade delitual, pode acontecer que a imputação recaia sobre várias
pessoas, todas reconhecidas como autoras da lesão. Nesse contexto, estabelece-se uma regra
de complexidade subjectiva na respectiva obrigação de indemnização, com regime de
solidariedade (art.º 497.º, n.º 1, CC). Como, porém, os ilícitos praticados pelos co-responsáveis
podem ser objecto de valorações diferentes, os respectivos regressos devem ter em conta as
aludidas valorações (art.º 497.º, n.º 2, CC).
A imputação delitual a várias pessoas funciona tanto em casos de co-autoria, como
relativamente aos instigadores ou auxiliares do acto ilícito (art.º 490.º, CC).

A complexidade subjectiva na indemnização, na forma de solidariedade, surge, ainda, na


responsabilidade pelo risco em sede de colisão de veículos, respondendo solidariamente os
autores da lesão (art.º 507.º, n.º 1, CC). Neste caso, verifica-se que, excepcionalmente, a
responsabilidade objectiva opera mesmo quando se integre uma previsão de imputação delitual
(art.º 507.º, n.º 1, in fine, CC). No entanto, a regra geral de que a culpa afasta o risco ressurge
no direito de regresso (art.º 507.º, n.º 2, CC), o qual recairá apenas sobre os “culpados”.

A indemnização solidária só surge quando prescrita por lei (art.º 513.º, CC), ou quando
acordada pelas partes. Nos restantes casos de complexidade subjectiva, aplicar-se-á o regime
supletivo da parciariedade.

Menezes Cordeiro, rejeitando a total relatividade das obrigações, entende que qualquer
terceiro que viole um crédito ou, de alguma forma, colabore com o devedor em tal violação, é
responsável, nos termos gerais, pelos prejuízos causados, desde que se verifiquem os requisitos
da imputação delitual.

O concurso de imputações – generalidades

Diz-se, em Direito Penal, que há concurso de infracções quando uma pessoa, na mesma
ocasião, pratique vários crimes. A teoria naturalística distingue o concurso real do concurso
ideal:
i. No concurso real, verifica-se que várias acções violam várias normas jurídicas;
ii. No concurso ideal, verifica-se que uma acção viola uma pluralidade de normas.
A ideia do critério da unidade da acção tem vindo a ser abandonada em favor de uma
construção jurídica, mandando não o número de acções verificadas, mas antes o número de
juízos de valor concitados por determinado comportamento juridicamente reprovado,
decidindo o número de tipos legais de crimes praticados pelo agente.
Esta questão é reconduzível a um problema de concurso de normas, uma vez que falar em
pluralidade de juízos de valor legais equivale à menção da pluralidade de previsões normativas
realizadas pela actuação do agente, tendo, quando transplantada para a responsabilidade civil,
uma importância bem menor do que aquela detida no Direito Penal.
Podem, no entanto, ocorrer na responsabilidade civil fenómenos de concurso de normas
merecedoras de atenção por parte da doutrina.

Modalidades; o concurso subjectivo

O concurso de imputações pode resultar de conjunturas bastante variadas.


Há concurso homogéneo quando o mesmo dano provoque imputações diversas, mas todas do
mesmo tipo. O concurso heterogéneo derivará do facto de, do mesmo dano, emergirem
imputações várias, de tipo diverso.
Normalmente, o concurso heterogéneo é tão-só aparente, uma vez que o ordenamento
prescreve uma determinada hierarquização para as diversas imputações, de tal forma que ou
apenas uma delas funciona, ou ambas funcionam em momentos diferentes. Existem, no
entanto, hipóteses de concurso real, quando o mesmo dano seja imputável a várias pessoas.
Há concurso subjectivo nas situações em que o mesmo dano é imputado a várias pessoas.

Concurso objectivo

No concurso subjectivo, a diversidade de imputações é aferida em função da multiplicidade


de sujeitos a quem são assacados os diversos danos. Pode-se retomar a questão do concurso de
imputações analisando o concurso objectivo, ou seja, aferindo-a não apenas em face da
multiplicidade de sujeitos a quem os danos sejam assacados, mas, simplesmente, perante a
variedade de eventualidades que aos mesmos danos conduzam.

No concurso objectivo, é possível distinguir-se:


i. O concurso necessário;
ii. O concurso cumulativo;
iii. O concurso alternativo.
No concurso necessário, dois ou mais eventos concorrem para a produção de um dano, sendo
essa concorrência condição essencial para a verificação do mesmo. Neste caso, inexiste
qualquer dúvida relativa ao surgimento de uma obrigação de indemnizar subjectivamente
complexa, a cargo dos agentes responsáveis (art.º 497.º, CC).
No concurso cumulativo, dois ou mais eventos provocam um dano, sendo certo que bastaria a
ocorrência de qualquer um deles para o mesmo dano se verificar. Neste caso, surgirá uma
obrigação de indemnizar subjectivamente complexa (art.º 497.º, CC).
No concurso alternativo, dois ou mais eventos incidem sobre uma situação de dano, sendo
impossível demonstrar qual deles, concretamente, o provocou. Nesta situação, o ofendido
encontra-se impossibilitado de demonstrar a culpa de algum dos agentes (art.º 487.º, n.º 1, CC),
uma vez que nem sequer é capaz de demonstrar o comportamento danoso. Mesmo quando haja
presunção de culpa contra algum dos intervenientes em concurso alternativo, esta não pode
funcionar por não ser possível elucidar contra quem funciona tal presunção. Assim, não haverá
qualquer imputação, devendo-se salientar que o verdadeiro concurso alternativo pressupõe um
efectivo desconhecimento quanto ao comportamento danoso e não quanto à “culpa”.

O concurso virtual; problemas e teses em confronto

Dentro do concurso objectivo de imputações, pode-se distinguir o concurso efectivo do


concurso virtual. No concurso efectivo, um mesmo dano é imputado a duas ou mais
eventualidades; no concurso virtual, um dano é imputado a uma eventualidade, sendo certo
que, a esta não ter existido, o dano ocorreria na mesma, sendo, então, imputado a eventualidade
diferente.
Normalmente o concurso virtual é, também, subjectivo, ainda que não o seja forçosamente. O
concurso virtual pode ser homogéneo ou heterogéneo, consoante os tipos de imputações em
jogo. O concurso pode ser também entre uma imputação ou o próprio risco natural que corre
por conta do lesado, sem imputação proprio sensu.

No concurso virtual, o problema da relevância da segunda imputação – imputação virtual –


pode ser colocado em termos de:
i. Relevância positiva;
ii. Relevância negativa.
Havendo relevância positiva, o lesado poderia pedir contas ao destinatário da imputação
virtual; havendo relevância negativa, o destinatário da imputação efectiva poderia libertar-se
da responsabilidade, alegando a imputação virtual.
A Doutrina, normalmente, pronuncia-se pela irrelevância positiva da imputação virtual, dado
que o n.º 1 do art.º 483.º fala inequivocamente em danos resultantes da violação. A imputação
virtual, por definição, reporta-se a um comportamento não efectivado.

O Código Civil, sem se pronunciar globalmente sobre a relevância da imputação virtual,


indicia, por vezes, uma posição favorável à relevância negativa, pelo que:
a. As pessoas obrigadas a vigiar outras que causem danos podem eximir-se à
responsabilidade se provarem que os danos se teriam verificado ainda que a obrigação
tivesse sido cumprida (art.º 491.º, CC);
b. O responsável por danos causados por edifício pode evitar a responsabilidade provando
que os mesmos se teriam verificado ainda que ele tivesse usado da diligência devida
(art.º 492.º, n.º 1, CC);
c. O responsável por danos causados por animais ou coisas à sua guarda pode liberar-se
de responsabilidade provado que os danos se teriam igualmente verificado, ainda que
não houvesse culpa sua (art.º 493.º, n.º 1, CC);
d. O devedor que esteja em mora – i.e., que não tenha cumprido, no prazo devido, a
obrigação – pode eximir-se a suportar os prejuízos causados ao credor provando que
este teria sofrido igualmente os danos se a obrigação tivesse sido cumprida em tempo
(art.º 807.º, n.º 2, CC).

Pereira Coelho entende que as disposições que admitem a relevância negativa da causa virtual
não são excepcionais quando sedimentem a teoria da diferença no cálculo da indemnização.
No entanto, serão excepcionais na medida em que mandem atender, na determinação do dano,
a circunstâncias posteriores à real verificação do dano. Assim, a regra seria a da irrelevância,
ainda que o Autor aceite a aplicação analógica dos casos consubstanciados na lei como de
relevância, a outras hipóteses.
Pessoa Jorge pronuncia-se, pelo contrário, pela relevância da imputação virtual. Este Autor
faz, fundamentalmente, apelo à teoria da diferença: se, estabelecida a diferença entre a situação
real de um património e a sua situação hipotética sem o dano, verificar que, mercê da
intromissão de outro evento, não há qualquer diferença, não haveria responsabilidade.
Antunes Varela, por seu turno, defende a irrelevância negativa da causa virtual, salvo a
hipótese de disposição legal excepcional em contrário. No entanto, este Autor entende que tal
não obsta a que a causa virtual do dano seja tomada na devida conta, quer no cálculo do lucro
cessante, quer na adaptação da indemnização em renda às circunstâncias que vão sendo
conhecidas pelos interessados.

Menezes Cordeiro entende que da lei não se extrai, directamente, qualquer conclusão. As
previsões limitadas de relevância negativa, já referidas, tanto podem conduzir ao aflorar de
uma regra geral como à consagração de simples excepções, insusceptíveis de extensão.
A imputação delitual deriva da cominação, ao autor de um delito, do dever de indemnizar o
dano provocado. Para tanto, basta que o dano seja prefigurado como fim, pelo agente, e que
advenha da utilização, pelo mesmo agente, dos meios postos ao serviço desse fim. Sobre o todo
recai, depois, a previsão da ilicitude, com a culpa. Este Autor não vê como este esquema possa
ser perturbado pelo concurso virtual, mantendo-se todo o processo delitual incólume ainda
quando se estabeleça que, na sua ausência, teria operado uma outra imputação de dano idêntico.
Na imputação objectiva verifica-se, com as adaptações necessárias, outro tanto. Um dano é,
aí, imputado a uma pessoa, independentemente da prática de qualquer delito, surgindo os
esquemas de imputação objectiva em previsões normativas singulares (art.º 483.º, n.º 2, CC).
Estas previsões singulares cobrem a totalidade da imputação em si, pelo que este Autor entende
que a relevância virtual de qualquer outra eventualidade teria de constar das respectivas
previsões, o que, normalmente, não se verifica.
A primeira conclusão traçada por este Autor é que, a nível factual, o substrato das imputações
delitual ou objectiva em nada é alterado pela eventualidade de concurso virtual.

Salvo nos casos dos artigos 491.º, 492.º, n.º 1, , 493.º, n.º 1 e 802.º, um delito não deixa de o
ser, i.e., não perde a natureza de acto ilícito, sempre que o dano por ele provocado viesse a
emergir de um outro factor nem a imputação objectiva é paralisada em circunstâncias
equivalentes. Assim, Menezes Cordeiro opta pela irrelevância negativa da imputação virtual.

O escopo da responsabilidade civil é a reparação de danos, sendo esta finalidade melhor


conseguida através da irrelevância negativa uma vez que, a ser outra a solução, proliferariam
os danos sem qualquer ressarcimento. A teoria da diferença tem a ver com o cálculo da
indemnização e não com a imputação em si, pelo que quando, mercê das regras da imputação,
se tenha concluído pela imputação de certo dano a determinada pesssoa, não é lícito vir, em
momento necessariamente posterior, subverter a lógica da imputação fazendo intervir
elementos com ela relacionados no cálculo da indemnização.

Montante e natureza da obrigação de indemnizar – generalidades

A responsabilidade civil tradicional visava o ressarcimento do dano. Este moldava, assim, a


indemnização, tornando-se num conceito central de todo o sistema. A ampliação dos fins da
responsabilidade civil veio relativizar o dano e flexibilizar a indemnização. Esta, em princípio,
não deve diminuí-la. O dano a considerar e o quantum da indemnização não devem, pois,
cingir-se às regras específicas, a eles destinadas, ainda que importantes – devem, pois, ter
presente o conteúdo geral do sistema, no sector visado, bem como a política da lei, devidamente
vertida nas normas a aplicar.

A hipótese de responsabilidade civil deve, sempre, acompanhar quaisquer outras sanções que
se estabeleçam, prevenindo-se, a nível legislativo ou a qualquer outro, a sua exclusão. A
redução da responsabilidade suscitará, pela mesma razão, sempre reservas, não podendo ser
admitida se não se basear em razões materiais consistentes.
Na falta de indemnização, são desamparados, no caso de danos patrimoniais, a garantia da
propriedade (art.º 62.º, n.º 1, CRP) e, no dos danos morais, os próprios direitos fundamentais.
Se necessário, as competentes normas constitucionais aplicam-se directamente.

Prescrição

Tal como acontece com o art.º 482.º, no enriquecimento sem causa, também o art.º 498.º, ao
fixar a prescrição do “direito à indemnização”, distingue duas realidades substantivas:
i. O direito potestativo de, uma vez reunidos os diversos requisitos, invocar uma
situação de responsabilidade civil, fazendo nascer a obrigação de indemnizar –
prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento
do seu direito, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da
extensão integral dos danos (art.º 498.º, n.º 1, CC);
ii. A situação global de responsabilidade civil prescreve no prazo de 20 anos a contar
do facto danoso (art.º 498.º, n.º 1, in fine, CC).
Menezes Cordeiro acrescenta uma terceira realidade substantiva – a obrigação de indemnizar
prescreve no prazo de 20 anos após a sua constituição (art.º 309.º, CC).
A razão de ser deste preceito reside na seguinte ideia: perante um dano que dê azo a um dever
de indemnizar, a lei pretende uma solução rápida. A incerteza é prejudicial, enquanto as
delongas vão dificultar a reconstituição dos elementos que rodeiem e expliquem o facto danoso.
O direito de regresso entre os responsáveis prescreve no prazo de três anos (art.º 498.º, n.º 2,
CC) – a pessoa chamada por via do regresso deve, quanto possível, estar próxima do facto
danoso.
O prazo trienal liga-se ainda, às perspectivas actuais que descobrem, na responsabilidade civil,
importantes dimensões preventivas e retributivas.

É previsto o alongamento do prazo quando o facto ilícito constituir crime para o qual a lei
estabeleça um prazo mais longo, sendo esse último o aplicável (art.º 498.º, n.º 3, CC). A
aplicação de tal prazo depende apenas de os factos serem subsumíveis numa previsão penal,
sendo que esse alargamento também se aplica ao direito de regresso.

A prescrição do direito à indemnização não implica prescrição da acção de reivindicação, nem


da acção de restituição do enriquecimento, quando a elas haja lugar (art.º 498.º, n.º 4, CC). No
entanto, Menezes Cordeiro entende que o art.º 498.º não se aplica à responsabilidade
obrigacional, dispondo esta de prazos próprios.

A natureza

A obrigação de indemnizar é, estruturalmente, um vínculo obrigacional complexo. Como tal,


ela dispõe de um dever de prestar principal, de prestações secundárias e de deveres acessórios.

O dever de prestar principal é fixado não pelo seu conteúdo, mas pela sua finalidade – a
supressão do dano. Está-se, assim, perante um vínculo finalisticamente determinado: ao
devedor (ao agente) cabe fazer tudo o que seja necessário para suprimir o dano.
Infere-se daqui que, à partida, o conteúdo concreto da prestação não é conhecido – apenas se
apreende o dano que ela visa afastar. A regra básica, é, sempre, a do princípio da reparação
total. De outro modo, ficará ainda uma parcela de dano por ressarcir, não tendo sido cumprido
o dever de indemnizar.
Por isso e entre outros aspectos:
i. Quando a reparação de um bem não seja viável, a indemnização não deve ser o do
seu valor venal, mas sim o custo da sua substituição;
ii. Prevalece, nos termos legais, a reparação natural, cabendo ao lesado justificar o
porquê de um pedido em dinheiro; a passagem a uma indemnização a dinheiro só
ocorre quando se verifiquem os requisitos legais;
iii. A aplicação do art.º 562.º envolve a actualização do valor em jogo, só sobre ele se
aplicando juros; a obrigação de indemnização é uma obrigação de valor.

