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O
analytic clinic. We take as a
point of reference the study
of the first Freudian work on
clinical psychoanalytic of método freudiano não equivale nem
childrens. se limita às importantes balizas técnicas esboçadas
Writing; psychoanalysis; cli- por Freud. Foi exatamente por não ter podido tor-
nic case nar seu método explicitamente disponível que
Freud conseguiu trilhá-lo e transmiti-lo através de
suas monografias clínicas. É possível afirmar que a
escassez de recomendações técnicas é imanente ao
método, na medida em que impede o risco de re-
duzi-lo à técnica, que o tornaria passível de aplica-
bilidade. A aplicação de uma técnica, como sabe-
mos, pressupõe a detenção de um conhecimento
que universaliza o objeto e, conseqüentemente,
apaga sua manifestação singular.
A preservação de manifestações do inconsci-
ente nas monografias de Freud testemunha sua
incidência, mesmo quando tal registro ultrapassa
a condição de ser abordado ou quando dissipa sua
opacidade. Essa característica intima a responsabi-
lização do analista quanto a seu ato e quanto à trans-
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te, para, assim, bordear a primeira emergência do desejo de ana-
lisar crianças. Nessa perspectiva, as interrogações que a monogra-
fia de Hans produzem sobre o método analítico e as interroga-
ções que o método analítico produzem sobre a monografia de
Hans tornam-se guias de uma forma de abordagem de um traço
de real da clínica com crianças, relativo ao desejo de analisá-las:
_ A preservação da literalidade do sintoma e da narrativa de
Freud permite ressignificar a abordagem do caso?
_ O que o relato freudiano faz valer enquanto ato do analis-
ta? A narrativa freudiana descola-se do sintoma de Hans, ou com-
põe-se como invólucro dele?
_ O saber adquirido com os ensinamentos de Hans nos exige
ultrapassar o que dele foi dito por Freud com os elementos que o
próprio Freud transmitiu, mais do que o que ele efetivamente
tenha dito ou escrito?
_ Como, enfim, o desejo de analisar crianças comparece na
análise que Freud fez de Hans?
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podia supor protestarem por sua perturba o desejo de analista, que,
benevolência. Entretanto, sem nada especialmente na análise de crian-
impor à criança, parecia difícil que ças, insiste em comparecer: a de-
ela pudesse saber para que serve um manda de transmissão de uma he-
pai, o que faz um pai e a quem um rança simbólica, ou seja, a deman-
filho pertence. da paterna. Seria possível ao analis-
Ao fazer-se autor da monogra- ta, efetivamente, ao analisar uma cri-
fia sobre Hans, Freud testemunha a ança, desprender-se dessa demanda?
importância de Max Graf, fazendo Enfim, o caso Hans nos parece pri-
dele a condição que tornou possível vilegiado para que dele possamos
a primeira aplicação do método psi- depurar algo relativo a essa articula-
canalítico a uma criança tão jovem. ção entre desejo de analista e deman-
Afinal, para Freud, a reunião da au- da paterna.
toridade paterna e médica em uma só Com os aportes teóricos de Jac-
pessoa conjugava o interesse afetivo ques Lacan, podemos constatar, na
ao científico, necessários ambos à clínica de crianças, que todo o uni-
análise de uma criança: verso da psicopatologia de crianças
“O caso clínico não provém de assenta-se na perturbação da trans-
minha observação. [...] assentei li- missão simbólica que permite a cada
nhas gerais do tratamento [...] numa criança efetuar os tempos de sua es-
única ocasião [...] participei direta- truturação para ultrapassar a condi-
mente dele; o próprio tratamento foi ção real de objeto de um outro, ima-
efetuado pelo pai da criança; nin- ginarizar-se identificada ao lugar em
guém mais poderia, em minha opi- que é posta até situar-se numa posi-
nião, ter persuadido a criança a fazer ção de incomensurabilidade desde
quaisquer declarações como as dela; a qual pode desdobrar plenamente
o conhecimento especial pelo qual toda a função significante. Toda a
ele foi capaz de interpretar as obser- série psicopatológica do autismo,
vações feitas por seu filho de 5 anos psicose, debilidade e dos fenômenos
era indispensável; sem ele as dificul- psicossomáticos evidencia que a cri-
dades técnicas no caminho da apli- ança alocada na posição sígnica, ou
cação da psicanálise numa criança mantendo relações sígnicas entre
tão jovem como essa teriam sido in- posições nos laços a que está expos-
contornáveis” (Freud, 1909, p. 15; ta, sofre da insuficiência de exten-
grifo meu). são simbólica. Os requintes com os
De que trata, afinal, essa exigên- quais as inibições, fobias e as per-
cia de conjunção da autoridade pa- versões infantis manifestam-se não
terna e da médica? Poderiamos ler, deixam de estar atrelados à mesma
nessa afirmação, que Freud estaria condição de insuficiência de exten-
querendo significar que o desejo do são simbólica, já que implicam a
analista de crianças não pode pres- impossibilidade de ultrapassar a fun-
cindir de ser veiculado por meio de ção que ocupa para o Outro primor-
uma demanda paterna? Afinal, é dial e distinguir-se em sua incomen-
possível depreender daí algo que surabilidade por meio do acesso a
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palavras, a criança estaria buscando os mesmos sentidos na simi-
laridade fônica. Seu equívoco provocador do riso atesta, para Freud,
que um bom chiste ocorre quando a semelhança das palavras
indica na realidade, ao mesmo tempo, outra semelhança essenci-
al ao sentido, ou seja, quando se comprova a expectativa infantil.
