Ação afirmativa para negros(as) nas universidades: a concretização do
princípio constitucional da igualdade
Considerações preliminares
A Constituição assegura a “igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola”. Para analisar os aspectos jurídicos da interseção do sistema de ensino/igualdade racial, deve se ter como início a interpretação do princípio constitucional da igualdade.
Breve Digressão Histórica
Já nos séculos 17 e 18, com as revoluções burguesas, baseados na ética cristã,
buscava-se a igualdade entre os seres humanos. A igualdade de todos perante Deus, foi traduzida em termos jurídicos, na igualdade de todos perante a lei. Assim, o direito de igualdade era contrário ao direito de privilégios, impondo ao Estado o dever de criar regras gerais e impessoais Ainda hoje, o termo igualdade é conhecido como princípio da discriminação, e não como antítese de desigualdade. Igualdade e discriminação, seriam então palavras antônimas expressando conceitos contraditórios. A Constituição Federal, não somente a atual, mas, as de 1934, 1967 e 1969, já repulsavam a utilização de atributos pessoais como fatores de discriminação. Nesse sentido, igualdade denotaria não fazer distinção, não discriminar, deduzindo-se que o princípio de igualdade seria um conteúdo negativo, fazendo do Estado um Estado absenteísta. No entanto, o ideal seria uma atitude positiva do Estado, atuando no sentido de promover a igualdade racial, ao invés de apenas não discriminar.
Ação afirmativa na Constituição de 1988
A Constituição Federal de 1988, marco jurídico do processo de democratização da
sociedade brasileira, de forma inédita, refletindo pressão das entidades populares, consagrou um grande leque de enunciados destinados não só à repressão da discriminação, mas, à promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento. Em seu art. 5º, inciso XLI, a CF determina a punição de “qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Tal consideração ganha relevância, se verificarmos que no plano das relações de trabalho, a Constituição vigente correlaciona igualdade e discriminação em duas fórmulas distintas e enlaçadas em concordância prática:
1.proíbe e sanciona a discriminação nas circunstâncias em que produziria
desigualação, de outro lado; 2.prescreve discriminação como forma de compensar desigualdade de oportunidades.
Esse significado binário, evitar a desigualdade versus promover a igualdade,
atribui ao princípio da igualdade dos conteúdos distintos e complementares:
1.conteúdo negativo (abstenção, não fazer, não discriminar); e
2.conteúdo positivo, impondo obrigação de fazer, de promover a igualdade.
O princípio da não discriminação (o aspecto repressivo)
A Constituição Federal , no seu preâmbulo, já repudia o preconceito de raça, cor,
idade e aos portadores de deficiência. Esta ação negativa do Estado, no sentido apenas de impor penas pela discriminação, não agindo positivamente no sentido de promover a igualdade, resultou desde a promulgação da Constituição vigente até a edição de um pequeno leque de leis ordinárias com o intuito de coibir, e punir a discriminação injusta.
O princípio da promoção da igualdade (o aspecto promocional)
A dimensão positiva do princípio da igualdade está sustentada em três espécies de
regras constitucionais: - A primeira, de teor rigorosamente igualitarista, atribui ao Estado o dever de abolir a marginalização e as desigualdades; - Uma segunda espécie de regras fixa textualmente prestações positivas destinadas à promoção e integração dos segmentos desfavorecidos; - Por último, mas não em último lugar, as normas que textualmente prescrever a discriminação justa, como forma de compensar desigualdade de oportunidades.
Assim, a Constituição de 1988, passou a prescrever uma nova modalidade de
discriminação, a discriminação justa. Reside no próprio Texto Constitucional, o critério da discriminação, que demarca as duas espécies de discriminação disciplinadas pela Constituição Federal: uma contrária e a outra conforme o princípio da igualdade, de modo que, não sendo atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, a discriminação é plenamente admitida no sistema jurídico brasileiro.
A conformidade da ação afirmativa com os atos e tratados internacionais ratificados
pelo Brasil
A legalidade do emprego da cor/raça como critério para a distribuição de direitos e
oportunidades contabiliza amplo respaldo no direito internacional. O ordenamento jurídico brasileiro, recepcionando os tratados internacionais, é verdadeiro pródigo no tocante à existência de regras favoráveis a tal medida. No caso específico do acesso à educação, o próprio Estado brasileiro reconhece as desvantagens educacionais experimentadas pela parcela negra da população brasileira. Por último, mas não em último, a Declaração e o Programa de Ação deliberados na III Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerância Correlata, devem servir de balizas para a implementação de uma política de promoção e de igualdade racial no acesso ao ensino superior.
Projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional
Tramitam no Congresso Nacional, 130 projetos de lei sobre a questão racial.
Nota deves ser dedicada para registrar que até bem pouco tempo, os projetos de lei preocupados com políticas de promoção da igualdade racial tendiam a naufragar logo no início do processo legislativo. O argumento era o de que propostas de “cotas” seriam incompatíveis com o princípio da igualdade enunciado da Constituição Federal. Tratava-se de argumentos puramente ideológicos.
Cotas no vestibular – uma experiência que remonta aos anos 60 do século passado
No dia 3 de julho de 1968, o Congresso Nacional aprovava a Lei nº 5.465,
atualmente revogada, que “dispõe sobre o preenchimento de vagas nos estabelecimentos de ensino agrícola”. Desde os anos 70, o Brasil é signatário de acordos de cooperação científico- tecnológica com países africanos. Por meio desses acordos, os estudantes são selecionados nos seus países de origem e ingressam nas melhores universidades brasileiras sem passarem pelo discutível crivo do vestibular. A proposta de ação afirmativa destinada a impulsionar o ingresso de estudantes negros nas universidades, visa corrigir uma desigualdade histórica, e permitir que os talentos e potencialidades possam, em igualdade de condições, ser revelados, com base na performance que negros e brancos apresentem em sala de aula.
OIT. Manual de Capacitação e Informação Sobre Gênero, Raça, Pobreza e Emprego. Questão Racial, Pobreza e Emprego No Brasil. Tendências, Enfoques e Políticas de Promoção Da Igualdade PDF
Os engenheiros do caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições