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~1~

Callie Hart
#2 Savage Things

Série Chaos & Ruin

Tradução e Revisão: Juliana S.

Data: 01/2017

Savage Things Copyright © 2016 Callie Hart


~2~
SINOPSE
Zeth

No olho de um grande furacão tudo é calmo. É só quando a tempestade


avança que a sua vida explode em caos.

A $#*& finalmente está prestes a bater no ventilador para Zeth. Depois de


meses de tranquilidade, os lobos estão na sua porta, os dentes à mostra e
rosnando, querendo sangue, e os elementos sinistros do submundo de Seattle estão
cada vez mais próximos. Em outras palavras, as coisas estão prestes a ficarem
ruins. Péssimas, na verdade.

Mas Zeth Mayfair não é o criminoso padrão, no entanto.

Se a máfia de Nova York quer a sua fidelidade, vai precisar lhe obrigar a se
submeter. Se os policiais o querem atrás das grades, vão ter que pegá-lo primeiro.

Ele vai matar os lobos. Ele vai sair da tempestade. Ele vai fazer seus inimigos
sofrerem. Zeth Mayfair está pronto para se autoproclamar o dono da cidade, e foda-
se quem se atrever a ir contra o rei.

Eles vão obedecer, ou vão cair.

Cada uma que faça a sua escolha.

Sloane

A morte é uma vadia.

Sloane Romera vê a morte todos os dias, a encara nos olhos e nem sequer
estremece. Quando Mason Reeves entra com a sua pequena irmã na emergência do
St. Peter, uma nuvem negra paira sobre a menina – uma que Sloane reconhece
muito bem. Millie está muito doente, mas não é tarde demais. Sloane está
determinada a fazer tudo ao seu alcance para ajudar a criança, independentemente
de quantas regras serão quebradas no processo.

Mas Mason está preso em um pacto com o diabo. Um pacto que desenha um
grande alvo nas costas de Sloane. Há muitas chances de que ela esteja morta pela
manhã, e o homem que ela ama não vai ser capaz de salvá-la dessa vez.

Se tem uma coisa que Sloane sabe, é que você não pode enganar a morte.
Quando o Ceifador exige uma vida, uma vida deve ser dada. Não adianta
barganhar. Implorar é inútil.

Uma vida por outra.

A dívida deve ser paga.

~3~
A SÉRIE

Série Chaos & Ruin

Callie Hart

~4~
Capítulo Um
MASON
Um pássaro entrou voando pela janela da casa quando eu era garoto.
Eu não consigo me lembrar que espécie era. Suas asas eram marrons com
um pouco de dourado, e as pontas das penas eram tingidas com um azul
suave que só podia ser visto de alguns ângulos, quando a luz batia sobre
elas. O pássaro estava quebrado. Seu peito minúsculo subia e descia
rapidamente, seu bico aberto, os olhos pretos cheios de medo. Meu pai,
chapado pra caralho, como sempre, o pegou e o colocou nas minhas mãos.
Eu tinha sete anos, e ele me disse para quebrar o seu pescoço.

— Olhe para isso, garoto. Ele está acabado. Não tem porque pegá-lo e
deixar ele cagando pela casa toda.

Eu ainda não sei por que ele estava tão preocupado sobre aquela
coisinha tão pequena e quebrada cagando pela casa. Ele não tinha como
voar para lugar nenhum. A luz nos seus olhos estava desaparecendo
rapidamente quando eu coloquei seu corpo partido contra o meu peito, as
bicadas frias e ferozes nas minhas mãos nuas, e eu sabia que meu pai tinha
razão. O pássaro estava morrendo. Ele não tinha muito mais tempo de vida,
e eu tinha consciência disso. Mas eu não podia apenas quebrar o seu
pescoço. Eu não podia. Quando meu pai perdeu a paciência comigo,
percebendo que eu não ia matar a criatura em minhas mãos, ele tentou
arrancá-lo de mim e terminar o trabalho ele mesmo.

Eu corri.

Eu corri para o jardim e pelo lado do nosso duplex, saltando sobre as


latas derrubadas e amassadas, passando por montanhas de sacos pretos
cheios de lixo que vazavam o seu conteúdo sobre as pedras rachadas entre
os prédios e a cerca grafitada que separava a nossa casa do sombrio abrigo
para mulheres ao lado.

Virei à esquerda e corri pela rua, passando por uma fileira de carros
grandes dos anos oitenta e o Ford F250 quebrado do Sr. Wellan. Evitei as
poças de água, sem me importar quando não conseguia desviar delas e
afundava meus tênis velhos nas piscinas rasas e os molhava imediatamente.

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Eu não estava vestido para estar na rua. Eu estava jantando – postas de
peixe e batatas amassadas – quando o pássaro entrou pela janela da
cozinha, surpreendendo a minha mãe, então eu estava usando a calça do
meu pijama e uma camiseta fina. Lá fora, com o ar frio do inverno
apunhalando todas as partes nuas do meu corpo, eu estava ciente que
estava muito frio para sair correndo como um louco vestindo quase nada,
mas eu não tinha escolha. Meu pai não me deu escolha. Eu já tinha visto
aquele olhar cruel, maldoso em seus olhos antes. Eu sabia que ele não
ficaria feliz até que o pequeno pássaro estivesse morto.

Corri até que meus pés estivessem dormentes, tanto pelo frio quanto
por batê-los contra a calçada dura. Finalmente, parei na entrada de uma
pequena lanchonete, ofegando, meu coração acelerado e os olhos ardendo.
Eu não sabia se era por causa do frio ou da corrida, ou porque eu não queria
que o pássaro morresse, mas tinha noção de que não podia evitar. Não parei
para analisar. Apenas segurei o pássaro no meu peito e tentei recuperar o
fôlego.

Fiquei ali por um tempo, pressionando minhas costas contra a parede


de tijolos ásperos do lado de fora da pequena lanchonete, fingindo não notar
as expressões irritadas ou preocupadas das pessoas que entravam e saiam.
Lentamente, suavemente, cuidadosamente eu acariciei as asas quebradas do
pássaro com o meu dedo indicador, então sobre as suas costas e depois
sobre a cabeça minúscula. Cada vez que fazia isso ele fechava os olhos,
apenas para abri-los de novo, olhando para mim, obviamente com medo,
obviamente morrendo.

Depois de muito tempo, ele não abriu os olhos novamente. Seu coração
minúsculo parou de bater na palma da minha mão, e suas asas pararam de
se contorcer e tremer. Levei-o para casa, arrastando os pés, sentindo como
se tivesse perdido uma batalha de alguma forma. Eu sabia que não poderia
salvá-lo, mas o fato de ele ter morrido em minhas mãos fazia parecer como
se eu tivesse falhado com ele de alguma forma. Eu deveria ter sido capaz de
superar a morte. Eu deveria ter sido capaz de levá-lo para longe dela, de
ajudá-lo a escapar do seu destino de alguma forma, mas isso não tinha
acontecido. Eu não tinha sido capaz. Eu falhei com ele.

Isso foi a muito tempo atrás, mas eu ainda me lembro do minúsculo


pássaro e suas asas azuis. Eu me lembro de como ele era pequeno em
minhas mãos. Eu me lembro de como ele era quebrado e indefeso, e me
lembro do olhar triste em seus olhos quando ele se acomodou contra mim,
sua vida se esvaindo. Eu me lembro disso tudo agora, quando seguro minha
irmã contra mim na parte de trás de uma ambulância, agarrado a ela, me
recusando a deixar que os paramédicos a levem de mim, porque ela é como o

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pequeno pássaro. Sua vida está se esvaindo e não há nada que eu possa
fazer sobre isso.

— Senhor. Senhor, você realmente precisa soltar ela agora. Não


podemos monitorar ela adequadamente se você não fizer isso, — a mulher
com a jaqueta de paramédica fechada até o pescoço estende a mão para
mim, implorando com os olhos e com palavras para que eu coopere. —
Precisamos dar uma olhada nela, Mason. Ela vai estar bem aqui o tempo
todo.

Acima de nós, a sirene da ambulância gritava frenética e


urgentemente. Pontos brancos dançavam nos meus olhos. As pernas de
Millie saltaram uma e outra vez enquanto ela convulsionava, seus pequenos
dedos curvados de forma estranha contra as solas dos pés. A paramédica
respirou lentamente, com a mão ainda estendida para mim, os olhos presos
nos meus, e eu vi algo nela que me deu a força para colocar ela sobre a maca
ao meu lado. Eu sentia como se a tivesse traído da pior maneira quando a
mulher, uma estranha, começou a checar os sinais vitais de Millie.

— O pulso está fraco. Pupilas dilatadas. Não-responsivas, — ela


balançou ao redor, me prendendo contra a parede da ambulância com seu
olhar cirúrgico. Ela parecia calma demais quando disse, — A sua irmã foi
diagnosticada com quaisquer condições pré-existentes?

— Porra, sim, claro que ela foi! — eu bato a mão na parede ao meu
lado, tentando respirar, manter o controle, mas é difícil demais. — Eu
expliquei tudo para a mulher que me atendeu no 911. Ela tem Síndrome de
Lennox Gastaut.

A paramédica assentiu para minhas palavras irritadas. — Eu sinto


muito, Mason. Eles nos dão o máximo de informações que conseguem, mas
nós temos que checar. Temos que ter certeza antes de dar qualquer
medicamento. Prometo a você, nós vamos cuidar da Millie, mas agora você
precisa fazer um resumo da sua história, ok? O mais rápido possível. Ela
toma algum remédio com receita?

Isso me fez rir. Millie toma um coquetel de pílulas multicoloridas duas


vezes ao dia desde que é um bebê. Eu dito a lista infinita de remédios de
Millie, que eu dou o meu couro trabalhando para conseguir pagar, e a
paramédica acena enquanto verifica as vias aéreas de Millie e a belisca com
força no braço.

Eu estou acostumado com isso. Acostumado com as pessoas


apertando e espetando o minúsculo corpo da minha irmã, mas isso nunca
fica mais fácil. Eu sei que ela vai estar toda roxa no final desse episódio.
Esse seria o melhor cenário. O pior cenário: ela hospitalizada por dias. Ela
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pegar pneumonia, como aconteceu no ano passo, e ela ter que passar oito
dias em coma induzido para o seu corpo poder se curar. Ela sente falta da
escola e dos seus amigos. Eu tenho que deixar ela na ala pediátrica, apesar
do quanto me mata dizer adeus todas as manhãs, porque eu tenho que ir
trabalhar para pagar o plano de saúde.

As contas são sempre maiores que os meus rendimentos. Mas eu


sempre tento conseguir dinheiro o bastante para cobrir as despesas dela.
Vivo aterrorizado de que um dia isso não aconteça. Talvez um dia ela fique
doente e eu não tenha trabalhado horas o bastante na oficina. Eu não tenha
feito horas extras. Eu não tenha favores a fazer para Mac, ou ele tenha dado
o trabalho extra para David ou até mesmo para Marcus.

A paramédica puxa a sua sacola médica e procura alguma coisa. Ela


produz uma agulha hipodérmica e uma garrafinha cheia de líquido
transparente e sorri. — Isso é clobazam. Deve fazer a sua irmãzinha se sentir
melhor logo.

Eu não vou, no entanto. Millie reage mal a clobazam, mas não há mais
nada que pare as suas convulsões. Ela vai vomitar por horas quando se
recuperar desse estado fodido; da última vez que isso aconteceu, eu tive que
segurá-la a noite toda enquanto ela chorava e vomitava por tudo. Mas era
melhor do que isso. Era melhor do que ver seus olhos desfocados e vagos
enquanto todo o seu corpo treme e ameaça se partir ao meio.

Eu observo a paramédica administrar eficientemente o conteúdo da


agulha hipodérmica na dobra do braço da minha irmã, e cubro a minha
boca, esperando, desejando que Millie puxe uma respiração profunda e saia
dessa merda agora mesmo.

Vamos lá. Vamos lá. Vamos lá, por favor...

Meu coração está preso, lutando para continuar batendo nesse


momento. Tudo ao meu redor é um borrão. A única coisa que eu vejo é Millie
– sua cabecinha perfeita caída para trás, os tendões em seu pescoço
repuxando sob a pele como cabos esticados, suas mãos, um quarto do
tamanho da minha, se contorcendo, seus dedos abrindo e fechando
involuntariamente. Vamos lá, Millie. Vamos lá, garotinha. Você pode fazer
isso. Você consegue. Vamos lá.

Nada acontece.

— Eu vou lhe dar algo mais, algum valproato de sódio, Mason. Está
tudo bem. É normal as pessoas precisarem de um pequeno empurrão às
vezes.

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Ela não percebe quantas vezes eu já passei por isso. Ela não percebe
que eu sei que vinte CCs de qualquer coisa não é normal. Bem, a menos que
seja administrado para um homem adulto. Definitivamente não deveria ser
injetado no sistema circulatório de um minúsculo ser humano de seis anos
de idade. Mantenho meus lábios apertados, no entanto. Observo a
paramédica fazer o seu trabalho, lidando com Millie com cuidado enquanto
lhe dá o que ela precisa.

Isso tudo é uma grande besteira.

Uma grande besteira do caralho.

Millie puxa uma respiração áspera e profunda, suas pálpebras batem e


ela se arrasta para fora da convulsão. Ela faz um som dolorido e triste, como
um animal pego em uma armadilha para ursos, e então seus olhos reviram
para trás e sua cabeça cai inconsciente.

— Provavelmente é melhor assim, — a paramédica diz. — Melhor que o


corpo dela descanse um pouco. Ela está bem agora. Ela vai ficar bem,
apenas espere e você vai ver.