Na mesma via da experiência infantil de jogo com as palavras, o
efeito de prazer do ritmo ou da rima, que não se atém à condição
de sentido, já havia permitido a Freud a hipótese sobre o prazer
do non-sens, rarefeito no adulto à custa da repressão.
Mas, em 1908, tratava-se, para Freud, de defender-se da
incredulidade dos que haviam lido os Três ensaios, como lembra
Octave Mannoni (1994). Muito mais que a análise de uma cri-
ança, o que motivava o interesse de Freud em Hans, como vere-
mos, era a confirmação de suas afirmações anteriores. Foi a esse
interesse que Max Graf aderiu especialmente, ao oferecer as ma-
nifestações de seu filho a seu caro professor.
O OBSERVADOR DE HANS
quais certas formas de arte afetam Munique lhe sugeriu a idéia. De tal
uma platéia e como alcançam seu hipótese, Jensen confirmou apenas
propósito. Esse artigo foi dado a a perda de dois amores mortos su-
Max Graf, que o publicará, em in- bitamente (pp. 342-3).
glês, apenas em 1942 (p. 338). Em Mas, ao nos convidar a interro-
1907, Freud acabara de escrever seu gar o motivo pelo qual o nome do
ensaio sobre a Gradiva e estavam pai de Hans, autor do relato, está
sendo publicados vários estudos ana- apagado na monografia de Freud,
líticos de grandes autores. Freud Martine Gauthron (1992, pp. 151-
ocupara-se, em diversas ocasiões, do 8) esclarece um pouco mais as rela-
método adequado para lidar com ções entre Freud e os pais de Hans.
esses problemas. Em 11 de dezem- Lançando a hipótese de que tal apa-
bro de 1907, Max Graf leu um arti- gamento convém a Freud na apre-
go sobre “Os métodos usados no sentação que ele quer dar desse tra-
estudo da psicologia dos escritores balho, e que o restabelecimento,
criativos”. Freud confirmou suas apenas em 1972, do nome de Max
conclusões e acrescentou outras, a Graf como pai de Hans abre nova
partir da obra de Jensen. Ele consi- possibilidade de leitura do caso, ela
derava que os estudos psicanalíticos relata aspectos da relação entre Freud
podiam lançar luz sobre a motiva- e Max Graf. O interesse na criação
ção dos escritores, tornando-se úteis literária, comum a Freud e a Max
contribuições na pesquisa bibliográ- Graf, faz com que este ofereça seus
fica, interessado que estava em rela- préstimos à tarefa de investigar como
cionar os motivos desvendados em os escritores criativos mobilizam seus
Gradiva com a personalidade de Jen- leitores, e como expõem suas fanta-
sen. Este desconhecia a psicanálise, sias, analisando a obra dos escrito-
mas foi receptivo a Freud, que lhe res para delas retirar ensinamentos
pediu informações sobre a fonte de sobre o processo de criação. Marti-
suas idéias. A resposta de Jensen ne Gauthron observa que Max Graf
nada esclarecia, mas três outras his- explorou a infância dos escritores,
tórias de Jensen com temas seme- propondo um método que evitava
lhantes foram mostradas a Freud, tanto a autobiografia (pelo recalca-
por Jung. No mesmo dia em que mento dissimulador da narrativa),
Max Graf apresentou seu artigo (11 quanto a biografia nos moldes de
de dezembro de 1907), Freud leu Lombroso ou dos psicólogos france-
sua explicação hipotética da fonte de ses (tidos por Graf como “doadores
inspiração de Jensen. Para Freud, da alma” que vêem no escritor um
Jensen teria sido ligado a uma me- tipo de criminoso, neurótico, ou um
nina, possivelmente uma irmã, e te- degenerado superior). Partia dos
ria sofrido uma grande decepção, “motivos pessoais”, ou seja, motivos
talvez pela morte dela. Um defeito poéticos repetidos nas obras de um
físico da menina teria sido transfor- autor, que revelariam os mecanismos
mado pelo escritor num belo andar, mais secretos da personalidade.
e a visão do relevo no Museu de Freud reservou a Max Graf o direito
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de utilizar seu método, uma vez que alegre, bom e vivaz, a experiência de
este seria o único a ter a sensibilida- deixá-lo crescer e expressar-se sem
de artística necessária a tal aproxi- intimidações prosseguiu satisfatori-
mação. É o que permite a Herbert amente” (Freud, 1909, p. 16).
Graf (1972, p. 20) dizer que seu pai A amizade de Freud para com
foi o primeiro a aplicar o método os Grafs também permitiu que, na
psicanalítico ao estudo do processo ocasião do terceiro aniversário de
criativo, com o artigo “Wagner im Herbert, Freud o presenteasse com
Fliegenden Holländer”. Mas Freud um cavalo de pão, verdadeiro cavalo
tenta ir mais longe do que permite de Tróia, como lembra E. Rodrigué
o recolhimento das lembranças de (1995, p. 136)3. Peter Gay (1989,
infância dos escritores, e levanta a pp. 242-3) faz notar que os pais de
hipótese de observar as crianças di- Hans interessavam-se por suas taga-
retamente, por meio de questioná- relices, registravam seus sonhos e
rios preparados para recolher mate- achavam divertida sua promiscuida-
rial (Gauthron, 1992). O terreno de de amorosa infantil, vivendo enamo-
observação não poderia ser Anna rado por todo o mundo. Freud lhe
Freud, já com 11 anos. Entretanto, tinha muito afeto, chamando-o des-
na época, o filho de Max Graf – de então de “nosso pequeno herói”,
Herbert –, nascido em abril de e com admiração o considerava
1903, estava em boas condições para “exemplo de todas as travessuras” e
a observação. que crescia como um burguesinho
A mãe, Olga Höing, havia sido alegre e encantador.
paciente de Freud antes de se casar Freud serve-se da observação
com Max. Freud já havia, também, direta de Hans, antes do surgimen-
aconselhado Olga e Max na ocasião to da fobia na criança. Como lem-
do nascimento de Herbert, quando bra Jones (1989, p. 263), “dois anos
esses o questionaram sobre o proje- antes, Freud havia publicado um
to de um batismo católico para lhe breve relato de dois aspectos do caso.
evitar a rejeição anti-semita. Hans Em um, no qual o menino chama-
tinha como padrinho o músico Gus- se Herbert, trata da curiosidade se-
tav Mahler, amigo do casal. xual das crianças; no outro, escrito
Como se pode ler na Introdu- um ano depois, um menino de 3
ção ao caso Hans, Freud também anos adivinha corretamente a verda-
participou, desde os primeiros anos, de sobre o nascimento observando a
da educação de Hans: gravidez de sua mãe”.
“Seus pais estavam, ambos, en- Realmente, ao escrever ao dr.
tre os meus mais chegados adeptos Fürst sobre o esclarecimento sexual
e haviam concordado que, ao educar das crianças, Freud recorre à curio-
seu primeiro filho, não usariam de sidade sexual de Hans, “filho de pais
mais correção do que a que fosse abso- compreensivos que se abstiveram de
lutamente necessária para manter um reprimir uma parte de seu desenvol-
bom comportamento. E, à medida que vimento” e que “não é uma criança
a criança se tornava um menininho sensual nem com disposição pato-
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quanto adeptos de Freud, aplicaram- gos a reunir observações da vida se-
se em fazer valer suas orientações. xual de crianças, tendo em vista essa
Como lembra Jones (1989, pp. 295- finalidade:
6), é no momento em que Freud “Entre os materiais que me che-
critica duramente aqueles que duvi- garam às mãos como resultado des-
davam da conveniência desse escla- ses pedidos, os relatos que recebi em
recimento (abordando o infortúnio intervalos regulares sobre o peque-
da recusa de esclarecimento e acon- no Hans logo começaram a assumir
selhando o esclarecimento contínuo uma posição proeminente” (p. 15).
desde o início, acompanhando a Efetivamente, os relatórios de
curiosidade e a inteligência da cri- Max a Freud contemplam plena-
ança) que ele se remete pela primei- mente a prova direta e consistente
ra vez a Hans (preservando seu nome dos desejos sexuais infantis. As trans-
próprio, Herbert), antes de o meni- crições das manifestações de Hans
no ter manifestado a fobia. iniciam-se quando este (nascido em
abril de 1903) tem pouco menos de
3 anos de idade, nas ocasiões em que
A OBSERVAÇÃO demonstrava um interesse vivo pelo
ANTECEDENTE À FOBIA seu “pipi”. As notas dirigidas a Freud
(ou por ele destacadas) remetem-se
especialmente a esse fato.
