ICorfntios
RAYMOND BRYAN BROWN
Introdução
Quando Paulo chegou a Corinto, esta­
va no centro comercial da Grécia. Atenas
e Corinto eram as cidades mais impor­
tantes da Grécia na época do domínio
romano. Corinto era uma trepidante me­
trópole, com uma população de mais
de meio milhão de pessoas. Utensílios de
pedra e vasos de cerâmica dão testemu­
nho da vida do homem no local da
cidade já no período neolítico. No sétimo
século a.C., Corinto alcançou grande po­
derio, e se tornou famosa por seus tra­
balhos de cerâmica e bronze. No terceiro
século a.C ., como líder da Liga da Acaia,
ela entrou em conflito com Roma. Du­
rante a vida de Paulo, Corinto se com­
parava com Roma, Alexandria e Éfeso,
como as mais importantes cidades do
Império Romano.
A Corinto que Paulo visitou, todavia,
não era a mesma cidade antiga. A velha
Corinto fora destruída por Lucius Mum-
mius, cônsul romano, em 146 a.C. Ela
só foi reconstruída quando Júlio César
empreendeu essa tarefa em 44 a.C., 102
anos depois que Roma a havia destruído.
Quando Paulo visitou a cidade, encon­
trou descendentes dos colonos romanos,
que haviam sido enviados para povoá-
la, romanos que eram funcionários pú­
blicos, gregos, judeus, orientais e outras
pessoas que haviam sido atraídas para
Corinto, devido à sua localização geo­
gráfica e o seu significado comercial.
Inúmeros nomes romanos do Novo Tes­
tamento estão ligados a Corinto (cf. At.
18:7; Rom. 16:21-23; I Cor. 16:17).
Geográfica e economicamente, Corin­
to era importante porque era escala na
rota marítima entre o Ocidente e o Orien­
te. Ela ficava localizada estrategicamen­
te no istmo, que tinha cerca de quinze
quilômetros de comprimento e cinco de
largura, e ligava a Grécia, no continente,
com o Peloponeso. A oeste, o porto de
Lechaeum ficava a apenas três quilôme­
tros de distância. A leste, ficava o porto
de Cencréia, a apenas treze quilômetros
de distância. Visto que era perigoso via­
jar rodeando o cabo Malea, promontório
no extremo sul da Grécia, e isso acarre­
tasse um prolongamento de trezentos
quilômetros na viagem, os navios peque­
nos eram arrastados por terra, de um
porto para outro, em uma trilha chama­
da “Diolkos” ou “arrastar através” . As
mercadorias dos navios maiores eram
descarregadas de um lado e recarregadas
em diferentes barcos do outro lado. Nero,
imperador romano, começou a constru­
ção de um canal entre o golfo de Saros e o
golfo de Corinto, em 67 d.C., não muitos
anos depois que Paulo trabalhou em
Corinto (51 d.C.), mas abandonou o
projeto. Só em 1893 foi construído um
canal. Na época de Paulo, Corinto fre­
mia de atividade comercial, e pode ser
considerada como um dos mais impor­
tantes centros econômicos do Império
Romano.
A cidade de Corinto fica ao pé do
Acrocorinto, íngreme promontório, que
se levanta mais de seiscentos metros aci­
ma do nível do mar. O Acrocorinto pro­
piciava proteção à cidade de um lado.
Os muros que a protegiam do outro lado
tinham nove quilômetros de circunferên­
cia. No centro da cidade ficava o mer­
cado, ou ágora, rodeado por lojas, basí­
licas e monumentos. A “bema” (plata­
forma para oradores) localizava-se perto
do centro da ágora. Os arqueólogos lo­
calizaram, muito provavelmente, o pró­
prio tribunal ou “bema” ao qual Paulo
foi levado diante de Gálio (cf. At. 18:
12-17).
Politicamente, Corinto havia sido a
capital da província da Acaia desde 27
a.C. Era a residência do procônsul ro­
mano. Em 51-52 d.C., enquanto Paulo
estava em Corinto, Gálio, irmão mais
velho do filósofo estóico Sêneca, era pro-
cônsul(Atos 18:12-17).
Culturalmente, Corinto era a residên­
cia de italianos, gregos, egípcios, sírios,
judeus e orientais. Naturalmente, as pes­
soas de diferentes raças levaram com
elas, para Corinto, a sua herança cultu­
ral, inclusive diferentes costumes sociais
e crenças e práticas religiosas. Como
Corinto fora reconstruída em 44 a.C.
não podia ter uma longa tradição cultu­
ral quando Paulo lá chegou em 51 d.C.
Todas as nações tinham encontro ali,
lugar que era um corte vertical, mostran­
do todos os estratos do mundo romano.
Corinto tornou-se famosa por sua moral
frouxa, talvez, em parte, como conse­
qüência dos rituais religiosos pagãos.
Desde a época do poeta Aristofanes
(c. 400 a.C.), “corintianizar” era uma
expressão proverbial de imoralidade (cf.
5:1-13; 6:12-20). A cidade era famosa
como sede bienal dos jogos do istmo,
realizados em Cencréia, fundados em
581 a.C. e excedidos em importância
apenas pelas olimpíadas quadrienais.
Religiosamente, Corinto ocupava lu­
gar honroso em relação a várias religiões,
trazidas de muitas partes do Império
Romano. Em uma colônia romana como
Corinto, o primeiro lugar devia ser dado
à adoração dos Césares deificados, à deu­
sa Roma, personificação da cidade, e
aos deuses do Estado romano: Júpiter,
Marte e Vênus. Hoje em dia, no local de
Corinto, se erguem sete colunas do tem­
plo de Apoio, que foi edificado, prova­
velmente, no sexto século a.C. Esculápio,
deus da cura, era muito considerado em
Corinto no decorrer do primeiro século,
como tomam bem claro os restos arqueo­
lógicos. Serápis e Isis, deus e deusa egíp­
cios, eram muito populares entre todas
as nacionalidades. O culto mais famoso
em Corinto era o de Afrodite, cujo tem­
plo ficava localizado no topo do monte
Acrocorinto. De acordo com Estrabão,
geógrafo que viveu no primeiro século
d.C., mais de mil mulheres, em época
anterior, serviam como prostitutas sagra­
das no templo de Afrodite, que na ver­
dade era a licenciosa Astarte fenícia, com
nome grego.
Havia uma sinagoga dos judeus em
Corinto, como ficamos sabendo em Atos
18:4. Os arqueólogos descobriram um
bloco de mármore com a legenda “sina­
goga dos judeus” , que, provavelmente,
formava uma padieira ou verga da porta
de entrada de uma sinagoga judaica em
Corinto (cf. At. 18:4). Alguns gentios,
atraídos pelo imponente monoteísmo e
pela ética dos judeus, tornaram-se “ te­
mentes a Deus” e ligaram-se ao culto da
sinagoga sem se tornarem judeus (me­
diante a circuncisão). A sinagoga em
Corinto tornou-se, para Paulo, uma es­
tratégica oportunidade evangelística e o
veículo de seu inicial contato com os gen­
tios, em Corinto, os quais se preocupa­
vam muito com religião.
I. A Igreja em Corinto
De acordo com Atos 18:1-19, Paulo,
na sua chamada segunda viagem missio­
nária, chegou a Corinto, e encontrou ali
um casal judeu, Ãqüila e Priscila, que,
juntamente com todos os outros judeus,
havia sido forçado, pelo Imperador Cláu­
dio, a sair da cidade de Roma em 49
d.C. Ãquila e Priscila, que eram cris­
tãos e trabalhavam fazendo tendas,
que também era a profissão de Paulo,
evidentemente freqüentavam a sinagoga
judia com Paulo. Silas e Timóteo par­
ticipavam, com Paulo, do seu trabalho
em Corinto. Depois de um conflito com
os judeus, Paulo começou a pregar na
casa de Tito Justo, homem temente a
Deus. A sua missão teve grande êxito
(At. 18:8), e ele permaneceu em Corinto
por um ano e meio (At. 18:11). A igreja
era composta de judeus (7:18; At. 18:4)
e de gentios (12:2), tanto ricos (Rom.
16:23) como pobres (1:26,27). Depois de
um ataque, levado a efeito contra ele por
alguns judeus, que foi frustrado, e depois
de permanecer em Corinto “ ainda mui­
tos dias” , Paulo velejou para a Síria (At.
18:18). Ãqüila e Priscila foram com ele.
É possível que Sóstenes, chefe da sina­
goga, que foi surrado pelos judeus, mais
tarde tenha-se tomado cristão (At. 18:7;
I Cor. 1:1).
II. Data do Ministério de Paulo
em Corinto
De acordo com Atos 18:12-17, Paulo
esteve em Corinto durante a administra­
ção de Lucius Junius Annaeus Gallio,
que fora enviado a Corinto em 51 ou 52
d.C., para servir como procônsul da
Acaia. (Uma inscrição, encontrada em
Delfos, confirma que Gálio foi procônsul
da Acaia, e que ele esteve nessa cidade
durante o ano vigésimo sexto do reinado
de Cláudio.) Visto que Paulo chegou a
Corinto antes de Gálio ter sido nomea­
do procônsul (At. 18:12), é provável que
ele tenha chegado lá em 50 d.C. Certa­
mente Paulo estava pregando em Corinto
no ano 51.
III. Ocasião Para a Carta
A Primeira Epístola aos Coríntios foi
escrita para responder a interrogações
feitas em uma carta enviada pela igreja
em Corinto. Os assuntos referentes aos
quais os coríntios pediam conselhos
eram: problemas matrimoniais (7:1),
carne sacrificada aos ídolos (8:1 ), dons
espirituais (12 :1 ) e coleta para os santos
(16:1). Ê também possível que os corín­
tios tivessem feito perguntas a respeito
de Apoio (16:12).
Paulo também escreveu I Coríntios
para tratar de problemas na igreja corín-
tia, que haviam chegado ao seu conheci­
mento provindo de outras fontes. Ele
ouvira falar, por pessoas da família de
Cloé, que havia discórdia na igreja
(1:11). Provavelmente, também ouvira
falar de outras questões. Deve ter toma­
do conhecimento dos problemas por
meio das conversas com Estéfanas, For-
tunato e Acaico, coríntios que haviam
visitado Paulo em Éfeso, talvez para le­
var-lhe a carta (cf. 16:17). De qualquer
forma, Paulo trata de assuntos de grande
interesse para ele, contudo, não men­
cionados pelos próprios coríntios. Havia
um conflito de partidos na igreja (1 :10),
imoralidade (5:1; 6:12), querelas judi­
ciais (6:1 ), problemas quanto ao uso do
véu (11:2-16), desordem por ocasião da
Ceia do Senhor (11:17-22), e mal-enten­
didos com respeito à ressurreição (cap.
15). Portanto, a Primeira Epístola aos
Coríntios é tanto uma resposta a per­
guntas feitas pelos coríntios, como uma
interpretação de assuntos suscitados pelo
próprio Paulo.
Foi sugerido por Hurd que Paulo es­
creveu I Coríntios para esclarecer tanto
os ensinamentos que ministrara enquan­
to estava em Corinto como a sua carta
anterior, mencionada em 5:9. 1 Em uma
explosão de entusiasmo — de acordo
com Hurd — Paulo ensinara, em Corin­
to, um evangelho que enfatizava radical­
mente a liberdade, ao relacionar o evan­
gelho com vários assuntos. Porém, mais
tarde, quando escreveu a sua primeira
carta aos coríntios (5:9), ele recomen­
dou o “ decreto apostólico” e expressou
uma ênfase conservadora a respeito da
liberdade (cf. At. 15:20,29; 21:25). Os
coríntios, supostamente confusos, fize­
ram perguntas a Paulo a respeito dos
1 John Coolidge Hurd, Jr., The Origin of I Corinthians
(New York: Seabury: 1965), p. 213-296.
assuntos acerca dos quais ele mudara de
opinião em sua carta mencionada em
5:9. Paulo então escreveu I Coríntios,
que tinha o objetivo de expressar um
ponto de vista mais moderado do que ele
ensinara quando estava em Corinto pes­
soalmente, ou do que expressara ao es­
crever a carta mencionada em 5:9.
Porém, é bom que seja lembrado que
Paulo era cristão já havia, aproximada­
mente, vinte anos, quando escreveu I Co­
ríntios. Tinha passado um ano e meio
em Corinto. Não é mais provável que os
coríntios tivessem mudado depois que
Paulo saiu de Corinto, do que ter Paulo
mudado depois de ter saído?E não pode
ser que o “decreto apostólico” , a res­
peito do qual tão pouco se sabe, e que é
por si mesmo um problema de recons­
trução histórica, tivesse sido usado para
resolver a situação histórica que deu mo­
tivo a I Coríntios? A solução, provavel­
mente, não se encontra no “zelo excessi­
vo” ou espírito transigente de Paulo, mas
nos coríntios, que foram atraídos por
ensinamentos novos depois que Paulo
terminara o seu ministério naquela ci­
dade.
Outra sugestão é que, depois que Pau­
lo saiu de Corinto, os cristãos daquele
lugar sucumbiram diante de vários mes­
tres e vários ensinos. “Partidos” surgi­
ram em Corinto, ligados a alguns gran­
des mestres. Um grupo se devotava a
Apoio, que pregou ali depois que Paulo
se foi (16:12; At. 18:27,28). Presume-se
que as pessoas que seguiram Apoio advo­
gavam um cristianismo caracterizado por
“palavras persuasivas de sabedoria” (cf.
At. 18:24; ICor. 1:18-31). Recentemente
tem sido dito que Apoio foi o autor do
livro de Hebreus, que ele o enviou para a
igreja em Corinto, e que há semelhanças
entre o conteúdo de I Coríntios e He­
breus. Antes da volta de Paulo para
Éfeso, em seguida a uma viagem à Síria
(At. 18:19-19:1), Apoio foi de Éfeso para
Acaia (At. 18:27) e voltou a Éfeso, pos­
sivelmente antes que Paulo escrevesse
I Coríntios (cf. At. 19:1; I Cor. 16:12).
Apoio havia impressionado os coríntios
com a sua sabedoria, e alguns deles se
tomaram seus partidários, e declaravam:
“Eu sou de Apoio” (1:12; 3:4). Mas está
bem claro que Paulo não sentia nenhuma
tensão com respeito a Apoio. Tudo em
I Coríntios indica amizade entre esses
dois homens.
O segundo partido, supostamente,
está ligado a Cefas, ou Simão Pedro,
que, sem dúvida, era um dos homens
mais eminentes do movimento cristão
(1:12). Presume-se que Cefas e seus se­
guidores eram devotos da lei judaica de
forma que Paulo não era (cf. Gál. 2:11-
21). O partido de Cefas talvez estivesse
na mente de Paulo em II Coríntios 3:1-
18, onde há uma referência aos minis­
tros da velha aliança. Embora não haja
nenhum resquício de evidência direta de
que Pedro alguma vez esteve em Corin­
to, claro que é possível que ele tenha
estado. E, certamente, os seus seguido­
res poderiam ter chegado até lá. Contu­
do, de fato pouco, muito pouco se fala,
em I Coríntios, a respeito de quaisquer
oponentes de Paulo que estivessem enfa­
tizando grandemente a lei judaica. Muito
diferente, por exemplo, da Galácia.
O partido paulino, que é o terceiro
grupo, seria composto dos que ainda
eram leais a Paulo e à sua interpreta­
ção do evangelho. Este grupo teria ado­
tado a interpretação de Paulo a respeito
da lei judaica e de outros assuntos. Paulo
lamenta o partidarismo que o seu nome
evoca (cf. 1:12-17).
O quarto partido é considerado como
o partido de Cristo. O que se supõe que
eles criam? As opiniões são as mais va­
riadas: eles eram devotos radicais do
cristianismo judaico; eram gnósticos li­
bertinos; eram devotos de Deus, da li­
berdade e da imortalidade. Têm sido
feitas ainda outras sugestões: eram se­
guidores de Tiago, irmão do Senhor, ou
devotos do que Paulo condenava. É espe­
cialmente popular hoje em dia a identifi­
cação do partido de Cristo com os gnós­
ticos.
 Alguns estudiosos — coisa incrível —
têm declarado que a expressão “Eu sou
de Cristo” , em 1:12, é uma glosa, e foi
introduzida na carta mais tarde, por
outra pessoa, e não escrita por Paulo.
Mas a frase “ Será que Cristo está divi­
dido?” , em 1:13, torna difícil crer-se
que a expressão “Eu sou de Cristo” não
fizesse parte da carta originalmente. Ou­
tros sugerem que “Eu sou de Cristo”
fosse o ponto de vista de algumas pessoas
que rejeitavam os três partidos que ha­
viam surgido em Corinto, ou o ponto de
vista do próprio Paulo. Todos os esfor­
ços para estabelecer um partido de Cristo
são marcados por diferentes graus de
desespero.
É impossível isolar quatro partidos
teológicos separados, baseando-se em
I Coríntios. E, a introdução dos textos
das outras cartas de Paulo no assunto
desse debate, só parece ter aumentado a
confusão. Por exemplo, os adversários
em I Coríntios não são, necessariamente,
os mesmos adversários de II Coríntios.
Visto que é impossível identificar os qua­
tro partidos, ou mesmo três deles, com
certeza, é melhor dar uma explicação al­
ternativa.
Provavelmente, surgiram divisões em
Corinto que se apegavam a líderes notá­
veis. Conseqüentemente, Paulo mencio­
na os nomes deles. Mas não há evidên­
cias suficientes para se concluir que ha­
via quatro grupos teológicos distintos na­
quela igreja. A preocupação de Paulo
é refutar o espírito de partidarismo na
igreja, que ocasionara a criação de fric­
ção e de “panelinhas” teológicas na mes­
ma (cf. 1:13). Ele dirige a sua atenção
a toda a igreja, em I Coríntios 1-4.
Está se opondo a uma tendência existen­
te em toda a igreja, e não lutando contra
partidos separados.
Provavelmente, a melhor interpretação
da ocasião em que I Coríntios foi escrita
é que Paulo a escreveu depois de ter
notícias dos crescentes avanços de uma
forma gnóstica-espiritualista de se inter­
pretar a fé cristã. Havia surgido em Co­
rinto, depois de sua partida, uma ênfase
na gnósis (conhecimento), que era uma
ameaça ao autêntico evangelho apostóli­
co, arraigado no ministério, crucificação
e ressurreição de Cristo. Emerge em Co­
rinto um orgulho por essa sabedoria ou
conhecimento, uma exigência inflexível
de liberdade de expressão, insensibilida­
de quanto aos outros e uma ênfase nas
coisas “espirituais” , que é uma contra­
dição do evangelho. Os coríntios se tor­
naram convencidos, deixando de inter­
pretar a liberdade em termos de amor.
Porém precisa ser enfatizado que não
há evidências obrigatórias que identifi­
quem as tendências “gnostizantes” , em
Corinto, com uma teologia gnóstica de­
senvolvida. Os eruditos ainda não tive­
ram êxito em demonstrar a existência, na
época de Paulo, da espécie de sistemas
gnósticos que podem ser identificados no
segundo século d.C.
Definindo o gnosticismo: O seu nome
deriva da palavra grega gnósis, que sig­
nifica conhecimento. Era um movimento
religioso complexo, sincretista, que sur­
giu claramente em formas mais ou menos
sistemáticas, no segundo século d.C. Ele
procurava explicar a origem do mal e
julgar a condição humana. Enfatizava a
redenção através da revelação do conhe­
cimento místico. A salvação veio quando
a flama da substância divina no homem
foi liberada da sua prisão em um mundo
mau e voltou ao seu lugar no ser divino.
Qual é a evidência de que Paulo está
se opondo a uma interpretação gnóstica
da fé cristã? Ele usa a palavra traduzida
como conhecimento (gnósis) 16 vezes em
I e II Coríntios. Isto é quase três vezes
mais do que ele a usa em todas as suas
outras cartas juntas, e, certamente, in­
dica que a compreensão correta do co­
nhecimento, palavra favorita dos gnósti­
cos, era um problema em Corinto. O ad­
jetivo “espiritual” (pneumatikos) ocorre
14 vezes em I Coríntios, e, em todas as
suas outras cartas, apenas nove vezes.
Pneumatikos era uma palavra favorita
dos gnósticos. Em 1:17 e 2:2, Paulo se
opõe a uma sabedoria especulativa, eso­
térica, que minimiza a cruz de Cristo
(a sua ignominiosa morte) e o seu poder
redentor. Em 4:8, Paulo critica os corín-
tios agudamente, por viverem como se o
reino de Deus já tivesse chegado. Em
6:12, “Todas as coisas me são lícitas”
aponta para um libertinismo, uma falta
de atenção pelo uso adequado do corpo,
dizendo que ele é perecível. E a atitude
ascética em relação ao casamento, no
capítulo 7, pode ser uma indicação de
uma interpretação gnóstica contrária. Os
gnósticos ascéticos e libertinos viveram
no segundo século d.C. Em 8:1-3, Paulo
subordina o conhecimento ao amor, e
insiste que o conhecimento cristão não se
alegra em uma liberdade insensível, com
o objetivo de auto-afirmação, com falta
de atenção para com os outros. E em
10:23, o genuíno conhecimento é men­
cionado por Paulo, que diz que ele edifi­
ca os outros, e não se expressa com in­
diferença para com eles. A expressão
“Jesus é anátema!” , em 12:3, pode ser
interpretada como uma ênfase gnóstica
exagerada, no Cristo exaltado, e um des­
prezo do Jesus humano. O desinteresse
na ressurreição como evento futuro e
desinteresse no corpo da ressurreição
também dão crédito a uma interpretação
gnóstica (cap. 15).
Rudolf Bultmann explica a teologia
paulina em termos de um gnosticismo
que se insinuou nas congregações cris­
tãs através de um judaísmo helenista
sincretista. 2 Walter Schmithals3 e Ul-
rich Wilckens 4 encontram uma cristolo-
gia gnóstica entre os adversários de Pau­
lo em I Coríntios. Mas as tendências
“gnostizantes” não são suficientes para
substanciar um sistema desenvolvido de
teologia. Só podemos dizer que I Corín­
tios revela um ponto de vista gnostizante
2 Theology of the New Testament (N ew Y ork: S c rib n e r’s,
1954).
3 Die Gnosis in Korint (G o ettin g en : V an d en h o ec k a n d
R u p re c h t, 1965, 2 a ed.).
4 Weisheit und Torheit (T u e b in g en : J. C. B. M o h r (P a u lo
Siebeck) 1959, p. 205-213.
da parte de alguns dos adversários de
Paulo em Corinto. Se a tendência gnós­
tica é judaica ou helénica, é difícil de
julgar. De qualquer forma, não nos sen­
timos livres para falar do gnosticismo em
Corinto, mas apenas de tendências gnós-
ticas. 5
Alguns estudiosos preferem não iden­
tificar a oposição a Paulo em Corinto
com o gnosticismo, nem mesmo na forma
bem limitada sugerida acima. De fato, se
essa identificação for uma identificação
exagerada, precisamos confessar que não
se pode delinear de maneira exata que a
oposição de Paulo, em Corinto, podia ser
exercida à luz do nosso presente co­
nhecimento.
IV. A Correspondência com os
Coríntios
Sem dúvida, a menção que Paulo faz
de uma carta anterior, em I Coríntios
5:9, levou os eruditos a empreender a
tarefa de isolar essa carta, ou partes dela,
no contexto de I e II Coríntios. Durante
mais de 90 anos se fizeram esforços para
encontrar várias cartas. 6 Atenção es­
pecial merecem os vários arranjos das
cartas aos coríntios feitos por Johannes
Weiss, Maurice Goguel, Walter Schmi­
thals e Jean Héring — que de maneiras
diferentes identificam passagens, de
acordo com as suas opiniões, para cons­
tituir de duas a seis cartas. Visto que é
difícil crer que os coríntios teriam per­
dido ou destruído a carta mencionada
em I Coríntios 5:9, é compreensível que
os estudiosos se esforcem por identificar
várias cartas dentro das duas cartas que
conhecemos. Porém a grande maioria
dos eruditos não é convencida por essas
várias divisões. De fato, I Coríntios pode
ser esboçada com mais facilidade do que
5 Se d esejar u m a d ec laraç ão ju d ic io sa a resp eito do g n o s­
ticism o e o Novo T e stam en to , co n su lte, de R. M cL.
W ilson, Gnósis and the New Testament (P h ila d elp h ia:
F o rtress P ress, 1968)
6 P a ra inform açõ es ac erca d este assu n to , em ad içào a
m uitos ou tro s, co n su lte H u rd , op. cit.
a maioria das outras cartas de Paulo.
Não há base adequada para se encontrar
mais de uma carta em I Coríntios. O pro­
blema de se encontrarem várias cartas
em II Coríntios precisa ser estudado em
um comentário a essa carta.
V. A Autenticidade da Carta
‘ Mui poucos estudiosos chegaram a ne­
gar a autenticidade de I Coríntios. Em 96
d.C., uma carta, I Clemente, foi enviada
da igreja em Roma para Corinto, e ela
contém citações e alusões a I Coríntios.
Inácio (c. 35-c. 107 d.C.) muitas vezes
faz eco à linguagem dessa carta. Citações
são encontradas na obra de Justino M ár­
tir (c. 100- c. 165), Diálogo com Trifo.
Irineu(c. 130-C.200) e Tertuliano(c. 160-
c. 220) também a mencionam. Nenhum
livro do Novo Testamento tem confirma­
ção mais. eloqüente. Também não há
nenhuma dúvida de que Paulo é o seu
autor.
VI. Data
Paulo estava pregando em Corinto em
51 d.C. (cf. At. 18:12). Saiu de Corinto,
provavelmente, em 51 ou 52. Esteve em
Éfeso durante menos de três anos (cf. At.
19:8-10; 20:31). Portanto, I Coríntios foi,
provavelmente, escrita em 54 ou 55. Al­
guns eruditos acham que 5:7 é uma
indicação de que Paulo escreveu na épo­
ca da Páscoa.
VII. A Ordem dos Eventos
O ministério de Paulo, em Corinto,
e a sua correspondência com a igreja, ali,
podem ser esquematizados como se se­
gue: (1) Ele vai a Corinto na chamada
segunda viagem missionária e é ajudado
na obra, ali, por Ãqüila e Priscila, Silas e
Timóteo (cf. At. 18:1-5). (2) Depois de
um ministério de um ano e meio em
Corinto, Paulo empreende um ministério
de três anos em Éfeso (cf. At. 19:1-20:1).
(3) Enquanto esteve em Éfeso, escreveu a
carta mencionada em I Coríntios 5:9.
(Alguns estudiosos acham que II Corín­
tios 6:14-7:1 é um fragmento dessa car­
ta.) (4) A carta não obtém sucesso, e
Paulo recebe um relatório adicional a
respeito da situação em Corinto (1:11;
16:17,18). (5) Paulo então escreve a carta
que chamamos de I Coríntios. (6) Ela
não consegue alcançar os objetivos de
Paulo, e ele faz uma visita a Corinto
(II Cor. 2:1; 12:14,21; 13:2). (7) Em
seguida, ele escreve uma carta severa
(II Coríntios 2:4; 7:8,9). (Alguns estu­
diosos acham que parte dessa severa
carta está em II Coríntios 10-13; se não
for assim, ela está perdida para nós.)
(8) Depois de ouvir boas notícias de Co­
rinto (IlCor. 7:5-13), Paulo escreve II
Coríntios (pelo menos II Coríntios 1-9).
Portanto, Paulo envia pelo menos quatro
diferentes cartas a Corinto, e nós temos
pelo menos duas delas.
O esboço de I Coríntios faz com que
seja relativamente fácil apresentar-se um
esquema dos seus temas mais importan­
tes.
Problema de divisões (1:10-4:21) —
Desde a partida de Paulo, os coríntios
começaram a manifestar a espécie de
espírito beligerante, que criaria facções
endurecidas, se elas fossem deixadas
sem repressão. O orgulho se manifesta
na forma de sabedoria esotérica, que
não leva a sério a sabedoria da cruz.
Ao considerar o problema de divisões na
igreja, especialmente nos capítulos 3 e 4,
Paulo faz uma exposição do seu ministé­
rio e uma defesa do seu apostolado.
Problema de um membro da igreja que
é imoral (5:1-13) — Parece que um mem­
bro da igreja está vivendo com a sua
madrasta, sem ter-se casado com ela,
embora isso não esteja absolutamente
claro. Tanto a lei judaica como a roma­
na proibiam essa união. Paulo faz a
igreja lembrar que é de sua obrigação
submeter esse homem à disciplina. O in­
dicativo dos assuntos da salvação de
Deus fundamenta-se no imperativo da
obediência do homem. Precisa haver, na
vida diária do crente, uma apropriação
infindável da graça de Deus, através
de uma fé obediente.
Problema de processos judiciais (6:1-
11) — Paulo insiste que os crentes lutem
por evitar mal-entendidos que requeiram
solução judicial. É melhor sofrer o dano
nas mãos de um irmão em Cristo do que
precisar pedir a um não crente para
decidir o caso.
Problema do uso adequado do corpo
(6:12-20) — Paulo estabelece a com­
preensão adequada a respeito da conduta
sexual, visto que apresenta um exemplo
de conduta imprópria em 5:1-13. Visto
que o corpo é a expressão externa de uma
pessoa, o que ela faz ao seu corpo, faz
à sua personalidade ou eu. Visto que o
corpo, transformado, voltará à vida por
ocasião da ressurreição, a imoralidade
sexual danifica a personalidade ou ínti­
mo dos que se envolvem com ela. O corpo
é o templo do Espírito Santo.
Perguntas a respeito do casamento (7:
1-40) — Paulo refere-se a problemas
específicos (Consulte o esboço de I Co-
ríntios). A sua atitude para com o casa­
mento é conservadora, mas não depre-
ciadora. Ele crê que a maioria das pes­
soas precisa da expressão sexual que o
casamento se propõe a propiciar. Mas
por causa da iminente segunda vinda e
dos cuidados que o casamento ocasiona,
Paulo prefere o celibato para os que,
como ele, possuem esse dom.
Perguntas a respeito da liberdade cris­
tã (8:1-11:1) — Embora o problema es­
pecífico que está em discussão sejam os
alimentos sacrificados a ídolos, o assunto
é mais amplo: da liberdade cristã. Paulo
enfrenta três interrogações, que emer­
gem com o problema. Elas se referem
à compra de carne que foi sacrificada aos
ídolos, refeições em casas particulares
de amigos não-crentes, e banquetes reali­
zados em templos pagãos. Vem à tona,
em 8:1-3, a caracterização feita por Pau­
lo acerca de conhecimento e amor, que
demonstra que a liberdade cristã é tem­
perada, em sua expressão, pelo amor
cristão. O exercício que Paulo faz, do
princípio enunciado em 8:13, que é ba­
seado no amor, é feito devido ao interes­
se pelos outros.
Em 10:1-13, o apóstolo emprega uma
lição do Velho Testamento, para indicar
a importância da obediência às exigên­
cias de uma fé madura. Visto que, na
adoração de Israel, aqueles que parti­
cipam dos sacrifícios participam dos be­
nefícios dos mesmos sacrifícios, e visto
que os demônios estão presentes nas fes­
tas pagãs, em seus templos, Paulo re­
comenda que os coríntios não participem
de festas nos templos pagãos. Ele reitera
o fato de que a liberdade se expressa em
interesse amoroso pelos outros.
Perguntas a respeito do culto cristão
(11:2-14:40) — Três problemas são dis­
cutidos: o uso do véu, pelas mulheres,
durante o culto (11:2-16), a conduta du­
rante a Ceia do Senhor (11:17-34), e o
exercício dos dons espirituais (12:1-14:
40). Paulo recomenda que as mulheres
ajam conservadorafflente e usem o véu,
lembrando a sua subordinação, que está
arraigada na criação, e a sua elevação a
uma condição igual à do homem na re­
denção. A Ceia do Senhor não é uma
apólice de seguro mágica contra o juízo
divino. É, isto sim, uma ocasião para
que a igreja expresse comunhão com
Cristo e os membros uns com os outros,
enquanto se lembra do significado da
vida, morte, ressurreição e volta de Cris­
to.
No capítulo 12, Paulo indica que, as­
sim como há muitas partes diferentes em
um corpo físico, também há muitos cren­
tes que formam um só corpo em Cristo,
todos eles com várias funções. Todos os
seus diferentes dons são dons do Espírito
Santo. O amor é o dom que sublinha to­
dos os dons do Espírito Santo, porque ele
é a base do evangelho e define o próprio
Deus (cap. 13). É verdadeiramente um
dom escatológico, que assim mesmo os
homens podem exercer em sua vida pre­
sente. No capítulo 14, Paulo assevera que
a profecia é um dom que deve ser enco­
rajado, porque ajuda a toda a igreja,
enquanto falar em línguas tem valor ape­
nas para as pessoas que possuem esse
dom, a não ser que estejam presentes
intérpretes, para interpretar a mensagem
àqueles que não possuem esse dom.
O problema da ressurreição de Cristo
e dos crentes (15:1-58) — Alguns dos
coríntios negam a validade da crença
numa futura ressurreição e num corpo da
ressurreição. Paulo relembra a tradição
histórica da morte e ressurreição de Cris­
to. O Senhor ressuscitado aparecera a
muitas testemunhas, inclusive a Paulo.
Ele insiste na realidade de um novo corpo
da ressurreição para os crentes, e declara
que a ressurreição de Cristo nos dá a
certeza da ressurreição do crente. O cren­
te que morre recebe um novo corpo por
ocasião da ressurreição. Os crentes se­
rão as mesmas pessoas, com corpos
transformados. Ao mesmo tempo, no
futuro, a ressurreição ocorrerá, e os cren­
tes, tanto os vivos como os mortos, rece­
berão novos corpos, que serão adequa­
dos para que eles vivam na própria pre­
sença de Deus.
Perguntas a respeito da oferta para os
santos (16:1-4) — A oferta para os cris­
tãos pobres de Jerusalém era muito im­
portante para Paulo, como o indica II
Coríntios 8 e 9. A oferta coletada nas
igrejas de Paulo demonstra o amor e a
unidade do povo que Deus reunira em
Cristo. Não indica nenhuma primazia
eclesiástica da igreja em Roma.
Planos de viagem (16:5-11) — Paulo
espera visitar Corinto, passar algum tem­
po ali, e prosseguir com novos empreen­
dimentos missionários. Evidentemente,
isso foi o que ele fez (cf. Rom. 15:25-27).
Perguntas a respeito de Apoio (16:12)
— Parece que Paulo e Apoio eram bons
amigos. Apoio ministrou em Corinto de­
pois da partida de Paulo (cf. At. 18:27-
19:1). Não há nenhuma evidência de que
Paulo e Apoio se sentissem rivais.
Exortações, saudações e bênçãos (16:
13-24) — Paulo não menospreza a im­
portância das outras pessoas que tra­
balharam na causa de Cristo, e se haviam
unido com ele e com os coríntios na pro­
clamação do evangelho de Deus (cf.
Rom. 16). O amor de Deus reivindica
de Paulo, e o amor de Paulo reivindica de
todos os coríntios.
A peculiaridade de I Coríntios está no
fato de que essa carta revela Paulo apli­
cando o evangelho a assuntos da vida
quotidiana. A fé que Paulo tem é no
Deus que age decisivamente em favor da
salvação do homem em Cristo Jesus.
Em I Coríntios aprendemos que a fé »
cristã inclui não apenas dedicação a
Deus, em Cristo, mas reflexão a respeito
do que significa essa dedicação em refe­
rência às afirmações teológicas e éticas,
na vida diária dos crentes, no mundo
atual.
A fé cristã significa observações teo­
lógicas não apenas a respeito de Deus
(8:4-6; 15:28), mas também a respeito de
Cristo. Jesus é a dádiva de Deus para
os homens. Todas as coisas vieram à
existência através dele (8:6; cf. 10:4).
Morrendo na cruz (1:18), ele é ressusci­
tado dentre os mortos (15:4). Vencedor
dos poderes demoníacos (2:6; 15:25-28),
ele voltará, para completar a sua con­
quista e revelar o seu triunfo (1:7; 4:5).
Os que pela fé vivem em Cristo partici­
pam da salvação, que é o dom de Deus
(6:15,20; 7:23; 12:12). Vivendo em Cris­
to, mediante a fé, os crentes viverão com
Cristo depois que forem ressuscitados,
por ocasião do segundo advento (15:22).
A fé cristã, que é entendida cristolo-
gicamente, abrange também observações
éticas. Antes de tudo, a vida cristã é
vivida escatologicamente, com a cons­
ciência das reivindicações de Deus e com
a certeza do futuro. Paulo deixa isso bem
claro, em uma passagem notável (7:29-
31), quando afirma que a reivindicação
final sobre o homem não é a vida neste
mundo, mas esta vida vivida no reino de
Deus, que não passará. A cuidadosa
exposição a respeito da ressurreição, no
capítulo 15, leva a um grande “portanto”
final, que dá lugar ao imperativo da
devoção cristã. A escatologia é um es­
tímulo para a vida cristã, e não um fator Esboço de I Coríntios
de ansiedade.
A fé cristã inclui uma vida obediente. I. Introdução (1:1-9)
A Primeira Epístola aos Coríntios deixa
bem claro que a fé cristã é uma fé 1. Destinatário (1:1-3)
2. Ação de Graças (1:4-9)
obediente, que se renova em cada opor­
tunidade e cada decisão. A obediência II. O Problema das Divisões
não é opcional, no pensamento de Paulo. (1:10-4:21)
O indicativo da ação de Deus abre as
1. Divisões e a Sabedoria
portas para o imperativo da obediência
(1:10-17)
do homem. Repetidamente, no decorrer
2. Judeus e Gregos e a Sabedoria
desta carta, Paulo reclama uma fé que
(1:18-25)
seja obediente às reivindicações morais
3. A Igreja em Corinto e a Sabe­
de Deus e do próximo (10:31; 16:14;
doria (1:26-31)
cf. Rom. 6:12-19).
4. Paulo e a Sabedoria (2:1-5)
A fé cristã se manifesta em amor cris­
5. Os Crentes e a Sabedoria
tão. A maneira pela qual a fé se mani­
(2:6-16)
festa no mundo é através do amor.
6. Os Crentes Imaturos e a Sabe­
0 amor aparece primeiramente em 2:9,
doria (3:1-4)
vem à tona em 8:1-3, é uma corrente
7. Os Apóstolos e a Sabedoria
subterrânea nos capítulos 9 a 12 e volta
(3:5-17)
à tona de maneira plena no capítulo 13.
8. Os Apóstolos e a Sabedoria de
Em nenhuma outra carta Paulo demons­
Deus (3:18-23)
tra tão claramente a primazia do amor.
9. Os Servos de Cristo e a Sua
Em I Coríntios, o amor não é meramente
O bra (4:1-5)
uma emoção, mas uma forma de se viver
10. Os Coríntios e Seus Apóstolos
diante de Deus e com o homem.
(4:6-13)
A fé cristã se expressa na comunidade. 11. Os Coríntios e o Apóstolo
As pessoas não são salvas em isola­
Paulo (4:14-21)
mento, mas em comunidade, servindo a
Deus e ao próximo. A igreja é uma co­ III. O Problema de um M embro Imo­
munhão, de acordo com I Coríntios, que ral da Igreja (5:1-13)
ordena a sua vida pelo Espírito de Deus,
IV. O Problema de Processos Judiciais
e não mediante uma estrutura eclesiásti­
( 6 : 1- 11 )
ca rígida. Não os homens, mas o Espírito
Santo é que dá ordem à sua vida e evoca V. O Problem a do Uso Adequado do
a espontaneidade da adoração em comu­ Corpo (6:12-20)
nidade. Pode-se procurar, mas será em
VI. Perguntas a Respeito do Casamen­
vão, uma hierarquia eclesiástica em
to (7:1-40)
1 Cpríntios. A comunidade é sustentada
pelo Espírito. 1. Casamento e Sexo (7:1-7)
Cristologia — escatologia — obediên­ 2. Os Solteiros e os Viúvos
cia — amor — comunidade — liberdade (7:8-16)
— estes temas, com especial atenção 3. Casamento e Vocação
para a cruz, são a textura de I Coríntios. (7:17-24)
Enquanto a igreja procurar ajuda para 4. Quanto aos Solteiros (7:25-35)
viver a sua vida em épocas de pressão, 5. Noivado e casamento
considerará esta carta de Paulo como (7:36-38)
um tesouro. 6. Quanto às Viúvas (7:39,40)
VII. Perguntas a Respeito da Liberda­
de Cristã (8:1-11:1)
1. Conhecimento, Amor e ídolos
( 8 : 1- 6 )
2. A Liberdade Cristã e o Irmão
Fraco (8:7-13)
3. Privilégios de um Apóstolo
(9:1-6)
4. O Sustento de um Apóstolo
(9:7-14)
5. A Renúncia de um Apóstolo
(9:15-23)
6. A Disciplina da Liberdade
Cristã (9:24-27)
7. A Liberdade Cristã e Obediên­
cia Moral (10:1-13)
8. A Liberdade Cristã e a Co­
munhão à Mesa (10:14-22)
9. Sumário da Liberdade Cristã
(10:23-11:1)
VIII. Perguntas a Respeito da Adoração
Cristã (11:2-14:40)
1. O Uso do Véu Pelas Mulheres
Durante o Culto (11:2-16)
2. A Conduta Durante a Ceia do
Senhor(ll:17-34)
3. O Exercício dos Dons do Espí
rito Dados à Igreja
(12:1-31)
4. A Primazia do Amor (13:1-13)
1 ) Vida sem Amor (13:1-3)
2) Vida em Amor (13:4-7)
3) A Permanência do Amor
(13:8-13)
5. Profecia e Línguas e o Culto
de Adoração (14:1-40)
1) Teste de Interesse Social
Inteligente (14:1-25)
2) Teste de Domínio Próprio
(14:26-36)
3) Teste de Decência e Ordem
(14:37-40)
IX. O Problema da Ressurreição de
Cristo e dos Crentes (15:1-58)
1. A Tradição Histórica
(15:1-11)
2. A Importância da Ressurrei­
ção (15:12-19)
3. A Ordem dos Acontecimentos
(15:20-28)
4. Batismo Pelos Mortos
(15:29-34)
5. O Corpo da Ressurreição
(15:35-50)
6. O Mistério do Fim dos Tem­
pos (15:51-58)
X. Exortações, Assuntos Pessoais e
Bênção Finais (16:1-24)
1. Coleta Para os Santos (16:1-4)
2. Planos de Viagem (16:5-12)
3. Exortações, Saudações e Bên­
ção (16:13-24)
Bibliografia Selecionada
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Comentário Sobre o Texto
I. Introdução (1:1-9)
1. Destinatário (1:1-3)
1 P a u lo , c h a m a d o p a r a s e r ap ó sto lo de
Je s u s C risto p e la v o n ta d e d e D eu s, e o irm ã o
Sóstenes,
2 à ig r e ja d e D eu s qu e e s tá e m C orinto,
ao s sa n tific a d o s e m C risto J e s u s , c h a m a d o s
p a r a s e r e m s a n to s, com todos o s q u e e m
todo lu g a r in v o c a m o n o m e de n o sso S enhor
J e s u s C risto p e la v o n ta d e d e D eu s, e o irm ã o
3 G ra ç a s e ja convosco, e p a z , d a p a r te de
D eus, nosso P a i, e do S en h o r J e s u s C risto .
ROBERTSON, ARCHIBALD, and
PLUMMER, ALFRED. A Critical
and Exegetical Commentary on the
First Epistle of Saint Paul to the Co­
rinthians. (“ International Critical
Commentary.”) New York: Charles
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ZUNTZ, G. The Text of the Epistles.
London: Oxford University Press,
1953.
A saudação de uma carta particular
grega segue o padrão: O remetente faz
a sua saudação ao destinatário. Paulo
segue este procedimento, mas, em vez
de usar a saudação grega charein (sau­
dação), emprega as palavras graça e paz,
para expressar o significado cristão da
epístola. Muitas vezes, em uma carta
particular grega, a informação de que o
remetente está orando pelos que recebe­
rão a carta segue-se à saudação. Nas
cartas de Paulo, freqüentemente o que se
segue é uma expressão de ação de gra­
ças. Os versículos 4 a 9 do capítulo 1
compreendem a ação de graças em I Co-
ríntios. Precisa ser enfatizado que as
cartas de Paulo não são particulares, mas
apostólicas. São escritas em virtude de
sua autoridade e servem para levar avan­
te a causa de Cristo.
A palavra chamado é erradamente
omitida nos manuscritos A e D. A ex­
pressão com todos os que em todo lugar
invocam o nome de nosso Senhor Jesus
Cristo é considerada, por algumas pes­
soas — mas sem base suficiente — como
adição editorial, para mostrar a relação
da carta com a Igreja universal. Prova­
velmente, Paulo usa esta expressão para
lembrar, aos coríntios, os laços que
uniam a igreja em Corinto com as outras
congregações ao redor do mundo.
Paulo é chamado, juntamente com to­
dos os outros crentes, para a salvação
(cf. 1:24,26). A sua opinião é que Deus
chama os homens, em Cristo, através dos
seus próprios meios, para cumprir o seu
propósito. Paulo não é homem que se fez
sozinho; ele apenas respondeu ao cha­
mado de Deus. O chamado de Deus é
mais do que um convite para a sua graça;
é uma conclamação para o cumprimento
do seu propósito.
Paulo é também um apóstolo, alguém
enviado em favor de outrem. A sua auto­
ridade de apóstolo é derivada do seu
chamado, e não de si mesmo. A sua vo­
cação provém do seu Deus, e não da
comunidade (cf. Gál. 1:1). O seu direito
de falar e de ser ouvido se baseia no
fato de que ele é um apóstolo de Jesus
Cristo. Como apóstolo, é tanto chamado
como enviado. Paulo usa a palavra
“apóstolo” para referir-se aos doze discí­
pulos (15:5,7), para designar os que ha­
viam visto o Senhor ressurrecto (Gál.
1:16) e para referir-se a pessoas que
eram notáveis, por terem ajudado a dis­
seminação do evangelho (Gál. 1:19;
I Cor. 9:5,6; Rom. 16:7).
A origem da palavra “apóstolo” , da
maneira como é usada nas cartas de
Paulo, é incerta. Devido ao seu uso em
conexão com um mensageiro, tem sido
afirmado que o sentido de apóstolo pro­
vém de antecedentes judaicos, da pala­
vra shaliach, significando o representan­
te temporário, comissionado pelas auto­
ridades judaicas, e que agia com plenos
poderes, em nome dos que o haviam
enviado.
Recentemente, tem sido dito que a
palavra apóstolo deve ser pesquisada,
quanto às suas origens, no uso que dela
se fazia no movimento missionário gnós-
tico pré-cristão, no meio do gnosticismo
judeu ou judaico-cristão na Síria. Isto
significaria que o conceito original da
palavra que está por detrás do uso que
Paulo faz dela é gnóstico. Esta opinião
é difícil de ser sustentada à luz de I Co­
ríntios 15:7 e Gálatas 1:17, passagens
que parecem referir-se claramente à mais
antiga comunidade, em Jerusalém.
Outra possibilidade é que o significado
da palavra apóstolo tenha surgido essen­
cialmente dentro da própria comunida­
de cristã. Jesus enviou emissários (Luc.
9:48; 24:47,48; João 17:18; 20:21; Mat.
28:19,20). Paulo enfatiza ter visto o Se­
nhor ressurrecto, de ter recebido orde­
nação diretamente dele e de ter cumprido
0 ministério de apóstolo (Gál. 1:1,16;
1 Cor. 9:1; 15:7-9; II Cor. 10-13). De
maneiras importantes, o apóstolo Paulo é
semelhante ao profeta do Velho Testa­
mento, que tinha um chamado de Deus e
uma mensagem para entregar (cf. Jer.
1:4-19; 4:19-22; 15:16-20).
Provavelmente, o ofício judaico de sha­
liach foi transformado, na comunidade
primitiva cristã, no de apóstolo, que é
ordenado, pelo Senhor ressurrecto, como
missionário e proclamador permanente
do evangelho de Cristo.
O ministério de Paulo tem lugar pela
vontade de Deus. A expressão Cristo
Jesus reúne a pessoa (Jesus) e a sua obra
salvadora (Cristo). A carta é enviada por
alguém que é enviado por Cristo. Quan­
do Paulo emprega a palavra irmão em
referência a Sóstenes, a quem ele associa
consigo próprio, nesta carta, usa uma
palavra empregada na vida religiosa ju­
daica e grega (cf. II Macabeus 1:1).
Jesus a usa para referir-se aos que fazem
a sua vontade (Mar. 3:35). Os crentes
são irmãos porque foram adotados na
mesma família de Deus, através de Cristo
(cf. Rom. 1:13). Sóstenes pode ser a
pessoa mencionada em Atos 18:17. Ele e
Paulo não são co-autores, mas coopera-
dores.
Paulo dirige a sua carta à igreja de
Deus. A palavra igreja relembra a assem­
bléia de Deus mencionada na Septuagin-
ta em Deuteronômio 23:2-4. Jesus usou
esta palavra em Mateus 16:18 em sentido
universal, e, em Mateus 18:17, em senti­
do local. Paulo também a usou em am­
bos os sentidos: em sentido local, como
aqui, e para todos os fiéis, como em 15:9.
Os gregos a usavam para referir-se a
qualquer assembléia secular (cf. At. 19:
32,41). No pensamento de Paulo, a Igre­
ja é o povo de Deus reunido em Jesus
Cristo. A igreja de Deus é uma cui­
dadosa recordação, para os coríntios, de
que a Igreja pertence a Deus, e não ele
à Igreja. Esta frase remove toda a tira­
nia humana do controle da Igreja.
A Igreja não pertence ao povo.; é o povo
que pertence à Igreja; e esta, a Deus.
Aos santificados é uma referência à
santidade ou consagração concedida ao
povo de Deus. A Igreja é entidade se­
parada, para servir a Deus. É uma co­
munidade de dedicação. Santificados re­
fere-se a uma nova condição de pessoas,
que são consagradas a Deus. Santifica­
ção é dom de Deus, e não coisa que o
homem alcançou por seus próprios meios
(cf. 6:11). Não obstante, requer-se dos
santificados que também transformem a
sua posse de consagráção em um alvo
(cf. II Cor. 7:1). Santificação é tanto
condição quanto progresso na vida cristã.
A igreja em Corinto é descrita como os
que são chamados para serem santos,
pessoas separadas, pela vocação de Deus,
para o serviço a Deus, enquanto se en­
tregam em obediência a Deus, em Cristo
(cf. Rom. 1:7; Êx. 19:6). Paulo é “cha­
mado para ser apóstolo” e os coríntios
são “chamados para serem santos” .
A palavra “chamado” é um adjetivo.
Paulo faz os coríntios se lembrarem de
que eles estão ligados, na unidade da fé,
com todos os que em todo lugar invocam
o nome de nosso Senhor lesus Cristo.
Eles não estão sozinhos na terra, mas
ligados aos fiéis em todo o mundo. A
Igreja se estende até onde o chamado de
Deus é ouvido e atendido por fé. Por
outro lado, Paulo pode estar dizendo que
os cristãos em Corinto são chamados
para uma vida de santidade, juntamente
com os cristãos de toda parte (cf. II Cor.
1:1). Ê interessante que Paulo nunca usa
a palavra “cristão” , usada pela primeira
vez em relação à igreja em Antioquia
(At. 11:26) em qualquer uma de suas
cartas. As expressões Cristo Jesus e Je­
sus Cristo não são diferenciadas facil­
mente.
Senhor é tradução da palavra grega
kurios, usada na Septuaginta para tra­
duzir a palavra hebraica conhecida, hoje,
como Yahweh. Ela é empregada também
no primeiro século d.C. na Síria, Egito
e Ãsia, como designação dos deuses das
seitas pagãs. Paulo refere-se ao fato de
que, através do mundo, os homens têm
muitos senhores (cf. 8:5). A petição Ma-
ranatha, que se traduz como “Vem, nos­
so Senhor!” é aramaica, a língua da
comunidade mais antiga dos cristãos ju ­
deus (16:22).
Falar de Jesus como Senhor é procla­
mar que ele é o dominador do mundo e
mediador do relacionamento do homem
com Deus. O título nosso Senhor Jesus
Cristo provavelmente se originou nas
igrejas gentias helénicas, como uma atri­
buição de adoração (cf. 8:6). Jesus dá
testemunho de uma vida histórica; Se­
nhor se relaciona com a adoração; e
Cristo afirma a obra salvadora.
Graça é a generosidade de Deus, ines­
perada e imerecida. Paz, considerada
como dom da era messiânica, é vida em
harmonia com o propósito de Deus e é
baseada em uma reação favorável à sua
graça. Graça fala da ação de Deus em
favor do homem. Aponta para Deus, e
de Deus para o homem. Fala não apenas
da atitude de Deus, mas dos seus dons,
ou seja, suas dádivas. Paz fala da con­
dição do homem depois que Deus agiu
em seu favor e ele correspondeu. Paulo
assevera que graça e paz são dons de
Deus e de Cristo, que estão separados um
do outro, e, no entanto, ligados um ao
outro. Enquanto Deus é mencionado
como Pai, no Antigo Testamento (Sal.
103:13), é Jesus quem apresenta o título
fundamental para uma devida compreen­
são de Deus (Mat. 6:9; Mar. 14:36).
Ao falar de Deus como Pai, Paulo está
seguindo Jesus e estabelecendo uma com­
preensão de Deus em termos de amor,
autoridade e obediência.
2. Ação de Graças (1:4-9)
4 S em p re dou g r a ç a s a D eu s p o r vós, p e la
g ra ç a de D eus q ue vos íol d a d a e m C risto
J e s u s ; 5 p o rq u e e m tudo fo ste s en riq u e cid o s
nele, e m to d a p a la v r a e e m todo o c o n h eci­
m ento, 6 a s s im com o o te s te m u n h o d e C ris­
to foi c o n firm a d o e n tr e v ó s ; 7 d e m a n e ira que
n en h u m dom vos fa lta , e n q u a n to a g u a rd a is
a m a n ife sta ç ã o de nosso S enhor J e s u s C ris­
to, 8 o q u a l ta m b é m vo s c o n firm a rá a té o
fim , p a r a se rd e s Irre p re e n sív e is no d ia de
nosso S enhor J e s u s C risto . 9 F ie l é D eu s,
pelo q u a l fo stes c h a m a d o s p a r a a co m u n h ão
de seu F ilh o J e s u s C risto nosso S enhor.
Esta passagem, que constitui um agra­
decimento, sugere comparação com ou­
tras cartas de Paulo. Como Romanos e
11 Coríntios, ela é estruturalmente menos
elaborada e menos formal do que as ações
de graça encontradas em I Tessalonicen-
ses, Filipenses, Filemom e Colossenses.
Todas estas cartas começam com alguma
forma de ação de graças. Isto não se en­
contra em Gálatas, provavelmente, por­
que Paulo estava profundamente pertur­
bado com a igreja naquela região. É cla­
ro que as ações de graças de Paulo
refletem a situação que ele confronta em
cada igreja a que escreve.
Paulo afirma quç dar graças é o pa­
drão de sua vida, por causa da graça de
Deus, que foi dada em Cristo lesus. A
sua vida é marcada por agradecimentos,
porque a vida dos coríntios é marcada
pela graça. Embora os coríntios sejam,
em sua maioria, materialmente pobres
(1:26), pela graça de Deus, são espiri­
tualmente ricos, porque foram enriqueci­
dos em toda palavra, falando em línguas
(12:10,28), em profecia (14:1) e outros
tipos de expressão cristã (12:8). Eles pos­
suem todo o conhecimento ou compreen­
são intelectual. Conseqüentemente, pos­
suem os dons tanto de proclamar como
de entender a verdade. Paulo expressa
gratidão pelos tessalonicenses, porque
eles possuem fé, esperança e amor
(I Tess. 1:3). A palavra conhecimento
(gnósis) é usada, por Paulo, dez vezes em
I Coríntios, e seis vezes, em II Coríntios.
Isto é, aproximadamente, duas vezes
mais do que é usada em todas as suas
outras cartas. Sugere que a devida com­
preensão do conhecimento é um proble­
ma característico dos coríntios.
O testemunho de Cristo, isto é, a pre­
gação concernente a Cristo, em que Pau­
lo está empenhado, transformara a vida
dos coríntios. A mudança na orientação
de suas vidas é confirmação para o evan­
gelho (cf. Rom. 10:14-17). Nenhum dom
vos falta significa que os coríntios pos­
suem vários dons do Espírito Santo que,
infelizmente não usam com entendimen­
to. Grande parte de I Coríntios torna
clara esta verdade. O problema deles é
uma compreensão imatura dos dons espi­
rituais, e não uma falta deles.
Os coríntios, que possuem os dons
necessários para a vida para Deus no
mundo, aguardam a manifestação de
nosso Senhor lesus Cristo. A palavra
usada para traduzir manifestação é apo-
kalupsin, que significa desvendamento
ou revelação. Eles esperam o segundo
advento, sustentado pelo Cristo vivo,
cuja palavra neles é firmada pelo Es­
pírito (Ef. 1:13,14). A igreja possui uma
confiança, que é uma dádiva do seu
Redentor. Ele, que redime o nosso pre­
sente, assegura o nosso futuro. A comu-
 nidade de Cristo é uma comunidade es­
perançosa. Cristo é tanto aquele que veio
como aquele que virá. O dia de nosso
Senhor Jesus Cristo é outra forma de
expressar a segunda vinda.
Fiel é Deus. Ele chama, e também
preserva (cf. I Tess. 5:24; Fil. 1:6). A
fidelidade de Deus é a maneira pela qual
ele demonstra o seu amor, e tal fide­
lidade em amor é a base para o agrade­
cimento de Paulo. A fidelidade de Deus
sustenta a salvação pela fé. Ele guarda­
rá todos os que são chamados para a co­
munhão de seu Filho. A palavra traduzi­
da comunhão é koinonia, que significa
compartilhamento. Os cristãos coríntios
compartilham, como comunidade, dos
benefícios da obra de Cristo. É Cristo
quem cria a comunhão; os coríntios en­
tram nela. Eles participam juntos, por­
que participam de Cristo e do relaciona­
mento dele com Deus. Comunhão refere-
se, primeiramente, a um relacionamento
com Cristo, e, em segundo lugar, a um
relacionamento com os outros (cf. Fil.
1:5). _____
Paulo refere-se a Jesus como o Filho
(de Deus) em várias de suas outras cartas
(cf. Gál. 2:20; 3:16; Ef. 4:13; Rom. 1:4,
9; Col. 1:13).
O título “filho de Deus” é dado a anjos
no Velho Testamento (Sal. 29:1; Dan.
3:25). Ele é usado também para refe-
rir-se ao povo de Israel como um todo
(Êx. 4:22; Os. 2:1; Is. 30:1; Jer. 3:22).
Refere-se ao rei em II Samuel 7:5 e Sal­
mos 89:27. Em Sabedoria de Salomão
2:10, refere-se a um homem justo sofre­
dor. Refere-se, essencialmente, à eleição
divina para uma tarefa determinada por
Deus.
A identificação do Messias como Filho
de Deus ocorre em Marcos 14:61 e Ma­
teus 16:16. Paulo usa esse título em
sentido funcional, como em Romanos
1:4; mas referências como as de Roma­
nos 1:3; 8:3; 9:5; Gálatas 4:4 e I Co­
ríntios 15:24-28 sugerem algo mais do
que eleição e dedicação ao plano de
redenção elaborado pelo Pai.
II. O Problema das Divisões
(1:10-4:21)
Os primeiros quatro capítulos cons­
tituem uma unidade e tratam, primor­
dialmente, do problema da divisão, na
igreja em Corinto, e do assunto da sa­
bedoria, que é central para o entendi­
mento e solução do problema da divi­
são. Correndo como uma torrente sub­
terrânea, pelos quatro primeiros capítu­
los, está uma exposição do ministério e
do apostolado de Paulo, manifestado em
Corinto. A proeminência da cruz de Je­
sus Cristo é central no pensamento de
Paulo. Enquanto os coríntios falam de
sabedoria esotérica, Paulo proclama um
crucificado, alguém que é realmente a
sabedoria de Deus.
O problema das divisões é apresentado
agudamente em 1:10 e continua até 1:17.
Em 1:18, Paulo volta a sua atenção para
a sabedoria, e prossegue até 2:16. Come­
çando em 3:1, o problema das divisões
na igreja é considerado mais de perto
e é o assunto da carta até 4:21.
Paulo está escrevendo a toda a igreja,
e não a partidos individualmente. O tra­
tamento extensivo que ele dá à sabedoria
pode indicar que os problemas relativos à
sabedoria e às contendas são causados
por gnósticos, que dão grande ênfase ao
conhecimento esotérico, ou sabedoria, e,
através do seu orgulho, criam conflitos
na igreja.
Embora seja bem fácil sugerir uma
identificação experimental de três dos
supostos grupos existentes em Corinto,
é muito difícil estar certo da identidade
do “partido de Cristo” . Entre as possi­
bilidades encontram-se ( 1) os judaizantes
(II Cor. 11:12-29); (2) os “pneumáticos”
(pessoas que se jactavam de dons exclu­
sivos do Espírito); (3) partidários de Tia­
go, irmão de Jesus; (4) advogados de
Deus, da liberdade e da imortalidade;
(5) discípulos de opiniões que só Paulo
aprova; (6) proponentes de opiniões que
Paulo rejeita; (7) gnósticos libertinos.
 Alguns eruditos notam que Clemente
de Roma (96 d.C.) não menciona um
partido de Cristo, em sua carta a Corin­
to, ao enumerar os partidos que haviam
criado perturbação naquela igreja. Eles
concluem que as palavras “Eu sou de
Cristo” constituem uma glosa, uma con­
jectura à luz da declaração “ Será que
Cristo está dividido?” (1:13). Outros su­
gerem que essa expressão é o protesto de
Paulo contra as divisões que estava come­
çando a emergir ali. Nenhuma definição
realmente adequada do partido de Cristo
se recomenda a uma maioria de estudio­
sos. Presumir que esse partido é um
grupo “gnostizante” é, talvez, a melhor
sugestão que já foi feita.
Em vários pontos da carta, Paulo pa­
rece estar atacando pontos de vista seme­
lhantes a alguns que aparecem no se­
gundo século, em alguns grupos gnôs-
ticos. Embora seja um erro, à luz do
conhecimento presente, considerar o par­
tido de Cristo como equivalente aos gnós-
ticos do segundo século, parece possível
que estava surgindo, em Corinto, uma
compreensão (ou incompreensão) gnôs-
tica incipiente da fé cristã. Talvez o
grupo em questão possa ser chamado de
“protognóstico” . Porém, deve ser repe­
tido que é impossível uma clara identifi­
cação das crenças dos quatro partidos.
1. Divisões e a Sabedoria (1:10-17)
10 R ogo-vos, irm ã o s , e m n o m e d e n o sso
S enhor J e s u s C risto , q u e s e ja is co n c o rd e s
no fa la r, e q ue n ã o h a ja d issen sõ e s e n tr e
v ó s; a n te s s e ja is u nidos n o m e s m o p e n s a ­
m en to e no m e s m o p a r e c e r . 11 P o is a r e s ­
p eito d e vós, ir m ã o s m e u s , fui in fo rm a d o
pelos d a fa m ília de Cloé q u e h á c o n te n d a s
e n tre vó s. 12 Q uero d iz e r, co m isto , q u e c a d a
u m de v ó s diz: E u sou d e P a u lo ; ou, E u d e
Apoio; ou, E u d e C e fa s; ou, E u d e C risto .
13 S e rá q u e C risto e s tá div id id o ? foi P a u lo
c ru cificad o p o r a m o r d e v ó s? o u fo ste s v ó s
b a tiz a d o s e m n o m e de P a u lo ? 14 D ou g ra ç a s
a D eus q u e a n e n h u m de vós b a tiz e i, se n ã o
a C rispo e a G alo ; 15 p a r a q u e n in g u é m
d ig a q u e fo stes b a tiz a d o s e m m e u n o m e .
16 É v e rd a d e , b a tiz e i ta m b é m a fa m ília de
E s té f a n a s ; a lé m d e s te s , n ã o se i se b a tiz e i
a lg u m o u tro . 17 P o rq u e C risto n ã o m e e n ­
viou p a r a b a tiz a r, m a s p a r a p r e g a r o e v a n ­
gelho ; n ã o e m s a b e d o ria d e p a la v r a s , p a r a
não se to r n a r v ã a c ru z d e C risto .
Paulo apela para a unidade entre os
irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus
Cristo. Ele declara expressamente que
ouvira falar da presença de divisões, ba­
seadas, provavelmente, na lealdade a ou­
tras pessoas. Ele declara que está alegre
porque não batizou muitos dos coríntios,
e desta forma não se tornou uma fonte de
divisões na igreja. Sua prioridade é a
pregação. O fato de que a carta é dirigi­
da a toda a igreja, provavelmente, indica
que, embora existissem facções, eles não
se haviam endurecido, colocando-se em
campos irreconciliáveis. Os crentes não
estão separados da igreja, mas separados
dentro dela.
Os membros da mesma família são
irmãos, e os irmãos (crentes) têm uma
base para procurar unidade, porque têm
o mesmo Pai. As dissensões são schis-
mata ou “separações” . São, por assim
dizer, “trincas” , mas não separações
completas, em grupos à parte. Unidos é a
restauração a uma condição correta. No
mesmo pensamento significa a mesma
estrutura mental, e no mesmo parecer
significa no mesmo propósito. Paulo está
recomendando uma unidade que reflita a
unicidade em Cristo, e dê um testemu­
nho convincente do evangelho da cruz.
Contendas, coisa condenada, como
“obra da carne” (do homem pecador)
em Gálatas 5:20, foram relatadas pelos
da família de Cloé. Cloé apelido da deusa
Demeter, é um nome freqüentemente
dado a escravos. Ela é uma pessoa que
possui escravos, ou que emprega pessoas
livres. Cloé é mencionada apenas aqui,
em todo o Novo Testamento. Não está
claro se ela era cristã; é provável que
alguns membros de sua família fossem.
Embora seja óbvio que vários líderes
cristãos notáveis se tornam fonte de divi­
são, é impossível isolar e formular minu­
ciosamente as várias crenças dos quatro
grupos mencionados. (Para uma discus­
são detalhada, veja, na Introdução, a
parte 3, referente aos partidos existentes
na igreja em Corinto.) Talvez a melhor
idéia seja que o “partido de Cefas” enfa­
tiza a lei, o “partido de Apoio” , a sabe­
doria, o “partido de Paulo” , os ensinos
de Paulo, e o “partido de Cristo” , uma
interpretação gnóstica do evangelho.
Paulo não faz nenhum esforço para re­
futar as crenças desses diferentes grupos.
Ele ataca o espírito que cria, na igreja,
tal dissensão e reafirma a realidade teo­
lógica básica, que é a base da reconcilia­
ção: a cruz de Cristo.
Será que Cristo está dividido? Isto é:
foi Cristo dividido entre vocês? Claro que
não! Cristo é um, e a igreja em Corinto
também precisa sê-lo. Afinal de contas, a
igreja em Corinto não é um corpo de
cristãos, mas o corpo de Cristo. Dividir a
igreja é dividir o corpo de Cristo. A me­
táfora do corpo é uma das mais vivas que
Paulo usa para descrever a igreja, como
aparece claramente no capítulo 12 (cf.
Rom. 12:4-7; Col. 3:15; Ef. 4:14-16).
Foi Paulo crucificado por amor de vós?
Paulo enfatiza o significado de Cristo,
que morreu na cruz. Há uma terceira
pergunta: ou fostes vós batizados em
nome de Paulo? A solução para um
espírito faccioso se focaliza na cruz, na
redenção dos homens efetuada por Deus.
Os versículos 14 a 17 indicam que es­
tavam dando, em Corinto, uma ênfase
exagerada ao batismo, à pessoa que bati­
zava, ou a ambos.
Quando Paulo afirma: A nenhum de
vós batizei, senão a Crispo e a Gaio e
batizei também a família de Estéfanas,
está querendo dizer que não atribuía
nenhuma eficácia salvadora nem ligava
qualquer significado especial ao agente,
no batismo. Se o batismo possuísse qual­
quer eficácia especial, Paulo gostaria de
lembrar os nomes das pessoas que ele
salvara dessa forma! Crispo é menciona­
do em Atos 18:8, Estéfanas, em I Co-
ríntios 16:15, e Gaio, em Romanos
16:23. Não é provável que o homem que
escreve o que escreve em relação ao ba­
tismo em Romanos 6:1-11 ou Colossenses
2:12 considere que o batismo não é im­
portante. Talvez Paulo esteja enfatizan­
do, contra a opinião de alguns coríntios,
que o batismo não possui poder salvador.
Ele não está lutando para desvalorizar
o batismo, mas para corrigir a ênfase
exagerada que alguns coríntios davam a
ele. A sua referência ao batismo dos
mortos ou pelos mortos, em 15:29, pode
referir-se a um ensino que era comum,
de que o batismo tinha poder salvador
até por procuração.
Paulo não quer que ninguém diga que
foi batizado em meu nome. Há anos,
Heitmüller sugeriu que esta expressão
refletia uso generalizado, pelo qual uma
pessoa era levada a pertencer a outra.
Conseqüentemente, ser batizado em
nome de Paulo significaria que a pessoa
batizada pertencia a Paulo, como alguém
que pertence ao seu senhor. Mas Paulo
crê que os que são batizados pertencem a
Cristo, e só a Cristo.
Nas religiões de mistério, às quais al­
guns dos cristãos em Corinto podiam ter
pertencido anteriormente, a pessoa ini­
ciada na seita freqüentemente sentia um
laço íntimo, que a ligava ao sacerdote
iniciador, que era chamado de “Pai” .