Millie está muito longe de estar bem. Eu sei disso. A paramédica sabe
disso. Ela está tentando ser gentil, me alimentando com mentiras brancas,
mas a sua casual distorção da verdade só me deixa irritado. Quando foi que
mentiras já resolveram um problema? E quando ignorância cega já ajudou
uma pessoa a se preparar para o que estava vindo?

Enquanto a ambulância corta as ruas de Seattle, seguindo uma rota


que eu já tenho decorada na droga do meu cérebro, tenho que lembrar de
respirar. Se não fizer isso, eu vou acabar com essa paramédica, não vou ser
capaz de me parar, e isso não vai ajudar ninguém. Muito menos Millie.

***

SLOANE
Nada mais me choca. Nada. Eu já vi de tudo. Acidentes de carro são os
piores. São nesses que as pessoas são levadas para a área de trauma,
falando, fazendo perguntas, preocupadas com seus entes queridos, talvez
reclamando de uma leve dor de estômago, mas parecendo bem. E então no
próximo minuto a pele deles está cinza e eles estão se dobrando, e a dor de
estômago da qual eles estavam falando e você não deu muita bola na
verdade se torna uma grave hemorragia interna, seus órgãos estão

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esmagados como uma polpa e eles estão morrendo porque é tarde demais,
tarde demais para qualquer coisa, e então tudo acabou.

Choque. Choque faz coisas estranhas com o corpo humano. Ele deixa
você dormente, faz você continuar correndo, funcionando, quando deveria
ficar parado. Você nem percebe que seus ferimentos são maiores do que
pensou até que as coisas progridem para um ponto sem volta, e então é isso.
O fim. Nada mais pode ser feito.

Eu vejo isso acontecer. Todo. Santo. Dia.

— O que nós temos? — eu coloco as luvas e paro do lado de fora do


hospital, esperando a ambulância aparecer. Essa é a minha primeira
chamada nesse turno; tem sido uma manhã tranquila, o que é bom,
considerando que todos estão de folga porque estão gripados e nós estamos
operando com uma equipe mínima. Eu não tive que empurrar ninguém fora
do caminho para pegar essa chamada, e isso é uma raridade, com certeza.
Normalmente as pessoas estão subindo umas sobre as outras para
conseguir o “bilhete premiado”, como os internos eloquentemente chamam,
especialmente quando o paciente a caminho precisa de cirurgia. Toda a
equipe de cirurgia deve manter uma média de horas na sala de operações
para cumprir com a política de competências do St. Peter; reivindicar um
paciente antes que outros o façam é geralmente a diferença entre aprender
no trabalho ou passar horas no fim do mês preso em um laboratório de
habilidades iluminadas no seu tempo livre, e tempo livre não é algo que se
joga fora por aqui a menos que seja cem por cento necessário.

— Garotinha, — Gitte, uma das enfermeiras, me diz. Ela é nova –


jovem, mas eficiente. As enfermeiras gostam de judiar dos novos membros
em seus times quando eles chegam, uma verdadeira prova de fogo, e Gitte
não foi exceção. No entanto, ao contrário da maioria dos novos membros,
Gitte lidou com cada situação com graça e facilidade. Quando confrontada
com os mais intensos casos de trauma, ela permaneceu estoica. Ela era o
epítome da frieza, calma e concentração. Quando lhe disseram que ela teria
que limpar urinóis e mudar cateteres por um turno inteiro, ela não
reclamou. Em vez disso, ela pegou a prancheta que Gracie, a enfermeira
chefe, entregou a ela e foi encontrar seu primeiro paciente, sorrindo
amavelmente, falando com todas as pessoas enquanto ela ia de quarto em
quarto.

Esse foi o maior teste de todos. Geralmente, as enfermeiras


experientes – qualquer profissional de saúde, na verdade – pensam que estão
acima das tarefas mais básicas depois de alguns anos apanhando na
unidade de trauma. Chegar e aceitar tarefas que envolvam urinóis com um
sorriso no rosto e real interesse por cada paciente é, bem, quase impossível.

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— Os paramédicos já enviaram as informações sobre ela. Millie Reeves,
seis anos. Histórico de Síndrome de Lennox Gastaut, com convulsões tônicas
e mioclônicas. Deu baixa no St. Peter quatro vezes nos últimos oito meses,
bem como duas vezes no Halle and Prentice Medical. Ela convulsionou por
aproximadamente oito minutos na ambulância. A paciente ainda está
inconsciente.

Eu guardei as informações mentalmente. — Medicamentos?

— Clobazam e valproato de sódio na veia.

— Jesus. Arriscado, — administrar clobazam e valproato de sódio


juntos pode ser muito eficaz, mas você também precisa saber exatamente
que porra está fazendo, do contrário vai acabar matando o paciente. Mas os
paramédicos são bem treinados. De jeito nenhum eles administrariam uma
droga se não fosse absolutamente necessário. — Bipe os pediatras. Informe a
eles que temos uma paciente regular chegando. O Dr. Massey está aqui
hoje?

Gitte franze o cenho. Ela olha para o tablet que está segurando,
provavelmente procurando nas linhas do plantão quem está trabalhando
essa manhã. Ela balança a cabeça. — Ele não deveria estar aqui, — ela diz.
— Mas eu juro que o vi na UTI uma hora atrás.

Ela deve ter visto. O irmão de Oliver Massey foi recentemente trazido
para o hospital com sérios ferimentos internos; Alex, um bombeiro, foi
atingido enquanto tentava ajudar a arrastar uma mulher inconsciente para
longe de um acidente de carro. Ele está se recuperando bem das várias
cirurgias, mas não bem o bastante para sair da UTI. Não ainda, pelo menos.

— Veja se você consegue encontrá-lo. Diga a ele que eu adoraria uma


consulta se ele tiver tempo.

Gitte acena, desliza o tablet no bolso seu uniforme e vai correndo para
dentro do hospital. Eu fico sozinha, torcendo os dedos, o coração acelerado
no peito, a adrenalina correndo pelo meu corpo, fazendo meu estômago se
contorcer. Ainda é cedo, mas Seattle já está meio acordada e vibrando. No
meio da cidade, o Hospital St. Peter é o coração das coisas. Localizado na
convergência de três bairros distintos, você não pode ver ou ouvir as docas
daqui, mas você pode sentir o cheiro, a pitada salgada no ar, e você pode
sentir, de alguma forma, que está perto da água.

Em algum lugar do outro lado da cidade, Zeth Mayfair está dando uma
surra em um saco de areia, suas mãos esperançosamente bem enfaixadas
enquanto ele resolve suas frustrações matinais. Por um segundo eu me
perco, pensando nos músculos das suas costas flexionando e saltando

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quando ele balança para acertar o saco. Ele se move de um jeito animalesco,
cru e perigoso. Seria muito fácil perder um dia inteiro observando ele malhar
e treinar no seu ginásio de luta. Fácil demais. Mas há pessoas aqui que
precisam de mim. Pessoas que precisam ser salvas.