O dever de prestar principal, numa obrigação de indemnização, é ainda enformado pelas


funções preventivas e retributivas que hoje se atribuem à responsabilidade civil e pelo papel
compensatório, sempre que o dano não seja ressarcível. Também neste ponto se encontram
argumentos para pôr termo ao miserabilismo registado na fixação das indemnizações.
Ontologicamente, a indemnização simbólica ou deprimida não realiza o escopo da obrigação
de indemnizar.

O dever de prestar principal é, ainda, acompanhado pelas obrigações instrumentais necessárias


à sua efectivação. As demoras no pagamento das indemnizações são, só por si, uma negação
dos valores em jogo. Nesta linha, cumpre ainda inserir a indemnização provisória referida no
art.º 565.º, a qual visa prevenir maiores danos.

Por fim, tem-se os deveres acessórios, que retransmitem, para a obrigação de indemnizar, os
valores fundamentais do ordenamento. Ambos os sujeitos ficam ligados a deveres de protecção,
de lealdade e de informação. Tudo deve ser feito para conter os danos, sendo trocados todos os
elementos necessários para uma correcta reparação.

A obrigação de indemnização tem, por tudo isto, uma natureza própria e um regime específico.
A sua fonte é a responsabilidade civil e a sua estrutura e o seu funcionamento estão dominados
por considerações funcionais e teleológicas.

Gestão de negócios – generalidades

O Código Civil consagra a seguinte definição de gestão de negócios (art.º 464.º, CC):
“Dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e
por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada.”
Trata-se de uma forma específica de constituição de obrigações, que não se reconduz nem a
um contrato, nem a um negócio unilateral.

Os requisitos e as acções

Os requisitos romanos do negotium gestum são praticamente idênticos aos actuais, podendo-
se apontar:
i. A prática de actos ou de séries de actos, materiais ou jurídicos, que importem gestão
de negócios alheios;
ii. A falta de mandato ou de uma relação similar, que habilite o gestor a agir;
iii. A intenção de agir por contra de outrem ou animus aliena negotia gerendi;
iv. Uma actuação útil para o dono do negócio (utiliter coeptum).
A alienidade do negócio parece óbvia. Inicialmente, o instituto precisou-se em torno do absens
(ausente), contra o qual fosse intentada uma demanda e que ficasse sem defesa. As questões
práticas suscitadas por tal eventualidade tinham de encontrar saídas concretas e previsíveis,
sendo indispensável a intervenção racional do pretor. Posteriormente, assinalam-se actuações
tendentes ao cumprimento de obrigações alheias, de modo a prevenir os agressivos
procedimentos executivos, então em vigor. O alargamento da figura seria a última fase da sua
evolução, ficando fora do instituto a hipótese da alienidade aparente: constatada a legitimidade
do gestor, as actiones negotiorum gestorum perderiam o seu campo de aplicação.
A falta de mandato ou de uma relação similar, como a tutela, constitui um requisito negativo.
O animus aliena negotia gerendi ou intenção de gerir negócios alheios era mais um elemento,
na composição do modelo negotia gesta. Todavia, não era então possível isolá-lo da própria
alienidade do negócio, com a qual formaria um todo indissociável. A hipótese de uma gestão
de negócio alheio, julgado próprio, não seria prejudicada pela falta de animus, desde que se
verificassem os demais requisitos. Não é necessária a efectiva obtenção do resultado procurado
com a iniciativa.
A acção do gestor contra o dono do negócio dependeria, ainda, da utilidade da iniciativa, i.e.,
de a mesma ter sido vantajosa.

As consagrações legislativas – o Código Civil

A gestão de negócios preenche os artigos 464.º a 472.º do Código Civil, tendo-se o seguinte
quadro:
i. Noção – art.º 464.º;
ii. Posição do gestor – art.os 465.º a 467.º;
iii. Posição do dono do negócio – art.os 468.º a 472.º.
As repercussões da gestão relativamente a terceiros devem ser construídas a partir dos
preceitos referentes ao dono do negócio e na base dos princípios gerais.

Modalidades

A gestão de negócios reporta-se a uma actividade humana que envolve, como serviço, o
ocupar-se de assuntos próprios de uma outra pessoa: o gerido ou gestido. Assim, distingue-se:
a. A gestão lato sensu, que envolve todas as situações nas quais alguém se ocupe de
negócios alheios;
b. A gestão stricto sensu, que se restringe à intervenção não autorizada, por lei ou pelo
visado, em negócios alheios.
A gestão envolve, em regra, ainda que não exclusiva ou necessariamente, uma prestação de
serviço, por parte do gestor. Tem-se uma série de distinções que operam na base das possíveis
actuações em causa, podendo a gestão ser:
i. Material, jurídica ou mista, consoante envolva a prática de actos materiais, jurídicos
ou mistos;
ii. Momentânea ou continuada, conforme implique a prática de um acto isolado ou
uma alteração prolongada;
iii. Pessoal ou patrimonial, em função da natureza pessoal ou patrimonial;
iv. Simples ou conexa, de acordo com a natureza, exclusivamente alheia do negócio
gestido ou conjuntamente alheia e própria;
v. Pessoal ou profissional, segundo a confluência da actuação desenvolvida com a
própria profissão do gestor: alheia à profissão, no primeiro caso ou própria dela, no
segundo;
vi. Civil, processual, fiscal ou administrativa, seguindo a natureza dos actos que sejam
praticados pelo gestor;
vii. Comum ou de emergência, dependendo de se ter iniciado em circunstâncias normais
ou com vista à prevenção de um perigo eminente ou ao seu agravamento.

Em função da postura do gestor, a gestão pode ser:


a. Própria ou autêntica – o gestor actua no negócio alheio por conta do dono, com a
intenção de curar dos interesses dele;
b. Imprópria ou não-autêntica – o gestor fá-lo mas por conta própria, com a intenção de
se beneficiar a si mesmo;
c. Em erro – o gestor ocupa-se do negócio alheio, pensando ser próprio (art.º 472.º, CC).
Em obediência a outros factores circundantes, a gestão pode ser:
1. Representativa – os actos praticados pelo gestor são-no em nome do dono;
2. Não-representativa – o gestor actua em nome próprio, sem referir o dono.

O objectivo da gestão permite contrapor:


i. A gestão de lucro capiendo – pretende-se, com ela, obter para o dono um lucro que,
de outro modo, se perderia ou poderia perder;
ii. A gestão de damno evitando – procura prevenir ou minimizar um dano que, de outro
modo, se perfilaria.

As consequências jurídicas da gestão possibilitam a distinção entre:


a. A gestão legítima, quando reúna todas as condições fixadas na lei, aquando do seu
início;
b. A gestão ilegítima, quando tal não suceda.
Independentemente do modo legítimo ou ilegítimo por que se tenha iniciado, a gestão pode
desenrolar-se de acordo com o Direito ou em violação deste, dizendo-se, então e
respectivamente:
1. Gestão lícita;
2. Gestão ilícita – inclui-se, nesta, a gestão irregular, i.e., embora respeitando as
obrigações principais do gestor, ela não teve em conta obrigações secundárias ou
deveres acessórios.

A vontade, real ou presumida, do dono, pode desempenhar um papel, tendo-se:


i. A gestão conforme com a vontade real do dono, quando seja conhecida e quando
ela a respeite;
ii. A gestão conforme com a vontade presumível do dono, sempre que em termos de
normalidade, esta seja representável e surja obedecida;
iii. A gestão desconforme com tais elementos.
O dono pode reagir diversamente, perante uma gestão alheia dos seus negócios, tendo-se:
a. A gestão aprovada quando ele declare estar genericamente de acordo com o que tenha
sido feito;
b. A gestão não-aprovada, na hipótese inversa.
No último caso, a não-aprovação poderá resultar do puro silêncio do dono ou, pelo contrário,
de uma expressa declaração de discordância. No entanto, esta distinção não se confunde com
outra, a qual tem a ver, em rigor, com os actos praticados pelo gestor em nome do dono, os
quais poderão ser:
1. Ratificados, sempre que o dono os faça seus, operando os seus efeitos perante terceiros;
2. Não-ratificados, no caso contrário, não operando os seus efeitos contra terceiros.

Pelos seus efeitos, a gestão poderá revelar-se:


i. Útil ou vantajosa para o dono;
ii. Inútil, se não originar vantagens;
iii. Prejudicial, quando cause prejuízos.