Desta forma, em Corinto os laços entre
batizador e batizado podiam ter-se tor­
nado cada vez mais fortes, intensos e
expressos.
Paulo nega que o batismo cria uma
relação peculiar entre a pessoa que é
batizada e a pessoa que a batiza. A rela­
ção peculiar é com Cristo, que envia os
seus pregadores e os seus batizadores a
Corinto. Conseqüentemente, Paulo não
menospreza o batismo, mas o coloca na
devida perspectiva. Ele considera que a
sua vocação é pregar, e não batizar:
Porque Cristo não me enviou para bati­
zar, mas para pregar o evangelho. A obra
de batizar pertence a outros. Claramen­
te, Paulo não coloca o batismo no mesmo
nível da pregação. A proclamação do
evangelho precede o batismo, e o batismo
recebe o seu significado do evangelho.
 A menção de notáveis líderes cristãos,
como Apoio e Cefas, indica que, sem
qualquer desejo expresso da parte deles,
esses irmãos haviam-se tornado motivo
de divisão na igreja coríntia. Portanto, é
provável que mal-entendidos não apenas
a respeito do batismo, mas também do
papel do batizador desempenhassem
uma parte importante nas contendas que
havia em Corinto. A referência que Paulo
faz a Apoio, em 4 :6, ajuda a indicar que
uma espécie de culto à personalidade
estava surgindo em Corinto.
Cristo não envia Paulo em sabedoria
de palavras, que significa retórica sofis­
ticada, mas com a simples verdade da
mensagem. A cruz não precisa ser ves­
tida de floreios, mas apresentada sem
adereços, em sinceridade. Uma coisa tão
importante como a maior mensagem de
Deus não precisa de qualquer floreio
retórico de que o homem é capaz. Como
nota um comentarista, as boas-novas não
são sabedoria, mas salvação.
Paulo apela para a igreja em Corinto,
em 1:10-17, para que encontre uma fonte
de unidade em seu Redentor. Ele é capaz
de fazer isso com toda a liberdade, por­
que não está apelando meramente para a
força de vontade ou para qualquer dom
nativo, dos coríntios, que estivesse em
desuso. Ele os está fazendo lembrar que
a base da unidade se encontra fora deles
mesmos. Não pede que eles olhem para
dentro de si próprios, mas além de si
mesmos, para Deus, que lhes enviara
“seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor”
(1:9). Os homens precisam olhar para
longe dos seus pecados, para aquele que
tira os seus pecados através do seu poder
operando neles.
A base para a unidade é o evangelho
da graça de Deus, revelado em Cristo
Jesus (1:4). Ê excusado supor que os
crentes podem encontrar base para a
unidade nos conflitos a respeito de as­
suntos teológicos ou personalidades hu­
manas quando negam a unidade, que é
fundamental para a comunidade que
Cristo cria. As facções dividem o corpo
de Cristo e constituem em negação clara
do evangelho da graça e da paz. Cristo
não pode ser dividido; assim, quando a
sua Igreja é dividida, ela nega Cristo,
fazendo dele uma fonte de divisão entre
os homens, quando ele veio aos homens
para ser uma fonte de cura.
A unidade que o evangelho propicia à
Igreja é um dom. Ela não surge dentro
do homem, mas é um dom que vem a ele.
Os coríntios já haviam recebido o único
presente que precisavam para curar as
suas divisões: as boas-novas da cruz.
Este é o meio indicado por Deus para
propiciar cura às pessoas que estão afas­
tadas dele; é a forma de cura para as
pessoas que se estão afastando umas das
outras e, portanto, de Cristo, que se
manifesta dentro da Igreja. Paulo apela
para os membros da igreja para que re­
flitam na realidade de sua experiência
cristã, e encontrem, em uma relação vital
com Deus, um encorajamento para curar
as suas diferenças. Todos os líderes ecle­
siásticos e todos os interesses teológicos
precisam ser entendidos à luz do senho­
rio de Cristo, que não é repartido com
nenhum homem, e à luz da realidade da
salvação, unicamente através da fé.
2. Judeus e Gregos e a Sabedoria
(1:18-25)
18 P o rq u e a p a la v r a d a c ru z é d e v e ra s
lo u c u ra p a r a os q u e p e re c e m ; m a s p a r a
nós, q u e som os salv o s, é o p o d e r de D eus.
19 P o rq u e e s tá e s c r ito :
D e stru ire i a sa b e d o ria dos sáb io s,
e a n iq u ila re i o e n te n d im e n to dos e n te n d i­
dos.
20 O nde e s tá o sáb io ? O nde o e s c rib a ? O nde
o q u e stio n a d o r d e ste sécu lo ? P o rv e n tu ra
não to rn o u D eu s lo u ca a sa b e d o ria d e ste
m und o ? 21 V isto com o n a s a b e d o ria d e D eus
o m u n d o p e la s u a sa b e d o ria n ã o co n h eceu
a D eus, a p ro u v e a D eu s s a lv a r p e la lo u c u ra
d a p re g a ç ã o os q u e c rê e m . 22 P o is , e n q u a n ­
to os ju d e u s p e d e m sin a l, e os g re g o s b u s ­
c a m sa b e d o ria , 23 nós p re g a m o s a C risto
cru cific ad o , que é e sc â n d a lo p a r a os ju d e u s ,
e lo u c u ra p a r a os g re g o s, 24 m a s p a r a os que
são c h a m a d o s, ta n to ju d e u s c o m o g re g o s,
C risto, p o d e r d e D eu s, e sa b e d o ria d e D eu s.
25 P o rq u e a lo u c u ra d e D eu s é m a is s á b ia
que os h o m e n s ; e a fra q u e z a de D eus é m a is
forte que os h o m en s.
Ê difícil saber como definir sabedoria,
em suas várias manifestações, nesta pas­
sagem. Algumas pessoas sugerem que,
em 1:19 e 1:21, Paulo se refere à reve­
lação manifestada na natureza (cf. Rom.
1:19,20). Outras propõem que Paulo está
atacando a cristologia dos seus adver­
sários, no verso 23. O versículo 20 in­
dica que Paulo tem em mente não apenas
algum pensador gnóstico, mas os rabis
judeus e os polemistas profissionais tam­
bém (cf. At. 17:21). A palavra sabedoria,
no verso 2 1, provavelmente significa a
sabedoria centralizada no homem, da
segunda vez que ela é usada. A sabedoria
deste mundo é a sabedoria humana pro­
priamente dita. É sabedoria falsa, por­
que não conhece a Deus. É loucura dian­
te de Deus (3: 19).
Em 1:17, sabedoria é uma forma de
expressão; em 1:19, uma forma de pen­
samento; em 1 :2 1, o plano de salvação
elaborado por Deus, da primeira vez que
é usada. A maneira de Paulo entender
Cristo como sabedoria, em 1: 24,30, pre­
cisa ser considerada em contraposição à
maneira de os judeus a entenderem, en­
contrada em Provérbios 8:22-31 e em
Sabedoria de Salomão 7:7-8:1. A pala­
vra da cruz é simplesmente o evangelho,
que se centraliza no Cristo crucificado.
A mensagem que é proclamada tem um
duplo efeito: para os que perecem é
loucura, mas para nós, que somos sal­
vos, é o poder de Deus. A sabedoria de
Deus não é encontrada em palavras hu­
manas, mas em uma dádiva divina —
Cristo crucificado. Os que perecem são
os que rejeitam o evangelho. O fato de
perecerem está em processo. Paulo fala
no presente. Os que somos salvos são os
que vivem uma vida de obediência reno­
vada dia a dia na vitalidade da fé. A sal­
vação tem um começo (Rom. 8:24) e
uma continuidade, como Paulo declara
aqui. Não é somente um ato de fé, mas
também uma vida de fé (cf. Rom. 1:16,
17; 13:14). O poder de Deus é a resposta
de Deus à loucura do homem (cf. Rom.
1:18). Paulo está confiante que Deus é
capaz de fazer da cruz o instrumento
eficiente da salvação. É a fé que per­
cebe que a autonegação e o auto-sacrifí-
cio da cruz não são loucura e fraqueza,
mas sabedoria e poder de Deus.
A citação de Isaías 29:14, encontrada
no verso 19, difere um pouco da redação
da Septuaginta, seja porque Paulo está
citando de memória, seja porque está se­
guindo uma tradução diferente, como em
14:21. Sabedoria é usada de uma ter­
ceira maneira no verso 2 1, como o plano
de salvação elaborado por Deus (Os dois
primeiros modos de usá-la estão nos ver­
sos 17 e 19). Toda sabedoria centrali­
zada no homem na verdade não conse­
gue conhecer a Deus. Os coríntios, jun­
tamente com todos os outros homens
egocêntricos, não podem conhecer Deus
pela sua sabedoria.
E possível que Paulo se esteja referin­
do, aqui (v. 2 1), ao fracasso do homem
em observar a revelação de Deus presente
na natureza. Os homens não redimidos
dizem que a Palavra da cruz é loucura,
porque parece loucura crer que ela é
a sabedoria de Deus. Para tais pessoas,
alguém que não pode salvar-se da cruz —
e Jesus não pudera — não pode salvar os
outros. Não obstante, Paulo declara que
os homens que têm fé na obra de Deus,
em Jesus Cristo, são salvos (cf. II Cor.
5:17-19). Nenhuma sabedoria esotérica,
nenhuma sabedoria reflexora, nenhuma
sabedoria retórica, leva a um conheci­
mento de Deus. Esta passagem é o evan­
gelho de salvação apenas pela fé, prega­
do por Paulo, mas em um contexto di­
ferente do encontrado em Romanos. Em
Romanos, a ênfase não é a lei, mas a fé;
em Coríntios, não é a sabedoria, mas a
fé.
Os homens não estão dispostos a co­
nhecer Deus apenas pela fé. Os judeus
pedem sinal, algo para verem, antes de
crerem. Os gregos buscam sabedoria,
algo sobre que possam raciocinar. Po­
rém Deus não se submete aos homens;
são os homens que se submetem a Deus,
em fé. O conhecimento de Deus provém
através da rendição a Deus, e não atra­
vés de declarações a respeito dele. Á sa­
bedoria humana é a sabedoria que o
homem pode dominar; a sabedoria de
Deus é a sabedoria que domina o ho­
mem.
O que os homens podem ver (sinais)
e o que podem pensar (sabedoria) fazem
parte da auto-suficiência humana. Po­
rém constituem no orgulho humano, e
jamais podem em si conhecer a Deus.
Confiar em si mesmo nunca leva a con­
fiar em Deus. A cruz significa que Deus
é conhecido na morte do homem na cruz.
Porém tal conhecimento é dado apenas à
fé. A sabedoria de Deus não é adquiri­
da; apenas recebida. Os que slo chama­
dos ouviram a voz de Deus e aceitaram a
sua mensagem de salvação.
Tanto judeus como gregos, portanto,
são culpados de orgulho e falta de fé.
Sendo o poder de Deus, Cristo é Deus em
operação; sendo a sabedoria de Deus, ele
é o conteúdo da salvação. A sabedoria de
Deus não é filosofia, mas o homem na
cruz. Paulo mantém a sua ênfase na
cruz, através de suas cartas (cf. Gâl. 3:1;
5:11; 6:12,14; Fil. 2:8; 3:18; Col. 1:20;
2:14).
O contemporâneo estóico de Paulo,
Sêneca, ensinava que o verdadeiro sábio
é o que coloca a sua confiança na ra­
zão. Sabedoria, de acordo com Sêneca, é
o perfeito bem da mente humana. O sá­
bio está cheio de virtudes divinas, e é
“o pedagogo da raça humana” . O ho­
mem sábio de Sêneca é meramente o
homem auto-suficiente de Paulo, cuja
jactância precisa ser vencida, se ele qui­
ser conhecer a sabedoria de Deus.
3. A Igrçja em Corinto e a Sabedoria
(1:26-31)
26 O ra , v e d e , irm ã o s , a v o ss a v o c aç ã o ,
q ue n ã o sã o m u ito s o s sá b io s se g u n d o a
c a rn e , n e m m u ito s os p o d ero so s, n e m m u i­
to s os n o b re s q u e sã o c h a m a d o s. 27 P e lo c o n ­
tr á rio , D eu s esco lh eu a s c o is a s lo u c a s do
m u n d o p a r a co n fu n d ir o s s á b io s ; e D eu s
esco lh eu a s c o is a s f r a c a s do m u n d o p a r a
co n fu n d ir a s fo r te s ; 28 e D eu s e sc o lh e u a s
c o isas ig n ó b eis do m u n d o , e a s d e s p re z a d a s ,
e a s q u e n ã o sã o , p a r a re d u z ir a n a d a a s que
sã o ; 29 p a r a q u e n e n h u m m o r ta l se g lo rie
n a p re s e n ç a d e D e u s. 30 M a s v ó s so is d e le,
e m C risto J e s u s , o q u a l p a r a n ó s foi feito
p o r D eu s sa b e d o ria , e ju s tiç a , e s a n tific a ­
ção, e re d e n ç ã o ; 31 p a r a q u e , co m o e s tá
e sc rito : A quele q u e g lo ria , g lo rie-se n o S e­
nh o r.
A igreja em Corinto conseguira os seus
membros, em sua maior parte, nas ca­
madas mais baixas da população, a des­
peito da declaração de Atos 18:8 e Ro­
manos 16:23. Não muitos eram sábios
(muito inteligentes), ou poderosos (in­
fluentes) ou nobres (da elite social). Os
versículos 27 e 28 indicam que Deus não
aceita o caminho humano da salvação,
e, sim, traça o seu próprio caminho na
cruz, desta forma chamando todos os
homens a humildade e fé na obra salva­
dora de Cristo (cf. Jer. 9:23,24).
O versículo 29 é uma forma de dizer
que a humildade, e não o orgulho, é o
caminho para Deus. A única condição
que conta para Deus é a necessidade
humana. Fé em Deus, e não orgulho
diante dele, é o caminho para a salvação.
Quando os homens aceitam esta verdade
não se gloriam em si mesmos, mas em
Cristo. Não são marcados pelo orgulho,
mas pela fé. A obra de Deus em Cristo
Jesus é a única fonte de salvação do
homem. Mas vós sois dele em Cristo
Jesus, mediante a fé — este é o dom de
Deus, e não uma conquista do homem
(cf. II Cor. 5:17-20).
Jactância é um assunto bastante repi­
sado em I e 11 Coríntios, onde Paulo se
refere a ela muito mais freqüentemente
do que em todas as suas outras cartas
juntas. De acordo com Paulo, o homem
que se vangloria declara a sua autocon­
fiança diante de Deus, e possui um senso
de creditar a si mesmo tudo o que con­
quista. Jactância é antítese de fé, porque
é auto-afirmação e vanglória das con­
quistas humanas. Visto que a fé é o fim
da autoglorificação, o crente se gloria
apenas em seu Senhor (cf. Rom. 5:11;
Fil. 3:3). A obra de Deus, em Cristo, e
não a obra do homem, é a base para nos
gloriarmos.
Nem a sabedoria do homem nem as
obras do homem (Rom. 3:27) conduzem
à salvação, porque ambas centralizam-se
no homem, e não em Deus. Sabedoria e
obras são simplesmente duas formas de
asseverar a autoglorificação. A vocação
de Deus para o homem se faz através da
cruz. Defrontando-se com a revelação de
Deus, o homem só pode abandonar toda
a sua autoglorificação, e aceitar em fé o
sinal do amor de Deus.
A expressão em Cristo Jesus é usada
freqüentemente por Paulo, em suas car­
tas (cf. 1:2,4). Ela é muitas vezes en­
tendida em termos de experiência mís­
tica, para descrever a intensa relação
pessoal do crente com Cristo (cf. Gál.
2:20; Rom. 8:9). No entanto, em algu­
mas passagens, Paulo usa a expressão em
que a palavra “cristão” seria usada hoje
em dia. Em termos mais simples, esta
expressão é a maneira de Paulo declarar
a realidade da salvação. A pessoa que é
salva está “em Cristo” . Pertence ao povo
escatológico de Deus. Esta expressão in­
dica a obra de Cristo, que foi crucifi­
cado e ressuscitou dentre os mortos, e
também estabelece a realidade da exis­
tência cristã, da forma como o crente
a conhece. Estar em Cristo Jesus, nesta
vida presente, é preparação para estar
com Cristo na vida por vir.
Cristo é nossa sabedoria, nosso veículo
de conhecimento de Deus. A sabedoria,
no pensamento grego, era considerada
como mediadora entre Deus e o homem,
na criação, e também na salvação. Pa­
rece ser, praticamente, um a hipóstase
separada em Sabedoria de Salomão 7:24-
10:21. Porém, visto que a loucura é a
verdadeira sabedoria e visto que a sabe­
doria é empregada, no verso 30, com
outros termos, que são conceitos, é bem
provável que sabedoria seja usada aqui
como um conceito ou imagem mental,
e não como hipóstase. As várias metá­
foras do verso 30 descrevem a realidade
do que Deus fez pela salvação do homem
em Jesus Cristo.
Cristo é nossa justiça, meio pelo qual
somos separados para viver para Deus
(cf. 6:11). Ele é nossa redenção meio
pelo qual somos libertos da tirania da lei,
do pecado da carne e da morte, e vi­
vermos para Deus.
4. Paulo e a Sabedoria (2:1-5)
1 E e u , irm ã o s , q u a n d o fu i t e r convosco,
an u n cia n d o -v o s o te s te m u n h o d e D eu s, n ão
fui co m su b lim id a d e d e p a la v r a s ou d e s a ­
b e d o ria . 2 P o rq u e n a d a m e p ro p u s s a b e r
e n tre v ó s, se n ã o a J e s u s C risto , e e s te c r u ­
cificad o . 3 E e u e stiv e convosco e m f r a q u e ­
za, e e m te m o r, e e m g ra n d e tr e m o r. 4 A m i­
n h a lin g u a g e m e a m in h a p re g a ç ã o n ã o
c o n sistira m e m p a la v r a s p e rs u a s iv a s d e s a ­
b e d o ria , m a s e m d e m o n s tra ç ã o do E s p írito
e d e p o d e r; 5 p a r a q u e a v o ss a fé n ã o se
a p o iasse n a s a b e d o ria d o s h o m en s, m a s no
p o d e r d e D eu s.
Nesta seção, Paulo continua a sua dis­
cussão a respeito da sabedoria (sophia).
Ela ocorre em seis versículos do capítu­
lo 2. Ele discute os judeus e gregos em
referência à sabedoria, em 1:19-25, a
Igreja e a sabedoria, em 1:26-31, e o seu
apostolado e a sabedoria, em 2:1-5. Em
2:6-16, ele fala dos crentes e a sabedoria.
O significado de sabedoria varia, e pre­
cisa ser entendido em cada contexto em
que é encontrada essa palavra.
Uma segunda palavra importante, es­
pírito (pneuma), é apresentada pela pri­
meira vez e empregada em sete versículos
diferentes, nesse capítulo. Também varia
de significado, como sabedoria, e precisa
ser entendida no contexto.
Um problema textual se levanta em
referência à palavra testemunho, no ver­
so 1. Outros manuscritos importantes,
P 46 e Aleph, contêm, em seu lugar, a
palavra “mistério” . As palavras são mui­
to semelhantes em grego. Testemunho é
marturion, e mistério é musterion. Visto
que mistério ocorre em 2:7, é a versão
mais fácil de ser aceita. Por outro lado,
testemunho se enquadra na proclamação
de Paulo em Corinto. A Today’s English
Version adota mistério como versão cor­
reta, e a traduz como “verdade secreta” .
Um segundo problema textual surge
em 2:4, com a palavra traduzida como
persuasivas. Importantes manuscritos
contêm redações diferentes. Tal palavra
nunca foi encontrada. Talvez Paulo te­
nha criado essa palavra. Certamente ela
faz sentido no contexto.
Paulo chegou a Corinto e pregou o
evangelho do crucificado sem palavras
persuasivas (oratória sofisticada) ou sa­
bedoria (raciocínio astuto). O testemu­
nho de Deus é simplesmente a cruz, pela
qual Deus apela para um homem, o qual
Paulo proclama. Paulo tinha uma men­
sagem clara, que pregava por toda parte:
o Cristo crucificado. Tanto judeus quan­
to gregos (especialmente gnósticos) acha­
vam difícil crer que Deus se revelara na
derrota aparentemente ignominiosa de
uma cruz. A impressão de que Paulo
adotou uma forma de pregação em Ate­
nas (At. 17) e outra diferente em Corin­
to — visto que alguns dizem que ele fra­
cassou em Atenas — é apenas conjec­
tura. Não há indicação em nenhuma das
cartas de Paulo de que ele tivesse, em
qualquer tempo, outro evangelho, dife­
rente de Cristo crucificado.
O que Paulo enfatizara algures — o
Crucificado — ele decidira (me propus)
colocar no centro de sua pregação em
Corinto. Porém havia, em Corinto, ou­
tras pessoas, que não se contentavam em
pôr a cruz no centro. Colocavam um
conhecimento esotérico nessa posição, e
menosprezavam qualquer ênfase na mor­
te do Redentor em uma cruz. Paulo sabia
que as boas-novas de Deus centraliza-
vam-se na morte de Jesus Cristo, e em
nada mais. Ele nunca modificou a men­
sagem e a sua conclamação para a fé.
O ministério de Paulo, em Corinto, dia
após dia, havia sido caracterizado por
fraqueza, temor e tremor. Alguns co­
mentaristas sugerem que fraqueza pode
referir-se à condição física de Paulo ou à
sua aparência nada impressionante (Gál.
4:13; II Cor. 10:10), ou aos seus senti­
mentos de limitação, em face da impie­
dade da cidade de Corinto.
A expressão temor e tremor é usada
em outros lugares, por Paulo (II Cor.
7:15; Fil. 2:12; Ef. 6:5), descrevendo
outras pessoas, mas não a si mesmo.
Essas três palavras devem ser entendidas
à luz de 1:25. Paulo sabe que qualquer
mensageiro das boas-novas de Deus deve
estar cônscio de sua debilidade (cf. II
Cor. 4:7). Quem pode lidar com coisas
santas sem tremer? Quem pode entregar
a palavra de Deus sem o temor, que faz
parte da reverência? É a grandiosidade
de sua missão que faz com que Paulo se
sinta tão cônscio de sua pequenez.
Contudo, a consciência de limitação
pessoal é contrabalançada por confiança
no poder de Deus. Não palavras persua­
sivas de sabedoria, ou seja, “palavras
convincentes de sabedoria” (TEV), mas
o Espírito de Deus é o poder que leva os
homens à fé em Cristo. Não há palavras
humanas de sabedoria que, exercidas
sobre a reflexão humana, levem os ho­
mens à fé. A maneira cristã de se conhe­
cer é a informada pelo Espírito. O único
conhecimento verdadeiro é o conheci­
mento de acordo com a cruz. Só Deus, no
poder do Espírito Santo, leva os homens
à fé. Portanto, não é o homem, mas Deus
que é poderoso.
A tarefa do mensageiro não é dar tes­
temunho do seu próprio poder, mas per­
mitir que Deus demonstre o seu poder
através da rendição do mensageiro ao
Espírito Santo (cf. 1:18-25). O evangelho
da cruz é o poder de Deus, e apela para a
fé no que Deus fez, e ainda faz, em Jesus
Cristo. Deus, pelo poder do Espírito San­
to, evoca fé e propicia salvação no tempo
presente, através da cruz de Cristo.
Em Romanos, Paulo estabelece o con­
traste entre a graça de Deus e as obras do
homem. Em I Coríntios, ele estabelece o
contraste entre o poder de Deus e a
sabedoria do homem. Embora a ênfase
seja diferente, a mensagem e o alvo são
os mesmos em ambas as cartas: concla­
mar os homens à fé em Deus, e não à fé
em si mesmos.
5. Os Crentes e a Sabedoria (2:6-16)
8 N a v e rd a d e , e n tr e os p e rfe ito s fa la m o s
sa b e d o ria , n ão , p o ré m , a s a b e d o ria d e ste
m undo, n e m d o s p rín c ip e s d e s te m u n d o ,
q ue e s tã o sen d o red u z id o s a n a d a ; 7 m a s
fa la m o s a sa b e d o ria d e D eu s e m m isté rio ,
que e s te v e o c u lta , a q u a l D eu s p re o rd e n o u
a n te s do s sécu lo s, p a r a n o s s a g ló ria ;
8 a q u a l n e n h u m d o s p rín c ip e s d e s te m u n d o
c o m p re e n d e u ; p o rq u e , se a tiv e s s e m c o m ­
p reen d id o , n ão te r ia m c ru c ific a d o o S enhor
d a g ló ria . 9 M as, com o e s t á e s c r ito :
As c o is a s q ue olhos n ã o v ir a m , n e m o u v i­
dos o u v ira m , n e m p e n e tr a r a m o c o ra ç ã o
do h o m e m , sã o a s q u e D eu s p re p a ro u
p a r a o s que o a m a m .
10 P o rq u e D eu s n o-las re v e lo u p elo se u E s ­
p írito ; p o is o E s p írito e s q u a d rin h a to d a s
a s co isa s, m e s m o a s p ro fu n d e z a s d e D eu s.
11 P o is, q u a l d o s h o m e n s e n te n d e a s c o isas
do h o m e m , se n ã o o e sp írito do h o m e m q u e
n ele e s tá ? a s s im ta m b é m a s c o isa s d e D eu s,
n in g u ém a s c o m p re e n d e u , se n ã o o E s p írito
d e D eu s. 12 O ra , n ó s n ã o te m o s re c e b id o o
e sp írito do m u n d o , m a s , sim , o E s p írito q u e
p ro v é m d e D eu s, a fim d e c o m p re e n d e rm o s
a s co isas que n o s fo ra m d a d a s g ra tu ita m e n ­
te p o r D e u s; 13 a s q u a is ta m b é m fa la m o s,
n ão co m p a la v r a s e n sin a d a s p e la s a b e d o ria
h u m a n a , m a s co m p a la v r a s e n s in a d a s p elo
E sp írito S anto, c o m p a ra n d o c o is a s e s p iri­
tu a is co m e s p iritu a is . 14 O ra , o h o m e m n a ­
tu r a l n ão a c e ita a s c o is a s do E s p írito d e
D eus, p o rq u e p a r a e le sã o lo u c u ra ; e n ão
pode e n te n d ê -la s, p o rq u e e la s se d is c e rn e m
e sp iritu a lm e n te . 15 M a s o q u e é e s p iritu a l
d isc e rn e b e m tu d o , e n q u a n to e le p o r n in ­
g u ém é d is cern id o . 16 P o is, q u e m ja m a is
conheceu a m e n te do S en h o r, p a r a q u e p o ss a
in stru í-lo ? M a s n ó s te m o s a m e n te d e C risto .
Surge, nesta seção, um problema re­
ferente à passagem bíblica citada em 2:9.
A expressão como está escrito quase, cer­
tamente, é uma forma de identificar uma
passagem do Velho Testamento. Eviden­
temente, Paulo está fazendo uma refe­
rência excepcionalmente livre, de memó­
ria, a I saías 64:4, ou, se não, está se­
guindo um texto que seja consideravel­
mente diferente do que encontramos no
Velho Testamento.
Nesta seção, Paulo fala de duas espé­
cies de espírito: o Espírito de Deus, ou
Espírito Santo, e o espírito do mundo,
que se centraliza no homem. O espírito
do mundo, a sabedoria humana e o
homem natural são maneiras diferentes
de descrever as pessoas que não conhe­
cem a realidade divina, que o Espírito
Santo revela aos que são abertos para
ela.
Começando com 2:6, Paulo não usa
mais “eu” , porém “nós” (cf. v. 7,10,12,
13,16). Ele estabelece o que a Igreja
universal recebeu de Deus, em Cristo.
Há, afirma Paulo, duas espécies de sabe­
doria: a sabedoria deste mundo e a sabe­
doria de Deus em mistério, que esteve
oculta. Já foi indicado (veja o comentário
a 1:17) que Paulo usa a palavra sabedo­
ria de quatro maneiras diferentes: (1 ) um
método retórico (1:17); (2) uma interpre­
tação da vida baseada na luta pessoal do
homem (1:19); (3) o plano e o propósito
de Deus na salvação (1:21); (4) o con­
teúdo da salvação dada em Cristo (1:30)
(Veja C. K. Barrett, p. 49-56).
A sabedoria deste mundo é a inter­
pretação da vida baseada na luta pessoal
do homem. Ela perecerá, porque não
tem futuro além deste mundo (deste sé­
culo), o presente mundo mau. A sabedo­
ria de Deus em mistério, que esteve
oculta é uma referência ao plano e propó­
sito de Deus na salvação, manifestada
como dom gratuito em Jesus Cristo cru­
cificado (cf. 1:23,24). Ela terá um futu­
ro, porque tem um passado no coração
de Deus, que pretendia, desde o começo,
dar-nos um futuro com ele: a glorifica­
ção. A palavra nossa glória indica o
processo da redenção, que será comple­
tado no futuro. A sabedoria cristã é uma
compreensão crescente da vontade de
Deus, revelada em Jesus Cristo, aos ho­
mens de fé, que vivem em amor. Deus
revela, a todos os homens de fé, mediante
o Espírito Santo, que isto é verdade.
Os príncipes deste mundo não enten­
deram isto. Eram ignorantes da realida­
 de de Deus, em operação em Cristo, ou
não quiseram aceitá-la.
A quem se refere a expressão príncipes
deste mundo? Aos príncipes terrenos, ju ­
daicos e romanos, que foram ativos na
crucificação de Jesus, ou aos seres invi­
síveis, sobrenaturais. Jesus expulsou de­
mônios, e considerou a sua expulsão
como sinal da atividade de Deus no seu
ministério (Mat. 12:28). As referências
em Romanos 8:38 e Colossenses 1:15,16
parecem ser cósmicas, e ir além da es­
pécie de demônios que Jesus expulsou.
Os poderes malignos invisíveis cruci­
ficaram o Senhor da glória (cf. Ef. 1:17;
At. 7:2; I Enoque 22:14; 25:3; 17:3).
A palavra glória refere-se ao majestoso
esplendor de Deus. O Senhor Jesus Cris­
to reflete a glória de Deus. Talvez alguns
dos coríntios estivessem preparados para
prestar homenagem ao Senhor da glória,
mas não ao Senhor da glória crucificado.
No que tange a Paulo, a cruz de Cristo
é a realidade, sem a qual não existe
Senhor da glória.
A sabedoria em mistério, que esteve
oculta não se refere a nenhum ensina­
mento esotérico, ministrado a uma elite
espiritual. Não é pensamento do homem,
mas ato de Deus. Ê a obra de Deus na
vida e morte de Jesus Cristo. É em mis­
tério e oculta, porque é revelada apenas à
fé. E só homens de fé que são suficiente­
mente perfeitos (v. 6; na tradução ingle­
sa, “maduros”), suficientemente sensí­
veis espiritualmente, são capazes de
aprender em Cristo qual é a profundida­
de da sabedoria. Conseqüentemente, os
maduros (ou perfeitos, em nossa versão)
não são uma elite espiritual, mas, sim, os
fiéis que vivem por fé e em amor.
A primeira parte do verso 7, traduzida
literalmente, é: “mas falamos a sabedo­
ria de Deus em um mistério.” “Mistério”
^ é uma antiga palavra derivada de mueo,
fechar, trancar ou iniciar (cf. Ef. 3:4,9).
Portanto, sugere segredo. Esta palavra é
usada amplamente, para descrever as
religiões de mistério, comuns no primei­
ro século, e para definir os seus ritos
cúlticos, em que o destino de um deus é
retratado de forma que dá aos devotos da
seita uma participação no destino do
deus e certeza de salvação, ao participar
da sina da divindade. A celebração era
conservada em segredo e revelada apenas
aos iniciados.
Os gnósticos do segundo século d.C.
também falam de mistérios e de homens
perfeitos, teleioi. Entre eles, mistério se
refere às coisas escondidas, ao mundo
celestial, e à origem e redenção do ho­
mem, enquanto teleioi se refere aos ini­
ciados na seita. As coisas celestiais são a
verdadeira esfera dos mistérios. Segre­
dos referentes à esfera das coisas celes­
tiais são desvendados aos perfeitos, como
parte dos rituais de iniciação.
A palavra mistério ocorre em escritos
judaicos posteriores, como Daniel, Sa­
bedoria e II Macabeus. Em Daniel, ela
se refere a uma revelação escatológica
cósmica (2:28,29,47). Relaciona-se com
o que Deus ordena e fará acontecer, e
não ao que Deus sofre, como é o caso nas
religiões de mistério.
O entendimento de Paulo a respeito de
mistério é escatológico, e relaciona-se a
antecedentes judaicos, e não gregos. Ele
aponta, em 2:7, para a sabedoria de
Deus, a qual Deus preordenou antes dos
séculos, salvação revelada pela graça de
Deus na cruz, conhecida pela fé, e sus­
tentada nos crentes pelo Espírito Santo,
mas escondida dos príncipes deste mun­
do.
De acordo com Paulo, o mistério ocor­
re precisamente na cruz, e não além dela,
em algum conhecimento esotérico. Ela é
escondida do mundo, mas revelada aos
espirituais, aos homens de fé. Em Co­
lossenses (2:2), o próprio Cristo é o mis­
tério de Deus. Em Efésios (3:4 e s.), o
mistério é a inclusão dos gentios na sal­
vação.
Portanto, o uso que Paulo faz do mis­
tério tem antecedentes judaicos, em vez
do encontrado nas religiões de mistério
ou no gnosticismo, e o seu uso de teleioi
reflete o significado de maturidade, e não
a iniciação em uma seita.
Paulo está falando de uma maturi­
dade em questão de fé, e não uma ma­
turidade em rituais secretos. A sabedoria
dos versos 6 a 16 é simplesmente um
aprofundamento da sabedoria expressa a
respeito de Cristo em 1:17-25. O após­
tolo identificou como crianças espirituais
os que se propunham a interpretar Cristo
em outros termos que não fossem a cruz.
Qualquer crente, visto que possui o Es­
pírito, pode possuir a sabedoria de Deus
em mistério, que esteve oculta, abrindo a
sua vida à realidade da fé, que se apro­
funda constantemente. Os que fazem
isto são perfeitos.
Deus dá o seu Espírito aos homens, e o
Espírito dá-lhes sabedoria. A única pes­
soa que realmente pode conhecer outra
pessoa como ela verdadeiramente é, é o
espírito do homem, isto é, a própria
pessoa. Os homens espirituais são aque­
les que dependem do Espírito Santo para
interpretar a verdade de Deus para eles,
e não o espírito do mundo, que está
centralizado no homem. Por seu turno,
eles interpretam a verdade para os ou­
tros, que, como crentes, também pos­
suem o Espírito. As pessoas egocêntricas,
que dependem da interpretação do ho­
mem a respeito da vida, não sendo in­
formadas por Deus, fazem parte da sa­
bedoria humana e do espírito do mundo.
Sem dúvida, é possível que o espírito do
mundo se refira ao “deus deste mundo” ,
Satanás, mencionado em II Coríntios
4:4.
O homem natural (que a versão Revi-
sed Standard Version, usada por este
Comentário em inglês, traduz como “ho­
mem não-espiritual”) é o que não possui
o Espírito Santo e, por isso, não conhece
a realidade divina. O Espírito Santo re­
vela realidades espirituais para os que
estão abertos para recebê-las. Não pos­
suindo o Espírito, o homem natural não
tem a sensibilidade para interpretar a
realidade espiritual que Deus revela, no
Cristo crucificado, e torna real na vida
cristã atual. Ele é um homem sem Deus.
Para o homem natural ou não-espiritual,
a cruz é loucura. Para o remido, ou
homem espiritual, a cruz é salvação.
O homem remido (espiritual) tem a ca­
pacidade de investigar e julgar o valor de
todas as coisas, porque ele possui o Espí­
rito de Deus e porque possui o padrão da
revelação manifesta em Jesus Cristo. Por
outro lado, ele por ninguém é discerni­
do, porque o homem é responsável diante
de Deus apenas, que julga todos os ho­
mens (cf. 4:3-5).
Paulo menciona Isaías 40:13 no verso
16 e, seguindo a LXX, usa a palavra
mente, em lugar da palavra “Espírito” .
Nesta passagem, Paulo menciona Deus,
Espírito e Cristo. A mente de Cristo é
revelada na cruz, que é a manifestação
da sabedoria de Deus. Cristo, o crucifi­
cado, é a base e meio de entender-se o
significado da vida. Aquele que nos dá
vida nova nos ajuda a interpretar tudo na
vida, porque, através da habitação do
Espírito Santo, temos a mente de Cristo.
6. Os Crentes Imaturos e a Sabedoria
(3:1-4)
1 E e u , Irm ã o s , n ã o v o s p u d e f a la r com o
a e s p iritu a is , m a s com o a c a rn a is , c o m o a
c ria n c in h a s e m C risto . 2 L e ite vos dei p o r
a lim en to , e n ã o c o m id a só lid a, p o rq u e n ã o
a pod íeis s u p o r ta r ; n e m a in d a a g o r a p o d e is ;
3 p o rq u a n to a in d a sois c a r n a i s ; p o is, h a v e n ­
do e n tr e vós in v e ja e c o n te n d a s, n ã o so is
p o rv e n tu ra c a rn a is , e n ã o e s ta is a n d a n d o
segundo os h o m e n s? 4 P o rq u e , dizen d o u m :
E u sou d e P a u lo ; e o u tro : E u d e A poio; n ão
sois a p e n a s h o m e n s?
Nesta seção, Paulo continua com o seu
interesse na correta compreensão da sa­
bedoria. Alguns dos cristãos em Corinto
viviam baseados na sabedoria humana
(cf. 2:4). Eles viviam como pessoas car­
nais ou imaturas (cf. 2:4). Paulo usa
duas palavras diferentes, que são tra­
duzidas como camais. No verso 1, ele
emprega sarkinos, e no verso 3 ele uti­
liza sarkikos. Ambas têm o mesmo signi­
ficado: egocêntrico, e não centralizado
em Deus. O homem carnal é dominado
pelo pecado, e não pelo Espírito de Deus
(cf. Rom. 8:12; II Cor. 10:2). O homem
espiritual não possui substância espiri­
tual, mas um dom espiritual de Deus.
Paulo continua a referir-se aos corín-
tios como irmãos. A discussão teológica
que ele está sustentando com eles não
desfez a comunhão deles na família de
Deus. Contudo, embora se esteja dirigin­
do a eles como irmãos, ele é incapaz de
referir-se a eles como espirituais. Tal
designação pode ser aplicada apenas aos
que possuem o Espírito de Deus, e tam­
bém estejam crescendo em entendimento
espiritual. Os homens espirituais são es­
piritualmente maduros. Os carnais são
os que são dirigidos por interesses ego­
cêntricos, e não por interesses centrali­
zados em Deus. São criancinhas em Cris­
to; estão no jardim de infância espiritual.
Estão em Cristo, mas não estão cres­
cendo nele. Possuem o Espírito, mas não
estão sujeitos inteiramente a ele. Por isso
são criancinhas, imaturas espiritualmen­
te. A diferença está no crescimento espi­
ritual. O homem genuinamente espiri­
tual é a pessoa que vive pelo Espírito de
Deus (cf. Rom. 8:4,12-14; Gál. 5:16-26).
O ministério de Paulo, em Corinto, dera
ênfase ao ABC da fé cristã. Ele havia
alimentado os novos cristãos com leite,
e não com comida sólida (cf. I Ped. 2:2;
Heb. 5:12-14).
Reconhecendo os antecedentes daque­
les cristãos no contexto social de Corinto,
Paulo não pode presumir uma compreen­
são amadurecida de cristianismo, por­
que os coríntios não estão suficientemen­
te desenvolvidos. Ainda são incapazes de
se apropriar de uma exposição mais
aprofundada do evangelho (v. 3). A exis­
tência de inveja e contendas e a presen­
ça de lealdade a grupos são evidências
claras de imaturidade, de uma vida con­
trolada pela carne ou por interesses ego­
cêntricos. Pode ser que alguns dos corín­
tios se estivesse jactando de sua elevada
experiência cristã. Se assim é, Paulo
lembra-os firmemente que eles são ape­
nas homens. Os homens verdadeiramen­
te unidos em Cristo não são desunidos
por contendas. Partidarismo não é obra
do Espírito, mas do homem (cf. Gál.
5:15-26). Não é do Espírito, mas da
carne. As pessoas que são guiadas pelo
Espírito de Deus à maturidade espiritual
sabem que pertencem apenas a Cristo.
A consciência de pertencer a ele trans­
cende a todas as lealdades terrenas.
Não está claro por que Paulo mencio­
na a si mesmo e a Apoio, no verso 4.
Talvez ele o faça porque há menos ten­
são entre eles dois. Mencionar Apoio
não suscitará reações tão intensas da
parte de seus leitores.
7. Os Apóstolos e a Sabedoria (3:5-17)
5 P o is, q u e é Apoio, e q u e é P a u lo , se n ã o
m in istro s p elo s q u a is c re s te s , e isso c o n fo r­
m e o q u e o S en h o r c o n ced eu a c a d a u m ?
6 E u p la n te i; A poio re g o u ; m a s D eu s d eu
o c re sc im e n to . 7 D e m o d o q u e , n e m o que
p la n ta é a lg u m a co isa, n e m o q u e re g a ,
m a s D eu s, q u e d á o c re s c im e n to . 8 O ra , u m a
só co isa é o q u e p la n ta e o q u e r e g a ; e c a d a
u m re c e b e r á o se u g a la rd ã o se g u n d o o se u
tra b a lh o . 9 P o rq u e nós so m o s c o o p e ra d o re s
d e D e u s; vós sois la v o u ra d e D eu s e ed ifício
d e D eu s. 10 Segundo a g r a ç a d e D e u s q u e m e
foi d a d a , la n c e i e u , com o sá b io c o n stru to r,
o fu n d am e n to , e o u tro e d ific a so b re e le ; m a s
v e ja c a d a u m com o e d ific a so b re ele.
11 P o rq u e n in g u é m p o d e la n ç a r o u tro fu n ­
d a m e n to , a lé m do q u e j á e s tá p o sto, o q u a l
é J e s u s C risto . 12 E , se a lg u é m so b re e ste
fu n d am en to le v a n ta u m ed ifício d e ou ro ,
p r a ta , p e d ra s p re c io sa s, m a d e ira , fen o , p a ­
lh a, 13 a o b ra d e c a d a u m se m a n if e s ta r á ;
pois a q u e le d ia a d e m o n s tra r á , p o rq u e s e r á
re v e la d a no fo g o ; e o fogo p ro v a r á q u a l
se ja a o b ra d e c a d a u m . 14 Se p e rm a n e c e r
a o b ra q ue a lg u é m so b re ele ed ifico u , e sse
re c e b e r á g a la rd ã o . 15 Se a o b ra d e a lg u é m
se q u e im a r, s o f re rá e le p re ju íz o ; m a s o ta l
s e r á sa lv o , to d a v ia , com o q u e p elo fogo.
16 N ão sa b e is vós q u e so is s a n tu á rio d e
D eus, e q u e o E s p írito d e D eu s h a b ita e m
vós? 17 Se a lg u é m d e s tru ir o s a n tu á rio de
D eus, D eu s o d e s tr u ir á ; p o rq u e s a g ra d o é o
sa n tu á rio de D eu s, q u e so is Vós.
Nem Apoio nem Paulo tem qualquer
distinção, a não ser a sua devoção ao
mesmo Mestre. Ambos são servos (dia-
konoi), que se desempenham das tarefas
que o Senhor lhes atribui, em proclamar
o evangelho aos coríntios. Apoio veio a
Corinto e pregou ali depois que Paulo se
foi (cf. At. 18:24-28). A palavra traduzi­
da como servos (diakonoi) também pode
ser transliterada como “ diáconos” . Ela
ocorre em vinte e nove versos do Novo
Testamento. O contexto revela como ela
deve ser traduzida. Na maioria dos lu­
gares, ela significa “servos” , como aqui.
Alguns estudiosos acham que ela deve
referir-se a diáconos em Atos 6:1-6.
O seu significado é claramente de diá­
cono em I Timóteo 3:8-13.
Paulo emprega uma figura agrícola no
verso 6, para ilustrar a relação dos após­
tolos para com Deus. Ele sabe que Israel
é chamado de jardim ou vinha no Velho
Testamento (cf. Is. 5:7; Ez. 36:9). Cada
servo tem uma tarefa para cumprir, dada
por Deus. Ela exige trabalho significa­
tivo e necessário. Um planta a semente,
e outro rega a terra (cf. II Cor. 6:1).
Mas o crescimento é uma dádiva. Aque­
les que trabalham, tendo realizado a sua
obra, podem apenas esperar o crescimen­
to. Eles não podem produzi-lo; só podem
esperá-lo. A mesma coisa acontece com o
crescimento espiritual.
Os servos que servem os outros na
causa do evangelho nada produzem; é
Deus quem produz os resultados (cf. At.
2:47). A vida espiritual é dom de Deus,
e não trabalho do homem. Todos os que
servem nos campos estão na mesma base,
aos olhos de Deus, porque todos estão
realizando a obra de Deus. Deus paga a
cada um dos seus trabalhadores segundo
o seu trabalho. Ele não se descuida de
ninguém que trabalha para ele (cf. 4:5;
Mar. 10:29,30). Todos os que servem no
campo de Corinto são cooperadores de
Deus. Eles não são competidores, mas
aliados. São cooperadores na fazenda de
Deus!
O que caracteriza Paulo e Apoio não
é uma corrida em direção à superiorida­
de, mas uma dedicação à oportunidade
dada por Deus para servi-lo em Corinto.
Paulo plantou a semente em Corinto
(At. 18:1-18), e Apoio a regou (At. 18:24-
19:1). A coisa mais nobre que pode ser
dita a respeito dos apóstolos é que eles
são cooperadores de Deus.
Paulo introduz a metáfora de um edi­
fício, expressão que ele usa várias vezes
em I e 11 Coríntios e Romanos (cf. J er.
24:6). Esta expressão, Segundo a graça
de Deus que me foi dada, realmente
significa: “ usando o dom que Deus me
deu” (TEV). Paulo trabalha como sábio
construtor, expressão usada na versão da
Septuaginta de Isaías 3:3. Ele lançou
o fundamento, pois nenhum arquiteto
pode edificar sem fundamento ou alicer­
ce, e os peritos edificam com um bom
alicerce.
O único alicerce ou fundamento da
Igreja é Jesus Cristo com seu evangelho
(cf. Gál. 1:6,7). Nenhuma outra pessoa,
nem mesmo Simão Pedro (cf. Mat. 16:
17-19), pode ser o ponto fundamental de
referência para a Igreja. Esforços para
estabelecer qualquer espécie de lealdade
partidária põem em perigo a dedicação
básica dos coríntios a Cristo, o único
fundamento da Igreja. E nenhuma reve­
lação ou filosofia fora de Cristo é ade­
quada. Só Jesus Cristo é um fundamento
adequado para a Igreja.
Visto que Cristo, o fundamento, foi
feito a base da criação da Igreja, pes­
soas com diferentes capacidades podem
acrescentar algo à qualidade de vida da
igreja em Corinto, edificando sobre o
alicerce que Paulo lançou. Pessoas espe­
cialmente maduras, como Apoio, podem
providenciar ouro, prata e pedras precio­
sas. Outras, mais limitadas, podem uti­
lizar madeira, feno e palha. No tempo
devido, à discrição de Deus, a qualidade
de cada contribuição será revelada, isto
é, no dia do juízo (cf. I Tess. 5:4; Heb.
10:25). A obra de cada um se manifes­
tará... no fogo, porque somente o que é
digno sobreviverá ao teste do fogo (cf.
II Tess. 1:7; I Ped. 4:12; Mal. 4:1).
Não há sugestão de que o fogo serve
como objetivos penais, disciplinares ou
purificadores. Os que edificam bem so­
bre o fundamento de Cristo receberão
galardão, embora Paulo não defina qual
seja ele (cf. Mat. 25:21,23). Não há
doutrina de salvação pelas obras, aqui
(cf. Rom. 4:4,5). Deus não leva a efeito
empreendimentos empresariais com os
homens, mas trabalha através deles (cf.
Fil. 2:12,13). Mas ele os recompensa
com base na sua graça, que é tanto amá­
vel atitude como ação benevolente (cf.
Mar. 1029-31; Rom. 4:4; Mat. 20:1-
16). Não há razão para se crer que Pãulo
está advogando uma doutrina de méritos
em 3:8,14.
Aqueles que fazem uma edificação fra­
ca, cujo trabalho não sobrevive às pro­
vas, não receberão recompensa; mas re­
ceberão a sua salvação, embora sofram
a perda da recompensa. As palavras so­
frerá ele prejuízo podem ser traduzidas
como “o perderão” ou “serão punidos” .
É importante lembrar que a obra do
crente é o seu trabalho na igreja, e não a
sua fé ou caráter pessoal.
Aquele que edifica com fé cristã ima­
tura será salvo, todavia como que pelo
fogo. As palavras como que pelo fogo
podem ser traduzidas “como se tivesse
escapado pelo fogo” (TEV; cf. Am.
4:11). Paulo sustenta a sua convicção de
que os homens não são salvos através da
qualidade do seu trabalho, mas através
da generosidade da graça de Deus. Não
há razão plausível para se crer que este
versículo seja uma referência ao purgató­
rio.
Paulo lembra, aos coríntios, que a
Igreja é o santuário de Deus (cf. II Cor.
6:16; Ef. 2:21). Em 6:19 ele escreve que
cada coríntio é o templo de Deus. Diz, o
ensino judaico escatológico, que nos úl­
timos dias Deus levantará um novo e
glorioso templo, em que habitará (Is.
28:16; Jubileus 1:17; Enoque 91:13).
Em o Novo Testamento, essa profecia é
considerada como tendo cumprimento
espiritual na Igreja (cf. I Ped. 2:5).
Paulo enfatiza a verdade de que esse
templo é construído de corações huma­
nos em que o Espírito de Deus habita.
A idéia da alma como templo de Deus é
encontrada nas obras de Filo, filósofo
judeu contemporâneo de Paulo. E Epi-
teto, filósofo estóico, bem conhecido no
fim do primeiro século d.C., ensina que
Deus habita pela razão no templo do
coração humano. De maneira muito di­
ferente de ambos os filósofos citados,
Paulo crê que cada crente é o templo de
Deus (cf. 6:19). Mas o que Paulo está
asseverando aqui (v. 16) é algo não en­
contrado em Filo ou Epiteto: O templo
de Deus é a comunidade dos crentes.
A imaturidade dos cristãos, em Corin­
to, não significa que eles não são o
templo de Deus. Como crentes, eles pos­
suem o Espírito de Deus. O problema
deles é que não deram ao Espírito Santo
permissão para possuí-los. A existência
de facções na igreja é a mais clara indica­
ção de que isto é verdade, porque os
partidos tendem a dividir, e o templo de
Deus é uma unidade. Um edifício que
seja cortado em várias partes tem a sua
unidade destruída. Sagrado é o santuário
de Deus, porque Deus fez da Igreja a
comunidade que possui o seu Espírito.
A Igreja é separada, santa, para ser o
instrumento do propósito de Deus no
mundo. A expressão o santuário de Deus,
que sois vós significa que todos os cris­
tãos em Corinto faziam parte do templo,
pois o Espírito de Deus habita na Igreja.
Em 3:17, Paulo adverte os coríntios
que as contendas intencionais serão jul­
gadas severamente por Deus: Se alguém
destruir o santuário de Deus, Deus o
destruirá. Paulo não esclarece o que quer
dizer, ao falar em destruição. De qual­
quer forma, não há razões suficientes
para crer que Paulo se refere, aqui, às
pessoas mencionadas nos versos 14, 15 e
17. Não está claro se Paulo está se refe­
rindo, neste versículo, a um líder espe­
cífico da igreja em Corinto ou se a vários
deles. Ele faz os coríntios se recordarem
de que cada um deles faz parte do tem­
plo, e fazer parte para desunir é ajudar a
destruir o templo. Barrett sugere que as
palavras de Jesus em Mateus 16:18 de
forma alguma proíbem a destruição de
congregações em particular, como se tor­
na claro em Apocalipse 2:5 e 3:16. O
povo de Deus sobrevive, mas congrega­
ções em particular podem deixar de exis­
tir.
8. Os Apóstolos e a Sabedoria de Deus
(3:18-23)
18 N in g u ém s e e n g a n e a si m e s m o ; se
a lg u é m d e n tre v ó s se te m p o r sá b io n e ste
m undo, fa ç a -se louco p a r a se to m a r sáb io .
19 P o rq u e a sa b e d o ria d e ste m u n d o é lo u ­
c u ra d ia n te d e D e u s; po is e s tá e s c r ito : E le
a p a n h a os sá b io s n a s u a p ró p r ia a s tú c ia ;
20 e o u tr a v e z : O S en h o r co n h ece a s co g i­
ta ç õ e s do s sáb io s, q u e sã o v ã s . 21 P o rta n to ,
n in g u ém se g lo rie n o s h o m e n s; p o rq u e tu d o
é vosso; 22 s e ja P a u lo , ou Apoio, ou G efas;
s e ja o m u n d o , ou a v id a , ou a m o r te ; s e ja m
a s co isa s p re s e n te s , ou a s v in d o u ra s, tu d o é
vosso, 23 e vós de C risto , e C risto d e D eu s.
Na verdade, Paulo não esqueceu os
seus dois temas: facções e sabedoria
(cf. 1:20-2:16). Ele reintroduz a pala­
vra para sabedoria (sophia) no verso 18.
Alguém é sábio neste mundo quando põe
a sua confiança na sabedoria de sua luta
egocêntrica. Todos os esforços para co­
locar de lado a “loucura” da cruz são
obra do sábio neste mundo, do século
presente. Uma pessoa precisa fazer-se
louca, isto é, precisa aceitar pela fé, o
Cristo crucificado, a fim de se tornar
sábia. Aí será verdadeiramente sábia.
Essa fé é uma reação à obra de Deus em
Cristo; e nenhum homem pode gloriar-se
de ter chegado a essa sabedoria por seus
próprios méritos. A verdadeira sabedoria
do homem é revelada quando ele aceita
a loucura de Deus (do ponto de vista
humano): a cruz.
A sabedoria deste mundo é loucura
diante de Deus (cf. 1:20), porque é um
esforço para salvar-se a si mesmo, em
vez de ser salvo por Deus. Os, homens
não podem acertar a sua situação com
Deus; só Deus pode fazer isso. Precisa
haver um rompimento radical na maneira
da pessoa entender a sabedoria. Cons­
titui em voltar as costas para a sabedo­
ria egocêntrica, e aceitar a sabedoria
centralizada em Deus, revelada na cruz
de Cristo. Não o que o homem pode
aprender a respeito da vida no mundo,
mas o que Deus revela na cruz — isso é
sabedoria.
O filósofo estóico Sêneca, contempo­
râneo de Paulo, tinha uma opinião muito
diferente acerca do homem sábio. Ele
cria que a mente do sábio domina todas
as coisas, e que todas as coisas lhe per­
tencem. Paulo declara que todas as coi­
sas pertencem aos que estão unidos em
Cristo. Isso é verdade, porque eles foram
remidos por Deus em Cristo, e foram
chamados para o reino de Deus. Eles
encontram verdadeira liberdade na co­
munidade dos fiéis; colocam a sua con­
fiança naquele que, por sua morte e res­
surreição, venceu os poderes malignos do
cosmos (Rom. 8:3; Fil. 2:10). O apelo
de Paulo, nesta passagem, é um apelo
para o senso de comunidade. A verda­
deira sabedoria não divide os crentes
em facções, que se empenham em dispu­
tas, mas os une todos em Cristo.
Portanto, ninguém se glorie nos ho­
mens, visto que nenhum homem possui a
verdadeira sabedoria, exceto como um
dom de Deus (cf. 1:31; Gál. 6:14; Fil.
3:3). Nenhum indivíduo, em Corinto,
merece espécie alguma de liderança que
leve à divisão na igreja. Todos os líderes
da igreja estão sujeitos a um líder: Cristo.
E todos os líderes da igreja pertencem
a toda a igreja, e não a facções em
particular. Ninguém precisa escolher um
deles, porque todos pertencem a todos.
A apresentação de Cefas suscita, a
questão se ele alguma vez esteve em
Corinto. Apoio, com quem Paulo se en­
tende em termos amigáveis (cf. 3:5-9),
é o assunto, juntamente com Paulo, de
uma discussão amigável de comunhão no
apostolado. Talvez Cefas esteja sendo
apresentado aqui de forma oblíqua, pelo
fato de ele ou seus seguidores serem uma
fonte de dissensão em Corinto. A men­
ção de Cefas, em 9:5, provavelmente
indique que os coríntios o conheciam.
Mas não há nenhuma indicação clara
de que ele visitou alguma vez Corinto, e
nenhuma indicação, em parte alguma,
de que ele se tornou pessoalmente uma
fonte de turbação em Corinto. A suposi­
ção de que o “partido de Cefas” enfati­
zasse a lei judaica, não é baseada em
qualquer evidência encontrada em I Co­
ríntios.
Porque tudo é vosso é a maneira pela
qual Paulo abarca a vida, em revelar
esta a divina intenção de Deus. Ele não
é nem libertino nem asceta, mas alguém
que aceita a vida como um dom de Deus,
a ser interpretada e vivida à luz de Cristo
e através da fé em Cristo (cf. Rom.
8:38,39). Deus deu, à sua Igreja, ho­
mens que sirvam ao seu povo. A glória
da vida, para eles, é encontrada na vida
entregue ao serviço de Deus e de sua
Igreja. E há a soberana certeza de que
o mundo, com os seus múltiplos tesou­
ros, tem o objetivo de servir ao bem-
estar de todos os que pertencem a Deus
em Cristo. A vida pertence aos santos de
Deus, porque ela é o cenário e a expe­
riência da redenção. O fiel testifica do
senhorio de Cristo todos os dias de sua
existência obediente. E a morte serve ao
povo de Deus, porque ela é abraçada,
pelo remido, na confiança de que a morte
é tragada na vitória da vida. O último
grande inimigo do homem encontrará
derrota, em seus esforços para destruir
os santos, porque o Senhor deles ressus­
citou entre os mortos e se tomou as
primícias dos que dormem” (15:20). De
fato, todas as coisas são vossas — as
incomensuráveis riquezas da sabedoria e
graça de Deus, em Cristo!
E vós de Cristo, e Cristo de Deus.
Que a Igreja, em Corinto e em todas as
outras partes, se levante em adoração e
louvor diante do altar de Deus, longe do
altar do jactancioso orgulho humano.
Cristo é de Deus, de forma que todas as
coisas pertencem aos seus santos (cf. Fil.
2:11; I Cor. 15:28).
1 Q ue o s h o m e n s n o s c o n sid e re m , p o is,
com o m in is tro s d e C risto e d e sp e n se iro s dos
m isté rio s d e D eu s. 2 O ra , a lé m d isso , o que
se re q u e r n o s d e sp e n s e iro s é q u e c a d a u m
s e ja e n c o n tra d o fiel. 3 T o d a v ia , a m im m u i
pouco se m e d á d e s e r ju lg a d o p o r v ó s, ou
p o r q u a lq u e r trib u n a l h u m a n o ; n e m e u t a m ­
pouco a m im m e s m o m e ju lg o . 4 P o rq u e ,
e m b o ra e m n a d a m e s in ta c u lp ad o , n e m p o r
isso so u ju s tific a d o ; p o is q u e m m e ju lg a é
o S enhor. 5 P o rta n to , n a d a ju lg u e is a n te s do
tem p o , a té q u e v e n h a o S en h o r, o q u a l n ã o
só t r a r á à luz a s c o isa s o c u lta s d a s tr e v a s ,
m a s ta m b é m m a n if e s ta r á os d esíg n io s dos
c o ra ç õ e s; e e n tã o c a d a u m r e c e b e r á d e
D eus o se u lou v o r.
No capítulo 4, Paulo termina a discus­
são das dissensões em Corinto, o errado
entendimento do evangelho da cruz, e
faz uma defesa indireta do seu apos­
tolado.
Que os homens nos considerem —
Cefas, Apoio e Paulo — como ministros
de Cristo. Ministros (huperetas) são sub-
remadores, pessoas que servem remando
no nível mais baixo do navio. São tam ­
bém servos ou ajudadores (cf. At. 13:5;
Mat. 26:28; João 18:36). Paulo está en­
fatizando que nenhum dos líderes que
servira à igreja em Corinto pode dizer
que algo é deles, a não ser a honra do
trabalho humilde. Despenseiros dos mis­
térios de Deus enfatiza a responsabili­
dade de se ser fiel, que cabe aos que
servem à igreja (cf. Luc. 12:42; Mat.
25:21,23). Despenseiros (oikonomos) é
usado nos Evangelhos para designar o
escravo que age como supervisor, e che­
fia outros escravos, e tem a responsabi­
lidade de supervisionar os negócios de
uma casa (Luc. 12:42-48; Mat. 24:45).
Usando estas palavras, Paulo indica
em direção diferente de qualquer reivin­
dicação a proeminência pessoal e enfati­
za o serviço (servos, ministros) e a res­
ponsabilidade (despenseiros, mordo­
mos). A ênfase não é nos apóstolos,
mas no Mestre que eles servem. Paulo
está indicando, para os coríntios, uma
 direção diferente das lealdades facciosas,
para uma central lealdade a Cristo, en­
fatizando que todos os apóstolos recebe­
ram o evangelho e respondem perante
Cristo. Os mistérios de Deus é referência
às boas noticias de salvação, reveladas
na atividade de Deus em Jesus Cristo.
Mistério não é referência a ensinamentos
avançados, mas à revelação do plano
de Deus para salvar os homens. Na pro­
clamação da mensagem de salvação em
Cristo, que é a tarefa dos apóstolos,
como servos e mordomos, eles cumprem
o mistério de Cristo, que fora oculto por
séculos e gerações, mas agora é revelado
aos santos (Col. 1:25,26). Mais uma vez,
Paulo indica direção diferente de qual­
quer recomendação dos apóstolos, apon­
tando, pelo contrário, para a centrali-
dade de Cristo, falando do evangelho
como mistérios de Deus. O significado
dos apóstolos é que eles testificam da
revelação do plano de salvação elaborado
por Deus.
É imperativo que um despenseiro seja
fiel, de confiança. A sua responsabilida­
de é lembrar-se de que as coisas do seu
senhor não são suas; as suas coisas são
do seu senhor (Crisóstomo). O único
requisito de um despenseiro é que seja
digno de confiança.
Evidentemente, Paulo está sendo sujei­
to a críticas em Corinto, quando mem­
bros da igreja decidem a que líder par­
tidário vão seguir, como o verso 3 pode
dar a entender. Neste ponto da carta,
Paulo deixa de usar o pronome “nós” ,
para usar o pronome “eu” . Ele observa
que não fica perturbado quando é jul­
gado pelos coríntios ou qualquer tribunal
humano. Nem mesmo a sua consciência
é empregada para julgar-se, visto que o
julgamento pertence apenas a Deus (cf.
Mat. 7:1; Rom. 14:4). E, também, nem
os coríntios nem Paulo são capazes de
julgar o trabalho de um homem. Só
Deus tem o direito de fazê-ló. Embora
viva diante de Deus e dos homens sem
experimentar nenhuma auto-acusação
(cf. II Cor. 1:12; Rom. 9:1), Paulo sabe
que Deus tem o direito de julgá-lo.
O julgamento próprio não justifica a pes­
soa; só Deus o pode fazer (cf. Rom.
3:21 e ss.; 5:17,18; Gál. 2:16 e ss.).
Autojulgamento não é o último julga­
mento. Autojulgamento é tão impossível
como auto-redenção (Schlatter). O julga­
mento dos servos de Deus acontecerá
quando o Senhor vier em juízo final. 7
Sêneca, contemporâneo estóico de
Paulo, ensina que a consciência de uma
pessoa pode exercer o julgamento final.
O homem é o seu próprio acusador, juiz
e intercessor. De acordo com Sêneca,
Deus habita no homem, está presente na
sua mente e na sua razão. Visto que a
consciência do homem faz parte do espí­
rito divino, o homem não precisa de
nenhum julgamento adicional além da
consciência. O ponto de vista de Paulo é
bem diferente. Ele declara que não é a
consciência, mas Deus, que precisa exer­
cer julgamento. A consciência certamente
não é a voz de Deus, porque ela pode ser
fraca (8:10) e, de acordo com Paulo,
precisa ser informada pelo Espírito San­
to, a fim de ser um guia digno de con­
fiança (Rom. 9:1).
Ê impróprio, para os coríntios, julgar
o conteúdo do ministério de Paulo antes
do tempo (cf. Mat. 8:29), isto é, antes
do dia do juízo (cf. 3:13). Quando venha
o Senhor, no último dia, ele iluminará
todos os escuros recessos da vida (cf.
14:25; Rom. 2:16) e manifestará os de­
sígnios dos corações, porque revelará
tanto os pensamentos quanto os atos do
homem. Nenhum homem é capaz de se
inocentar diante de Deus. Cristo julgará
com justiça (cf. Rom. 2:16). Aqui Paulo
está enfatizando tanto o elemento de
futurismo, na salvação, quanto a certeza
de que os homens não são capazes de
julgar-se uns aos outros, mas todos serão
julgados por Deus. E então, no dia do
juízo, cada um receberá de Deus o seu
louvor, recomendação ou aprovação (cf.
7 J. N. Sevenster, Paul and Seneca (Leiden: E. J. Brill,
1961), p.97.
3:14; II Cor. 10:18; Rom. 2:29). O louvor
provém de Deus, e não do homem, e é
reservado até o dia do juízo, que será
marcado pela libertação final dos servos
de Deus. Aquele que salva os homens
pela graça recompensará os remidos pela
graça, dando a Cristo a autoridade para
julgar (cf. João 5:27; II Cor. 5:10; Rom.
14:10).
10. Os Coríntios e Seus Apóstolos
(4:6-13)
6 O ra , irm ã o s , e s ta s c o isas e u a s a p liq u e i
fig u ra d a m e n te a m im e a A poio, p o r a m o r
d e v ó s; p a r a q u e e m n ó s a p re n d a is a n ã o ir
a lé m do q ue e s tá e s c rito , d e m o d o q u e n e ­
n h u m d e vós se e n so b e rb e ç a a fa v o r de u m
c o n tra o u tro . 7 P o is, q u e m te d ife re n ç a ?
E que te n s tu q u e n ã o te n h a s re c e b id o ? E , se
o re c e b e s te , p o r qu e te g lo ria s, com o se n ã o
o h o u v e ra s rec e b id o ?
8 J á e s ta is fa rto s ! j á e s ta is ric o s! s e m
nós j á c h e g a s te s a r e in a r I e o x a lá re in á s s e is
de fato , p a r a q u e ta m b é m n ó s re in á sse m o s
convosco I 9 P o rq u e te n h o p a r a m im , q u e
D eus a n ó s, ap ó sto lo s, n o s pôs p o r ú ltim o s,
com o co n d en ad o s à m o r te ; p ois so m o s fe ito s
e sp e tácu lo ao m u n d o , ta n to a a n jo s com o a
h om ens. 10 N ós som os loucos p o r a m o r de
C risto, e vós, sá b io s e m C ris to ; n ó s fra c o s,
e vós fo rte s ; v ó s ilu s tre s , e nós d e sp re z ív e is.
11 A té a p re s e n te h o ra p a d e c e m o s fo m e, e
sed e; e s ta m o s n u s, e re c e b e m o s b o fe ta d a s,
e n ão te m o s p o u sa d a c e r ta , 12 e n o s afa d i-
g am o s, tra b a lh a n d o c o m n o ss a s p ró p ria s
m ã o s; som os in ju ria d o s, e b e n d iz e m o s; so ­
m os p e rse g u id o s, e o su p o rta m o s ; 13 so m o s
d ifam ad o s, e e x o rta m o s ; a té o p re s e n te so ­
m os co n sid e ra d o s com o o re fu g o do m u n d o ,
e com o a e s c ó ria de tudo.
Esta passagem apresenta um difícil
problema de tradução no verso 6. A ex­
pressão traduzida como não ir além do
que está escrito é literalmente “nada
além do que está escrito” . É traduzida de
diferentes maneiras: “presumir de sábios
além do que está escrito” (Trinitariana);
“ultrapassar o que está escrito” (Trad.
Brasileira).
Embora não haja razões suficientes
para considerá-la uma glosa, é difícil
saber se esta passagem é uma referência
ao Velho Testamento, um provérbio po­
pular, uma ênfase marcante sobre o Ve­
lho Testamento, uma referência aos tex­
tos do Velho Testamento citados em
1:19,31; 3:19; ou uma ênfase de Corín­
tios que coloque as suas interpretações
no mesmo nível da Escritura, ou atribua
àquelas qualquer superioridade. Outras
sugestões são de que essa declaração se
refere a uma coleção de palavras de Jesus
ou das próprias cartas de Paulo aos co­
ríntios. Além do mais, a maneira como
Paulo entende a liberdade em contrapo­
sição à lei pode ter levado alguns dos
coríntios a dar ênfase exagerada na li­
berdade.
Paulo novamente se refere aos corín­
tios como seus irmãos. A comunhão da
igreja não é quebrada, e Paulo apela
para o fato de juntamente serem mem­
bros da família de Deus, na qual foram
adotados. Estas coisas, ou seja, toda a
discussão iniciada em 3:5, apliquei... a
mim e a Apoio, como lição objetiva, por
amor de vós... para que... aprendais
mediante a forma como aceitamos um ao
outro em amizade, e não em rivalidade,
a não ir além do que está escrito: o ensino
do Velho Testamento.