Esse pensamento me faz voltar para o presente. Eu amo Zeth, mais do


que eu jamais imaginei ser possível, mas percebi a muito tempo atrás que
não posso permitir que ele invada os meus pensamentos nesse lugar. Não é
seguro.

Tento não pensar no som dos seus punhos acertando ferozmente o


saco. Tento não pensar no cheiro intoxicante do seu suor enquanto ele
treina. Tento não derreter ao lembrar de como ele fica duro quando luta.

Tento realmente não pensar.

Espero mais dois minutos antes de ouvir a ambulância se


aproximando. Se Millie Reeves já não está mais convulsionando, não há uma
necessidade real de deixar a sirene ligada, tanto em relação ao som quanto
às luzes azuis e vermelhas que se espalham pelo estacionamento do St.
Peter, mas às vezes os paramédicos deixam para nos trazer o paciente mais
rápido.

Eu mal registro quem está dirigindo o veículo ou quem está descendo


da parte de trás com a paciente. Tudo que me importa é a criança e o que eu
posso fazer para ajudá-la. Dou de cara com uma garotinha na maca. Ela é
tão, tão pequena. Menor do que qualquer criança de seis anos deveria ser.
Seria menos surpreendente se a sua ficha dissesse que ela tinha quatro
anos, mas não, o papel que estou vendo na prancheta confirma que ela tem
seis. Verifico seus sinais vitais, que estão fracos e estressados, mas dentro
dos parâmetros aceitáveis, e então pego a sua mão e aperto. É quando olho
para cima. É quando vejo o cara alto pairando ao lado da maca, a ansiedade
vibrando dele em ondas duras.

Ele não diz nada. Ele me olha diretamente nos olhos e me desafia a
dizer alguma coisa. Tenho a impressão de que ele vai implodir se eu ousar
dizer palavras que ele não gosta, e isso me deixa desconfortável. Agradeço
aos paramédicos, notando vagamente que a ambulância veio do corpo de
bombeiros de Alex Massey, e então me viro para o jovem garoto na minha
frente. — Você é o pai da Millie? — eu não espero ele responder. Começo a
empurrar a maca para dentro. Preciso levar Millie para a pediatria e colocar
uma intravenosa nela o mais rápido possível.

— Não. Irmão. Mas eu sou o seu guardião legal. Nossos pais estão
mortos. Eu cuido de Millie desde que ela nasceu, basicamente.

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— Eu vejo.

— Não.

— Me desculpe?

— Você não vê. A menos que você tenha cuidado de uma garotinha
seriamente doente pelos últimos seis anos, como você pode? — sua atitude é
realmente péssima – o bastante para me fazer parar de empurrar a maca e
virar para ele. Não estou irritada com ele. Ele é jovem demais para estar
lidando com tanta responsabilidade. Ele mesmo mal é um adulto, mas ele
claramente não está pensando direito agora.

— Olhe ao seu redor, Sr. Reeves. Olhe para onde você está. Não, eu
estive cuidando de uma garotinha doente pelos últimos seis anos. Eu estive
cuidando de vinte. Trinta. Estive cuidando de crianças muito doentes com
um dia de vida, assim como idosos com oitenta anos em situação muito
grave. Por uma década.

Ele teve a humildade de afastar o olhar. — Você está certa. Me


desculpe. Eu só...

— Está estressado e assustado?

— Sim. Exatamente.

— Tudo bem. Eu sei como você se sente com isso também. Vamos lá.
Vamos deixar a sua irmã confortável e então podemos falar sobre o que
vamos fazer.

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Capítulo Dois
ZETH
Violência não é uma escolha. É uma forma de ser. É simplesmente a
sua natureza. Não há como fugir. Não há como esconder. E mesmo que
houvesse uma maneira de codificar o seu DNA e esconder a sua verdade,
qual seria o ponto disso? Ser violento é bom. Rugir enquanto você bate seus
punhos uma e outra vez no peito de algum pedaço de merda fraco é bom.
Ver o sangue voar do nariz e boca das pessoas quando seus punhos se
conectam com o rosto delas? Adivinhe? É bom, também.

Somente algumas poucas pessoas nesse mundo entendem quão


libertador é bater na cabeça de alguém até que ela perca a consciência. Da
mesma forma, é tão libertador quanto levar uma surra na própria cabeça.
Pelo menos você sabe que está vivo. Pelo menos você sabe que está
experimentando tudo que pode, porque você pode sentir isso, não importa o
quê. Afinal, isso é viver, certo? Experimentar? Sentir? Sangrar?

Meu telefone toca do outro lado do ginásio, mas eu não posso atender
agora. Provavelmente é Michael, checando se eu preciso de alguma dele hoje.
Estou a meio caminho de acabar de dar uma surra em um brasileiro, então
a ligação vai ter que esperar.

O sangue mancha o tatame. Pode ser meu. Pode ser dele. Quem se
importa, porra? Nós dois somos selvagens e estamos cedendo aos nossos
instintos mais primitivos de dominar. A única diferença entre eu e esse cara
é que eu não vou desistir. Eu não vou ceder. O inferno vai congelar antes
que isso aconteça. Eu não dou a mínima para quem ele é, quão grande ele é,
quão ruins são as minhas chances. Eu vou morrer antes de me submeter.

O brasileiro, que eu acabei de jogar contra as correntes de metal que


cercam a gaiola que eu construí no ginásio, cospe no chão e limpa a boca
com as costas da mão. Ele vira a cabeça na direção do meu telefone, fazendo
uma careta, o suor escorrendo pelo seu rosto.

— Importante? Você precisa atender? — ele ofega.

~ 14 ~
Por que as pessoas não aguentam três rodadas sem tentar vir com
uma desculpa para dar um tempo? Sempre tem alguma coisa: minhas faixas
estão soltas. Meus olhos estão ardendo. Não consigo lembrar se deixei o forno
ligado em casa. Esses filhos da puta todos sabem no que estão se metendo
quando entram na gaiola comigo. Eles todos assistiram e riram quando dei
uma surra em outras pessoas, quebrei o nariz delas e arranquei a dignidade
de inúmeros caras. Mas não, eles estão convencidos de que serão eles a me
derrubar. Tem que acontecer em algum momento, afinal, eu os ouço
sussurrando um para o outro. É bem difícil ouvi-los sussurrar depois,
quando seus rostos estão inchados e ensanguentados como carne recém
moída, e eles não conseguem abrir o maxilar. Ainda assim, eles voltam para
treinar. Ainda assim, eles aparecem na porta a cada manhã esperando para
lutar, para receber mais punição, porque eles estão intrigados.

Eu não paro para atender o telefone. Meu adversário levanta as mãos e


se defende no último segundo, como se estivesse esperando que eu vá mudar
de ideia e dar as costas para a luta no fim das contas. Faço chover uma
sucessão de socos e cruzados que provavelmente não machucam muito, mas
são duros o bastante para atordoá-lo. Ele não sabe que lado é para cima.
Quando eu paro, trazendo os punhos fechados para uma posição defensiva,
meu oponente se endireita, aparentemente aliviado pelo ataque ter acabado,
só para cair como um saco de merda no chão quando eu conecto meu joelho
direito na sua lateral.