Figuras afins

A gestão de negócios anda próxima de todas as figuras em que alguém se ocupe de negócios
alheios, distinguindo-se de todas essas situações pelo facto de não pressupor qualquer título
jurídico – contratual ou legal – que habilite o gestor a agir, tendendo também a assumir um
âmbito mais vasto de possíveis actuações.
A gestão de negócios distingue-se, sem prejuízo das potenciais sobreposições de figuras e das
distinções operadas na base do empirismo ou de critérios flutuantes, das seguintes figuras:
i. Do mandato (art.º 1157.º, CC) – o gestor não celebra um contrato prévio e não está
obrigado a praticar os actos que leve a cabo; além disso, o mandato é circunscrito a
actos jurídicos, enquanto a gestão pode envolver actos materiais;
ii. Da empreitada (art.º 1207.º, CC) – além da falta do contrato, o gestor tem um campo
de actuação que supera o da mera realização de uma obra;
iii. Do depósito (art.º 1185.º, CC) – não há contrato e actuação em jogo não se
circunscreve à guarda de uma coisa;
iv. Da prestação de serviço (art.º 1154.º, CC) – a gestão pode ser uma prestação de
serviço, mas não necessariamente nem pactuada, em momento prévio;
v. Das responsabilidades parentais (art.os 1877.º e ss., CC) – a gestão não é pré-
determinada pela lei, nem envolve deveres automáticos para os gestores;
vi. Da tutela (art.º 1935.º, CC) – a qual substitui, em certos casos, as responsabilidades
parentais.

A gestão implica a prática de actos por conta do dono, devendo ser contraposta:
a. À representação (art.os 258.º e ss., CC) – esta pressupõe a prática de actos jurídicos em
nome do representado (contemplatio domini), por conta dele e havendo poderes de
representação; na gestão, estes actos podem não ser jurídicos, pode não haver
contemplatio domini e não há poderes de representação;
b. À representação sem poderes (art.º 268.º, CC) – o acto é praticado em nome e por conta
do dono, mas sem poderes de representação. Pode haver, neste caso, gestão
(representativa), mas a gestão tem um âmbito mais amplo, ocupando-se da actuação do
gestor e não apenas dos actos que sejam levados a cabo no seu âmbito;
c. No abuso de representação (art.º 269.º, CC) – funcionam os elementos distintivos
indicados para a representação sem poderes;
d. À administração, designadamente de sociedades (art.º 985.º, CC) – o administrador
pratica actos jurídicos e materiais (poder de gestão), repercutindo-os na própria
sociedade (poder de representação), tendo o direito e o dever de o fazer; o gestor não
tem poderes de representação, não tem título para agir e não tem o dever de o fazer.

O gestor actua (ou pode actuar) com terceiros, em benefício do dono. No entanto, tal não se
confunde com um contrato a favor de terceiro, dado que a gestão tem um âmbito que
transcende, ou pode transcender, a mera contratação, com o terceiro, em benefício do dono;
este pode não obter, apenas, o direito a uma prestação; o enquadramento geral da figura não é
contratual e não segue o regime do contrato a favor de terceiro.

A gestão de negócios origina situações que são enquadráveis noutros institutos, como:
1. O enriquecimento sem causa (art.º 473.º, CC) – a gestão pode provocar deslocações
patrimoniais que traduzam o enriquecimento do dono e o empobrecimento do gestor;
os pressupostos do enriquecimento são, todavia, distintos, centrando-se todo o instituto
em efeitos e não ,propriamente, no modo de conduzir a actividade dos intervenientes;
2. A responsabilidade civil (art.º 483.º, n.º 1, CC) – o gestor, agindo sem título na esfera
do dono, pode provocar danos ou, de todo o modo, pode mover-se num estado de coisas
que o próprio dono pretendesse manter incólume; no entanto, os pressupostos da
responsabilidade civil são distintos.
A gestão de negócios, se devidamente iniciada e conduzida, funciona, na prática, como causa
de justificação – torna lícita uma conduta que, de outra forma, não o seria, inibindo o dever de
indemnizar. No entanto, não se confunde com o estado de necessidade, em virtude das
diferenças nos seus pressupostos:
i. O estado de necessidade requer que o dano a evitar seja manifestamente superior ao
que seja causado para o evitar (art.º 339.º, CC);
ii. A gestão de negócios exige uma consonância com o interesse objectivo do dono
(evitar o perigo) mas não deixa de o ser quando o resultado não seja obtido.

Requisitos – generalidades

O art.º 464.º do Código Civil, dando uma noção de gestão de negócios, fixa os seus requisitos
legais, os quais derivam em linha recta do Direito romano, podendo distinguir-se:
i. A direcção de negócio;
ii. A alienidade;
iii. O exercício;
iv. Por conta do dono;
v. No interesse do dono;
vi. A falta de autorização.

A direcção de negócio

A direcção de negócio referida no art.º 464.º deve ser tomada em sentido amplo, abrangendo
uma actuação directa do gestor e, ainda, uma actuação que, juridicamente, lhe seja imputável.
Pode-se configurar casos nos quais:
a. O gestor se faça representar, para efeitos de gestão;
b. O gestor actua com recurso a auxiliares;
c. O gestor seja uma pessoa colectiva, que actue através dos seus administradores.
“Direcção” traduz ainda a ideia de uma actuação controlada pelo próprio gestor, por oposição
a meras situações de decurso aleatório ou entregues a terceiros.
A ideia de “negócio” deve ser tomada em termos amplos, não se tratando de um negócio
jurídico em sentido técnico, i.e., um facto humano dotado de liberdade de celebração e de
liberdade de estipulação, antes ficando abrangidos:
1. Negócios proprio sensu;
2. Actos jurídicos não negociais;
3. Actos materiais.
O “negócio” abrange, ainda, actuações complexas que redundem em múltiplos actos jurídicos
ou em actuações materiais variadas, falando-se, então, numa única gestão de negócios sempre
que as conexões existentes entre os actos em causa permitam, em termos operacionais para a
determinação do regime, considerar a presença de uma única gestão.

A “direcção de negócio” pode traduzir-se numa abstenção ou numa suportação, sendo que,
conceptualmente, tanto uma como outra podem surgir como objecto de obrigações.

A alienidade

O requisito da alienidade do negócio surge, de modo expresso, no art.º 464.º.


À partida, dir-se-ia que não há alienidade sempre que o negócio em jogo se inscreva na esfera
do próprio dono, o que equivaleria à reabertura da distinção entre:
i. Alienidade objectiva – o negócio é alheio porquanto se inscreva na esfera do dono.
Indo-se mais longe, falta a alienidade objectiva sempre que o negócio se insira no
âmbito do próprio gestor;
ii. Alienidade subjectiva – o negócio surgiria como alheio mercê da conduta
intencional do gestor; este, ao adquirir bens que destinaria ao dono, estaria a coloca-
los fora da sua esfera, apenas por acção da vontade.
O segundo núcleo absorve claramente o primeiro: o “gestor” que se apropria de um objecto do
dono e, nele, pratique diversos actos, não está a gerir negócio “alheio” uma vez que ilicitamente
o colocou na sua esfera. Na mesma linha, o negócio “próprio” do gestor pode surgir como
“alheio”.
Em abstracto, qualquer negócio pode ser tomado como alheio, sendo que o conceito de
“alienidade” não surge, no contexto da gestão de negócios, numa acepção técnica, devendo
esta ser reportada ao sentido da acção final do gestor. Vise, esta, contemplar as necessidades
do dono e os meios por ela desencadeados apresentar-se-ão como “negócio alheio”.
Analiticamente, este requisito é configurável como o agir no âmbito de uma permissão,
específica ou genérica ou de uma imposição específica, que assista ao terceiro. Mas apenas a
natureza final da acção do gestor permitirá determinar o local da sua inserção, na plêiade das
permissões que rodeiam todos os sujeitos de Direito.

Por conta do dono

Actuar “por conta” de uma pessoa é expressão retirada do mandato (art.º 1157.º, CC) e que
significa praticar actos destinados à esfera jurídica do beneficiário, existindo três teorias sobre
esta actuação:
i. Teoria objectiva;
ii. Teoria subjectiva;
iii. Teoria da combinação.
De acordo com a teoria objectiva, a actuação por conta do dono surgiria logo que o gestor
agisse no âmbito deste, i.e., “por conta de outrem” adviria da própria alienidade do negócio.
Segundo a teoria subjectiva, apenas a intenção do gestor permite qualificar uma sua conduta
como “para outrem” ou “por conta de outrem”.
A teoria da combinação apela a elementos objectivos e subjectivos, entendendo Menezes
Cordeiro que se trata da teoria mais adequada.

