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FREIREANO1
Numa de suas últimas entrevistas, Freire (1997) dizia de sua felicidade “por
estar vivo, ainda, e ter acompanhado essa marcha que, como outras marchas históricas,
revelam o ímpeto da vontade amorosa de mudar o mundo, essa marcha dos chamados
sem terras”, em referência à grande Marcha Nacional por Emprego, Justiça e Reforma
Agrária, realizada em fevereiro daquele ano pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), enquanto denunciava a impunidade em relação ao Massacre de
Eldorado dos Carajás, ocorrido em abril de 1996.
Ainda em 1997, o MST realizava o seu I Encontro Nacional de Educadoras
e Educadores da Reforma Agrária (I ENERA) e na mesa de abertura o grande educador
fora lembrado e homenageado com a exibição de um vídeo, por ele gravado no final do
ano anterior.
De lá para cá, Freire continua vivo entre nós contribuindo com seu
pensamento nas elaborações pedagógicas e nas práticas cotidianas de educadoras e
educadores do campo, nas áreas de reforma agrária. Lembrado nas místicas e
homenageado nomeando escolas, assentamentos, brigadas, turmas e núcleos de base.
Anualmente, seu legado é revivido na Semana Paulo Freire e, especialmente ao longo
de todo esse ano de 2017, por ocasião dos 20 anos de seu falecimento, sua memória é
saudada nas várias atividades do Movimento, Brasil afora.
A relação com Paulo Freire vem desde as origens do MST. Se a luta por
educação nasce da necessidade concreta das famílias acampadas de educar seus filhos; a
1
Texto produzido para publicação do livro Paulo Freire: construindo pontes. No prelo em 2017.
2
Paulo Roberto de Sousa Silva é membro do Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) do Ceará. Graduado em Pedagogia, pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Especialista em Educação do
Campo e Desenvolvimento, pela Universidade de Brasília (UnB); Especialista em Trabalho, Educação e Movimentos
Sociais, pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) e Mestre em
Educação Brasileira, pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Endereço eletrônico: pauloroberto.sol@hotmail.com
compreensão de sua importância para transformação social é fortalecida com os
ensinamentos de Freire.
Já nos primeiros acampamentos e assentamentos, quando a necessidade de
organizar a educação das crianças sem terras apontava o desafio de construir uma escola
que valorizasse a história e a luta das famílias e que, ao ensinar a ler e escrever,
promovesse o amor à terra e ao trabalho, era na pedagogia freireana que as primeiras
educadoras encontravam os fundamentos de suas práticas. (CALDART; SCHWAAB,
2005).
Logo em seguida, vem o desafio de alfabetizar a companheirada em luta. E,
mais uma vez, a principal referência vem de Freire, com o método de ensino através de
temas geradores, articulando letramento e leitura do mundo, situando a educação como
humanização e formação crítica dos lutadores do povo, nos círculos de cultura (MST,
2005).
Desde suas origens o MST compreende a educação de jovens e adultos, não
somente como escolarização, mas como formação política, conscientização e libertação.
Compreende que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior
leitura desta não possa prescindir da leitura daquele.” (FREIRE, 1989, p. 9).
Assim, das necessidades concretas nas experiências com educação
realizadas pelo MST ao longo de sua caminhada, à elaboração original que desenvolve
com a Pedagogia do Movimento, a herança da Pedagogia do Oprimido é reconhecida,
como afirma Caldart (2006, p. 143):
Existe uma relação de origem entre a Pedagogia do Movimento
e a Pedagogia do Oprimido (teorizada por Paulo Freire). Ambas
são materializações históricas da Pedagogia da Práxis. E a
Pedagogia do Movimento também é herdeira da Pedagogia do
Oprimido.
A Pedagogia do Oprimido traz para a reflexão pedagógica o
potencial formador da condição de opressão, que exige a atitude
de busca da liberdade e de luta contra a opressão, e que coloca
os oprimidos na condição potencial de sujeitos da sua própria
libertação. A Pedagogia do Movimento continua esta reflexão e
chama a atenção para a dimensão humanizadora/formadora da
radicalização desta busca pela libertação que acontece de forma
coletiva através da luta social: as pessoas se educam/ se
humanizam/ se libertam participando de Movimentos Sociais
cuja dinâmica combina luta social, de perspectiva histórica, e
organização coletiva.
Diante do exposto, o presente artigo pretende refletir sobre a educação no
MST, contextualizando a experiência do Movimento no Ceará, e destacando como o
pensamento freireano comparece nesse percurso, em diálogo com outras teorias e
construções históricas relevantes na educação do MST, a exemplos da Pedagogia
Socialista; da elaboração crítica de pensadores da América Latina, como José Marti; ou
sua própria elaboração com a Pedagogia do Movimento.
Nesse sentido, o texto foi organizado em torno de três aspectos da educação
no MST, na prática indissociáveis, quais sejam: a organização popular e a formação dos
“Sem Terra”; a luta por políticas públicas de educação; e a disputa do projeto de
educação escolar, traduzido na atualidade na concepção de Educação do Campo.
3
“pedagogia do trabalho, pedagogia da terra, pedagogia da história, pedagogia da organização coletiva, pedagogia da
luta social, pedagogia da práxis...” (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 2004, p. 26).
Educação do Campo: direito nosso, dever do Estado!