Chupa essa, babaca.

Ele puxa uma respiração profunda pelo nariz, arquejando impotente


no chão enquanto eu ando ao redor dele, considerando as minhas opções.
Ele provavelmente tem pelo menos duas costelas quebradas agora. Devo dar
a ele a chance de acabar a luta ou devo ser impiedoso? Posso me abaixar e
me lançar sobre ele, facilmente dando um Mata-Leão enquanto ele está
vulnerável. As luzes se apagariam em menos de oito segundo para o Sr.
Brasil se ele não fizer nada além de ofegar no chão como um peixe fora
d’água.

Meu telefone ainda está tocando.

Se eu não o sufocar, sempre poderia lhe dar uma chave de braço. Ou


quebrar essa merda, também. Ando ao redor dele como um leão,
procurando por outras possibilidades.

Meu telefone implora por atenção.

Eu poderia dobrar ele em um monte. Me apoiar sobre o seu peito.


Fazer ele ofegar um pouco mais. Poderia render o filho da puta e acabar
com ele de uma vez por todas. Nada como uns socos e chutes para acabar
~ 15 ~
rapidamente com uma luta. O cara rola para o seu lado bom, curvando os
joelhos sobre o peito, os olhos revirando, a parte branca visível. Ele deve
estar sentindo dor pra caralho.

Meu telefone, de alguma forma, toca mais alto.

— Puta que pariu, — é impossível se concentrar assim. O Sr. Brasil vai


ter que esperar um momento. Planejo agarrar o meu telefone e silenciar a
maldita coisa, mas quando pulo para fora da gaiola, as solas dos meus
tênis arranhando o chão de concreto empoeirado, e caminho até o meu
celular, vejo na tela um número que não vai aceitar ser ignorado. Ou
melhor, eu seria inteligente em não o ignorar.

É um número do Novo México.

Dou uma olhada para a gaiola, onde meu adversário está agora de
joelhos, o braço direito por cima do seu estômago, a cabeça pendurada
para baixo enquanto ele tenta se recompor. Duvido que ele vá algum lugar
tão cedo. Eu vou voltar e ajudá-lo em um segundo – Sloane vai me matar
se eu machucar um dos rapazes do ginásio e não der a ele a assistência
medica necessária – mas com certeza estou prestes a ter uma conversa
que não deve ser ouvida por ninguém.

Vou para o meu escritório correndo escada acima, tomando três


degraus de uma vez, e bato a porta atrás de mim. — Sim?

— E aí, cunhado? Quais são as novas? — certo tempo atrás, eu teria


sido um total babaca com o homem do outro lado da linha, mas hoje em dia
Louis James Aubertin Terceiro e eu temos um acordo mais agradável. Ele é
casado com a irmã da minha namorada, afinal de contas. E aparentemente é
isso que famílias fazem: se tratam bem.

— Não achei que fosse ouvir falar de você tão cedo, — digo a ele. —
Como está a vida nesse deserto seco e empoeirado?

— Empoeirada, — Rebel concorda. — Quente, — ele pausa, então diz,


— Ocupada.

O seu “ocupada” seria o “perigosa” da maioria das pessoas. Eu


gostaria de discutir que isso é muito próximo da minha própria realidade,
mas ei, quem tem tempo para medir o tamanho do pau quando se tem um
estrangeiro tentando respirar a cinquenta metros de distância? — Parece
ameaçador. Você vai elaborar? — pergunto.

Rebel ri baixinho. — Uma amiga em comum nossa deixou a cidade.


Tenho um dos meus caras verificando o seu paradeiro. Parece que ela foi na
sua direção.

~ 16 ~
Eu sei mito bem que amiga em comum é essa. Durante o último ano,
desde que me envolvi com Sloane e a sua missão imprudente para encontrar
sua irmã desaparecida a qualquer preço, a Agente Denise Lowel, do DEA1,
esteve metendo o nariz nos nossos negócios, geralmente criando incômodos
para si mesma e me irritando muito no processo. Só pode ser ela.

— Por que ela está se mudando? Alguma ideia?

— Nenhuma, eu receio. Os arquivos dela estavam bem guardados.


Nem o nosso hacker consegue entrar naquela merda sem disparar alguns
alarmes.

Frustrante, mas não era o fim do mundo. Eu tinha os meus próprios


hackers que não davam a mínima para os alarmes. — Aprecio a sua ajuda.

— Sem problemas. Imaginei que você gostaria de ser avisado antes


dela aparecer na sua porta.

Eu puxo as faixas nas minhas mãos, as apertando enquanto me


inclino contra a parede do escritório. — Duvido que ela esteja aqui por mim.
Eu não estou envolvido com drogas.

Rebel faz um som chocado, a linha crepitando enquanto ele ri alto. —


Cara. Se eu me lembro bem, você roubou o cachorro da mulher. E você a
constrangeu profissionalmente. Várias vezes. Não importa se você tem cinco
saquinhos de coca enfiados na bunda ou se é o garoto modelo dos Narcóticos
Anônimos. Aposto um bom dinheiro que ela está ainda atrás de você, se
surgiu alguma oportunidade.

Eu gemo, coçando o queixo. — Verdade. Aquela vadia precisa achar


um novo passatempo. Essa merda está ficando cansativa, sério mesmo.

— Eu não poderia concordar mais, cara. Ainda assim... é melhor


prevenir, certo?

Eu sorrio sombriamente. — Ah, eu vou estar bem prevenido.

Não digo mais nada. Não digo a ele que eu sei que Lowell já está na
cidade há algum tempo. Não digo a ele fui contra tudo que eu acredito e
escondi isso de Sloane. Não digo a ele que estou de olho em Mason, o garoto
que estou treinando todas as manhãs, desde que o vi falando com a Agente
do DEA do lado de fora da oficina algumas semanas atrás. Mantenho a boca
fechada, e Rebel desliga o telefone.

1 Drug Enforcement Administration (em tradução livre: Órgão para Controle/Combate às


Drogas) é um órgão da Polícia Federal (FBI) dos Estados Unidos, responsável pela repressão
e controle de narcóticos.

~ 17 ~
***

Ajudo o Sr. Brasil a levantar e o mando embora – ele insistiu que não
queria ir ao hospital, então que porra eu podia fazer além de deixar ele ir? –
e então espero Michael aparecer. O ginásio está vazio. Mason, nosso espião,
deveria estar aqui treinando desde manhã cedo, antes do seu turno na
oficina do outro lado da rua, mas ele não apareceu, então tenho todo o lugar
para mim. As taxas do ginásio de luta Blood & Roses são astronomicamente
altas, então só gente séria vem treinar aqui. O que significa que o lugar não
é cheio de adolescentes cujas bolas acabaram de descer e que não têm a
menor ideia do que estão fazendo. Também significa que os criminosos de
Seattle tendem a ficar longe, o que é exatamente o que eu quero. Sempre que
um cara quer se candidatar para virar membro, tenho Michael fazendo uma
longa pesquisa sobre ele, garantindo que ele não vai trazer problemas para a
nossa porta. Ao menor sinal de envolvimento com o submundo, sua
aplicação é rejeitada sem maiores explicações.