A gestão de negócios assenta numa actuação do gestor, uma acção humana, sendo, por
conseguinte, voluntária e pré-modelada para o seu fim. A intenção só, por si, não é acção, não
sendo juridicamente relevante nem, consequentemente, para a gestão de negócios. E a
sequência não-intencional tão-pouco será acção nem, a fortiori, “gestão” seja do que for.
A acção humana, porque humana e porque acção, não é causal, i.e., não surge como
consequência inelutável de um circunstancialismo natural que a anteceda. Antes deve ser
entendida como acção final, i.e., como uma sequência desencadeada para a obtenção do fim
prosseguido pelo agente. Tudo isto é aproveitável para a explicação da ideia da actuação por
conta de outrem.

Não é possível, para Menezes Cordeiro, a construção de um modelo puramente objectivo de


gestão de negócios. O gestor actua por conta do dono na medida em que adopte um
comportamento que, objectiva e subjectivamente – aspectos incindíveis –, vise inscrever-se na
esfera do beneficiário. Assim, o animus aliena negotia gerendi é a consciência da alienidade.
Havendo alienidade objectiva, surge uma presunção hominis de que a actuação foi
desencadeada por conta do dono, titular dos valores visados; na sua falta, caberá ao gestor
demonstrar o sentido da sua actuação.

Estas considerações são comprovadas através do regime da gestão não-autêntica, i.e., da gestão
de negócio alheio julgado próprio (art.º 472.º, CC). Aí, por definição, o gestor não pode, por
falta de vontade, actuar por conta do dono. Consequentemente e salvo aprovação (o que
envolve o acordo deste), não se aplicam as regras da gestão – antes as do enriquecimento sem
causa ou quaisquer outras, que ao caso caibam (art.º 472.º, n.º 1, in fine, CC), incluindo as da
responsabilidade civil.
Não há uma actuação por conta do dono nas situações de usurpação de negócio, i.e., aquelas
em que alguém, usando de qualquer subterfúgio, logre colocar-se na posição de titular efectivo
dos interesses em causa. Tal eventualidade concita, antes, a aplicação das regras da
responsabilidade civil.

No interesse do dono

Existem, no contexto da gestão de negócios, dois interesses, classicamente reconhecidos e


apontados:
i. O utiliter coeptum, com o sentido de que a gestão, para o ser, deve iniciar-se como
uma actividade útil;
ii. O utiliter gestum, que exprime o dever de, depois de iniciada a gestão, o gestor
manter uma actuação proveitosa para o dono do negócio.

A gestão de negócios, para o ser, deve iniciar-se de forma útil para o dono. O termo “interesse”,
inserido no art.º 464.º, vem utilizado em sentido objectivo (susceptibilidade de um quid
satisfazer necessidades do sujeito). Não ocorre em sentido subjectivo (relação de apetência
entre um sujeito e certo quid), nem em sentido técnico-jurídico (valores protegidos pelo Direito
de tal modo que a sua supressão implique um dano).
Não pode estar em causa o referido sentido subjectivo de interesse, i.e., uma relação de
apetência que se estabeleça entre um sujeito e algo que ele deseje e que até pode ser pernicioso:
nesta acepção, além de todos os riscos de segurança imaginados, a prossecução do interesse
poderia envolver prejuízos e, até, a disposição de bens futuros; o Direito não pode, pela gestão,
legitimar tais feitos, exigindo-se, pelo menos, um contrato em boa e devida forma ou o
assentimento (em sentido técnico) do ofendido, para que lhe fosse causado um dano.
Não se joga o também reportado sentido técnico-jurídico de interesse pois, ao agir, o gestor
não tem, necessariamente, de prosseguir valores protegidos, podendo colocar-se num plano
neutro, lidar com valores próprios ou de terceiros ou até atingir valores tutelados, do dominus.
Assim, Menezes Cordeiro entende que a gestão deve iniciar-se de forma objectivamente útil
para o dono, devendo esta utilidade ser relevada segundo o sentir geral da comunidade e à luz
dos valores fundamentais do ordenamento (boa-fé). Quem desencadeie uma actuação
objectivamente nociva ou, até, apenas inútil não pode acolher-se ao véu da gestão de negócios.
De outro modo, corre-se o risco de transformar a gestão num instituto puramente formal,
insensível aos valores sociais expressos no ordenamento.

A falta de autorização

A “falta de autorização” referida no art.º 464.º apresenta um sentido muito lato, devendo o
gestor agir fora de qualquer relação jurídica pré-existente que legitime a sua actuação. Assim,
deve excluir-se:
i. O mandato ou qualquer outro contrato, concluído entre gestor e dono e no seio do
qual se inscreva a actuação levada a cabo;
ii. Uma procuração que, independentemente do dever de praticar o acto, lhe dê, desde
logo, como destino, a esfera do dominus;
iii. Um status (responsabilidades parentais, qualidade de administrador ou de
incumbido da gestão) que o habilite à actuação em jogo;
iv. Uma norma legal que determine a actuação;
v. Uma permissão específica de agir – legítima defesa, acção directa ou estado de
necessidade.

A gestão de negócios não é um instituto subsidiário, que é aplicável na inexistência de qualquer


facto legitimador, entendendo Menezes Cordeiro que o recorte dogmático da gestão implica
que esta ocorra como opção própria do gestor, totalmente livre de normas de imposição ou de
permissão específica.
Quando tais normas existam e estejam disponíveis, nada obsta a que os interessados optem
pela gestão, em detrimento de outros esquemas eventualmente aplicáveis.
Só não se admitem actos que, violando cláusulas gerais, como a da boa-fé, possam prejudicar
terceiros.

A situação do gestor – generalidades; a conformação com o interesse e a vontade do dono

A gestão de negócios é um instituto complexo que desencadeia – ou pode desencadear – efeitos


entre três intervenientes: o gestor, o dono do negócio e o terceiro. No entanto, tais efeitos são,
na base, apenas bilaterais.
Tem-se:
i. Relação gestor-dono, com a actio contraria do gestor contra o dominus e a actio
directa deste contra aquele;
ii. Relação gestor-terceiro a qual, dependendo do pactuado, pode originar direitos e
deveres recíprocos;
iii. Relação entre o dono e o terceiro, resultante, em regra, de haver uma ratificação.
Há também que contar com os deveres acessórios, provenientes do sistema (boa fé) e que
podem envolver terceiros (protecção de terceiros): seja o terceiro nas relações gestor-dono; seja
o dono nas relações gestor-terceiro; seja ainda um terceiro estranho ao triângulo gestor-dono-
terceiro.

O primeiro dever do gestor é o de se conformar com o interesse e a vontade, real ou presumível,


do dono do negócio, sempre que esta não seja contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva
dos bons costumes (art.º 465.º, al a), CC).
Não é curial assimilar o “interesse” do art.º 465.º, alínea a), ao interesse do art.º 464.º, havendo,
aqui, uma vincada deriva linguística, mercê da qual, no subsistema da gestão de negócios, os
diversos conceitos assumem colaborações próprias. Assim:
a. No art.º 464.º, “interesse” sempre no sentido comum objectivo de aptidão de um quid
satisfazer necessidades do sujeito – é o utiliter coeptum;
b. No art.º 465.º, al a), interesse ocorre no sentido técnico-jurídico de bitola geral de
conduta, deixada à discricionariedade do gestor, mas que se apresente, na sua
globalidade, como objectivamente adequada perante as razões que ditaram o início da
gestão – é o utiliter gestum.
A natureza técnico-jurídica de “interesse”, no art.º 465.º, alínea a), contraposta à noção
objectiva comum do art.º 464.º é uma conclusão retirada de duas ordens de factores:
1. Se o “interesse” exigido para o início da gestão desaparecesse, mercê da actuação do
sujeito, não haveria gestão nem, logo, deveres a observar que implicassem o respeito
pelo interesse; quanto muito, ficaria vedada uma conduta sinuosa, que traduzisse, num
primeiro momento, o respeito pelo interesse do dono e, num segundo, o desrespeito por
tal interesse; mas isso poria em crise a unidade de cada gestão e a globalidade do juízo
de valor que se lhe reporte;
2. Admitir que, durante a gestão, o gestor deveria procurar o preciso interesse objectivo
do dono, de modo a prossegui-lo, equivaleria à funcionalização da sua posição,
colocando-o numa situação fiduciária equivalente à dos administradores das sociedade;
ir-se-ia, com isso, contra o espírito da gestão e, sobretudo, contra o regime vigente, que
deixa total liberdade, ao dono, de aprovar ou não aprovar a gestão e de ratificar ou não
ratificar os actos praticados pelo gestor.