Paulo enfatiza a unidade que existe
entre Apoio e ele mesmo, para apelar aos
coríntios, que estão correndo o perigo de
se tornarem ensoberbecidos pela sua leal­
dade partidária a diferentes líderes (3:6;
6:12). O uso que ele faz de ensoberbeça
é confinado quase que inteiramente às
cartas aos coríntios. Esta palavra com­
bina bem com a palavra “jactância” , que
é usada muito mais vezes nas cartas
coríntias do que em todo o resto da sua
correspondência.
Pois, quem te diferença? significa:
Quem te considera superior? E que tens
tu que não tenhas recebido? Afinal de
contas, Deus é o doador de todos os
dons (12:6; cf. Tiago 1:17). Visto que
Deus dá e os homens recebem, não há
motivo para orgulho. O receptor de uma
dádiva não se vangloria em si mesmo,
porém expressa agradecimento a outrem.
Os coríntios estão-se esquecendo de que
os dons que eles tanto prezam, não re­
fletem a sua capacidade, mas a graça
de Deus. O evangelho é dado a eles por
Cristo, proclamado por Paulo, e os dons
que eles prezam são dados pelo Espírito.
Os versículos 8 a 13 constituem em
dramático quadro do apostolado de Pau­
lo, colocado em contraposição ao remado
majestoso dos coríntios. Paulo escreve
com sátira devastadora e ironia pene­
trante. Ele diz que discipulado não é
a vida de um rei, mas uma vida de servo;
não uma vida de auto-consideração, mas
uma vida de abnegação. Já estais fartos!
já estais ricos! Já entrastes no reino mes­
siânico com as suas riquezas prometidas
para os que reinam com o Messias (Paulo
está falando com sarcasmo). Os coríntios
haviam cometido o erro de concluir que o
reino de Deus já havia vindo completa­
mente. Parece que eles enfatizaram exa-
geradamente a presença do reino e eli­
minaram o seu futuro. Eram devotos de
uma escatologia plenamente realizada.
Enfatizavam o aspecto imediato do reino
("já”) e eliminaram o aspecto mediato
(“ainda não”). Já — não no futuro, mas
já — eles possuem satisfação, riquezas,
domínio!
Paulo coloca-se contra essa maneira
errada de entender, que interpreta incor­
retamente o evangelho e a fé e transfor­
ma os dois em conhecimento e entusias­
mo, ao se crer que a consumação já está
realizada. 8 Paulo, que conhece a reali­
dade do reino de Deus através da presen­
ça do Espírito na vida dos crentes (II
Cor. 1:22; 5:5), também sabe que o
cumprimento do reino espera o futuro
(15:24; Fil. 3:20,21). Como o indica Bar-
rett (p. 109), nesta vida os homens ainda
vivem pela fé, e não pelo que vêem.
O reino que os coríntios imaginam que
herdaram, é sem nós — e, por isso, é
uma ilusão, “ardil e engano” . Tal inter­
pretação dos ensinos de Paulo é possível
apenas entendendo-os de cabeça para
baixo (Wendland, p. 36). A escatologia
8 Paul Wendland, Die Briefe an die Korinther (Goettin­
gen: Vandenhoeck und Ruprecht, 1954), p. 35.
futurista não deve ser eliminada do evan­
gelho autêntico. Sarcasticamente, Paulo
lamenta o fato de que os coríntios não
estejam reinando; se estivessem, ele gos­
taria de reinar com eles!
Deus a nós, apóstolos, nos pôs por
últimos, como parte final de uma exibi­
ção de gladiadores, homens condenados
à morte em uma arena, às mãos de
homens ou às garras de feras, diante de
muitos espectadores, um espetáculo,
algo para todo mundo ver, um mundo
que é feito de aitfos e de homens. Como é
ridículo os coríntios presumirem que po­
dem estar em descanso em Sião, enquan­
to o apóstolo está lutando por sua vida na
arena! O quinhão do apóstolo não é
jactar-se em um reino majestoso, mas
oferecer-se em serviço ao Rei, cujos dis­
cípulos são considerados como loucos,
fracos e desprezíveis (cf. 3:18; 10:15;
II Cor. 12:9; 13:4). Aqueles que já se
consideram sábios, fortes e ilustres não
entendem nem o reino nem o apostolado.
Os homens que entendem o significado
do serviço do discipulado não falam tan­
to em termos do que eles ganharam por
seus próprios méritos, mas do que eles
têm para dar aos outros.
A vida do apóstolo é marcada por
privação, rejeição e labuta, e é moldada
pelo Espírito de Jesus, que foi despreza­
do e rejeitado pelos homens (cf. Mat.
5:10-44; 10:24,25; Rom. 12:14). Barrett
(p. 1 1 1 ) sugere que nos afadigamos, tra­
balhando com nossas próprias mãos
pode referir-se não apenas à labuta físi­
ca, mas ao trabalho cristão de pregar e
fundar e cuidar das igrejas (Rom. 16:6,
12; Gál. 4:11; Fil. 2:16; Col. 1:29; I Tess.
5:12). Nesse caso, Paulo estaria escreven­
do que, como mestre, ele faz o seu serviço
cristão e ao mesmo tempo trabalha com
suas mãos para ganhar a vida, costume
tido em grande consideração pelos ju­
deus, mas desprezado pelos gregos, in­
clusive por alguns dos coríntios.
Paulo entende bem que a vida do
discípulo deve ser como a vida do seu
Senhor, sofrendo, a fim de servir aos
outros. Esse discipulado inclui dedicação
por fé, ao Cristo crucificado, e confor­
midade com a sua forma de entender a
vida, na existência de cada dia.
Morrer para o eu é maneira de viver
para Cristo. Essa maneira de viver não
dura um dia, mas uma vida. Um co­
mentário aos versos 11 a 13 se encontra
no testemunho posterior de Paulo aos
Coríntios: “Trazendo sempre no corpo o
morrer de Jesus, para que também a vida
de Jesus se manifeste em nossos corpos;
pois nós, que vivemos, estamos sempre
entregues à morte por amor de Jesus,
para que também a vida de Jesus se
manifeste em nossa carne mortal” (II
Cor. 4:10-11; cf. Fil. 3:10). É importante
lembrar que, nesta passagem, Paulo não
está falando meramente de exposição a
perigo físico, mas de dedicação à vida da
cruz, revelada na vida de Jesus, e que
tem o objetivo de ser a marca de cada
cristão. A vida do apóstolo é de fato
exposta a toda sorte de angústias e sofri­
mento (cf. II Cor. 11:21-29).
Somos considerados como o refugo do
mundo, a ralé da terra, a escória de
tudo, a borra da humanidade. A palavra
traduzida como refugo (perikatharmata)
é usada para designar homens despre­
zados sacrificados aos deuses para afas­
tar calamidades. No plural aqui, alguns
estudiosos sugerem que ela deve ser tra­
duzida como “ bodes expiatórios”
(Bauer, A Greek-English Lexicon of the
NewTestament, p. 653). Escória (peripse-
ma) é também uma referência a sacrifí­
cios de pessoas que eram consideradas
indignas. Essas duas palavras gregas são
encontradas apenas aqui, em todo o
Novo Testamento.
O propósito desta passagem, em que
Paulo amplia uma exposição acerca do
apostolado, é colocar diante dos coríntios
o ideal da dedicação cristã. A comuni­
dade do Espírito é uma comunidade à
sombra da cruz. Os coríntios querem
usar a coroa sem terem suportado a cruz.
Eles precisam lembrar que o cetro é dado
apenas àqueles cuja vida é marcada pela
cruz (cf. Fil. 2:5-11; II Tim. 2:11-13).
A essa compreensão Paulo conclama os
coríntios, que não conseguem entender o
que significa viver diante da perspectiva
do amanhã de Deus e ao mesmo tempo
em dedicação quotidiana ao serviço (e ao
sacrifício) da cruz.
11. Os Coríntios e o Apóstolo Paulo
(4:14-21)
14 N ão e sc re v o e s ta s c o isas p a r a v o s e n ­
v e rg o n h a r, m a s p a r a vos a d m o e s ta r, com o
a filhos m e u s a m a d o s . 15 P o rq u e a in d a que
te n h a is d ez m il a io s e m C risto , n ã o te n d e s ,
contudo, m u ito s p a i s ; p o is e u p elo ev a n g elh o
vos g e re i e m C risto J e s u s . 16 R ogo-vos, p o r­
tan to , q u e s e ja is m e u s im ita d o re s . 17 P o r
isso m e s m o vos e n v ie i T im óteo , q u e é m e u
filho a m a d o , e fiel no S e n h o r; o q u a l vos
le m b ra r á os m e u s c a m in h o s e m C risto ,
com o p o r to d a p a rte e u e n sin o e m c a d a
ig re ja . 18 M a s a lg u n s a n d a m in c h a d o s,
com o se e u n ã o h o u v esse d e i r te r convosco.
19 E m b re v e , p o ré m , ire i t e r convosco, se o
S enhor q u is e r, e e n tã o c o n h e ce re i, n ã o a s
p a la v r a s dos q u e a n d a m in c h a d o s, m a s o
p o d er. 20 P o rq u e o re in o d e D eu s n ã o co n ­
siste e m p a la v r a s , m a s e m p o d e r. 21 Que
q u e re is? I r e i a v ó s co m v a r a , ou co m a m o r e
e sp írito d e m a n s id ã o ?
Não escrevo estas coisas para vos en­
vergonhar, mas para vos admoestar, co­
mo a filhos meus amados. Envergonhar
apenas humilhará os coríntios; admoes­
tar os inspirará. Os coríntios são filhos
amados de Paulo, que é seu pai no
sentido de lhes ter pregado o evangelho
e levado à fé em Cristo (cf. II Cor. 10:14).
Os coríntios podem ter dez mil aios em
Cristo, incontáveis guardiães que ensi­
nem o significado da vida cristã. Aios ou
guardas eram geralmente escravos que
orientavam a conduta das crianças, dos
seis anos de idade até a maturidade
(cf. Gál. 3:24).
Os coríntios nunca poderão ter mais
do que um pai espiritual. Um pai ama
os seus filhos, e a sua admoestação se
origina no amor que ele lhes tem. Paulo
aceita sem reservas a presença de outros
que nutram os coríntios, mas reserva-se
o direito de falar-lhes, por ter sido ele
quem os havia levado à salvação em
Cristo Jesus. Pois eu pelo evangelho vos
gerei em Cristo Jesus (cf. Gál. 4:19;
Filem. 10). No tratado “ Sinédrio” , é
declarado que, se um homem ensina a
Torah para o filho do seu vizinho, a
Escritura considera como se ele o tivesse
gerado. Em algumas das religiões de
mistério, o iniciador é mencionado como
pai do iniciado. Cristo é a fonte, o evan­
gelho é o meio, e Paulo, o instrumento da
salvação dos coríntios.
Rogo-vos, portanto, que sejais meus
imitadores. Não por causa de qualquer
arrogância espiritual, mas por ser o seu
pai espiritual, Paulo é capaz de dizer:
“Sede meus imitadores.” Ele colocou à
frente deles o quadro do apóstolo sofre­
dor, que dá a sua vida no serviço aos
outros, como Cristo fizera antes dele.
Eles sabem como ele se deu por eles,
como seu pai espiritual. Da mesma for­
ma como Paulo segue o seu Senhor em
obediência à sua palavra, também os
coríntios são chamados para acompa­
nhar o seu pai espiritual em sua obediên­
cia (Fil. 3:17; I Tess. 1:6; 2:14; II Tess.
3:7-9). E qualquer pessoa que seguir o
apóstolo estará seguindo a Cristo. A imi­
tação de Paulo deve ser dedicação ao
princípio da cruz para a vida, revelado
em Jesus, e colocado como o centro da
vida de Paulo, da maneira como foi
vivido entre os coríntios. A imitação
aponta tanto para Paulo como para o seu
Senhor.
Como clara evidência de interesse e
afeição, Paulo envia Timóteo... meu fi­
lho amado, e fiel no Senhor a Corinto.
Talvez Timóteo já tivesse dado início à
sua viagem, mas ainda não havia che­
gado (cf. 16:10). Ele não é apenas que­
rido para Paulo, mas também para os
coríntios; ele também é fiel, como os
coríntios não são. Paulo nunca descreve
os coríntios como fiéis.
Timóteo, convertido por Paulo, está
associado com Paulo pelo fato de ter
escrito com ele algumas das cartas,
como, por exemplo, I e II Tessalonicen-
ses, Colossenses e II Coríntios. Ele se
uniu a Paulo desde o tempo da segunda
viagem missionária (At. 16); ele, prova­
velmente, ajudou Paulo a fundar a igreja
em Corinto. Timóteo levará os coríntios a
se lembrarem dos caminhos de Paulo em
Cristo, dos seus ensinamentos espirituais
e morais (cf. 7:17; 12:31; II Tess. 2:15).
“Caminho” é palavra usada no Velho
Testamento para designar ensinamentos
morais (Deut. 5:33; 8:6; Jer. 32:39; Sal.
1:6). Os princípios cardeais da vida cris­
tã, Paulo ensina em todas as igrejas.
Ele não está disposto a permitir as espé­
cies de inovações que os coríntios espo­
sam, porque elas subvertem a igreja, ti­
rando-a de uma correta compreensão do
evangelho.
Paulo não está apenas enviando Ti­
móteo. Está também prevendo uma sua
viagem a Corinto, quando enfrentará os
arrogantes cristãos que o criticam e que
não esperam que ele volte para enfrentá-
los pessoalmente. A sua declaração, em
16:5-9, não acarreta em uma contradição
com o que ele escreve aqui, mas em uma
alteração dos seus planos. Provavelmen­
te, Paulo altera os seus planos enquanto
escreve esta carta, tarefa que deve ter
levado alguns dias.
A palavra “Senhor” , no verso 19, pro­
vavelmente se refere a Cristo, e não a
Deus(cf. Rom. 1:10; 15:32). Se o Senhor
quiser dá testemunho de que Paulo en­
tende a providência (cf. 16:7; Tiago
4:15). Esta expressão é também encon­
trada fora da literatura cristã.
O reino de Deus, no pensamento de
Paulo, possui uma orientação para o
futuro (cf. I Cor. 6:9,10; 15:24; 15:50;
Gál. 5:21). Esta expressão é usada ape­
nas uma vez na Epístola aos Romanos, e
apenas cinco vezes em I Coríntios. Em
Romanos 14:17 e Colossenses 1:13, se faz
uma referência à realidade atual do rei­
no, sem nenhuma ênfase na sua orienta­
ção futura. Quando o reino revela o seu
poder na vida dos homens, é presente, e,
quando chega ao cumprimento e reali­
zação, no fim dos tempos, é futuro.
 Embora em outras partes Paulo enfa­
tize a palavra da pregação (2:4), e não
menospreze a comunicação do evange­
lho, ele despreza as palavras vazias, es­
pecialmente porque os coríntios enfati­
zam tanto a sabedoria. O reino de Deus
manifesta a sua vitalidade quando reflete
o poder do Espírito Santo para trans­
formar a vida dos homens (cf. 2:4; Rom.
14:17; ITess. 1:5).
Paulo pede, aos coríntios, para faze­
rem uma escolha e decidirem a maneira
como ele devia fazer a sua próxima visita
a eles. Como pai espiritual deles, ele
tem a responsabilidade de discipliná-los.
Ele os tratará com a sua autoridade
apostólica, com uma vara, com firmeza,
ou com espírito de mansidão (cf. II Cor.
12:20-21; 13:1-10). Eles é que deviam
fazer a escolha.
III. O Problema de um Membro
Imoral da Igreja (5:1-13)
1 G e ra lm e n te se ouve q u e h á e n tr e vós
im o ra lid a d e , e ta l Im o ra lid a d e q u e n e m
m esm o e n tr e o s g en tio s se v ê , a p o nto de
h a v e r q u e m v iv e co m a m u lh e r d e seu p a i.
2 E v ó s e s ta is in c h ad o s? e n e m a o m en o s
p ra n te a s te s p a r a q u e fo sse tira d o do v o sso
m eio q u e m p ra tic o u e ss e m a l?
3 E u , n a v e rd a d e , a in d a q u e a u s e n te no
corpo, m a s p re s e n te no e sp írito , j á ju lg u e i,
com o se e stiv e ss e p re s e n te , a q u e le q u e c o ­
m e te u e s te u ltr a je . 4 E m n o m e d e n o sso
Senhor J e s u s , c o n g re g a d o s v ó s e o m e u e s ­
p írito , pelo p o d e r d e n o sso S en h o r J e s u s ,
5 s e ja e n tre g u e a S a ta n á s p a r a d e stru iç ã o
d a c a rn e , p a r a q u e o e sp írito s e ja sa lv o no
d ia do Sen h o r J e s u s .
0 N ão é b o a a v o ss a ja c tâ n c ia . N ão sa b e is
q u e u m pouco d e fe rm e n to le v e d a a m a s s a
to d a ? 7 E x p u rg a i o fe rm e n to v e lh o , p a r a q u e
se ja is m a s s a n o v a , a s s im co m o so is s e m
fe rm e n to . P o rq u e C risto , n o s s a p á sc o a , j á
foi s a c rific a d o . 8 P e lo q u e c e le b re m o s a
fe s ta , n ã o com o fe rm e n to v elh o , n e m co m
o fe rm e n to d a m a líc ia e d a c o rru p ç ã o , m a s
co m os á zim o s d a sin c e rid a d e e d a v e rd a d e .
9 J á p o r c a r t a vo s e s c re v i q u e n ã o vos
c o m u n icásse is c o m os q u e se p ro s titu e m ;
10 co m is to n ã o m e r e f e r ia à c o m u n ic a ç ã o
e m g e ra l co m o s d e v a sso s d e ste m u n d o , ou
co m os a v a re n to s , ou c o m os ro u b a d o re s,
ou co m os Id ó la tra s ; p o rq u e e n tã o vos s e r ia
n e c e ss á rio s a i r do m u n d o . 11 M a s a g o ra vos
e sc re v o q u e n ã o v o s c o m u n iq u eis co m a q u e ­
le q u e, d izendo-se ir m ã o , fo r d e v a ss o , ou
a v a re n to , o u id ó la tra , o u m a ld iz e n te , o u b e ­
b e rr ã o , o u ro u b a d o r; c o m e ss e ta l n e m s e ­
q u e r c o m a is. 12 P o is, q u e m e im p o rta ju lg a r
os q u e e s tã o d e fo ra ? N ão ju lg a is vós o s que
e stã o d e d e n tro ? 13 M as D eu s ju lg a o s que
e stã o d e fo ra . T ira i e ss e iníquo do m e io d e
vós.
O capítulo 5 se relaciona com o capí­
tulo 4 pela referência à autoridade de
Paulo, mencionada em 4:18-20 e 5:3-5.
Ele se refere inteiramente a um problema
de imoralidade na igreja.
Quem vive com a mulher de seu pai.
Imoralidade é ação descrita pela palavra
pomeia, que é usada em o Novo Testa­
mento para designar lascívia e imorali­
dade sexual. Literalmente, ela significa
prostituição. Pode ser traduzida como
“fornicação” . Evidentemente, um mem­
bro da igreja está vivendo sexualmente
com a sua madrasta, em termos perma­
nentes. Paulo não usa as palavras gregas
que significam adultério nem incesto, de
forma que a relação deve ser união se­
xual com a sua madrasta. O apóstolo não
diz que o homem está vivendo com a sua
própria mãe.
Parece que a mulher não é cristã. Não
está claro se o pai do homem em ques­
tão já morreu ou se ele se divorciou da
mulher. O membro da igreja parece estar
vivendo com a sua madrasta sem se casar
com ela, embora isto não esteja absoluta­
mente claro.
Paulo sabia que uma união sexual
como essa era proibida no Velho Testa­
mento (Lev. 18:7,8; 20:11). De acordo
com a Mishnah, o ofensor merecia ser
apedrejado até a morte (Sanhedrin 7:4).
Por outro lado, alguns dos rabis não
faziam objeções ao fato de um prosélito
ser casado com mulher que havia sido
esposa do seu suposto pai.
A lei romana também proibia tal rela­
cionamento, mesmo depois da morte do
pai. “Institutos de Gaio” (1:63) relaciona
as pessoas aparentadas com um homem,
com quem ele não é livre para se casar.
 Ao invés de manifestar tristeza, os co-
ríntios manifestam jactância ou arrogân­
cia. São insensíveis para com os danos
morais que um ato indisciplinado desses
causará à igreja. A arrogância e jactância
podem indicar que havia entre os corín-
tios uma interpretação do evangelho à
feição dos gnósticos, que de certa forma
têm a opinião de que o homem está livre
para se permitir uma certa lassidão mo­
ral que afete o corpo (cf. 6:12). Tal
interpretação os levaria além das conven­
ções de moral aceitáveis entre judeus e
gentios. Paulo rejeita a arrogância dos
coríntios. Um estilo de vida como aquele
devia estar provocando lamentações.
Porém, mais do que lamentações se
pede, visto que a pessoa culpada não
desistiu do seu estilo de vida. A igreja tem
a obrigação de tirá-lo da comunhão dela
(cf. Mat. 18:15-18). Embora a igreja não
seja chamada para se retirar do mundo,
ela é chamada para tirar o mundo dela.
Tal disciplina, como Paulo recomenda
aos coríntios, era praticada na comuni­
dade de Qumran (1QS 5:26-6:1).
Embora Paulo esteja fisicamente au­
sente de Corinto, ele está presente psico­
lógica e espiritualmente (cf. Col. 2:5).
Ele está presente em pensamento, e es­
tará lá enquanto os coríntios lembrarem
o seu ensino e maneira de entender a
vida cristã. As pessoas que estão ausentes
podem estar presentes pelo fato de se
unirem com as presentes em termos es­
pirituais. Paulo se imagina presente
quando a congregação se reúne para
decidir a respeito do assunto, e pronun­
cia um veredicto de culpa. A igreja se
reunirá em nome do Senhor Jesus, por
dedicação à sua autoridade e à sua ver­
dade. A igreja presente e Paulo ausente
no corpo, mas presente em espírito, serão
capazes de tomar a decisão requerida
pelo poder ou ajuda do Senhor Jesus.
Aquele que os havia chamado como seus
discípulos dava-lhes poder para viverem
como discípulos.
A igreja está na obrigação de entregar
esse homem a Satanás para destruição da
carne (cf. I Tim. 1:20). É interessante
notar que toda a igreja é responsável por
esta decisão; Paulo apela para toda a
igreja, e não para os oficiais da igreja.
De fato, Paulo sempre apela para a con­
gregação, no decorrer da carta, e nunca
para os líderes eclesiásticos. Ele não ape­
la para uma hierarquia, mas para os
próprios fiéis.
Não há nenhuma indicação de que eles
estivessem seguindo o costume da sina­
goga, onde qualquer expulsão era votada
pelos anciãos. A decisão será válida ape­
nas se nascer da convicção de toda a
igreja, e não se for forçada pelas autori­
dades eclesiásticas. Embora Paulo esteja
obviamente usando a autoridade pessoal
que tem sobre a igreja, ele deixa a deci­
são final à congregação, quando se reu­
nirem como comunidade que pertence a
Jesus e vive pelo seu poder.
Seja entregue a Satanás (cf. I Tim.
1 :20) significa expulsá-lo da comunhão
da igreja. Também pode significar, de
forma obscura para nós, que a vida fora
da igreja acarreta a colocação do mal­
feitor diretamente sob a má influência de
Satanás e fora da influência benéfica de
Cristo.
Destruição da carne significa que o
homem morrerá fisicamente (cf. At. 5:5,
10), ou que ele se purificará do seu estilo
de vida centralizado no pecado, aqui
mencionado como carne (cf. Rom. 7:5).
Ê uma impressionante forma de terapia,
que mata um homem a fim de salvá-lo!
Além disso, é Cristo, e não o homem,
quem salva do pecado. Provavelmente,
Paulo quer dizer que, uma vez fora da
igreja, o pecador começará a refletir nos
seus maus atos e refreará o seu estilo
de vida centralizado no pecado, que é
característico da carne: vida sem Deus.
Penitente, então ele procurará perdão,
e alcançará redenção final.
Seja o que for que signifiquem “entre­
ga a Satanás” e “destruição da carne” ,
é claro que Paulo prevê que o espírito
do homem, o seu eu básico, será salvo
no juízo final. Conseqüentemente, o so­
frimento ou morte que o malfeitor sofre,
não é destruidor em termos finais, e, sim,
redentor (cf. 3:15).
A jactância dos coríntios é uma expe­
riência altamente enganosa. Ela não é
apenas ruinosa em referência a este ho­
mem e ilusória em sua indiferença para
com a moralidade, mas também afeta
toda a igreja de maneira insidiosa, visto
que um pouco de fermento leveda a
massa toda (cf. Gál. 5:9; Mat. 13:33,
onde o fermento é usado no bom senti­
do). Um pouco de fermento afeta toda a
massa. Da mesma forma, a torpeza mo­
ral de uma pessoa influencia adversa­
mente a fibra moral de toda a comuni­
dade. Não há pecados inconseqüentes, na
vida dos crentes.
Nos versos 6 a 8, Paulo refere-se à
celebração da Páscoa, que requeria que
todo o fermento fosse removido da casa,
desde o primeiro dia da celebração (cf.
Êx. 12:15; Pesahim 1:3; 3:6). O pão da
Páscoa precisava ser asmo ou ázimo, isto
é, sem fermento, e não podia haver ne­
nhum traço de impureza, significada
pelo fermento (Êx. 12:18-20). Removen­
do o velho fermento, o homem imoral, os
coríntios podem tornar-se massa nova de
pão, moralmente puros — a igreja como
um todo.
Paulo exorta os coríntios com um im­
perativo: expurgai o fermento velho, e
continua com uma declaração no modo
indicativo: assim como sois sem fermen­
to. Coríntios, tomem-se o que vocês real­
mente são! Eles já são nova criação (II
Cor. 5:17), mas precisam viver como tal,
e não cair em pecado grave (10:6-13;
Gál. 4:9). Existe um “já ” e um “ainda
não” na vida moral do crente. O indica­
tivo da salvação de Deus abre as portas
para o imperativo da obediência do ho­
mem (Rom. 6:5-14; 8:10-17; Col. 3:1-25;
Gál. 5:16-25).
O crente torna-se realmente asmo me­
diante a apropriação perene da graça de
Deus através da fé obediente.
É um mal-entendido horrível do/evan-
gelho presumir-se que o indicativo da
ação de Deus é compulsória para a sal­
vação, e o imperativo da obediência do
homem é opcional. Paulo não rouba a
vitalidade da vida cristã dessa forma.
Não se deve apenas conhecer a verdade;
deve-se também andar nela (cf. Gál.
5:25; João 3:21; Rom. 6:12-14).
Porque Cristo, nossa Páscoa, já foi
sacrificado (cf. I Ped. 1:19; João 1:29).
A palavra usada para traduzir Páscoa é
to pascha, que é usada também para
designar a festa de sete dias da Páscoa. (*>
O cordeiro da Páscoa era imolado ao
meio-dia do décimo quarto dia de Nisã e
comido depois do pôr-do-sol. Tem sido
sugerido que Jesus se comparou com o
cordeiro da Páscoa e que a referência em
5:7 significa que estar em Cristo é estar
na Páscoa no seu mais completo cumpri­
mento.
Cristo, o cordeiro da Páscoa, já foi
sacrificado; e os coríntios já estão atrasa­
dos em remover o mal de suas vidas de
forma que possam em verdade se apro­
priar do sacrifício dele. Cristo morreu; os
coríntios precisam corresponder, purifi­
cando as suas vidas da presença pecami­
nosa do “iníquo” . Da mesma forma
como o cordeiro pascal lembra a salvação
da escravidão no Egito, Cristo, o cordeiro
pascal, lembra a salvação do pecado.
Os coríntios precisam lembrar-se que já
foi feito o sacrifício pelo qual eles podem
se tomar ázimos, pão puro, que Deus
pretende que eles sejam. Talvez Cris­
to seja chamado de cordeiro pascal por­
que morreu no dia 14 de Nisã, na
hora em que os cordeiros pascais estavam
sendo imolados no Templo, ou porque
Paulo está escrevendo aos coríntios na
época da Páscoa. Mas estas sugestões
não podem ser provadas nem pode ser
demonstrado que esta referência ao cor­
(*) Tecnicamente, a Páscoa era comemorada apenas no
dia 14 de Nisã. O que se comemorava nos sete dias
seguintes era a Festa dos Pães Asmos ou Ãzimos
(Ler. 23:5,6; Êx. 23:15). Embora fossem duas fes­
tividades distintas, pelo fato de serem uma em se­
guida í outra, elas muitas vezes são confundidas.
— Nota do tradutor.
deiro pascal se tenha originado da Úl­
tima Ceia.
Os cristãos de Corinto são exortados
a se juntarem a Paulo na celebração
alegre dessa festa da vida cristã, que é
um festival perene, visto que o cordeiro
pascal morreu uma vez por todas na
cruz. A celebração ocorre pelo fato de se
viver agradecidamente, todos os dias,
no tipo de vida obediente, que não deixa
lugar para malícia e corrupção, mas é
fortalecida pelos ázimos da sinceridade
e da verdade.
No verso 9, Paulo refere-se ao seu con­
selho, dado em carta anterior (perdida
para nós, a não ser que um fragmento
dela ocorra em II Cor. 6:14-7:1), para
que os coríntios não andem na compa­
nhia de pessoas imorais. As suas instru­
ções eram de que a imoralidade não
devia infestar a comunidade cristã. Ele
está bem a par do fato de que não se
pode esperar que os crentes evitem todas
as pessoas imorais, porque, se a gente
vive neste mundo, encontrará toda sorte
de pessoas. A única maneira de evitar os
devassos, avarentos e roubadores e idó­
latras é abandonar o mundo, e o crente
não tem a liberdade de fazer essa esco­
lha. A admoestação de Paulo é que os
coríntios não tolerem tal imoralidade en­
tre os irmãos que têm o nome, mas não
o caráter de crentes.
É notável que Paulo não requer que os
crentes se afastem da sociedade em geral,
retirando-se para santos conclaves. Pelo
contrário, o discípulo vive para Cristo no
mundo, onde outros homens e mulheres
vivem e trabalham. O crente não se
afasta do seu ambiente, mas o transfor­
ma, vivendo no destemor e liberdade da
fé (cf. I Cor. 8-10). O crente está liberto
do mundo, quando vive uma vida cristã
disciplinada no meio do mundo. Os cren­
tes devem evitar comer refeições de qual­
quer sorte com pessoas imorais, visto
que essa aceitação social pode dar a
impressão de aceitação moral espiritual
destes. Mas os cristãos em Corinto não
apenas se associavam com a imoralidade,
como viviam com ela dentro da sua pró­
pria igreja! A impureza marca o mundo,
mas a pureza precisa marcar a igreja.
A disciplina dentro da igreja e liber­
dade disciplinada fora dela — este é o
ensino de Paulo (cf. 10:16-21; 11:17-34).
As seis categorias mencionadas nos
versos 10 e 1 1 não são, necessariamente,
representativas de todos os cristãos em
Corinto, mas representam pessoas que
levam o nome de crentes, mas vivem de
maneira imoral (cf. 6:9,10; Gál. 5:19-21;
Rom. 13:13; Col. 3:8). Listas de vícios
como esta são também conhecidas em
círculos não cristãos. Mas Paulo conside­
ra estas atividades como pecados.
A responsabilidade de Paulo está em
dar conselho apostólico aos que perten­
cem à igreja. O julgamento moral ou
disciplina que ele ministra à igreja em
Corinto resulta da comissão que lhe cabe,
como apóstolo e do relacionamento que
ele tem com eles como seu pai espiritual
na fé.
A igreja em Corinto tem a responsa­
bilidade de refletir a respeito da vida éti­
ca de sua comunidade e de, no poder do
Espírito Santo e com a ajuda da interpre­
tação cristã da vida, ministrada por con­
selho apostólico, tomar decisões em rela­
ção à expulsão do membro moralmente
recalcitrante e corrupto. Paulo está-se
referindo à disciplina eclesiástica, quan­
do escreve, no verso 12 , a respeito de
julgamento.
Deus julga os que estão de fora, por­
que exercita julgamento sobre todo o
mundo. A responsabilidade da igreja é
exercer julgamento ou crítica amorosa e
benevolente quanto à sua vida interior,
confiando a Deus o julgamento dos que
não reagem ao evangelho. Pertencer a
Deus, em Cristo, é viver uma vida disci­
plinada aos olhos do mundo e exercer
disciplina como membro responsável da
igreja (cf. Col. 4:5; I Tess. 4:12). Paulo
conclui a sua admoestação referindo-se a
Deuteronômio 17:7 (cf. Deut. 19:19; 22:
21). Mais uma vez Paulo apela não para
as autoridades eclesiásticas, mas para
toda a congregação, cuja responsabilida­
de é exercer disciplina.
IV. O Problema de Processos
Judiciais (6:1-11)
1 O u sa a lg u m d e v ós, te n d o u m a q u e ix a
c o n tra o u tro , i r a ju ízo p e ra n te os In ju sto s,
e n ão p e ra n te os s a n to s? 2 Ou n ã o sa b e is
vós q u e os sa n to s h ã o d e ju lg a r o m u n d o ?
O ra, se o m u n d o h á de s e r ju lg a d o p o r vós,
sois p o rv e n tu ra in d ig n o s de ju lg a r a s c o isa s
m ín im a s? 3 N ão s a b e is v ó s q u e h a v e m o s d e
ju lg a r os a n jo s ? Q uanto m a is a s c o isa s p e r ­
te n c e n te s a e s ta v id a ? 4 E n tã o , se tiv e rd e s
negócios e m juízo, p e rte n c e n te s a e s ta v id a ,
c o n stitu ís com o ju iz e s d e le s os q u e sã o de
m en o s e s tim a n a ig r e ja ? 5 P a r a v o s e n v e r ­
g o n h ar o digo. S e rá q u e n ã o h á e n tr e vós
s e q u e r u m sá b io , q u e p o ss a ju lg a r e n tre
se u s irm ã o s ? 6 M as v a i u m ir m ã o a ju ízo
c o n tra o u tro ir m ã o , e is to p e ra n te in c ré d u ­
los?
7 N a v e rd a d e , j á é u m a c o m p le ta d e r r o ta
p a r a vó s o te r d e s d e m a n d a s u n s c o n tra os
o u tro s. P o r q u e n ã o so fre is a n te s a in ju s ti­
ç a ? P o r q u e n ã o so fre is a n te s a fra u d e ?
8 M as vós m e s m o s é q u e fa z e is in ju s tiç a e
d e fra u d a is ; e is to a irm ã o s . 9 N ão sa b e is
que o s in ju sto s n ã o h e rd a r ã o o re in o d e
D eus? N ão vos e n g a n e is : n e m o s d e v asso s,
n e m o s id ó la tra s , n e m os a d ú lte ro s, n e m
o s efe m in a d o s, n e m os so d o m ita s, 10 n e m os
la d rõ e s, n e m os a v a re n to s , n e m os b ê b a d o s,
n e m o s m a ld iz e n te s, n e m os ro u b a d o re s h e r ­
d a rã o o re in o d e D eu s. 11 E ta is fo ste s
a lg u n s d e v ó s; m a s fo ste s la v a d o s , m a s
fo stes sa n tific a d o s, m a s fo ste s ju s tific a d o s
e m n o m e do S en h o r J e s u s C risto e n o E s p ír i­
to do nosso D eus.
Esta seção se relaciona com o capítulo
5 pelos temas de julgamento, relação
com os de fora e catálogos de pecados.
Os versículos 9 a 11 servem como con­
clusão para os versos 1 a 8, e como
introdução para os versos 12 a 20.
Paulo, nos versos 1 a 8, trata das
relações dos cristãos em Corinto em ou­
tra área: os tribunais. Ele insiste que os
crentes devem preferir ser defraudados,
a ter desacordo tão intenso com um
irmão a ponto de precisar pedir a não-
crentes para decidir a causa. Mais im­
portante do que isto, devem evitar com­
pletamente tais brechas entre entendi­
mento mútuo. Paulo está preocupado
com o crescimento espiritual deles, com
a sua reputação, como cristãos, e o seu
testemunho diante dos que estão de fora
da igreja.
Durante o tempo em que Paulo viveu,
o povo judaico havia recebido de Roma a
autoridade para aplicar as suas próprias
leis aos judeus. Os rabis diziam que era
ilegal um judeu levar uma causa diante
de juiz pagão, para ser decidida. Era
costume judaico nomear três juizes para
decidir a causa entre os judeus. A co­
munidade de Qumran tinha estatutos
para resolver as disputas entre os seus
membros. Outros grupos religiosos, no
mundo helénico, tinham instituições se­
melhantes para a solução de disputas
entre os seus membros.
Os gregos eram famosos por sua incli­
nação e gosto por causas judiciais. Os
atenienses haviam desenvolvido um sis­
tema judicial bem complexo, envolven­
do, algumas vezes, o incrível número de
seis mil cidadãos em um juri. Possivel­
mente, alguns membros da igreja em
Corinto haviam trazido com eles, para a
igreja, a sua reação tipicamente grega
aos assuntos legais. Mas a referência que
Paulo faz não é tanto aos costumes ju­
daicos como à compreensão escatológica
(cf. Mat. 19:28), e à nova condição de
cristãos diante de Deus.
O apóstolo não está sugerindo que as
cortes romanas ou coríntias são incapa­
zes de executar justiça. Em Romanos
13:1-7, ele argumenta claramente que o
Estado é o ministro de justiça divinamen­
te aprovado por Deus para todos os
homens. Ele não está lançando em des­
crédito a capacidade legal dos juizes co-
ríntios, mas repreendendo a insensibili­
dade moral dos cristãos coríntios.
Como pode um crente, que tem algo
contra um irmão, membro da família de
Deus, reunida através de Cristo, ter a
coragem de ir ao tribunal, diante dos
juizes injustos, não-crentes, em vez de ir
diante do povo de Deus, reunido em
 Cristo e separado para viver para a glória
de Deus? Como pode uma pessoa cuja
vida foi transformada chegar ao ponto
de admitir o fracasso do seu discipulado
e pedir a uma pessoa que não tem co­
nhecimento do poder do Espírito Santo
para decidir uma causa entre ele e outro
crente?
Paulo usa a palavra irmão 38 vezes
nesta epístola, e a palavra santos seis
vezes. Ele precisa esperar que uma re­
cordação de quem eles são em relação
a Deus e ao próximo os ajude a chegar
a uma compreensão mais amadurecida
do evangelho. Os santos hão de julgar
o mundo no dia do juízo (cf. Mat. 19:28;
Apoc. 20:4; Dan. 7:22). Visto que os
cristãos em Corinto assistirão, no julga­
mento escatológico, não são eles dedica­
dos seriamente o suficiente à vida cristã
no mundo presente para tentar resolver
as disputas uns com os outros? Todos
os cristãos em Corinto são recomenda­
dos a exercer disciplina contra um mem­
bro que havia errado (5:1-13). Não de­
viam eles também receber recomenda­
ções, como comunidade, de exercerem
juízo moral, uns para os outros, em
assuntos de negócios?
Se os coríntios são tão cheios de sabe­
doria, devem ser suficientemente sábios
para viverem uns com os outros nas
coisas rotineiras desta vida. Sem dúvida,
pessoas que estão destinadas a exercer
juízo quanto ao destino eterno dos outros
devem ser capazes de tomar decisões a
respeito dos negócios passageiros desta
vida! Afinal de contas, os crentes julga­
rão até os anjos! (cf. Jud. 6; 11 Ped. 2:4;
Enoque 91:15). Os que são de menos
estima na igreja são os juizes não-cren-
tes, que se assentam em cortes pagãs.
Seria incongruente crer que esta referên­
cia se faz aos membros menos estimados
da igreja. Tal interpretação, falando de
crentes mais humildes, atribuiria a Paulo
ironia e crueldade.
Paulo espera envergonhar os coríntios,
achando que uma igreja que se vangloria
tanto de sua sabedoria encontre pelo
menos um homem suficientemente sábio,
em seu meio, para decidir disputas de
natureza civil. Quando vai a juízo um
irmão contra outro irmão, ele demonstra
derrota, fracasso moral (cf. Col. 3:13).
De fato, é melhor o crente ser prejudica­
do do que prejudicar, ser defraudado do
que defraudar. O crente precisa elevar-
se acima da restrição da lei, para ser
constrangido pelo discipulado. Ele preci­
sa preocupar-se não tanto com os seus
direitos, mas com as suas responsabili­
dades (cf. Mat. 5:39-42; I Ped. 2:23).
Roubo é roubo em qualquer parte do
mundo, mas roubo na família de Deus é
o pior de todos os roubos. A liberdade
da vida cristã demonstra a sua qualida­
de transcendental quando os crentes
transformam os seus processos contra os
homens em oportunidades para exibir
qualidades cristãs. £ verdade que preci­
samos conservar as instruções de Paulo
em seu contexto devido — por exemplo,
não transformar a sua exposição feita
aqui em uma defesa do pacifismo, visto
que, em Romanos 13:1-7, ele atribui o
uso positivo da força ao Estado.
Pela terceira vez, neste capítulo, Paulo
se dirige aos coríntios: Não sabeis?
(v. 2,3,9). Os iqjustos não herdarão o
reino de Deus. A palavra “injustos” , no
verso 9, não se refere diretamente aos
injustos do verso 1 , onde a palavra é
usada como sinônimo de não-crente. No
verso 9, a palavra é referência aos dez
tipos de pessoas imorais mencionadas
nos versos 9 e 10, que constitui em solene
lista de deserdados. As palavras traduzi­
das como efeminados e sodomitas são
usadas para expressar duas palavras gre­
gas, que, provavelmente, se referem a
homossexuais ativos e passivos.
É claro que Paulo relaciona pessoas
que procuram o estilo de vida descrito
e que não possuem nenhum desejo de se
elevar moralmente de sua degradação.
Ele não está sugerindo que essas pes­
soas não podem se arrepender e receber o
perdão de Deus. As pessoas que se con­
tentam em continuar nessa vida não her-
darão o reino de Deus, porque esse tipo
de vida não é característica do homem
redimido (cf. Mat. 13:41-43; 25:41-46).
Paulo usa a expressão “herdar o reino
de Deus” várias vezes, em suas cartas
(6:9,10; 15:50; Gál. 5:21; Ef. 5:5). Jesus
a usa em Mateus 25:34. É bem claro que
Paulo considera herdar o reino como fato
escatológico — indicando a vida no reino
futuro — embora saiba que, em sentido
genuíno, o reino já esteja presente (Rom.
14:17; Gál. 5:22). O reino de Deus é a
realidade escatológica, já experimentada
pelos crentes, que se seguirá à ressurrei­
ção (15:50).
Alguns dos coríntios, antes de sua
conversão, eram do tipo de pessoas men­
cionadas nos versos 9 e 10. Mas agora são
novas criaturas (II Cor. 5:17); possuem
uma nova orientação, para Deus, em vez
da velha orientação para o pecado. Fo­
ram lavados (purificados da contamina­
ção), santificados (separados para o ser­
viço de Deus) e justificados (acertados
com Deus). E fazê-lo não foi conquista
deles, mas dom de Deus. Em nome do
Senhor Jesus Cristo significa que eles
foram colocados na possessão de Cristo;
no Espírito do nosso Deus declara que
eles são habitados pelo Espírito, que
efetuou a sua nova relação com Cristo.
Talvez o termo lavados se refira ao ato do
batismo, quando os coríntios, através
desse ato de fé, se tomaram cristãos.
Mas, no contexto, essa palavra parece
descrever o significado da entrega inicial
a Cristo, e não o batismo.
Godet afirma que, no verso 11, Paulo
está fazendo uma alusão à fórmula do
batismo: “Em nome do Pai, e do Filho,
e do Espírito Santo.” Embora esta seja
uma interpretação forçada, a atenção do
leitor é chamada para a fórmula trini-
tariana encontrada em II Coríntios
13:13.
Por um lado, Paulo assevera que os
coríntios receberam uma nova existência.
Por outro, que eles vivem, alguns deles,
com base na antiga existência. Qual é a
saída desse dilema? Paulo sabe muito
bem que os crentes vivem em dois mun­
dos ao mesmo tempo. O crente vive como
pessoa nova no mundo velho, onde o
pecado ainda predomina. O pecado não
aceita o fato de que o crente vive agora
com nova orientação, um diferente pro­
pósito, um poder diferente. Portanto, o
pecado continua a luta, tentando obter
domínio até na vida do crente. Conse­
qüentemente, Paulo recomenda, aos
crentes, que tirem o máximo proveito de
sua nova existência, e que vivam pelo
poder do Espírito Santo (cf. Rom. 8:3-
14; Gál. 5:22-25).
Consciente da grande antítese que
marca a sua existência — como juízo e
graça, vida e morte — o crente deve abrir
a sua vida para uma fé sempre renová­
vel, a fim de se tomar, na vida diária,
o que de fato Deus fez dele em Jesus
Cristo (cf. Ef. 2:1-10; Col. 1:13,14;
2:13). O indicativo da graciosa redenção
operada por Deus em Jesus Cristo recla­
ma o imperativo da resposta do homem
redimido. O cristão, em Corinto, não
está liberado das obrigações de esforçar-
se por ter uma vida eticamente elevada;
ele recebe poder para alcançar esse alvo,
porque acertou o passo com Deus e rece­
beu o poder de Deus para fazer a vontade
de Deus.
V. O Problema do Uso Adequado
do Corpo (6:12-20)
12 T o d a s a s c o isa s m e sã o líc ita s , m a s
n e m to d a s a s c o isa s co n v é m . T o d a s a s co i­
s a s m e sã o líc ita s ; m a s e u n ã o m e d e ix a re i
d o m in a r p o r n e n h u m a d e la s . 13 O s a lim e n ­
to s são p a r a o e stô m a g o e o e stô m a g o p a r a
os a lim e n to s; D eu s, p o ré m , a n iq u ila rá , ta n ­
to u m com o os o u tro s. M a s o co rp o n ã o é
p a r a a p ro s titu iç ã o , m a s p a r a o S en h o r, e o
S enhor p a r a o co rp o . 14 O ra , D e u s n ã o so ­
m e n te re s su sc ito u o S en h o r, m a s ta m b é m
nos r e s s u s c ita r á a n ó s p elo se u p o d e r.
15 N ão sa b e is vós q u e o s v o sso s co rp o s sã o
m e m b ro s d e C risto ? T o m a re i, p o is, o s m e m ­
b ro s d e C risto , e os fa r e i m e m b ro s d e u m a
m e re triz ? D e m o d o n e n h u m . 16 Ou n ã o s a ­
b e is q u e o q u e se u n e á m e r e tr iz , faz-se u m
corpo co m e la ? P o rq u e , co m o foi d ito , os
dois s e r ã o u m a só c a rn e . 17 M a s, o q u e se
u n e a o S en h o r é u m só e s p írito co m e le .
18 F u g i d a p ro s titu iç ã o . Q u a lq u e r o u tro p e ­
cad o q u e o h o m e m c o m e te , é f o r a do c o rp o ;
m a s o q u e se p ro s titu i p e c a c o n tr a o se u
p ró p rio c o rp o . 10 O u n ã o s a b e is q u e o v o sso
corpo é s a n tu á rio do E s p írito S an to , q u e
h a b ita e m v ó s, o q u a l p o ssu ís d a p a r t e d e
D eus, e qu e n ã o so is de v ó s m e s m o s? 20 P o r ­
q ue fo ste s c o m p ra d o s p o r p re ç o ; g lo rific a i,
p ois, a D eu s no v o sso corpo .
A esta altura, Paulo passa a discutir»
em princípio, a adequada compreensão
da conduta sexual, que é apresentada
com o exemplo mencionado em 5:1-13.
No curso da exposição, ele introduz o
assunto da natureza da liberdade cristã,
que é tratado extensivamente nos capí­
tulos 8 a 10. Nestes versículos, Paulo
está conduzindo um vigoroso debate com
os coríntios. Ele usa duas citações dos
seus oponentes para demonstrar que a
interpretação deles está baseada em uma
compreensão distorcida do evangelho.
Vemos emergindo, em Corinto, a espé­
cie de interpretação que se encontra em
alguns dos grupos gnósticos do segundo
século d.C. Os coríntios crêem que o
que é feito com o corpo físico não tem
nenhum efeito danoso sobre o destino da
alma. Em outras palavras, separam as
coisas físicas das espirituais. Em segundo
lugar, o corpo não tem significado per­
manente na vida do homem. Como resul­
tado, pode ser usado de qualquer manei­
ra que produza prazer sensual.
A resposta de Paulo a esse entendimen­
to errado, em relação ao corpo, é que o
corpo é a expressão exterior do próprio
homem. Ê outra forma de se falar em
“eu” ou “personalidade” . Sem dúvida,
um dos significados da palavra corpo é
simplesmente órgão físico. Porém outro
significado, que os coríntios precisam en­
tender, é que o corpo também significa o
eu ou pessoa. Visto que isso é verdade,
o que uma pessoa faz com o seu corpo
faz à sua personalidade. E a imoralidade
sexual danifica a personalidade do ho­
mem.
De fato, afirma Paulo, o corpo, trans­
formado, será ressuscitado por ocasião
da ressurreição (cf. 15:35-44; Fil. 3:21).
Na verdade, o corpo é o templo do Espí­
rito Santo nesta era, e será a base da
“existência corporal” na era vindoura
(15:35-44; II Cor. 4:14).
Nesta seção, a liberdade em referência
à moralidade é abordada de duas manei­
ras: fugir da fornicação e lembrar-se de
glorificar a Deus no corpo. O crente
precisa deduzir o que ele é livre para
fazer, perguntando se é útil para si mes­
mo e para os outros, lembrando que o
crente faz parte do corpo de Cristo.
Todas as coisas me são lícitas era,
provavelmente, o tema dos cristãos
“gnostizantes” na igreja em Corinto. Não
está claro se esta declaração é originá­
ria de Corinto, ou se fora feita original­
mente por Paulo em relação a leis ju ­
daicas a respeito dos alimentos, conclu­
são com que ele agora discorda forte­
mente, porque elas representam mal o
que ele dá a entender (cf. Gál. 5:1).
No segundo século d.C., alguns gnós­
ticos assumiram uma atitude muito li­
bertina em relação ao corpo; outros, uma
atitude muito ascética. Aqui, a atitude
condenada é a dos libertinos. Parece,
neste capítulo, que a interpretação frou­
xa da liberdade, expressa nesta citação,
se origina de uma interpretação do corpo
que afirma que a gratificação física não
tem efeitos permanentemente danosos
sobre o homem interior. Irregularidades
sexuais, diziam eles, não têm significado
moral. Paulo responde apontando para a
necessidade de maturidade pessoal nas
relações sociais (cf. 10:23). O que é mais
importante não é a autogratificação, mas
o serviço a si mesmo e a outrem.
A ausência de exigências legalistas não
pode levar à licenciosidade na condes­
cendência a desejos pessoais. A morali­
dade pessoal não é expressa e fortale­
cida por indiferença pelo que um ato
acarreta, para o autor ou para outras
pessoas. O amor aos outros, e não li­
cenciosidade em relação a si mesmo, é a
regra para a vida cristã (cf. 8:1; Gál.
5:13). Paulo diria: Posso fazer o que me
agrada quanto a qualquer coisa, mas não
permitirei que nada faça comigo o que
lhe agrada (James Moffatt, p. 68). A li­
berdade cristã precisa ser definida em
termos do que eu domino, e não em ter­
mos do que me domina.
A segunda citação dos coríntios é: Os
alimentos são paia o estômago, e o es­
tômago, para os alimentos. Paulo certa­
mente concorda que os alimentos e o
estômago não são permanentes. Ele con­
corda que a comida não contamina o
homem (cf. 8:8; 10:25,26; Mar. 7:18,19).
Paulo acha-se de acordo com a afirmação
básica da segunda citação, mas discorda
veementemente da aplicação que os co­
ríntios fazem dela. Não se pode dizer que
comida e sexo são simplesmente desejos
físicos que precisam ser satisfeitos sem
escrúpulos morais. Embora o estômago
vá perecer, o corpo será ressuscitado
(cf. 15:35-50).
A imediata reação de Paulo a esta
citação é um apelo à responsabilidade
pessoal. O crente, na verdade, é livre,
e não escravo. A sua servidão a Cristo é
liberdade, porque lhe permite cumprir
a intenção de Deus para com o homem.
O que alguns dos coríntios ensinam não
é liberdade, mas licenciosidade. Apelar
para a liberdade a fim de viver na li­
cenciosidade resulta não em liberdade,
mas em tirania. O corpo não é para a
prostituição, mas para o Senhor; isto é
uma forma de se dizer que o corpo, a
personalidade humana, não tem o obje­
tivo, no desígnio da criação de Deus,
de ser usado como instrumento de grati­
ficação sexual imoral, mas deve ser trata­
do como templo do Espírito Santo (cf.
6:19). Não se está livre para condescen­
der em sexo ilícito simplesmente porque
se reconhece que não existe diferença
entre comida sagrada e profana! O es­
tômago perecerá; o corpo, transformado,
ressuscitará dentre os mortos. A perso­
nalidade deve ser devotada a Deus; Deus
deseja, por direito, ser o Senhor da per­
sonalidade.
É importante lembrar que os gregos
tinham uma atitude diferente, quanto ao
corpo, da partilhada pelos judeus. Fa­
mosos mestres gregos falaram da insigni­
ficância do corpo comparada com a
imortalidade da alma. Os judeus, por
outro lado, ensinavam que o homem é
um ser psicossomático. Ele não tem um
corpo; ele é corpo. A expressão exterior
do ser de uma pessoa é o corpo. Ele
tem um estômago; ele é corpo.
Em alguns casos, Paulo usa a palavra
corpo para expressar simplesmente o ór­
gão físico. Nesta passagem, pode-se su­
bstituí-la pela palavra personalidade ou
“eu” , na maioria dos casos, e entende-
se ainda mais claramente o que Paulo
está querendo dizer (cf. Rom. 12:1 e leia
“personalidades” , em vez de “corpos”).
Sem dúvida, visto que Paulo está escre­
vendo acerca de imoralidade sexual, a
maneira de se entender corpo como a
expressão do físico é imediata. Corpo
tem mais conotação física no verso 13
pela primeira vez que esta palavra é
usada, bem como no verso 16, e mais
uma conotação de eu da segunda vez no
verso 13, bem como nos versos 14 e 15.
No verso 18, o significado não é claro; no
verso 19 se faz referência não tanto ao
corpo físico quanto a toda a pessoa,
como, provavelmente, também é o caso
no verso 20.
Deus não somente ressuscitou ao Se­
nhor, mas também nos ressuscitará a nós
pelo seu poder é uma afirmação de que
Deus ressuscitou Jesus em um corpo glo­
rificado, e ressuscitará dentre os mortos
os corpos de todos os fiéis, pelo mesmo
poder. Paulo está falando, no verso 14,
da ressurreição do corpo, e não da imor­
talidade da alma.
Os coríntios devem saber disto: os
vossos corpos são membros de Cristo
(cf. Rom. 12:5; Col. 1:18-24). Cristo é
o corpo, do qual os crentes individual­
mente são membros. Visto que Deus
tomará a dar vida aos nossos corpos,
 por ocasião da ressurreição, e visto que
os nossos corpos fazem parte do corpo do
Senhor atualmente, é impossível pensar-
se que um crente una parte do corpo de
Cristo com o corpo de uma prostituta.
A relação sexual significa, em certo
sentido, que as duas pessoas se tornam
uma física e mentalmente (cf. Gên.
2:24). A pessoa que une o seu corpo
com o de uma prostituta, torna-se física e
mentalmente uma com ela, em uma vida
da “carne” , centralizada no pecado; mas
a pessoa que une o seu corpo ao Senhor
toma-se espiritualmente uma com ele,
em uma vida de união espiritual. A rela­
ção com aquela é pecado; com este, é
espiritual.
Fugi da prostituição porque ela ofere­
ce tentações com que o crente nunca deve
se envolver.
O lembrete do verso 18 é muito difícil
de se interpretar. Os comentaristas lem­
bram que glutonaria e bebedice também
são pecados contra a personalidade e o
corpo físico da pessoa. Ainda assim, ne­
nhum pecado acarreta tanto a doação
e entrega de toda a personalidade —
emoção, mente e vontade — violando a
intenção revelada de Deus, como a imo­
ralidade sexual. Em nenhum outro vício
o corpo é tão intimamente unido a outra
pessoa para prejudicar essa pessoa e a si
mesmo.
A imoralidade sexual acarreta uma
degradação da relação sexual, uma indi­
ferença às reivindicações de Cristo sobre
a personalidade e uma negação da santi­
dade do corpo para uma futura comu­
nhão com Deus. É importante notar que
o repúdio da imoralidade, por parte de
Paulo, não é primordialmente psicoló­
gico ou sociológico, mas teológico.
Pela sexta vez, neste capítulo, Paulo
pergunta: Não sabeis? (cf. v. 2,3,9,15,
16). A expressão: O vosso corpo é santuá­
rio do Espírito Santo, que habita em vós,
abrange a aplicação da metáfora do tem­
plo não somente à igreja em Corinto
(cf. 3:16), mas também ao crente indivi­
dualmente. Filo, judeu contemporâneo
de Paulo, escreve, dizendo que a alma é o
santuário de Deus; e Epiteto, mestre
estóico do fim do primeiro século d.C.,
declara que Deus habita na alma através
da razão. Mas Paulo ensina, aqui, que
pela graça — através da redenção reali­
zada por Cristo — Deus habita no corpo,
que expressa toda a personalidade, me­
diante o Espírito Santo. Esta ênfase dá,
aos seus ensinamentos, um significado
adicional, quando são comparados com
os ensinamentos dos pensadores não-
cristãos do primeiro século.
Falando do corpo como templo, Paulo
enfatiza que ele deve ser usado — e não
abusado — para o objetivo para que foi
criado por Deus. Essa caracterização é
um repúdio frontal da licenciosidade se­
xual, advogada em Corinto. A referência
ao Espírito Santo indica as possibilidades
com que Deus dotou o corpo. Pela graça
de Deus, revelada em Cristo, o corpo
toma-se a habitação do Espírito de Deus,
e, assim, o Espírito dá poder e direção
para a vida do crente, que amadurece
cada vez mais (cf. Rom. 8:9-11). O cor­
po, que é lugar de habitação do Espírito,
não deve ser dado a uma prostituta.
Pela graça de Deus, o corpo do crente
toma-se santo, para os propósitos de
Deus. Falar do corpo como templo do
Espírito Santo é falar, portanto, da sua
dignidade e possibilidades propostas di­
vinamente. Ele não deve ser abusado
nem por ascetas nem por libertinos.
Não sois de vós mesmos, porque per­
tenceis a Cristo. Em sentido genuíno, o
crente é o mais livre dos homens, porque
não tem senhor terreno. Ao mesmo tem­
po, a sua é a maior condição de escravo
dentre os homens, porque pertence a
Deus. Mas essa escravidão é a perfeita
liberdade. Cristo libertou o crente da es­
cravidão do pecado, reclamando-o para
Deus. Não sois de vós mesmos, de forma
que os vossos interesses egoísticos não
podem reclamar a posse de vossa vida.
Cristo “morreu por todos, para que os
que vivem não vivam mais para si, mas
para aquele que por eles morreu e ressus­
citou” (II Cor. 5:15).
Fostes comprados por preço: o sangue
do Cristo crucificado (cf. 7:23; Gál. 3:13;
4:5; I Ped. 1:18,19; Mar. 10:45). Um
costume, chamado alforria sacra, permi­
tia que os escravos economizassem di­
nheiro suficiente, dos seus minguados
ganhos, para comprar a sua liberdade.
Tinha então lugar uma cerimônia, em
que eles levavam o dinheiro aos sacerdo­
tes no templo do seu deus, e, depois que
o dinheiro era depositado junto ao deus
(e mais tarde transferido para o seu pos­
suidor terreno anterior), eles eram decla­
rados escravos do seu deus. Agora eles
não eram mais escravos dos seus senho­
res terrenos. Tecnicamente, eles eram
escravos do deus; praticamente, eram
homens livres.
Usando a metáfora deste processo de
redenção, Paulo relembra, aos coríntios,
que eles já foram comprados da servidão
do pecado (cf. Rom. 7:14) e da morte
(cf. Rom. 5:17; 6:23) sem nenhuma in-
teiferência humana, mas pelo sacrifício
de Cristo (cf. Rom. 3:24,25). Os homens
nunca poderiam ter comprado essa li­
berdade; ela lhes teve que ser dada por
Deus, em Cristo.
Precisa ser esclarecido que a redenção
é mencionada no Velho Testamento, e
Paulo pode estar referindo-se não tanto
ao processo de alforria sacra, quanto ao
ato de Deus, ao remir o seu povo do Egito
(cf. Êx. 6:6; 13:3; Sal. 103:4).
A admoestação de Paulo, glorificai,
pois, a Deus no vosso corpo, constitui
em vivo contraste com os ensinos do seu
contemporâneo estóico, Sêneca, que su­
gerira que um homem nunca glorifica
a Deus com o seu corpo. Ele cria que
uma pessoa podia glorificar a Deus com
a sua mente ou alma, mas não com o
seu corpo, que ele considerava como
uma ameaça à pureza de espírito, uma
concha, uma roupa usada apenas por
algum tempo, uma prisão.
É porque pertencemos a Deus, atra­
vés da redenção, todavia, que estabele­
cemos o alvo de usar os nossos corpos
para glorificar a Deus. Visto que perten­
cemos a Deus, os nossos corpos perten­
cem ao seu serviço. Quando vivemos para
Deus e, por isso, o louvamos com os
nossos corpos, fazemo-lo por obediência
jubilosa. Essa ordem se tom a uma fonte
de alegria, porque é o cumprimento do
seu propósito para os nossos corpos, sem
o qual não podemos cumprir o seu pro­
pósito para as nossas vidas na terra ou
no céu. O serviço a Deus não pode ser
tão “espiritualizado” que nos permita
uso fundamentalmente errado do corpo.
O corpo que dedica a vida a Cristo será
ressuscitado, para viver com Cristo.
VI. Perguntas a Respeito do Ca­
samento (7:1-40)
O capítulo 7 é uma resposta aos pro­
blemas apresentados pelos coríntios em
uma carta enviada a Paulo. Os capítulos
subseqüentes referem-se a outras interro­
gações que lhe haviam sido feitas (cf. 8:1 ;
12:1; 16:1). Para comentários adicionais,
reporte-se às seções 3 e 7, na Introdução.
Neste capítulo, Paulo volta-se de um
problema de imoralidade sexual, para
os problemas relacionados com o casa­
mento. Há algumas evidências de que
havia uma tendência ascética no pensa­
mento de alguns coríntios. No segundo
século d.C., os gnósticos assumiram a
posição de que o que importa é só o
espírito; alguns diziam que o que a pes­
soa faz com o corpo não importa; ou­
tros, que o corpo precisa ser tratado
asceticamente. Mesmo antes dessa épo­
ca, em Corinto havia atitudes libertinas,
bem como ascéticas, no que se referia ao
corpo.
A atitude de Paulo em relação ao
casamento é conservadora, mas não de-
preciadora. A sua atitude com respeito
ao sexo é conservadora, porém não anor­
mal. Ele aprova o ponto de vista de que
a maioria das pessoas necessitam do ca-
sarnento e da expressão sexual que ele
acarreta. É imperioso lembrar que a sua
resposta às interrogações feitas pelos co-
ríntios, em relação ao casamento, está
baseada, em parte, na situação moral
vigente em Corinto, cidade notória por
sua imoralidade. Ele é favorável a uma
vida sem uma expressão de relaciona­
mento sexual explícito, para os que são
solteiros, e aconselha relações sexuais
normais para os que são casados. Além
disso, a expectativa escatológica de Paulo
o leva a aconselhar outros a não entra­
rem no casamento, se possuírem o dom
da continência que lhe foi dado. No en­
tanto, fica claro que ele não crê que
muitas pessoas possuam o dom do ce­
libato.
0 apóstolo não diz que o único valor
do casamento é o controle da licenciosi­
dade sexual. Mas ele crê que este é um
dos valores do casamento, porque permi­
te uma expressão divinamente aprovada
de desejo sexual, que faz parte do dom
da criação. Em lugar nenhum ele ma­
nifesta desprezo pelo casamento, como
foi a atitude de alguns dos pais da Igreja,
como Jerônimo ou Tertuliano, que se
referiam ao casamento como “uma des­
graça voluptuosa” .
A atitude de Paulo é permissiva, e
não obrigatória, quanto à escolha entre
celibato e casamento. Ele dá grande va­
lor ao celibato, à luz da imoralidade em
Corinto e da esperança escatológica.
A profunda compreensão do casamento,
em Efésios 5:22-33, passagem esta es­
crita em data posterior, revela uma com­
preensão dos valores positivos do casa­
mento, além do seu relacionamento com
o sexo.
1. Casamento e Sexo (7:1-7)
1 O ra, q u a n to à s c o isas d e q u e m e e s c r e ­
v e ste s, b o m s e r ia q u e o h o m e m n ã o to c a s se
e m m u lh e r; 2 m a s , p o r c a u s a d a p ro s titu i­
ção, te n h a c a d a h o m e m s u a p ró p r ia m u lh e r
e c a d a m u lh e r s e u p ró p rio m a rid o . 3 O m a ­
rid o p a g u e à m u lh e r o qu e lh e é d ev id o , e
do m e s m o m o d o a m u lh e r a o m a rid o .
4 A m u lh e r n ã o te m a u to rid a d e so b re o se u
p ró p rio co rp o , m a s , sim , o m a r id o ; e t a m ­
b é m d a m e s m a s o r te o m a rid o n ã o te m
a u to rid a d e so b re o se u p ró p rio co rp o , m a s ,
sim , a m u lh e r. 5 N ão v o s n e g u e is u m ao
o u tro, se n ã o d e co m u m ac o rd o , p o r a lg u m
te m p o , a fim d e vos a p lic a rd e s à o ra ç ã o e
depois vos a ju n ta rd e s o u tr a vez, p a r a que
S a ta n á s n ã o v o s te n te p e la v o ss a in c o n ti­
n ê n c ia . 6 D igo isto , p o ré m , c o m o q u e p o r
c o n cessão , e n ã o p o r m a n d a m e n to . 7 C on­
tu d o , q u e re r ia q u e to d o s o s h o m e n s fo ssem
com o e u m e s m o ; m a s c a d a u m te m d e D eu s
o se u p ró p rio d o m , u m d e s te m o d o , e o u tro
d aq u ele .
A expressão Bom seria que o homem
não tocasse em mulher pode ser uma
citação da carta que Paulo havia recebi­
do dos coríntios. Ou Paulo atribui valor
à declaração que eles haviam escrito, ou
a apresenta para acompanhar a sua pró­
pria opinião. Essa declaração é um eu­
femismo bíblico (cf. Gên. 20:6; Prov.
6:29). Paulo quer dizer que há valor em
a pessoa não se envolver em relaciona­
mento sexual. Ele não está se referindo
ao sexo fora do casamento. Ele diz que
há valor em as pessoas não se casarem,
mas viverem uma vida de celibatários.
Nem o mundo judaico contemporâneo
nem o mundo grego apresentavam qual­
quer argumento em favor do celibato.
Pelo contrário, o casamento era encora­
jado. Os rabis esperavam que os judeus
jovens se casassem, geralmente aos de­
zoito anos de idade, porque isso era
considerado um dever. Em Gênesis 2:18,
é declarado que não é bom que o homem
viva só. Paulo não está exaltando o celi­
bato acima do casamento, no verso 1 , mas
está exaltando o celibato. Há valores em
uma vida de celibato — é o que Paulo
está dizendo.
Tenha cada homem sua própria mu­
lher e cada mulher seu próprio marido,
porque a maioria das pessoas necessita
da expressão sexual divinamente apro­
vada, que o casamento propicia. As pes­
soas que não encontram uma vasão sadia
para os seus sentimentos sexuais no ca­
samento são tentadas a satisfazer os seus
desejos sexuais fora do casamento. E isso
leva à prostituição.
 Paulo não apenas defende o casamen­
to, mas também aconselha que marido e
mulher sejam sensíveis às necessidades
sexuais um do outro. A relação sexual é
erguida do nível de autogratificação para
o de sensibilidade moral um para com o
outro.
A relação sexual não é considerada
favor, mas dívida. A abstenção é permi­
tida apenas mediante concordância mú­
tua, e para se usar esse tempo para
reflexão espiritual. A abstenção é uma
exceção sob certas condições, e não uma
regra sob quaisquer condições. Tanto
judeus como gregos ensinam que o rela­
cionamento sexual produz impureza ri­
tual (Êx. 19:15; Lev. 15: 18). As relações
sexuais são suspensas pelos judeus, por
exemplo, no Dia da Expiação (Mishnah,
Yoma 8:1). No entanto, não há indica­
ção de que Paulo considerasse contami-
nadora a atividade sexual.
O período de abstenção não é para ser
indefinidamente, mas por algum tempo.
As relações normais precisam ser reini­
ciadas, por causa da tentação da licen­
ciosidade sexual.
Paulo diz isso como que por concessão,
e não por mandamento. Refere-se isto a
tudo o que é dito nos versos 1 a 5, ao
que ele diz no verso 2 ou ao que diz no
verso 5? Provavelmente, a referência é ao
verso 5, e Paulo concorda que um casal
deve abster-se de relações sexuais duran­
te certo período limitado, para usá-lo
como tempo de reflexão espiritual.
Quereria que todos os homens fossem
como eu mesmo, capaz de viver uma vida
sadia sem qualquer necessidade de ex­
pressão sexual. Mas nem todos os ho­
mens são dotados com o dom do celibato
e continência (cf. Mat. 19:12). Algumas
pessoas têm outros dons. Para essas, é
bom e sábio casar-se.
2. Os Solteiros e os Viúvos (7:8-16)
8 D igo, p o ré m , a o s so lte iro s e à s v iú v a s,
que lh es é b o m se f ic a re m com o e u . 9 M as,
s e n ã o p o d e m c o n te r-se , c a se m -se . P o rq u e é
m elh o r c a s a r do qu e a b ra s a r-s e .
10 T o d a v ia , a o s c a sa d o s , m a n d o , n ã o eu ,
m a s o S en h o r, q u e a m u lh e r n ã o se a p a r te
do m a rid o ; 11 s e , p o ré m , se a p a r t a r , q u e
fique s e m c a s a r , ou se re c o n c ilie co m o m a ­
rid o ; e q u e o m a rid o n ã o deix e a m u lh e r.
12 M as a o s o u tro s digo e u , n ã o o S e n h o r:
Se a lg u m ir m ã o te m m u lh e r in c ré d u la , e
e la c o n se n te e m h a b ita r co m e le , n ã o se
se p a re d e la . 13 E se a lg u m a m u lh e r te m
m a rid o in c ré d u lo , e e le c o n se n te e m h a b ita r
com e la , n ão se s e p a r e d e le . 14 P o rq u e o
m a rid o in c ré d u lo é sa n tific a d o p e la m u lh e r,
e a m u lh e r in c ré d u la é sa n tific a d a p elo m a ­
rid o c r e n te ; d e o u tro m o d o , os v ossos filhos
s e ria m in u n d o s; m a s a g o ra sã o sa n to s.
15 M as, se o in cré d u lo se a p a r t a r , a p a r te - s e ;
p o rq u e n e ste c a so o Irm ã o , o u a ir m ã , n ão
e s tá su je ito à se rv id ã o ; p o is D eu s nos c h a ­
m o u e m p a z. 16 P o is , com o sa b e s tu , ó
m u lh e r, se s a lv a r á s te u m a rid o ? ou, com o
sa b e s tu , ó m a rid o , se s a lv a r á s tu a m u lh e r?
Paulo continua os seus conselhos apos­
tólicos, nos versos 8 a 16, voltando a
atenção para os solteiros e viúvos. Pro­
vavelmente, ele inclui, nessas admoesta­
ções, tanto homens como mulheres, in­
clusive pessoas que são separadas. O seu
conselho é tais pessoas ficarem como eu.
Solteiras? De fato, não está claro se
Paulo era um solteirão. Ele podia ser
viúvo. Em sua maioria, os rabis eram
casados, e o casamento era considerado
uma obrigação para o homem judeu,
quando ele alcançava a idade de dezoito
anos.
O argumento de que os membros do
Sinédrio precisavam ser casados, toda­
via, não é decisivo para se provar que
Paulo era viúvo. E a declaração feita em
Atos 26:10 não prova que Paulo votou
como membro da corte, mas apenas que
ele concordou com o veredicto da mesma.
Se Paulo havia sido casado, e pode ser
que sim, não há indícios diretos ou indi­
retos deste fato em suas cartas. De qual­
quer forma, não pode ser estabelecido
definitivamente se ele era solteiro ou
viúvo.
No verso 8, Paulo está aconselhando as
pessoas que não são casadas, quer casa­
das anteriormente, quer não, a permane­
cerem sozinhas. As pessoas que não pos­
suem o dom da continência, contudo,
devem aceitar esse fato, e se casar.
Ê muito melhor estar casado e satisfazer
o desejo sexual do que permanecer sem
casar e abrasar-se interiormente de
paixão.
As viúvas consistiam em preocupação
especial para a igreja primitiva, que to­
mou uma atitude séria para tratar delas e
de seus problemas. Admoestações a res­
peito das viúvas realmente não contradi­
zem o que é dito em I Timóteo 5:3-16
(cf. v. 39 e 40).
Nos versos 10 e 11, Paulo dirige a sua
atenção para os casamentos em que ma­
rido e mulher são crentes. O seu conse­
lho é que os crentes que estão casados
não devem dissolver o seu casamento.
Ele não advoga nenhuma adesão ao as-
ceticismo. Neste caso, ele cita a palavra
de Jesus, o Senhor, e a considera como
ordem do Senhor. Ele está-se referindo
ao ensino de Jesus a respeito do divórcio
(cf. Mar. 10:3-9). Paulo não faz menção
da expansão interpretativa de Mateus
5:32 e 19:9. As escolas rabínicas de Hillel
e Shammai diferiam em sua maneira de
encarar o divórcio. Hillel permitia que o
homem se divorciasse de sua esposa por
quase qualquer razão. Shammai permi­
tia que o homem obtivesse o divórcio
tão-somente por causa de adultério.
Jesus fez referência, em Marcos 10:
3-9, ao ensino de Moisés; e, indubitavel­
mente, as escolas rabínicas tinham co­
nhecimento do ensino de Deuteronômio
e apresentavam diferentes interpretações
para ele. Desde a promulgação da lei de
Augusto, as mulheres do Império Roma­
no estavam achando muito mais fácil
iniciar ação de divórcio contra os seus
maridos. A mulher judia precisava abrir
processo de divórcio nos tribunais, e ele
lhe era concedido apenas sob condições
muito restritas.
Paulo afirma que nem a mulher nem
o homem deve iniciar o processo de des­
quite ou divórcio. No judaísmo, só o ho­
mem, ou seja, o marido, tinha o direito
de se divorciar. Mas Paulo usa tanto
separação ou desquite — (v. 10) como
divórcio (v. 13) em referência à mulher.
Se o desquite ocorre entre esposos cren­
tes, eles devem permanecer descasados,
isto é, não se casarem de novo, ou se
reconciliarem.
Os versículos 12 a 16 tratam de casa­
mentos em que um dos cônjuges é crente
confesso. Paulo não parece ser a favor
de que crentes se casem com não-cren-
tes, como indica II Coríntios 6:14-7:1.
Nesta seção, a referência é a um marido,
ou uma esposa, que se torna crente de­
pois de estar casado, ou casada, com
uma pessoa que não é crente. Paulo se
opõe claramente à dissolução desse casa­
mento, porque, por princípio, ele se opõe
ao divórcio. Não obstante, ele reconhece
que o marido, ou esposa, não-crente
pode criar objeções à nova fé que o seu
cônjuge abraçou. Se a fé do crente re-
cém-convertido cria conflito entre mari­
do e mulher, e o cônjuge não-crente
deseja a separação, então o cônjuge cren­
te deve concordar com a separação. Mas
o cônjuge crente não deve dar início à
separação. A fé cristã não deve ocasio­
nar conflito irreconciliável em um lar, e,
sim, produzir paz (v. 15).
Não está claro o que Paulo está que­
rendo dizer quando escreve que o marido
incrédulo é santificado pela mulher, e
a mulher incrédula é santificada pelo
marido crente. Alguns eruditos suge­
rem que Paulo está-se referindo a um
ponto de vista material de santidade e
impureza, que podem passar de uma
pessoa para outra mediante contato. A
qualidade física de santidade, suposta­
mente, passa do cônjuge crente para o
não-crente, e a santificação é efetuada.
O resultado disso é que, adicionalmente,
os filhos são supostamente santos. Não
há necessidade de batismo para essas
crianças, sustentam alguns estudiosos,
visto que por nascimento elas já perten­
cem ao corpo de Cristo.
Entre os rabis era ensinado que, se
uma mulher prosélita estivesse grávida
quando fosse recebida no judaísmo, o seu
batismo valia também pelo da criança.
O conceito de solidariedade corporativa,
tão forte no judaísmo, em que Paulo
nascera, é sustentado por outros erudi­
tos, que sugerem que a santidade de uma
pessoa se estende ao seu cônjuge e aos
seus filhos.
De fato, esta passagem (v. 12-16) não
faz referência ao batismo de crianças.
Pode-se concordar com Barrett (p. 166),
que afirma que não há indicação, em
nenhuma das cartas de Paulo, de que o
batismo é administrado a qualquer pes­
soa que não seja crente, isto é, que não
tenha confessado a sua fé. Á palavra tra­
duzida como santificado é a mesma usa­
da em 1:2. Será que Paulo pretende
expressar o mesmo significado em ambos
os casos? Em que sentido um não-crente
é separado para o serviço de Deus atra­
vés do casamento com um crente? Como
indica o verso 16, Paulo não considera
santificação e salvação essencialmente
como sinônimos.
Talvez Paulo queira dizer, aqui, que
o casamento de um crente com um não-
crente, tem um caráter de devoção, por
causa da fé cristã de um dos cônjuges.
O crente dá uma qualidade de pureza
ao casamento, de forma que o divórcio
é indesejável. Não há profanação do ca­
samento quando um dos dois cônjuges é
crente, mesmo que o outro permaneça
não sendo crente.
Dizer que os filhos são santos é dizer
que eles vivem em uma atmosfera de
piedade, criada pelo seu progenitor cren­
te, que é benéfica para o seu crescimento
espiritual. (É importante notar que o
verbo grego traduzido como “ santificar”
— hagiazein — e a palavra grega tra­
duzida como “ santo” — hagios — pro­
vêm da mesma raiz.) Seja o que for que
Paulo esteja querendo significar, é bom
admitir que ele não está-se referindo
nem à salvação do esposo não crente
nem à salvação dos filhos desse casamen­
to. Ele está-se referindo ao seu bem-
estar, e não à sua salvação.
O cônjuge crente de uma pessoa não-
crente não tem a obrigação de manter
o .casamento, se o cônjuge não-crente
iniciar a separação. Mas o crente deve
fazer todos os esforços para manter o
casamento, que tem o propósito de criar
harmonia, e não discórdia. Não há indi­
cação de que Paulo considere o crente
livre para se casar de novo, se ocorrer o
divórcio. O versículo 16 é traduzido como
interrogação, na versão da IBB. Pode ser
também traduzido como afirmação:
“Esposa, talvez salvarás o teu marido;
marido, talvez salvarás a tua esposa”
(cf. Barrett, p. 167). O fato de se tra­
duzir este versículo como interrogação
pode dar a idéia de que Paulo está de­
sencorajando o cônjuge crente a expres­
sar e manter interesse na conversão à
fé cristã de seu cônjuge recalcitrante,
no interesse da paz no lar. Contudo, este
versículo pode ser traduzido como in­
terrogação, diferente, mas legitimamen­
te, e dar a entender que o cônjuge crente
pode ajudar a levar o cônjuge não-crente
à fé em Jesus: “Pois, como sabes tu,
ó mulher, se salvarás teu marido? ou,
como sabes tu, ó marido, se salvarás tua
mulher?” (Salvarás é usada no v. 16 da
maneira como em Romanos 11:14 e I Co-
ríntios 9:22).
3. Casamento e Vocação (7:17-24)
17 S o m en te a n d e c a d a u m com o o S en h o r
lhe re p a r tiu , c a d a u m co m o D eu s o ch a m o u .
E é Isso o q u e o rd en o e m to d a s a s Ig re ja s .
18 F o i c h a m a d o a lg u é m , e sta n d o c irc u n c i­
dado? p e rm a n e ç a a s s im . F o i a lg u é m c h a ­
m ad o n a in c irc u n c isã o ? n ã o se c irc u n c id e .
19 A c irc u n c is ã o n a d a é, e ta m b é m a in c ir­
cu n cisão n a d a é , m a s , sim , a o b se rv â n c ia
dos m a n d a m e n to s de D eu s. 20 C a d a u m
fique no e sta d o e m q u e foi c h a m a d o . 21 F o s ­
te c h a m a d o sen d o e sc ra v o ? n ã o te dê c u i­
d ad o ; m a s se a in d a p o d e s to m a r-te liv re ,
a p ro v e ita a o p o rtu n id a d e . 22 P o is a q u e le
que foi c h a m a d o no S en h o r, m e s m o sen d o
e sc ra v o , é u m lib e rto do S en h o r; e a s s im
ta m b é m o q u e foi c h a m a d o sen d o liv re ,
e sc ra v o é d e C risto . 23 P o r p re ç o fo ste s
c o m p ra d o s; n ã o vos fa ç a is e s c ra v o s d e h o ­
m en s. 24 Ir m ã o s , c a d a u m fiq u e d ia n te de
D eus n o e sta d o e m qu e foi ch a m a d o .
O conselho de Paulo, aos casados,
no decorrer deste capítulo, é que eles
permaneçam como estão. Se não são
casados, devem ficar sem se casar, se
têm o dom da continência. Se são casa­
dos, devem permanecer casados, se o seu
respectivo cônjuge quiser continuar o ca­
samento. Nesta seção, Paulo estende a
sua apreciação, do casamento, à vida
como um todo. A sua observação básica
é que a fé cristã propicia uma nova
existência dentro da pessoa, mas não
necessariamente ao redor dela. A fé cris­
tã opera uma mudança radical no ho­
mem interior, mas não, necesariamente,
qualquer mudança na situação física.
Por exemplo, um escravo que se torna
crente permanece exteriormente escravo;
porém, interiormente ele é um homem
livre.
Paulo, exercendo a sua autoridade
apostólica, espera que, quanto aos que
pertencem às igrejas que ele estabeleceu,
ande cada um como o Senhor lhe repar­
tiu, cada um como Deus o chamou (cf.
1:2; 4:17; 11:16; 14:33). Ele estabelece
regras em todas as igrejas, a fim de
guiar os novos convertidos à uma expres­
são madura de fé. Ele espera que tais
regras sejam obedecidas, porque elas es­
tão baseadas no seu apostolado, conce­
dido divinamente. Portanto, ele escreve:
£ isto o que ordeno em todas as igrejas.
Uma pessoa que se tom a crente des­
cobre que a sua sorte atual é transfor­
mada. Portanto, espera-se que ela viva
como redimida no estado em que se en­
contra à época da conversão. A palavra
chamou, no verso 17, não se refere ao
chamado ou vocação de Deus para que a
pessoa se tome crente (1:26); é uma
referência à sua condição ou circunstân­
cias de vida à época em que se tomou
crente. Por exemplo, um judeu que se
toma crente não deve submeter-se a uma
operação cirúrgica para remover as mar­
cas da sua circuncisão. (Alguns judeus
haviam feito exatamente isso pouco antes
da revolta dos Macabeus, como indica
I Macabeus 1:15.) Um gentio que se
toma crente não deve submeter-se à cir­
cuncisão, na suposição de que ela acres­
centará qualquer coisa que seja necessá­
ria para a sua dedicação cristã (cf. Gál.
5:6; 6:15).
Tais atividades não têm nenhum va­
lor para a vida cristã, simplesmente por­
que tratam dos aspectos exteriores da
vida. O cristianismo trata da reorienta-
ção básica e interior da vida. A marca
fundamental da fé cristã é um coração
transformado, e não a mudança de cir­
cunstâncias físicas. Leva a viver pela lei
do amor, com base na fé (cf. Gál. 5:6;
6:15; Rom. 1:5; 16:26). As circunstân­
cias exteriores da vida de um homem —
do tipo das que ele pode alterar ou mani­
pular — não destroem a grande reali­
dade de sua vida: a sua relação com
Deus.
Cada um fique no estado em que foi
chamado. Esta passagem declara que a
pessoa deve permanecer no estado em
que está quando é chamada por Deus
para se tomar crente. O cristianismo,
necessariamente, cria uma nova existên­
cia dentro da pessoa, mas não, necessa­
riamente, nova existência ao redor dela.
A realidade espiritual não depende de
mudança nas circunstâncias exteriores.
Paulo dá este conselho, porque o crente
aprende que Deus está com ele, sejam
quais forem as circunstâncias de sua
vida.
Uma nova dimensão é dada às circuns­
tâncias da vida terrena de um homem
pelo próprio Deus. O escravo que se
toma crente, por exemplo, na verdade é
livre, porque está livre da tirania do
pecado, e passa a pertencer a um novo
senhor, celestial: o Senhor (cf. Rom.
6:18,22; Gál. 5:1). A comunhão com
Deus não é ditada pelas circunstâncias
que o homem chama à existência; é dom
de Deus, sejam quais forem as privações
do homem. O homem livre não está livre
de Cristo, mas livre em Cristo. A liber­
dade é interpretada em termos da ser­
vidão do serviço a Cristo. Tanto o escravo
como o homem livre gozam o mesmo tipo
de liberdade, para obedecer a Cristo e
servi-lo.
 A escravidão não impede, à pessoa, a
realização espiritual em sua vida. Mas,
se uma oportunidade se oferece para
que o escravo ganhe a sua liberdade,
deve aproveitar-se dela. Alguns estudio­
sos crêem que Paulo ensina que um es­
cravo não deve aceitar a liberdade, mas
continuar a viver como um crente que
redime a sua sorte na escravidão. Se
Paulo se apegasse rigidamente ao signi­
ficado de chamado, no verso 20, esta últi­
ma interpretação seria correta. De fato,
porém, Paulo introduz um elemento de
contingência na maior parte do seu con­
selho dado no capítulo 7. Não há razões
ponderáveis para se duvidar que Paulo
aprovava a liberdade para o escravo, se
esta se apresentasse.
Embora em parte nenhuma de suas
cartas advogue a emancipação dos es­
cravos, ele emite um conceito da trans­
formação das relações humanas que em­
presta apoio à libertação deles (Gál.
3:28; Col. 3:11; Ef. 6:5-9). E Cristo
efetua, entre os homens, uma irmandade
que transcende todas as divisões terrenas
feitas pelo homem. Todos os homens que
estão em Cristo são irmãos em Cristo e
escravos do mesmo Senhor.
O apóstolo recorda, aos coríntios, mais
uma vez, a sua liberdade espiritual.
A discussão acerca da escravidão o leva
a lembrar o processo de redenção, intro­
duzido em 1:30 e 6:20. Cristo pagou o
preço para emancipar os homens da tira­
nia da escravidão do pecado, que prende
todos os homens. Tanto os homens li­
vres como os escravos se tomam escra­
vos do pecado, sempre que fazem do
homem e sua vontade, e não Deus, o
centro de sua orientação. E os homens
que estão encorajando lealdades partidá­
rias, em Corinto, estão encorajando os
coríntios a se tomarem escravos dos ho­
mens. Paulo devia estar sabendo que
alguns homens se vendiam a si mesmos
em escravidão, especialmente os pobres
que desejavam ganhar a assistência de
homens ricos que os ajudassem, dando-
lhes vantagens para a sua emancipação.
Mas os homens que são libertados por
Cristo não podem vender-se de novo ao
pecado, e esperar outra emancipação.
São escravos de Cristo (Rom. 6:18; Gál.
5:1; Fü. 1:1).
A chave da maneira como Paulo en­
tende é a expressão com Deus. Ele tem
confiança que Deus está presente com
eles, seja qual for o seu estado na vida,
se eles estão em Cristo. A condição de um
homem não é mais o que era quando ele
está em Cristo. Ele é justificado e recebe
a força do Espírito de Deus em sua vida.
Outrora ele vivia sem Deus, mas em
Cristo ele vive com Deus. A diferença é
que ele foi redimido. O homem redimido
é capaz de viver em qualquer estado ou
condição de vida em que esteja, quando
ao ser chamado para ser um crente,
porque agora ele vive em Cristo e com
Deus. A escravidão que os homens im­
põem não pode desfazer a liberdade que
Deus dá.
4. Quanto aos Solteiros (7:25-35)
25 O ra , q u a n to à s v irg e n s, n ão te n h o m a n ­
d a m e n to do S e n h o r; d o u , p o ré m , o m e u
p a re c e r , com o q u e m te m a lc a n ç a d o m is e ­
ric ó rd ia do S en h o r p a r a s e r fiei. 26 A cho,
pois, q u e é b o m , p o r c a u s a d a in s ta n te n e ­
c essid a d e , q u e a p e ss o a fiq u e com o e s tá .
27 E s tá s lig ad o a m u lh e r? n ã o p ro c u re s
s e p a ra ç ã o . E s tá s liv re d e m u lh e r? n ã o p ro ­
c u re s c a sa m e n to . 28 M a s, se te c a s a r e s ,
n ão p e c a s te ; e , se a v irg e m se c a s a r , n ão
pecou. T o d a v ia , e s te s p a d e c e rã o trib u la ç ã o
n a c a rn e , e e u q u is e ra p o u p a r-v o s. 29 Is to ,
p o rém , vos d ig o , irm ã o s , q u e o te m p o se
a b re v ia ; pelo q u e , d o ra v a n te , os que tê m
m u lh e r s e ja m com o se n ã o a tiv e s s e m ; 30 os
que c h o ra m , co m o se n ã o c h o ra s s e m ; os que
fo lg am , com o se n ão fo lg a sse m ; os q u e c o m ­
p ra m , com o se n ã o p o ss u íss e m ; 31 e os q u e
u s a m d e s te m u n d o , com o se d ele n ã o u s a s ­
se m e m ab so lu to , p o rq u e a a p a rê n c ia d e ste
m undo p a s s a .
32 P o is q u e ro q u e e s te ja is liv re s d e c u i­
dado. Q uem n ã o é c a sa d o c u id a d a s c o isa s
do S enhor, e m com o h á d e a g r a d a r a o S e­
n h o r, 33 m a s q u e m é c a sa d o c u id a d a s co isa s
do m u n d o , e m com o h á d e a g r a d a r à s u a
m u lh e r, 34 e e s tá div id id o . A m u lh e r n ão
c a s a d a e a v irg e m c u id a m d a s c o isa s do
S enhor, p a r a s e r e m s a n ta s , ta n to no co rp o
com o no e s p írito ; a c a s a d a , p o ré m , c u id a
d a s c o isa s do m u n d o , e m com o h á d e a g r a ­
d a r ao m a rid o . 35 E digo isto p a r a p ro v e ito
vosso; n ã o p a r a vos e n re d a r , m a s p a r a o
que é d e c e n te , e a fim d e p o d e rd e s d e d ic a r-
vos a o S en h o r se m d is tra ç ã o a lg u m a .
Esta seção apresenta uma declaração
a respeito de homens e mulheres que não
são casados. Paulo não tem mandamento
do Senhor, nenhum ensino que remonte
a Jesus, a respeito dessas pessoas. Mas
tem confiança em que a sua opinião é
digna de crédito. Pode-se observar que
Paulo tem o máximo cuidado para distin­
guir entre a ordem do Senhor e a sua
própria opinião, por confiável que ela
possa ser (7:25; cf. Mat. 19:12).
Os versículos 26-35 apresentam um
relato das razões de Paulo para os con­
selhos que ele dá não apenas aos não
casados, mas também aos casados. A sua
opinião é emitida por causa da instante
necessidade. Isto se refere a algum so­
frimento que esperava os cristãos em
Corinto (4:11; I Tess. 3:3,4) ou aos ais
messiânicos que precederão o fim do
mundo.
A palavra traduzida como necessidade
é usada escatologicamente em Lucas
21:23. O tempo que se abrevia refere-se
à abreviação dos dias mencionados em
Marcos 13:20. O tempo está passando;
não se demora, e o Senhor voltará. A pa­
lavra traduzida como tempo é kairos,
que, muitas vezes, se refere a uma hora
fatídica ou tempo estratégico. A apa­
rência deste mundo passa significa que
este mundo atual, com todas as suas
instituições, inclusive o casamento, não é
permanente. O mundo está passando,
juntamente com todas as instituições que
têm sido existência, pessoal e social
(Mar. 12:25).
Por causa dos ais iminentes que es­
peram os coríntios e todos os outros
homens, Paulo aconselha os solteiros, em
Corinto, a considerarem seriamente a
decisão de não se casarem. Ao mesmo
tempo, as pessoas que são casadas não
devem separar-se. Os solteiros, homens
e mulheres, que resolverem se casar não
pecaram.
Visto que o tempo se abrevia — isto é,
visto que o mundo se apressa para o seu
fim — os homens precisam colocar esta
vida presente no contexto da era vindou­
ra. Precisam estar dispostos a afirmar a
vida à luz das dimensões divinas esta­
belecidas no evangelho de Cristo. E, o
que isto requer? Significa que o casa­
mento não será a lealdade final na vida
de uma pessoa; significa que os que
choram se lembrarão de que serão con­
solados; significa que os que folgam se
lembrarão que a vida é mais do que riso;
significa que os que compram coisas
materiais se lembrarão que nenhum ho­
mem vive pela abundância das posses­
sões terrenas; significa que os que vivem
neste mundo não devem se casar com
ele, mas com o mundo por vir. As rela­
ções humanas não podem ter prioridade
sobre as relações divinas. Os homens não
devem permitir que esta vida se tome um
cuidado tão grande, para eles, que se
tome o seu único cuidado.
O mundo atual está condenado a ser
transitório. Só o mundo do espírito, es­
piritualmente redimido, sobreviverá. A
aparência deste mundo passa, mas a vida
no Espírito será preservada por Deus.
Portanto, o crente vive com um certo
desligamento deste mundo.
Ele não rejeita o mundo, porque ele
lhe oferece uma oportunidade para glori­
ficar a Deus no corpo (cf. 6:19,20). Mas
ele não se abandona na criação; ele se
preserva nela. Ele se oferece ao Criador
em amorosa obediência e serviço. Liberto
da escravidão da criação, ele está livre
para servir ao Criador. Sendo ele mesmo
uma nova criação, espera a criação de
um novo mundo (cf. II Cor. 5:17-20;
Rom. 8:18-23).
Paulo deseja poupar os coríntios do
tipo de ansiedade que o casamento oca­
siona (7:32; Mat. 6:25; Fil. 4:6). O não-
casado não é assediado pelos cuidados
que uma família inevitavelmente acarre­
ta. Ele está em condições de dar atenção
aos interesses espirituais. O casado,
como pessoa cumpridora dos seus deve­
res, está na obrigação de dar atenção aos
cuidados que fazem parte do casamento
e da família. Embora as suas intenções
sejam boas, os seus interesses estão
divididos.
5. Noivado e Casamento (7:36-38)
36 M as, se a lg u é m ju lg a r q u e lh e é d e s a i­
roso c o n s e rv a r s o lte ira a s u a filh a d o n zela ,
se e la e s tiv e r p a ss a n d o d a id a d e d e se c a s a r ,
e se fo r n e c e ss á rio , f a ç a o q u e q u is e r; n ão
p e c a ; c a se m -se . 37 T o d a v ia , a q u e le q u e e s tá
firm e e m se u c o ra ç ã o , n ã o ten d o n e c e s s id a ­
de, m a s ten d o dom ínio so b re a s u a p ró p ria
v o n tad e, se re s o lv e u no seu c o ra ç ã o g u a r ­
d a r v irg e m s u a filh a , f a r á b e m . 38 D e m odo
que, a q u e le q ue d á e m c a s a m e n to a s u a
filh a donzela, faz b e m ; m a s o q u e n ão a d e r,
f a r á m e lh o r.
Esta passagem é muito difícil de se
entender. Várias interpretações diferen­
tes têm sido apresentadas. Cada uma
tem os seus pontos fortes e fracos. A pri­
meira interpretação, que remonta ao
tempo de Crisóstomo, sustenta que as
duas pessoas mencionadas no verso 36
são pai e filha casadoira, isto é, em idade
de se casar, ou tutor e moça em idade
de se casar. O verbo empregado no verso
38 é gamizo, que é traduzido, na versão
da IBB, como dá em casamento —
como em outros lugares do Novo Testa­
mento (Mat. 22:30; 24:38; Mar. 12:25;
Luc. 17:27; 20:35). Um outro verbo que
é traduzido como “casar” é gameo, tam ­
bém usado em todas estas referências em
que o verbo gamizo é usado. Isto pare­
ce indicar que gamizo significa “dar em
casamento” , e gameo, “casar-se” . E ga-
mizo é usado no verso 38. O alguém do
verso 36 pode ser o pai de uma filha em
idade de se casar. A versão da IBB
prefere esta interpretação.
Há dificuldades nesta opinião a res­
peito desta passagem. A expressão ca­
sem-se parece incluir o homem mencio­
nado na parte anterior do versículo. E a
palavra parthenos, traduzida como filha
donzela no verso 36, não é a palavra cos­
tumeira para designar “filha” . Significa
simplesmente virgem ou donzela.
Uma segunda interpretação introduz
a opinião de que Paulo está referindo-se,
na primeira parte do verso 36, a um
moço que está noivo de uma jovem, a sua
noiva (Cf. a versão antiga da IBB;
A Bíblia na Linguagem de Hoje, da SBB;
a Tradução Trinitariana; e as Cartas às
Igrejas Novas, de Phillips). Estão ambos
inseguros quanto ao casamento. Mas, se
a paixão se torna um problema agudo
(especialmente para o moço), eles devem
sentir-se perfeitamente livres para ir em
frente e consumar o casamento. Ao mes­
mo tempo, se o moço pode controlar a
sua paixão, é melhor que eles não se
casem, por causa das aflições escatológi-
cas que estão próximas e das pressões
que o casamento acarreta.
Esta interpretação é permitida pela
RSV (Revised Standard Version, tradu­
ção usada pelos autores deste Comentá­
rio em inglês), visto que a palavra grega
traduzida como passando da idade de se
casar, em nossa versão da IBB, é tra­
duzida “se as suas paixões são fortes”
na RSV, e desta forma pode referir-se
ao homem mencionado anteriormente no
verso 36. (A versão da I BB considera esta
expressão como referente à mulher, e
tem significado diferente.)
Os que são a favor desta interpretação
sugerem o fato de que os verbos gameo
(casar) e gamizo (dar em casamento)
estavam perdendo a sua distinção no
tempo de Paulo, e foram usados por ele
sem diferença clara. Porém deve ser ob­
servado que Paulo usa a palavra gameo
(casar) nos versos 9,10,28,33,34,36. Por
que, então, ele usa gamizo no verso 38,
a não ser que esteja lhe dando um signi­
ficado diferente?
Uma terceira interpretação argumenta
que Paulo está-se referindo a um ho­
mem que, levado por motivos espirituais,
tomou uma jovem sob sua proteção e está
vivendo com ela com votos de celibato.
É uma união do espiritual sem união do
físico. Em outras palavras, é um casa-
 mento espiritual, mas sem relações se­
xuais. Há evidência desse tipo de casa­
mento no fim do segundo século d.C.
Mas também está claro que mais tarde
esse costume foi condenado pelos concí­
lios da igreja primitiva.
A RSV permite esta interpretação e a
tradução de Moffatt, em inglês, adota
este significado, ao traduzir desta forma
o verso 36: “Ao mesmo tempo, se o ho­
mem considera que não está procedendo
adequadamente para com a moça que é
sua esposa espiritual, se as suas paixões
são fortes e se é necessário que seja
assim, que ele faça o que deseja — que se
casem; não é pecado para ele.”
O versículo 5 parece desaprovar esta
maneira de entender esta passagem, a
despeito do apelo que faz a vários comen­
taristas modernos. E é difícil crer que
Paulo desse a sua bênção a um arranjo
tão ascético no casamento, em um lugar
como Corinto, notório pela permissivi-
dade sexual.
Uma quarta interpretação é que Paulo
está-se referindo a um caso de casamen­
to de levirato, que era praticado no ju ­
daísmo (cf. Deut. 25:5-10). A palavra
traduzida “filha donzela” (“sua vir­
gem” , na versão antiga da IBB), no ver­
so 36, se torna “viúva jovem” nesta in­
terpretação da passagem. A expressão
“se ela estiver passando da idade de se
casar” significa “na idade da puberda­
de” (Os regulamentos concernentes à
idade para se casar estão no Mishnah,
Niddah). Mas a palavra traduzida “filha
donzela” não significa viúva, e a expres­
são traduzida “se ela estiver passando da
idade de se casar” não significa que está
na idade da puberdade. Esta interpreta­
ção é bastante improvável por estas ra­
zões e pelo fato de que o casamento de
levirato dificilmente seria um problema
em um ambiente gentio em sua grande
maioria.
Que interpretação deve ser preferida?
Os comentários mais antigos favorecem a
primeira interpretação, enquanto a
maioria dos comentaristas favorece a se­
gunda e a terceira. A segunda e a pri­
meira interpretações parecem as melho­
res alternativas, e nessa ordem.
6. Quanto ás Viúvas (7:39,40)
39 A m u lh e r e s tá lig a d a e n q u a n to o m a ­
rid o v iv e ; m a s , se fa le c e r o m a rid o , fic a
liv re p a r a c a s a r co m q u e m q u is e r, co n ta n to
que s e ja no S en h o r. 40 S e rá , p o ré m , m a is
feliz se p e rm a n e c e r com o e s tá , seg u n d o o
m eu p a r e c e r , e e u p en so q u e ta m b é m ten h o
o E sp írito d e D eu s.
A mulher está ligada enquanto o ma­
rido vive, porque Jesus ensina a indisso­
lubilidade do casamento e, de acordo com
Marcos, não permite o divórcio (cf. 7:10,
11; Rom. 7:2). Sem dúvida, o marido
também está ligado à esposa enquanto
ela vive. Talvez Paulo estivesse sabendo a
crescente facilidade com que as mulheres
do Império Romano, desde o reinado de
Augusto, estavam obtendo divórcio de
seus maridos. Uma viúva é livre para se
casar com quem quiser, assevera Paulo,
depois da morte de seu marido. Mas ela
precisa casar-se no Senhor. Não está
claro se Paulo quer dizer que ela precisa
lembrar-se de sua dedicação a Cristo, ao
adentrar um outro casamento, ou que ela
deve casar-se com um crente. Em qual­
quer caso, a responsabilidade cristã é
um requisito da maior importância. Pau­
lo crê que uma viúva ficará mais feliz se
permanecer viúva e se não casar nova­
mente (cf. I Tim. 5:14). De fato, ele crê
que tem o Espírito de Deus quando dá
esse conselho. Talvez algumas pessoas,
em Corinto, tivessem opinião diferente, e
reivindicassem a direção do Espírito de
Deus, ao exporem os seus pontos de
vista. Paulo replica e declara que ele
também possuía o Espírito.
Está claro, no capítulo 7, que Paulo
prefere que as pessoas não adentrem o
casamento, se possuem o dom de auto-
disciplina para ficarem fora dele. Ele
reconhece que muitas pessoas farão me­
lhor em se casar. Também está claro
que a instante necessidade (“angustiosa
situação presente” , na Versão Atualiza-
da da SBB), que logo sobrevirá aos co-
ríntios, seja ela o que for, desempenha
um papel importante nos seus conselhos.
Precisa ser reiterado que Efésios 5:21-
33 apresenta o tipo de reflexão a respeito
do casamento que tem maior valor per­
manente para a Igreja.
VII. Perguntas a Respeito da
Liberdade Cristã (8:1-11:1)
No capítulo 8, Paulo volta-se para
um novo problema: as carnes sacrifica­
das aos ídolos. Possivelmente, a igreja
em Corinto o havia consultado a res­
peito desse problema. Esse problema re­
cebe um tratamento extensivo, terminan­
do em 1 1 :1 . O capítulo 8 trata do co­
nhecimento, amor, ídolos e do irmão
fraco. O capítulo 9 trata da liberdade,
direitos e responsabilidades cristãs. O ca­
pítulo 10 expressa o significado da liber­
dade cristã em referência à obediência
moral e à comunhão à mesa.
1. Conhecimento, Amor e ídolos (8:1-6)
1 O ra, no to c a n te à s c o isa s s a c rific a d a s
aos ídolos, sa b e m o s que to d o s te m o s c iê n ­
cia. A c iê n c ia in ch a, m a s o a m o r e d ific a .
2 Se a lg u é m c u id a s a b e r a lg u m a co isa, a in ­
d a n ão sa b e com o co n v ém s a b e r . 3 M as, se
a lg u ém a m a a D eus, e ss e é co nhecido d ele.
4 Q uanto, pois, ao c o m e r d a s c o isas s a c r i­
fic a d a s a o s ídolos, sa b e m o s q u e o ídolo n a d a
é no m u n d o , e qu e n ão h á o u tro D eu s, sen ão
u m só. 5 P o is, a in d a qu e h a ja ta m b é m a l ­
guns q u e se c h a m e m d e u se s, q u e r no céu
q u e r n a t e r r a (com o h á m u ito s d e u se s e
m uitos s e n h o re s), 6 to d a v ia , p a r a n ó s h á
u m só D eus, o P a i, d e q u e m sã o to d a s a s
co isas e p a r a q u e m nós v iv e m o s; e u m só
S enhor, J e s u s C risto , p elo q u al e x is te m to ­
d a s a s co isas, e p o r ele nó s ta m b é m .
Alguns comentários gerais, para re­
visar os antecedentes do problema en­
frentado pelos cristãos em relação aos
costumes pagãos, devem ser úteis para se
entender esta passagem.
A maior parte da carne comprada nos
mercados de Corinto havia sido sacrifi­
cada a ídolos. Era um costume dissemi­
nado e aceito naturalmente, os sacerdo­
tes e magistrados venderem, a carne que
não fosse usada nos sacrifícios públicos,
aos açougueiros locais, que, por seu tur­
no, a vendiam ao público. Os pagãos se
referiam a essa carne como “sacrificada
com propósitos sagrados” (cf. 10:28). Os
cristãos, não crendo nos deuses pagãos,
referiam-se a ela como “sacrificada aos
ídolos” .
Paulo discute, em 8:1-13 e 10:14-33,
o fato de os coríntios comerem a carne
que havia sido sacrificada aos ídolos.
O fato de que a sua discussão é inter­
rompida em 9:1-10:13 e que o seu ponto
de vista varia nos dois textos em que trata
do assunto é aceito, por alguns eruditos,
como evidência de que essas duas partes
pertenciam, originalmente, a duas cartas
diferentes. Que essa opinião não proce­
de, será demonstrado na exegese dos
capítulos 8 a 10 .
Os sacrifícios aos deuses eram prática
disseminada em todo o mundo antigo.
Havia sacrifícios públicos e privados, em
que o animal todo não era consumido
sobre o altar. Algumas vezes, apenas
modestas porções do animal eram usa­
das. Depois que os sacerdotes recebiam
a sua parte, o resto ficava à disposição do
povo. Nos sacrifícios privados, o adora­
dor recebia a carne que restasse. Nos
sacrifícios públicos, os magistrados ven­
diam, aos mercados locais, o que não
precisavam. Conseqüentemente, visto
que os melhores animais eram sacrifi­
cados, a melhor carne, no mercado, ge­
ralmente vinha dos templos pagãos.
Quando um cristão comprava carne
no mercado, não sabia se havia sido
sacrificada a algum deus pagão. E, tam­
bém, muitas vezes as pessoas davam, em
suas casas, banquetes feitos com a carne
que sobrara dos sacrifícios que haviam
feito. Os casamentos e festivais familia­
res também eram ocasião para essas re­
feições em casas particulares. Algumas
vezes, eram realizados banquetes nos
templos locais1 dos deuses, e eles eram
associados com a adoração do deus em
cujo templo o banquete era realizado.
Os cristãos de Corinto eram convidados
para participar desses banquetes. Eles
propuseram a Paulo essa questão: Deve­
mos aceitar convites para tomar refeições
em casas particulares ou em templos,
quando poderá ser servida carne que fora
sacrificada aos ídolos?
Um convite feito em papiro do se­
gundo século foi preservado, e diz:
“Chairemon requer a sua companhia pa­
ra jantar à mesa do senhor Serápis no
Serapeum amanhã, dia 15, às 9 horas.”
Possivelmente, Chairemon ia servir a car­
ne que restara do sacrifício que ele fizera
ao seu deus Serápis. O cristão precisava
enfrentar a questão de decidir se iria
cortar os relacionamentos sociais impli­
cados no comer com os amigos não-
cristãos.
Os gregos que não criam mais nos
deuses participavam dos vários banque­
tes e festas por razões sociais. Achavam
valor social nessas ocasiões, muito tempo
depois de ter rejeitado as suas associa­
ções religiosas. A pergunta era: O cris­
tão está livre para fazer o que o pagão
é livre para fazer, contanto que o faça
com uma compreensão madura do signi­
ficado do que faz? Paulo enfrentava três
problemas: a compra de carne que fora
sacrificada a ídolos, as refeições nas ca­
sas particulares de amigos não-cristãos e
os banquetes realizados em templos pa­
gãos.
Os comentaristas estão divididos com
referência à identidade do “fraco” (8:9).
Os judeus convertidos ao cristianismo
podiam ter preocupações a respeito de
comer alimentos que haviam sido sacrifi­
cados aos ídolos (At. 15:29; 21:25). E os
gentios, que haviam participado, no pas­
sado, de sacrifícios aos ídolos, podiam
achar muito difícil esquecer as associa­
ções que tinham com os seus deuses.
É possível que associações de ambas as
origens convergissem em Corinto.
A essência da posição dos cristãos for­
tes, em Corinto, é encontrada em 8:1,4,8
e 10:23 (cf. Mar. 7:15).
Paulo aborda o problema falando de
conhecimento, amor e serviço. Ele come­
ça declarando que sabemos que todos
temos ciência. A ciência incha, mas o
amor edifica. Encontramos, aqui, a rein-
trodução da palavra gnõsis (conhecimen­
to), que figura nos quatro primeiros capí­
tulos, juntamente com a palavra sophia
(sabedoria).
Provavelmente, Paulo está mencionan­
do uma declaração da carta enviada pe­
los coríntios ou um tema de alguns dos
gnósticos coríntios. Ele concorda que to­
dos os crentes têm ciência ou conheci­
mento. Porém o conhecimento cristão
não é do tipo que cria orgulho. Ele não se
centraliza na compreensão humana ou
nas conquistas intelectuais. O conheci­
mento de superioridade intelectual cria
um sentimento arrogante de amor-pró­
prio. Porém o amor cria uma preocupa­
ção pelos outros. A diferença é que o
conhecimento pode tornar-se autocentra-
lizado; o amor é centralizado nos outros.
O conhecimento habita no que ele pos­
sui. O amor se detém no que ele tem para
dar. A ciência, ou conhecimento, incha
a pessoa que a possui; o amor serve às
outras pessoas que precisam dele. O co­
nhecimento é particular; o amor é social.
O conhecimento incha; o amor edifica
(cf. 3:10-14; Ef. 4:16; I Tess. 5:11).
Ê mais fácil dizer: todos nós temos ciên­
cia, do que dizer: “ todos nós possuímos
amor” (Schlatter). O verdadeiro conheci­
mento de Deus é marcado pelo amor.
Enfrentar os problemas da igreja com
amor é fator básico, nos conselhos de
Paulo, nos restantes capítulos de I Co­
ríntios. E, quando fala de amor, Paulo
define-o no fato de Deus se ter dado aos
homens em Jesus Cristo. É amor dado
gratuitamente, a fim de levar os homens
a uma comunhão com o seu Redentor.
Embora o amor que os homens demons­
tram uns aos outros não os possa remir,
ele pode dar testemunho do amor divino,
que o pode fazer.
O princípio do conhecimento não é
orgulho, mas humildade. O primeiro
passo, na aquisição de conhecimento, é a
confissão de ignorância. Mas os cristãos
de Corinto não parece estarem confes­
sando ignorância, mas parece serem do
tipo que se vangloria. Paulo usa a palavra
incha em referência apenas a eles, com
exceção de Colossenses 2:18. O conheci­
mento não apenas principia na humilda­
de; ele também tem consciência de que é
incompleto (cf. 13:9). Qualquer conheci­
mento genuíno é adquirido através de
uma peregrinação humilde, e, certamen­
te, isto é verdade em relação ao conheci­
mento de Deus. Ele sobrevêm através de
o buscarmos com confiança e obediência,
e é do tipo de conhecimento que uma pes­
soa deve ter. Epiteto, o estóico, precavia-
se de qualquer declaração de compreen­
são perfeita.
Mas, se alguém ama a Deus, esse é
conhecido dele. O conhecimento de Deus
não é resultado do amor do homem, mas
sinal do amor de Deus pelo homem.
É uma dádiva feita ao homem, em Cris­
to, e significa que o homem aceita o amor
de Deus e por isso demonstra amor a
Deus e ao próximo. Os homens não
aprendem de Deus através do seu gnosti-
cismo, suas especulações místicas ou co­
nhecimento teórico, mas através da reve­
lação de Deus, em Cristo. Em Gálatas
4:9, Paulo trata da mesma relação entre
conhecer Deus e ser conhecido por ele
(cf. Rom. 8:29; 11:2). O conhecimento
de Deus, pelo homem, como marca de
eleição divina, está arraigado no Velho
Testamento (Am. 3:2; Jer. 1:5). A pessoa
que ama a Deus sabe que Deus veio em
busca dela, em Cristo. Este é o maior de
todos os conhecimentos. Os homens co­
nhecem a Deus pela fé porque Deus
conheceu o homem pelo amor.
O problema de comer alimentos sa­
crificados aos ídolos é colocado no con­
texto da percepção de que há um só Deus
(cf. Deut. 6:4; Is. 40:18). Os ídolos não
representam Deus, e, sim, não repre­
sentam nada. Comer alimentos sacrifica­
dos a ídolos representa comer alimentos
sacrificados a nada. Portanto, não há
razão substancial para não se comer ali
mentos sacrificados a ídolos. Os ídolos
não são deuses. O ídolo nada é no mun­
do.
Mas os seres demoníacos existem, por­
que há muitos deuses e muitos senhores
(cf. Col. 1:16). De fato, pode ser que os
homens não dediquem a sua lealdade a
muitos deuses, mas podem dedicar, e
realmente dedicam, a sua lealdade a de­
mônios (10:19-21). Deuses e senhores
são a maneira de Paulo se referir aos
demônios. Ele não está-se referindo a
muitos deuses. Há um só Deus, mas há
muitos demônios. O Senhor é alguém
a quem os outros pertencem. O povo por
todo o Egito e todo o Oriente referia-se
aos seus deuses como senhores; o termo
“senhor” foi pela primeira vez aplicado a
um imperador romano quando Tibério
recebeu essa designação.
Havia muitas evidências — Paulo as
deve ter visto — de muitos senhores na
cidade de Corinto. Os Césares deifiçados
eram adorados ali juntamente com os
deuses romanos Júpiter, Marte e Vênus.
A adoração de Afrodite (nome grego de
Vênus), deusa do amor, havia tornado
Corinto famosa, e tinha lugar em um
templo construído muito antes da época
de Paulo.
A consciência de poderes demoníacos,
que atraem a devoção dos homens, levou
Paulo a reafirmar a sua convicção de que
há um só Deus, o Pai. Ele é o Criador de
todas as coisas, e nos fez para si mesmo.
A origem do mundo se encontra nele,
que chama os homens para a salvação.
Não há muitos senhores, mas apenas
um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual
tudo foi criado e pelo qual os homens
podem conhecer a redenção (Col. 1:16;
cf. Rom. 11:36). Paulo atribui a Jesus os
lugares dados no judaísmo à sabedoria
e à lei, porque ele o considera o agente
divino na criação. A existência do crente
é possível porque a sua redenção acon­
teceu através do único Senhor, Jesus
Cristo. Portanto, a mediação cósmica de
Cristo é colocada no princípio, na cria­
ção, e no fim, na redenção.
2. A Liberdade Cristã e o Irmão Fraco
(8:7-13)
7 E n tre ta n to , n e m e m todos h á e sse c o ­
n h e c im e n to ; po is alg u n s h á q ue, a c o s tu m a ­
dos a té a g o ra c o m o ídolo, c o m e m co m o
de c o isas s a c rific a d a s a u m íd o lo ; e a su a
c o n sciên cia, sen d o fr a c a , co n ta m in a -se .
8 N ão é, p o ré m , a c o m id a q u e n o s h á d e
re c o m e n d a r a D e u s ; pois n ã o so m o s p io re s
se n ão c o m e rm o s, n e m m e lh o re s se c o m e r­
m os. 9 M as, v ed e q ue e s s a lib e rd a d e v o ssa
n ão v e n h a a s e r m o tiv o d e tro p e ç o p a r a os
fraco s. 10 F o rq u e , se a lg u é m te v ir a ti, que
ten s c iê n c ia , re c lin a d o à m e s a e m tem p lo
d e ídolos, n ão s e r á induzido, sen d o a su a
c o n sciên cia fr a c a , a c o m e r d a s c o isa s s a c r i­
fic a d a s a o s ídolos? 11 P e la tu a c iê n c ia , pois,
p e re c e a q u e le q u e é fra c o , o te u irm ã o p o r
q u em C risto m o rre u . 12 O ra , p e c á n d o a s s im
c o n tra os irm ã o s, e ferindo -lh es a c o n sc iê n ­
c ia q u an d o fr a c a , p e c a is c o n tr a C risto .
13 P elo q ue, se a c o m id a fiz er tr o p e ç a r a
m eu irm ã o , n u n c a m a is c o m e re i c a rn e ,
p a r a n ão s e r v ir d e tro p e ç o a m e u irm ã o .
A despeito de Paulo ter esclarecido a
realidade de um único Deus e a irreali­
dade dos ídolos, ele reconhecia que havia
alguns cristãos que não tinham uma
compreensão assim amadurecida. Embo­
ra todos os cristãos ali pudessem ter este
conhecimento, se a sua fé fosse madura,
havia os cristãos imaturos, que não con­
seguiam vencer completamente os seus
antecedentes pagãos, que atribuíam aos
muitos deuses e ídolos uma existência
real. Conseqüentemente, quando co­
miam carne sacrificada aos ídolos, sen­
tiam a sua consciência perturbá-los. Sen­
tiam-se pouco à vontade a respeito do
que estavam comendo, porque outrora
criam que os seus deuses participavam
da comida que lhes era sacrificada.
E achavam que o que estavam fazendo
agora era errado.
A sua consciência, sendo fraca, con­
tamina-se. A palavra traduzida como
consciência (suneidesis) é usada oito ve­
zes em I Coríntios e em todas as vezes
está relacionada com alimento (8:10, 12 ;
10:25-29). Basicamente, ela significa
“a faculdade de juízo moral responsá­
vel” . Ela encontra-se em Sabedoria de
Salomão 17:11 e em escritores estóicos,
entre eles Epiteto e Sêneca. Tem um uso
bem limitado no judaísmo.
A maneira de Paulo entender a cons­
ciência é esclarecida pela sua convicção
de que ela, para ser confiável, requer a
direção do Espírito Santo (Rom. 9:1).
E fica bem claro que Cristo, e não o
homem, é o único juiz apropriado do
homem (4:4). Paulo usa o termo “cons­
ciência” , encontrado entre os seus con­
temporâneos gentios, e o enche de signi­
ficado cristão.
A consciência dos crentes fracos não é
fraca porque eles não têm grande inte­
resse; é fraca porque eles têm uma com­
preensão elementar da fé cristã. Eles es­
tão muito conscientes de suas obriga­
ções morais. Os cristãos criam que ali­
mentos sacrificados aos ídolos eram coisa
errada, e que a sua consciência era con­
taminada quando os comiam. Se uma
pessoa sensível, espiritualmente imatura,
agir de maneira contrária à sua cons­
ciência, causará danos morais e psico­
lógicos à sua vida. Os crentes mais ma­
duros precisam ser sensíveis à imaturi­
dade espiritual de muitos dos seus ir­
mãos.
Não é, porém, a comida que nos há de
recomendar a Deus, porque o fato de se
comer a comida correta não tem nenhum
valor especial diante de Deus (cf. Rom.
14:17). Os homens são recomendados a
Deus quando vivem pela lei do amor
(Gál. 6:2), e não quando observam leis
acerca de alimentos, prática que se torna
uma fonte de auto-salvação, o que é
impossível. Não é a comida que os ho­
mens comem, mas o amor que eles de­
monstram para com os outros que os
recomenda diante de Deus. A abstinên­
cia de comida não leva os homens a
Deus, e comer não os separa de Deus.
O orgulho do maduro e do imaturo é
visto como ilusório à luz de uma com­
preensão madura da fé cristã.
 Essa liberdade (v. 9) é o poder ou
autoridade dada ao crente, mediante a
obra de Cristo, e é dádiva de Deus aos
homens de fé, que estão libertos do poder
do pecado e da lei. Isso inclui liberdade
para comer qualquer tipo de comida.
Mas o exercício dessa liberdade entre
os crentes fortes pode tomar-se uma bar­
reira para o crescimento espiritual de
crentes imaturos e fracos. Um motivo de
tropeço é qualquer coisa que faça uma
pessoa falsear o pé. E esse exercício de
liberdade não é uma pedra na edificação,
mas uma pedra de tropeço, na Igreja de
Deus em Corinto.
Epiteto, contemporâneo estóico de
Paulo, fala da liberdade fundamentada
no ser do homem. Isso é diferente do
pensamento de Paulo, em que a liberda­
de é uma dádiva de Deus ao homem, e
não faz parte do homem natural. A pa­
lavra traduzida como liberdade, usada
aqui, exousia, encontra-se entre obras
dos gnósticos “cristãos” . Irineu, fonte
muito importante a respeito do gnosticis-
mo do segundo século, diz que os gnós­
ticos eram sempre os primeiros nas festas
pagãs (Contra as Heresias 31:21:2).
Quando uma pessoa que tem ciência
— alguém que sabe que não há conta­
minação no fato de se comer carne sa­
crificada aos ídolos — participa de um
banquete em templo de ídolos, pode in­
fluenciar um crente fraco a fazer o mes­
mo. Mais tarde, depois de refletir no que
fez, esse irmão de consciência fraca pode
sentir uma grande culpa, e até um abalo
em sua fé.
O conhecimento do forte, embora cor­
reto, teve um efeito mau. Destruiu um
crente fraco. A diferença entre os dois
homens é que o homem de conhecimento
come sabendo que a carne não está con­
taminada, enquanto o fraco come com
medo de que ela esteja. Ele não está
seguindo a sua consciência, mas aban-
donando-a. Abusa de sua consciência; o
homem que tem conhecimento não o faz.
“Mas aquele que tem dúvidas, se come
está condenado, porque o que faz não
provém da fé; e tudo o que não provém
da fé é pecado” (Rom. 14:23).
Enfatizando a responsabilidade dos
crentes fortes, Paulo se refere quatro
vezes aos crentes fracos como irmãos
(v. 11-13). Os fracos são irmãos por
quem Cristo morreu (cf. Rom. 14:15).
Todos os remidos são irmãos, porque
têm a mesma fonte de redenção: Cristo.
Os redimidos têm valor não por méritos
humanos, mas devido ao amor de Deus
por eles, demonstrado na dádiva de Cris­
to, que morreu pela sua salvação. Desta
forma, Paulo afirma o valor de cada vida
humana com base no preço elevado da
redenção da humanidade.
De fato, a insensibilidade para com os
crentes fracos é um pecado contra eles.
A falta de interesse é não apenas pecado
contra Cristo, mas também pecado con­
tra o próximo. De fato, é pecado contra
Cristo precisamente porque é um prejuí­
zo para o irmão. “Em verdade vos digo
que, sempre que o fizestes a um destes
meus irmãos, mesmo dos mais pequeni­
nos, a mim o fizestes” (Mat. 25:40).
Empenhar-se em uma atividade que os
crentes fracos são incapazes de imitar
com consciência madura ferirá a sua
consciência fraca, porque danifica a sua
dedicação a ela. Depois de refletir sobre
comer carne sacrificada a ídolos, eles po­
dem chegar à conclusão de que violaram
a sua consciência; e se sentirão culpados
de pecado. E o pecado leva à sua des­
truição ou desastre espiritual. Paulo usa
a palavra perece e pecando para descrever
o efeito sobre o fraco. A palavra ferindo-
lhes é usada para expressar fortes golpes,
como quando se bate numa pessoa.
Pelo que, se a comida fizer tropeçar
a meu irmão, nunca mais comerei carne,
para não servir de tropeço a meu irmão.
Aqui, Paulo expressa claramente um
princípio continuamente válido de con­
duta cristã. A expressão cristã da liber­
dade não se baseia primordialmente na
propriedade social, mas no amor ao pró­
ximo. A liberdade pode ser meramen­
te um exercício de expressão egoís­
ta; o amor é sempre um exercício de
interesse altruístico pelo próximo. Pau­
lo está preparado para desistir de qual­
quer exercício de liberdade cristã que
fira a peregrinação espiritual de um
irmão fraco (cf. 9:22). O amor cristão de­
ve ser o suficientemente maduro em seu
exercício de liberdade, para encontrar
uma expressão satisfatória em restrição
pelo bem-estar do irmão, em vez de em in­
dulgência para consigo mesmo. O amor,
e não a liberdade, é o princípio mais
elevado da vida moral cristã. A fé dá
liberdade; o amor governa a liberdade.
Em parte nenhuma de sua discussão,
nos capítulos 8 a 10, Paulo se refere ao
“decreto apostólico” mencionado em
Atos 15:20-29; 21:25. E esse decreto
menciona o comer carne sacrificada a
ídolos, e o proíbe expressamente. Por
que Paulo não o menciona? Será que o
decreto não tinha validade na Grécia?
Ou Paulo prefere responder à pergunta
apelando para a compulsão íntima do
amor, e não para a ordem exterior de um
decreto?
3. Privilégios de um Apóstolo (9:1-6)
1 N ão sou eu liv re ? N ão so u a p ó sto lo ?
N ão vi e u a J e s u s nosso S en h o r? N ão sois
vós o b ra m in h a no S en ho r? 2 Se e u n ã o sou
apóstolo p a r a os o u tro s, a o m en o s p a r a vós
o so u ; p o rq u e v ó s sois o selo do m e u a p o s ­
tolado no Senhor.
3 E s ta é a m in h a d e fe sa p a r a co m os q u e
m e a c u s a m . 4 N ão te m o s n ó s d ire ito de
c o m e r e de b e b e r? 5 N ão te m o s nós d ire ito
d e le v a r conosco e sp o s a c re n te , com o t a m ­
b é m os d e m a is ap ó sto lo s, e o s irm ã o s do
S enhor, e C efas? 6 Ou s e r á q u e só e u e
B a m a b é n ão te m o s d ire ito d e d e ix a r d e t r a ­
b a lh a r?
Alguns dos coríntios parecem estar
questionando a autoridade apostólica de
Paulo. Na exegese dos primeiros quatro
capítulos, é indicado que há uma defesa
sutil do apostolado de Paulo, que corre
através desses capítulos. O versículo 3,
do capítulo 9, introduz uma defesa do
apostolado. E os dois primeiros versí­
culos do capítulo expressam a consciên­
cia que Paulo tem de seu próprio apos­
tolado. O uso de várias perguntas, neste
capítulo, é reminiscência de um método
largamente usado pelos mestres da épo­
ca. (A ênfase de Paulo na sua experiên­
cia pessoal torna mais natural o uso de
pronomes da primeira pessoa nos comen­
tários a esta passagem.)
Não sou eu livre? Todos os crentes são.
Estabeleço limites à minha liberdade,
definindo liberdade em termos de inte­
resse e preocupação pelo meu irmão.
A genuína liberdade dá-me liberdade
para restringir-me de exercer a minha
liberdade. Não sou apóstolo? Sou. Eu vi
o Senhor (15:8; Gál. 1:16) e recebi o meu
comissionamento dele e do Deus Pai
(Gál. 1:1). Também é verdade que fiz
a obra de um apóstolo. A igreja em Co­
rinto é testemunha do meu trabalho
como apóstolo (cf. Rom. 15:20). A fun­
dação da igreja em Corinto é testemu­
nha do meu apostolado (3:10). Quais­
quer pessoas que tentem provar que não
sou apóstolo precisam defrontar-se com
três fatos: eu vi o Senhor ressurrecto;
recebi um comissionamento; tive sucesso
em meu trabalho. Outros podem negar o
meu direito de ser chamado de “apósto­
lo” , mas, certamente, vocês, coríntios,
não podem. Vocês têm pleno conheci­
mento disso!
Vós sois o selo do meu apostolado no
Senhor (cf. II Cor. 1:21,22). A igreja
autentica o apostolado (Rom. 1:5 e 6).
Esta, incluindo o que acabei de escrever,
e o que se segue, é a minha defesa para
com os que me acusam. E eu tenho al­
gumas ilustrações dos meus direitos, que
desejo acrescentar, para os que me que­
rem “investigar” .
Paulo relaciona três direitos que lhe
pertencem como apóstolo: liberdade na
escolha de alimentos, o privilégio de se
casar e o direito de receber sustento da
comunidade cristã (cf. Gál. 6:6). Comer
e beber provavelmente se refere ao pro­
blema de comida sacrificada aos ídolos.
Paulo é um crente maduro, e tem o
direito de tomar decisões a respeito do
que deseja comer. Por outro lado, a frase
pode referir-se ao direito de ser sustenta­
do pela comunidade.
Ele tem o direito de levar... esposa
crente; outros apóstolos têm esse costu­
me. Os Pais da Igreja consideravam as
palavras “uma irmã uma esposa” , tra­
duzidas como esposa, como referência a
cooperadoras missionárias, que acompa­
nhavam os apóstolos e os assistiam em
seus trabalhos. Esses comentaristas se
referiam às mulheres mencionadas du­
rante o ministério terreno de Jesus (Luc.
8:2). Todavia, é quase certo que aqui se
está falando de esposa, e não de ajudado-
ras.
Este versículo é uma indicação de que
os apóstolos viajavam com suas esposas,
quando empreendiam jornadas missio­
nárias. No verso 5, Paulo menciona três
categorias diferentes: os demais apósto­
los, os irmãos do Senhor, e Cefas. Por
que ele os separa? Será porque ele con­
sidera os três grupos importantes indi­
vidualmente?
Os irmãos do Senhor não seguiram
Jesus durante a sua vida terrena (João
7:5). Embora os seus nomes sejam rela­
cionados em Marcos 6:3, e as irmãs de
Jesus sejam ali mencionadas, também,
não há indicação de que eles seguiram a
Jesus, a não ser depois da ressurreição.
Tiago tornou-se líder na igreja em Jeru­
salém e é chamado de apóstolo por Paulo
(Gál. 1:19). Paulo não limita o título de
“apóstolo” aos doze, como o indica a sua
referência a Bamabé (cf. Rom. 16:7; At.
14:14). Aqui se encontra a única evidên­
cia bíblica de que os irmãos de Jesus
aceitaram o senhorio dele depois de sua
ressurreição e também de que eles eram
missionários ativos.
A menção de Cefas (Pedro), em cone­
xão com este assunto, pode ser interpre­
tada como alusão ao fato de que ele e sua
esposa haviam visitado Corinto, e eram
conhecidos dos coríntios (cf. Mar. 1:30).
Ou esse nome pode estar sendo mencio­
nado por causa do “partido” de Cefas em
Corinto. De qualquer forma, esta men­
ção testifica a respeito da proeminência
de Pedro na igreja primitiva. Os apósto­
los têm o direito de esperar receber sus­
tento das igrejas a que servem. Visto que
Paulo e Bamabé são apóstolos (cf. At.
14:14), eles também têm esse direito.
Paulo não aceita sustento material das
igrejas, mas insiste que tem o direito
de fazê-lo, porque é apóstolo.
Paulo e Bamabé eram companheiros
em trabalhos missionários (At. 9:27-15:
39). Não há indicação de quando Barna-
bé voltou à companhia de Paulo, em seus
empreendimentos missionários, depois
de se ter separado dele, antes do começo
da segunda viagem missionária de Paulo
(At. 15:35-41; Gál. 2:13). A menção aqui
feita a Bamabé é uma indicação de que
os coríntios deviam conhecê-lo pessoal­
mente.
4. O Sustento de um Apóstolo (9:7-14)
7 Q uem ja m a is v a i à g u e r r a à s u a p ró p r ia
c u sta ? Q uem p la n ta u m a v in h a e n ã o co m e
do se u fru to ? O u q u e m a p a s c e n ta u m r e ­
b an h o e n ão se a lim e n ta do le ite do re b a n h o ?
8 P o rv e n tu ra digo e u is to com o h o m e m ?
Ou n ã o diz a le i ta m b é m o m e sm o ? 9 P o i s n a
lei d e M oisés e s t á e s c r ito : N ão a t a r á s a
b o c a a o bo i q u a n d o d e b u lh a . P o rv e n tu ra
e s tá D eu s c u id an d o dos b o is? 10 Ou n ã o o d iz
c e rta m e n te p o r n ó s? C om efeito , é p o r a m o r
d e nós q u e e s tá e s c rito ; p o rq u e o q u e la v r a
dev e la v r a r co m e s p e r a n ç a , e o q u e d e b u lh a
d e v e d e b u lh a r co m e s p e r a n ç a d e p a r tic ip a r
do fru to . 11 Se n ó s se m e a m o s p a r a v ó s a s
c o isa s e s p iritu a is , s e r á m u ito q u e d e vós
c o lh am o s a s m a te ria is ? 12 Se o u tro s p a r tic i­
p a m d e s te d ire ito so b re v ó s, p o r q u e n ã o n ó s
co m m a is ju s tiç a ?
M a s n ó s n u n c a u sa m o s d e ste d ir e iro ; a n ­
te s su p o rta m o s tu d o , p a r a n ã o p o rm o s im ­
p e d im e n to a lg u m a o e v an g e lh o d e C risto .
13 N ão sa b e is v ó s q u e o s q u e a d m in is tra m
o q u e é s a g ra d o c o m e m do q u e é do te m p lo ?
E q ue os q u e s e r v e m a o a lt a r , p a rtic ip a m
do a lta r ? 14 A ssim o rd e n o u ta m b é m o S e­
n h o r a o s q u e a n u n c ia m o ev a n g e lh o , q u e
v iv a m do ev a n g e lh o .
Paulo emprega a analogia de três tra­
balhadores, para indicar que os após­
tolos, inclusive ele mesmo, merecem sus­
tento das pessoas a quem servem. Ele
menciona o soldado, o lavrador e o pas­
tor (9:7). Esses homens recebem sustento
material em troca do seu trabalho.
O direito de Paulo ao sustento não é
apenas apoiado pelos apelos a exemplos
do mundo, do trabalho diário, mas as
Escrituras o apóiam. O livro de Deute-
ronômio exibe uma profunda sensibilida­
de para com as considerações humanas.
Paulo interpreta 25:4 de maneira espiri­
tual, à maneira dos rabis, para se refe­
rir não apenas aos bois, como está claro
em Deuteronômio, mas aos pregadores
do evangelho na sua época. A passagem
do Velho Testamento demonstra que a
pessoa que se esforça deve receber sus­
tento pelo seu trabalho. O homem que
ara e o boi que debulha o grão merecem
sustento.
Visto que Paulo propiciara benefícios
espirituais aos coríntios, agora merece
deles benefícios materiais. Outros estão
servindo à igreja em Corinto, visto que
Paulo não está mais lá. Eles também
merecem ser sustentados pela igreja. Vis­
to que Paulo estabeleceu a congregação,
tem prioridade em suas reivindicações ao
sustento material. Ê impossível dizer que
pessoas, especificamente, ele tem em
mente; talvez Apoio esteja incluído (At.
19:1).
Paulo nega-se a fazer uso dos seus
direitos, porque prefere fazer conforme
diz: antes suportamos tudo para não
pormos impedimento algum ao evange­
lho de Cristo. Algumas pessoas critica­
vam os filósofos itinerantes gregos, que
aceitavam a remuneração pelas confe­
rências populares que realizavam. Sócra­
tes achava que um mestre que aceitasse
dinheiro pelo seu trabalho não falaria tão
livremente, ao seu auditório, como devia.
Paulo não deseja aceitar dinheiro dos
coríntios, porque isso pode prejudicar a
recepção do evangelho naquela cidade.
A palavra grega traduzida como impedi­
mento significa entrar por um atalho,
para impedir a perseguição do inimigo.
Paulo deseja ajudar a deixar a estrada
livre para o avanço do evangelho.
Ele apresenta uma ilustração adicional
da conveniência de sustento para os mis­
sionários do evangelho. Os sacerdotes,
tanto nos templos pagãos quanto nas
sinagogas judaicas, recebiam sustento
material em troca dos seus serviços
(Núm. 18:9-32; Deut. 18:1-8). Os rabis
judaicos diziam ao povo que o sustento
dos rabis era altamente meritório. Os
membros da igreja em Corinto certamen­
te conheciam esse costume.
Uma palavra de Jesus é citada por
Paulo, no fim de tudo, para confirmar
a opinião de que os que anunciam o
evangelho, que vivam do evangelho. Este
ensino de Jesus é preservado em Mateus
10:9,10 e Lucas 10:7. Paulo usa várias
ilustrações para sustentar a sua convic­
ção de que, como apóstolo, ele tem o
direito de receber sustento em troca dos
seus trabalhos (9:5,7,9,13,14).
5. A Renúncia de um Apóstolo (9:15-23)
15 M a s e u d e n e n h u m a d e s ta s c o is a s ten h o
u sa d o . N e m e sc re v o is to p a r a q u e a s s im se
te ç a c o m ig o ; p o rq u e m e lh o r m e fo ra m o r ­
r e r , do q u e a lg u é m fa z e r v ã e s ta m in h a g ló ­
ria . 16 P o is , se a n u n c io o e v a n g e lh o , n ão
ten h o d e q u e m e g lo r ia r, p o rq u e m e é im ­
p o sta e s s a o b rig a ç ã o ; e a i d e m im , se n ã o
a n u n c ia r o e v a n g e lh o ! 17 Se, p o is o fa ç o de
v o n tad e p ró p ria , te n h o re c o m p e n s a ; m a s ,
se n ã o é d e v o n ta d e p ró p r ia , e sto u a p e n a s
in cu m b id o d e u m a m o rd o m ia . 18 L ogo, q u a l
é a m in h a re c o m p e n s a ? É q u e , p re g a n d o o
ev an g elh o , e u o fa ç a g ra tu ita m e n te , p a r a
n ão u s a r e m a b so lu to d o m e u d ire ito no
ev an g elh o .