Michael chega no ginásio perto do meio-dia e deixa cair seu saco do


exercício no chão perto das portas giratórias, cedendo de encontra à
estrutura de metal. Ele parece uma merda. Digo isso a ele, o que não parece
ajudar muito, mas me diverte muito.

— Vá se foder, cara. Eu não durmo faz trinta e seis horas, — ele me


informa, pressionando os olhos com a ponta dos dedos. — Estou ficando
velho. Não posso mais fazer essa merda.

— Por que diabos você não dormiu? É bom que você não esteja
fazendo trabalho noturno para outra pessoa, — eu rosno.

— Claro que não. É só... é pessoal.

— Pessoal? — eu quero sorrir, mas consigo controlar essa vontade.


Pessoal significa sexo. Não, apague isso. Pessoal significa uma foda hardcore.
Michael sempre foi um livro fechado quando se trata da sua vida quando ele
não está trabalhando para mim, e isso nunca me incomodou. A maioria dos
caras não cala a boca sobre onde eles enfiaram seus paus, e eu prefiro que
Michael mantenha suas cartas escondidas do que falando sem parar sobre
as garotas que ele tem visto. Mas vou admitir que estou um pouco curioso
agora. Só um pouco.

Michael revira os olhos. — Não é o que você está pensando, — ele me


diz.

~ 18 ~
— Estou pensando que você ficou acordado por trinta e seis horas
porque estava entretendo alguém.

— Ok, você não está completamente errado. Mas... é mais complicado


do que isso.

Sempre é. Especialmente quando tem mulheres no meio. Eu não o


empurro para cuspir mais informações. Se ele quiser compartilhar, ele vai.
Nesse meio tempo, nós temos uma agente do DEA para rastrear. Michael já
sabe do fiasco de Lowell. Bem, ele sabe tanto quanto eu – que a mulher está
de volta à cidade e quer causar problemas. Mas ele não parece surpreso
quando o atualizo do fato de Rebel ter ligado e confirmado isso. Ele continua
em silêncio enquanto fechamos o ginásio e entramos no Camaro. Ele está
super quieto enquanto cruzamos a cidade na direção do armazém, onde eu
costumava passar setenta por cento do meu tempo antes de conhecer Sloane
e acabar me mudando para a sua casa isolada na colina. Não trocamos uma
única palavra em trinta minutos. Michael se senta imóvel ao meu lado,
parecendo uma estátua, enquanto acelero o Camaro, virando um pouco
rápido demais nas esquinas. Ele finalmente protesta quando eu paro em um
sinal a três quadras das docas.

— Mas que diabos, cara? Você dirige o melhor e mais chamativo carro
já vendido. Você estava acelerando e de repente para um sinal? Se um
policial ver isso, vai pensar que você ganhou na porra da loteria. Você quer
passar o resto do dia preso enquanto os tiras descobrem que eles podem te
marcar por algo mais que direção imprudente?

Dou de ombros, e faço outra virada violenta à direita. — Apenas pensei


que isso poderia fazer você acordar, — digo a ele.

Michael rosna. — Eu estou bem acordado, chefe.

Isso é uma mentira total, e ele sabe. Mas deixo passar, porque ele
merece. — Apenas me diga uma coisa. Esse Michael bizarro e tenso é porque
a vadia voltou para as nossas vidas? Ou tem algo mais que eu deveria saber?
— não tenho ideia do que poderia ser mais inconveniente do que Denise
Lowell em Seattle, mas porra. As coisas estão calmas. Calmas demais. Eu
queria acreditar que é apenas como a vida vai ser agora – previsível e segura,
porque é isso que Sloane merece. Mas eu não sou tão idiota. A minha
experiência diz que a vida vai te jogar uma ou cinco bolas de fogo quando
você menos esperar, e sempre existem aqueles que vão ajudar a te foder
ainda mais.

Michael pressiona os dedos na boca, o cotovelo apoiado contra a janela


do Camaro. Ele olha para o armazém quando paramos do lado de fora, e

~ 19 ~
uma careta retorce os seus traços. — Eu não sei, — ele diz baixinho. — Eu
só... eu tenho uma sensação ruim.

~ 20 ~
Capítulo Três
SLOANE
Millie Reeves não chora quando acorda. Ela vomita e reclama que está
com frio, mas é isso. Considerando tudo, ela é relativamente sortuda. Ela
estava respirando enquanto tinha a violenta convulsão que a trouxe para o
St. Peter, mas o fornecimento de oxigênio no seu cérebro poderia ter sido
facilmente comprometido. Ela poderia ter acordado com as funções cerebrais
alteradas ou danificadas em inúmeros aspectos do seu sistema nervoso, e
ainda assim ela parece está se recuperando admiravelmente. Infelizmente, o
mesmo não pode ser dito do seu irmão.

— Eu não ligo para o que a médica disse. Eu quero levar ela para casa!
— Mason Reeves está de cabeça quente agora, enquanto se inclina contra o
balcão da recepção, cada vez mais vermelho enquanto tenta argumentar com
Gracie. Ele mal sabe que seus esforços são completamente inúteis.

Vejo Gracie levantar seu escudo não-mexa-comigo-familiar-de-um-


paciente. — E eu não dou a mínima para o que o você quer, Sr. Reeves. A
sua irmã está na recuperação. Isso quer dizer que ela está se re-cu-pe-ran-do.
Você entende o que estou dizendo?

— Eu entendo que ela pode se recuperar em casa, senhora. Agora, por


favor. Me deixe assinar os papeis para levar ela para casa.

— Receio não poder fazer isso, senhor. Agora, por favor, se afaste
dessa mesa antes que eu chame a segurança, — Gracie levante o queixo,
duro e inflexível. Ela só está esperando que ele continue discutindo. Claro, o
que ela está fazendo é altamente ilegal. Mason é o guardião legal de Millie.
Ela não precisa de cuidados urgentes específicos, então ele está no seu
direito de levá-la onde ele quiser. Gracie é apenas uma dessas mulheres que
vai empurrar e empurrar para conseguir as coisas do seu jeito, e dane-se as
consequências.

Aperto o passo na direção deles, apertando os dentes. — Está tudo


bem aqui, Mason? Você está procurando uma atualização de Millie?