O interesse do art.º 465.º, alínea a), promove a delimitação negativa da actuação do gestor, não
devendo este atentar contra os interesses protegidos do dono, conduzindo tal a responsabilidade
civil.

A vontade referida no art.º 465.º, alínea a), abrange:


i. A vontade real, i.e., a vontade naturalística, quando, porventura, seja conhecida pelo
gestor;
ii. A vontade provável (“presumível”), i.e., aquela que, de acordo com as
circunstâncias e o que se saiba do gestor, seja provável que ele tenha.
Não está em jogo a vontade hipotética prevista, ocorrendo que, na falta de elementos, a vontade
presumível do dono tenderá a aproximar-se do utiliter gestum.

A doutrina diverge relativamente à questão de como proceder quando o interesse do dono se


oponha à sua vontade, real ou presumível:
1. Perante o conflito interesse/vontade, o gestor deveria abster-se de agir – defendida por
Galvão Telles;
2. Deve dar-se prevalência ao interesse do dono – defendida por Vaz Serra e Ribeiro
Mendes;
3. Deve apelar-se a um sistema móvel, que permita uma solução caso a caso, embora com
predominância da vontade – defendida por Menezes Leitão.
4. Deve dar-se prevalência à vontade do dono – defendida por Menezes Cordeiro.
Menezes Cordeiro entende que, atendendo a natureza do “interesse” como bitola geral de
conduta que apenas delimita negativamente a actuação do gestor, o gestor disporá, a partir daí,
de discricionariedade. No entanto, esta discricionariedade não é total, não podendo a vontade
do dono ser contrariada, só podendo ser ignorada pelo gestor quando for contrária à lei ou à
ordem pública ou ofensiva dos bons costumes ou, então, quando, de todo, sobre ela não haja
elementos.
Tem-se, assim, o quadro seguinte:
a. No desenvolvimento da gestão, o gestor deve seguir, como directrizes, a vontade real
ou a vontade presumível do dono;
b. Salvo quando contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes, i.e., a limites que
o próprio dono não pode, por si, ultrapassar;
c. Na falta de vontade ou de vontade conhecida, o gestor actuará de modo discricionário,
mas não podendo contundir com os interesses protegidos do dono.

A actividade principal do gestor é auto-determinada: ninguém lhe dá instruções, cabendo-lhe,


por definição, a iniciativa do que faça e de como o faça.

Os deveres de aviso, de informação e de prestação de contas

O art.º 465.º, em três sucessivas alíneas, fixa deveres de aviso, de prestação de contas e de
informação:
b. Avisar o dono do negócio, logo que seja possível, de que assumiu a gestão;
c. Prestar contas, findo o negócio ou interrompida a gestão, ou quando o dono as exigir;
d. Prestar a este todas as informações relativas à gestão;

O aviso de que o gestor assumiu a gestão é óbvio: de outro modo, poderá haver duplicações
de esforços e maiores prejuízos. Além disso, deve ser dada a possibilidade ao dono do negócio
de se ocupar do assunto, interrompendo a gestão, chamando-as a si, ratificando ou não os actos
praticados em seu nome ou nada fazendo. A obrigação de aviso, “logo que possível”, é o
sucedânceo da de realizar os actos previstos no mandato ou de executar quaisquer serviços de
conteúdo não jurídico.

O dever de prestar todas as informações relativas à gestão, imposto pelo art.º 465.º, alínea d),
sempre se imporia por via da boa-fé (art.º 762.º, n.º 2, CC) ou, mais directamente, pelo dever
legal de informar (art.º 573.º, CC), caso estejam em causa elementos que o dono não possa,
desde logo e por si, sem esforço, apreender. O preceito não fixa o momento em que as
informações devam ser prestadas, sendo possível distinguir:
i. Logo no momento do aviso ao dono do negócio, devem ser prestadas todas as
informações pertinentes, designadamente as necessárias para se apreender a matéria
em jogo e os actos praticados;
ii. Sempre que, prosseguindo a gestão, surjam elementos novos, capazes de levar o
dono a intervir ou, em qualquer caso, susceptíveis de representar, para este, um
factor relevante; eles devem ser comunicados ao dominus;
iii. Quando o dono as peça.
As informações a prestar são “todas”, mas desde que razoáveis e pertinentes.

A prestação de contas é uma sub-espécie reforçada do dever de informar, tendo, normalmente,


lugar no termo da actuação a que se reporte. No entanto, esta pode ocorrer antes disso, sempre
que o interessado o solicite e tenha, a tanto, um direito. O art.º 465.º, alínea c), dispõe três
possíveis momentos para a prestação de contas:
a. No termo da gestão;
b. Na hipótese de interrupção da gestão;
c. Quando o dono as peça.
Nos dois primeiros casos, ela é automática, incorrendo o gestor em mora se não as prestar de
imediato ou, pelo menos, no prazo razoavelmente necessário para o seu aprontamento. No
terceiro caso, ela depende de interpelação do dono, devendo, depois disso, ocorrer num prazo
também razoável para que, dadas as circunstâncias, ela possa ser preparada.

O dever de entrega

O gestor deve entregar ao dominus tudo o que tenha recebido de terceiros no exercício da
gestão ou o saldo das respectivas contas, com os juros legais, relativamente às quantias em
dinheiro, a partir do momento em que a entrega haja de ser efectuada (art.º 465.º, al e), CC).
O dever de entrega, ao dono, é um corolário lógico da actuação havida, por conta dele, tendo-
se várias hipóteses, consoante as circunstâncias:
1. A entrega de coisas corpóreas, obtidas com a gestão;
2. A transmissão, para o dono, de direitos adquiridos pelo gestor, em nome próprio, mas
por conta do dono e no âmbito da gestão;
3. A transferência, para o dono, de posições contratuais ou de débitos, resultantes da
gestão;
4. A manutenção de uma conta-corrente, quando haja entregas e recebimentos de bens
homogéneos ou de valores, com a restituição do saldo a que haja lugar;
5. O pagamento dos juros legais, relativamente às importâncias em dinheiro que o gestor
tenha detido, por conta do dono,
A determinação da exacta obrigação de entrega depende do destino que tenham os actos
celebrados pelo gestor com os terceiros. Ter-se-á, pois, de se indagar se houve, ou não,
aprovação, se ocorreu ratificação e se o dono exerceu as facultades que cabem ao mandante
sem representação.

O dever de continuar a gestão

Nos direitos francês e italiano existem preceitos expressos que estabelecem para o gestor um
dever de, iniciada uma gestão, prossegui-la e acabá-la até que o proprietário possa providenciar.
Contrariamente, o direito alemão não acolheu tal dever, entendendo a Doutrina e a
jurisprudência que, ao abrigo das regras gerais, o gestor pode responder quando o não-
prosseguimento da gestão implique um dano culposo.
O Código Civil português acolheu a solução germânica no n.º 1 do art.º 466.º, entendendo
Antunes Varela e Ribeiro Mendes que, no entanto, o gestor deve prosseguir a gestão até que o
negócio chegue a bom termo ou o dono possa prover por si mesmo.
Menezes Cordeiro e Menezes Leitão entendem que o preceito supra-mencionado não
pressupõe um dever de continuar a gestão iniciada, postulando apenas um dever de não a
interromper injustificadamente, tratando-se, assim, de uma obrigação sem dever de prestar
principal, em cujo teor se inscrevem os deveres de segurança destinados a que a intervenção
interrompida não se traduza por maiores prejuízos.

A responsabilidade do gestor

O princípio básico na responsabilidade do gestor é o da responsabilidade aquiliana do gestor


(art.º 466.º, n.º 1, 1.ª parte, CC), designadamente perante o dono do negócio, por todos os
prejuízos que lhe cause, com culpa, no âmbito da gestão. Estão em causa, nos termos gerais,
os danos causados com violação dos direitos subjectivos do dono do negócio ou das normas
destinadas a proteger os seus interesses (art.º 483.º, n.º 1, CC), jogando-se o dever geral de
respeito. Caberá ainda, nos termos gerais, ao dono atingido invocar e provar os danos, os factos
ilícitos e os elementos de onde emerja a culpa do gestor (art.º 487.º, n.º 1, CC).