19 P o is , sen d o liv re d e todos, fiz-m e e s c r a ­
vo d e to d o s p a r a g a n h a r o m a io r n ú m e ro
p o ssív e l: 20 F iz -m e co m o ju d e u p a r a os
ju d e u s , p a r a g a n h a r o s ju d e u s ; p a r a o s q u e
e stã o d e b aix o d a le i, co m o se e stiv e ss e e u
d eb aix o d a le i (e m b o ra d e b a ix o d a le i n ã o
e s te ja ) , p a r a g a n h a r o s q u e e s tã o d e b a ix o
d a le i; 21 p a r a os q u e e s tã o s e m le i, com o
se e stiv e ss e s e m le i (n ão e sta n d o s e m lei
p a r a co m D e u s, m a s d e b a ix o d a le i d e C ris­
to ), p a r a g a n h a r o s q u e e s tã o s e m le i. 22 F iz-
m e co m o fra c o p a r a o s fra c o s , p a r a g a n h a r
os fra c o s . F iz -m e tu d o p a r a to d o s, p a r a p o r
todos os m eio s c h e g a r a s a lv a r a lg u n s .
23 O ra , tu d o fa ç o p o r c a u s a do e v a n g e lh o ,
p a r a d e le to m a r-m e c o -p a rtic ip a n te .
 Paulo toma bem claro que a defesa
que ele faz do seu apostolado não é, de
forma alguma, um apelo por assistência
material. Ele não apenas deseja que ne­
nhum impedimento seja colocado ao
avanço do evangelho (v. 12), mas tam­
bém conservar esta minha glória (v. 15).
De fato, ele diz que melhor me fora
morrer do que desistir de pregar o evan­
gelho sem recompensa financeira. Um
chamado imperioso havia-se apoderado
dele, e uma compulsão interior o impul­
sionava a pregar (cf. Jer. 20:9; Gál.
1:15). A vida seria impossível para ele,
se não pregasse o evangelho. Ele, na
realidade, não pode jactar-se de estar
pregando o evangelho: Ai de mim, se
não anunciar o evangelho! Sente o impul­
so de uma necessidade divina. Não prega
por livre escolha, mas com base na voca­
ção de Deus.
Se Paulo pregasse com base em sua
iniciativa própria, se sentiria de maneira
diferente quanto a receber pagamento.
Porém, visto que prega por causa de um
dever que Deus lhe deu para se desin-
cumbir, para não dizer o privilégio, ele
prega como alguém que foi comissionado
para fazê-lo. Portanto, acha que não tem
nenhuma razão imperiosa para aceitar
pagamento. Prega não pelo que vai rece­
ber, mas pelo que jâ recebeu do Senhor.
A recompensa de Paulo por pregar é que
ele o faz sem cobrar por isso. O seu
pagamento é pregar sem receber paga­
mento. Há também recompensa nos re­
sultados e na alegria de servir a Cristo.
Paulo se gasta pelos outros, e não pede
aos outros para gastarem alguma coisa
com ele.
Nos versos 19 a 23, Paulo apresenta
a sua maneira de entender o exercício
desta liberdade em favor dos outros.
Nos versos 15 a 18, ele fala do exercício
de sua liberdade em referência a si mes­
mo. (Novamente os pronomes na primei­
ra pessoa são usados no comentário,
como em relação a 9:1-6.) Pois, sendo
livre de todos — visto que Deus fez de
mim um homem verdadeiramente livre,
emancipando-me da escravidão do peca­
do (Rom. 6:6-14) — fiz-me escravo de
todos. Quando eu digo que sou escravo
dos homens, quero dizer que me esforço
para ser servo de todos os homens. Não
quero dizer que permito que todos os
homens controlem minha vida. Só Deus
faz isso, através de Cristo. Eu torno-me
escravo, ou servo, a fim de ganhar o
maior número possível e apresentar-lhes
a salvação.
A minha perspectiva significa, pratica­
mente, que fiz-me como judeu para os
judeus, para ganhar os judeus. Dizendo
isto, quero dizer que procuro entender
como os judeus podem considerar um
judeu que prega que Jesus é o Messias.
Esforço-me para entender os seus pontos
de vista e ver no que posso concordar
com ele. Tenho a vantagem de ter ma­
nifestado a mesma atitude legal para
com a lei de Moisés que qualquer judeu
tem. Não estou dizendo que, para tor-
nar-me judeu, me tomo um cristão le­
galista, porém quero dizer que procuro
colocar-me de acordo com o judeu que
desejo conquistar e encaro o cristianismo
do ponto de vista do judaísmo.
Há ocasiões em que eu mesmo observo
a lei judaica (cf. At. 16:3; 18:18; 21:26),
mas não vivo mais pela lei, como num
esforço para ganhar a salvação. Vivo,
agora, pela fé em Cristo. Embora debai­
xo da lei não esteja, guardo algumas de
suas provisões, por vezes, a fim de mos­
trar a minha sensibilidade para com a
interpretação judaica da religião e para
ganhar os que estão debaixo da lei. Con­
sidero a sua perspectiva de vida a fim de
levá-los para fora dela. Mas jamais sacri­
fico qualquer princípio básico do evan­
gelho cristão (cf. Gál. 2:3-5). Não tenho
a obrigação de guardar a lei. Estou sal­
vo pela graça, por meio da fé apenas
(cf. Rom. 10:4). Mas procuro entender
os que crêem de maneira diferente.
Para os que estão sem lei — estou
falando dos gentios — quando comecei o
meu trabalho missionário entre eles, tor­
nei-me como se estivesse sem lei, como
alguém que luta para simpatizar com
uma interpretação gentílica da salvação
e a sua dedicação a vários deuses e
senhores. Certamente não estou dizendo
que em qualquer tempo me tomei uma
pessoa proscrita, desprezando os eleva­
dos princípios morais. Ser crente signifi­
ca que estou sempre debaixo da lei de
Cristo. E a lei de Cristo é uma forma pela
qual manifesto a centralidade do amor,
que mencionei (8:1 ) quando comecei a
discutir o problema de alimento ofereci­
do a ídolos (cf. Rom. 13:8-10). Tomei-
me como se estivesse sem lei por uma
razão dominante: para ganhai os que
estão sem lei à fé em Cristo.
Deixem-me dirigir a sua atenção para
os fracos. Fiz todos os esforços para
simpatizar com os fracos. Alguns cris­
tãos judeus são fracos em relação a co­
mer alimentos sacrificados aos ídolos,
devido à sua experiência anterior (cf. At.
15:29). Isto certamente é verdade em
relação a alguns gentios, muitos dos
quais crêem que os ídolos representam
verdadeiros deuses. Sempre tentei ter
consideração por pessoas como essas,
que são espiritualmente imaturas. Fi-lo
porque o amor cristão leva-me a inter­
pretar a minha liberdade em termos de
sensibilidade para com os outros. A mi­
nha esperança é que a minha compaixão
para com os que são fracos me ajude a
ganhar os fracos, nutrindo-os com uma
fé madura.
Fiz-me tudo para todos, para por to­
dos os meios chegar a salvar alguns.
Quero deixar bem claro que não me tor­
nei culpado de usar de expedientes tortuo­
sos. A minha adaptação nunca abalou
ou pôs em cheque a minha dedicação;
o meu objetivo é entender a dedicação
dos outros. Um crente que ama os outros
tem a liberdade de empregar o seu amor
de formas que mostrem que ele realmen­
te se preocupa com os outros o suficiente
para se esforçar no sentido de enten-
dê-los e apreciá-los. Exercito o meu amor
em liberdade e a minha liberdade em
amor apenas por uma razão: por eausa
do evangelho. O afã de ganhar outros
através do exercício de pregação que não
pede recompensa monetária é uma forma
pela qual dele eu possa tomar-me par­
ticipante, cumprir a minha vocação como
apóstolo e participar dos benefícios do
evangelho de Cristo.
6. A Disciplina da Liberdade Cristã
(9:24-27)
24 N ão sa b e is vós q u e os q u e c o rre m no
e stá d io , todos, n a v e rd a d e , c o rre m , m a s
u m só é q u e re c e b e o p rê m io ? C o rre i d e ta l
m a n e ir a q u e o a lc a n c e is . 25 E to d o a q u e le
q u e lu ta , e x e rc e do m ín io p ró p rio e m to d a s
a s c o is a s; o ra , e le s o fa z e m p a r a a lc a n ç a r
u m a c o ro a c o rru p tív e l, n ó s, p o ré m , u m a
in c o rru p tív e l. 26 P o is e u a s s im c o rro , n ã o
com o in d e c iso ; a s s im c o m b a to , n ã o com o
b a te n d o no a r . 27 A n tes su b ju g o o m e u c o r ­
po, e o re d u z o à su b m iss ã o , p a r a q u e , dep o is
d e p r e g a r a o u tro s, e u m e s m o n ã o v e n h a a
fic a r re p ro v a d o .
Paulo muda de assunto neste ponto,
para empregar ilustrações esportivas, a
fim de demonstrar o princípio de liber­
dade disciplinada e a necessidade de
domínio próprio e autodisciplina na vida
cristã. Esta passagem enfatiza que Paulo
considera a salvação não meramente co­
mo um ato, mas como uma experiência
contínua. A vida cristã requer tudo da
vida de uma pessoa, por toda a sua vida.
O crente é liberto da escravidão do peca­
do a fim de se tornar escravo da justiça
(cf. Rom. 6:6-14). Paulo apela para os
coríntios, a fim de que eles se apliquem
à busca do crescimento e obediência cris­
tãos. A fé salvadora é uma fé dinâmica.
Pelo menos dois atletas são menciona­
dos nesta passagem: o corredor e o pugi­
lista. Os coríntios entenderiam estas re­
ferências com toda a facilidade. Os jogos
eram realizados em toda a Grécia, em
vários lugares. Os jogos olímpicos, reali­
zados em honra a Zeus, que eram os mais
famosos de todos, foram iniciados em
Atenas em 776 a.C., e interrompidos só
em 393 d.C. Realizados a cada quatro
anos, esses jogos davam muita fama aos
vencedores dos acontecimentos atléticos.
 Os jogos do istmo eram realizados em
Corinto, em honra a Poseidom, deus da
água e do mar, e tiveram inicio ali em
581 a.C. Paulo usa ilustrações que esta­
belecem comunicação instantânea com
todos os coríntios. Talvez alguns deles
freqüentassem os jogos, quando eram
realizados a cada dois anos, em Corinto.
Filo, Epiteto e Sêneca estavam entre os
famosos contemporâneos de Paulo que
utilizaram a figura de jogos atléticos para
ensinar disciplina e restrição.)
Ê importante lembrar que Paulo mol­
da a analogia dos jogos aos seus objetivos
pessoais. Nem todos os aspectos deles
são importantes para os seus objetivos.
A vida cristã é semelhante a uma corri­
da. Todos os crentes precisam participar
dela. É importante que todos corram
com o esforço estrénuo que pode fazer
deles os vencedores da corrida. Paulo não
diz que só uma pessoa receberá o troféu
da vitória. Correi de tal maneira que o
alcanceis. Ele quer dizer que cada pessoa
deve dedicar-se inteiramente à corrida
(cf. Fil. 3:12). A liberdade cristã exige
esforços sérios.
Todo aquele que luta, exerce domínio
próprio em todas as coisas. De fato, os
que participavam dos jogos de Corinto
deviam jurar que haviam estado em trei­
namento durante dez meses antes da
disputa. A liberdade cristã exige discipli­
na própria.
Eles o fazem para alcançar uma coroa
corruptível. Em Corinto, era uma grinal­
da de pinheiro; em Atenas, uma grinal­
da de oliveira; em Delfos, uma grinalda
de louro. Essas amostras frágeis da vitó­
ria, que eram consideradas mui precio­
sas, não se podem comparar com a coroa
imperecível que será dada aos coríntios
fiéis, por ocasião da ressurreição (cf.
I Ped. 5:4; Apoc. 2:10; II Tim. 4:8).
A liberdade cristã exige um alvo: o reino
de Deus.
Pois eu assim corro, não como indeci­
so; assim combato, não como batendo no
ar. Ninguém se insinua sub-repticiamen-
te no reino de Deus, e ninguém boxeia
com um lutador imaginário, para entrar
nele. A vida cristã requer um claro senso
de propósito.
Subjugo o meu corpo, e o reduzo à
submissão. Paulo afirma que é necessá­
rio que ele se discipline. Embora a pala­
vra corpo, neste contexto, tenha um sig­
nificado físico, não é meramente isso.
Ê necessário que Paulo discipline o seu
eu — toda a sua pessoa — cuja ex­
pressão exterior se encontra no corpo
físico. Embora Paulo, provavelmente, in­
clua a disciplina voluntariamente assu­
mida para si mesmo, ele também está-se
referindo à disciplina requerida para se
viver dignamente a vida cristã (cf. Rom.
6:13; 8:13: II Cor. 4:7-12). Ele não está
sugerindo que o corpo seja mau. Ele é
um veiculo de glorificação a Deus (6:20)
em uma criação que pertence a Deus
(10:26).
Paulo vive uma vida cristã disciplina­
da, conforme diz: para que, depois de
pregar a outros, eu mesmo não venha a
ficar reprovado. Talvez, pela maneira
como usa a palavra pregação, ele tenha
em mente o arauto dos jogos. O arauto
anuncia as regras da disputa e anuncia os
vencedores. Paulo está preocupado com
o fato de se envolver tanto com o bem-
estar espiritual dos outros a ponto de
descuidar do seu. Ele se disciplina, “para
não ser rejeitado, depois de ter chamado
outros para a luta” (9:27b TEV).
O que quer dizer Paulo com a palavra
reprovado? Muitos comentaristas acham
que ele está-se referindo à possibilidade
de ser rejeitado em sua salvação pessoal,
no fim da corrida. Mas Paulo não crê
que a sua salvação depende de sua obra
de perseverança, pois os homens são
salvos pela fé, e não pelas obras. Por
outro lado, a fé salvadora é uma fé con­
tínua, ativa. Ela não descansa afetada­
mente no passado, mas abraça o futuro,
como base para a expressão de obediên­
cia. Os homens não são salvos pela per­
severança, mas salvos para perseverar
(cf. Fil. 3:8-14).
 A vida cristã não é tolerante, mas exi­
gente (cf. Rom. 6:10-14). A salvação em
Cristo não é um convite para a compla­
cência, mas uma convocação para uma
entrega. Cada novo dia é uma nova con­
vocação para a fé.
7. A Liberdade Cristã e Obediência
Morai (10:1-13)
1 P o is n ã o q u e ro , irm ã o s , q u e ig n o re is
que n o sso s p a is e s tiv e ra m to d o s d e b aix o
d a n u v e m , e to d o s p a s s a r a m p elo m a r ;
2 e , n a n u v e m e no m a r , todos fo ra m b a ti­
z ados e m M oisés, 3 e to d o s c o m e ra m do
m esm o a lim e n to e s p iritu a l; 4 e b e b e ra m
todos d a m e s m a b e b id a e s p iritu a l, p o rq u e
b e b ia m d a p e d r a e s p iritu a l q u e o s a c o m p a ­
n h a v a ; e a p e d r a e r a C risto . 5 M as D eu s
não se a g ra d o u d a m a io r p a r te d e le s ; p elo
qu e fo ra m p ro s tra d o s no d e se rto .
6 O ra , e s ta s c o isa s n o s fo ra m fe ita s p a r a
e x em p lo , a fim de q u e n ã o co b ic e m o s a s
co isas m á s , com o e le s c o b iç a ra m . 7 N ão v o s
to rn e is, pois, id ó la tr a s , co m o a lg u n s d e le s,
co n fo rm e e s tá e s c r ito : O povo a ssen to u -se
a c o m e r e a b e b e r, e lev an to u -se p a r a fo lg a r.
8 N e m n o s p ro s titu a m o s , co m o a lg u n s d e le s
fiz e r a m ; e c a ír a m n u m só d ia v in te e tr ê s
m il. 9 E n ã o te n te m o s o Sen h o r, co m o a lg u n s
d eles o te n ta r a m , e p e r e c e r a m p e la s s e r p e n ­
te s . 10 E n ã o m u r m u re is , com o a lg u n s d e le s
m u r m u r a r a m , e p e re c e r a m p elo d e s tru id o r.
11 O ra , tu d o is to lh e s a c o n te c ia , com o e x e m ­
plo, e foi e s c rito p a r a a v iso n o sso , p a r a
q u em j á são ch e g a d o s os fin s d o s sécu lo s.
12 A quele, p o is, q u e p e n s a e s t a r e m p é ,
olhe n ã o c a la . 13 N ão v o s so b re v e io n e n h u ­
m a te n ta ç ã o , se n ã o h u m a n a ; m a s fie l é
D eus, o q u a l n ã o d e ix a r á q u e s e ja is te n t a ­
dos a c im a do q u e po d eis r e s is tir , a n te s co m
a te n ta ç ã o d a r á ta m b é m o m eio d e s a íd a ,
p a r a q u e a p o s s a is s u p o rta r.
Depois de ter utilizado ilustrações ti­
radas das disputas atléticas, o apóstolo
emprega uma lição do Velho Testamen­
to, para mostrar a importância da obe­
diência às demandas de uma fé madura.
Os crentes não devem presumir que,
só porque receberam graça gratuita, au­
tomaticamente garantiram a salvação
completa. A fé cristã não é uma apli­
cação de mágica, mas um chamado à
obediência moral.
Nas religiões de mistério, a pessoa
podia ter a certeza da salvação subme­
tendo-se aos rituais corretos. Nos siste­
mas gnósticos do segundo século d.C.,
a pessoa podia ter a certeza da salvação
tendo adquirido o conhecimento místico
correto. Porém a fé cristã abrange mais
do que fórmulas corretas; requer uma
nova vida, que encontre expressão na to­
talidade da vida, enquanto houver vida.
Paulo mostrou a importância da discipli­
na no exercício da liberdade na sua pró­
pria vida. No capítulo 10, ele demonstra
que a mesma qualidade de liberdade
disciplinada exige obediência moral, da
parte dos coríntios. Eles não podem pen­
sar que estão seguros contra os perigos
da sociedade coríntia só porque possuem
o nome de cristãos.
A maior parte dos eruditos concorda
que Paulo está-se referindo ao batismo e
à Ceia do Senhor, em 10:1-13. Ele está-se
opondo ao ponto de vista de que a parti­
cipação nesses acontecimentos assegura
a salvação a uma pessoa. Evidentemente,
alguns dos coríntios estão correndo o
perigo de aceitar uma maneira mágica de
compreender o batismo e a Ceia do Se­
nhor. Paulo emprega o Velho Testamen­
to para refutar as suas opiniões.
A maneira como Paulo usa o Velho
Testamento, nesta seção, é um exemplo
do método tipológico de interpretação.
Em tipologia, as sombras de eventos
futuros são encontradas na história de
Israel. A igreja no deserto, em o Velho
Testamento, é um tipo da igreja em Co­
rinto. O êxodo do Egito é o ato de
salvação, executado por Deus, para a
salvação de Israel. A morte e ressurrei­
ção de Cristo são o ato de salvação
executado por Deus em favor da Igreja.
Antes de entrar na Terra Prometida,
Israel passou um período de prova no
deserto. Antes de entrar na sua terra da
promessa, por ocasião da segunda vinda
de Cristo, a Igreja precisa atravessar um
período de provas em um mundo pagão.
A igreja em Corinto precisa aprender a
lição que a experiência de Israel ensina.
Pois não quero, irmãos, que ignoreis
é uma fórmula introdutória que Paulo
freqüentemente usa para apresentar algo
muito importante (cf. II Cor. 1:8; Rom.
1:13; 11:25; I Tess. 4:13). Nossos pais
estiveram todos debaixo da nuvem, que
simbolizava a direção de Deus. Eles mar­
charam debaixo da coluna de nuvem que
cobria a multidão (Êx. 13:21; 14:19;
Núm. 14:14; Sal. 105:39). Eles são nos­
sos pais — isto é, os pais de todos os que
pertencem a Cristo, a semente de Abra­
ão. Todos os crentes, judeus e gentios,
são filhos de Abraão (Gál. 3:16,29). E,
na nuvem e no mar, todos foram bati­
zados em Moisés. A nuvem estava sobre
eles, e o mar os cercava de ambos os
lados, de forma que, em certo sentido,
eles foram batizados (cf. Êx. 14:22). Eles
foram batizados em Moisés, o que signi­
fica que Moisés tomou-se seu líder. Eles
eram o povo dele (cf, 1:15).
Os crentes também foram batizados
(Rom. 6:3,4). Eles foram batizados em
Cristo, e são o seu povo. Israel é tam­
bém manifesto na redenção da Igreja, o
novo Israel.
E todos comeram do mesmo alimento
espiritual. O maná que Deus providen­
ciou (Êx. 16:13-16) é chamado de espi­
ritual, porque é o dom de Deus. Ele é
citado como “pão do céu” e “pão dos
anjos” , em algumas fontes judaicas (Sal.
78:24,25; Sabed. de Salom. 16:20; cf.
João 6:3-34; 49-51).
E beberam todos da mesma bebida
espiritual. Moisés feriu uma rocha, e
supriu água para Israel (Êx. 17:6; Núm.
20:7-11). Porque bebiam da pedra espi­
ritual que os acompanhava; e a pedra
era Cristo. Os intérpretes judeus ensi­
navam que a Rocha seguiu Israel em suas
jornadas. Todavia, o Velho Testamento
não contém essa tradição. Filo relaciona a
Rocha, por vezes, com a sabedoria e o
logos. Paulo dá uma interpretação espi­
ritual da Rocha, como um tipo de Cristo.
Ele devia conhecer a interpretação apre­
sentada pelos mestres judeus, de que a
Rocha seguira Israel e suprira água para
o povo.
Paulo identifica a Rocha com Cristo.
Ele é o mediador da criação (8:6), que
supre as necessidades de água do povo.
Esta passagem, que aponta para a pree­
xistência de Cristo, fala de Cristo como a
fonte de bênçãos no deserto.
Paulo diz que todos os pais foram re­
cipientes de bênçãos sobrenaturais. Mas
Deus não se agradou da maior parte
deles. Embora ele tivesse satisfeito as
necessidades deles, eles não satisfizeram
as ordens dele. A grande maioria deles
foi prostrada no deserto (Núm. 15:
30-32). Nada serve de substituto para a
seriedade com que devemos receber as
reivindicações de Deus sobre a nossa obe­
diência. A presença da providência divi­
na não deve ser interpretada como ausên­
cia de julgamento.
O que aconteceu ao Israel de outrora
serve como advertência para todos os
crentes. Não é possível aceitar a graça de
Deus, e depois abusar dela. Ele não troca
a sua graça pelo nosso pecado. Ele nos
fortalece para viver para buscarmos o
bem, e não o mal. Os coríntios, que
gostavam de freqüentar festas pagãs,
precisavam lembrar-se da praga que
Deus mandou sobre Israel, quando os
israelitas buscaram as panelas de carne
do Egito (Núm. 11:4-34).
O versículo 7 se refere ao perigo da
idolatria, que Deus puniu no Israel do
passado (Êx. 32:1-35), e do qual os co­
ríntios precisavam se guardar. A imora­
lidade, freqüentemente ligada à idola­
tria, recebera o julgamento de Deus,
quando caíram num só dia vinte e três
mil. Números 25:1-9 registra “vinte e
quatro mil” . Paulo está citando de me­
mória ou usando um texto diferente.
Os filhos de Israel tentaram o Senhor,
queixando-se de que não tinham comida,
e foram destruídos por serpentes (Núm.
21:5-9). Alguns deles murmuraram de­
pois que foi ministrada punição, por
ocasião da rebelião de Coré, e foram
destruídos (cf. Núm. 16:1-50). A palavra
traduzida como destruidor encontra-se
apenas aqui e em Hebreus 11:28. Ela se
refere a Satanás (5:5) ou ao anjo que
executa a sentença divina de castigo
(cf. Êx. 12:23).
O que aconteceu a Israel ocorreu como
exemplo, para eles não desejarem o mal.
Mas o que aconteceu-lhes anos antes foi
escrito para aviso nosso. A história deles
é prefiguração de nossa história. Preci­
samos aprender, com a desobediência
deles, a ser obedientes, nós, para quem
já são chegados os fins dos séculos. Es­
tamos perto do fim da era atual e perto
do começo da era por vir — como um
homem que está no patam ar de uma es­
cada. O fim da história está perto, visto
que Cristo veio e logo voltará. O seu reino
já está aqui em parte, e logo virá em
grande poder. O crente vive na interse­
ção das duas eras.
Aquele, pois, que pensa estar em pé,
que está muito confiante no seu exercício
de liberdade e brinca com a tentação de
fazer o mal, olhe não caia. Uma pessoa
que entende a sua liberdade em termos
de serviço a outros precisa estar certa de
que exercita uma liberdade disciplinada
para consigo mesma (9:24-27).
Todos precisam enfrentar o problema
da tentação. Ninguém vai escapar dele,
inclusive os crentes, que enfrentam as
mesmas tentações que todas as pessoas
enfrentam. Fiel é Deus, o qual não dei­
xará que sejais tentados acima do que
podeis resistir, porque pode-se depender
da sua fidelidade. O próprio Deus não
induz os homens à tentação (cf. Tiago
1:13); embora ele a permita, propicia a
maturidade espiritual para vencê-la.
O crente não é preservado da tentação:
é preservado nela e através dela. É Deus
quem lhe dá o poder para a suportar.
à nossa fé depende da fidelidade dele.
A palavra traduzida como meio de saída
é ekbasis. Significa caminho de saída de
um desfiladeiro, de uma passagem entre
montanhas. Sugere um exército que está
cercado e precisa de um caminho que o
leve à segurança. Deus providencia um
caminho para a vitória, e não para a
derrota.
Sêneca comenta a respeito da tenta­
ção, que a natureza nos ama e nos cons­
tituiu de forma a tornar a nossa dor
suportável ou curta. Como Paulo é dife­
rente! Ele não apela para a natureza,
mas para o Deus da natureza. As reli­
giões de mistério, às quais alguns dos
coríntios anteriormente haviam perten­
cido, também não oferecem a confiança
em Deus, que caracteriza a fé cristã.
8. A Liberdade Cristã e a Comunhão á
Mesa (10:14-22)
14 P o rta n to , m e u s a m a d o s , fu g i d a id o la ­
tr ia . 15 F a lo co m o a e n te n d id o s; ju lg a i vós
m e sm o s o q u e dig o . 16 P o rv e n tu ra o c á lic e
de b ê n ç ã o q u e a b e n ç o a m o s n ã o é a c o m u ­
n h ão d o sa n g u e d e C risto ? O p ã o q u e p a r t i ­
m o s n ã o é p o rv e n tu ra a c o m u n h ão do co rp o
d e C risto ? 17 P o is n ó s, e m b o ra m u ito s, s o ­
m o s u m só p ã o , u m só c o rp o ; p o rq u e todos
p a rtic ip a m o s d e u m m e s m o p ã o . 18 V ede a
Is ra e l seg u n d o a c a r n e : os q u e c o m e m dos
sa c rifíc io s n ã o sã o , p o rv e n tu ra , p a r tic ip a n ­
te s do a lt a r ? 19 M a s q u e d igo? Q ue o s a c r if i­
cado a o ídolo é a lg u m a c o isa ? Ou q u e o
ídolo é a lg u m a c o isa ? 20 A ntes d ig o q u e a s
c o isas q u e e le s s a c rific a m , s a c rific a m -n a s
a d em ô n ios, e n ã o a D eu s. E n ã o q u e ro que
se ja is p a rtic ip a n te s co m os d em ô n io s.
21 N ão p o d e is b e b e r do c á lic e do S e n h o r e do
cálice d e d e m ô n io s; n ã o p o d eis p a r tic ip a r
d a m e s a do S en h o r e d a m e s a d e d em ô n io s.
22 Ou p ro v o c a re m o s a zelo s o S en h o r? So­
m os, p o rv e n tu ra , m a is fo rte s do q u e ele ?
Portanto, meus amados, fugi da ido­
latria. Amados é uma palavra favorita
de Paulo, que ele usou em quase todas as
suas cartas. Os amados são as pessoas
que se tomaram receptáculas do amor de
Deus e são queridas de Paulo. O seu
conselho, para aqueles que não enten­
dem que a adoração de ídolos e a par­
ticipação em festas idólatras nos tem­
plos pagãos são perigosas para a sua
liberdade, é que fujam de tais práticas.
O seu conselho é o mesmo que fora dado
em referência à prostituição: fujam dela
(6:18). O objetivo não é verificar até que
ponto uma pessoa pode chegar perto do
pecado, mas até que ponto ela pode se
afastar dele.
 No capítulo 8, Paulo falara a respeito
de comer carne sacrificada aos ídolos.
Aqui escreve a respeito da adoração de
ídolos. Ele havia lembrado os coríntios
a respeito do grande dano que podia ser
causado aos outros quando eles comes­
sem em templos pagãos (8:10). Os mem­
bros da igreja certamente já sabiam o
suficiente a respeito da adoração de ído­
los, sendo capazes de fazer uma avalia­
ção inteligente acerca do conselho de
Paulo, e decidir o valor que ele tem.
Os versículos 16-22 são bem diferen­
tes, em conteúdo e em tonalidade, de
8:1-13, e são considerados, por alguns
comentadores, como parte da carta men­
cionada em 5:9. Contudo, a solução não
é atribuir cada seção a uma carta dife­
rente, mas atribuir cada seção a um pro­
blema diferente. Em 8:1-13, Paulo está-
se referindo ao uso particular da carne
que havia sido sacrificada aos ídolos.
Em 10:14-22, ele fala de tomar parte
em refeições sacrificiais em templos pa­
gãos.
Nos versos 16-18, Paulo faz uma das
duas referências à Ceia do Senhor encon­
tradas nas Suas cartas; a outra, muito
mais longa, encontra-se em 11:17-34. Os
versículos-chave, nesta seção, são os
20 e 21. Paulo insiste que comer carne
em templos pagãos coloca o adorador,
inclusive os crentes, na presença de de­
mônios. E nenhum crente que tenha
sensibilidade gostará dessa possibilida­
de. O crente não pode participar da Ceia
do Senhor e de ceias realizadas em honra
a deuses pagãos.
Em lugar nenhum, nesses versículos,
Paulo dá a idéia de que Cristo é comido
na Ceia ou que ele come qualquer parte
da Ceia. A analogia não deve ser levada
tão longe.
Estes versículos podem ser interpreta­
dos pelo menos de três maneiras. A pri­
meira presume que Paulo modela a sua
maneira de entender a Ceia do Senhor
segundo as religiões de mistério. Conse­
qüentemente, o sangue de Cristo e o
corpo de Cristo se referem a comer o
deus. A segunda sustenta que o sangue
de Cristo e o corpo de Cristo se referem
à Ceia do Senhor, mas incluem um rela­
cionamento espiritual, e não físico. A ter­
ceira esposa a opinião de que o sangue de
Cristo se refere à Ceia do Senhor, e o
corpo de Cristo se refere à Igreja. A pri­
meira interpretação não tem apoio no
verso 18 e no fato de que a Ceia é
participação no corpo de Cristo, e não
participação de elementos. Contra a se­
gunda interpretação antepõe-se a refe­
rência feita por Paulo ao corpo de Jesus
como “o corpo da sua carne” (Col. 1:22).
E também ele usa “o corpo de Cristo”
para referir-se à Igreja (12:27; Rom.
12:5).
A referência à Ceia do Senhor, nos
versos 16 a 18, é feita, por Paulo, a fim
de fortalecer o seu argumento contra o
perigo de adorar-se ídolos. O cálice de
bênção, pelo qual se dá graças a Deus,
é uma referência ao cálice tomado por
ocasião da Ceia. Na celebração da refei­
ção pascal, o cálice da bênção refere-se
ao terceiro cálice de vinho que é tomado.
O cálice de bênção, pelo qual se dá
graças durante a Ceia do Senhor, em
Corinto, é uma forma simbólica de par­
ticipar espiritualmente dos benefícios da
morte de Cristo. Ê uma comunhão do
sangue de Cristo. A palavra comunhão,
usada duas vezes no verso 16, é tradução
de koinonia, que também pode ser tradu­
zida como “participação” . É bem bíblico
referir-se à Ceia do Senhor como comu­
nhão. O versículo 16 toma óbvio essa
conveniência.
Paulo não está sugerindo que os corín­
tios bebam juntos o sangue de Cristo,
mas que, pela fé, eles participem dos
benefícios de sua morte na cruz. As pala­
vras sangue de Cristo referem-se à morte
de Cristo (cf. Rom. 3:24; 5:9). A parti­
cipação do cálice simbolicamente une o
adorador com Cristo.
Em 11:23, Paulo menciona em pri­
meiro lugar o pão, e não o cálice. (Para
uma explicação mais completa a respeito
da Ceia do Senhor, veja os comentários
a 11:17-34.) É difícil saber-se por que ele
apresenta duas ordens diferentes. Tem
sido discutido que ele coloca o pão em
último lugar a fim de propiciar uma
transição menos brusca para o pão que é
mencionado no versículo seguinte, para
poder introduzir a referência à Igreja
como “corpo” . A ênfase, neste caso par­
ticular, não é litúrgica, mas teológica.
O pão é partido na Páscoa judaica.
Paulo fala do pão que é partido na
comunhão do corpo de Cristo. O corpo
é, provavelmente, referência à Igreja
(cf. 12:27; Cf. Rom. 12:5). Comer de
um só pão é participar da realidade da
Igreja. O pão único que é partido signi­
fica a unidade da Igreja, que é o corpo
de Cristo. Há unidade em Cristo e uni­
dade na Igreja. A participação no único
pão simboliza a unidade da Igreja. Outra
possibilidade é que o corpo de Cristo
seja referência ao pão da Ceia do Senhor.
Isto significaria que tanto o cálice quanto
o pão se referem à Ceia do Senhor. Neste
caso, a comunhão do sangue de Cristo e
a comunhão do corpo de Cristo se refe­
ririam à participação nos benefícios da
morte de Cristo. A participação simboli­
za a unidade da Igreja em sua apro­
priação da morte de Cristo, à qual Paulo
se refere quando usa as palavras pão e
corpo.
Alguns eruditos notam que, nas seitas
dionísia e órfica, os deuses supostamente
eram comidos, e Paulo adotara essa in­
terpretação da Ceia do Senhor. Mas o
verso 18 mostra claramente que tal inter­
pretação é impossível. Paulo refere-se a
comer os sacrifícios no judaísmo, fato
que não ensina que os sacerdotes comiam
a divindade quando comiam os sacri­
fícios.
Na Ceia do Senhor, a Igreja participa
dos benefícios de Cristo e da comunhão
de uns com os outros. A comunhão com
Cristo acarreta comunhão de uns com os
outros.
Na adoração de Israel, os sacerdotes
comem porções de alguns sacrifícios, e o
povo come porções de outros (Lev. 10:12-
15; I Sam. 9:10-24). Neste sentido, os
sacerdotes e o povo são participantes do
altar sobre que os sacrifícios são feitos.
Mas também é verdade que tanto os
sacerdotes como o povo participam jun­
tos dos benefícios espirituais que advém
da oferta de sacrifícios a Deus. Os que
participam dos sacrifícios participam
também dos seus benefícios.
Paulo não está tentando provar que a
Ceia do Senhor é um sacrifício. Ele está
usando uma analogia tirada do sistema
sacrificial judaico, para mostrar a reali­
dade da participação ou comunhão espi­
ritual na Ceia do Senhor.
O apóstolo afirma outra vez o que já
expressara (8:4): a comida dos ídolos e os
ídolos não representam realidades. Mas
os demônios são reais. Quando os gentios
pensam que estão sacrificando aos deu­
ses, na verdade estão sacrificando aos
demônios. Os seus deuses não existem;
os demônios existem (cf. Deut. 32:17;
Sal. 106:37). Quando o povo sacrifica aos
ídolos, os demônios estão presentes. Pau­
lo não deseja que os coríntios estejam na
companhia de demônios, ao participar
das refeições que honram deuses pagãos.
Não quero que sejais participantes com
os demônios. Ninguém que leva a sério o
senhorio de Cristo pode permitir-se ma­
nifestar qualquer reconhecimento a
quaisquer poderes sobrenaturais que se
oponham a Deus.
Não podeis beber do cálice do Senhor
e do cálice de demônios. Compartilhar de
comida significa participar de comu­
nhão. Você não pode ter uma participa­
ção que o torne dedicado a dois senhores
diferentes; uma escolha tem que ser feita.
Você não pode admitir que o fato de
você ser crente, de obedecer às fórmulas
apropriadas, lhe dê um seguro contra os
perigos morais.
Mesa do Senhor é expressão usada no
Velho Testamento (Mal. 1:7). A palavra
mesa também é usada para referir-se
a festas pagãs (cf. Is. 65:11; Jer. 7:18;
Ez. 16:18,19). “A mesa do Senhor” é
expressão bem conhecida em círculos
pagãos. Certo papiro começa assim:
“Chairemon o convida para uma refeição
à mesa do Senhor Serápis, no Sera-
peum.” A refeição a que Paulo está-se
referindo, nestes versículos, abrange ri­
tuais religiosos. São atos de adoração.
O crente não pode adorar a Cristo diante;
da mesa do Senhor, e depois assistir
impunemente um ritual religioso infecta­
do de demônios. Embora os gregos cres­
sem que a pessoa podia pertencer a inú­
meras seitas, os cristãos precisavam lem-
brar-se de que só pode haver uma leal­
dade final.
Os crentes não podem provocar os
zelos ou ciúmes de Deus, porque ele
deseja a nossa lealdade única. Ele não
compartilhará a nossa dedicação com
outrem. Somos, porventura, mais fortes
do que ele? Imaginamos que podemos
fazer isto e não sofrer o seu julgamento?
9. Sumário da Liberdade Cristã
(10:23-11:1)
23 T o d as a s c o isas sã o líc ita s , m a s n e m
to d as a s c o isas c o n v ê m ; to d a s a s c o isa s são
líc ita s, m a s n e m to d a s a s c o isa s e d ific a m .
24 N in g u ém b u sq u e o p ro v e ito p ró p rio , a n ­
te s c a d a u m o de o u tre m . 25 G om ei d e tu d o
q u an to se v en d e no m e rc a d o , n a d a p e rg u n ­
tan d o , p o r c a u s a d a c o n sc iê n c ia . 28 P o is do
S enhor é a t e r r a e a s u a p len itu d e . 27 Se, p o r ­
ta n to , a lg u n s dos in c ré d u lo s vos c o n v id a r, e
q u ise rd e s ir , co m ei d e tu d o o q u e se p u s e r
d ian te d e vós, n a d a p e rg u n ta n d o , p o r c a u s a
d a co n sciên cia. 28 M as, se a lg u é m vos d is­
s e r : Is to foi oferecid o e m sa c rifíc io ; n ão
c o m ais, p o r c a u s a d a q u e le q u e v o s a d v e rtiu
e p o r c a u s a d a c o n sc iê n c ia ; 29 co n sc iê n c ia ,
digo, n ã o a tu a , m a s a do o u tro . P o is, p o r
que h á de s e r ju lg a d a a m in h a U b erd ad e
p e la co n sc iê n c ia de o u tre m ? 30 E , se e u
com g ra tid ã o p a rtic ip o , p o r q u e so u v ili­
p endiado p o r c a u s a d aq u ilo p o r q u e dou g r a ­
ças?
31 P o rta n to , q u e r c o m a is, q u e r b e b a is , ou
fa ç a is q u a lq u e r o u tra c o isa , fa z e i tu d o p a r a
g ló ria d e D eus. 32 N ão v o s to rn e is c a u s a de
tro p eço n e m a ju d e u s , n e m a g re g o s, n e m
à ig r e ja de D e u s ; 33 a s s im com o ta m b é m
eu e m tu d o p ro c u ro a g r a d a r a todos, n ão
b u scan d o o m e u p ró p rio p ro v e ito , m a s o de
m u ito s, p a r a qu e s e ja m salv o s.
1 Sede m e u s im ita d o re s , com o ta m b é m eu
o sou d e C risto.
Todas as coisas são lícitas é uma ex­
pressão que Paulo já usou (6:12). A sua
reação em ambos os casos é a mesma:
nem todas as coisas convêm. Em cada
caso, ele repete a expressão todas as
coisas são lícitas. Mas, em 6:12, ele
expressa o desejo de não perder a sua
liberdade por causa da escravidão ao que
quer que seja. Em 10:23,24, ele declara
o desejo de expressar a sua liberdade
mediante serviço amoroso aos outros
(cf. Rom. 14:20). Este ponto de vista é
semelhante à sua convicção expressa em
8:1, de que o amor edifica. A liberdade
não se encontra em expressar um direito
individual, mas em ajudar os outros a
crescerem espiritualmente. A liberdade
da fé é expressa em servir a Igreja.
Ninguém busque o proveito próprio,
antes cada um o de outrem (cf. Gál. 6:2;
Rom. 14:7; 15:2; Fü. 2:4). A Uberdade
do crente encontra expressão quando ele
luta, de maneira positiva, pelo bem-estar
do seu próximo fraco, que pode ser ima­
turo na sua maneira de entender a carne
sacrificada aos ídolos. Quando o crente
faz isto, não está reduzindo a sua liber­
dade, mas expressando-a. O amor é a
base da liberdade, e a liberdade é a
expressão do amor. É o amor que edifica
a Igreja (cf. Rom. 14:19; 15:2).
A palavra grega traduzida como mer­
cado (makellon) é uma forma helenizada
da palavra latina macelium. Visto que
Corinto já se tomara colônia romana
quando Paulo esteve lá, muitas das ins­
crições eram feitas na língua latina. Os
arqueologistas encontraram a palavra
macelium em uma pedra, que, provavel­
mente, se referia à espécie de mercado
que Paulo menciona. Macella (merca­
dos), em Pompéia, eram lojas abertas em
três lados, onde se vendia came, peixe,
frutas e pão. Provavelmente, o mercado
em Corinto era do mesmo tipo de merca­
do aberto — quase uma feira livre. Ao la­
do dele, bem provavelmente havia um
templo consagrado a um dos deuses pa­
gãos.
 Visto que grande parte da carne ven­
dida no mercado era o que sobrara dos
sacrifícios aos deuses, seria bem difícil
os cristãos ficarem sabendo se a carne
havia sido sacrificada aos ídolos e achar
carne que não o tivesse sido. Os cristãos
tinham liberdade para comprar carne no
makellon, de acordo com Paulo, e não
se preocuparem se ela havia sido sacrifi­
cada a um ídolo. A razão apresentada
por Paulo é que do Senhor é a terra, e a
sua plenitude (10:26). Esta citação do
Salmo 24:1, que foi enfatizada para favo­
recer as bênçãos sobre as refeições, é
uma indicação de que Paulo considera a
criação boa. Os crentes não precisam
renunciar a ela, mas usá-la para glorifi­
car a Deus e servir ao próximo. A carne
que é abençoada deve ser comida sem
arrepios de consciência a respeito de sua
origem.
Se uma pessoa que não era cristã con­
vidasse um cristão para jantar em sua
casa, o cristão tinha a liberdade de acei­
tar o convite. Afinal de contas, a maior
parte das pessoas em Corinto não era
cristã, e recusar-se a atender a tais ex­
pressões de amabilidade podia excluir os
cristãos de muitas relações sociais e opor­
tunidade de testemunhar acerca de sua
fé.
Mas se um cristão fraco (8:8-13) fosse
convidado para a mesma refeição e co­
chichasse, ao ouvido do cristão forte, que
sabia que a carne que estava sendo servi­
da foi oferecida em sacrifício, então sim­
plesmente este devia rejeitar graciosa­
mente esse prato. Não devia comer essa
carne, por causa de uma preocupação
sensível para com seu irmão fraco, cuja
consciência o acusaria de pecado, se ele
seguisse o seu exemplo e comesse tam­
bém dessa carne. Devia usar a sua ma­
turidade para servir ao seu irmão ima­
turo.
Os cristãos, parece, perguntaram por
que a sua liberdade para agir como dese­
jassem, durante as refeições, devia ser
limitada pela consciência de um irmão
fraco. Eles deixam transparecer que de­
ram graças a Deus pelo que receberam
dele, inclusive a carne, e não achavam
razão por que deviam ficar preocupados
com críticas insignificantes. A resposta
de Paulo para eles é: Você não desiste de
sua liberdade quando decide não comer
dessa carne. Você está usando-a de ma­
neira cristã e amadurecida. A sua cons­
ciência não é problema para você; é a
consciência do outro que deve ser uma
preocupação para você. A sua liberdade
é expressa, e não perdida, quando você
prevê o que é permitido, a fim de não
ferir um cristão imaturo. Pessoalmente,
diz Paulo, eu não considero nada errado
em comer o que você deseja comer (Rom.
14:1-15:6).
O apóstolo expressa, de maneira cla­
ra, os princípios pelos quais o crente deve
ordenar a sua vida. Portanto, quer co­
mais quer bebais, ou façais qualquer
outra coisa, fazei tudo para glória de
Deus (cf. Col. 3:17). Calvino diz que não
existe nenhuma parte de nossa vida ou
conduta que não deva ser para a glória
de Deus, e que devemos nos preocupar
em comer e beber para promovê-la. E ele
cita um provérbio antigo: “Precisamos
não viver para comer, mas comer para
viver.” O homem glorifica a Deus quan­
do é sensível para com o seu próximo.
Como pode ele glorificar a Deus se preju­
dicar a consciência cristã de um crente
mais fraco? O zelo pela glória de Deus é
o primeiro princípio pelo qual devemos
governar nossas ações, tanto em referên­
cia a nós mesmos quanto em referência
aos outros (cf. 6:20).
Um segundo princípio é a aplicação do
amor cristão. Não vos torneis causa de
tropeço nem a judeus, nem a gregos, nem
à igreja de Deus. Não sejais escandalo­
sos; não causeis problemas, no que de­
pender de vós. Sede sensíveis, como cren­
tes, tanto quanto possível, para com to­
das as pessoas, crentes e não-crentes. O
teste da liberdade cristã está nas reivin­
dicações que ela faz não para si mesma,
e, sim, para os outros.
 Um terceiro princípio é esforçar-se
para viver uma vida que seja simpática
para os outros, sem comprometer ne­
nhum princípio. Tal vida demonstra cui­
dado pelos outros, e tem em vista esta­
belecer harmonia com os outros. Precisa
ser enfatizado que quando Paulo fala de
esforços para agradar a todos, não está
se referindo à ausência de escrúpulos
morais, mas à presença de interesse mo­
ral pelos outros. Ele também está se
referindo aos seus próprios atos, e não
aprovando a todos os atos dos outros.
A sua ética e a sua teologia se originam
da mesma afirmação: o Cristo crucifica­
do e ressurrecto, que evoca uma fé que se
origina em obediência moral.
Um quarto princípio é corolário do ter­
ceiro. O interesse último de Paulo é
que sejam salvos (cf. 9:20-22; Rom.
15:2). O exercício da liberdade cristã
deve ter um motivo evangelístico. Paulo
está interessado nas suas relações com os
outros, porque se preocupa com o rela­
cionamento deles com a salvação. Este
princípio está intimamente ligado com
todos os outros.
Um quinto princípio é o exemplo do
testemunho apostólico. Sede meus imita­
dores, como também eu o sou de Cristo.
Os coríntios viviam em um mundo em
que muitas vozes os chamavam e muitas
veredas os seduziam. O princípio do
amor, que guia a liberdade, encontra-se
em Jesus Cristo crucificado e ressuscita­
do. A sua vida de entrega pelo amor aos
outros era manifesta também na vida de
Paulo (cf. II Cor. 4:7-12). Paulo tornou
visível, em uma vida humana, a vida do
Senhor. Seguir a sua vida era seguir o
padrão da vida do Senhor (cf. Fil. 3:17;
ITess. 1:6; IITess. 3:7-9).
VIII. Perguntas a Respeito da
Adoração Cristã
(11:2-14:40)
Os capítulos 11 a 14 tratam da adora­
ção cristã. Três problemas distintos
emergem na discussão: o uso do véu
pelas mulheres durante o culto (11:2-16),
a conduta durante a Ceia do Senhor
(11:17-34) e o exercício dos dons espiri­
tuais (12:1-14:40). O extensivo tratamen­
to que Paulo dispensa ao assunto dos
dons espirituais é uma indicação de que
o falar em línguas (14:1-40) era um sério
problema na igreja em Corinto.
Devemos notar que Paulo baseia a dis­
cussão desses assuntos em um contexto
bem amplo. Por isso, vemos emergir,
desses capítulos, uma profunda com­
preensão da igreja e da primazia do amor
na maneira cristã de se entender a exis­
tência.
1. O Uso do Véu Pelas Mulheres Duran­
te o Culto (11:2-16)
2 O ra , e u vos louvo, p o rq u e e m tu d o vos
le m b ra is d e m im , e g u a rd a is os p re c e ito s
a ss im com o vo-los e n tre g u e i. 3 Q uero, p o ­
ré m , q u e s a ib a is q u e C risto é a c a b e ç a de
todo h o m em , o h o m e m a c a b e ç a d a m u lh e r,
e D eus a c a b e ç a de C risto . 4 Todo h o m e m
que o ra ou p ro fe tiz a co m a c a b e ç a c o b e rta
d e so n ra a s u a c a b e ç a . 5 M as to d a m u lh e r
q u e o ra ou p ro fe tiz a c o m a c a b e ç a d e s c o b e r­
t a d e so n ra a s u a c a b e ç a , p o rq u e é a m e s m a
co isa com o se e stiv e ss e ra p a d a . 6 P o rta n to ,
se a m u lh e r n ã o se co b re co m o v é u , to squie-
se ta m b é m ; se , p o ré m , p a r a a m u lh e r é
v erg o n h o so s e r to s q u ia d a ou ra p a d a , c u b ra -
se com v é u . 7 P o is o h o m e m , n a v e rd a d e ,
n ão d ev e c o b rir a c a b e ç a , p o rq u e é a im a ­
g e m e g ló ria d e D e u s; m a s a m u lh e r é a
g ló ria do h o m e m . 8 P o rq u e o h o m e m n ão
p roveio d a m u lh e r, m a s a m u lh e r do h o ­
m e m ; 9 n e m foi o h o m e m c ria d o p o r c a u s a
d a m u lh e r, m a s , sim , a m u lh e r p o r c a u s a do
h o m em . 10 P o rta n to , a m u lh e r d e v e tr a z e r
so b re a c a b e ç a u m s in a l d e su b m issã o , p o r
c a u sa dos a n jo s . 11 T o d a v ia , no S enhor,
n e m a m u lh e r é in d e p en d e n te do h o m e m ,
n e m o h o m e m é in d e p e n d e n te d a m u lh e r;
12 pois, a s s im com o a m u lh e r v eio do h o ­
m e m , a s s im ta m b é m o h o m e m n a s c e d a
m u lh e r, m a s tu d o v e m d e D eu s. 13 J u lg a i
e n tre v ó s m e s m o s : é co n v e n ie n te q u e u m a
m u lh e r co m a c a b e ç a d e sc o b e rta o re a
D eus? 14 N ão v o s e n sin a a p ró p r ia n a tu r e ­
z a q u e, se o h o m e m tiv e r c a b elo co m p rid o ,
é p a r a e le u m a d e s o n ra ; 15 m a s , se a m u ­
lh e r tiv e r o c a b e lo co m p rid o , é p a r a e la u m a
g ló ria ? P o is a c a b e le ira lh e foi d a d a e m
lu g a r d e v é u . 16 M as, se a lg u é m q u is e r s e r
contencioso, n ó s n ã o te m o s ta l c o stu m e,
n e m ta m p o u co a s ig r e ja s d e D eu s.
 Esta difícil passagem apresenta Pau­
lo estabelecendo uma ordem de relacio­
namentos básicos. Obviamente, o seu
objetivo é aconselhar as mulheres, na
igreja coríntia, a se restringirem do tipo
de emancipação social e eclesiástica que
fosse inovadora e revolucionária. Talvez
o movimento de liberdade, em Corinto,
não apenas tivesse levado a reivindica­
ções extravagantes de liberdade para os
homens, mas também para as mulheres.
Paulo apresenta os seguintes argumen­
tos, para sustentar a sua interpretação:
(1) da teologia, versos 3,7 e 8; (2) do bom
senso, verso 13; (3) da natureza, versos
14 e 15; (4) do costume, verso 16.
Paulo elogia os coríntios por se terem
lembrado dele em tudo. Não está claro se
eles tinham feito perguntas a respeito
dos assuntos discutidos no capítulo 1 1 ,
ou se ele os apresenta por iniciativa pró­
pria. Não somos capazes de saber como
é que Paulo ficou sabendo desses pro­
blemas. A igreja estava guardando os
preceitos que Paulo lhe havia entregado.
A palavra grega que significa preceitos é
paradosis. Literalmente, é “o que é
transmitido” . Neste sentido, a sua tradu­
ção lógica, como em outras partes, é
“tradição” . Ela é usada nas cartas de
Paulo para se referir ao que é bom,
como aqui, e ao que é mau, como em
Colossenses 2:8. O contexto determina
o valor da tradição. Jesus fala de tradi­
ção no mau sentido, em Mateus 15:2,3 e
Marcos 7:8.
Paulo considera os ensinamentos cris­
tãos como tradições no bom sentido (cf.
15:1-11; II Tess. 2:15; 3:6). Preceitos,
maneira de interpretar positivamente a
palavra “tradição” , significa que em
muitos casos os ensinamentos remontam
aos primeiros cristãos. Em 11:23, a tra­
dição remonta ao próprio Jesus. Em 15:
3-7, a origem da tradição se encontra na
primeira comunidade de discípulos. Tan­
to Jesus como Paulo rejeitam a tradição
humana (Col. 2:8). Este versículo indica
que havia ensinamentos e instruções que
eram passadas oralmente entre as igre­
jas. É impossível saber-se quando, onde
e como Paulo recebeu essas tradições.
Para os coríntios, como para outros, ele
transmitiu as tradições fielmente.
As mulheres de Corinto, depois de se
terem tomado cristãs, estavam interessa­
das em viver pelo princípio da liberdade,
que dava pouca importância ao costume
de velar a cabeça durante o culto. Por
que precisavam elas ter a cabeça velada
quando oravam e profetizavam? Tanto a
sociedade hebraica como a grega há mui­
to haviam estabelecido costumes em rela­
ção às mulheres, embora a vida, no
Império Romano, estivesse acarretando
mudanças rápidas em alguns daqueles
costumes, inclusive os relativos às mulhe­
res.
Paulo usa a palavra cabeça três vezes,
no verso 3, a fim de estabelecer uma
ordem de relacionamentos básicos. A or­
dem é: Deus, Cristo, homem e mulher.
O que Paulo quer dizer, ao referir-se à
cabeça? Pode estar querendo falar em
grau superior ou em fonte de autoridade.
Aqui, o significado pode ser origem ou
fonte. Provavelmente o último. Deus é a
fonte de Cristo. Cristo é a fotite do ho­
mem. O homem é a fonte da mulher.
Sem dúvida, Paulo pode estar queren­
do dizer que Deus é o dominador de
Cristo; Cristo, o dominador do homem;
o homem, o dominador da mulher. Vis­
to que Paulo não considera o homem
como o senhor da mulher, no verso 8,
é provável que ele esteja se referindo ao
homem como fonte e explanação do ser
feminino (Barrett, p. 248 e 249). Ele
apela para esse princípio em um esforço
para ajudar as mulheres a aceitarem o
véu, considerado apropriado para oração
e profecia.
Os homens do primeiro século, judeus
e gentios, participavam do culto com a
cabeça descoberta. Paulo diz que os ho­
mens, que têm papel de liderança no
culto, desonram a Deus se tiverem um
véu sobre a sua cabeça. A referência
pode ser a véus que eram suficientemen­
te longos para cobrir a cabeça e a parte
superior do corpo. Alguns véus cobrem
apenas o cabelo, orelhas e testa. O verbo
traduzido como desonra pode ser tradu­
zido como “envergonha ou degrada” .
Por que desonra ele a cabeça do homem?
Afinal de contas, ele é a imagem e glória
de Deus.
O que deseja dizer Paulo ao usar ca­
beça no verso 4? O homem desonra a sua
cabeça física, ou desonra a sua cabeça
espiritual, que é Cristo? O mesmo pro­
blema ocorre no verso 5. A mulher deson­
ra a sua cabeça física ou a sua cabeça
espiritual, Cristo? Ou será que ela deson­
ra o seu marido?
Um comentarista interpreta os versos
4 e 5 em referência a II Coríntios 3:18, e
combina as duas interpretações. Aqui
Paulo ensina que o crente que não tem
véu sobre a face reflete a glória do Se­
nhor. O fato de cobrir a cabeça tornaria
impossível a reflexão da glória de Cristo
pela sua cabeça, e ele privaria Cristo do
espelho em que a sua glória devia refle­
tir-se. Esta interpretação, apresentada
por Alio, sustenta os significados literal e
metafórico da palavra.
Toda mulher que participa de culto
público, orando ou profetizando, deve
cobrir-se com o véu, isto é, velar-se. A ca­
beça do homem não pode estar coberta;
a cabeça da mulher precisa estar coberta.
Isto indica que as mulheres têm permis­
são para desempenhar um papel no culto
público. A passagem, no capítulo 14:
33-36, provavelmente não altera este cos­
tume e estas instruções.
As prostitutas não usam véus. Elas dão
muita atenção ao seu penteado. Cabe­
ças raspadas, para as mulheres, são sinal
de desonra. De acordo com os ensina­
mentos judaicos, a mulher condenada
por adultério devia ter a cabeça raspada.
Visto que era descrédito para a mulher
o fato de não usar véu, bem como o de
cortar o cabelo, as mulheres da igreja em
Corinto deviam evitar ambas as coisas.
Tais práticas não elevavam a condição da
mulher — elas a rebaixavam.
A mulher que não usa véu quando
ora ou profetiza desonra a sua cabeça.
Cabeça refere-se ao seu marido, ou à sua
própria cabeça? Não está claro, a não
ser que da segunda vez em que esta pala­
vra é usada, no verso 5, ela mostre que se
refere à sua própria cabeça.
O homem não deve cobrir a sua ca­
beça durante a adoração, porque é a
imagem e glória de Deus. De acordo com
Gênesis 1:26,27, Deus criou o homem e
a mulher à sua imagem e semelhança.
Em Colossenses 1:13-15, Cristo é a ima­
gem de Deus, significando “um reflexo
perfeito do protótipo” . Quando aplicada
ao homem, a palavra imagem tem o
objetivo de separar o homem do resto
da criação e de significar a sua capaci­
dade de ter comunhão com Deus. O ho­
mem é a glória de Deus no sentido de que
é criado e existe para louvar a Deus e
dar-lhe honra em todas as áreas da vida.
A mulher é a glória do homem. Paulo
não diz a respeito da mulher o que diz
acerca do homem. O homem é tanto a
imagem quanto a glória de Deus. A mu­
lher é a glória do homem. Indubitavel­
mente, Paulo está-se referindo à história
de Gênesis 2:18-23, onde a mulher é feita
do homem, para ajudar o homem —
depois que os animais e o homem foram
criados. A relação imediata do homem é
com Deus. A relação imediata da mulher
é com o homem. A mulher existe para
ajudar o homem, para propiciar a honra
e louvor à sua vida. O papel dela é de
ajudadora. A glória do homem provém
de Deus. A glória da mulher provém do
homem.
Portanto, a mulher deve trazer sobre a
cabeça um sinal de submissão, por causa
dos ai\jos. Uma antiga interpretação des­
ta passagem sugere que os ai\jos são os
sacerdotes. Uma interpretação mais pro­
vável, todavia, é que a referência seja, na
verdade, a anjos. Mas a que anjos refe-
re-se Paulo? Alguns eruditos acham que
Gênesis 6:2 é uma referência a anjos
decaídos, e que o pensamento de Paulo
reflete esse pensamento. Seriam eles an-
jos bons, que, de acordo com Orígenes,
rodeiam as assembléias cristãs (cf. Sal.
138:1)? Deve a mulher usar véu para se
proteger dos anjos maus? A mulher deve
usar véu para demonstrar respeito pelos
anjos bons, que são guardiães da ordem
natural? Nos Rolos do Mar Morto há
indicações de que a comunidade de
Qumran cria que anjos estavam presen­
tes nas assembléias.
A palavra traduzida como véu pode ser
traduzida literalmente como “autorida­
de” .^) Talvez Paulo esteja querendo di­
zer que, quando a mulher usa véu, de­
monstra que aceita a autoridade do ho­
mem. Outra forma é traduzir este ver­
sículo usando a palavra “autoridade” , e
não “véu” , e presumir que “a mulher
deve trazer sobre a cabeça um sinal de
autoridade” . Com esta tradução, pode
ser dito que o véu da mulher cristã lhe dá
autoridade para orar e profetizar publi­
camente — algo que é inovação na ado­
ração originada do judaísmo.
Outra interpretação possível é que o
véu da mulher é aceito como símbolo do
respeito que lhe é devido, como mulher
de boa conduta.
Em uma passagem notável (v. 11,12),
Paulo demonstra que, aquilo que ele
discute, baseado na ordem da criação, é
esclarecido pela ordem da redenção. O
homem e a mulher não são independen­
tes um do outro. Eles são interdependen­
tes. Possuem a mesma condição, do pon­
to de vista da redenção (cf. Gál. 3:28).
Há uma dependência mútua (cf. Ef. 5:
21-31).
Tudo vem de Deus. É Deus quem es­
tabelece os relacionamentos humanos.
Os homens e mulheres são criados por
Deus, e devem o relacionamento que têm
(*) No verso 10, a palavra submissão é a palavra em ques­
tão. Os tradutores da versão da IBB acharam melhor
traduzir essa palavra como “ submissão” , porque, se
a mulher está debaixo do véu, ou seja, debaixo de
autoridade, está em submissão. Assim, ao invés de
traduzir literalmente, a versão da IBB ateve-se mais
à interpretação do pensamento de Paulo, expressando,
desta forma, o sentido mais exato do texto. — Nota
do tradutor.
uns com os outros à obra de Deus, não
deles. A sexualidade é dádiva de Deus, e
não criação do homem. Como obra da
graça de Deus, ela não suscita nenhum
orgulho no homem.
Julgai entre vós mesmos. Aqui está um
apelo ao bom senso. É conveniente que
uma mulher com a cabeça descoberta ore
a Deus? Segue-se um apelo à natureza.
Por que Paulo acha que a natureza en­
sina que é degradante para o homem
usar cabelo longo não está claro. Nem
está claro por que a natureza ensina que
cabelo longo é a glória da mulher. Na
natureza, a constituição da realidade, diz
Paulo, o cabelo longo pertence à mulher,
e não ao homem.
Por fim, Paulo apela para o costume
eclesiástico. Todas as igrejas seguem o
mesmo procedimento, em não permitir
que as mulheres orem e profetizem sem
estarem veladas. Não está claro se Paulo
está-se referindo apenas às igrejas que ele
estabeleceu ou ao costume de todas as
igrejas.
É óbvio que Paulo pretende fazer abor­
tarem todas as tendências feministas sen­
sacionais e emancipadoras em Corinto.
O capítulo 7 indica que a sua maneira de
entender a liberdade não reclama ten­
dências revolucionárias na sociedade. A
liberdade inclui restrição. A fé cristã
não requer uma revolução social para
efetuar a redenção da vida de uma pes­
soa. A preocupação de Paulo é que a
igreja em Corinto exercite a sua liberda­
de da maneira como ele exercita a sua.
Ele procura ganhar os outros para Cristo
(10:33). O seu objetivo não é emancipa­
ção social, mas emancipação espiritual.
A profunda conexão de Paulo com os
seus antecedentes judaicos e com o cos­
tume social universal, entremostra-se
através dos seus conselhos, particular­
mente em referência à escravidão e à
mulher. O que ele escreve em relação às
relações mútuas, em 11:11,12, Gálatas
3:28 e Efésios 5:21-33, forma uma pro­
funda base teológica, no entanto, para se
entender as relações entre homens e mu­
lheres em nossa geração também. A igre­
ja ainda não chegou a entender ou acei­
tar, plenamente, as implicações destas
passagens, e, aparentemente, Paulo tam­
bém não conseguiu. Precisamos conti­
nuar a aprender o que significa ser res­
ponsavelmente livres “em Cristo Jesus” .
2. A Conduta Durante a Ceia do Senhor
(11:17-34)
17 N isto, p o ré m , que vou d izer-v o s n ã o vos
lo u v o ; p o rq u a n to vos a ju n ta is , n ã o p a r a m e ­
lhor, m a s p a r a p io r. 18 P o rq u e , a n te s de
tudo, ouço q ue, q u an d o v o s a ju n ta is n a ig r e ­
ja , h á e n tr e vós d is se n sõ e s ; e e m p a r te o
creio. 19 E a té im p o rta qu e h a ja e n tr e vós
facçõ es, p a r a q u e os a p ro v a d o s se to rn e m
m a n ifesto s e n tr e vós. 20 D e s o rte q u e , q u a n ­
do vos a ju n ta is n u m lu g a r , n ã o é p a r a c o m e r
a c e ia do S en h o r; 21 p o rq u e q u an d o co m eis,
c a d a u m to m a a n te s d e o u tre m a su a p ró ­
p ria c e i a ; e a s s im u m fic a co m fo m e e o u tro
se e m b ria g a . 22 N ão te n d e s, p o rv e n tu ra ,
c a s a s onde c o m e r e b e b e r? Ou d e sp re z a is a
ig re ja d e D eus, e en v e rg o n h a is os q u e n a d a
tê m ? Q ue vos d ire i? L o u v ar-v o s-ei? N isto
não vos louvo.
23 P o rq u e eu re c e b i do S en h o r o que t a m ­
b é m vos e n tre g u e i: q ue o S en h o r J e s u s , n a
n oite e m q ue foi tra íd o , to m o u p ã o ; 24 e , h a ­
vendo d ad o g ra ç a s , o p a r tiu e d is s e : Isto é
o m eu co rp o qu e é p o r v ó s; fa z e i is to e m
m e m ó ria d e m im . 25 S e m e lh a n te m e n te t a m ­
b ém , dep o is d e c e a r, to m o u o c á lic e , d i­
zendo: E s te cá lic e é o novo p a c to no m e u
sa n g u e ; fazei isto , to d a s a s v e z e s q u e o b e ­
b e rd e s , e m m e m ó ria de m im . 26 P o rq u e
to d as a s v ezes q ue c o m e rd e s d e ste p ã o e
b e b e rd e s do c á lic e e s ta re is a n u n c ia n d o a
m o rte do S enhor, a té qu e ele v e n h a .
27 D e m odo q u e q u a lq u e r q ue c o m e r do
pão, ou b e b e r do cá lic e do S en h o r in d ig n a ­
m en te, s e r á cu lp ad o do corp o e do sa n g u e do
S enhor. 28 E x a m in e -se , pois, o h o m e m a si
m esm o , e a s s im c o m a do p ã o e b e b a do
cálice. 29 P o rq u e q u e m co m e e b e b e , co m e e
b ebe p a r a s u a p ró p r ia c o n d e n a ç ã o , se n ão
d is c e rn ir o co rp o do S enhor. 30 P o r c a u s a
disto h á e n tr e vós m u ito s fra c o s e e n fe rm o s,
e m u ito s q ue d o rm e m . 31 M as, se nós nos
ju lg á sse m o s a nós m e sm o s, n ã o s e ría m o s
ju lg a d o s; 32 q u an d o , p o ré m , so m o s ju lg a d o s
pelo Senhor, so m o s co rrig id o s, p a r a n ão s e r ­
m os cond en ad o s com o m un d o .
33 P o rta n to , m e u s irm ã o s , q u an d o vos
a ju n ta is p a r a c o m e r, e s p e ra i u n s p elo s o u ­
tro s. 34 Se a lg u m tiv e r fo m e, c o m a e m c a s a ,
a fim de q ue n ão vos re tin a is p a r a c o n d e ­
n a ç ão v o ssa . E a s d e m a is c o isa s e u a s o r ­
d e n a re i q u an d o fo r.
Tendo elogiado os coríntios no verso 2,
Paulo os censura nos versos 17 a 34, por
sua conduta durante a Ceia do Senhor.
O seu procedimento era inaceitável, por­
que eles consideravam a Ceia do Senhor
como ocasião de hilariedade, e não de
adoração reverente a Deus e de amor
cristão uns para com os outros. Eles
deixavam de reconhecer o fato de que a
Ceia do Senhor não é nenhum “elixir da
imoralidade” , de efeitos mágicos. É uma
conclamação à fé obediente, que aceita
seriamente o significado e a realidade de
Cristo. O fato histórico de que Israel não
se tornara imune ao julgamento de Deus,
devido à provisão do maná e da água,
é uma indicação de que a igreja em
Corinto estava também sujeita ao juízo
divino.
Mais uma vez, alguns coríntios esta­
vam interpretando erradamente a liber­
dade cristã. Eles a interpretavam de for­
ma a significar liberdade para fazer a sua
própria vontade, em vez de para exer­
citarem amor uns para com os outros.
A fé cristã requer reações, das pessoas
que são chamadas, para edificarem ver­
dadeira comunidade na comunhão da fé
obediente. Mas, se os coríntios achavam
que participar da Ceia do Senhor era
uma espécie de apólice mágica de seguro
para o indivíduo, não sentiam nenhuma
necessidade de se preocupar com a co­
munidade. Paulo levou-os a se lembra­
rem que eles destruíam a comunidade,
esquecendo-se de exercer amor para com
o próximo.
As passagens acerca da Ceia do Senhor
encontradas em 10:16,17 e 11:17-34
constituem o relato escrito mais antigo,
a respeito da Ceia, em o Novo Testamen­
to. (Joachim Jeremias trata cuidadosa­
mente da Ceia do Senhor; veja a biblio­
grafia.) É difícil descobrir qual dos qua­
tro relatos (Mar. 14:22-25; Mat. 26:26-
29; Luc. 22:15-20; I Cor. 11:23-26) re­
monta à fonte primitiva. Provavelmente,
 as várias narrativas contêm elementos
primitivos, não sendo nenhuma delas a
mais antiga, em sua totalidade.
Lietzmann expressou a opinião impro­
vável, há mais de quarenta anos, de que
as quatro narrativas refletem duas dife-B
rentes interpretações acerca da Ceia do
Senhor. (Hans Conzelmann, p. 50-59,
apresenta um breve exame das fontes).
Paulo apresenta a Ceia como um mesmo-
rial da morte de Cristo. Lucas 22:15-20 e
Atos 2:46 a interpretam como continua­
ção da comunhão à mesa que Jesus tinha
com os seus discípulos.
A observância da Ceia entre os corín-
tios não estava criando genuína comu­
nhão. Eles observavam a Ceia não para
melhor, mas para pior. Quando eles se
reuniam na igreja (ou “como igreja”),
havia dissensões, grupos partidários.
Paulo lamenta que tais facções precisas­
sem existir, de forma que os cristãos
realmente aprovados e espiritualmente
maduros pudessem ser reconhecidos, ou
dessa forma se colocassem em evidência,
por contraste. Não há dúvida de que os
aprovados eram os que se apegavam ao
significado da Ceia dentro de um sentido
de comunidade, demonstrado por sensi­
bilidade de uns para com os outros. Não
há indicações de que essas facções estives­
sem diretamente relacionadas com as
discutidas nos capítulos 1-4. As facções
em 11:19 parecem ter sido a dos abasta­
dos e a dos pobres.
Paulo acusa bruscamente os coríntios
de, na verdade, não comerem a Ceia
do Senhor quando se reuniam. Ele pinta
um quadro surpreendente de uma igreja
supostamente celebrando a Ceia do Se­
nhor. Alguns saciam os seus apetites.
Outros permanecem famintos. Alguns
estão embriagados! Talvez os que se
apressavam a comer o que fora trazido
fossem mais os membros abastados da
comunidade. Os que ficavam com fome
eram, provavelmente, os membros mais
pobres, talvez mesmo os escravos, que
tinham que trabalhar o dia todo, e,
quando chegavam à igreja, descobriam
que toda a comida já havia sido consu­
mida. Outro se embriaga — essa frase
descreve um grupo.
A Ceia do Senhor não é oportunidade
para grande sociabilidade. A igreja não
é lugar da espécie de expressão social
que envergonha os que não têm nada.
Que tristeza que até no altar da igreja os
pobres são esquecidos e maltratados por
aqueles que são chamados de “santos” !
Os pobres ficam com fome, e os ricos
embriagados! Não é a Ceia do Senhor,
essa em que o seu povo fica separado em
duas classes. Ê impensável a possibilida­
de de louvar os coríntios pela sua ver­
gonhosa conduta. Claro que ele diz: Não
vos louvo!
Os versículos 17 a 22 e 33 e 34 indicam
que uma refeição era comida por ocasião
da Ceia do Senhor. Não está claro que
a Ceia do Senhor era sempre observada,
em Corinto, com um culto em que se
ministrava a palavra. É provável que a
Ceia fosse observada de noite, visto que
os pobres chegavam tarde, provavelmen­
te depois de um dia de trabalho.
Originalmente, parece que o pão era
comido, seguido pela refeição. Depois
passava-se o cálice. Esse processo é se­
guido no costume judaico tanto para a
refeição pascal quanto para outras re­
feições. No entanto, neste relato, parece
que a Ceia do Senhor é separada da
refeição principal, e é tomada depois que
essa refeição já foi servida.
Porque eu recebi do Senhor o que
também vos entreguei é a maneira pela
qual Paulo indica que o que ele ensinara
aos coríntios era o que lhe havia sido
ministrado. As palavras recebi... entre­
guei referem-se a uma cadeia de tradi­
ção. “Recebi do Senhor’! não precisa
dar a entender, necessariamente, uma
revelação diferente ou à parte da tradi­
ção histórica recebida através dos que
eram cristãos antes dele (cf. Jeremias,
p. 129, 188, 101-104). O conhecimento
que Paulo tem, dessa tradição, não está
arraigado primeiramente na revelação
direta, mas em uma tradição histórica
(cf. 7:10,12). A tradição tem raízes his­
tóricas na vida de Jesus. A sua interpre­
tação é o dom do Senhor ressurrecto,
que a autentica (cf. Gál. 1:12). Outra
interpretação possível, de acordo com
Oscar Cullmann, é que a autoridade do
Senhor ressuscitado opera na tradição
humana e através dela, em relação à
Ceia. De qualquer forma, Paulo está
insistindo que a Ceia tem a sua origem na
história, e não em idéias próprias, elabo­
radas por ele.
Na noite em que foi traído é uma ex­
pressão que ancora a Ceia do Senhor na
história. Este não é um relato mítico,
como se encontrava nas religiões de mis­
tério. A Ceia do Senhor refere-se a um
homem, o Senhor Jesus, e a uma certa
noite — a noite em que ele foi traído.
Aqueles que estavam mais perto daquele
acontecimento do que Paulo o haviam
contado a ele, e ele, por sua vez, o conta
aos coríntios.
Por ocasião da Ültima Ceia, o Senhor
Jesus tomou pão. Em nenhum ponto de
sua narrativa Paulo chama a Ültima Ceia
de Páscoa, como acontece também em
todos os Evangelhos Sinópticos. Por ou­
tro lado, ele não afirma que não é uma
Páscoa, que é o caso de João (13:1,2).
Paulo se refere, sim, a Cristo como cor­
deiro pascal (5:7) ou páscoa, o que é
considerado, por alguns eruditos, como
indicação de que ele considerava a Ülti­
ma Ceia uma Páscoa. Certamente a Ül­
tima Ceia tem associações com a Páscoa.
É mais fácil entender a motivação teo­
lógica de João do que presumir que os
Evangelhos Sinópticos alteraram o tem­
po do acontecimento em si. O problema
deve ser estudado em comentários es­
critos sobre os Evangelhos (cf. Jeremias,
p. 15-88).
Antes de tudo, é importante notar-se
que, corretamente, os melhores manus­
critos não dizem “que é partido por vós” .
Paulo crê firmemente que a Igreja é o
corpo de Cristo, e que o corpo não é
partido quando a Ceia do Senhor é ob­
servada.
E, havendo dado graças. Era costume,
de acordo com a prática judaica, ex­
pressar o agradecimento dos comensais
antes de uma refeição. Jesus partiu o
pão para dar a entender a participação
de todos os discípulos do único pão.
Partir o pão juntos significava participar
em conjunto.
Isto é o meu corpo, que é por vós,
sugere que Jesus pode entender a si mes­
mo como o verdadeiro cordeiro pascal,
conforme sugere Jeremias (p. 224,225,
232,233). Paulo refere-se a Jesus, assim
como em I Coríntios 5:7. O que Cristo
faz com a sua vida, faz para os outros.
Ele vive para se entregar em morte.
Isto é o meu corpo se refere à sua morte.
Que é por vós refere-se à redenção.
Fazei isto em memória de mim. Esta
declaração aparece apenas em I Corín­
tios. Mediante ela, Paulo torna explí­
cito o que está implícito na Ültima Ceia.
A Páscoa dá grande ênfase para se lem­
brar o Êxodo do Egito. Aqui se enfatiza
uma pessoa, em lugar de um evento.
Na celebração da Páscoa (de acordo
com a Mishnah), os filhos perguntam ao
seu pai: “Por que esta noite é diferente
das outras noites?” O pai, então, conta
a história, começando com a desgraça
(da escravidão) e terminando com a gló­
ria (da redenção). Declara-se, na Mish­
nah, que em cada geração a pessoa pre­
cisa considerar como se tivesse saído
pessoalmente do Egito. O Senhor é exal­
tado por ter tirado o seu povo da es­
cravidão para a liberdade, da tristeza
para a alegria, das trevas para a luz, da
servidão para a redenção (Mishnah, Pe-
sahim 10:5).
A recordação de Jesus faz lembrar a
glória do seu sacrifício, quando ele leva
o seu povo da desgraça da escravidão
ao pecado para a glória da redenção.
É o seu sacrifício na cruz que leva a
Igreja de Deus da escravidão sob o peca­
do para a liberdade dos filhos de Deus,
da tristeza sob o pecado para a alegria do
perdão, das trevas da separação de Deus
para a luz da glória do seu conhecimen­
to, da servidão em Adão para a redenção
em Cristo.
O culto em que se lembra de Jesus
significa mais do que recordar uma mor­
te lamentável. É a recordação de uma
morte que propicia vida. Lembrar é tor­
nar vivo, tomar real, rememorar e tomar
presente a realidade desse feito. Na Ceia
do Senhor, o Redentor dos fiéis é reme­
morado, e se torna muito real, quando os
crentes fiéis recordam a morte sacrificial
do Senhor.
Os coríntios estavam familiarizados
com refeições memoriais, realizadas en­
tre os gregos no aniversário dos fale­
cidos. Provavelmente, alguns deles ha­
viam participado de festividades assim.
Alguns eruditos têm indicado a possibi­
lidade de que esses memoriais pagãos
podiam ter influenciado a formação do
memorial cristão, a Ceia do Senhor. No
entanto, a Páscoa é considerada memo­
rial em Êxodo 13:9. Ê desnecessário en­
contrar a ênfase no caráter memorial
da Ceia fora dos antecedentes judaicos de
Jesus e de Paulo. J. Jeremias (p. 237-255)
fez a sugestão improvável de que o pe­
dido: “Fazei isto em memória de mim”
significa: “Fazei isto para que Deus se
lembre de mim.” Nessa interpretação,
Jesus pede aos discípulos para esperarem
a sua vinda no futuro, por ocasião da
consumação dos séculos. Conseqüente­
mente, essa petição olha para o futuro, e
não para o passado.
A expressão depois de cear pode indi­
car que em Corinto os elementos eram
tomados já depois que a refeição havia
sido tomada. O fato de que os menos
afortunados, que chegavam mais tarde,
não tinham nada para comer, parece
indicar isto. O padrão anterior teria sido:
pão, refeição e cálice (Conzelmann,
p. 52).
O novo pacto no meu sangue (cf. Mar.
14:24) relembra a declaração de Jeremias
31:33 (cf. Êx. 24:8). Deus, por inicia­
tiva própria, havia entrado em um pacto
com o povo de Israel, a fim de fazer
deles o seu instrumento de justiça no
mundo. O pacto não foi feito entre partes
iguais, mas era uma característica da
graça de Deus. Ordinariamente, sangue
era derramado para simbolizar o laço
entre os que entravam num pacto. O fra­
casso do povo levou Jeremias, o profeta,
a falar de uma nova aliança nos dias
futuros.
Essa nova aliança é selada com o san­
gue de Jesus, a sua morte sacrificial,
que liga os homens não com uma lei
exterior, mas com a lei do Espírito, que é
o amor. A profecia de Jeremias cumpriu-
se na morte de Jesus, e indicava a era
escatológica que Jesus inaugurou. A fé
genuinamente espiritual deve caracteri­
zar o povo de Deus, que é o receptá­
culo de um pacto que é dádiva de um
Deus de graça. É o meu sangue, o sangue
do Filho de Deus, dado sacrificialmente
por amor, e não o sangue de animais
ignorantes. O fiel nunca será capaz de se
esquecer do preço de sua redenção. Be­
ber do cálice é lembrar quanto Jesus se
dispôs a fazer para tornar a sua obra
eficiente: ele deu-se a si mesmo.
O cálice, que é bebido por todos os que
participam da refeição, declara o sacri­
fício pelo qual se entra no pacto. Beber
do cálice é afirmar e lembrar o pacto
estabelecido pelo sangue de Cristo. O
fato de beber-se do cálice liga-se à obser­
vação feita em 10:17, a respeito de co-
mer-se o pão. Todos os que estabelecem
um pacto com o Senhor estabelecem um
pacto uns com os outros, ao mesmo
tempo. Desta forma, estabelece-se uma
comunidade pactuai(Barrett, p. 269).
Memória de mim não é meramente
a memória da morte. É também a memó­
ria da vida. Lembrar de Jesus é lembrar
a sua vida, bem como a sua morte. E é
lembrar a sua fé em Deus, que é justi­
ficada pela sua ressurreição dentre os
mortos. De fato, a Ceia do Senhor n\itre
a fé, porque aquele que viveu e morreu
foi' ressuscitado dentre os mortos. Ele
“foi entregue por causa das nossas trans­
gressões, e ressuscitado para a nossa
justificação” (Rom. 4:25).
 Lembrar Jesus é confessar que ele é o
Senhor vivo, reinante. Nós não apenas
olhamos para o passado, para a sua
vinda, e para o futuro, para a sua vinda
novamente — também nos regozijamos
em sua presença espiritual entre nós.
Lembramos não apenas o Jesus crucifica­
do, mas também o Senhor vivo. Desde os
dias finais de sua peregrinação terrena,
a sua presença espiritual tem sido uma
realidade para nós.
Cristo pediu-nos para nos lembrarmos
dele. Só o Filho de Deus iria desejar ser
lembrado por pecadores! Ele sabe que, se
verdadeiramente nos lembrarmos dele,
essa memória vivificará a realidade, trará
renovação e nutrirá a fé. Lembrando-nos
dele, lembramo-nos de que ele perdoa
pecadores, e ficamos perdidos em “admi­
ração, amor e louvor” . 9
Com este pão e este cálice estareis
anunciando a morte do Senhor. A pala­
vra traduzida como “anunciando” é ka-
taggellete, que também é usada em rela­
ção à palavra falada (I Cor. 9:14).
A Ceia do Senhor é uma forma de pregar
o evangelho. Ela é repetida, na igreja,
para proclamar a nossa libertação do
pecado, como a liturgia da Páscoa é
repetida para lembrar a libertação dos
judeus do cativeiro no Egito. Embora a
observância da Ceia esteja proclamando
o evangelho primordialmente em atos,
e não em palavras, também é verdade
que as palavras que são faladas inter­
pretam os atos de partir o pão e beber o
cálice. Desta forma, tanto palavras como
atos tornam vivo o evangelho da nossa
redenção, quando observamos a Ceia do
Senhor.
Proclamar a morte do Senhor significa
expressar o seu significado, interpretar
e anunciar o evangelho da sua morte
sacrificial. Na Ceia do Senhor, procla­
mamos a morte do Senhor. Desta forma,
9 Para uma exposição da maneira bíblica de se entender
memória, veja o artigo “Memorial Memory” , por
G. Henton Davies. The Interpreter’s Dictionary of the
Bible (Nashville: Abingdon Press, 1962) Vol. K — Q,
p. 344-346.
ela coloca diante dos olhos dos homens
o que a pregação expressa aos seus ouvi­
dos: o Cristo crucificado — “Cristo, po­
der de Deus, e sabedoria de Deus”
(1:24).
Em Corinto, a Ceia do Senhor tornara-
se uma ocasião de manifestação de egoís­
mo e insensibilidade para com o próxi­
mo. E isso era uma contradição direta
do significado da morte de Jesus — al­
truísmo e amor.
Até que ele venha é uma afirmação
do segundo advento. Aquele que veio
virá. A Igreja vive em esperança. A Igre­
ja, que proclama a sua morte porque os
remidos estão em Cristo, espera em gran­
de esperança a vida com Cristo. Pro­
clamando a morte de Cristo, ela procla­
ma que ele voltará. Cônscia de sua pre­
sença espiritual, ela espera a sua volta.
O reino de Deus começou a vir porque
Cristo veio, e ainda virá em plenitude
porque Cristo voltará.
A pessoa que participa da Ceia do
Senhor indignamente será culpada do
corpo e do sangue do Senhor. Indigna­
mente é a maneira descrita por Paulo
nos versos 17 a 22. A pessoa come de
maneira indigna quando não age por
amor, em favor da comunhão da igreja,
e também quando é insensível para com
a presença de Cristo, ingrata para com
sua morte sacrificial, e irresponsável
quanto ao significado de sua redenção.
O que se quer dizer por ser culpado do
corpo e do sangue do Senhor? Ser cul­
pado do corpo e do sangue é ser culpa­
do de pecado. O corpo e o sangue,
provavelmente, refere-se a Cristo (cf.
10:16,17). Quem agir indignamente du­
rante a Ceia do Senhor mostra-se indigno
de Cristo. Age indignamente em relação
ao Filho de Deus crucificado. Peca con­
tra Cristo e demonstra que, na verdade,
não se apropriou de Cristo por fé. Alguns
comentaristas sugerem que profanar o
corpo e o sangue é uma forma de ser
culpado da crucificação de Cristo. Pela
conduta na Ceia do Senhor, a pessoa
mostra se o confessa ou crucifica.
 Ê importante, por conseguinte, que a
pessoa se examine antes de participar da
Ceia do Senhor. Ela deve provar-se, para
ver se é genuína, como se faz com uma
peça de metal. Examinando-se à luz do
significado da fé cristã e do amor cris­
tão, será impossível o tipo de ação de que
os coríntios se tornaram culpados (cf.
Rom. 14:15).
Quem participa da Ceia do Senhor,
se não discernir o corpo do Senhor, come
e bebe para sua própria condenação.
Qual é o significado de corpo aqui?
Refere-se a Cristo? Ou ao pão? Quer di­
zer igreja? É provável que corpo signifi­
que igreja em 10:17. Se Paulo dá a
entender que corpo se refere à igreja em
11:29, não discernir o corpo provavel­
mente significa não julgar corretamente
que a igreja é o corpo de Cristo, em que o
amor é manifestado pelos irmãos.
É improvável que Paulo queira referir-
se, ao falar em discernir o corpo, ao
reconhecimento da presença de Cristo
nos elementos. A presença de Cristo com
os seus discípulos é sempre uma presen­
ça espiritual, e o pão e o cálice são sím­
bolos. Uma terceira interpretação possí­
vel é que “não discernir o corpo” signifi­
que não reconhecer que o pão representa
o corpo de Cristo.
A ênfase de Paulo, nos versos 17 a 34,
é o fato de a igreja não ter conseguido
exercitar amor durante a Ceia do Senhor.
Os membros da igreja destroem a comu­
nhão, esquecendo-se do amor. Conse­
qüentemente, a primeira interpretação é
a mais correta, provavelmente.
Muitos cristãos, em Corinto, haviam
ficado doentes; alguns haviam falecido,
porque não haviam conseguido viver ba­
seados em uma interpretação verdadeira­
mente espiritual do cristianismo. Um
julgamento apropriado de conduta, por
ocasião da Ceia do Senhor, levará a uma
libertação da doença e da morte, que
estão sendo o resultado do pecado, mani­
festo especialmente em conduta anticris-
tã durante a Ceia do Senhor.
Por ocasião da Ceia do Senhor, onde
os crentes devem estar conscientes, de
maneira dramática, da expressão de
amor divino e da necessidade de fiel
obediência a Deus, os coríntios não de­
monstraram amor nem a Deus nem ao
próximo. Mais uma vez, usaram a sua
religião para se satisfazerem, e feriram os
seus companheiros na fé.
Assim sendo, Paulo faz um apelo aos
seus irmãos — e eles eram irmãos, a
despeito de não entenderem e de maltra­
tarem a Ceia do Senhor: Quando vos
^juntais para comer a refeição que prece­
de a Ceia do Senhor, esperai uns pelos
outros. Se não o fizerdes, fracassastes
miseravelmente em mostrar o verdadeiro
significado de lembrar-se de Jesus.
Se algum tiver fome, quando estiver se
aprontando para ir a essa refeição na
igreja, que coma antes de sair de casa.
Se não, a Ceia do Senhor não o forta­
lecerá espiritualmente, mas condená-lo-á
tanto espiritual quanto fisicamente, por­
que a Ceia do Senhor significa muito
mais do que a satisfação do apetite.
De fato, os crentes devem refletir a
respeito dos requisitos intensamente im­
portantes que uma significativa obser­
vância da Ceia do Senhor acarreta. Ela
requer um exame interior, uma verifica­
ção da vida do crente, quando ele se
aproxima da mesa da Ceia (11:27-29).
Ela requer um exame exterior, o reco­
nhecimento de participação em unidade
com os outros, no significado da morte
de Cristo (10:16,17). Significa comu­
nhão com outros crentes. Centraliza-se
em uma verificação em direção ao alto,
uma percepção da presença do Senhor
vivo (10:18-21), uma participação em
sua morte sacrificial, mediante a fé (10:
16), que obriga o fiel a ele, em aliança,
estando os seus pecados já perdoados
(11:25), e uma proclamação, em palavras
e em obras, do significado de sua morte
no tempo presente de salvação (11:26;
1:18; cf. Rom. 6:4). A Ceia requer tam­
bém um exame do que ficou para trás,
uma memória vivificada do Crucificado,
que morreu pelo homem (11:24,25). Ela
requer um exame do que está adiante,
da esperança do seu segundo advento
(11:26). Na Ceia do Senhor, a igreja dá
testemunho da esperança que tem.
Ê um horrível empobrecimento da
Ceia do Senhor o fato de interpretá-la
como “apenas um memorial” .
3. O Exercício dos Dons do Espírito
Dados à Igreja (12:1-31)
No capítulo 12, Paulo começa uma
discussão dos dons espirituais. É prová­
vel que a questão tivesse sido levantada
por outras pessoas, e Paulo responde às
inquirições (cf. 7:1; 8:1). Existe íntima
relação entre o que Paulo escreve neste
capítulo e o que ele expressa em 11:17-
34. A preocupação pelos outros tem prio­
ridade nas relações entre os irmãos. O
amor cristão edifica os outros (8:1 ; 10:
24; 11: 22). Portanto, o exercício de dons
espirituais é feito no espírito de amor.
Paulo enfatiza que os dons espirituais
são dons de Deus, que cada crente possui
um dom, e que todos os dons devem ser
utilizados para o bem dos outros.
Os coríntios precisavam ser informa­
dos a respeito dos dons espirituais. O
dom de que eles mais gostavam — falar
em línguas — é um dom em que Paulo
excede todos eles (14:18). Conseqüente­
mente, ele era capaz de analisar a situa­
ção, por ser sensível ao dom que ele tanto
prezava. Esta foi uma forma pela qual
ele se tornou tudo para todos (9:21-23),
entendendo a sua compreensão espiritual
do momento, e levando-os dela para uma
compreensão mais amadurecida de vida
espiritual.
1 O ra, a re s p e ito dos dons e s p iritu a is , não
q uero, irm ã o s , q ue s e ja is ig n o ra n te s. 2 Vós
sab eis que, q u an d o é re is g en tio s, vos d e s v iá ­
veis p a r a os ídolos m u d o s, co n fo rm e é re is
lev ad o s. 3 P o rta n to , vos q u ero fa z e r c o m ­
p re e n d e r q ue n in g u ém , fa la n d o p elo E s p ír i­
to de D eu s, d iz : J e s u s é a n á te m a ! e n in g u é m
pode d iz e r: J e s u s é o Senhor! sen ão pelo
E sp írito Santo.
Paulo usa a expressão não quero, ir­
mãos, que sejais ignorantes ou uma bem
semelhante a esta, em outros lugares,
quando deseja apresentar assuntos im­
portantes em suas cartas (II Cor. 1:8;
I Tess. 4:13; Rom. 1:13; 11:25). Ele
repete a palavra irmãos depois de ter
tornado claro que eles não agiam de
maneira muito fraternal uns para os ou­
tros, durante a Ceia do Senhor. A ima­
tura expressão de fé cristã não destrói
os laços fraternais.
A maior parte dos cristãos, em Co­
rinto, era, provavelmente, de gentios,
embora alguns deles fossem judeus (At.
18:5,6,8). A palavra gentios refere-se à
sua vida em seitas pagãs e à adoração de
ídolos do mundo gentio.
Os coríntios eram profundamente co­
movidos emocionalmente pela sua par­
ticipação nas religiões de mistério, que
faziam fortes apelos às emoções dos par­
ticipantes. Os gentios da igreja em Corin­
to não eram estranhos aos estados de
êxtase em que caíam os participantes de
ritos religiosos. Não obstante eles terem
sido comovidos emocionalmente, eles se
desviavam para os ídolos mudos, e não
para o Deus vivo. Os ídolos que são
mudos (cf. Sal. 115:5) excitam os seus
devotos, mas não têm revelação ou prb-
clamação a dar. Paulo não diz quedi
desviou os coríntios. Eles se desviavam
quando se desviaram do Deus vivo.
O versículo 3 é muito difícil. Ele indica
um problema existente em Corinto.
O frenesi emocional que tomava conta
de alguns dos coríntios era tão agudo que
eles gritavam no meio do seu êxtase:
Jesus é anátema! Isto é, que Jesus fosse
condenado à destruição! Eles não enten­
diam claramente que os dons espirituais
são muito mais do que manifestações
incontroláveis de emoções.
Mas quem pronunciava este anátema?
Uma sugestão é a de que os judeus que
diziam: “Jesus é anátema!” em antipatia
contra os cristãos, não podiam dizer es­
tar seguindo a direção do Espírito de
Deus. O Espírito Santo ajuda os homens
a entenderem Jesus, e não a condená-lo.
 Uma segunda interpretação é que al­
gumas pessoas na igreja tinham dificul­
dade em controlar as suas emoções, e ir­
rompiam nessa expressão, a despeito de
si mesmas, em um esforço de conseguir
controlar-se emocionalmente.
Uma terceira possibilidade sugere cris­
tãos que foram forçados, em alguma
corte legal, a negar que Jesus é Senhor, e
declararam: “Jesus é anátema.” Mas não
há evidências de que os cristãos estavam
passando por testes desse tipo em Co­
rinto.
Um quarto ponto de vista é que Paulo
está tratando de extremos hipotéticos.
Ele está sugerindo hipoteticamente que
nenhum cristão deve jamais dizer nada
tão extremo como “Jesus é anátema” e
atribuí-lo ao Espírito de Deus. A pes­
soa que é por Cristo não pode ser con­
tra ele.
Uma quinta explicação é talvez possí­
vel. Alguns dos coríntios possuíam algu­
mas das características do gnosticismo
do segundo século. Alguns gnósticos do
segundo século demonstravam indiferen­
ça para com a humanidade de Jesus.
Eles estavam prontos para zombar dela e
até a condená-la, porque a sua lealdade
era ao Senhor celestial. Eles diziam que
o emissário celestial apartou-se do ho­
mem Jesus antes da crucificação, de for­
ma que só o homem Jesus foi crucificado,
e não o celestial. Portanto, esses cristãos
gnósticos, em Corinto, mostravam indi­
ferença para com o Jesus terreno, che­
gando a gritar, na igreja: “Jesus é aná­
tema!” Essas pessoas estavam amaldi­
çoando o Jesus terreno e adorando o
Cristo celestial.
Visto que Paulo está-se referindo aos
cultos cristãos de adoração e à expres­
são da emoção cristã, é provável que a
segunda ou a quinta interpretações de­
vam ser preferidas.
A pessoa que diz Jesus é o Senhor
sinceramente faz essa profissão por obra
do Espírito Santo. O Espírito Santo não
gera frenesi emocional, e, sim, manifesta
a sua presença no crente em um estilo
de vida que justifica a afirmação a con­
fessar a sua fé em Jesus. Através do seu
Espírito, Deus dá origem à nossa con­
fissão. E essa breve confissão resume a
fé, dos crentes, de que Jesus é uma
manifestação histórica de Deus, em ação
em nossa existência. A palavra Senhor
indica não apenas a divindade de Jesus,
mas também a sua obra de salvação, que
suscita a adoração de todos os fiéis (Fil.
2:11). Nem Serápis, nem César, mas
Jesus é o Senhor!
No verso 4, Paulo se refere a vários
dons espirituais. Ele demonstra a manei­
ra como todos os dons operam para o
bem da Igreja, referindo-se à Igreja
como o corpo de Cristo (12:27). Torna-se
claro, mediante os versos 1 a 3, que
alguns coríntios davam valor inusitada-
mente alto aos dons emocionais. Nos
versos 28 a 30, Paulo declara que há
vários dons do Espírito, dados pará pro­
piciarem forças à vida do fiel na Igreja.
4 O ra , h á d iv e rsid a d e d e d ons, m a s o
E s p irito é o m e s m o . 5 £ h á d iv e rsid a d e de
m in isté rio s, m a s o Sen h o r é o m e sm o . 6 E h á
d iv e rsid a d e d e o p e ra ç õ e s, m a s é o m e sm o
D eus q u e o p e ra tud o e m todos. 7 A c a d a
u m , p o ré m , é d a d a a m a n ife s ta ç ã o do E s ­
p írito p a r a o p ro v e ito c o m u m . 8 P o rq u e a
u m , p elo E s p írito , é d a d a a p a la v r a d a s a b e ­
d o ria ; a o u tro , p elo m e s m o E sp írito , a p a la ­
v r a d a c iê n c ia ; 9 a o u tro , p elo m e s m o E s ­
p írito , a fé; a o u tro , p elo m e s m o E sp írito ,
os d ons d e c u r a r ; 10 a o u tro a o p e ra ç ã o de
m ila g re s ; a o u tro a p ro fe c ia ; a o u tro o d o m
d e d is c e rn ir os e s p írito s ; a o u tro a v a r ie d a ­
de de lín g u a s ; e a o u tro a in te rp re ta ç ã o de
lín g u as. 11 M a s u m só e o m e s m o E s p írito
o p e ra to d a s e s ta s c o isa s, d istrib u in d o p a r ­
tic u la rm e n te a c a d a u m com o q u e r.
Embora os dons espirituais sejam mui­
tos e variados, todos têm apenas uma
fonte: o mesmo Espírito. A palavra grega
traduzida como dons (charismata) é uma
palavra rara, e é muito semelhante à
palavra traduzida como graça (charis).
Os dons apontam para Deus como fonte
das capacidades do homem. Os dons são
amostras da graça de Deus.
Há diferentes espécies de serviço que
podem ser demonstradas aos outros. Mas
há apenas um Senhor Jesus Cristo. A pa­
lavra traduzida como ministérios (na ver­
são atualizada da SBB é serviços) é dia-
konion, que é muito semelhante à pala­
vra traduzida como diácono (diakonos;
cf. Luc. 10:40; I Cor. 16:15).
Há diferentes espécies de operações,
ou atividades, ou capacidades, mas é o
mesmo Deus que opera ou transmite
energia a tudo em todos. Nos versos
4 a 6, Paulo menciona o Espírito, o
Senhor e Deus, e demonstra o tipo de
pensamento que levou a posteriores for­
mulações da doutrina da Trindade (cf. 11
Cor. 13:13; II Tess. 2:13,14). O Espírito
dá dons. O Senhor oferece serviço. Deus
dá poder.
Nos versos 4 a 6, também fica estabe­
lecido que todas as capacidades dos ho­
mens são dons da mesma fonte: Deus.
Paulo assevera que há diferentes espé­
cies de dons, que são demonstrados de
maneiras diferentes. A frase traduzida
como em todos provavelmente significa
que todas as pessoas possuem dons, que
Deus lhes deu (cf. 12:22). Mas ninguém
faz todas as coisas. E nem todos fazem
uma determinada coisa. Deus opera em
nós de muitas maneiras, e, dessa forma,
revela a riqueza do seu senhorio (Schlat-
ter). Visto que há diferentes serviços (mi­
nistérios) a serem feitos, há diferentes
dons.
O Espírito outorga um dom (ou mais)
a casa crente, para o proveito comum
(cf. 14:12). Nenhum dom é dado para
nutrir uma sensação de orgulho ou de
interesse próprio. Cada dom é dado para
ser usado em benefício dos outros. Em­
bora a palavra amor não seja aqui men­
cionada, é claro que Paulo está reconhe­
cendo o lugar destacado do amor na vida
da comunidade cristã (8:1). Ele está su­
gerindo indiretamente que o exercício
dos dons em Corinto precisava focalizar-
se no interesse pelo próximo. O dom nem
sempre é manifesto ou feito visível ao
olho físico, sem dúvida, mas ao olho da
fé. Os que pertencem a Cristo percebem
a obra que cada um faz para ele atra­
vés dos dons do Espírito.
Paulo passa a mencionar nove diferen­
tes dons do Espírito. Ele atribui a uma
pessoa uma mensagem de sabedoria,
uma compreensão do conhecimento de
Deus, revelado no Cristo crucificado e
ressurrecto (2:6,7). A outro, ele atribui
uma mensagem de ciência ou conheci­
mento, que mostra a relação da sabedo­
ria de Deus para com a vida diária do
crente (cf. 8:10-13). O conhecimento é
relacionado com a revelação e a profecia
em 13: 2 e 14:6. Talvez sabedoria se
refira ao significado da cruz, e ciência ou
conhecimento, a uma exposição dela.
Ê notável que, antes de tudo, Paulo
menciona dons que se expressam na
mente, e não nas emoções (cf. 14:19).
Os coríntios davam maior ênfase aos
dons que se manifestavam nas emoções.
Paulo coloca em primeiro lugar dois dons
pedagógicos.
A outras pessoas é dado o dom da fé.
A fé que um crente manifesta para com
Deus, em Cristo, é de fato um dom. Mas,
nesta passagem, Paulo está-se referindo
a uma espécie de fé manifestada por
pessoas que também possuem fé salvado­
ra. Aqui fé significa a capacidade de
fazer grandes coisas para Deus (cf. 13:2;
Heb. 11; Mar. 5:34; 10:52). É a fé que
remove montanhas.
Outras pessoas possuem dons de curar.
Esses charismata são mencionados em
Atos 4:30 (cf. Tiago 5:14).
Operação de milagres é um dom re­
gistrado em Atos 3:1-10 e 14:8:12. Pau­
lo escreve a respeito do seu próprio mi­
nistério, que é marcado “pelo poder de
sinais e prodígios, no poder do Espírito
Santo” (Rom. 15:19). Os milagres testi­
ficam da presença do tempo messiânico
(Gál. 3:5; Heb. 2:4). A palavra traduzida
como milagres também significa poderes
ou prodígios, e, provavelmente, inclui a
expulsão de demônios.
Profecia é o dom de proclamar a pala­
vra de Deus aos ouvintes. Ela consiste,
em grande parte, de enunciação, embora
 não elimine a predição. Paulo dá-lhe
muito valor (14:1-3). Repetidamente,
Paulo menciona os profetas logo depois
dos apóstolos (12:28-31; Ef. 2:20; 3:5;
4:11; cf. Apoc. 18:20). Os profetas são
diferentes dos entusiasmados “pneumá­
ticos” , que se jactavam de uma experiên­
cia peculiar no Espírito, ao ter plena
consciência e controle sobre as palavras
que lhes era dado falar. A profecia é
discutida um tanto extensamente no ca­
pítulo 14.
O dom de discernir espíritos é uma
referência aos que têm o dom de distin­
guir entre profecia verdadeira e falsa.
Eles se preocupam em esclarecer o que
vem do Espírito Santo, e o que não vem.
Alguns espíritos que possuem os homens
(e conseqüentemente estes ficam “pos­
sessos”) não são divinos, mas demonía­
cos (cf. I Tim. 4:1). As pessoas que
discernem espíritos possuem sensibilida­
de e maturidade espiritual. Elas preci­
sam saber como avaliar adequadamente
o lugar da mente, da vontade e da emo­
ção, na expressão religiosa.
A outras pessoas é dada variedade de
línguas. Elas possuem o dom do êxtase
e de fala ininteligível. oiTacãpãcIHãde de
“falar em línguas” . Este dom em parti-
cíüaFfolTõntede^grandes mal-entendi­
dos na igreja em Corinto. É uma capaci­
dade de falar altamente emocional, que
tem valor para a pessoa que possui o
dom, mas pouco valor para a igreja como
j L i m todo. Provavelmente, devido às suas
associações de êxtase com as seitas e p or
causa do seu senso de profunda satisfa­
ção emocional, em sua nova fé, os corín-
tios davam valor excepcionalmente alto
_a falar em línguas. De fato, isso assume
uma importância tão grande, quei
precisou colocar esse dom no seu______
luear — o último luear — entre os dons
que edificam a igreja (12:28; 14:19).
(Veja uma discussão mais detalhada no
capítulo 14.)
Algumas pessoas possuem o dom de
interpretação de línguas. 6 impossível
saber precisamente por que processo os
intérpretes adquiriam o dom de interpre­
tação, embora Paulo diga que ele vem do
Espírito (v. 4,11). De qualquer forma,
eles desempenham uma importante fun­
ção. Quando não estão presentes para-
" interpretar a “fala e línguas” , para al
congregação, não deve haver o exercício!
j desse dom, no culto de adoração (14:28)_J
Os nove dons que Paulo menciona
são verdadeiramente os dons do Espírito.
Representam dons de instrução, dons de
poder e dons de enunciacão. Visto que
eles vêm de Deus, devem ser recebidos
como seus dons. O Espírito atribui a
cada pessoa o seu próprio dom. Todos os
I dons são amostras da graca de Deus, e
j não dão nenhum lugar a orgulho hu-
[ mano. —■*
Visto que Deus é quem concede todos
os dons, não pode haver nenhuma cor­
rida atrás de dons que pertençam ape­
nas a outrem: e não pode haver nenhuma
quota de dons que deixe de considerar o
fato de que tõdos os dons são dados para
o proveito comum (v. 7). Não há hierar­
quia nos dons de Deus. O ministério da
igreja não seapoia em posições,, mas em
sénaçõT^nIíunr^õnrque^^aãosÕü~-
tros é pequeno. Deus usa tanto as es­
trelas quanto as velas para iluminar o
mundo.
12 P o rq u e , a s s im co m o o co rp o é u m , e
te m m u ito s m e m b ro s, e to d o s o s m e m b ro s
do co rp o , e m b o r a m u ito s, fo r m a m u m só
corpo, a s s im ta m b é m é C risto . 13 P o is e m
u m só E s p irito fom os to d o s n ó s b a tiz a d o s
e m u m só c o rp o , q u e r ju d e u s , q u e r g re g o s,
q u e r e s c ra v o s , q u e r liv re s ; e a to d o s n ó s foi
d ad o b e b e r de u m só E sp írito .
“Pois Cristo é como um corpo com
os seus muitos membros e órgãos, que,
embora sejam muitos, perfazem um cor­
po” (12:12 NEB). A maneira de Paulo
entender a igreja como o corpo de Cristo
está sujeita a interpretações bem diferen­
tes. Um dos problemas é decidir a eti­
mologia da palavra “corpo” . Outro, é
determinar se Paulo entende o seu uso
como uma metáfora, ou como outra
coisa.
 A palavra corpo tem várias etimolo­
gias, qualquer das quais pode ter in­
fluenciado a interpretação que Paulo lhe
dá. Ela é usada 152 vezes em o Novo
Testamento. Encontra-se 91 vezes nas
cartas de Paulo. Embora, em suas car­
tas, ela se refira mais freqüentemente ao
indivíduo, também é usada para referir-
se à Igreja.
De acordo com Lívio, historiador ro­
mano, essa metáfora foi usada por Me-
nenius Agripa (c. 494 a.C.), que aquie­
tou um motim entre os plebeus romanos,
lembrando-lhes que eles tinham os mes­
mos interesses que os patrícios (classe
elevada). Plebeus e patrícios eram mem­
bros do mesmo corpo.
A palavra corpo era usada amplamen­
te pelos escritores estóicos, dos quais
Sêneca e Epiteto eram representantes.
Em uma passagem famosa, Sêneca diz
que tudo o que se pode ver, tudo o que
compreende Deus e o homem, é um;
somos partes de um grande corpo (cf. Ef.
1:22,23; 4:15,16; Col. 2:10).
Uma segunda sugestão é que os ante­
cedentes da palavra corpo sejam gnós-
ticos. Entre os gnósticos, o mundo era
considerado como um grande corpo.
O redentor é o cabeça do corpo, que
compreende o novo homem, que resulta
da incorporação do remido no redentor.
Os que são redimidos formam o seu
corpo, e o redentor é o cabeça deles
(Corpus Hermeticum 2:2; Odes de Salo­
mão 17:13).
Uma terceira interpretação encontra
o significado desta palavra na Ceia do
Senhor. Os crentes, que participam do
corpo de Cristo, se tornam o seu corpo
místico (cf. 10:16b,17TEV). Eles comem
o pão, e se tornam o seu corpo.
Uma quarta interpretação argumenta
que o pano de fundo do pensamento de
Paulo encontra-se nas especulações rabí-
nicas a respeito de Adão. A formação do
corpo físico de Adão simboliza a unidade
da humanidade. Portanto, quando Paulo
fala de sermos incorporados “em Cris­
to” , ele considera isso o “corpo” do
último Adão.
Um quinto ponto de vista é que o
Messias e seu povo compreendem uma
corporação. Os crentes são batizados no
corpo de Cristo, e estão nele e ele neles.
Portanto, a Igreja é o corpo de Cristo
porque ela é diluída nele, por assim
dizer, em Seu corpo.
Outros sugerem que a maneira mais
própria de se entender essa palavra se
encontra na palavra “esposa” ou na ex­
pressão “em Cristo” .10
Nenhuma dessas interpretações expli­
ca adequadamente a maneira como Pau­
lo usa essa palavra. Embora o pano de
fundo do pensamento de Paulo seja im­
portante, não se segue que Paulo seja
inteiramente compreendido quando en­
tendemos os seus antecedentes. Paulo
usa o que herdou ou adquiriu, mas de
forma criativa.
Não há nenhuma palavra hebraica que
expresse “corpo” . Entre os hebreus, a
ênfase é dada ao homem como pessoa
responsável diante de Deus. Entre os
gregos, o corpo é usado para expressar
unidade ou inteireza. Paulo usa a palavra
grega que significa corpo (soma), algu­
mas vezes, para expressar simplesmente
“eu” ou “pessoa” . Em seu corpo, Cristo
morre e é ressuscitado em favor dos
homens. Em seus corpos, os homens
vivem para Cristo quando vivem na fé
em Cristo e em amor para com os seus
semelhantes. Em seus corpos, os homens
vivem uns com os outros no corpo de
Cristo, porque estão em Cristo.
Os coríntios eram o corpo de Cristo
(12:27). A Igreja, o corpo de Cristo, exis­
te através da obra de Cristo. Os corín­
tios não criavam o corpo de Cristo, mas o
manifestavam, porque confessavam Cris­
to em fé obediente, aceitando os benefí­
cios de sua morte e ressurreição. A Igre­
ja é o corpo de Cristo porque recebe a sua
vida dele.
10 Consulte Eamest Best, One Body ln Chrlat (London:
SPCK, 1955), que apresenta uma discussão minuciosa
das várias interpretações.
 Os coríntios, como corpo de Cristo,
maniíestavam uma unidade ou inteireza.
A palavra corpo significa unidade. Todos
os membros do corpo derivam a sua vida
da existência que têm no mesmo corpo.
Visto que eles pertencem ao mesmo cor­
po, pertencem uns aos outros.
A palavra corpo estava “na moda” na
época de Paulo. Ele a usa de maneira
criativa. O que ele quer dizer, quando a
usa, precisa ser aprendido primeiramen­
te em suas cartas, e não em alguma outra
fonte.
O segundo problema concernente à
Igreja como “corpo” é decidir se Paulo
usa corpo como metáfora ou como reali­
dade antológica e realista. Os comen­
taristas católicos romanos presumem
como verdade literal o fato de que a
Igreja é o corpo de Cristo. Litezmann,
um dos grandes expositores protestantes,
sustenta que a palavra não é simples­
mente metáfora, mas um a “verdade mís­
tica” . Moffatt também insiste que ela
não é um símile, mas uma “realidade
espiritual” .
As metáforas são expressas de maneira
vívida, no Velho Testamento. Por exem­
plo, Israel é “cordeiro desgarrado” (Jer.
50:17). O mesmo uso se encontra em o
Novo Testamento: “Eu sou a porta das
ovelhas” (João 10:7); “Eu sou a videira”
(João 15:5).
A Igreja também é chamada de tem­
plo de Deus. De fato, cerca de cem ex­
pressões diferentes são usadas para de­
signar a Igfeja. Como se pode decidir
que a expressão “corpo de Cristo” é uma
realidade ontológica ou uma realidade
espiritual, e as outras expressões não
são?
Podemos concluir, com base sólida,
que a expressão “corpo de Cristo” é uma
metáfora, uma das mais significativas
usadas para descrever a Igreja (cf. 12:12
nas traduções NEB e TEV).
Pois em um só Espírito fomos todos
nós batizados em um só corpo, quer
judeus, quer gregos, quer escravos, quer
livres; e a todos nós foi dado beber de
um só Espírito. É a operação do Espírito
Santo que atrai os homens a Cristo.
E a nossa aceitação de Cristo é declarada
pelo nosso batismo em um só corpo.
Nós não criamos o corpo: Cristo o faz.
Nós entramos nele. A sua obra precede a
nossa apropriação dela. Pessoas de todas
as nações e de todas as classes, median­
te a fé, pertencem ao mesmo corpo.
A cada uma delas foi dado beber de um
só Espirito, isto é, cada uma recebe o
dom do Espírito Santo. O Espírito de
Deus nos atrai para a participação no
corpo de Cristo, criado pela morte de
Cristo e sua ressurreição pelos homens, e
nos dá dons.
Três vezes Paulo usa a palavra um,
neste versículo. Ele deseja enfatizar a
unidade da Igreja. O corpo de Cristo é
um. Deus é um, e ele cria uma família,
os remidos, de todas as raças e classes;
e os coloca em um corpo, a Igreja
(cf. Gál. 3:28). A Igreja não existe como
um trituto à engenhosidade do homem,
em “reunir as pessoas” , mas à graça de
Deus, que atrai os homens a Cristo.
Através de Cristo, não vivemos mais para
nós mesmos ou contra os outros, mas
para Deus.
Batizados em sua morte, possuímos
novidade de vida, através de sua ressur­
reição e de sua redenção; e vivemos em
um corpo, a Igreja, para Deus e para os
outros (Rom. 6:3,4). Mas a vida expressa
na igreja em Corinto, na verdade, era
uma negação desse único corpo, ao qual
todos os fiéis pertencem, e desse único
Espírito, que é a fonte dos multiformes
dons, e não apenas o de falar em línguas.
Os antepassados de Paulo possuíam
um forte senso de solidariedade. Os gru­
pos freqüentemente eram personificados
ou individualizados (cf. Núm. 20:14-21;
21:1-3; Juí. 1:1-4,17). Toda um a tribo
era incluída em seu ancestral. A metá­
fora do “corpo de Cristo” mostra a ín­
tima solidariedade existente entre Cristo
e seus seguidores. Cristo inaugurou uma
nova humanidade. Ele foi o último Adão.
Os crentes estão em Cristo. Como seu
corpo, eles vivem na esfera de sua sal­
vação, derivada de Cristo. Em Cristo, na
nova humanidade, eles são o corpo de
Cristo, e dependem unicamente de Cris­
to, para a sua salvação.
A maior parte dos eruditos crê que
a palavra batizados é uma referência
ao batismo, e a palavra beber uma re­
ferência à Ceia do Senhor. Outros pre­
ferem considerar a referência ao batismo
como correta, enquanto afirmam que a
palavra beber se refere ao dom do Es­
pírito, que é dado a todos os fiéis. O ver­
sículo convida a uma comparação com
10:1-4.
14 P o rq u e ta m b é m o co rp o n ã o é u m m e m ­
b ro , m a s m u ito s. 15 Se o p é d is s e r : P o rq u e
não sou m ã o n ã o sou do c o rp o ; n e m p o r Isso
d e ix a rá de s e r do co rp o . 16 E se a o re lh a
d is s e r: P o rq u e n ã o so u olho, n ã o sou do
co rp o ; n e m p o r isso d e ix a r á d e s e r do co rp o .
17 Se o co rp o todo fo sse olho, onde e s t a r ia
o ouvido? Se todo fosse ouvido, o n d e e s ta r ia
o o lfato ? 18 A las a g o ra D eu s colocou os
m e m b ro s no corpo, c a d a u m d e le s com o
quis. 19 E , se to d o s fo sse m u m só m e m b ro ,
onde e s t a r ia o co rp o ? 20 A g o ra, p o ré m , h á
m uitos m e m b ro s , m a s u m só co rp o . 21 E o
olho n ã o p ode d iz e r à m ã o : N ão te n h o n e ­
c e ssid ad e de t i ; n e m a in d a a c a b e ç a a o s
p é s : N ão ten h o n e c e ss id a d e d e v ó s. 22 A n tes,
os m e m b ro s do co rp o q u e p a re c e m s e r m a is
fra c o s sã o n e c e s s á rio s ; 23 e o s m e m b ro s
do corpo qu e re p u ta m o s s e r e m m e n o s h o n ­
ro so s, a e s s e s re v e s tim o s co m m u lto m a is
h o n ra ; e os q u e e m n ó s n ão sã o d e co ro so s
tê m m u lto m a is d eco ro , 24 a o p a ss o q u e os
d ecorosos n ão tê m n e c e ss id a d e d isso . M as
D eus a s s im fo rm o u o co rp o , d an d o m u lto
m a is h o n ra ao qu e tin h a fa lta d e la , 25 p a r a
que n ão h a ja d iv isão no co rp o , m a s q u e os
m e m b ro s te n h a m ig u a l cu id ad o u n s d o s o u ­
tro s. 26 D e m a n e ir a q u e , se u m m e m b ro
p ad ece, todos os m e m b ro s p a d e c e m co m
e le ; e , se u m m e m b ro é h o n ra d o , to d o s os
m e m b ro s se re g o z ija m co m ele.
Porque também o corpo não é um
membro, mas muitos. O corpo humano
tem muitos membros. Os seus membros
e órgãos são uma unidade; consistem em
um corpo. O corpo não é menos corpo
porque tem muitos membros. A unidade
do corpo se manifesta na diversidade dos
seus membros. O corpo encontra a sua
inteireza na aceitação de cada parte em
sua função no corpo. Não apenas isso,
mas o fato de qualquer parte deixar de
cumprir a sua função afeta adversamente
o funcionamento de todo o corpo. De
fato, o corpo não pode cumprir a sua
existência como corpo sem a presença
dos seus vários membros. Portanto, a
diversidade de dons não é base para
orgulho, porém de ações de graça, por­
que todos os membros do corpo cum­
prem as suas funções, servem uns aos
outros e expressam unidade na diversi­
dade do corpo. Todos são necessários
para cada um, e cada um é necessário
para todos.
Onde a conformidade iria matar o
corpo, a diversidade lhe dá vida. Honra­
mos a Deus quando aceitamos a diversi­
dade que ele dá aos seus filhos e quando
não exigimos uniformidade. Nós o ser­
vimos ao glorificá-lo no que ele nos dá,
e não invejando o que ele dá a outrem.
Deus arranjou os órgãos do corpo de
forma que eles se complementem. Eles
não se chocam um com o outro, nem
competem por superioridade, porém for­
mam uma unidade. O corpo é aleijado,
se os seus membros não funcionam. E,
de fato, as partes do corpo que são invi­
síveis ou cobertas, são vitais para a ope­
ração do corpo.
Na Igreja, Deus dá dons a todos, aos
fortes e aos fracos. E a Igreja vive pela
vontade de Cristo quando tem todos os
membros do corpo na devida honra. Es­
timar apenas aqueles cuja função é espe­
tacular é viver pela vontade do homem,
e não pela vontade de Deus. Os homens
costumam honrar os fortes; mas os ho­
mens redimidos honram os fracos.
A harmonia do corpo é demonstrada
quando todas as partes se ajudam umas
às outras a cumprir os seus respectivos
papéis, e quando não são umas contra as
outras, mas umas pelas outras. A ele­
vação e depressão que ocorrem a uma
parte do corpo são compartilhadas pelo
corpo como um todo. O corpo cuida de
cada membro e participa de todas as
aflições e dores de cada membro.
27 O ra , vós so is co rp o d e C risto , e in d i­
v id u a lm e n te se u s m e m b ro s. 28 E a u n s pôs
D eus n a ig r e ja , p rim e ira m e n te a p ó sto lo s,
e m segu n d o lu g a r p ro fe ta s , e m te rc e iro
m e s tre s , depois o p e ra d o re s d e m ila g r e s , d e ­
p ois d ons de c u r a r , so c o rro s, g o v ern o s, v a ­
rie d a d e s de lín g u a s. 29 P o r v e n tu r a sã o to d o s
ap ó sto lo s? sã o todos p ro fe ta s ? são todos
m e s tre s ? sã o to d o s o p e ra d o re s d e m ila g re s ?
30 T odos tê m d ons d e c u r a r ? fa la m to d o s e m
lín g u as? in te r p r e ta m tod o s? 31 M a s p r o ­
c u ra i co m zelo os m a io re s dons.
A d em ais, eu v o s m o s tra r e i u m cam in h o
sobrem odo e x c elen te.
Ora, vós sois corpo de Cristo, e indi­
vidualmente seus membros. Paulo dirige-
se diretamente aos coríntios: Vocês en­
traram no corpo de Cristo porque acei­
taram a sua obra salvadora. Vocês são
membros do seu corpo porque ele os fez
tais, e não porque vocês formaram um
corpo de cristãos em Corinto. Ele é o
último Adão, que inaugura uma nova
humanidade (15:45-49). Vocês têm um
relacionamento tão íntimo com ele, em
sua obra redentora, que pode-se dizer
que são o corpo dele. Vocês não estão
mais “em Adão” nem são homens não-
remidos; vocês estão “em Cristo” , são
homens remidos.
Porque vocês estão “em Cristo” , são
o corpo dele. Cada um de vocês é um
membro dele, vocês pertencem a ele e à
nova humanidade que ele inaugura. Co­
mo seu corpo, vocês estão na esfera da
sua salvação. Visto que pertencem a ele,
pertencem uns aos outros, e todos ao seu
único corpo. Pertencer ao mesmo corpo
é servir e cuidar uns dos outros. “Todos
vocês, portanto, são o corpo de Cristo,
e cada um faz parte dele” (v. 27, TEV).
Nenhum de vocês é tudo; todavia, cada
um de vocês é algo.
Os coríntios deixaram de perceber o
que significa ser o corpo de Cristo. Es­
queceram que não há virtude excepcio­
nal no exercício individualista de dons
altamente emocionais, especialmente o
de falar em línguas. Deixaram de lembrar
que deviam manter em honra todos os
que pertenciam à igreja. Pertencer ao
corpo de Cristo significa não apenas per­
tencer a ele, mas ajudar uns aos outros,
honrar uns aos outros e ser sensíveis uns
para os outros. Significa possuir um dom
espiritual.
Os dons se manifestam nos vários mi­
nistérios que são colocados a serviço da
Igreja. Não se pode deixar de notar que
os apóstolos são colocados em primeiro
lugar, e falar em línguas em último lu­
gar. (Na lista dos nove dons mencionados
nos versos 8 a 10, falar em línguas e in­
terpretação de línguas estão em último
lugar.) Porém, não há uma hierarquia
distinta de dons, como o revela um exa­
me das várias passagens da Bíblia que
falam do assunto (cf. os sete dons de
Rom. 12:6-8; Ef. 4:11).
Vinte dons diferentes são menciona­
dos em I Coríntios, Romanos e Efésios.
Esta é uma indicação muito intensa de
que o ministério é funcional, e não hie­
rárquico. E indica uma democracia, e
não uma aristocracia.
A ordem é a que pertence à autoridade
do Espírito, e não a um cargo. É o Es­
pírito que dá ordem aos dons, e não os
receptores deles. A ordem se origina do
reconhecimento dos dons de Deus e da
necessidade de ser receptivo à verdade de
Deus e de expressá-la. O importante é
que os que possuem dons reconheçam
que a sua fonte está em Deus, confessem
Jesus como Senhor e empreguem os seus
dons no serviço da Igreja. A vida cristã,
por conseguinte, é uma reação positiva
aos dons de Deus, utilizando os dons que
Deus dá.
Talvez Paulo use a palavra igreja aqui
em sentido universal, pois é improvável
que todas as funções relacionadas exis­
tissem em Corinto. Mesmo que existis­
sem, há diferentes funções mencionadas
em Romanos e Efésios. Apóstolos certa­
mente estão relacionados com a Igreja
mundial, e não meramente com uma
igreja local. Por outro lado, alguns dos
dons mencionados certamente eram
exercidos em Corinto.
Os apóstolos são mencionados em pri­
meiro lugar aqui e em Efésios 4:11. Em
ambos os lugares, os profetas são men­
cionados em segundo lugar. Os apósto­
los são aqueles que viram o Senhor res-
surrecto e foram chamados e autoriza­
dos por Deus para realizarem a sua obra.
(Os comentários sobre 1:1 e 9:1,2; tam­
bém II Cor. 12:12; 6:3-10; I Cor. 4:9-13
apresentam maiores esclarecimentos a
respeito de apóstolo.)
Os profetas são mencionados em se­
gundo lugar, provavelmente porque eles
são servos da palavra de Deus. Eles apa­
recem nas primeiras comunidades cristãs
(At. 11:27; 13:1; 15:32; 21:10). Procla­
mam a palavra de Deus, através do Es­
pírito Santo, e edificam a vida espiritual
da Igreja (cf. I Tess. 5:20). A profecia
baseia-se na revelação (14:29,30; cf.
ITess. 5:21; I Cor. 14:29; Mat. 24:11).
Os mestres aparecem em terceiro lu­
gar, nesta lista. É necessário lembrar que
Jesus é chamado de mestre mais de 30
vezes, nos Evangelhos, por causa de sua
autoridade e dignidade. É um título ho­
norífico na sinagoga. Na comunidade
cristã, os mestres suplementam a obra rj^ias não é dom que esteja entre os
dos profetas (cf. At. 13:1). A sua obra
diz respeito à instrução, provavelmente
incluindo as palavras e atos de Jesus,
estudo do Velho Testamento e interpre­ I os outros.
tação da mensagem cristã.
Operação de milagres e dons de curar
também são mencionados nos versículos
9e 10.
Em todo o Novo Testamento, socorros
é mencionado apenas aqui. São as pes­
soas que “dão uma mão” aos outros que
necessitam de ajuda. Na LXX e nos
papiros, a palavra traduzida como socor­
ros ou ajuda (antilempseis) refere-se aos
que ajudam aos necessitados (cf. At.
25:35). Este serviço indica o interesse da
igreja pelos ministérios sociais.
Os governos são mencionados também
apenas aqui, em todo o Novo Testamen­
to. Esta palavra se refere à obra do
piloto de um navio, que guia o navio
através das rochas, até o porto. O admi­
nistrador é um timoneiro. Não está claro
como os bispos e diáconos de Filipenses •
1 :1 e “ os que ... presidem sobre vós”
de I Tessalonicenses 5:12 se relacionam
com os administradores (cf. Ef. 4:11).
É claro que não havia, no primeiro sé­
culo, ministérios funcionais que existis­
sem em todas as igrejas e em todos os
lugares, chamados pelos mesmos nomes.
Por fim, Paulo menciona os que falam
em línguas e os que as interpretam. Ele
coloca estes dons em último lugar, na
relação de 12:8-10. E não os menciona
em Romanos 12:6,7.
Será que Paulo menciona apenas pri­
meiro, segundo e terceiro a fim de mos­
trar o caráter fundamental dos três pri­
meiros? É um esforço calculado para
tirar a ênfase de posição, e enfatizar
função?
Ninguém possui todos os dons, e todos
nâo possuem o mesmo dom. Deus dá
multiformes dons, e supre as necessi­
dades de sua Igreja. Corpo significa uni- .
dade com diversas operações. No corpo ^
há unidade na diversidade, e diversidade
na unidade (cf. v. 14-21). Falar em lín-“ j
maiores dons, porque tem pouco valor, a
não ser para aquele que possui o dom.
Os maiores dons são os que beneficiam J
/ --"EiTVos mostrarei um caminho sobre­
modo excelente. Esta sentença, sem dú­
vida, é transicional. Ela aponta para o
capítulo 12 , que está terminando, e para
o capítulo 13, que se inicia. No verso 31a,
Paulo fala de dons. No verso 31b ele não
fala do amor como dom, mas como um
“caminho” . Quererá ele dizer que o
amor é tanto um dom como um ca­
minho? Como o amor se relaciona com os
dons? É ele o caminho dos dons? É ele
o maior dos dons? Ou é o caminho a base
dos dons?
Indica o verso 31b que o capítulo 13
foi colocado aqui por um editor, e não
pelo próprio Paulo? Alguns têm dito
que o capítulo 13 se seguia ao capítulo 8
ou ao capítulo 10, originalmente. Po­
rém não há evidências suficientes para
sustentar esse ponto de vista. É muito
improvável que um seguidor de Paulo
tenha escrito o capítulo 13 e o tenha
colocado aqui.
Tendo discutido os dons espirituais
dentro do arcabouço da Igreja como
corpo de Cristo, Paulo recomenda aos
coríntios que busquem os maiores dons,
os que são mais elevados, porque servem
aos outros (cf. Rom. 13:10; Gál. 5:22).
No verso 31b, ele dá a entender que o
amor é o caminho fundamental de viver-
se dentro do desígnio de Deus para o
homem.
Quando Paulo fala de amor, fala da
realidade, que o homem pode experi­
mentar, que é mais característica do
próprio Deus. De fato ele é um dom de
Deus, porque se origina da redenção de
Cristo. Porém, de outro lado, ele não é
exclusivamente um dom, como a profecia- __ Paulo usa agape, em vez de alguma das
e o falar em outras línguas, porque é
dado quando o evangelho é dado. Só em
amor o evangelho é dado ou recebido.
Pois, quando alguém recebe pela fé o
dom de Deus em Cristo, age em amor a
Deus e em reação ao amor de Deus.
Em sentido bem genuíno, a fé é a reação
do amor ao amor.
4. A Primazia do Amor (13:1-13)
O tema do am o r11 não é apresentado
inesperadamente, no capítulo 13. Paulo
já usou a palavra “amor” em 2:9, 4:21 e
8:1,3.
O conhecimento de Deus é revelado na
pregação apostólica da cruz (1:18-25).
Portanto, o conhecimento de Deus é co­
nhecimento do seu amor. O apelo que
11 Para aprofundar-se no significado do amor, em o
Novo Testamento, consulte Ceslaus Spicq, Agape in
the New Testament, Vol. II (St. Louis, Missouri: B.
Herder Book Company, 1965); Anders Nygren, Agape
and Eros, trad, para o inglês por Phillip S. Watson amor encontra-se em o Novo Testamen­
(Philadelphia: The Westminster, 1953); Karl Barth, to. O substantivo é philia e o verbo é
Church Dogmatics, Vol. IV, Part II (Edinburgh:
T & T. Clark, 1958); Peter Ainsworth, St. Paul Hymn philein. São usados para descrever dife­
to Love (London: Epworth Press, 1920).
Paulo faz, em resposta aos problemas
que existiam na igreja em Corinto, é real­
mente o apelo do amor, mesmo quando
essa palavra não é mencionada. O con­
texto de 8:1-3, em que o amor é expresso,
é uma clara indicação do lugar supremo
do tema do amor no pensamento de
Paulo e uma preparação para a discussão
desse tema, que agora se faz.
O capítulo 13 é freqüentemente cha­
mado de hino. Embora haja bons argu­
mentos para crer que Paulo utiliza parte
de alguns hinos em suas cartas, não há
razões suficientes para considerar este
capítulo um hino. Ele não é escrito me-
trificadamente. É prosa em sua mais alta
expressão, caracterizada por uma expo­
sição ritmada de paraenese ou exortação.
Paulo usa uma palavra grega especial
para designar amor: agape. Há outras
palavras gregas que significam amor, ao
passo que há apenas uma palavra que
designa amor em português. Por que
outras palavras, que são mais usadas no
mundo de fala grega? A resposta precisa
ser baseada, em parte, na maneira de se
entender as várias palavras gregas que
ele poderia ter usado.
O substantivo eros e o verbo eran
expressam amor de profundo desejo, as­
piração apaixonada e anseio sensual.
Eros freqüentemente possui conotação
física ou sexual. Nem o substantivo nem
o verbo aparecem jamais em o Novo
Testamento.
O substantivo storge e o verbo stergein
referem-se ao tipo de afeição encontrada
em uma família. Platão escreve que uma
criança ama (stergein) os seus pais e os
seus pais a amam. Estas palavras, que
indicam amor, nunca aparecem em o
Novo Testamento, embora o adjetivo phi-
lostorgos, afeição fraternal, apareça em
Romanos 12:10.
Uma terceira palavra que significa
rentes espécies de amor (cf. Mat. 10:37;
João 11:3,36; 21:15-17). Philein é usada
33 vezes em o Novo Testamento. Philos
é usada 29 vezes. São as palavras mais
comuns, entre os gregos, para expressar
amor.
O quarto substantivo que significa
amor é agape. Aparece apenas raramen­
te entre os gregos, e isso é notável. Não
obstante, é a palavra mais amplamente
usada para traduzir “ amor” em o Novo
Testamento e na LXX. O verbo agapan
ocorre, aproximadamente, 200 vezes na
LXX. O substantivo agape é usado ali 19
vezes. O verbo agapan é usado 130 vezes
em o Novo Testamento, e o substantivo
quase 120 vezes.
Esta palavra é encontrada nas obras
do filósofo judeu Filo, e pode aparecer
em algumas fontes pagãs pré-cristãs. Pa­
rece que ela enfatiza a vontade de uma
pessoa e expressa interesse em ajudar os
outros.
Ê claro que agape foi escolhida pelos
escritores dos documentos constantes em
o Novo Testamento, para expressar a sua
maneira de entender o amor. Os cristãos
percebiam bem a sua presença na LXX,
para expressar diferentes tipos de amor
(cf. Jer. 2:2; Deut. 4:37; Os. 3:1; 11:1;
Gên. 22:2). Paulo usa esta palavra, em
parte, porque é usada amplamente na
LXX.
Quando Jesus citou os mandamentos
de amar a Deus e o próximo (Deut. 6:5;
Lev. 19:18), estava referindo-se a passa­
gens da LXX que usam o verbo agapan.
Os Evangelhos também se referem a
ensinamentos de Jesus que contém a
palavra agape (Mat. 5:43-45).
As outras palavras gregas traduzidas
como amor tinham conotações específi­
cas entre os povos de fala grega. Visto
que a palavra agape não era muito usada
por eles, ela podia ser preenchida de
significado cristão. E é empregada para
expressar várias espécies de amor em o
Novo Testamento (cf. João 17:26; Rom.
8:37; I Cor. 2:9; II Tess. 2:16; Mat.
5:43-48).
O significado de amor, em o Novo
Testamento, não é uma simples conti­
nuação do que se encontra no Velho
Testamento. O amor é radicalmente re­
definido em torno de Jesus. Ele é a
realidade encontrada em Jesus e na rela­
ção de Deus para com ele (Mat. 1:11;
Mat. 12:18). Esta é uma realidade que
vai além dos ensinamentos do Velho Tes­
tamento. Agape é entendida à luz do
ministério de Jesus e de sua morte na
cruz (cf. João 3:35; 15:9,10; Rom. 5:6-
10; I João 4:10).
Agape é usada para expressar o amor
expontâneo, criativo e carinhoso que
manifesta a natureza de Deus e que se
estendeu, em Cristo, a homens que não
o mereciam. Os homens que aceitam o
amor de Deus recebem, pelo Espírito de
Deus (Gál. 5:22), o poder de viver agra­
decida e obedientemente, em resposta ao
amor de Deus, e, dessa forma, de viver
pelo amor que redime em Cristo Jesus.
Ele se tom a o seu amor, mas é um dom
do amor de Deus. Não é realização deles,
mas dom de Deus. Ninguém o adquire;
recebe-o. Ele não se manifesta por auto-
afirmação, mas por auto-rendição.
O amor evoca fé, e a fé evoca amor.
O amor é o objetivo dos crentes, porque
eles morreram e ressuscitaram com Cris­
to (Rom. 6:3,4) e porque o amor é dado
aos que se dão ao Espírito (Gál. 5:22;
Rom. 5:5; 15:30).
0 amor está centralizado no interesse
pelos outros. Além do mais, o amor é o
princípio que controla o exercício de
todos os dons: o amor cria unidade, e
não divisão. Seguir o caminho do amor
é seguir a própria natureza do próprio
Deus. Agape é o caminho mais excelente,
porque está arraigado em Deus. O amor
é o próprio Deus entre os homens (Wen-
dland, p. 103).
1) Vida sem Amor (13:1-3)
1 A in d a q u e e u fa la s s e a s lín g u a s dos
h o m en s e dos a n jo s , e n ã o tiv e sse a m o r ,
s e ria com o o m e ta l q u e so a o u co m o o c ím -
b alo q u e re tin e . 2 E a in d a q u e tiv e sse o d o m
d e p ro fe c ia , e c o n h ecesse todos os m isté rio s
e to d a a c iê n c ia , e a in d a q u e tiv e sse to d a a
fé, de m a n e ir a ta l qu e tr a n s p o rta s s e os m o n ­
te s , e n ã o tiv e sse a m o r , n a d a s e r ia . 3 E
a in d a q u e d is trib u ís se todos os m e u s b e n s
p a ra su s te n to d o s p o b re s , e a in d a q u e e n tr e ­
g asse o m e u co rp o p a r a s e r q u e im a d o , e n ão
tiv e sse a m o r , n a d a d isso m e a p ro v e ita r ia .
Provavelmente, a palavra línguas se
refere à experiência espiritual de falar em
línguas, e não a diferentes idiomas. Con­
tudo, a expressão usada aqui: línguas
dos homens e dos aqjos pode ser uma
forma retórica de se incluir todas as lin­
guagens possíveis. Também pode referir-
se a duas espécies diferentes de lingua­
gem. De qualquer forma, Paulo quer
dizer que nem mesmo a maior eloqüência
de linguagem é suficiente. Os coríntios
precisavam lembrar-se da necessidade de
amor e o que importa a linguagem mais
rica sem amor.
O címbalo era empregado na adoração
no Templo (Sal. 150:5). Era usado tam­
bém na adoração helénica. Gongos eram
dependurados nos templos, e usados nas
procissões de Cibele e Dionísio. Desde o
tempo de Platão, referiam-se aos ora­
dores superficiais como “gongos” .
Um orador sem amor, sugere Paulo, é
simplesmente oco e vazio. Faz barulho,
mas não tem melodia. Produz sons, mas
não comunica nada real, porque não é
possuído pelo amor. A linguagem sem
amor é apenas conversa. E é meramente
barulho, se não se preocupa com os ou­
tros. O amor é algo que, se ausente, faz
com que tudo o mais seja nada.
O amor é a boa vontade expontânea,
altruísta e criativa, revelada por Deus,
em Jesus Cristo. Está arraigado em Deus,
o Pai. É a autodoação de Deus ao ho­
mem. É a autodoação do homem a Deus
e também ao próximo. 12 Através do
Espírito Santo, Deus ajuda o homem a
demonstrar, pelo seu próximo, o tipo
de amor que Deus demonstra por todos
os homens. Quando esse tipo de amor
12 Barth, op. cit., p. 828.
está ausente, descanso algum vale algu­
ma coisa.
No segundo versículo, Paulo passa a
dons maiores, porque eles edificam os
outros. Profecia, que tem significado
muito alto no pensamento de Paulo (12:
28), se baseia na revelação (14:29,30),
e é a proclamação da palavra de Deus
através do poder e da presença do Es­
pírito Santo. Ele edifica a vida espiritual
da congregação. No entanto, sem amor,
até uma pessoa que profetiza é nada.
Mesmo que o profeta seja capaz de pene­
trar mistérios — conselhos divinos ocul­
tos em Deus e revelados aos seus profetas
— e possua toda a ciência referente ao
significado da mensagem cristã na vida
humana, se não possui amor, ele não é
nada. A pessoa que exercita um dom sem
amor é, nas palavras de Spicq, “espiri­
tualmente zero” . A pessoa que tem fé
operadora de milagres (12:9) e realize
notáveis maravilhas, sem o motivo do
amor, é nada.
No verso 3, Paulo passa a mostrar a
relação do amor com os atos de boa
vontade ativa. É possível fazer coisas
boas para os outros sem os amar, fazer o
bem movido por outro motivo que não
seja o amor. Dar esmolas a ponto de
ficar pobre não adianta nada para a
pessoa que não dá amor. Livrar-se de
suas posses pode ser uma expressão de
asceticismo, e não ter absolutamente na­
da de amor. Se tal é o caso, nada apro­
veita para a pessoa que se empobreceu.
Nem mesmo o convite do Senhor para
aliviar as condições dos pobres (Mat.
19:21) pode salvar a pessoa da condena­
ção, se ela não tem amor. Existe uma
autodoação que não é amor. Autodoação
é amor somente quando é o tipo de amor
que Deus revela em Cristo e nos chama a
demonstrar ao nosso próximo. Autodoa­
ção é autopromoção, se o motivo é louvor
próprio.
A pessoa pode dar mais do que as suas
propriedades: pode dar a sua própria
vida. A profundidade do sacrifício pode
ser demonstrada quando se dá o corpo
para ser queimado. Referências a acon­
tecimentos desses se encontram em Da­
niel 3:19-28 e II Macabeus 7. (•) Um
hindu, Zarmanochegas, deixou-se quei­
mar até a morte, em Atenas, em 20 d.C.
No seu túmulo se inscreveram palavras
que ele mesmo escreveu: “Ele se fez
imortal.” Dar o próprio corpo por amor
é um ato heróico. Mas dar o próprio
corpo por amor próprio é um ato de
egoísmo. O amor cristão, e não o amor
próprio, faz a diferença.
Todavia, é possível que Paulo preten­
desse que entendêssemos o fato de se
queimar o corpo como referência à mar­
cação de escravos com ferro quente. Cle­
mente de Roma conta que alguns corín-
tios haviam-se vendido à escravidão, e
usaram o preço pago para comprar comi­
da para os pobres. Baseando-se nesta
interpretação, queimar o corpo significa
entrega à escravidão voluntária.
A RSV apresenta, em nota de rodapé,
uma redação diferente, para a expres­
são o corpo para ser queimado, a saber:
“o corpo para que eu possa me gloriar” .
Se esta versão fosse adotada, o versículo
então diria: “e ainda que eu entregasse
o meu corpo para que eu pudesse me glo­
riar” . Manuscritos antigos, P 46, A e B e
o Sinaítico, favorecem esta redação.
Mas, se Paulo estava falando de entregar
o corpo de alguém a fim de “se gloriar” ,
não haveria necessidade de falar de não
ter amor. Obviamente, jactar-se ou glo­
riar-se em tais circunstâncias não é cris­
tão. O contexto, portanto, favorece a tra­
dução para ser queimado, a despeito das
fortes evidências fornecidas pelos manus­
critos que apóiam a outra versão.
Nos três primeiros versículos, Paulo
expressa o exercício de dons de ampli­
tude ainda mais notável. Porém algo está
faltando, algo que tem valor supremo:
o amor. E, se está faltando amor, “Eu
nada sou” ; “Nada me aproveita.” O
(*) Durante a Guerra do Vietnã, há poucos anos, monges
budistas e outras pessoas puseram fogo. no seu próprio
corpo ensopado de gasolina, como protesto contra a
guerra, num espetáculo público. — Nota do Tradutor.
exercício dos mais nobres dons é desfeito,
se não for feito em amor. Todas as pos­
sibilidades humanas reduzem-se a nada,
se eu “não tenho amor” , o amor que me
é dado porque Cristo me foi dado como
fonte e veículo do amor.
2) Vida em Amor (13:4-7)
4 O a m o r é so fre d o r, é b e n ig n o ; o a m o r
n ão é in v e jo so ; o a m o r n ã o se v a n g lo ria ,
n ão se e n so b e rb e c e , 5 n ã o se p o r ta in c o n v e ­
n ie n te m e n te , n ã o b u s c a os se u s p ró p rio s
in te re ss e s, n ã o se ir r it a , n ã o s u s p e ita m a l;
6 n ão se re g o z ija co m a in ju s tiç a , m a s se
re g o z ija co m a v e rd a d e ; 7 tu d o so fre , tu d o
c rê , tu d o e s p e r a , tu d o su p o rta .
É impressionante que Paulo usa “eu”
através dos três primeiros versículos, mas
emprega o substantivo “amor” como su­
jeito dos versículos 4 a 7. É por acaso?
Não é provável. Os primeiros três versí­
culos do capítulo 13 falam dos esforços
do homem sem a realidade do amor de
Deus como motivo, enquanto os quatro
versículos seguintes retratam o que o
amor é capaz de realizar. Sabemos muito
bem que não podemos substituir a pala­
vra “amor” por “homem” nesses versí­
culos. Os três primeiros versículos do
capítulo retratam o homem não-redimi-
do e sem o maior dom de Deus, enquanto
os quatro seguintes retratam o homem
redimido, com esse dom.
Por que fala Paulo de amor em grande
parte em termos negativos, isto é, em
termos do que ele não é? Provavelmente,
porque o amor é tão difícil de se retratar,
mas também porque o amor não mani­
festa, na vida, o tipo de resultado de­
monstrado pelos coríntios. Estes versí­
culos são, ao mesmo tempo, um retrato
do que é amor cristão e do que os corín­
tios não são.
Em grande parte, esta exposição, feita
nos versos 4 a 7, é expressa em uma série
de verbos, num total de quinze, apare­
cendo o substantivo agape apenas três
vezes no texto grego (todas elas no v. 4).
Todas as referências mostram uma preo­
cupação por outrem. Nenhuma das refe­
rências é feita diretamente ao amor do
homem a Deus.
O amor é sofredor, é benigno. O Ve­
lho Testamento diz que Deus é “tardio
em irar-se” ou paciente para com os
homens (cf. Rom. 2:4). E alguns versí­
culos, no Sermão da Montanha, podem
ser entendidos em termos de paciência
(Mat. 5:10,11). Paulo freqüentemente
admoesta os seus leitores a serem pacien­
tes para com os outros (cf. I Tess. 5:14;
II Cor. 6:6; Gál. 5:22). A paciência
é a força suave, que tem poder. Ela não
é insensibilidade, mas sensibilidade para
com os outros, que os tolera no meio
das maiores dificuldades. Paciência não
é fraqueza, mas força, que emerge de­
baixo de pressão. É a capacidade para
aceitar as pressões. Os crentes são ca­
pazes de ser pacientes para com os outros
porque Deus exercita paciência para com
eles e toda a humanidade e porque Deus
lhes dá o dom da paciência através da
operação do Espírito (Gál. 5:22). A pa­
ciência do homem tem sua fonte na
glória de Deus (Col. 1:11).
O amor é benigno. Uma pessoa benig­
na é expontaneamente boa para com os
outros. Ela não mede a bondade dos
outros, e, sim, expressa a sua bondade
para com os outros. O amor não só
suporta muito (paciência); ele é benigno
sem pensar em recompensa. Ele age be­
nignamente porque é livre para agir, e,
assim, agir é amor em ação. A paciência
é auto-restrição; a benignidade é auto-
expressão. Benignidade é afeição rica,
que nunca vacila em sua devoção aos
outros, e não desanima com as faltas
deles nem fica amargurada por causa de
sua ingratidão (Moffatt, p. 195). Paciên­
cia e benignidade são apresentadas jun­
tas, por Paulo, em outras passagens
(Rom. 2:4; II Cor. 6:6; Gál. 5:22; Col.
3:12).
O amor não é invejoso; o amor não
se vangloria, não se ensoberbece. Paulo
usa a palavra aqui traduzida como inve­
joso também em 12:31 e 14:1. O verbo
correspondente é encontrado num bom
sentido, significando “ desejo” “zelo” na
versão da IBB) nesses dois casos, mas
em mau sentido em Filipenses 3:6, como
também neste versículo. A igreja em
Corinto era uma igreja toda fraturada
por inveja e luta (cf. 3:3). Há sempre
uma linha muito clara de distinção entre
o desejo do bem-estar dos outros e o
desejo do bem estar próprio. Desejar
bons dons é certo; invejar pessoas talen­
tosas é errado.
O amor não se vangloria. Ele não se
ensoberbece. O verbo traduzido como
vangloria encontra-se apenas aqui, em
todo o Novo Testamento. A pessoa se
vangloria quando não tem senso de pro­
porção, o que se torna evidente, em
procedimento e em conversa sem nexo,
da frivolidade até a insolência. 13 Certa­
mente falava, aos coríntios, um senso de
equilíbrio, e eles manifestavam orgulho
por causa de sua confiança ilimitada na
profundidade do seu conhecimento (cf.
8:1 ). O amor não recita um catálogo de
suas virtudes, liberdade e realizações.
Não se porta inconvenientemente. Ele
não se envaidece nem fica enfatuado com
um senso de amor-próprio. O termo
traduzido como inconvenientemente po­
de ser traduzido como “arrogantemente”
(4:6; 8:1). Esta é uma das palavras favo­
ritas de Paulo para tratar dos enfatuados
coríntios. Tão valiosos se tornaram eles
aos seus próprios olhos, que incharam
como balões — com tanto ar. Mas o
amor não encontra forças no inchado de
um espírito orgulhoso.
O amor não é rude, porque assim
feriria os outros. Ele não tem maneiras
incivilizadas, pelo fato de outros não
terem boas maneiras. Ele não se dispõe
a se portar de forma grosseira, ou fazer
qualquer coisa vergonhosa (cf. 7:36; 12:
23). Há uma profunda sensibilidade no
amor; há nele uma delicadeza, que não
deseja ferir.
Não busca os seus próprios interesses,
porque tal espírito é uma contradição
flagrante do amor cristão. Uma das qua­
lidades do amor é ter grandeza de espí­
rito, colocar de lado qualquer auto-afir-
mação e autopreservação. De fato, o
amor emprega a renúncia própria de
maneira positiva, para ganhar outros à
lealdade a Cristo (cf. 6:7; 10:33; Mat.
5:38-42). O amor insiste no bem-estar
dos outros, e não na afirmação de inte­
resses próprios (cf. 10:24; Fil. 2:4). O
amor que insiste em seus próprios inte­
resses não é amor. Isto é falta de amor —
na verdade, é egoísmo.
O amor não se irrita, não suspeita mal.
O amor não é mesquinho; não é difícil
viver com ele. Não irrita nem provoca os
outros. Não torna a vida dos que o ro­
deiam miserável, por ter um tempera­
mento nervoso. O amor não cultiva um
espírito de má vontade, que afeta adver­
samente as outras pessoas. O amor não
se ocupa em criar adversários em meio
aos vizinhos, por causa de um espírito
mesquinho. Não é difícil conviver com o
amor. Ele não é vil, nem explosivo. Não
suspeita mal, nem acumula ódio dos
outros. O amor não guarda queixas con­
tra os outros, porque uma vontade al­
truísta não permitirá que exista, simul­
taneamente, na mesma vida, um espírito
queixoso. Não guarda as faltas que fo­
ram cruel e injustamente cometidas.
O amor é perdoador, e o perdão esquece.
Ele se lembra da graça de Deus, que agiu
decisivamente em favor da salvação dos
seres humanos, “não imputando aos ho­
mens as suas transgressões” (II Cor.
5:19).
Não se regozija com a iqjustiça, mas se
regozya com a verdade. Não se alegra
com a injustiça dos outros. Não encon­
tra a alegria em contemplar o pecado dos
outros. Não acha ocasião no pecado dos
outros para manifestar orgulho por sentir
a sua própria santidade. Não encontra
nenhum prazer nos fracassos dos outros.
Pelo contrário, o amor tem alegria na
obediência à verdade (cf. Rom. 2:8;
II Tess. 2:10,12). Ele não chama o
errado de correto, w O amor tem alegria
na lealdade à verdade, e dá testemunho
do triunfo da verdade.
No verso 7, Paulo já não fala mais do
que o amor não é, mas do que o amor
faz. Ele tudo sofre. Ele agüenta tudo. Ele
permanece a despeito de tudo. Ele sobre­
vive à tristeza, à decepção, à crueldade,
à disposição da verdade, à indiferença.
Ele continua avançando, mesmo em face
de todos os inimigos que ameaçam anu-
lá-lo. O amor jamais vacila; nunca cessa.
Ele levanta a cabeça e continua na mes­
ma marcha. O amor nunca desiste.
Ê possível que o verbo traduzido como
sofre possa ser traduzido como “conser­
var-se escondido” . Traduzido desta for­
ma, Paulo estaria dizendo que o amor
tolera a fraqueza dos outros. Ele é tardio
em expor os erros dos outros (cf. I Ped.
4:8). Uma terceira interpretação possível
existe: “ O amor sustenta o mundo” (Bar-
rett, p. 304).
O amor tudo crê. Ele tem uma atitude
de confiança para com os outros. Ele não
cria desconfiança por manifestar descon­
fiança. Ele prefere crer nas boas inten­
ções dos outros. Ele crê nos outros, e,
desta forma, provoca maturidade nos
outros. O amor nunca perde a fé. Ele
está, como traduziu Moffatt, “sempre
disposto a crer o melhor” . O amor prefe­
re ser generoso demais, do que suspeitoso
demais.
O amor tudo espera. Ele tem esperan­
ça, porque está arraigado em Deus e
porque Jesus, a manifestação do amor de
Deus, dá sentido à esperança. O amor
não apenas faz aparecer um futuro,
como que por mágica; ele sabe que pos­
sui um futuro. No meio de todo o mal, ele
pode abalançar-se a esperar com muita
esperança, porque espera com promessa.
Quando o amor é desapontado, continua
tendo esperança (cf. Rom. 5:5).
O amor tudo suporta. Ele espera cheio
de esperança, e, quando desapontado,
não se abala (cf. Rom. 5:3). Ele sobrevi­
ve a circunstâncias desfavoráveis e difí­
ceis (cf. II Tess. 1:4). Possui uma grande
paciência. Suporta a negridão da noite,
confiante na manhã. Não há limites para
o que o amor pode suportar. Ele nunca
acaba.
O amor é a realidade que vence tudo
o que intervenha para derrotar o homem.
Quatro vezes, no verso 7, Paulo usa a
palavra tudo. O amor tem o poder de
fazer tudo o que decide, até o fim. Ne­
nhum inimigo é capaz de derrotá-lo (cf.
Rom. 8:38,39). A desilusão e a amargura
não são características do amor.
Nos versos 1 a 3, Paulo fala da vida
sem amor, e, nos versos 4 a 7, da vida
em amor. Nos três primeiros versículos,
fica claro que quaisquer dons não são
suficientes, se o amor cristão estiver au­
sente, e, nos versos 4 a 7, fica óbvio que
somente o amor cristão pode fazer o que
o amor faz. O homem natural não pode
manifestar esse amor. Ele precisa ser
outorgado ao homem na sua redenção.
Deus é capaz de ajudar o crente a amar
com a espécie de amor com que ele ama o
homem, da maneira como é expresso
através do ministério mediador de Jesus
Cristo.
3) A Permanência do Amor (13:8-13)
8 O a m o r ja m a is a c a b a ; m a s h av en d o
p ro fe c ia s, s e rã o a n iq u ila d a s ; h av en d o lín ­
g u as, c e s s a rã o ; h av en d o c iê n c ia , d e s a p a r e ­
c e r á ; 9 p o rq u e e m p a r te co n h e c e m o s, e e m
p a rte p ro fe tiz a m o s; 10 m a s , q u an d o v ie r
o que é p e rfe ito , e n tã o o q u e é e m p a rte
s e r á a n iq u ilad o . 11 Q uando eu e r a m en in o ,
fa la v a com o m en in o , s e n tia com o m en in o ,
p e n sa v a com o m en in o ; m a s , logo q u e c h e ­
guei a s e r h o m em , a c a b e i com a s c o isa s de
m enino. 12 P o rq u e a g o ra v em o s com o p o r
espelho, e m e n ig m a , m a s e n tã o v e re m o s
face a fa c e ; a g o ra conheço e m p a rte , m a s
e n tão co n h e c e re i p le n a m e n te , c o m o ta m ­
b é m sou p le n a m e n te conhecido. 13 A g o ra,
pois, p e rm a n e c e m a fé, a e s p e r a n ç a , o
a m o r, e s te s tr ê s ; m a s o m a io r d e ste s é o
a m o r.
O amor jamais acaba. Ele é eterno.
Nunca chegará ao fim, porque está fun­
damentado em Deus, e Deus é amor.
O amor durará tanto quanto Deus durar:
para sempre. O crente é possuído de uma
realidade que não finda nem languesce.
O amor nunca falha. Se os homens dei­
xam de ser dignos de amor, o amor não
deixa de amar o indigno. O amor não
desfalece nem falha, mas continua a
manifestar-se na semelhança de Cristo.
E será no distante amanhã a mesma
coisa que é hoje. O infindável amor é
sempre o mesmo amor. O amor que co­
nhecemos hoje é o amor que conhecere­
mos amanhã.
Nada disto pode ser dito acerca de
profecias, línguas ou ciência. Todas estas
terão fim. Portanto, a única realidade
que perdura já tem um início na vida dos
crentes. O mais precioso dom do futuro
já foi derramado sobre nós na forma do
dom do amor. O futuro, através do
amor, já está fazendo espargir a sua luz
eterna nos passageiros anos de nossa
existência presente. O amor não sofre
por causa da recordação do “agora”
e do “então” .
O nosso futuro teve início porque o
amor já nos possui. O amor é a promessa
cumprida já no presente. Ele é o elo de
ligação entre o agora e o então, e entre o
aqui e o porvir. 15
Profecias, línguas e ciência serão des­
necessárias na presença de Deus. Por
outro lado, o amor caracteriza a própria
natureza de Deus. Será que Paulo quer
dizer que profecia, línguas e ciência se
tomarão extintas, ou será que ele quer
dizer que elas serão transformadas em
formas novas e diferentes? Elas serão
deixadas para trás como as experiências
da infância, que deixamos para trás.
Elas darão lugar a uma compreensão
mais amadurecida do significado da vida
com Deus. Necessárias neste mundo, elas
se tornarão desnecessárias no mundo
porvir. Quando vier o que é perfeito,
quando a vida for conhecida com Deus,
desimpedida das complexidades desta
era, então o que é em parte, em termos
de profecias, línguas e ciência, será des­
necessário, e desaparecerá.
A vida nesta era, comparada com a
vida na era porvir, é como a infância,
comparada com a maturidade. Nesta vi­
da presente, possuímos apenas uma fra­
ção infinitesimal do conhecimento de
Deus e da sua verdade. Na vida porvir,
conheceremos vastos tesouros do conhe­
cimento de Deus, de forma que podemos
descrever a vida de agora como a vida de
crianças, se comparada com a vida de
então como a vida de maturidade adul­
ta. Não haverá necessidade de velas,
quando possuirmos o resplendor do sol!
Paulo não está interessado (v. 11) em
enfatizar uma continuidade entre um
menino e um homem. O seu interesse
não é estabelecer continuidade, mas dis-
semelhança. É claro que a pessoa pos­
suída pelo amor cristão agora será pos­
suída pelo mesmo amor no futuro. As­
sim, a pessoa é a mesma, porém a me­
dida de sua vida em Deus é grandemente
aumentada.
Porque agora vemos como por espelho,
em enigma, mas então veremos face a
face. Há um agora, esta era presente, em
que temos um conhecimento indireto e
parcial de Deus; há um então, a era por
vir, quando o nosso conhecimento será
direto e completo. Paulo, em primeiro
lugar, coloca o amor no contexto de
profecias, línguas e conhecimento. De­
pois ele reflete a respeito à luz do co­
nhecimento e da profecia. Por fim, ele o
entende à luz apenas do conhecimento.
O espelho é usado para expressar o
fato de que o nosso conhecimento atual,
por prezado que seja, é um conhecimen­
to indireto e parcial. Enquanto Filo,
judeu contemporâneo de Paulo, usa o
exemplo de um espelho, às vezes, para
sugerir claro e pleno conhecimento de
Deus, Paulo o emprega neste versículo
para enfatizar as limitações e a imperfei­
ção do nosso conhecimento de Deus. Ele
não dá a entender que o nosso conheci­
mento é inadequado, mas que é limitado,
quando comparado com o que conhece­
remos no futuro.
A vida neste mundo permite, até para
o crente, apenas uma visão limitada.
A visão limitada do “agora” dará lugar à
visão clara do “então” . O nosso enten­
dimento de Deus não será mais obscuro,
porque será face a face, não mais indi­
reto, mas direto (cf. Apoc. 22:4; I João
3:2). Por significativo que o amor cristão
seja agora, ele não pode se comparar com
o que será conhecido no futuro.
Nesta vida presente, o crente possui
genuíno conhecimento, o conhecimento
de Deus. Porém ele é incompleto. O co­
nhecimento parcial dará lugar ao pleno
conhecimento, porque o crente conhece­
rá Deus como ele tem sido plenamente
conhecido por Deus. Embora o homem
não consiga compreender Deus plena­
mente agora, Deus compreende o ho­
mem plenamente (cf. Gál. 4:9). O nosso
conhecimento será da mesma ordem que
o de Deus. 16 E, sobretudo, o nosso co­
nhecimento de Deus baseia-se no fato de
que ele primeiro nos amou. Nós o conhe­
cemos tão-somente porque ele nos conhe­
ceu primeiro. A origem do amor e o ali­
cerce do amor é Deus (cf. I João 4:19).
Deus nos concederá um conhecimento
aumentado de si mesmo, à medida que
vivermos em uma comunhão não mais
velada pelas limitações desta era presen­
te. Quando o virmos face a face, entra­
remos ainda mais profundamente no co­
nhecimento do Deus que salva os peca­
dores através de Cristo. Face a face, em
devoção pessoal, nós o conheceremos
como ele é.
Agora, pois, permanecem a fé, a es­
perança, o amor, estes três; mas o maior
destes é o amor. Chegará o tempo em que
todos os dons de Deus para a igreja,
sobre a terra, terão cumprido o propó­
sito de Deus, e os fiéis habitarão na casa
de seu Pai. E então? A fé e a esperança
e o amor caracterizarão a vida dos santos
eternamente.
16 Spicq. op. cit., p. 166.
 A fé permanece, porque ela é confian­
ça na obra salvadora de Deus, revelada
em Cristo. Só os que confiam conhecerão
a eterna presença em Deus.
A esperança permanece, porque é fé
perseverante e mantém serena confiança
em Deus.
O amor permanece, porque é a nature­
za de Deus e, portanto, é tão eterno como
o Pai. O amor de Deus, que é altruísta, é
respondido pelo amor do homem, que é
altruísta. E o amor, que é altruísta, é
eterno.
O amor é a realidade pela qual Deus,
o Pai, revela o seu coração ao homem e,
pela graça de Deus, a realidade pela qual
o homem revela o seu coração a Deus e
ao próximo. Ele não cessa. E, na vida por
vir, ele permanecerá, entendendo o Pai,
que suscita o amor dos homens devido ao
seu amor por eles (cf. I João 4:19).
O amor é a maior de todas as virtudes,
porque expressa a pessoa de Deus, coisa
que a fé e a esperança não conseguem
fazer. O amor de Deus dá ao homem
uma base para a fé e a esperança, que
são características da vida do homem, e
não de Deus.
Paulo, neste capítulo 13, de sua epís­
tola, alcança o ápice. Nem mesmo o
capítulo 15 é mais notável. O amor de
Deus é ainda mais grandioso do que a
ressurreição, porque a graça e o amor é
que propiciam a ressurreição do homem.
A escatologia resplandece não apenas
nos capítulos 7 e 15, mas também no
capítulo 13. O amor é o futuro que lança
os seus raios esplendorosos no presente.
Ê o dom escatológico, que já se torna
uma possessão presente.
Porém o amor não possuía os corín-
tios. Quase todos os primeiros quatorze
capítulos demonstram este fato. O amor
não é apenas maior do que todos os
outros dons: ele era a maior necessidade
dos coríntios. Todavia, não se possui o
amor mediante captura, mas mediante
rendição. Ele não é obra do homem, mas
dom de Deus.
Portanto, Paulo admoesta os coríntios
a fazerem do amor o seu alvo, não tra­
balhando por ele, mas vivendo uma vida
de amor através da obra do Espírito
Santo dentro deles. A única caracterís­
tica segura do amor de Deus no homem é
que ele serve aos outros, ao próximo.
Tem sido sugerido que os coríntios
conheciam uma fórmula: “fé, amor
(eros), conhecimento e esperança” , que
Paulo alterou e usou contra eles, elimi­
nando o “conhecimento” . Sem dúvida,
baseando-se nesta interpretação, ele su­
bstituiu eros por agape. Esta sugestão
não é muito convincente, porque fé, es­
perança e amor aparecem em uma carta
escrita por Paulo vários anos antes de ele
ter escrito aos coríntios (I Tess. 1:3; 5:8).
Essa tríade é usada também em Gálatas
5:5,6, Colossenses 1:4,5, Romanos 5:1-5
e Hebreus 10:22-24.
Em I Tessalonicenses e Colossenses,
Paulo escreve, em ordem, a respeito de
fé, amor e esperança. A fé introduz o
homem na existência cristã; o amor é a
maneira pela qual a fé exercita a sua
vida; e a esperança é a confiante perse­
verança, que abrange o futuro. Paulo
coloca o amor em último lugar, na tría­
de, quando escreve aos coríntios, porque
falta-lhes notoriamente a compreensão
da primazia do amor.
A primeira palavra do verso 13, agora,
é traduzida como “assim” na RSV, ver­
são inglesa usada pelos compiladores
deste comentário em inglês. A palavra,
em grego, provavelmente, não se refere a
tempo. Pelo contrário, significa “portan­
to” ou “ assim” . Tendo colocado a com­
preensão da vida cristã de maneira clara
no contexto do amor, Paulo passa, no
capítulo 14, a demonstrar como o amor
se manifesta no desejo de alcançar os
dons espirituais.
5. Profecia e Línguas e o Culto de
Adoração (14:1-40)
O capítulo 14 trata, em grande parte,
de “falar em línguas” e de profecia no
culto de adoração. Os dons do Espírito
à Igreja é o tópico do capítulo 12; a
primazia do amor é o assunto do capítulo
13, enquanto “falarem línguas” , proble­
ma de grande importância na adoração
em Corinto, emerge como base para a
discussão do capítulo 14, juntamente
com a profecia.
I mediatamente precisa ser enfrentada
a relação entre 14:1-40 e Atos 2:1-42.
Não existe solução fácil para este pro­
blema. Está razoavelmente claro que os
versos 1 a 40 tratam de enunciações
ininteligíveis (a não ser que sejam inter­
pretadas) e extáticas (v. 9 e 28). Mas o
fenônimo descrito em Atos 2 não pode
ser avaliado de maneira tão simples.
Uma das intrepretações de Atos 2:1-42
é que ali falar em línguas é o mesmo
fenômeno que o encontrado em I Corín-
tios 14. Os versículos 4 e 13 de Atos 2
podem ser tomados como indicação de
semelhança. Porém há uma diferença
fundamental entre as duas narrativas.
Em I Coríntios 14:1-40 havia necessi­
dade de intérpretes, enquanto em Atos
2:1-42 cada pessoa era capaz de enten­
der o que era dito, sem intérpretes. Em
Atos havia um milagre no falar, no ouvir,
ou em ambos (v. 4 e 8). E também em
1 Coríntios havia uma diferença flagran­
te entre falar em línguas e profecia.
Não há essa distinção aguda no relato
de Atos.
Uma segunda interpretação apresenta
o ponto de vista de que a narrativa de
Atos tem por detrás de si fontes que
foram elaboradas e reescritas pelo autor,
devido aos seus objetivos teológicos. De
acordo com esta teoria, o que original­
mente era uma narrativa, como I Co­
ríntios 14, foi refeito, para retratar a
disseminação do evangelho para todas as
nações da terra. A maior dificuldade,
com esta interpretação, é que é impossí­
vel isolar-se essas fontes primitivas, para
estudo.
Uma terceira interpretação é que Atos
2 descreve um milagre no falar ou no
ouvir, algo diferente do que se encontra
em I Coríntios 14. Seja qual for a fonte
do acontecimento, o autor de Atos em­
prega-o para apresentar a sua interpreta­
ção teológica da história da Igreja.
O dom do Espírito dado no Pentecostes
foi o meio de dotar a Igreja de poder, e
constitui a certeza da conversão das na­
ções ao evangelho. Esta interpretação
enfatiza as diferenças entríTts^hjas nar­
rativas.
Dois versículos de Atos (10:46; 19:6)
podem ser interpretados como o mesmo
fenômeno encontrado em I Coríntios 14.
Por outro lado, Atos 10:46 é semelhante
a Atos 2:11, e Atos 19:6 se refere tanto a
falar em línguas como à profecia. Estas
duas referências podem se referir à enun­
ciação inteligível, e não extática.
A exposição que Paulo faz acerca de
falar línguas precisa ser conservada no
contexto dos capítulos 12 e 13. Ele já
tornou bem claro que a liberdade cristã
madura se expressa em amor, mediante
interesse pelos outros (cf. 8:1-3). Ele
declarou que todos os dons espirituais
são colocados a serviço da Igreja (cap.
12). E ele insistiu que todos os dons são
expressos com alicerce no amor, que é
altruísta e se dá aos outros (cap. 13).
S Falar em línguas precisa passar por três‘
) testes, que agora trataremos em ordem:
) cTteste do interesse social inteligente,
'j 14:1-25; o teste do domínio próprio,
\ 14:26-36; e o teste da decência e ordem,
14:37-40.
1) O Teste de Interesse Social Inteli­
gente (14:1-25)
(Para facilitar referências convenien­
tes, esta passagem será impressa por
parágrafos.)
1 S egui o a m o r ; e p ro c u r a i co m zelo os
dons e s p iritu a is , m a s p rin c ip a lm e n te o de
p ro fe tiz a r. 2 P o rq u e o q u e fa la e m lín g u a
n ão fa la a o s h o m e n s, m a s a D e u s; pois n in ­
g u ém o e n te n d e ; p o rq u e e m e sp írito fa la
m isté rio s . 3 M a s o q u e p ro fe tiz a fa la a o s
h o m en s p a r a ed ific a ç ã o , e x o rta ç ã o e co n so ­
la çã o . 4 O q u e fa la e m lín g u a s e d ific a -se a
si m e sm o , m a s o q u e p ro fe tiz a e d ific a a
ig re ja . S O ra , q u e ro q u e todos vós fa le is
e m lín g u a s, m a s m u ito m a is q u e p ro fetiz e is,
p o is q u e m p ro fe tiz a é m a io r d o q u e a q u e le
qu e f a la e m lín g u a s, a n ã o s e r q u e ta m b é m
in te rp re te p a r a q ue a ig r e ja r e c e b a e d ifi­
cação .
Segui o amor. A saber, nunca cessem
de fazer do amor o alvo de suas vidas, e
“firmem os seus corações nos dons espi­
rituais” (TEV), principalmente o de pro­
fetizar. A orientação básica da vida cristã
é amar, que é a base para o exercício de
todos os dons espirituais. O uso mais
importante da vida é oferecê-la para o
serviço do amor cristão. Os dons espiri­
tuais, que são introduzidos em 12:1,
onde o assunto é expresso pela primeira
vez, são discutidos no capítulo 12. No
capítulo 14, Paulo enfatiza o valor do
dom de profecia, que toma possível a
proclamação da revelação, sob a direção
do Espírito e baseada na palavra de Deus
(cf. o comentário sobre 12:28). É apro­
priado procurar com zelo os dons espiri­
tuais, porque eles são os dons de Deus
para os que servem aos outros, e não às
obras de homens para aqueles que se
vangloriam diante de Deus.
Quem fala em língua não fala nada
que os outros possam entender. Ineludi-
velmente, Deus é capaz de entender os
inefáveis mistérios falados em espírito
pela pessoa que fala em línguas. A ver­
são antiga da IBB usa a expressão “lín­
gua estranha” . A palavra “estranha”
não se encontra no grego, mas é usada
para esclarecer a expressão em língua.
Devido ao seu uso na versão antiga da
IBB, falar em línguas é freqüentemente
citado como “falar em língua estranha” .
A palavra traduzida como língua
(glossa) é usada de três maneiras, em o
Novo Testamento: como o órgão da fala
(Luc. 16:24), como um sinônimo de lin­
guagem, idioma (Atos 2:11) e como enun­
ciação extática ininteligível. Paulo a usa
nó sentido de enunciação extática no
verso 2.
Saber precisamente o que abrange o
falar em línguas, em o Novo Testamento,
é impossível. Porém é claro que tal enun­
ciação é ininteligível, a não ser que seja
interpretada por alguém perito na arte
da interpretação. Há exemplos de enun­
ciação extática no Velho Testamento e no
helenismo. 17 Porém dificilmente pode-
se concluir que o que se encontrava ali era
o mesmo fenômeno que se encontrava na
igreja em Corinto. Sem dúvida, há seme­
lhanças, na excepcional ênfase dada às
emoções, com a exclusão da mente.
A ênfase de Paulo é clara. O “falar em
línguas” dirige-se a Deus, o único que
pode entendê-lo. Mas é precisamente de­
vido ao fato de outras pessoas não po­
derem entendê-lo, que Paulo dá pouco
valor a esse dom. A pessoa que profe­
tiza, que proclama revelações pela di­
reção do Espírito Santo, empenha-se em
um ato que tem valor para os outros.
As suas palavras ajudam a edificação
dos homens. Paulo usa a palavra edifi­
cação quatro vezes, neste capítulo. Ela
significa fortalecimento da vida espiri­
tual. A pessoa que profetiza contribui
para o bem-estar espiritual dos outros.
A profecia também oferece exortação,
ou seja, força que estimule a viver a vida
cristã, e consolação, conforto que vem
de Deus (cf. I Tess. 2:11,12; II Cor.
1:3-7). Como o falar em línguas é dife­
rente de profetizar!
A pessoa que fala em língua edifica-se
(eleva-se) a si mesma, porque esta ex­
periência tem valor espiritual para a pes­
soa que possui o dom. Por outro lado, a
pessoa que profetiza edifica (eleva) a
igreja de que é membro, visto que co­
munica, em linguagem inteligígel, uma
mensagem inspirada pelo Espírito Santo.
A superioridade da profecia sobre o falar
em línguas está na sua utilidade para os
outros.
6 E a g o ra , irm ã o s , se e u fo r te r convosco
fala n d o e m lín g u a s , de q u e v o s a p ro v e ita re i,
se vos n ã o f a ia r ou p o r m eio d e re v e la ç ã o ,
17 Um estudo cuidadoso acerca de falar em línguas e
uma avaliação diferente das fontes seguidas neste tra­
balho se encontrarão no artigo de Johannes Behm,
"Glossa” , no Theological Dictionary of the New Testa-
m a t, ed. Gerhardt Kittel; trad, para o inglês de
Geoffrey W. Bromiley (Grand Rapids: Gerdmans,
1964), I, p. 719-727.
ou de c iê n c ia , ou d e p ro fe c ia , ou d e d o u tri­
n a ? 7 O ra , a té a s c o is a s In a n im a d a s , q u e
e m ite m so m , s e ja fla u ta , s e ja c ít a r a , se
n ão fo r m a re m so n s d istin to s, com o se c o ­
n h e c e rá o q u e se to c a n a fla u ta o u n a c íta r a ?
8 P o rq u e , se a tr o m b e ta d e r sonido in c e rto ,
q u em se p r e p a r a r á p a r a a b a ta lh a ? 9 A ssim
ta m b é m v ó s, se c o m a lín g u a n ã o p ro n u n ­
c ia rd e s p a la v r a s b e m In telig ív eis, com o
se e n te n d e rá o q u e se d iz? p o rq u e e s ta re is
com o q u e fa la n d o a o a r . 10 H á , p o r e x e m ­
plo, ta n ta s e sp é c ie s d e v o zes no m u n d o , e
n e n h u m a d e la s se m sig n ific a ç ã o . 11 Se, pois,
eu n ão so u b e r o sen tid o d a voz, s e r e i e s ­
tr a n g e iro p a r a a q u e le q u e fa la , e o q u e fa la
s e r á e s tra n g e iro p a r a m im . 12 A ssim t a m ­
b é m v ó s, j á q u e e s ta is d esejo so s d e dons
e s p iritu a is , p ro c u r a i a b u n d a r n e le s p a r a a
e d ific a ç ã o d a ig r e ja .
Paulo não despreza o falar em línguas.
Pelo contrário, ele crê que esse hábito
pode nutrir, alimentar, a devoção par­
ticular. Mas ele quer que os coríntios
profetizem mais do que deseja que eles
falem em línguas, porque a profecia faz
uma contribuição para o enriquecimento
espiritual dos outros.
E agora, irmãos (Paulo usa a palavra
“irmãos” muito mais em I Coríntios
do que em qualquer outra de suas cartas
— e fala aqui diretamente a eles), como
serei capaz de lhes dar conselhos espi­
rituais, se eu chegar a vocês falando em
línguas que não podem entender? A úni­
ca maneira pela qual Paulo poderia aju­
dá-los, na sua compreensão espiritual,
seria levando-lhes uma mensagem que
eles pudessem compreender. Eles pode­
riam aprender de uma revelação, men­
sagem dada por Deus (Rom. 2:5; 16:25;
II Cor. 12:1,7; Gál. 2:2). A ciência
(conhecimento) teria valor como a eluci­
dação do significado da vida cristã.
A profecia é valiosa porque expressa a
vontade de Deus através do poder do
Espírito Santo. A doutrina é útil porque
esclarece e aplica o significado do evan­
gelho da atividade de Deus em Jesus
Cristo.
A flauta e a citara precisam emitir
sons distintos, e a trombeta precisa dar
um toque claro; senão, falharão em seus
objetivos. Fazer barulho não é a mesma
coisa do que fazer música. A mesma
coisa acontece com a linguagem. Ela tem
o objetivo de ser meio de comunicação,
e não barreira. Se as pessoas não com­
preendem a língua que é usada, você
não se comunica com elas. O problema
de falar em línguas é, em parte, que ela
não comunica nada aos outros. Falar em
línguas a uma pessoa que não pode en­
tendê-las é como pessoas que falam idio­
mas diferentes falando umas com as ou­
tras. O que Paulo quer esclarecer é que
os coríntios, já que estão desejosos de
dons espirituais, devem desejar ardente­
mente os dons espirituais que sejam me­
lhores para a edificação da Igreja. Falar
em línguas não se enquadra nessa cate­
goria. A profecia sim. O profeta traz
uma mensagem de Deus para o povo.
O que fala em línguas declara uma men­
sagem de si mesmo a Deus (cf. v. 2,14,
16,17).
13 P o r isso , o q u e f a la e m lín g u a , o re
p a r a q u e a p o s s a I n te r p r e ta r . 14 P o rq u e se
e u o r a r e m lín g u a , o m e u e sp írito o ra , sim ,
m a s o m e u e n te n d im e n to fic a in fru tífe ro .
15 Q ue fa z e r, p o is? O ra re i co m o e sp írito ,
m a s ta m b é m o r a r e i c o m o e n te n d im e n to ;
c a n ta re i co m o e sp írito , m a s ta m b é m c a n ­
ta r e i co m o e n te n d im e n to . 16 D e o u tr a m a ­
n e ira , se tu b e n d is s e re s co m o e sp írito ,
com o d ir á o a m é m so b re a tu a a ç ã o de
g ra ç a s a q u e le q u e o c u p a o lu g a r d e in d o u to ,
v isto q u e n ã o s a b e o q u e d iz e s? 17 P o rq u e
re a lm e n te tu d á s b e m a s g r a ç a s , m a s o
o u tro n ã o é e d ifica d o . 18 D ou g r a ç a s a D eu s,
q u e falo e m lín g u a s m a is do q u e v ó s todos.
19 T o d a v ia, n a ig r e ja e u a n te s q u e ro f a la r
cinco p a la v r a s co m o m e u e n te n d im e n to ,
p a r a q u e p o ss a ta m b é m in s tr u ir os o u tro s,
do q u e d ez m il p a la v r a s e m lín g u a .
A referência feita por Paulo a orar
em língua provavelmente significa a mes­
ma coisa do que falar em línguas. Ele
também fala do espírito e do entendi­
mento. Entendimento é uma referência à
faculdade de discriminação inteligente,
ou mente. Abrange o pensamento. A pa­
lavra espírito é mais difícil de se enten­
der, porque Paulo a usa de várias manei­
ras, em vários contextos. No verso 14,
espírito, provavelmente, significa o ho­
mem sob a influência do Espírito Santo.
Não é provável que esta expressão seja
sinônimo de “Espírito Santo” , como se
dá a entender na tradução NEB (ingle­
sa). (Interessante a este respeito é a
interpretação do “Novo Testamento Vi­
vo” .) Dificilmente Paulo estaria referin-
do-se ao Espírito Santo como “meu es­
pírito” (Rom. 8:26).
Outra boa interpretação, contudo, é a
sugestão de Calvino, de que meu espírito
é sinônimo de “dom espiritual” . Em­
bora seja tentador considerar meu espí­
rito como sinônimo de “minhas emo­
ções” , não há em outra parte qualquer
indicação de que Paulo use espírito dessa
forma. Em 2:14-16, ele parece usar espí­
rito e mente como sinônimos.
Orar em língua é exercitar um dom
do Espírito, mas significa orar sem en­
volver a mente. O uso dos dons espiri­
tuais deve envolver a inteligência. De
fato, toda a personalidade deve se envol­
ver no exercício dos dons espirituais,
especialmente na oração.
As declarações feitas por Paulo no
verso 15 são uma repreensão áspera con­
tra os que condenam o uso do entendi­
mento na adoração cristã. A religião
emocional, não informada pelo enten­
dimento, precisa ser rejeitada. A mente
e a emoção se unem no serviço de Deus
(cf. Col. 3:16).
Se você ora com o espírito, mas sem a
mente, os que são “de fora” não podem
dizer amém (“assim seja”) à oração, e
desta forma fazê-la deles. Era costume os
judeus se unirem para dizer “ amém” no
fim das orações (cf. I Crôn. 16:36; Sal.
106:48). Visto que os de fora não podem
entender o que a pessoa que está falando
em línguas está dizendo, como pode en­
dossá-lo?
Não está claro a quem Paulo está-se re­
ferindo no verso 16, quando fala em aque­
le que ocupa o lugar de indouto. Ele pode
estar falando de alguma pessoa que não
tenha o dom de falar em línguas ou de
interpretá-las. Contudo, nos versos 23 a
25, os indoutos são pessoas que ainda não
são crentes, mas estão interessadas na
fé cristã, e freqüentam os cultos de ado­
ração. O que as separa dos incrédulos
(v. 24) é o seu interesse ativo na fé.
A palavra grega traduzida como indouto
é idiotes, e pode significar pessoa pri­
vada, um leigo em contraste com os sa­
cerdotes, ou um cidadão particular, e
não um magistrado.
Falar em línguas pode constituir em
genuína ação de graças para a pessoa que
exercita o dom, mas as outras pessoas
não são edificadas por essa expressão do
dom. É do próprio caráter da adoração
na igreja, que juntos todos os adoradores
sejam capazes de dizer “amém” .
Paulo declara abruptamente que ele
ultrapassava todos os coríntios na capa­
cidade de falar em línguas. Porém ha­
via claras prioridades na igreja. Falar em
línguas não possuía, praticamente, ne­
nhum valor para a igreja como um todo.
O versículo 19 deve remover qualquer
dúvida concernente ao valor excepcional­
mente limitado de falar em línguas. Cin­
co palavras, número redondo, faladas
com inteligência, para ajudar os outros a
crescerem no entendimento espiritual,
são preferíveis a dez mil palavras em lín­
gua. A caracterização apropriada da ava­
liação feita por Paulo, acerca de falar em
línguas na igreja, é chamá-la de devas­
tadora. O seu valor é pessoal; ela não
contribui em nada para os outros. A ma­
neira de Paulo usar a frase para que
possa também instruir os outros indica
que a adoração deve estimular não ape­
nas as emoções, mas também a mente.
20 Ir m ã o s , n ã o s e ja is m e n in o s no e n te n d i­
m e n to ; n a m a líc ia , co n tu d o , se d e c r ia n c i­
n h a s, m a s a d u lto s no e n te n d im e n to . 21 E s tá
e sc rito n a l e i : P o r h o m e n s d e o u tr a s lín g u a s
e p o r lá b io s d e e s tra n g e iro s fa la re i a e ste
p o v o ; e n e m a s s im m e o u v irã o , diz o S en h o r.
22 D e m od o q u e a s lín g u a s sã o u m sin a l,
n ão p a r a os c re n te s , m a s p a r a os in c r é d u ­
lo s; a p ro fe c ia , p o ré m , n ã o é sin a l p a r a os
in c ré d u lo s, m a s p a r a os c re n te s . 23 Se, pois,
to d a a ig r e ja se re u n ir n u m m e s m o lu g a r , e
todos f a la re m e m lín g u a s, e e n tr a r e m in ­
doutos ou in c ré d u lo s, n ã o d irã o p o rv e n tu ra
que e s ta is lo u co s? 24 M a s, se todos p ro f e ti­
z a re m , e a lg u m In créd u lo ou in d o u to e n tr a r ,
p o r to d o s é convencido, p o r to d o s é ju lg a d o ;
25 os se g re d o s do se u c o ra ç ã o se to r n a m
m a n ife sto s; e a s s im , p ro s tra n d o -se so b re o
se u ro s to , a d o r a r á a D e u s, d e c la ra n d o q u e
D eus e s t á v e rd a d e ira m e n te e n tr e vós.
Irmãos (apelo a vocês com base na
fraternidade de Deus, que é um dom de
Deus para nós), não sejam infantis e
incompreensivos em sua maneira de pen­
sar. A ênfase dada, pelos coríntios, ao
falar em línguas indica que o seu enten­
dimento da fé cristã é infantil e imaturo.
Os crentes precisam passar da imaturi­
dade para a maturidade (cf. 3:2).
Na lei (cf. Rom. 3:19) é expressão
usada em sentido geral, visto que a cita­
ção que se segue provém de Isaías 28:11,
12. Há uma clara indicação de que as
pessoas não ouvirão o que se falar em
outras línguas. Não reagirão em fé e
obediência, que é o que Deus deseja dos
homens. O mesmo se aplica ao falar em
línguas. Os homens não reagirão em fé
e obediência, ao ouvir algo que são in­
capazes de compreender. Esta espécie de
enunciação não converte ninguém; deixa
os que são incrédulos precisamente onde
se encontram. Por outro lado, a profecia
ajuda a suscitar e a sustentar a fé. Por­
tanto, pode-se dizer que falar em línguas
é para os incrédulos, porque os endure­
ce, e a profecia é para os crentes. (É im­
portante lembrar que Paulo faz uma ava­
liação positiva de falar em línguas para a
edificação do indivíduo que possui o dom
— cf. 14:4.) Através deste capítulo, Pau­
lo enfatiza que ele tem muito pouco valor
para qualquer outra pessoa. Barrett
(p. 323) assinala que Paulo usa Isaías
8:14 e Isaías 28:16, para demonstrar os
efeitos positivos e negativos possíveis do
mesmo dom.
Se os indoutos, pessoas que ainda não
são crentes, mas estão interessadas, e os
incrédulos, que não manifestaram ne­
nhum interesse profundo na fé cristã,
vierem a um culto de adoração e ouvirem
todos falando em línguas, chegarão à
conclusão de que a igreja toda está louca.
“Não dirão eles que vocês estão loucos?”
(TEV). Outra interpretação possível é
que os indoutos e incrédulos chegarão à
conclusão de que a igreja é possessa de
poderes demoníacos.
Alguns comentaristas crêem que o in­
crédulo e o indouto são usados, no verso
24, para referir-se a uma pessoa só, e não
a duas. Mas é provável que Paulo conti­
nue a referir-se a duas pessoas diferentes.
Se todos profetizarem ou revelarem
alguma palavra, da parte de Deus, ba­
seada no evangelho, o incrédulo ou in­
douto será profundamente influenciado
pelo que for dito. É claro que nem o
incrédulo nem o indouto são crentes.
Porém há esperanças de que, ouvindo a
palavra de Deus, eles serão levados à fé.
Primeiro, o incrédulo ou indouto é con­
vencido de pecado (cf. João 16:8). Ele vê
a si mesmo como pecador diante de
Deus. Em segundo lugar, ele é julgado.
A sua vida interior é focalizada e son­
dada. A sua vida é examinada cuidado­
samente. Ele percebe que é responsável
diante de Deus. Em terceiro lugar, os
segredos do seu coração se tornam mani­
festos pela luz penetrante da verdade.
A realidade de sua vida é revelada, e ele
percebe a sua necessidade espiritual.
Como conseqüência, o incrédulo ou in­
douto cairá com o rosto em terra, em
sinal de penitência e adoração (cf. Gên.
17:3; Luc. 5:12; Apoc. 7:11). O poder da
profecia para induzir uma transformação
básica em sua vida é evidência da pre­
sença de Deus entre os que se reúnem
para adorar (cf. I Reis 18:39; Dan. 2:47;
Is. 45:14; Zac. 8:23). O testemunho de
uma vida transformada e confessante é o
trabalho da evangelização. E este é o
resultado da profecia, proclamação da
palavra de Deus. Porém não há evange­
lização em se falar em línguas.
2) Teste de Domínio Próprio (14:26-36)
26 Q ue fa z e r, po is, irm ã o s ? Q u ando vos
c o n g re g a is, c a d a u m de v ó s te m sa lm o , te m
d o u trin a , te m re v e la ç ã o , te m lín g u a , te m
In te rp re ta ç ã o . F a ç a -s e tu d o p a r a e d ific a ­
ção. 27 Se a lg u é m f a l a r e m lín g u a , fa ç a -se
Isso p o r d ois, ou q u an d o m u lto tr ê s , e c a d a
u m p o r s u a vez, e h a ja u m q u e In te rp re te .
28 M a s , se n ã o h o u v e r in té rp re te , e s te ja
c ala d o n a ig r e ja , e fa le consigo m e sm o , e
c o m D eu s. 29 E fa le m o s p ro fe ta s , d o is ou
tr ê s , e os o u tro s ju lg u e m . 30 M a s, se a o u tro ,
que e s tiv e r se n ta d o , fo r re v e la d a a lg u m a
coisa, ca le -se o p rim e iro . 31 F o rq u e todos
p o d e re is p ro fe tiz a r, c a d a u m p o r s u a v e z ;
p a r a q u e to d o s a p re n d a m , e to d o s s e ja m
con so lad o s; 32 p o is os e sp írito s dos p ro fe ­
ta s e s tã o su je ito s a o s p ro f e ta s ; 33 p o rq u e
D eus n ã o é D eu s d e co nfu são , m a s , s im , de
paz.
C om o e m to d a s a s ig r e ja s d o s sa n to s,
34 a s m u lh e re s e s te ja m c a la d a s n a s ig r e ja s ;
p o rq u e lh e s n ão é p e rm itid o f a l a r ; m a s e s ­
te ja m su b m is s a s com o ta m b é m o rd e n a a
lei. 35 E , Be q u e re m a p re n d e r a lg u m a co isa,
p e rg u n te m e m c a s a a se u s p ró p rio s m a r i­
d o s; p o rq u e é in d eco ro so p a r a a m u lh e r o
f a la r n a ig r e ja . 36 P o rv e n tu ra foi d e v ó s que
p a rtiu a p a la v r a d e D e u s? Ou v eio e la so ­
m e n te p a r a v ó s?
Os versículos 26 a 36 tratam do esforço
de Paulo para colocar alguma ordem no
culto de adoração, manter expontanei-
dade na assembléia e reafirmar a priori­
dade da edificação para toda a igreja.
Quando a igreja se reúne para adorar,
qualquer um dos membros pode ter algo
com que contribuir. Não havia hierar­
quia ministerial em Corinto. Paulo ja ­
mais menciona quaisquer oficiais da
igreja que dirigissem a vida da igreja,
como é costume hoje em dia. Ele fala a
toda a igreja. Mas o que Paulo discute,
nestes versículos, não constitui, necessa­
riamente, uma ordem de culto.
Uma pessoa pode contribuir com um
salmo, seja um salmo do Velho Testa­
mento, seja um hino de composição cris­
tã. Pode ser um destes ou ambos (cf. Col.
3:16; Ef. 5:19). Há evidências de hinos
cristãos engastados no texto do Novo
Testamento (cf. Eg. 5:14; I Tim. 3:16;
Apoc. 5:9,10; 15:3,4). O cântico fazia
parte da adoração judaica e helénica.
Outra pessoa pode trazer uma doutri­
na, um ensinamento que ilumine o signi­
ficado da dedicação cristã. Ainda outra,
que possua o dom de profecia, pode
trazer uma revelação da parte de Deus,
comunicada a ela pelo Espírito Santo.
Outra mais, pode falar em língua, e
outra dará a interpretação do testemu­
nho extático. O que é de significado
fundamental é que cada parte da adora­
ção pública precisa ser para edificação de
toda a igreja.
Não deve haver mais do que três pes­
soas — duas de preferência — a que se
permitir falar em língua, em um culto de
adoração, e elas devem falar uma de
cada vez, ou cada um a por sua vez.
Elas não podem interromperem-se umas
às outras. Uma pessoa interpretará para
todos os que falarem em línguas. A não
ser que esteja presente pelo menos um
intérprete, todos os que falam em línguas
precisam guardar silêncio na igreja. To­
davia, têm liberdade para falar consigo
mesmos e com Deus. Isto pode ser feito
particularmente, em casa, mais tarde,
visto que falar em línguas acarreta enun­
ciação audível. Paulo não tolera tu­
multo vocal na adoração a Deus, nem
mesmo quando se diz que ele é divina­
mente inspirado.
Não mais do que dois ou três profetas
têm permissão para falar em um culto, e
eles devem submeter as suas palavras
ao escrutínio de toda a congregação (ou
dos outros profetas). Será que Paulo
sabia da existência — ele devia saber —
de profetas falsos e verdadeiros (cf. Mat.
7:15; Mar. 13:22; At. 13:6; I João 4:1)?
Se uma pessoa está dando uma profe­
cia e o Espírito Santo comunica alguma
coisa por revelação a outrem, a pessoa
que está dando a profecia precisa silen­
ciar imediatamente e permitir que o se­
gundo orador prossiga. As revelações di­
vinas não são intermináveis. As pessoas
que estão falando em línguas não podem
se interromper umas às outras, mas os
profetas estão livres para interromper os
outros profetas. Estas instruções são no­
táveis. É certo que o falar em línguas
perdeu algo do seu caráter sensacional
e tumultuoso por causa destas restrições,
e a profecia tornou-se muito mais clara,
menos prolixa e mais compreensiva.
Paulo sugere que todos os coríntios
tinham a liberdade de profetizar — pre­
sumindo que eles haviam recebido o dom
da profecia. Deus faz profetas; o homem
não. A liberdade de expressão é dada
onde o dom é dado. Este versículo pre­
cisa significar que o dom da profecia é
exercido por mais do que um grupo de
seletos (cf. 12:28,29). Pelo menos Paulo
está dizendo que a profecia se relaciona
com uma mensagem que Deus dá, e
Deus tem a liberdade de escolher os seus
mensageiros como quer. Conseqüente­
mente, qualquer crente pode receber o
dom da profecia (cf. At. 2:16-18). Deus
tem a liberdade de dar, a pessoas dife­
rentes, mensagens diferentes, em oca­
siões diferentes. É muito improvável, to­
davia, que todos os membros da igreja
em Corinto exercessem o dom da pro­
fecia.
Pois os espíritos dos profetas estão
siyeitos aos profetas. Os homens redi­
midos que empregam os seus dons de
profecia, estão se controlando o tempo
todo. Não ficam fora de si, em êxtase.
Ninguém pode dizer que “ficou fora de
si” por causa de sua experiência espiri­
tual. As pessoas não recebem tanta reli­
gião que percam os sentidos! Porque
Deus não é Deus de confusão, mas, sim,
de paz. O Deus de Jesus Cristo não
inspira confusão na adoração. Se várias
pessoas falarem em línguas ao mesmo
tempo e várias outras profetizarem em
uníssono, o resultado é desordem, e isto
não provém de Deus.
A expressão como em todas as igrejas
dos santos, na última parte do verso 33,
tem uma redação um tanto desajeitada,
quando, devido à pontuação, faz-se dela
uma parte ou uma introdução do verso
34, como aqui e na maioria das tradu­
ções modernas. A decisão a respeito des­
te assunto não é fácil.
Alguns manuscritos colocam os versos
34 e 35 depois do verso 40. Alguns eru­
ditos sustentam que estes versículos estão
baseados em I Timóteo 2:11,12, e podem
ter-se originado como glosa marginal.
Eles crêem que ele pode ter sido inserido
no texto. Certamente, pelo menos na
superfície, há uma contradição entre 11:
5,13 e os versos 33 a 35. É possível que
Paulo tenha mudado de idéia a respeito
de permitir que as mulheres falassem na
igreja, em algum tempo entre o em que
escreveu os capítulos 11 e 14. Ê impro­
vável que ele esteja se referindo, em 11:5,
a pequenos grupos, e, em 14:34,35, a
toda a igreja. Porém é mais provável que
11:5,13, se refira a uma coisa, e 14:34,35
a algo diferente.
Está claro que Paulo permitia que as
mulheres falassem na igreja, de acordo
com 11:5,13. Elas tinham liberdade para
se empenharem em profetizar, porque é
Deus que dá a sua palavra profética em
revelação, a quem ele escolher (cf. At.
21:9). Portanto, os homens não podem
reduzir a liberdade do Espírito Santo.
Por outro lado, as mulheres não tinham
permissão para se envolverem em con­
versas e perguntas indevidas e violarem
as regras de decoro social daquela era,
que encorajavam uma presença quieta e
sem ostentação das mulheres em reu­
niões públicas. Paulo simplesmente está
seguindo o costume judeu e romano,
amplamente aceito, na sua insistência
para que as mulheres não interviessem,
de moto próprio na adoração pública.
Portanto, não há razão convincente para
considerar os versos 34 e 35 uma7interpo­
lação ou em posição deslocada.
A subordinação das mulheres, como é
indicado aqui, de que a lei fala, é talvez
uma referência a Gênesis 3:16. Paulo
recomenda que elas não façam perguntas
em público, mas na privacidade dos seus
lares. Porque é indecoroso para a mulher
falar na igreja, porque as mulheres que
davam valor ao seu caráter não falavam
em público nem no mundo romano nem
no judaico. (Para um esclarecimento da
maneira de Paulo entender o lugar da
mulher na igreja, veja o comentário sobre
11:2-16).
 No verso 36, Paulo faz perguntas di­
retas: A palavra de Deus, a revelação no
evangelho, se originou com vocês, corín-
tios? São vocês os que decidem, portan­
to, se algumas mulheres devem ter per­
missão para falar na igreja? São vocês a
única igreja que recebeu a interpretação
correta do lugar das mulheres na assem­
bléia pública? Aqui há uma repreensão
bem áspera, que prevê uma resposta
mansa e apropriada.
3) Teste de Decência e Ordem (14:37-40)
37 Se a lg u é m se c o n sid e ra p ro fe ta , ou
e s p iritu a l, re c o n h e ç a q u e a s c o isa s q u e vos
e screv o sã o m a n d a m e n to s d o S enhor.
38 M as, se a lg u é m ig n o ra isto , e le é ig n o r a ­
do. 39 P o rta n to , irm ã o s , p ro c u ra i co m zelo
o p ro fe tiz a r, e n ã o p ro ib a is o f a l a r e m lín ­
g u as. 40 M as fa ç a -se tu d o d e c e n te m e n te e
com o rd e m .
Paulo está convencido de que as pes­
soas que dizem ter dons espirituais de­
vem reconhecer que o que ele escreve é
mandamento do Senhor. Ele não quer
dizer que está citando palavras de Jesus,
mas que está interpretando corretamente
a mente de Cristo. As pessoas que não
estiverem dispostas a aceitar o seu jul­
gamento não devem ser reconhecidas
pela igreja. É possível que ele esteja
dizendo que tais pessoas não serão reco­
nhecidas por Deus, no dia do julgamento
(cf. I João 4:6).
A profecia deve ser encorajada; falar
em línguas deve ser tolerado. É óbvio que
Paulo vê uma dramática diferença entre
o valor dos dois dons. As línguas não são
proibidas, se um intérprete estiver pre­
sente.
É erro presumir que Paulo está pres­
crevendo uma ordem de culto para todas
as suas igrejas e para sempre, quando
fez estas observações aos coríntios. Ele
está tentando regular o uso do dom de
línguas, e não introduzi-lo. Ele está pro­
curando criar ordem e serenidade no
culto de adoração, sem eliminar uma vi­
brante expontaneidade. Tanto a liberda­
de como a ordem servem à igreja, em seu
culto de adoração. Na igreja, faça-se
tudo decentemente e com ordem. A ex­
citação e correria da liberdade entusiás­
tica na adoração não pode degenerar em
tumulto fanfarrão, em excitamento com
estardalhaço ou em estravagância emo­
cional.
IX. O Problema da Ressurreição
de Cristo e dos Crentes
(15:1-58)
A importância do capítulo 15 de I Co­
ríntios dificilmente pode ser exagerada-
mente enfatizada. Ele contém o mais
antigo relato extenso, escrito sobre a res­
surreição de Jesus, e o mais antigo tes­
temunho cristão preservado, concernente
à ressurreição dos crentes.
A despeito dos brilhantes esforços dos
eruditos, continua impossível certificar-
se de que Paulo está se opondo a um só
ponto de vista unificado, em sua extensa
exposição no capítulo 15. Mais prova­
velmente, há várias opiniões na igreja
em Corinto em relação à ressurreição.
Não está claro se os coríntios pediram
informações a respeito da ressurreição ou
se Paulo as deu voluntariamente.
É importante tratarmos de alguns as­
suntos importantes, antes de mergulhar­
mos no texto. Em I Coríntios, está Paulo
se opondo ao ponto de vista grego que se
apegava à imortalidade da alma e rejei­
tava a ressurreição do corpo (cf. At. 17:
18-32)? Estará ele argumentando contra
os coríntios que não se opunham à res­
surreição de Cristo, mas se levantavam
contra a ressurreição dos mortos? Es­
tará ele resistindo aos que negavam a
ressurreição de Cristo, mas criam no
Cristo exaltado e que ascendeu ao céu?
Estará ele refutando os coríntios que
criam que a ressurreição já acontecera
para eles (cf. II Tim. 2:18)?
Será que Paulo expressa o testemunho
da ressurreição, em I Coríntios 15:3-11
a fim de provar a ressurreição de Cristo,
ou para reafirmar a morte de Cristo
para aqueles que enfatizavam exagera-
damente apenas a sua ressurreição? De­
clara ele a realidade da ressurreição, em
parte, relatando o que algumas testemu­
nhas ainda vivas podiam confirmar, sem
fazer nenhum esforço para provar a res­
surreição? O entendimento de Paulo
afasta-se da prioridade da fé, quando ele
afirma a existência de testemunho his­
tórico? Em que sentido a ressurreição de
Cristo é um evento histórico.
As respostas para estas perguntas im­
portantes não são fáceis. Porém algu­
mas observações são necessárias, a res­
peito da exposição que aparece neste
comentário. A exegese baseia-se no pres­
suposto de que alguns coríntios negavam
tanto a ressurreição do corpo como a
ressurreição como acontecimento futuro.
Em resposta a eles, Paulo insiste na
ressurreição passada de Jesus, em um
corpo transformado (novo), e na ressur­
reição futura dos crentes, em corpos
transformados (novos).
Provavelmente, a mais ferrenha oposi­
ção a Paulo, neste assunto, provinha dos
coríntios gnósticos, que davam ênfase
exagerada à sua existência presente,
exaltada e ressurrecta, e rejeitavam uma
ressurreição corporal futura para si mes­
mos ou para outros crentes. A referên­
cia em II Timóteo 2:17,18 pode repre­
sentar a posição deles. Os oponentes de
Paulo, em Corinto, parecem ter espiri­
tualizado a ressurreição. Pelo menos eles
não entendiam a importância da ressur­
reição do corpo, embora devessem crer
muito em uma vida após a morte.
As religiões de mistério, que eram bem
conhecidas em Corinto, garantiam a
imortalidade mediante a iniciação na sei­
ta. Desde o tempo de Platão (c. 427-347
a.C.), os gregos criam na imortalidade
da alma e na mortalidade do corpo.
Sêneca apresenta o mesmo ponto de vis­
ta. Os coríntios não pareciam estar muito
preocupados com qualquer ressurreição
do corpo no futuro. Eles já estavam
vivendo numa exaltada vida ressurrecta
— por que se preocupar com uma futura
ressurreição do corpo? A ressurreição do
corpo certamente não fazia parte dos
seus antecedentes, em termos de pensa­
mento recebido no mundo grego.
Paulo evita qualquer ligação com a
ressurreição da carne ou com uma imor­
talidade natural da alma. É apropriado
salientar-se que imortalidade da alma é
assunto encontrável em obras judaicas,
como o Livro da Sabedoria (3:4) e IV M a-
cabeus 9:21,22. O próprio Paulo fala da
imortalidade em 15:54. Mas a ressurrei­
ção permanece como ponto de vista ju ­
daico generalizado. E Paulo, em 15:54,
não considera a imortalidade como qui­
nhão do homem por sua própria nature­
za, mas pela graça de Deus. Ele crê que
o próprio Jesus foi levantado dentre os
mortos por um ato de Deus. Tanto a fé
quanto a história estão no cerne da cren­
ça cristã na ressurreição de Cristo.
Tanto a cruz de Cristo quanto a sua
ressurreição estão inseparavelmente liga­
das, na fé de Paulo e de todos os fiéis,
que colocam a sua confiança “ naquele
que dos mortos ressuscitou a Jesus nosso
Senhor; o qual foi entregue por causa das
nossas transgressões, e ressuscitado para
a nossa justificação” (Rom. 4 :24b,25).
No capítulo 15, Paulo trata diretamen­
te apenas da ressurreição dos crentes.
As perguntas referentes à relação deste
capítulo com as passagens acerca da res­
surreição, nos quatro Evangelhos e em
II Coríntios 5:1-10, que alguns estudio­
sos crêem contenham uma alteração da
perspectiva de Paulo, precisam ser es­
tudadas nos comentários a essas passa­
gens.
1. A Tradição Histórica (15:1-11)
1 O ra , e u v o s le m b ro , irm ã o s , o ev an g e lh o
que j á vos a n u n c ie i; o q u a l ta m b é m r e c e ­
b e ste s, e no q u a l p e rs e v e ra is , 2 p elo q u a l
ta m b é m sois sa lv o s, se é q u e o c o n se rv a is
ta l com o vo-lo a n u n c ie i; se n ã o é q u e c re s te s
e m vão.
3 P o rq u e p rim e ira m e n te vos e n tre g u e i o
que ta m b é m r e c e b i: q u e C risto m o r re u p o r
nossos p e c a d o s, se g u n d o a s E s c r itu r a s ;
4 que foi s e p u lta d o ; q ue foi re s su sc ita d o ao
te rc e iro d ia , segu n d o a s E s c r itu r a s ; 5 que
a p a re c e u a C efas, e d ep o is a o s d o ze; 6 d e ­
pois a p a re c e u a m a is d e q u in h en to s irm ã o s
d u m a v ez, d o s q u a is v iv e a in d a a m a io r
p a rte , m a s a lg u n s j á d o rm ira m ; 7 dep o is
a p a re c e u a T iag o , e n tã o a todos os a p ó sto ­
lo s; 8 e p o r d e rr a d e iro d e todos a p a re c e u
ta m b é m a m im , com o a u m a b o rtiv o . 9 P o is
e u sou o m e n o r dos ap ó sto lo s, q u e n e m sou
digno de s e r c h a m a d o ap ó sto lo , p o rq u e p e r ­
seg u i a ig r e ja d e D eu s. 10 M a s p e la g r a ç a
d e D eus sou o q u e so u ; e a s u a g r a ç a p a r a
com igo n ão foi v ã , a n te s tr a b a lh e i m u ito
m a is do q u e todos e l e s ; to d a v ia , n ã o e u , m a s
a g ra ç a d e D eu s qu e e s tá com igo. 11 E n tã o ,
ou s e ja e u ou s e ja m e le s , a s s im p re g a m o s e
a s s im c re s te s .