12
EEM Francisco de Araújo Barros, no Assentamento Lagoa do Mineiro, em Itarema; EEM João dos Santos Oliveira
(João Sem Terra), no Assentamento 25 de Maio, em Madalena; EEM Florestan Fernandes, no Assentamento Santana,
em Monsenhor Tabosa; EEM Maria Nazaré de Sousa (Nazaré Flor), no Assentamento Maceió, em Itapipoca; EEM
Padre José Augusto Régis Alves, no Assentamento Pedra e Sal, em Jaguaretama; EEM Filha da Luta Patativa do
Assaré, no Assentamento Santana da Cal, em Canindé; e EEM José Fideles, no Assentamento Bonfim Conceição, em
Santana do Acaraú.
Ceará, na implantação de 115 Escolas Estaduais de Educação Profissional (EEEP), em
sua política de Ensino Médio integrado à educação profissional13 . (SILVA, 2016).
No que se refere à disputa de sentidos, há um esforço criativo de
intervenção no currículo escolar, a partir das referências históricas que orientam a
Educação do MST: a Pedagogia Socialista, a Pedagogia do Oprimido, a Pedagogia do
Movimento, nos limites de uma escola pública sob a gestão do Estado capitalista,
obviamente.
Do que tem sido possível avançar, destacam-se o vínculo do conhecimento
escolar com a atualidade, com a realidade camponesa, com a cultura, o trabalho e as
lutas, buscando relacionar teoria e prática, conhecimento científico e saber popular; a
centralidade do trabalho como princípio educativo, com foco para atividades produtivas
camponesas, de base agroecológica; a organização coletiva, autônoma e participativa
dos sujeitos; e a formação integral, com diversificação de tempos e espaços educativos,
que contemplem a multidimensionalidade do ser.
Outra frente que tem exigido respostas do MST do Ceará é a Educação de
Jovens e Adultos. Com significativo índice de analfabetismo nos assentamentos e diante
de novas necessidades que a realidade da reforma agrária coloca, o Movimento, desde
suas origens, tem buscado alternativas para alfabetização e elevação da escolaridade
dos acampados e assentados, que tem se efetivado, na maioria das vezes através de
projetos e campanhas viabilizadas pelo Pronera, pelo Programa Brasil Alfabetizado ou
em ações da própria Secretaria Estadual da Educação.
Para ilustrar a medida da luta, vale lembrar o episódio de 1997, quando o
Estado do Ceará enfrentava mais um ano difícil de seca e o MST organizou uma grande
mobilização com 2.500 acampados e assentados, ocupando a Secretaria de Agricultura,
na Avenida Bezerra de Menezes, com uma pauta reivindicando projetos produtivos para
os assentamentos, acesso à água e alfabetização dos jovens e adultos das áreas de
reforma agrária. Essa luta tornou-se um marco histórico pela violência da repressão
policial utilizada, sob o comando do então governador do Estado, Tasso Jereissati; e
pela firmeza e resistência dos Sem Terra, em sua primeira grande mobilização de massa
a reivindicar o direito à educação de jovens e adultos. As aulas iniciaram ali mesmo no
acampamento da Avenida Bezerra de Menezes e continuaram, após a conquista com a
13
http://educacaoprofissional.seduc.ce.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3&Itemid=103,
acessado em 11/10/2016.
luta, em 250 turmas, envolvendo 116 assentamentos, totalizando 2.750 alfabetizandos,
em 32 municípios.
Por ser iniciativa com maior autonomia do Movimento na coordenação dos
projetos, as experiências de Educação de Jovens e Adultos sempre tiveram uma forte
marca da educação popular, através dos círculos de cultura freireanos; com o método
dos temas geradores, vinculando a alfabetização à cultura, ao trabalho, às lutas sociais.
Desde 2008, o Movimento tem introduzido na alfabetização de jovens e adultos no
Ceará, o Método Cubano “Sim, eu Posso!”, contudo, combinando-o com a abordagem
alfabetizadora de Paulo Freire de articulação da leitura das palavras com a leitura do
mundo.
E relação à formação de professores, desde a década de 1990 o MST tem
buscado parcerias com Universidades públicas para dar conta dessa necessidade.
Nacionalmente, em 1993, organiza-se a primeira importante iniciativa de formação de
educadores do MST com o Curso de Magistério dos Movimentos Camponeses,
realizado numa parceria com a Fundação de Desenvolvimento, Educação e Pesquisa –
FUNDEP, em Braga (RS). No Estado do Ceará, em 2004 o MST organiza o Curso de
Pedagogia da Terra, em parceria com a UFC, como uma ação do Pronera, com um total
de 107 estudantes em duas turmas, concluindo em janeiro de 2009, com 88 estudantes
graduados.
É notável, pois, como o Pronera tem sido uma importante ferramenta de
política públicas educacionais para as populações de áreas de reforma agrária e para o
avanço da Educação do Campo, em geral, contribuindo com a elevação da escolaridade
e, de sobremaneira, para o acesso ao Ensino Superior. Com um desenho institucional
que permite a parceria entre os movimentos sociais, instituições públicas de ensino
superior e o Incra, tem possibilitado a construção de arranjos pedagógicos criativos,
incorporando o acúmulo da Educação do MST, a exemplo dos cursos de Pedagogia da
Terra e de tantos outros executados e em curso no país.
O recurso à Pedagogia da Alternância, permitindo articular teoria e prática,
estudo e vivência; a opção por teorias críticas; o vínculo com os movimentos sociais e
suas lutas; o trabalho como princípio educativo; e o compromisso com as problemáticas
camponesas são elementos constituintes, comuns nessas experiências formativas que
contribuem na formação de sujeitos críticos, comprometidos com a transformação
social. A intervenção nesse nivel de educação tem sido importante na disputa do acesso
e do sentindo do Ensino Superior, fazendo com que a “Universidade se pinte de povo”.
Algumas considerações