O gestor poderá ainda incorrer em responsabilidade obrigacional pelo incumprimento de


deveres específicos, sendo estes, desde logo:
i. Os deveres de aviso, de prestação de contas e de informação (art.º 465.º, als b), c) e
d), CC);
ii. Os deveres de entrega (art.º 465.º, al e), CC);
iii. O dever de segurança pressuposto pela não-interrupção injustificada da gestão (art.º
466.º, n.º 1, 2.ª parte, CC).
Nestes casos, provada a violação dos deveres em causa, presume-se a culpa do gestor (art.º
799.º, n.º 1, CC).

Presume-se a culpa do gestor, quando este agir em desconformidade com o interesse ou a


vontade, real ou presumível, do dono do negócio (art.º 466.º, n.º 2, CC), entendendo Menezes
Cordeiro que se trata de uma obrigação sem dever de prestar principal, ao abrigo de cujos
deveres específicos de segurança se delimita a acção do gestor.

A culpa é, para Menezes Cordeiro, ponderada, nos termos gerais, ao abrigo do n.º 4.º do art.º
487.º, aplicável à responsabilidade obrigacional (art.º 799.º, n.º 2, CC). No entanto, Antunes
Varela apela para aquilo que faria o dono do negócio e não o bom pai de família, invocando a
culpa in concreto, considerando Ribeiro de Faria que não se deveria exigir um grau de
diligência superior àquele de que o gestor é capaz. Almeida Costa defende que não se deve
exigir ao gestor um zelo superior ao que este põe nos seus próprios negócios, dado o “carácter
espontâneo e altruísta da gestão de negócios”, tal não se aplicando quando o gestor actue no
âmbito da sua actividade profissional ou quando, ainda que de boa-fé, ele tivesse afastado da
gestão, outra pessoa.

Quando duas ou mais pessoas actuem conjuntamente como gestoras, de certo negócio, as
obrigações delas para com o dono são solidárias (art.º 467.º, CC). No entanto, no caso inverso
– o de haver vários donos de negócio – inexiste base legal para a fixação de uma regra de
solidariedade.

A situação do dono – o dever de reembolso e de indemnização


Segundo o art.º 468.º, n.º 1, do Código Civil:
“Se a gestão tiver sido exercida em conformidade com o interesse e a vontade, real ou presumível, do
dono do negócio, é este obrigado a reembolsar o gestor das despesas que ele fundadamente tenha
considerado indispensáveis, com juros legais a contar do momento em que foram feitas, e a
indemnizá-lo do prejuízo que haja sofrido.”
Tem-se, neste preceito, a antiga actio contraria ou acção do gestor contra o dono, estando,
todavia, consignada em termos muito amplos que, uma vez analisados, se vêm a revelar muito
mais estritos.

O gestor não tem nenhuma linha pré-fixada de actuação, só podendo este iniciar a gestão se
for objectivamente útil e, tendo-o feito, ele deve respeitar os interesses juridicamente
protegidos do dono do negócio e, ainda, a sua vontade real ou presumida. Assim sendo, chegar-
se-ia a uma situação em que, parente uma gestão puramente danosa, o dono ainda teria que
reembolsar despesas e indemnizar prejuízos, o que não é conformar-se com o interesse do dono.
Assim, ainda que a lei não o diga expressamente, há, sempre, que proceder a um cálculo
custos/benefícios, antes de condenar o dono a reembolsar as despesas do gestor.

A lei não conduz a uma apreciação de mérito sobre a gestão levada a cabo, assistindo ao gestor
um espaço discricionário de gestão. Por isso se compreende que as despesas a reembolsar,
verificados os requisitos, sejam todas as que o próprio gestor tenha considerado, fundadamente,
indispensáveis (art.º 468.º, n.º 1, CC). Quanto ao “prejuízo”: o gestor, no seu esforço, pode ser
levado a gastar dinheiro (despesas) ou a sacrificar outras vantagens, patrimoniais ou pessoais,
que lhe deveriam caber (prejuízo), devendo estes também ser indemnizados, pela mesma ordem
de motivos e com os limites apontados às despesas. O dono é responsável pelo (mero) risco, o
que envolve, necessariamente, cautelas e limites.

Se a gestão não for regular, i.e., se, tendo-se iniciado em termos úteis, ela não respeitar o
interesse do dono ou a sua vontade, real ou presumível, não há lugar ao reembolso das despesas.
Para além da responsabilidade fixada no art.º 466.º, n.º 1, apenas poderá haver azo à aplicação
do enriquecimento sem causa (art.º 468.º, n.º 2, CC). Com o seguinte alcance prático: o dono,
tendo obtido efectivas vantagens com a actuação do gestor, deve devolver a este não as
despesas, mas apenas aquilo com que tenha beneficiado, descontadas todas as desvantagens,
com a actuação do gestor, ficando ressalvada a hipótese de, não obstante, haver aprovação da
gestão pelo dono (art.º 468.º, n.º 2, in fine, CC).

A remuneração do gestor

O dono apenas deve remunerar o gestor quando a gestão corresponda ao exercício da


actividade profissional deste (art.º 470.º, n.º 1, CC), sendo aplicável o regime da remuneração
do mandatário: não havendo ajuste, recorre-se às tarifas profissionais; na falta destas, aos usos;
na falta de umas e outras, à equidade (art.º 1158.º, n.º 2 ex vi 470.º, n.º 2, CC).
No entanto, Menezes Cordeiro defende uma interpretação restritiva, devendo considerar-se o
próprio esforço do gestor como uma despesa a ter em conta.

Direitos do dono

O dono detém algumas posições activas, as quais correspondem, de um modo geral, aos
deveres do gestor. Assim, assistem ao dono:
i. A pretensão genérica de que o seu interesse e a sua vontade, real ou presumível,
sejam respeitados (art.º 465.º, al a), CC);
ii. O direito a ser avisado da assunção da gestão (art.º 465.º, al b), CC);
iii. O direito à prestação de contas, findo o negócio ou interrompida a gestão (art.º
465.º, al c), CC);
iv. O direito a pedir a prestação de contas (art.º 465.º, al c), CC);
v. O direito a obter todas as informações relativas à gestão (art.º 465.º, al d), CC);
vi. O direito a haver quanto o gestor tenha recebido de terceiros, no exercício da gestão,
ou o saldo das respectivas contas (art.º 465.º, al e), CC);
vii. O direito aos juros legais relativos às importâncias em jogo, desde o momento da
sua percepção (art.º 465.º, al e), CC).

O dono tem os direitos potestativos de:


1. Pedir uma indemnização pelos danos causados, com culpa, no exercício da gestão, pelo
gestor (art.º 466.º, n.º 1, CC);
2. Desencadear a responsabilidade civil pelos danos derivados da injustificada interrupção
da gestão (art.º 466.º, n.º 1, CC);
3. Lançar mão das vias permitidas pela solidariedade, quando haja mais do que um gestor
(art.º 467.º, CC).

O dono tem, finalmente, mais dois importantes direitos potestativos:

a. O de aprovar a gestão (art.º 469.º, CC);


b. O de ratificar os actos praticados no seu âmbito (art.º 471.º, CC).

A aprovação da gestão

A aprovação da gestão traduz, da parte do dono do negócio, a prática de um acto unilateral


que exprime a sua concordância com a iniciativa do gestor. No fundo, esta equivale a uma
projecção da vontade real do dono que, a posteriori, vem aderir à gestão efectivada.
A aprovação tem duas importantes consequências (art.º 469.º, CC):
i. Implica uma renúncia ao direito à indemnização pelos danos devidos a culpa do
gestor, renúncia essa a alargar ao direito à indemnização pela injustificada
interrupção da gestão, caso tal tenha ocorrido;
ii. Vale como reconhecimento dos deveres de reembolsar o gestor das despesas que
este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com os juros legais e do dever
de o indemnizar do prejuízo que haja sofrido, sendo aplicáveis as regras do
reconhecimento de dívida (art.º 458.º, CC), dispensando-se, assim, o gestor de
alegar e provar seja o que for.