~ 21 ~
Ele mal vira os olhos na minha direção enquanto toma conhecimento
do que acabei de dizer. — Millie Reeves. Seis anos. Diagnosticada com LSG
com três anos e três meses de idade. Teve uma grande convulsão nas
últimas doze horas. Agora mostra sinais positivos de recuperação, apesar de
vômitos contínuos e diarreia. A pressão sanguínea está normal. Todos os
sinais cognitivos relatados estão normais. Requer monitoramento constante
pelas próximas quarenta e oito horas para garantir que não houve danos de
longo prazo devido à potencial privação de oxigênio, — Mason para aí. Ele
vira a cabeça, então está olhando diretamente para mim agora. — Tem mais
alguma coisa, Dra. Romera, ou eu cobri tudo?

Droga. Ele está prestes a explodir. Já vi muitas pessoas assim. Há


uma faísca em seus olhos, uma fratura visível no seu temperamento que
pode tanto abri-los ao meio ou desliga-los sem aviso prévio. — Você
obviamente tem um ótimo entendimento da condição da sua irmã, Mason.
Estou impressionada com o nível de cuidado que você tem dado a ela. Mas
me deixe te perguntar... você acha que pode dar a ela em casa os mesmos
cuidados que nós damos aqui no hospital?

Ele aperta o maxilar. — Porra, eu não sou estúpido, ok? Eu sei que
estou fodido. Sei que ela merece mais do que eu posso lhe dar, mas eu estou
tentando. Estou fazendo o meu melhor. Claro que ela estaria melhor aqui,
mas não posso pagar para que ela fique aqui além do tempo absolutamente
necessário. Essa não foi a sua pior convulsão. Muitas outras vão vir, e eu
tenho certeza que vou poder pagar essas visitas ao maravilhoso hospital
cinco estrelas St. Peter’s of Mercy.

Gracie me dá um olhar complicado. Ele contém muitas emoções


misturadas: preocupação, ansiedade, estoicismo e, por último, culpa. O
último flash de remorso é, sem dúvidas, por causa do que ela fez meses
atrás. Ela contou ao DEA que me viu saindo do hospital carregando bolsas
de sangue que eu precisava para salvar a vida de Zeth. Lowell tentou me
ameaçar com o fato de que fui pega roubando do St. Peter. Quase perdi meu
emprego. Quase perdi tudo. Dizer que as coisas ficaram estranhas entre nós
desde que voltei a trabalhar seria um eufemismo. Eu não a culpa, no
entanto. Denise Lowell é uma cadela conivente que sempre consegue o que
quer. Gracia tem uma criança para cuidar. Seu próprio trabalho para
pensar. Tenho certeza que Lowell implicou que ela perderia ambos se não lhe
dissesse tudo sobre mim quando ela veio ao hospital.

— Então eu posso levá-la? Ou devo chamar a polícia? — Mason cruzou


os braços sobre o peito, respirando com força pelo nariz.

Exasperada, me esforço para pensar em uma maneira de mantê-lo


aqui. Ele não está sendo irracional. Tudo que ele disse é verdade. A

~ 22 ~
convulsão de Millie foi ruim, sim, mas dada à natureza da sua condição, com
certeza não vai ser a pior. O pior ainda vai vir. A LSG talvez não a mate,
mas, da mesma forma, é possível que sim. Mason está, basicamente,
economizando para o funeral da sua irmã. Eu me pergunto se ele percebe
isso. Aperto a caneta que estou segurando, enterrando as unhas no plástico
duro. — Olhe. Me dê uma hora, Mason. Me dê uma última chance de dar
uma olhada nela. Se ela estiver estável, deixo você levá-la para casa.

Seus olhos brilham. — E se ela não estiver estável?

— Então... então eu não sei. Vamos dar um jeito quando for a hora, —
essa é uma péssima resposta para a sua pergunta, mas é tudo que eu tenho
no momento. Eu sou uma médica, no entanto. Uma solucionadora de
problemas. Me dê um par de meias e um elástico e eu vou descobrir como
parar um sangramento. Me dê uma hora e um celular e eu vou descobrir
como ter certeza de que Millie Reeves receba os cuidados que ela precisa e
merece. Mason não acredita em mim ainda, mas ele vai. Ele pisca, os
músculos do seu maxilar trabalhando sem parar.

— Eu... eu deveria estar no trabalho, — ele diz. — Eu não tenho uma


hora.

— Então me dê oito. Vá trabalhar. Volte à noite e eu vou ter isso


resolvido, eu prometo que vou.

Mason não diz nada. Ele se mexe de um pé para o outro, seu ombro
direito sobe e desce enquanto ele olha de mim para Gracie e de volta para
mim. — Ela vai cuidar dela, — Gracie diz suavemente. — Ela é uma médica
excelente. Vamos ligar no mesmo instante se algo acontecer com a sua irmã,
Sr. Reeves, — ela já está com a mão no seu braço, o levando para fora da
recepção; ela não lhe dá a opção de recusar a sugestão. A raiva e frustração
que estavam se derramando dele um segundo atrás parecem ter
desaparecido nos últimos segundos. Eu já vi isso acontecer muitas vezes
antes; o peso da responsabilidade é algo muito, muito pesado. Tomar
decisões difíceis diariamente é assustador. Carregar o fardo de cuidar de
outra pessoa todas as horas de todos os dias é o bastante para levar uma
pessoa ao ponto da ruptura. Quando alguém se oferece para aliviar esse
fardo, as pessoas em geral ficam chocadas demais para reagir.

Observo Grace caminhar com Mason para fora do prédio, e sinto o


peso do fardo que eu assumi pressionando o meu peito. Só Deus sabe como
o pobre garoto tem suportado isso por tanto tempo.

***

~ 23 ~
Encontro Oliver Massey lavando as mãos furiosamente na sala dos
residentes. Ele me dá um olhar de canto de olho quando me nota passando
pela porta. — Maldita epidemia de gripe. Quase não temos enfermeiras na
UTI. Como diabos se administra uma unidade de tratamento intensivo
quando não existem pessoas o suficiente para cuidar intensivamente de
alguém? Jesus, — ele dá um passo para trás quando a água espirra sobre o
lado da calha de aço inoxidável sobre a qual ele está inclinado. A sua calça
vai lentamente de cinza para preto no local em que o tecido absorve a água.
— Ótimo, — Oliver pega uma toalha da pilha limpa ao seu lado e começa a
se secar, resmungando baixinho.

— Você está bem? Alex está bem? — Oliver geralmente é muito


otimista, não importa a merda que aconteça no seu dia. Seu mal humor
atual está provavelmente ligado ao estado do seu irmão.

Oliver joga a toalha no cesto de roupas para lavar ao lado dos armários
e suspira pesadamente; seu queixo descansa no peito quando ele se reclina,
descansando as costas contra o aço duro das portas dos armários. — Quem
diabos sabe, — ele diz baixinho. — Ele deveria estar na enfermaria agora,
Sloane. Ele deveria ter voltado ao seu maldito trabalho ou algo assim, e não
ainda ligado ao suporte de vida.