Em janeiro de 1906, Max Graf Max cedeu suas notas a Freud.
passa a observar seu filho. Segundo Gauthron (1992), a ques-
Freud acentua que a peculiari- tão de uma co-publicação não se põe,
dade da observação de Hans reside pois Freud é, para Max, o provedor
no fato de permitir provar os teore- de idéias novas, e por isso não rei-
mas fundamentais da psicanálise, vindica a propriedade intelectual de
dando ocasião a Emilio Rodrigué seu trabalho. Max precisa:
dizer que, se Dora foi fruto do Trau- “Seria impossível para mim dis-
mdeutung, o pequeno Hans foi o re- tinguir as idéias que nasceram es-
bento dos “Três ensaios” (1995a, p. pontaneamente no meu espírito da-
134). Freud (1909, p. 16) escreve quelas que eu tenho do ensino de
que a afirmação de que a sexualida- Freud e das que eu devo à crítica de
de infantil do paciente adulto é a meus colegas” (M. Graf, 1911, ci-
força motivadora de todos os sinto- tado por Gauthron, 1992).
mas neuróticos, parece, a um leitor Em 1907a, ou seja, já sob o
leigo, estranha, e mesmo um psicana- efeito dos relatos de Max Graf,
lista pode desejar ter uma prova mais Freud (pp. 125-35) nos diz que a
direta, e menos vaga. A certeza da criança que brinca comporta-se
possibilidade de se observar em crian- como um escritor criativo e como
ças, em primeira mão e em todo o fres- um adulto que fantasia. Na pers-
cor da vida, os impulsos e desejos sexu- pectiva aqui inaugurada pela leitu-
ais levou-o, por muitos anos, como ra freudiana de Hans, a criança
ele afirma, a encorajar alunos e ami- constitui no jogo sua realidade psí-
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tura que o jogo, o devaneio, o sonho ou a poesia organizam
em complexidades distintas.
Das falas de Hans, presentes na observação transcritiva de
seu pai e anteriores à eclosão da fobia, mais da metade refere-se
diretamente ao pipi: pipi da mãe, pipi da vaca, cortar o pipi,
sangue que sai do pipi, pipi pequenininho de Hanna, pipi invisível
da locomotiva, pipi não visto do papai, pipi da mãe grande como o
do cavalo, pipi pequenininho de Hanna, pipi pequenininho da
boneca, pipi rabo do macaco, pedido para a mãe tocar no seu pipi,
pipi comprido da girafa, pipi embaixo do cavalo, fazendo pipi es-
condido no banheiro, diversão-porcaria de ser tocado no pipi, fazer
pipi como prenda cobrada, ser visto fazendo pipi, pipi bonito de
Hanna. Outra grande parte dos relatos refere-se à relação amo-
rosa de Hans com seus amigos: estar bem à sós com Mariedl,
declara gostar do primo, expectativa de encontrar as meninas, res-
ponde gostar mais de Fritzl, pergunta por suas meninas, declara
que Berta é um amor, insiste para dormir com Mariedl, pede para
dormir com a menina, interroga se vai encontrar a menina, comu-
nica saber onde a menina mora, pergunta se a menina vai beijá-lo.
Os demais relatos abordam a relação da cegonha com as dores de
parto (tosse), com a presença da irmã, ou com meninas tidas como
suas filhas: se a mãe tosse é porque a cegonha vem, o médico está
presente porque a cegonha vem, chá para a tosse da mãe, a irmã
não tem dentes, com febre afirma não querer a irmã, afirma que
suas filhas também foram trazidas pela cegonha.
Podemos assim constatar que muito do que já está escrito
por Freud reaparece na observação de Max: o interesse de Hans
pelo pênis, tanto na investigação empreendida por comparação
sistemática entre o seu e os que pode supor em seus pais, nos
animais e nos objetos, quanto na excitação masturbatória, na ar-
ticulação do que quer ver e do que exibe ou quer esconder; a
desconfiança quanto à fábula da cegonha; a construção de falsas
teorias sexuais como a da cloaca, a de que a mulher tem pênis, a
de que o pênis é dado (pequeno) ou negado (não tem dentes) à
menina, a ameaça de perda do amor pelo nascimento da irmã e a
conseqüente irrupção de ciúmes; a precocidade da substituição
dos pais por outros objetos de investimento amoroso homo e
heterossexuais, as manifestações da resistência à pulsão sexual na
vergonha que faz o exibicionismo sucumbir recalcado e reapare-
cer no sonho.
Enfim, a observação de Max é completamente demonstrati-
va. A fala produzida por Herbert e recolhida por seu pai confirma
absolutamente o que Freud decantara das análises de adultos. É o
que ele próprio afirma:
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Um dos estatutos da criança, perfeições (para a qual um observa-
para Freud, é o daquela constituí- dor desapaixonado não descobriria
da pelo adulto do que teria sido motivo algum) e de encobrir e es-
sua infância. Nesta perspectiva, a quecer todos os seus defeitos (os
criança é a formação imaginária in- quais mantêm estreita relação com
consciente do analisante adulto. Tal a desmentida sexualidade infantil).
estatuto lhe permitiu definir a ca- Além disso, prevalece a inclinação a
tegoria do infantil sem que a mate- suspender, em favor da criança, to-
rialidade da presença da criança se das essas conquistas culturais cuja
fizesse necessária. Foi o que teste- aceitação teve que arrancar de seu
munhou em sua teorização sobre a próprio narcisismo, e renovar, a pro-
sexualidade infantil, elaborada por pósito dela, a exigência de prerroga-
meio da análise das fantasias de ce- tivas a que se renunciou há muito
nas traumáticas dos histéricos tempo” (Freud, 1914a, pp. 87-8).