Paulo começa lembrando o que os
irmãos de Corinto já sabiam, porque fora
ele quem pregara para eles (cf. Gál.
1:11). Ele recorda os termos em que
pregara o evangelho: a atividade de Deus
na história, mediante Jesus Cristo, para a
salvação dos homens. Os coríntios rece­
beram o evangelho, e sobre ele a sua fé
permanecia firme (cf. Rom. 5:2). Por ele
foram eles salvos (“sendo salvos”). Paulo
usa o tempo presente do verbo que mos­
tra ação contínua. Ele fala de salvação
tanto presente (cf. 1:18) como futura
(cf. 3:15). Se os coríntios perseveram
no que ele pregou, inclusive na sua ma­
neira de entender a ressurreição, e a
construção, no grego, indica que ele pre­
sume isto, eles podem ter a certeza da
salvação. Se os coríntios rejeitarem a
mensagem, terão crido em vão. O assun­
to é tão grave quanto a própria salvação.
As expressões vos entreguei e recebi
constituem em conhecida fórmula oficial
judaica, usada para referir-se à recepção
e transmissão de tradições, paradosis
(cf. o comentário sobre 11:23). Primeira­
mente significa “que é da maior impor­
tância” . Paulo empresta a maior impor­
tância à verdade que ele recebeu, relativa
à ressurreição de Jesus. O que ele rece­
beu estava arraigado na história, e não
era simplesmente uma idéia.
O que Paulo recebeu da igreja primi­
tiva é expresso em uma série de frases,
que têm o caráter de uma confissão de fé.
A palavra grega hoti, que significa
“que” , é usada quatro vezes nos versos
3 a 5: ela constitui o equivalente às as­
pas, e sugere uma fórmula. Há também
numerosas expressões idiomáticas, que
indicam que Paulo está usando palavras
que não usa ordinariamente (cf. J. Jere­
mias, p. 101-103). Em suma, o verso 3b
parece ser o início de uma citação, e as
palavras aos doze, no verso 5, parecem
ser o fim da citação. A palavra hoti não
é usada no verso 6. Não está claro se essa
fórmula confessional vai além do verso 5.
Algumas pessoas sugerem que ela se es­
tende até o fim do verso 7. Outras crêem
que ela pára no verso 4.
Nesta passagem (v. 3-5), Paulo relem­
bra o conteúdo do evangelho, que fora
pregado pelos cristãos antes de Paulo
ter-se convertido, e que ele pregara aos
coríntios (cf. v. 11). A fé no poder sal­
vador da morte e ressurreição de Jesus
não se originou com Paulo. Era mais
antiga do que a sua própria conversão.
Quando ensinou-se a Paulo o conteúdo
da confissão que ele cita? Em Damasco
(cf. At. 9:19; Gál. 11:17)? Em Jerusalém
(cf. Gál. 1:18)?
Antes de Paulo ter-se tomado cristão,
a igreja proclamava o evangelho, as boas-
novas da atividade salvadora de Deus em
Jesus Cristo através de sua morte e res­
surreição, e a interpretava como o cum­
primento da Escritura. Os versículos 3b a
5 constituem confissão de fé, que prova­
velmente, se originou entre os cristãos dé
Jerusalém, que falavam aramaico, e re­
cebeu a sua formulação presente nos cír­
culos cristãos do mundo de fala grega.
(A vigorosa defesa, feita por Paulo, de
sua pregação, em Gálatas 1:11,12, não
significa que ele não aprendera nada dos
outros cristãos, acerca da vida, morte e
ressurreição de Jesus, mas que a fonte
de sua interpretação dessas realidades
era uma revelação de Jesus Cristo.)
A confissão (v. 3b-5) é composta de
duas linhas longas e paralelas, cada uma
das quais seguida por uma linha curta.
 A palavra hoti (que) introduz cada uma
das linhas. A primeira linha é: que Cris­
to morreu por nossos pecados, segundo
as Escrituras (cf. At. 2:23,24; 3:15;
4:10; 5:30). A morte de Cristo tem signi­
ficado central e salvador para a fé (cf.
Gál. 1:4; Rom. 5:6; 8:3; I Tess. 5:10).
A sua morte trata dos pecados do ho­
mem, e, desta forma, afeta as relações do
homem com um Deus santo (cf. Rom.
3:21-26; II Cor. 5:18-21; Gál. 3:12-14).
Paulo não indica que passagens da
Escritura são aludidas em sua declaração
segundo as Escrituras. Talvez ele esteja
se referindo a Deuteronômio 21:23 e
Isaías 53:5-12. Esta expressão pode ser
usada não em referência a versículos
específicos, mas em uma conexão ampla
com as promessas de Deus, no Velho
Testamento, de redimir o seu povo.
A apologética cristã do Novo Testamento
tem um lugar para a discussão do cum­
primento da profecia.
Que foi sepultado é uma maneira de
expressar o fato de que Jesus realmente
morreu. As únicas pessoas que são se­
pultadas são as que estão mortas, como
são lembrados de maneira indireta os
que duvidam da realidade da morte de
Jesus. O sepultamento é uma forma de
aceitar o caráter final da morte (cf. Mar.
15:42-47).
Que foi ressuscitado é uma afirma­
ção central do Novo Testamento. Os ver­
bos morreu e sepultado estão no tempo
aoristo, no texto grego, e se referem
simplesmente ao que aconteceu. Mas o
verbo foi ressuscitado está no pretérito
perfeito no texto grego, e significa que
Jesus foi ressuscitado e permaneceu res
suscitado dentre os mortos. (O pretérito
perfeito encontra-se também em 15:12,
13,14,16,17 e 20.) Paulo crê firmemente
na importância da ressurreição (cf. Rom.
4:25; Gál. 1:1; II Cor. 1:9). Freqüente­
mente, ele fala da ressurreição como ato
de Deus (cf. 15:15; 6:14; Gál. 1:1; I Tess.
1:10; Col. 2:12).
Não podemos saber com certeza se ao
terceiro dia deve ser lido com foi ressus­
citado ou com segundo as Escrituras.
A expressão ao terceiro dia difere um
pouco do que se encontra nos Evangelhos
(Mat. 12:40; Mar. 8:31; 9:31). Oséias
6:2 é a passagem do Velho Testamento
mais provável a que pode se referir esta
declaração (cf. Sal. 16:10; Is. 25:8).
O terceiro dia é uma lembrança de que,
em determinado dia do calendário crono­
lógico do homem, Deus ressuscitou Jesus
dentre os mortos. Em um certo dia Jesus
morreu; a sua vida terrena chegou ao
fim. Em um certo dia ele foi ressuscita­
do; tornou-se vivo outra vez.
Ele apareceu a Cefas (cf. Mar. 16:7;
Luc. 24; 34; João 21:1-23). Paulo não faz
quaisquer menções a aparecimentos às
mulheres (cf. João 20:1-18). Simão Pe­
dro, que negou Jesus (cf. Mar. 14:66-
72), e que não pôde fugir de sua devo­
ção a ele, mesmo depois de tê-lo negado
(cf. João 20:1-10), é um dos três indiví­
duos, mencionados por Paulo, a quem o
Senhor ressuscitado apareceu. Os outros
dois são Tiago e o próprio Paulo.
Os doze é um nome especial para os
doze discípulos de Jesus (cf. Mat. 28:16-
20; Luc. 8:1; 22:3; João 20:19-24). Na
verdade, ele nem sempre apareceu aos
doze, visto que nem sempre todos esta­
vam juntos; seguramente, Judas não es­
teve presente em nenhuma dessas oca­
siões (cf. Mat. 27:3-5; João 20:19-23).
Paulo nunca fala dos “doze” em outro
lugar. Provavelmente, a fórmula confes­
sional que Paulo havia recebido dos dis­
cípulos cristãos primitivos continha essa
expressão. E, provavelmente, a confissão
termina no verso 5.
Ele apareceu a mais de quinhentos ir­
mãos duma vez, declara Paulo. Nenhu­
ma aparição como essa é mencionada em
qualquer parte nos Evangelhos. Alguns
eruditos identificam esta aparição, sem
base adequada, com a multidão que re­
cebeu o dom do Espírito Santo no dia de
Pentecostes (cf. At. 2:1-41). É notável
que Paulo fala da aparição a mais de
quinhentas pessoas como tendo ocorrido
só duma vez. Claramente, o fato de que
a maior parte deles vive ainda indica que
eles eram capazes de testificar da reali­
dade da ressurreição de Cristo. Ele apa­
receu a eles.
Alguns deles, obviamente, depois de
mais dé vinte anos, já dormiram. Paulo
usa esta belíssima expressão para referir-
se à morte, tanto em I Coríntios como
em I Tessalonicenses (4:13-15). Precisa
ser lembrado que Paulo não considera a
morte como amiga do homem, porém
como sua inimiga (15:26). O sono pode
ser considerado como um eufemismo
para referir-se à morte somente em lem­
brar que Cristo venceu a morte. O sono
que é morte é amigo apenas do homem
redimido.
Provavelmente, o Tiago a quem Cristo
apareceu era seu irmão, que assumiu um
papel muito proeminente na igreja pri­
mitiva, de acordo com o livro de Atos (cf.
15:13-21). Nenhum aparecimento a Tia­
go é relatado nos Evangelhos canônicos,
mas essa aparição é contada no Evange­
lho apócrifo aos Hebreus.
A quem Paulo se refere quando fala de
aparecimento a todos os apóstolos é obs­
curo. É possível, mas improvável que ele
esteja se referindo novamente aos doze
apóstolos como um grupo. Mais prova­
velmente ele tem em mente um grupo
diferente, não dos doze (cf. o comentário
referente a apóstolos, em 1:1; 9:1,2;
12:28). Não há maneira se determinar
quantas pessoâs Paulo designa como
apóstolos.
Por derradeiro em importância ou cro­
nologicamente? Provavelmente, Paulo
quer dizer derradeiro cronologicamente,
visto que começa usando um advérbio
grego: eita (“então” , que a IBB tradu­
ziu como “ depois”) no verso 5b, e o usa
até o verso 7. O fato de Paulo usar
“então” pode significar que ele está
apresentando as aparições do Senhor res­
suscitado em ordem cronológica. Mas é
impossível saber em que ordem crono­
lógica todas as aparições do Senhor res­
suscitado mencionadas nos Evangelhos e
neste capítulo devem ser colocadas. Pau­
lo menciona três aparecimentos a indi­
víduos, e três aparecimentos a grupos.
Há um total de onze aparecimentos men­
cionados nos Evangelhos e em I Corín­
tios. Paulo menciona apenas seis deles.
Ele não faz referência à ascensão (At.
1:9). Não houve mais aparições do Se­
nhor ressurrecto depois da sua aparição a
Paulo.
Paulo se considera como um abortivo.
Infelizmente, não há explicação satisfa­
tória para o que ele está dizendo. A difi­
culdade é indicada pela variedade de
traduções da palavra grega envolvida:
ektromati. Esta palavra significa “abor­
to” ou “prematuro” ou “nascimento
fora de tempo” . Em que sentido Paulo
pode estar-se referindo a si mesmo por
um desses termos? Talvez os seus adver­
sários, acumulando zombaria contra ele,
se referissem a ele causticamente com
essa palavra (cf. II Cor. 10:10). Ele era
um excêntrico física e teologicamente —
assim devem ter eles dito. Possivelmente,
ele se refere à sua súbita experiência de
conversão.
Paulo coloca a aparição do Senhor
ressurrecto a ele na mesma base das
aparições a todos os outros. Não há dife­
rença na realidade ao usar o verbo apa­
receu, que é usado nos versículos 5 a 8?
Podemos apenas responder que o Senhor
ressuscitado, na verdade, apareceu. Não
é uma questão de fé entre aqueles a quem
ele apareceu, mas a realidade do apare­
cimento em si. O Senhor ressurrecto
apareceu; não foi alucinação nem visão
subjetiva.
Paulo admite francamente que ele ou-
trora perseguira os cristãos (cf. Gál.
1:13). Só a graça de Deus pode explicar
o seu apostolado. Quando pondera acer­
ca da graça de Deus, em sua vida, ele
está pronto para dar a si mesmo a quali­
ficação de um homem inteiramente in­
digno, porque perseguiu a igreja de
Deus. O que o toma digno é a graça de
Deus, que fez dele um apóstolo, e não o
julgamento dos homens que zombam
dele (cf. II Cor. 11:5; 12:11), e nem a
inferioridade dos seus trabalhos. Paulo
deu a sua vida a Deus, que operou com
grande poder através dele (cf. II Cor,
11:23-27). Visto que Paulo perseguira os
cristãos em Jerusalém (cf. At. 8:1; 9:1,2;
22:4,5) e estava a caminho de Damasco,
para persegui-los, quando foi convertido
(At. 9:1,2), parece que Paulo usou o
termo igreja de Deus em sentido univer­
sal (cf. Gál. 1:13).
A mensagem apostólica é a mesma,
seja quem for que a pregue. Um após­
tolo não é a fonte do evangelho, mas seu
canal. O importante é que o evangelho
fala da atividade de Deus na morte e
ressurreição de Cristo para a salvação
dos homens. Esse evangelho apostólico é
o evangelho que Paulo pregou quando
estava em Corinto, e é o que ele pregou
por onde andou. Esse evangelho é o evan­
gelho em que os coríntios creram. _ morte de Cristo (15:17), ou a justificação
2. A Importância da Ressurreição
(15:12-19)
12 O ra , se se p re g a q ue C risto foi re s s u s c i­
ta d o d e n tre os m o rto s, com o d iz em a lg u n s
e n tre v ó s qu e n ã o h á re s s u rre iç ã o d e m o r ­
to s? 13 M a s se n ã o h á re s s u rre iç ã o d e m o r­
tos, ta m b é m C risto n ão foi re s su sc ita d o .
14 E , se C risto n ã o foi re s s u s c ita d o , logo é
v ã a n o ss a p re g a ç ã o , e ta m b é m é v ã a
v o ssa fé. 15 E a s s im so m o s ta m b é m c o n si­
d e ra d o s com o fa ls a s te s te m u n h a s d e D eu s,
pois te s tific a m o s de D eu s que e le re s s u s c i­
to u a C risto , ao q u a l, p o ré m , n ão re s s u s c i­
tou, se , n a v e rd a d e , os m o rto s n ã o sã o r e s ­
su sc ita d o s. 16 P o rq u e , se os m o rto s n ão são
re s su sc ita d o s, ta m b é m C risto n ã o foi r e s ­
su sc ita d o . 17 E , se C risto n ão foi re s s u s c ita ­
do, é v ã a v o ssa fé, e a in d a e s ta is nos v ossos
p ecad o s. 18 L ogo, ta m b é m os q u e d o rm ira m
e m C risto e s tã o p e rd id o s, 19 Se é só p a r a
e s ta v id a qu e e sp e ra m o s e m C risto , so m o s
de todos os h o m en s os m a is d ig n o s d e l á ­
g rim a .
Alguns dos coríntios estavam dizendo
que não há ressurreição de mortos. Tal
afirmação dá um golpe mortal no cora­
ção da fé cristã (cf. Rom. 10:9). O evan­
gelho declara que Cristo foi ressuscitado
dentre os mortos. (O verbo ressuscitado
está no pretérito perfeito, no grego, e
significa “ ele foi ressuscitado e perma­
nece ressuscitado”. Nos nove versículos
seguintes, Paulo usa a mesma palavra no
pretérito perfeito em seis vezes diferen­
tes.) Se os coríntios sabem o que signi­
fica crer em Cristo como ressurrecto den­
tre os mortos, é impossível dizer que os
homens não são ressuscitados dentre os
mortos.
Por outro lado, se não há ressurreição
de mortos, se tal coisa simplesmente não
pode ocorrer, então, obviamente, Cristo
não foi ressuscitado. A pregação apostó­
lica centraliza-se na cruz e na ressur­
reição. Se de fato Cristo não foi ressus­
citado dentre os mortos, essa pregação
é vã e crer nela é coisa vã. Sem uma
ressurreição, estamos sem um evangelho.
Por quê? Porque a pregação não possuirá
a nota de vitória sobre a derrota (15:55),
ou a certeza de redenção através da
do senhorio de Cristo (Rom. 1:14), ou
a certeza da aproximação da salvação
messiânica (15:20). A ressurreição de
Cristo nos assegura que a sua morte
significa a nossa vida. Recebemos o po­
der do Espírito de Deus através da fé,
para confirmar, para nós, a certeza de
nossa salvação. Negar a ressurreição é
rejeitar “o poder de Deus para salvação
de todo aquele que crê” (Rom. 1:16).
Se, na verdade, os mortos não são
ressuscitados, segue-se que Paulo e os
outros apóstolos estavam representando
Deus de maneira errada. Eram falsos
profetas, porque pregavam que de fato
Deus ressuscitou Cristo dentre os mortos.
Os coríntios firmavam sua fé na morte e
ressurreição de Cristo; desta forma, eles
tinham a certeza da salvação do pecado.
Porém, sem dúvida, se Cristo não ressus­
citou dentre os mortos, não há nenhum
remédio eficiente que esteja disponível
para tratar do pecado, “ainda estais nos
vossos pecados” ; vocês ainda não têm
uma resposta para o seu maior problema
nesta vida presente: os seus pecados.
Não apenas isto, mas também não há
resposta para a maior preocupação
quanto a uma vida futura; não há ne­
nhuma vida significativa porvir. Os que
dormiram em Cristo estão perdidos. Se a
fé cristã não propicia um presente sig­
nificativo e um futuro significativo, ela
não tinha verdadeiro significado para os
coríntios e não o tem para ninguém mais.
Ninguém pode dormir “em Cristo” , se o
próprio Cristo pereceu. Mas o que é ver­
dade é exatamente o oposto: a morte é
um sono significativo para os que estão
em Cristo. A morte é o maior inimigo do
homem (v. 26), mas em Cristo o seu
aguilhão é tirado (v. 55).
O significado do verso 19, versículo
difícil de se traduzir, é: “Se a nossa
esperança em Cristo é boa apenas para
esta vida, e nada mais, então somos mais
dignos de piedade do que qualquer outra
pessoa em todo o mundo” (TEV). O que
faz com que o crente seja tão digno de
piedade — se Cristo não foi ressuscitado
dentre os mortos — é o fato de que ele
emprega toda a sua dedicação à convic­
ção de que terá um bendito futuro com
Cristo, mas de fato não terá absoluta­
mente nada. Ele é “o mártir de uma
ilusão” (Héring). Ele precisa ter fé que
possui um futuro. Ele não tem fé a fim de
assegurar um futuro; ele tem fé que lhe
assegura um futuro. Sem a ressurreição
de Cristo não há fé com um futuro.
3. A Ordem dos Acontecimentos
(15:20-28)
20 M as n a re a lid a d e C risto foi re s s u s c ita ­
do d e n tre os m o rto s, sen d o e le a s p rim íc ia s
dos q ue d o rm e m . 21 P o rq u e , a s s im com o
p o r u m h o m e m veio a m o rte , ta m b é m p o r
u m h o m e m veio a re s s u rre iç ã o d o s m o rto s.
22 P o is com o e m A dão todos m o r re m , do
m esm o m odo e m C risto todos s e rã o v iv ific a ­
dos. 23 C a d a u m , p o ré m , n a s u a o rd e m :
C risto a s p rim íc ia s , dep o is os q u e sã o d e
C risto, n a s u a v in d a . 24 E n tã o v ir á o fim ,
guando e le e n tr e g a r o re in o a D eu s o P a i,
q uando h o u v e r d e stru íd o todo do m ín io , e
toda a a u to rid a d e e todo p o d e r. 25 P o is é
n e c e ssá rio q u e e le re in e a té q u e h a ja p o sto
todos os in im ig o s d eb aix o d e se u s p é s.
36 O ra , o ú ltim o in im ig o a s e r d e stru íd o é
i m o rte . 27 P o is se lê : T o d a s a s c o isa s
sujeitou d eb aix o d e se u s p é s. M a s, q u an d o
diz: T o d as a s co isa s lh e e stã o s u je ita s , c la ro
e s tá q u e se e x c e tu a a q u e le q u e lh e su je ito u
to d a s a s c o isa s. 28 E , q u a n d o to d a s a s c o isa s
lh e e s tiv e re m s u je ita s , e n tã o ta m b é m o p r ó ­
p rio F ilh o se s u je ita r á à q u e le q u e to d a s a s
c o isas lh e su je ito u , p a r a q u e D eu s s e ja tudo
e m todos.
Os crentes não precisam se desesperar,
porque Cristo foi ressuscitado dentre os
mortos. Paulo freqüentemente usa a pa­
lavra mas para introduzir importantes
afirmações (cf. Rom. 3:21; 6:22). Cristo
é chamado de primícias, o primeiro feixe
da colheita, que é oferecido no Templo
(cf. Lev. 23:10-14). As primícias da co­
lheita são uma promessa de que mais
colheita está por vir. A ressurreição de
Cristo é uma garantia e uma segurança
da nossa (cf. Rom. 8:23; 11:16). No verso
20, pode existir uma alusão à oferta do
primeiro feixe da colheita no dia imedia­
to ao sábado posterior à Festa da Páscoa,
isto é, no dia em que Jesus ressuscitou
dentre os mortos. Num sentido genuíno,
o fim dos tempos começou quando Cristo
foi ressuscitado dentre os mortos. As pes­
soas a quem Jesus ressuscitou dentre os
mortos, de acordo com os Evangelhos,
tiveram que morrer de novo. Não foi
assim com o Senhor ressurrecto, que
inaugurou uma nova humanidade.
Nos versos 21 e 22, Paulo apresenta o
tema do primeiro e do último Adão (cf.
v. 45-49; Rom. 5:12-21). O primeiro
Adão introduziu a morte para a humani­
dade, por causa do seu pecado, como
resultado de que todos os homens vivem
em um mundo egocêntrico e pecaminoso,
tendo a morte como seu quinhão (cf.
Rom. 5:12,19). O pecado de Adão acar­
retou a morte para todos os homens
(cf. Gên. 3:17-19), porque todos os ho­
mens, de acordo com o princípio de
solidariedade corporativa, em certo sen­
tido, estão em Adão.
O último Adão, Cristo, não leva os
homens à morte, mas lhes oferece a vida
através de Sua ressurreição. Através da
fé, todos os homens podem estar em
Cristo, e, desta forma, ser membros do
seu corpo (cf. 12:27; R o^. 6:3-11).
É-lhes dada uma nova existência (II Cor.
5:17). Os que estão em Cristo agora serão
ressuscitados, no futuro, para estar com
Cristo.
Paulo, na verdade, não quer dizer que
em Cristo todos os homens serão vivi­
ficados. Ele fala, em outro lugar de suas
cartas, a respeito de julgamento severo
(cf. II Cor. 5:10; Rom. 1:18; 2:6-8).
Ele quer dizer que todos os que estão em
Cristo serão vivificados. Ele não faz ne­
nhuma promessa de uma bendita ressur­
reição, aqui, para os que não estão em
Cristo. Cristo inaugura uma humanida­
de, da mesma forma como Adão inaugu­
rou uma. Como o último Adão, Cristo é
uma figura histórica, escatológica. Ele
inaugura uma nova humanidade, no
tempo do fim. O Cristo ressurrecto, em
certo sentido, inaugura uma nova huma­
nidade, os remidos, os que nele estão,
mediante a fé.
Cristo já foi ressuscitado dentre os
mortos. Por ocasião de sua parousia ou
segunda vinda, os que são de Cristo
receberão a vida ou existência da ressur­
reição. Isto incluirá todos os crentes que
estiverem vivos por ocasião de sua vinda,
e todos os crentes que morreram ante­
riormente (cf. I Tess. 4:13-17). A pala­
vra ordem pode ser traduzida como
“grau” . Isto significa que há três graus:
Cristo (que não é realmente um grupo),
os crentes que morreram, e os crentes
que estiverem vivos na sua vinda (por
ocasião de sua vinda) (cf. Mat. 24:27;
I Tess. 2:19; 4:15). Paulo espera para
logo a volta de Cristo, mas não estabele­
ce nenhuma data exata (cf. I Tess. 4:15;
Fil. 4:5).
Alguns estudiosos (Lietzmann e Weiss)
crêem que Paulo se refere a três ordens
ou graus, e que estes são: Cristo, os cren­
tes e os não-crentes. Estes estudiosos
traduzem a palavra telos, no verso 24,
como “o restante” , em vez de como
“o fim” : “Então virá o restante dos ho­
mens, os incrédulos” (cf. Apoc. 20:12,
13). Mas é bem provável que a palavra
em tela deva ser traduzida como “o fim” ,
como se faz em quase todas as traduções.
Então, depois que Cristo voltar, virá o
fim desta era, ou a consumação dos
séculos. Desde a sua vitória sobre os
poderes malignos na cruz, Cristo, o Se­
nhor ressurrecto, reina à direita do Pai
(cf. Fil. 2:9-11). Ele entregará o reino
a Deus o Pai, depois de ter destruído os
vários poderes demoníacos, humanos e
não-humanos, que se opõem ao governo
de Deus (veja o comentário sobre 2:8;
cf. Rom. 8:38; Col. 1:16). Pois é necessá­
rio que Cristo continue reinando até que
tenha colocado em sujeição tudo o que se
opõe a ele (cf. Sal. 110:1).
Alguns estudiosos (Lietzmann, Weiss,
Schweitzer e Craig) argumentam que os
versos 23 a 25 indicam que Paulo crê
que, por ocasião da Sua Vinda, Cristo
reinará por um período de tempo não
especificado com todos os que nele estão.
Este reinado supostamente corresponde­
rá ao milênio mencionado em Apocalipse
20:4-6. Mas não é surpreendente que
Paulo tenha “camuflado” a sua crença
em um reino intermediário (Zwischen-
reich) de maneira tão eficiente? Ele não
dá nem sequer indícios de qualquer en­
sinamento como esse em I e II Tessalo-
nicenses. A única maneira de se desco­
brir um milênio, em 15:23-25, é colocá-
lo ali. Os comentaristas, entre eles
Kuemmel, Héring e Barrett, rejeitam,
com razão, o ponto de vista de que Paulo
ensina um reino milenar, nesta passa­
gem. Colossenses 1:13, que fala do “rei­
no do seu Filho amado” , usa essa ex­
pressão para referir-se ao reino atual de
Cristo, e não a um reino milenar.
O último inimigo a ser destruído é a
morte. A morte é inimiga do homem,
porque destrói a vida terrena dos ho­
mens, reclamando tanto os bons como os
maus e triunfando, por fim, sobre toda
a obra dos homens. Ela é a constante
rememoração da mortalidade dos mais
nobres e dos mais belos. Ela destruiu
Cristo — assim pensavam os homens —
mas Deus o ressuscitou como vitorioso
sobre a morte, e, desta forma, é o subju-
gador da morte. Cristo desfará a morte,
ressuscitando os que pertencem a Cristo,
depois que a morte tentou fazê-los dela
(cf. Apoc. 20:13,14).
Paulo usa o Salmo 8 para demonstrar
que Deus sujeitou todas as coisas a Cris­
to. Ele, através de quem todas as coisas
são criadas, terá toda a criação sujeita
a ele (cf. Col. 1:16). Indubitavelmente,
Deus, o Pai, é exceção. Quando Cristo
tiver completado a sua missão e obtido
vitória sobre todos os poderes que se lhe
opõem, estando sujeita a ele toda a or­
dem criada, então o próprio Filho se
sujeitará a Deus, o Pai, a fim de que
Deus, autor da criação e da redenção,
possa receber a adoração de todos e de
tudo (cf. Rom. 11:36; Sal. 110; Mar.
12:36; note a tradução de outras versões
dos versos 27 e 28).
O versículo 28 não indica qualquer
espécie de absorção mística, na entidade
divina, ou qualquer perda de personali­
dade. Pelo contrário, Deus será visto
como Deus, e os remidos reconhecerão
a sua glória. A sujeição do Filho não será
uma sujeição de natureza, mas uma sub­
missão no cumprimento de uma missão.
A sua sujeição não é nada mais do que a
continuação da amorosa obediência ale­
gremente prestada ao Pai (cf. Heb. 5:8).
A sujeição do Filho é a sujeição de serviço
amoroso.
4. Batismo Pelos Mortos (15:29-34)
29 D e o u tr a m a n e ira , q u e fa r ã o os q u e se
b a tiz a m pelos m o rto s? Se a b so lu ta m e n te
os m o rto s n ão re s s u s c ita m , p o r q u e e n tã o se
b a tiz a m p o r e le s ? 30 X! p o r q u e n o s e x p o m o s
ta m b é m nó s a p e rig o s a to d a h o ra ? 31 E u
vos d e c la ro , irm ã o s , p e la g ló ria q u e d e vós
tenho e m C risto J e s u s no sso S en h o r, q u e
m o rro to d o s os d ia s . 32 Se, co m o h o m e m ,
c o m b a ti e m É fe so co m a s fe r a s , q u e m e
a p ro v e ita isso ? Se os m o rto s n ã o sã o r e s s u s ­
c itad o s, co m a m o s e b e b a m o s , p o rq u e a m a ­
n h ã m o rre re m o s . 33 N ão vos e n g a n e is. As
m á s c o m p a n h ia s c o rro m p e m os b o n s c o stu ­
m e s. 34 A co rd ai p a r a a ju s tiç a e n ã o p e q u e is
m a i s ; p o rq u e a lg u n s a in d a n ã o tê m c o n h e c i­
m en to d e D e u s ; digo-o p a r a v e rg o n h a v o ssa .
Algumas pessoas, talvez alguns dos
próprios coríntios, criam que deviam se
batizar pelos mortos. Uma opinião a
respeito disto é que alguns cristãos se
batizavam por entes queridos que ha­
viam falecido sem se terem tornado cris­
tãos. Criam que, submetendo-se ao ba­
tismo, eles podiam assegurar a participa­
ção dos falecidos na ressurreição. Essa
prática, assevera Paulo, é uma indicação
de que os que a adotavam criam na res­
surreição dos mortos. Não há nenhuma
indicação, contudo, de que Paulo apro­
vasse esse costume. Ele simplesmente a
usa como ilustração referente à res­
surreição.
Outra interpretação aceitável do verso
29 é que os cristãos que eram batizados
submetiam-se ao batismo em lugar de
outros que haviam morrido antes de te­
rem sido batizados. Esta seria uma for­
ma de afirmar a confiança de que Deus
os iria ressuscitar dentre os mortos, em­
bora eles não tivessem sido batizados.
Muitas interpretações deste versículo têm
sido apresentadas.18
Por que está Paulo disposto a expor a
sua vida a perigos a toda hora, se não
existe ressurreição dos mortos? Toda a
sua vida é dedicada ao serviço dos ou­
tros, revelada em Jesus. Morro todos os
dias! “Por onde vamos carregamos a
morte conosco em nosso corpo, a morte
que Jesus sofreu, para que neste corpo
também a vida possa revelar-se, a vida
que Jesus vive” (II Cor. 4:10, NEB;
cf. II Cor. 11:28). Por que Paulo se
entregava a tal maneira de entender a
vida, e a tal medida de devoção, se não
havia ressurreição dos mortos? Como
podia Paulo passar pela espécie de luta
que enfrentara em Êfeso — combati com
as feras — se não cresse na ressurreição?
Era contrário à lei romana requerer-se
que um cidadão romano como Paulo
lutasse contra feras propriamente ditas,
18 Veja Bernard M. Foschini, Those Who Are Baptized
for the Dead, 1 Corinthians 15:29. An Exegetical
Historical Dissertation (Worcester: Heffeman Press,
1951).
em uma arena. Esta figura de linguagem
provavelmente se refira a conflitos e tri­
bulações em que Paulo quase perdeu a
sua vida (cf. II Cor. 11:23-28; At.
19:23-40).
Se os mortos não são ressuscitados,
seria razoável viver sem quaisquer res­
trições morais (cf. Is. 22:13). Porém, de
fato, os coríntios não podiam ser enga­
nados — não vos enganeis por pessoas
que não crêem na ressurreição e não
vivem com preocupações morais. A cita­
ção (v. 33) é um conhecido provérbio de
“Thais” , comédia perdida do poeta gre­
go Menander. Modere sua mente e pare
de pecar, é a injunção de Paulo; vocês,
coríntios, precisam evitar a companhia
de pessoas que não têm fé nem moral
(cf. Rom. 1:18-25). Pessoas que não en­
tendem que a ressurreição é essencial
para a correta compreensão da vida não
têm conhecimento de Deus. Pessoas que
dizem que a ressurreição é desnecessá­
ria realmente são ignorantes a respeito
de Deus. De fato, Paulo diz: Detesto ter
que dizer isto, porque é uma reflexão
acerca de vocês: alguns de vocês sim­
plesmente não conhecem a Deus.
5. O Corpo da Ressurreição (15:35-50)
35 M as a lg u é m d ir á : C om o r e s s u s c ita m
os m o rto s ? e co m q ue q u a lid a d e d e co rp o
v ê m ? 36 In s e n sa to I o q u e tu s e m e ia s n ã o é
v ivificado , se p rim e iro n ão m o r r e r . 37 E ,
q uan do se m e ia s , n ão s e m e a is o co rp o q u e
h á de n a s c e r , m a s o sim p le s g rã o , com o o de
trig o , ou d e o u tr a q u a lq u e r se m e n te . 38 M a s
D eus lh e d á u m corpo com o lh e a p ro u v e ,
e a c a d a u m a d a s se m e n te s u m c o rp o p r ó ­
p rio . 39 N em to d a c a rn e é u m a m e s m a
c a rn e ; m a s u m a é a c a rn e d o s h o m e n s,
o u tra a c a rn e dos a n im a is , o u tra a d a s a v e s
e o u tr a a dos p e ix e s . 40 T a m b é m h á c o rp o s
c e le ste s e c o rp o s te r r e s tr e s , m a s u m a é a
g ló ria d o s c e le ste s e o u tr a a dos te r r e s tr e s .
41 U m a é a g ló ria do sol, o u tr a a g ló ria d a
lu a e o u tr a a g ló ria d a s e s tr e la s ; p o rq u e
u m a e s tr e la d ife re e m g ló ria d e o u tr a e s t r e ­
la .
42 A ssim ta m b é m é a re s s u rre iç ã o dos
m o rto s. S em eia-se o co rp o e m c o rru p ç ã o ,
é re s su sc ita d o e m in c o rru p ç ã o . 43 S em eia-
se e m ig n o m ín ia, é re s su sc ita d o e m g ló ria .
S em eia-se e m fra q u e z a , é re s su sc ita d o e m
p o d er. 44 S em eia-se c o rp o a n im a l, é r e s s u s ­
citad o c o rp o e s p iritu a l. Se h á co rp o a n im a l,
h á ta m b é m c o rp o e s p iritu a l. 45 A ssim t a m ­
b é m e s t á e s c r ito : O p rim e iro h o m e m , A dão,
to rnou-se a lm a v iv e n te ; o ú ltim o A dão, e s ­
p írito v iv ific a n te . 46 M a s n ã o é p rim e iro o
e sp iritu a l, se n ã o o a n im a l; d ep o is o e s p iri­
tu a l. 47 O p rim e iro h o m e m , sen d o d a te r r a ,
é te r re n o ; o seg u n d o h o m e m é do c é u .
48 Q ual o te rre n o , ta is ta m b é m os te r r e n o s ;
e, q u a l o c e le stia l, ta is ta m b é m os c e le s ­
tia is . 49 E , a s s im com o tro u x e m o s a im a ­
g e m do te rre n o , tr a re m o s ta m b é m a im a ­
g e m do c e le stia l. 50 M a s digo is to , irm ã o s ,
q ue c a rn e e sa n g u e n ã o p o d e m h e r d a r o
rein o d e D e u s; n e m a c o rru p ç ã o h e r d a a
in c o rru p çã o .
Alguém perguntará a respeito do cor­
po da ressurreição. Os judeus debatiam
esta interrogação: “Em que forma os que
vivem viverão no Teu dia?” (II Baruque
49:2). E os gregos criam não na res­
surreição do corpo, mas na imortalidade
da alma. Insensato! declara Paulo, a
única maneira pela qual uma semente
que você planta pode viver é morrendo
(cf. João 12:24). A morte precede a vida.
Paulo não está falando como um botâ­
nico moderno, que conhece o poder de
germinação que existe em uma semente.
Ele quer dizer que uma semente é en­
terrada, e algo diferente, uma planta,
provém dela. Um corpo humano é enter­
rado, e na ressurreição ele se torna um
outro tipo de corpo. Paulo não está en­
fatizando a continuidade, neste ponto,
mas a diferença. Você planta uma coisa,
e outra surge. O corpo que é sepultado é,
no máximo, o simples grão, quando com­
parado com o corpo que ressuscita dentre
os mortos. O corpo que há de nascer
é a obra de Deus, que dá o corpo que ele
escolheu a cada uma das sementes. Por­
tanto, não deveínos presumir que há con­
tinuidade entré o corpo físico e o corpo
da ressurreiçãp, como hoje em dia sabe­
mos que existe entre uma semente que é
plantada e a planta que surge dela.
De fato, peus criou toda sorte de
criaturas;7 mas nem toda came é uma
I
mesma came, como perceberemos, se
olharmos ao nosso redor. Os animais,
aves e peixes têm corpos diferentes. Os
corpos terrestres não são como os corpos
celestes, e nem todos os corpos celestes
são semelhantes. Nos versos 39 e 40,
carne e corpos são palavras usadas como
sinônimo. Os vários corpos são diferen­
tes; cada um tem a sua glória ou es­
plendor.
Da mesma forma que acontece com as
sementes que são plantadas, assim acon­
tece na ressurreição dos mortos. O corpo
que é sepultado não é o mesmo corpo que
ressuscita, porque ocorre uma transfor­
mação. Paulo apresenta quatro antíteses,
para mostrar a diferença entre o corpo
que morre e o corpo que ressuscita dentre
os mortos. Primeiro, o corpo que morre é
semeado em corrupção, ou sujeito à de­
composição, porque faz parte de um
mundo que é sujeito à corrupção (cf.
Rom. 8:21). O corpo que ressuscita é
em incorrupção, livre da corrupção e
capaz de realizar a plenitude da vida
desejada pelo Criador.
Segundo, o corpo que é sepultado é
caracterizado por ignomínia ou humilha­
ção e miserabilidade, enquanto o corpo
que ressuscita é caracterizado por glória
ou esplendor (cf. Fil. 3:21).
Terceiro, o corpo que morre é marcado
por fraqueza física e espiritual, e é vítima
da morte, enquanto o corpo que ressusci­
ta é marcado por poder ou força, porque
ele será dado por Aquele que tem o poder
de ressuscitar os mortos.
Quarto, o corpo que falece é um corpo
animal (físico), sujeito às limitações da
criatura mortal, enquanto o corpo que
ressuscita é corpo espiritual, animado
pelo Espírito de Deus, e sobrenatural,
porque é apropriado para a vida com
Deus, que é Espírito. A palavra psuchi*
kon, traduzida como animal, também
pode ser traduzida como “natural” . Re­
fere-se, neste versículo em particular, aos
nossos corpos atuais, físicos, que são
animados pela “alma” (vitalidade, vida),
com que vivemos neste mundo (cf. Gên.
2:7). É um corpo físico, contendo vida.
Este termo indica as limitações da vita­
lidade meramente natural, terrena, dos
corpos que agora possuímos. Isto se tor­
na óbvio no verso 45.
O corpo que será ressuscitado será um
corpo espiritual. O que Paulo quer dizer
com esta expressão precisa ser entendido
à luz do que ele quer dizer ao falar em
corpo físico, animal. Corpo espiritual
é aquele que é vitalizado pelo Espírito,
e apropriado para estar na presença de
Deus na era futura. O corpo físico, na­
tural, animal, é apropriado para esta era
presente; o corpo espiritual será apro­
priado para a era futura. O corpo animal
(físico) é apropriado para esta era; o
corpo sobrenatural (espiritual), apro­
priado para a era porvir. Da mesma
forma como é necessário ter um corpo
físico agora, será necessário ter um corpo
espiritual no futuro. Paulo não ensina,
nesta passagem, que os nossos corpos
atuais são feitos de “substância psíqui­
ca” e que nossos corpos futuros serão de
“substância espiritual” . O corpo físico
pertence a todos os homens; o corpo
espiritual aos homens redimidos.
É importante observar-se que Paulo
não considera corpo e alma como dois
elementos conflitantes, na natureza do
homem, como os gregos o consideravam.
O corpo representa o homem todo. No
pensamento de Paulo, a diferença não
está entre um corpo mortal e uma alma
imortal (ensinamento grego), mas entre
a pessoa não-redimida, que possui um
corpo físicò (natural), e a pessoa redimi­
da, que possuirá um corpo espiritual
(sobrenatural), por ocasião da ressurrei­
ção dos mortos.
Há, porém, uma conexão entre o corpo
que morre e o corpo que é ressuscitado,
da mesma forma como há uma conexão
entre a semente que é semeada e a planta
que cresce dela. Ao mesmo tempo, há
uma dramática diferença entre a semen­
te que é enterrada no solo e a planta que
emerge dela. Assim também acontece
com o corpo físico que é sepultado e o
corpo espiritual que ressuscita. Há um
corpo novo e diferente, mas a mesma
pessoa. O que é vital para uma pessoa
como pessoa ressuscitará em um corpo
espiritual. Assim sendo, há continuidade
entre o que morre e o que ressuscita,
porque é a mesma pessoa que é sepul­
tada e ressuscita. Porém há deseontinui-
dade, no sentido de que o mesmo corpo
físico não ressuscitará. A mesma pessoa
ressuscitará em um novo corpo, espiri­
tual. Paulo não descreve esse corpo, mas
vive na fé em que Deus dará ao corpo a
sua forma apropriada para a vida na pre­
sença dele (cf. I João 3:2).
A fim de esclarecer a sua posição de
que haverá um corpo imperecível e espi­
ritual, que é dádiva de Deus, Paulo se
refere ao primeiro e ao último Adão,
tema que também deve ser estudado em
Romanos 5:12-21. Ele começa citando
Gênesis 2:7. E acrescenta duas palavras
à citação, para esclarecer o seu ensina­
mento. São as palavras “primeiro” e
“Adão” . O primeiro homem, Adão, tor­
nou-se alma vivente, uma pessoa. O úl­
timo Adão, Cristo, tomou-se mais do que
alma vivente ou ser vivente. Tomou-se
espírito vivificante, isto é, que outorga
vida. Ele conseguiu sê-lo ressuscitando
dentre os mortos e concedendo o Espírito
Santo aos que confessam o seu senhorio
(cf. Ef. 1:13). Portanto, há decisivos
contrastes entre o primeiro e o último
Adão, como Romanos 5:12-21 também
indica. Não está claro se Paulo está-se
referindo à encarnação ou à ressurreição,
no verso 45b, mas, provavelmente, é à
ressurreição.
Mas não é primeiro o espiritual, Cris­
to, senão o animal, Adão; depois o espi­
ritual, Cristo. Nesta passagem, Paulo
parece ter em mente um ensino encontra­
do nos escritos de Filo (Sobre a Criação
134; Interpretação Alegórica 1:31). Na
obra de Filo, consta o ponto de vista de
que há narrativas da criação de dois
homens diferentes. De acordo com Filo,
Gênesis 1:26 apresenta a narrativa da
criação do homem ideal, o arquétipo de
Platão, e Gênesis 2:7 é a história da
criação do homem histórico, empírico,
que peca. Conseqüentemente, o homem
ideal, divino, vem primeiro, e o homem
empírico, físico, em segundo lugar. Mas
Paulo nega essa espéôie de ensino, quer
ele o tenha aprendido de Filo ou de outra
qualquer fonte.
Em contraposição a este ponto de vis­
ta, Paulo afirma que o homem histórico,
o Adão que peca, vem primeiro. E o
último Adão, que se torna espírito vivifi­
cante, vem em último lugar e prepara o
homem para um futuro escatológico.
Paulo não faz referência a Gênesis 1:26,
nesta passagem. Ele é sabedor do primei­
ro Adão, que intoduziu o pecado no
mundo, e do último Adão, que, tendo
ressurgido dentre os mortos, inaugura a
era escatológica. Há duas eras históricas,
uma, que tem sua origem em Adão, e,
uma, que se origina em Cristo. De fato,
Paulo ensina algures que Cristo precedeu
Adão, porque o mundo foi criado atra­
vés de Cristo, que é preexistente (8:6;
10:4; Col. 1:15-17). Mas, nesta passa­
gem, Paulo está escrevendo sobre o papel
escatológico de Cristo, em que assegura a
ressurreição dos fiéis. O primeiro Adão
conduz o homem à morte; o último Adão
o conduz à vida. Portanto, conforme
Paulo insiste, contra Filo e outros que
pensam como este, não é primeiro o
espiritual, senão o animal (físico). O
homem representativo, Adão, vem em
primeiro lugar, e o homem representa­
tivo, Cristo, em último lugar.
O primeiro homem, Adão, de acordo
com Gênesis 2:7, foi feito do pó da terra.
O segundo homem, Cristo, é do céu.
Ele é o Filho do Homem, que vem com as
nuvens do céu (cf. I Tess. 4:16; II Tess.
1:7). O homem celestial é mencionado
em Daniel 7:13 e em obras apocalípticas
não canônicas (I Enoque 46:1-6; IV Es-
dras 13:1-13). O ensino referente a um
homem primevo ou arquétipo, através do
qual veio a redenção ao mundo, tem
raízes no pensamento primitivo. A ex­
pressão do céu denota o caráter essen­
cialmente celestial e sobrenatural de
Cristo, que virá no segundo advento e
dará corpos espirituais aos santos. No
momento, Paulo não se preocupa em
enfatizar a humanidade de Cristo, mas
as suas qualidades divinas, como faz ao
empregar o tema dos dois Adãos. A terra
define Adão; o céu define Cristo.
Adão é da terra, é terreno, destinado
a retornar ao pó, do qual foi formado.
A sua natureza não garante uma ressur­
reição, mas apenas um túmulo. Assim,
todos os homens, que são seus filhos,
estão destinados ao mesmo sepultamen-
to. Cristo é do céu. Ele tem o poder de
dar vida aos que morrem. Não um tú­
mulo, mas a ressurreição, pertence aos
que pertencem a ele.
Todos os homens ostentam a imagem
do terreno, ou seja, de Adão (Gên. 5:3),
cujo futuro é a morte. Os corpos de todos
os homens são como o corpo de Adão,
e se decompõem. Mas as pessoas que
estão em Cristo ostentarão a imagem do
celestial, e receberão corpos espirituais,
que não estarão sujeitos à corrupção.
Ostentaremos a imagem de Cristo, quan­
do, no futuro, recebermos um corpo de
ressurreição (cf. Rom. 8:29; Fil. 3:21).
Paulo fala com a linguagem mais clara
possível, a respeito do corpo da ressurrei­
ção. Carne e sangue não podem herdar
o reino de Deus. “Carne e sangue” é
uma forma de se referir à humanidade,
que vive sob as condições terrestres. Re­
fere-se a pessoas vivas. Os corpos físicos
são necessários para esta era. Mas os
corpos espirituais serão apropriados para
vivermos na era porvir (cf. Mar. 12:25).
Precisa acontecer uma transformação de
nossos corpos, por ocasião da ressurrei­
ção (Fil. 3:21). As pessoas que estiverem
vivas (carne e sangue), por ocasião do
segundo advento, serão transformadas,
e as pessoas que já tiverem morrido
(a corrupção) e cujos corpos estiverem
decompostos herdarão a incorrupção, o
corpo espiritual, que não estará sujeito à
dissolução.
6. O Mistério do Fim dos Tempos
(15:51-58)
51 E is a q u i v o s digo u m m is té rio : N em
todos d o rm ire m o s, m a s todos se re m o s
tra n s fo rm a d o s , 52 n u m m o m e n to , n u m a b r i r
e fe c h a r d e olhos, a o so m d a ú ltim a tr o m ­
b e ta ; p o rq u e a tr o m b e ta s o a r á , e os m o rto s
se rã o re s su sc ita d o s in c o rru p tív e is , e n ó s s e ­
re m o s tra n s fo rm a d o s . 53 P o rq u e é n e c e s s á ­
rio q u e is to q u e é c o rru p tív e l se re v is ta d a
in c o rru p tib ilid a d e e q u e is to q u e é m o r ta l
s e re v is ta d a im o rta lid a d e . 54 M as, q u an d o
isto que é c o rru p tív e l se re v e s tir d a in c o r­
ru p tib ilid a d e , e is to q u e é m o r ta l se re v e s tir
d a im o rta lid a d e , e n tã o se c u m p r irá a p a la ­
v r a q u e e s tá e s c r i t a :
T ra g a d a foi a m o rte n a v itó ria .
55 O nde e s tá , ó m o rte , a tu a v itó ria ?
O nde e s tá , ó m o rte , o te u a g u ilh ã o ?
56 O a g u ilh ã o d a m o rte é o p e c a d o , e a fo rç a
do p e c ad o é a le i. 57 M as g ra ç a s a D eu s q u e
nos d á a v itó ria p o r n o sso S e n h o r J e s u s
C risto . 58 P o rta n to , m e u s a m a d o s irm ã o s ,
se d e firm e s e c o n sta n te s, s e m p re a b u n d a n ­
te s n a o b ra do S en h o r, sa b e n d o q u e o vosso
tra b a lh o n ão é v ã o n o Senhor.
Ao usar a palavra Eis aqui, Paulo
demonstra que tem algo especial a dizer
(cf. II Cor. 5:17; 6:2). Ele tem um mis­
tério para apresentar, uma mensagem
além da compreensão humana, a respei­
to do grande evento escatológico (cf.
I Cor. 2:1; Rom. 11:25; “mistério” tem
uma conotação diferente em I Cor. 14:2).
Nem todos os crentes “dormirão”, ou
morrerão, antes da segunda vinda. Os
que estiverem vivos quando Cristo retor­
nar serão transformados. Quando a
trombeta escatológica soar (Is. 27:13;
Joel 2:1), o crente falecido será ressusci­
tado incorruptível, já não sujeito à cor­
rupção (cf. I Tess. 4:13-17), e os que
estiverem vivos receberão corpos espiri­
tuais. A vida na era porvir requer uma
natureza incorruptível e a imortalidade.
A palavra traduzida como imortalidade
(athanasia) é uma palavra empregada
também em obras judaicas, como a Sa­
bedoria de Salomão (3:4; 15:3) e IV Ma-
cabeus (14:5). Entre os gregos, ela é
usada para falar da imortalidade da
alma. Mas Paulo não considera o homem
imortal por natureza, mas apenas pela
graça de Deus. O Redentor é que dá ao
homem um corpo espiritual, por ocasião
da ressurreição.
Paulo usa a linguagem de Isaías 25:8
e Oséias 13:14, para fazer soar a triun­
fante certeza de que o poder da morte
é desfeito, e o aguilhão da morte, tirado.
Por três vezes ele proclama a morte da
morte. O pecado propicia morte (cf.
Rom. 5:12,13). Ele atinge o homem e o
desfaz através da lei (cf. Rom. 7:7-25).
O homem é escravo da lei, do pecado
e da morte. Mas há vitória para os que
estão em Cristo, que é vitorioso sobre o
pecdo e a morte (Rom. 6: 5-14; 8:39).
Portanto, graças a Deus; Cristo suplan­
tou a morte!
Um tão glorioso evangelho da ressur­
reição leva Paulo a exortar os fiéis, como
amados irmãos, que são conclamados
a serem firmes e constantes na dedicação
ao Deus que ressuscita os mortos. A sua
devoção significa estarem ocupados em
viver uma vida cristã, lembrando, en­
quanto labutam, que o seu trabalho no
Senhor não pode ser perdido.
X. Exortações, Assuntos Pessoais
e Bênção Finais (16:1-24)
0 capítulo 16 trata de vários proble­
mas, mas nenhum deles de natureza teo­
lógica premente. Paulo escreve primeira­
mente a respeito da coleta para os cris­
tãos pobres de Jerusalém (v. 1-4); em se­
guida, conta os seus planos de viagem
(v. 5-12); por fim, estende-se em exor­
tações, saudações e uma bênção
(v. 13-24).
1. Coleta Para os Santos (16:1-4)
1 O ra , q u a n to à c o le ta p a r a os sa n to s,
fazei v ó s ta m b é m o m e s m o q u e o rd e n e i
à s ig r e ja s d a G a lá c ia . 2 N o p rim e iro d ia
d a s e m a n a c a d a u m d e v ó s p o n h a d e p a r te
o q ue p u d e r, co n fo rm e tiv e r p ro s p e ra d o ,
g u ard an d o -o , p a r a q u e se n ã o f a ç a m c o le ­
ta s q u a n d o e u c h e g a r. 3 E , q u an d o tiv e r
ch eg ad o , m a n d a r e i os q u e p o r c a r t a a p r o ­
v a rd e s p a r a le v a r a v o ss a d á d iv a a J e r u s a ­
lé m ; 4 m a s , se v a le r a p e n a q u e e u ta m b é m
v á , irã o com igo.
Em quatro cartas, Paulo menciona
uma coleta ou oferta que devia ser tira­
da entre as igrejas que ele estabelecera
e ser enviada para os pobres de Jerusa­
lém (aqui e em Gál. 2:10; Rom. 15:25-
29; II Cor. 8-9). É um assunto de grande
preocupação para Paulo, como o indica o
extenso texto que ele escreve a respeito
em II Coríntios 9-10. A palavra quanto
provavelmente indica que os coríntios
haviam-no consultado a respeito (cf. 7:1;
8 :1; 12:1).
De acordo com Gálatas 2:9,10, Paulo
concordou e de fato queria ajudar os
pobres de Jerusalém. Não dá nenhuma
indicação de que ele concordara em man­
dar uma oferta porque reconhecia a pri­
mazia da igreja em Jerusalém. Da mes­
ma forma, não há nenhuma evidência de
que ele adaptara o sistema judaico de
uma taxa pessoal anual, que era reque­
rida de todos os judeus do sexo mas­
culino de vinte anos de idade ou mais,
para sustentar o Templo de Jerusalém.
Provavelmente, as várias pressões sofri­
das pelos empobrecidos cristãos de Jeru­
salém haviam tornado agudas as necessi­
dades, que eles passaram a ter, de assis­
tência financeira. E Paulo certamente
gostaria que fossem suavizadas quais­
quer suspeitas que eles tivessem a res­
peito dele e de sua obra entre os gentios.
A oferta era uma excelente maneira de
demonstrar a unidade da igreja. Eviden­
temente, o projeto de levantar o dinheiro
teve sucesso, porque em Romanos 15:25-
31, escrito depois de I Coríntios, o pró­
prio Paulo planeja levar, as contribui­
ções reunidas na Macedônia e Acaia,
para Jerusalém, na companhia de outros
irmãos, e espera que os seus esforços
sejam bem recebidos.
A admoestação do apóstolo é pessoal e
direta: Espero que vocês façam o que eu
instruí que as igrejas da Galácia fizes­
sem: formar o hábito de colocar de lado
uma quantia proporcional dos seus re-
cursos, cada domingo, e guardá-la até
que eu chegue. Dessa forma, não preci­
saremos fazer muita força para levantá-
la quando eu chegar aí. Vocês a irão
guardando sistematicamente no primeiro
dia da semana (cf. Apoc. 1:10). As de­
clarações cuidadosas de Paulo a respeito
dos mensageiros aprovados é uma indi­
cação de que ele não queria vir a ser
acusado de malversação de fundos (cf. 11
Cor. 8: 18-21; At. 20:4).
Podemos observar que, embora a exor­
tação de Paulo, no verso 2, se referisse
particularmente a uma forma prática
de levantar fundos para ajudar pessoas
necessitadas e expressar comunhão cristã
— e isso deve ser levado em conta —
esta exortação pode ser aplicada, apro­
priadamente, ao exercício de mordomia
cristã fiel e à contribuição cristã como
ato de adoração.
2. Planos de Viagem (16:5-12)
5 I r e i, p o ré m , te r convosco d ep o is d e te r
p a ss a d o p e la M ac e d ô n ia , p o is te n h o d e p a s ­
s a r p e la M ac e d ô n ia ; 6 e ta lv e z d e m o re c o n ­
vosco a lg u m te m p o , ou m e s m o p a s s e o in ­
v ern o , p a r a q ue m e e n c a m in h e is p a r a onde
q u e r q u e e u fo r. 7 P o is n ã o q u e ro v er-v o s
d e sta v e z a p e n a s d e p a s s a g e m , a n te s e s ­
p ero f ic a r convosco a lg u m te m p o , se o S e­
n h o r o p e rm itir. 8 F ic a r e i, p o ré m , e m É feso
a té o P e n te c o s te s ; 9 p o rq u e u m a p o rta g r a n ­
d e e e fic a z se m e a b riu ; e h á m u ito s a d v e r ­
sá rio s.
10 O ra , se T im ó teo fo r, v e d e q u e e s te ja
se m te m o r e n tr e v ó s; p o rq u e tr a b a lh a n a
o b ra do S en h o r, com o e u ta m b é m . 11 P o r ­
ta n to , n in g u é m o d e s p re z e ; m a s en c a m i-
nhai-o e m p a z , p a r a q u e v e n h a t e r com igo,
pois o e sp e ro com os ir m ã o s . 12 Q u an to ao
irm ã o A poio, roguei-lhe m u ito q u e fosse com
os irm ã o s te r co n v o sco ; m a s d e m o d o a lg u m
q uis i r a g o ra ; ir á , p o ré m , q u a n d o se lh e
o fe re ç a b o a o casião .
Paulo escreve, nos versos 5 á 7, que
deseja fazer uma visita sem pressa a
Corinto. (De acordo com Atos 19:21 e
20:1-3, ele de fato visitou igrejas da
Macedônia, algum tempo depois de es­
crever I Coríntios, e foi até Corinto, onde
permaneceu durante três meses.) Mas
II Coríntios 1:16 dá a impressão de
que ele não foi imediatamente de Éfeso.
A visita de Paulo a Corinto precisa ser
estudada especialmente em um comentá­
rio a II Coríntios (veja também a "Intro­
dução a I Coríntios).
Paulo está escrevendo de Éfeso, onde
quer permanecer até o Pentecostes, por­
que uma porta grande e eficaz se me
abriu. Ele usa a palavra porta para des­
crever uma oportunidade evangelística
excepcional (II Cor. 2:12; Col. 4:3). O
fato de que havia muitos adversários foi
outra razão para ele permanecer em Éfe­
so. Nesta observação de Paulo encontra­
mos algo da resistência que fez dele um
grande apóstolo. Ele permaneceu por
causa dos adversários; ele não saiu por
causa deles.
Timóteo estava sendo enviado a Corin­
to, de acordo com 4:17 (cf. At. 19:22),
onde Paulo se refere a ele como “meu
filho amado, e fiel no Senhor” . Paulo o
associa com a elaboração de I Corín­
tios (1:1). E recomenda os coríntios que
se lembrem de que Timóteo trabalha na
obra do Senhor (cf. 4:17; Fil. 2:19-21)
e que Paulo quer muito que ele volte
para estar com ele. Por que Paulo é tão
solícito, não se sabe, exceto que o que
conhecemos a respeito do caráter da igre­
ja em Corinto é suficiente para simpati­
zarmos com a solicitação de Paulo.
Quem são os irmãos, não se sabe. Esse
termo pode incluir Erasto (At. 19:22) ou
as pessoas mencionadas no verso 15 deste
capítulo.
É bem claro que Apoio e Paulo tra­
tavam-se amigavelmente. Apoio ficou
afastado de Corinto, para ajudar a afas­
tar qualquer turbação (cf. 3:1-9).
3. Exortações, Saudações e Bênção
(16:13-24)
13 V ig iai, e s ta i firm e s n a fé, p o rta i-v o s
v a ro n ilm e n te , se d e fo rte s. 14 T o d as a s v o s­
s a s o b ra s s e ja m fe ita s e m a m o r.
IS A g o ra v o s ro g o , ir m ã o s — p ois sa b e is
que a fa m ília d e E s té f a n a s é a s p rim íc ia s
d a A ca ia , e q u e se te m d ed ic a d o a o m in is ­
té rio dos sa n to s — 16 q u e ta m b é m v o s s u ­
je ite is a o s ta is , e a todo a q u e le q u e a u x ilia
n a o b ra e tr a b a lh a . 17 R eg o zijo -m e co m a
v in d a d e E s té f a n a s , de F o rtu n a to e d e A cai-
co; p o rq u e e s te s s u p r ira m o q u e d a v o ssa
p a rte m e fa lta v a . 18 P o rq u e r e c r e a r a m o
m eu e sp írito , a s s im com o o vo sso . R ec o n h e ­
cei, p o is, a o s ta is .
19 As ig r e ja s d a Á sia vos s a ú d a m . Saú-
d am -vos a fe tu o s a m e n te no S en h o r Á q ü iia e
P ris c a , co m a ig r e ja q ue e s tá e m s u a c a s a .
20 T odos os ir m ã o s vos s a ú d a m . S au d ai-v o s
u n s a o s o u tro s co m ósculo sa n to .
21 E s ta sa u d a ç ã o é d e m e u p ró p rio punho,
P a u lo . 22 Se a lg u é m n ã o a m a a o S enhor,
s e ja a n á te m a 1 M a r a n a ta . 23 A g r a ç a do
S enhor J e s u s s e ja convosco. 24 O m e u a m o r
s e ja co m todos vó s e m C risto J e s u s .
Este breve parágrafo (v. 13,14) parece
estar fora de lugar. Todavia, precisa ser
lembrado que as cartas de Paulo não são
sempre rigidamente sistemáticas. Vigiai;
ficai acordados (cf. I Tess. 5:6). Estai
firmes em vossa confiança e obediente
reação à atividade de Deus em Jesus
Cristo (cf. Gál. 5:1; II Tess. 2:15).
Portai-vos varonilmente, mostrai que sois
homens. Sede fortes. Os imperativos com
que Paulo ordena aos coríntios no verso 14
recebem o seu poder motivador no apelo
para que ajam em amor (cf. o comentá­
rio ao cap. 13; 8:1-3). Mais uma vez
Paulo se aproveita de uma oportunidade
para ensinar aos coríntios a primazia
do amor. Este cria uma só mente e uma
só vontade, de forma que ninguém vive
para si mesmo, nem busca os seus pró­
prios interesses, mas faz o que beneficia
a todos. O amor é o caminho que leva
além de tudo o que uma pessoa pode de
outra forma possuir ou adquirir. Através
do amor, nos rendemos a Deus, e esta é a
condição necessária para que usemos to­
dos os nossos poderes e dons de acordo
com a sua vontade; para ele e não para
nós mesmos (Schlatter).
Paulo recomenda os emissários envia­
dos por Corinto, e lembra que a casa
(família) de Estéfanas, eles mesmos,
eram as primícias da Acaia (cf. 1:16),
isto é, os primeiros cristãos convertidos
na Acaia. Talvez Paulo use o termo
“Acaia” livremente, visto que geralmen­
te ele, da maneira que era entendido,
não incluía Corinto. Atenas estava na
Acaia, e o ministério de Paulo nessa
cidade precedera o seu ministério em Co­
rinto. Houve convertidos em Atenas (cf.
At. 17:34). Paulo recomenda, aos corín­
tios, que aceitem e incrementem a li­
derança desses homens de confiança, que
tinham por detrás de si uma história de
devoção à igreja. O reconhecimento que
devia ser dado é baseado na fidelidade
desses líderes no seu trabalho, e não nas
prerrogativas que acompanham um car­
go eclesiástico (cf. I Tess. 5:12). A pala­
vra traduzida como espirito, no verso 18,
é pneuma, e é a mesma palavra usada
com respeito ao Espírito de Deus. Neste
versículo, essa palavra significa simples­
mente “mim mesmo” . Ela não define
alguma faculdade altamente espiritual
ou intelectual, dentro da pessoa.
É claro que havia várias igrejas locais
na província em que Paulo trabalhara,
enquanto usara Éfeso como a base de
operações principal (cf. At. 19:10,26).
Àquila e Prisca (*) estão entre os com­
panheiros mais devotos de Paulo, na
extensão do evangelho. Paulo os encon­
tra em Corinto, depois que eles haviam
sido expulsos de Roma, juntamente com
os outros judeus, pelo Imperador Cláu­
dio, em 49 d.C. (cf. At. 18:2). Eles aju­
daram na fundação da igreja em Corinto,
e saíram de Corinto ao mesmo tempo que
Paulo (cf. At. 18:18). Quando Paulo es­
creveu Romanos, pouco depois de escre­
ver I Coríntios, Ãqüila e Priscila estavam
novamente em Roma (Rom. 16:3,4).
(O edito de Cláudio foi abrandado não
muito depois de 54 d.C., quando ele
morreu.) Em toda parte onde Ãqüila e
Priscila iam, estabeleciam uma igreja em
casa(cf. Rom. 16:5).
Todos os irmãos não podem ser iden­
tificados especificamente. Eram coope-
radores de Paulo. O ósculo santo é men­
(*) Aqui Paulo usa a forma normal desse nome, Prisca,
(que significa “idosa” ), de que “Priscila” é um di­
minutivo. Hm outras partes Paulo usa de preferência
a forma diminutiva Priscila (Nota do Tradutor).
 cionado em outras cartas de Paulo (cf.
Rom. 16:16; II Cor. 13:12; I Tess.
5:26; é encontrado também em I Ped.
5:14). É simplesmente uma expressão de
amor fraternal. De acordo com o cris­
tão do segundo século, Justino Mártir,
esse ósculo era dado nos novos conver­
tidos logo que eram batizados, antes que
participassem da Ceia do Senhor. Ter-
tuliano se refere a ele como “beijo de
paz” . Porque, com o tempo, em algu-
guns lugares, o ósculo santo manifestou
a tendência de se tornar algo mal enten­
dido e mal usado, o beijo propriamente
dito deixou de ser usado, mas a fraterni­
dade que ele expressava continuou atra­
vés de um simbolismo diferente, mas a
ele relacionado.
Muitas vezes, Paulo enviava sauda­
ções de próprio punho, no fim das suas
cartas, depois de as haver ditado a um
secretário (cf. Filem. 19; Col. 4:18).
Em II Tessalonicenses 3:17, observamos
a autenticação da carta que este ato
expressa. Quando Paulo faz a sua sau­
dação de próprio punho em Gálatas
6:11, volta a acusar violentamente os
seus detratores, uma última vez (cf.
Gál. 6:12-18). Aqui, no verso 22, ele
escreve a sua saudação, e evoca uma
maldição sobre quem não ama ao Se­
nhor. A palavra traduzida como amor,
que Paulo usa nesta expressão, é uma
forma de philein, e não agapan. Talvez
isto possa ser lançado à conta do pres­
suposto de que Paulo está citando uma
fórmula cristã corrente (Barrett, p. 396).
Ele ficava profundamente perturbado
quando se lembrava que alguns cristãos,
na verdade, não amavam o Senhor. E o
amor é a realidade que liga Deus e o
homem nos níveis mais profundos.
Paulo cita a fórmula Maranatha, que
significa: “Vem, Senhor nosso!” imedia­
tamente depois de expressar a maldição.
A expressão maranatha é aramaica, e é
transliterada para o grego por Paulo.
Ela foi primeiramente usada nas igrejas
da Palestina. Era uma oração tão impor­
tante, para os cristãos que falavam ara-
maico, que foi preservada na língua ori­
ginal, como “Aba” , a palavra aramaica
que Jesus usou ao dirigir-se a Deus como
Pai.
A oração Maranatha (vem, Senhor
nosso!), visto que se segue imediatamen­
te ao anátema, pode ser interpretada
juntamente com este, como se segue:
“Que qualquer pessoa que não ama ao
Senhor seja anátema. E, Senhor, vem,
e toma a tua igreja para ti mesmo.”
Também tem sido sugerido que esta ora­
ção era usada em conexão com a Ceia do
Senhor, para invocar a presença e a
volta do Senhor, bem como para proibir
de participar dela os que não amavam o
Senhor, invocando o anátema.
De fato, “M aranatha” pode ser inter­
pretado de várias maneiras. Uma suges­
tão, tão antiga quanto Crisóstomo, é que
ela deve ser escrita desta forma: “Maran
atha” , para significar “o Senhor tem vin­
do” , referindo-se à encarnação. Uma
segunda possibilidade é “o Senhor está
agora presente” , na adoração ou na Ceia
do Senhor. Uma terceira sugestão é que
ela significa “Nosso Senhor é o aleph
e o tau” (primeira e última letras do
alfabeto hebraico). Uma quarta possibi­
lidade é a que deve ser preferida. Esta
oração, “maran atha” , é a expressão de
um anelo pelo retorno do Senhor, em seu
segundo advento (cf. Apoc. 22:20).
A presença desta expressão no Didaquê
(10:6), manual eclesiástico do segundo
século, no estabelecimento da observân­
cia da Ceia do Senhor, pode indicar o seu
lugar original no contexto da observância
da Ceia do Senhor no primeiro século.
No fim da carta, Paulo volta, como
fizera ao começar, à graça do Senhor
Jesus (cf. 1:3). O favor imerecido de
Cristo fez de Paulo um seu apóstolo
(15:10) e requereu o amor de Paulo, que
o apóstolo estende a todos os coríntios,
sem exceção. Os coríntios, respondendo
em fé confiante e obediente, estão em
Cristo Jesus. O amor cristão estende-se
até aqueles que entendem erradamente
as implicações do evangelho. A carta de diária, incluindo tanto a teologia como
Paulo mostra como a fé cristã satisfaz o a ética, através do exercício do amor
desafio dos prementes problemas da vida entre aqueles que estão em Cristo lesus.

Emanuence
Digital
e
Mazinho
Rodrigues