A aprovação da gestão não se confunde com a ratificação dos actos que tenham sido praticados
pelo gestor em nome do dono (art.º 268.º ex vi art.º 471.º, CC), ocorrendo que:
1. A aprovação reporta-se à gestão, em bloco; a ratificação, a determinados actos,
selectivamente;
2. A aprovação implica renúncia a indemnizações e reconhecimento de deveres de
reembolso e de compensação por um prejuízo; a ratificação conduz ao acolhimento, na
própria esfera do dono, de actos praticados pelo gestor em seu nome;
3. Pode haver aprovação sem ratificação e inversamente: exprimem institutos distintos,
com regimes próprios.

A situação dos terceiros – aspectos gerais


São terceiros todas as pessoas que, relativamente a uma considerada gestão de negócios, não
sejam nem dono, nem gestor. É possível distinguir, à partida:
i. Terceiros estranhos – aqueles que não tenham concluído, com o gestor, nenhum
acto jurídico;
ii. Terceiros interessados – os que, pelo contrário, hajam concluído, com o gestor,
algum contrato.
Os primeiros podem ser envolvidos na gestão através de deveres acessórios e, designadamente,
aqueles que tenham, por conteúdo, a protecção de terceiros. Tais deveres serão assacados ao
gestor ou ao dono consoante o que suceda às obrigações a que eles se acolham.
Os segundos ficam, por definição, no âmbito da gestão, havendo que procurar, para os actos
que concluam, um regime adequado.

Quando contratem com o gestor, existem duas hipóteses:


i. Ou o gestor contratou, com eles, em nome próprio;
ii. Ou tal sucedeu em nome do dono do negócio.
No primeiro caso, o contrato é válido, mas apenas produz efeitos entre o próprio gestor e o
terceiro. No segundo, o contrato é ineficaz, relativamente ao dono, devendo seguir-se o regime
do art.º 268.º.

Representação sem poderes

Aos negócios celebrados entre o gestor, em nome do dono, com terceiros, aplica-se o art.º
268.º (ex vi art.º 471.º, 1.ª parte, CC). O art.º 268.º, por seu turno, diz respeito à representação
sem poderes:
1 Tem-se um acto praticado em nome de outra pessoa (contemplatio domini);
2 Por conta dela;
3 Mas sem os necessários poderes de representação.

Na falta de poderes, a primeira constatação é a de que o negócio não produz efeitos em relação
ao dono enquanto não for, por este, ratificado (art.º 268.º, n.º 1, CC). A ratificação está sujeita
à forma exigida para a procuração (art.º 268.º, n.º 2, 1.ª parte, CC), a qual é, em princípio, a
forma requerida para o negócio que esteja em causa (art.º 262.º, n.º 2, CC). Quando ocorra, este
tem eficácia retroactiva, sem prejuízo de direitos do terceiro (art.º 268.º, n.º 2, CC).
A ratificação é inteiramente livre.

No tocante ao terceiro, o conhecimento da falta de poderes releva na seguinte medida:


a. Se o terceiro desconhecia a falta de poderes do gestor, tem ele a faculdade de, a todo o
tempo, revogar ou rejeitar o negócio (art.º 268.º, n.º 4, 1.ª parte, CC);
b. Se o terceiro conhecia tal falta, pode fixar um prazo para que sobrevenha a ratificação,
considerando-se esta negada se não ocorrer neste prazo (art.º 268.º, n.º 3 e 4, in fine,
CC), não produzindo o negócio quaisquer efeitos.

Mandato sem representação

O regime do mandato sem representação funciona, na parte aplicável, sempre que o gestor
tenha concluído negócio com terceiros em seu próprio nome (art.º 471.º, 2.ª parte, CC).
Nessa eventualidade, a primeira constatação é a de que o contrato produz os seus efeitos entre
o gestor e o terceiro (art.º 1180.º, CC). Na hipótese de tal contrato não interessar ao gestor,
revelando-se, para ele, como um encargo inútil, poderá o mesmo ser computado como
“prejuízo” para efeitos de ser indemnizado pelo dono, nas hipóteses de a gestão ser regular
(art.º 468.º, n.º 1, in fine, CC) ou de o dono a ter aprovado (art.º 469.º, CC).

O gestor fica obrigado a transferir, para o dono, os direitos adquiridos no âmbito da gestão
(art.º 1181.º, n.º 1, CC), tratando-se de um poder do dono, que este usará como entender. Salvo
limites impostos pela boa-fé, pode o dono recusar acolher mesmo os negócios que, para ele,
sejam vantajosos.

Situações de emergência e actos de socorro

A gestão de negócios pode aplicar-se nos casos em que o gestor procure enfrentar situações
de emergência, suportando despesas e prejuízos para evitar (ou tentar evitar) danos
patrimoniais e pessoais noutras pessoas. Nessa eventualidade, a pessoas em cuja esfera se evita
a provocação de danos são “donas do negócio”.
A Doutrina tem ordenado os diversos elementos que podem conduzir a uma gestão de
emergência:
1. Um perigo eminente de verificação muito provável de um dano, para cuja remoção ou
prevenção não seja possível obter o prévio assentimento do “dono”;
2. Relativo ao património ou à pessoa do “dono do negócio”, admitindo-se que possam
estar em causa pessoas especialmente próximas do dono, como os filhos ou
trabalhadores;
3. Operando-se sempre uma verificação no plano da proporcionalidade do perigo/custos.
À partida, o regime do estado de necessidade é mais adequado, sendo que, com efeito, uma
actuação de emergência destinada a remover perigos é, em geral, causa de danos e não (apenas)
de despesas. Quanto aos danos, só por excepção eles se limitarão à própria esfera do
agente/”gestor”. Impõe-se também um enquadramento em termos de licitude, que somente o
art.º 339.º pode assegurar.
Relativamente ao regime, este deve ser muito flexível, podendo as circunstâncias ser tão
variáveis que rodeiem o surgimento do perigo e as medidas possíveis para o remover ou
atenuar.

A gestão de negócios pode sobrepôr-se, total ou parcialmente, com outras figuras, nada
permitindo considera-la como um instituto subsidiário. Assim sendo, pode uma determinada
factualidade integrar, além do estado de necessidade, a própria gestão de negócios.
Assim, quando uma factualidade de base integre o estado de necessidade e a gestão de
negócios, podem os interessados escolher a gestão, na margem em que esta, por não exigir
danos a evitar muito superiores aos causados, tenha um âmbito mais extenso de aplicação.
Havendo dúvidas, podem-se invocar os dois institutos em alternativa ou a título subsidiário,
competindo ao tribunal decidir. A Doutrina sublinha a especial versatilidade da gestão de
negócios: à disposição dos interessados.

Súmula das obrigações gestórias

A gestão de negócios tem, na base, uma actuação dirigida a uma esfera alheia, objectivamente
útil para o dono e sem adequada cobertura específica – contratual ou legal. Daí resultam, para
o gestor:
i. Um espaço de auto-determinação dobrado por um dever genérico de respeitar os
interesses protegidos do dono e a sua vontade, real ou presumível;
ii. Deveres de aviso, de informação, de prestação de contas e de entrega de coisas e
valores;
iii. Deveres específicos e genéricos de não provocar maiores danos.
Para o dono, emergem, verificados os pressupostos:
1. Deveres de reembolso de despesas, de indemnização de prejuízos e de remuneração do
gestor;
2. Direitos de haver o benefício da gestão.

Relativamente a terceiros, a gestão de negócios limita-se a remeter para as regras gerais da


representação e, sendo esse o caso, do mandato sem representação.

Todo o edifício da gestão de negócios é devidamente emoldurado por deveres acessórios (de
protecção, de lealdade e de informação), que recaem sobre o gestor e sobre o dono e que os
adstringem a respeitar, em todas as vicissitudes, os valores básicos do ordenamento. Tais
deveres não são passivos, articulando-se de modo funcional, por forma a conduzir ao êxito da
gestão, com um máximo de benefício para o dono (e para o gestor) e um mínimo de custos para
todos os intervenientes.

Natureza da gestão

A gestão de negócios não deixa de invocar a ideia de uma relação de facto, colocando-se o
gestor, social e valorativamente, numa situação tal que não pode deixar de, dele, se esperar o
desenvolvimento de uma actividade útil.
Enquanto fonte de obrigações, a gestão é, analiticamente, um acto stricto sensu uma vez que
os seus efeitos são os da lei, sendo a relação gestor-dono uma obrigação complexa, que os une
sem dever de prestar principal. Assenta, assim, em múltiplos deveres secundários, de base legal
e num dever acessório básico, de protecção.

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