(1914a, p. 17). Interessa notar a posição de
Freud descartou o método de Hans como falo imaginário. O pró-
observação direta de crianças por prio Freud localiza o filho nessa fun-
considerá-lo fonte de equívocos. Para ção simbólica, situando-o como um
ele, seria necessária a concomitân- dos elementos tratados, no incons-
cia entre a investigação psicanalítica, ciente, como equivalentes entre si e
que remonta até a infância, e a ob- mutuamente substituíveis (1917, p.
servação contemporânea da própria 118). O filho ganha lugar nas
criança, enquanto métodos conjuga- ocorrências influenciadas pelo in-
dos, devido ao fato de que: consciente por se inscrever numa
“A observação de crianças tem a série de termos substituíveis. Como
desvantagem de elaborar objetos que as fases de organização libidinal con-
facilmente originam mal-entendidos, servam-se junto às configurações pos-
e a psicanálise é dificultada pelo fato teriores sem se dissiparem ante as
de que só mediante grandes rodeios que as seguem, tal sincronia atuali-
pode alcançar seus objetos e suas con- za a equação simbólica em que a des-
clusões” (Freud, 1905a, p. 182). valorização dos excrementos trans-
Esses mal-entendidos podem fere o interesse pulsional para obje-
ser situados a partir de outro esta- tos com os quais se pode presentear.
tuto dado por Freud à criança: uma Esse interesse é transposto ao inves-
posição simbólica, lugar de referên- timento no filho e no pênis (1933
cia em que se deposita a formação [1932], p. 93). Considerando a atu-
imaginária do ideal parental: alidade em que “os estados primiti-
“Se prestarmos atenção à atitu- vos podem ser sempre restabeleci-
de de pais ternos para com os filhos, dos” e que “o anímico primitivo é
teremos de discerni-la como renas- imperecível, no seu sentido mais
cimento e reprodução de seu próprio pleno” (1915, p. 287), pode-se con-
narcisismo, há muito abandonado. cluir que há uma medida – que pa-
[...] Assim, prevalece uma compul- rece não ser pequena – de Hans
são a atribuir à criança toda classe de como representante fálico de seu pai.
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te para aqueles que haviam duvidado da importância da sexuali-
dade infantil, mas que ela não alcançava as camadas mais profun-
das, tal como podia ocorrer com a maior cooperação de um adul-
to; a análise da infância feita por um adulto era, portanto, muito
mais instrutiva” (p. 279).
Freud conservou certa inibição impeditiva de aproximar-se
da análise de crianças, como diz Jones. Até o fim de sua vida ele
teria mantido reservas quanto à análise de crianças e à exploração
das regiões mais remotas e ocultas dos primeiros processos men-
tais. Essa cautela de Freud não pode ser desvinculada de sua ex-
periência de acolher as manifestações de Herbert por meio da
organização que seu pai lhe conferiu. Afinal, como diz Jacques
Lacan, o caso Hans permite ver eclodir abertamente a sugestão.
A verdadeira inquisição pressionadora presente no modo interro-
gativo do pai impede que se tomem as manifestações de Hans
como alheias à interferência paterna. Ao contrário, essa incidên-
cia acelera a fobia, fazendo-a, num certo momento, assumir uma
hiperprodutividade:
“As construções de Hans estão longe de ser independentes
da intervenção paterna, com seus constantes erros apontados
por Freud; respondem a elas da maneira mais sensível, como
seu próprio comportamento. [...] Sua colocação na estufa, sob
o fogo cruzado da interrogação paterna, mostra ter sido favorá-
vel nele a uma verdadeira cultura da fobia. Nada nos permite
pensar que a fobia teria tido semelhantes prolongamentos e ecos
sem a intervenção paterna, nem mesmo que ela teria tido, em
seu centro, esse desenvolvimento, nem essa riqueza, nem mes-
mo talvez essa insistência tão pressionante durante algum tem-
po. O próprio Freud o admite, e retoma por sua conta que
poderia ter havido ali, momentaneamente, uma combustão, uma
precipitação, uma intensificação da fobia sob a ação do pai”
(Lacan, 1957, pp. 262-4).
Mas vale notar, ainda com Lacan (p. 262), que a organização
simbólica do mundo, com os elementos culturais que a susten-
tam, não pertence a ninguém, devendo ser recebida, a cada vez,
por um sujeito. Se tal organização simbólica dá à sugestão seu
fundamento incontestável, a abordagem de uma criança em pro-
cesso de estruturação subjetiva não prescinde de sugestão. Talvez
essa sugestão necessária à transmissão simbólica tenha mantido a
cautela de Freud quanto à análise de crianças.
Ao tratar do desejo de analisar crianças, essa pontuação so-
bre a sugestão não é sem conseqüências. Dois fragmentos do
relato de Max Graf a Freud, em fins de 1907, imediatamente
precedentes à eclosão da fobia de Herbert, permitem distinguir
uma função da fobia, articulada ao Hanna’. ‘Por quê?’ ‘Porque seu pipi é
caráter de sugestão dado pela in- tão bonito’” (Freud, 1909, p. 31;
terferência de Max. Nestas, Herbert grifos meus).
sugere estar interrogado sobre aqui- O que situa a angústia de Hans
lo a que, até então, estava alienado: é que ele sabe da existência de uma
se antes respondia ao olhar do ou- diferença, mas não sabe nem do que
tro exibindo-se, passa a notar que é goza, na irmã, nem do que, nele, os
objeto de gozo, e tenta resistir, outros gozam. Para além daquilo que
apropriar-se de uma posição na envolvia seu laço amoroso e erótico
qual possa estabelecer-se, e se des- com sua mãe, Hans mantinha-se na
tacar6 do querer do outro. Por isso, mesma posição em relação a seu pai,
a criança solicita que um pai o pro- estava também exposto sobremanei-
teja da observação do outro, que o ra à vertigem do gozo paterno – o
proteja de pagar a prenda com seu erotismo de seu pai, que o acolhia
pipi oferecido ao olhar do Outro. na posição materna, edificando-o
Afinal, ele pode testemunhar esse como falo imaginário. A constrição
efeito de objeto quando ele mesmo que a observação e o interrogatório
goza, ao olhar o pipi da irmã. lhe impunham, arrancando palavras
“[...] Ontem, quando ajudava e registrando-as, eternizava-o nesse
Hans a urinar, ele pela primeira vez lugar. Hans não podia esquecer.
me pediu que o levasse para trás da Que gozo seu pai visava a ob-
casa, de modo que ninguém pudesse vê- ter? Como oferecer-lhe o usufruto
lo. E acrescentou: ‘No ano passado, sem se perder na deriva? Que saber
quando eu fazia pipi, Berta e Olga poderia, finalmente, satisfazer Max
estavam me olhando’. Creio que isso Graf?
queria dizer que no ano passado ele Nas interrogações feitas a Hans,
sentia prazer em ser observado pelas nas tentativas de captura e compre-
meninas, mas que agora já não é mais ensão das formulações lúdicas de
a mesma coisa. Seu exibicionismo su- Hans, as demandas de Max quanto
cumbiu à repressão. O fato de o desejo ao saber relativo à sexualidade de seu
de que Berta e Olga pudessem vê-lo filho decantavam um desejo dirigi-
fazer pipi (ou o obrigassem a fazer) do ao filho. Essa modalidade de per-
agora se encontrar reprimido na vida sonificação do desejo, pelo pai, ex-
real explica seu aparecimento no cluía, entretanto, a função paterna.
sonho, disfarçado nitidamente no Afinal, como lembra Alfredo Jeru-
jogo de cobrar prendas. Desde então salinsky (1994), o sujeito constitui-
tenho observado repetidamente que se no barramento do desejo da mãe,
Hans não gosta de ser visto fazendo ou seja, na versão significante que a
pipi” (Freud, 1909, p. 30). função paterna introduz no espaço
“[...] Hans (4 anos e meio) es- vazio que esse barramento deixa.
tava novamente vendo darem banho Essa versão paterna é a que permite
em sua irmãzinha, e então começou a à criança (já separada do corpo ma-
rir. Ao lhe perguntarem por que ria, terno e instalada no lugar do Um)
respondeu: ‘Estou rindo do pipi de encontrar sua consistência imaginá-
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ria num personagem outro que a
reconheça. Para que ela possa bus-
car tal consistência no olhar do pai,
este tem de ser desejante, de modo
que a criança escape à identificação
absoluta ao fantasma materno. As-
sim, o pai como personagem é um
olhar desejante que outorga ao ob-
jeto que falta uma versão imaginá-
ria, sem a qual a criança retorna à
reunificação ao corpo materno. Mas
é possível que, no caso de Hans, si-
tuar o desejo do personagem pater-
no e diferenciá-lo da função da ins-
tância paterna implica constatar que
são atos excludentes. A circulação da
função imaginária na constituição
do sujeito pelo lado paterno conta
com um desejo que, entretanto, não
está personificado em Max, mas em
Freud. Como vimos, Max faz de
Hans o dom oferecido a Freud, ou
seja, faz função materna.
Essas hipóteses trazem à tona a
relação de Max Graf com Freud. Ela
permite constatar o estatuto da
transferência aí em jogo, que ultra-
passa o trabalho de investigação e
assenta-se na apresentação de um
relato não do infantil de Max, mas
da infância de uma criança concre-
ta, um filho, objeto com o qual
Freud foi contemplado, sujeito su-
posto desejante, por Max. A curio-
sidade que Max alimentou sobre seu
filho, expondo-o à observação siste-
mática, permite situar a eclosão da
fobia, na criança.
Até a emergência da fobia, Max,
personagem inquisidor, não coinci-
dia com uma assunção de desejo
paterno dirigido à criança, mas era
veículo condutor do que supunha
ser um desejo de Freud. Mesmo
quando Max aponta sua preocupa- fazer pipi. Interessa notar que, ao
ção com o filho angustiado, sua pri- exibir as performances e os equívocos
meira referência é ao fato de estar de seu filho, Max se identifica àqui-
oferecendo a Freud o material para lo mesmo que situa em sua esposa:
um caso clínico: uma ternura excessiva com a qual
“[...] desta vez, lamento dizê- resgata seu próprio narcisismo, imis-
lo, trata-se de um material para um cuindo-o, num relato, às ocorrênci-
caso clínico. Como o senhor verá, ele as produzidas pelo seu filho. A es-
vem apresentando um distúrbio ner- perteza, a lógica e a incongruência
voso que nos tem preocupado mui- de Hans, que seu pai exibe, teria
to [...]” (1909, p. 33). provocado a resistência da criança
Sob efeito de angústia e de ten- em tornar-se espetáculo oferecido
tativas de explicação, como Freud pelo pai ao gozo do Outro? Seria este
constata, Max lhe oferece um caso o fundamento que lança Herbert na
clínico, e, mesmo que Freud afirme manifestação fóbica?
que não é nosso dever compreender Logo após a dissolução da fobia
um caso à primeira vista, ele acolhe de Hans, Max Graf perdeu seu pai e
o desafio de tornar o filho de Max escreveu um esboço de peça de tea-
um caso clínico, antes de tomar tro sobre o tema de um conflito en-
qualquer decisão quanto ao estatuto tre um pai e um filho, sublinhando
do que ocorre com a criança. que ele mesmo esteve nessa situação
Interessa, ainda, recortar o re- com seu pai. Queixava-se da posi-
gistro feito por Max na seqüência de ção de Freud, muito estrito com seus
sua comunicação a Freud: alunos, e admirava Adler, que sabia
“[...] Ele receia que um cavalo vá defender calma e firmemente suas
mordê-lo na rua. [...] Será que ele viu posições. Sem tomar partido, lem-
um exibicionista em alguma parte? Ou bra Gauthron (1992, p. 158), Max
tudo isso está simplesmente relaci- acabou se retirando dos encontros
onado com sua mãe? [...]” (1909, às quartas-feiras, mas guardou sua
p. 33; grifos meus). relíquia: o texto de Hans.
Se Max indica que o terreno
para tal temor teria sido oferecido
pela ternura excessiva da mãe, pro- PARA CONCLUIR
vocando-lhe uma superexcitação,
como situar o exibicionista suposto
por Max em outra parte que não Encontramos balizas que permi-
nele mesmo, que instigava a criança tem a interrogação sobre o enreda-
a apresentar seus pensamentos, para mento do desejo de analisar crian-
exibi-los a Freud? Não é difícil su- ças à personificação de um desejo de
por que haveria relações entre tal saber que contempla o gozo do clí-
exibição, a que Max intimava o fi- nico, sendo, por isso, capaz de cons-
lho, e o fato de Hans demonstrar tranger uma criança à inibição. In-
apreensão em ser visto, tentando teressa notar que aqui se encontra,
esconder-se do olhar do outro para mais uma vez, uma versão em que
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saber e gozo são vergados em direção à sinonímia. Desta forma, a
possibilidade de uma criança articular significantes para desarri-
mar o gozo ao qual está aderida pode encontrar, como obstáculo,
um outro gozo: o fascínio pelo saber com o qual o clínico se
deleita, à custa da criança. Isto nos interessa porque o saber pode
ser fascinante, especialmente quando um clínico reencontra numa
criança a possibilidade de resgatar o desconhecimento sobre o
que, da sua infância, teria esquecido.
Afinal, não é sem motivo que, muitas vezes, na clínica com
crianças, pode-se assistir a uma resistência ao tratamento, que se
manifesta quando a criança, por exemplo, declara-se saturada das
perguntas a ela dirigidas por seu analista. Mas vale considerar,
nesse caso, que a resistência ao tratamento é do analista. Assim,
as perguntas, no laço transferencial, podem tornar-se dentes tri-
turadores não dos sintomas, mas do sujeito em estruturação. Na
medida em que força a produção de uma cena, fazendo aparecer,
erigindo evidências, o analista faz-se obsceno, ou seja, retira-se da
cena imiscuindo-se sorrateiramente nela, e faz uma clínica coer-
citiva, mas sem ato. Assim, não apenas põe obstáculos para a
transferência, mas também lança a criança à deriva.
Entretanto, é na literalidade da narrativa escrita do caso
que poderemos reconhecer e distinguir o que há de singular na
clínica. Tal literalidade é cara à psicanálise porque o que o ana-
lista grafa e apaga da clínica é o que concebe como relevante ou
desnecessário, evidenciando que seu ato de escrever está regula-
do pela responsabilização quanto ao seu ato clínico. Dizer da
regulação do escrito pela clínica é dizer que o escrito submete-
se, queira ou não, saiba ou não, às mesmas regras estruturais do
que faz ato clínico. Nesta medida, a transmissão da clínica psi-
canalítica pelo que dela se escreve constringe o que há de singu-
lar no encontro desencontrado desta experiência. O real, ou o
singular da clínica, que o clínico necessariamente desconhece,
só pode ser abordado depois de ter sido transposto para outro
sistema de registro antes de ser localizado, antes de tornar-se
legível. Recuperar a operação de apagar e de ressaltar trilha-
mentos do caso no registro escrito deste é descompor séries
imaginárias que bordeiam e encobrem o real, a letra, ou o sin-
gular do caso. Destituí-las de sua condição imaginária é, por-
tanto, reduzi-las por meio de operações simbólicas que carto-
grafam, distinguem séries correlatas e reencontram a repetição.
Daí a função da narrativa: só o encadeamento significante per-
mite ler, no escrito, a constrição real, ou seja, a singularidade
do caso que não é nem apenas da estrutura do paciente nem de
suas manifestações sintomáticas, mas refere-se ao encontro de-
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Graf, H. (1972). Memórias de um homem dicativo de outros verbos da primeira conju-
invisível. Herbert Graf relembra meio sé- gação latina. A palavra ordinariamente utili-
culo de teatro: um diálogo com Francis zada para designar esses exemplos tipo no
Rizzo (P. Vidal, trad.). Revista Letra ensino de línguas é ‘paradigma’, e quando eu
Freudiana, Hans e a fobia, nº 24, ano o estendi a problemas científicos tipo, [...],
XVII, 1999. parece-me que não falseei o sentido. [...] [Es-
Graf, M. (1911). Wagner, R. im Fliegenden ses manuais] apresentam soluções completas
Holländer, ein Beitrag zur Psychologie aos problemas, aos quais a profissão conferiu
künstlerischen Schaffens. Schriften zur an- o estatuto de paradigmas; pois eles deman-
gewandten Seelenkunde, 9. dam ao estudante... resolver ele mesmo pro-
Jerusalinsky, A., O desejo paterno. Amareli- blemas bastante semelhantes, quanto ao mé-
nhas, Associação Psicanalítica de Curiti- todo e ao conteúdo, àqueles que ele já en-
ba, 1994. controu no manual ou no curso do professor.
Jones, E. (1989). A vida e a obra de Sigmund [...] Infelizmente [...] os paradigmas ganha-
Freud, Vol. II. Rio de Janeiro, RJ: Imago. ram vida própria, caçando, em larga medida,
Kuhn, T., La tension essentielle. Paris: Galli- a referência anterior ao consenso. Começan-
mard, 1990. do como solução de problemas tipo, eles es-
Lacan, J. (1957). O seminário, Livro IV, A tenderam seu império, apropriando-se pri-
relação de objeto. Rio de Janeiro, RJ: Jorge meiramente dos livros clássicos nos quais
Zahar, 1995. apareceram inicialmente esses exemplos acei-
Mannoni, O. (1994). Freud – Uma biografia tos atualmente, para anexarem-se finalmente
ilustrada. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar. ao conjunto disso a que aderem os membros
Rodrigué, E. (1995). Sigmund Freud – O sé- de tal ou tal comunidade científica. [...] a
culo da psicanálise, 1895-1995. São Paulo, palavra ‘paradigma’ só é apropriada ao pri-
SP: Escuta. meiro desses sentidos”.
2 Nesse aspecto, Canguilhem (1958) nos
guia: “Procurou-se, por muito tempo, a uni-
NOTA S
dade característica do conceito de uma ciên-
cia na direção de seu objeto. O objeto ditaria
1 Thomas Kuhn (1990) situa-nos quanto à o método usado para o estudo de suas pro-
definição e à função do paradigma: “Se não priedades. Mas era, no fundo, limitar a ciên-
se ensinam definições aos cientistas, são-lhes cia à investigação de um dado, à exploração
ensinados métodos tipo de resolver proble- de um domínio. Quando se constatou que
mas escolhidos [...]. Se eles assimilam um toda ciência se dá mais ou menos seu dado e
conjunto suficiente desses exemplos tipo, eles dele se apropria, e desse fato, o que se chama
podem modelar sobre eles sua pesquisa ulte- seu domínio, o conceito de uma ciência pro-
rior, sem precisar haver acordo sobre o con- gressivamente tem bem mais o estatuto de
junto das características que fazem deles seu método do que de seu objeto. Ou, mais
exemplos tipo, justificando sua aceitação. Esse exatamente, a expressão ‘objeto da ciência’
procedimento parece bastante próximo àque- recebeu um sentido novo. O objeto da ciên-
le pelo qual os estudantes de línguas apren- cia não é mais somente o domínio de seus
dem a conjugar verbos e a declinar nomes e problemas, dos obstáculos a resolver, é tam-
adjetivos. Eles aprendem, por exemplo, amo, bém a intenção e a visada do sujeito da ciên-
amas, amat, amamus, amatis, amant, e usam cia, é o projeto específico que constitui como
essa forma tipo para obter o presente do in- tal uma consciência teórica” (p. 78).
Recebido em março/2003.
Aceito em abril/2003.
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