Tudo que eu digo parece inútil. Oliver sabe o que dizemos quando
nossos entes queridos estão lutando para se recuperar, porque ele diz isso
para as pessoas também: é um processo. Essas coisas levam tempo. A única
coisa que podemos fazer agora é esperar. Evitamos dar falsas esperanças.
Nós desviamos de palavras como esperança, porque elas dão a impressão de
que a situação não está mais no nosso controle. Esperança implica que uma
força desconhecida tomou as rédeas da saúde do irmão/mãe/irmã/filha
deles e nós não somos nada mais que meros observadores, olhando por uma
janela, os lábios apertados entre os nossos dentes e os dedos cruzados atrás
das costas.

Em vez de tentar acalmá-lo, eu faço uma pergunta. — O que eu posso


fazer?

Os ombros de Oliver caem. Ele é o retrato da exaustão. — Eu não sei.


Alguma coisa? Nada? — ele se vira e se encosta contra o armário ao meu
lado, e eu suspeito que ele desabaria no chão se não tivesse o metal rígido
como suporte. — Qualquer coisa? — ele diz, respirando lenta e audivelmente.
— Nós somos treinados para isso. Somos treinados para sermos
emocionalmente distantes, e eu pensei, sim! Eu tenho isso. Eu posso fazer
isso. Se alguém que eu amo passar pelas portas da emergência, vou ser

~ 24 ~
capaz de assumir a situação. Não vai haver tempo para ter um colapso. Sei
que vou ser capaz de fazer tudo ao meu alcance para consertá-los, e minhas
mãos não vão tremer enquanto faço isso. Eu vou estar determinado. Focado.
Porque é isso que eles colocam dentro de nós, é quem eles nos ensinam a
ser.

— E você foi, Oliver. Você foi tudo isso. Você não vacilou nem uma vez
quando trouxeram o Alex. Você estava focado nisso e conseguiu dar conta do
recado. Você salvou a vida dele.

Minhas palavras passam por Oliver como água sobre a rocha. Ele não
as sente, não permite que elas o afetem de alguma forma. — Talvez, — ele
sussurra, olhando para as próprias mãos. Ele me dá um sorriso fraco e
pequeno, pouco firme nas bordas. — Talvez você tenha razão. Talvez eu
tenha feito tudo certo na sala de operação. Mas porra, Sloane. Eles não nos
ensinam a lidar com essa parte. Nunca nos ensinaram a sermos como essas
pessoas que ficam andando pelos corredores como leões enjaulados, porque
elas parecem... elas parecem inúteis pra caralho.

Eles realmente não nos ensinam isso. Não é da natureza de um médico


ficar sentado e deixar o tempo fazer o seu trabalho, como dizemos para
tantas pessoas todos os dias. Nós somos implacáveis por natureza – pelo
menos os bons médicos são. Não há desistência. Não há paciência. Nossas
vidas – especialmente as dos cirurgiões do trauma – são contadas em cinco
segundos. Tantas coisas podem mudar nesses cinco segundos. Vidas são
salvas e perdidas. Entes queridos sobrevivem e entes queridos morrem.
Oliver e eu fomos treinados para entender que cada segundo que passa é um
grão de areia escorrendo pelos nossos dedos, um que nunca vamos
recuperar, e é nosso dever fazer com cada um deles conte. Então esperar,
para um cirurgião de trauma? Esperar é impossível. Um conceito torturante
que paralisaria até o mais pragmático de nós. Oliver deve estar ficando
louco.

— Eu preciso da sua ajuda, — digo a ele. Essa é uma das coisas mais
gentis que eu posso fazer – dar a ele algo para pensar que não seja seu
irmão. — Tenho uma situação, algo complicado, e preciso do seu grande
cérebro para me ajudar a encontrar uma solução.

Os olhos de Oliver vão para o teto e ficam ali. — Eu não estou no meu
turno, Sloane.

— Estou ciente.

— Então eu não posso interferir nos seus casos, — é política do


hospital: se um médico não está no seu turno, ele ou ela não pode trabalhar
com nenhum paciente, de forma alguma. Eles poderiam estar bebendo. Eles
~ 25 ~
poderiam estar fazendo muitas coisas questionáveis antes de cruzar a
entrada do Hospital St. Peter’s of Mercy. Eles não estão mentalmente
preparados para enfrentar o que surgir, então não lhes é permitido sequer
tocar em um paciente. Oliver talvez esteja quebrando essa regra com Alex
hoje, mas ele pode escapar dessa. A chefe desistiu de tentar mantê-lo longe
do seu irmão, mas vai ser uma questão totalmente diferente se ela o pegar
tratando de outro paciente.

— Você não precisa interferir. Você não precisa nem ver a criança, —
eu digo. — Só preciso de ajuda para descobrir como manter ela aqui.

— A criança?

— Uma garotinha, ela tem convulsões muito sérias. Seu irmão mais
velho é seu guardião legal, e ele não pode pagar para que ela fique mais
alguns dias.

— É provável que ela convulsione de novo?

Agora é a minha vez de dar de ombros. — Eu não sei. Há um risco.


Mas ela está estável.

— Então a mande para casa, Sloane. Deixe o rapaz diminuir suas


despesas.

Fico surpresa com a sua resposta. Oliver geralmente defende que o


paciente fique o maior tempo possível em observação. — Ela ficaria melhor
se passasse pelo menos os próximos dois dias aqui, — eu argumento.

Um olhar angustiado passa pelo seu rosto. — Nós podemos impedir


que ela tenha outra convulsão?

— Não.

— Nós podemos readmiti-la depois, se o seguro do seu irmão não


cobrir os gastos dela?

Eu nem preciso responder essa.

— Então você sabe o que precisa fazer, — Oliver diz simplesmente. —


Mande ela para casa com o irmão. Deixe que ela se recupere na sua própria
cama, e dê um pouco de paz à maldita mente do seu irmão.

~ 26 ~
Capítulo Quatro
ZETH
Chegamos a mais um beco sem saída no armazém. As ligações que
temos feito há dias sempre acabam iguais: ninguém sabe o que Lowell está
fazendo. Ninguém sabe quais são seus objetivos aqui, e ninguém quer se
meter nisso, também.

Michael e eu passamos seis horas chutando pedras, vendo o que


conseguíamos descobrir, mas é um tempo perdido. A cadela poderia estar
aqui de férias, até onde nós sabemos.

Há uma pessoa para quem eu poderia perguntar, é claro. Mason


obviamente sabe o que ela quer. Ele esteve agindo de modo estranho,
fazendo perguntas sobre a minha vida, tentando conseguir informações
sobre mim, mas eu não posso imaginar o que ele está querendo que eu
cuspa. Mas eu ainda não quero prender o cara na parede e exigir que ele me
conte que porra está acontecendo. Algo está me dizendo para observar,
esperar, ver o que vem a seguir. De qualquer forma, o garoto vai pagar,
porra. Meu sangue ferveu nas veias por dias depois que o vi falando com a
inconfundível vadia loira do lado de fora da oficina do Mac, e ele ainda está
meio quente ainda agora. Ele não vai se acalmar até que eu faça o garoto
sofrer por nos trair. Sendo justo, ele não me conhece. Ele não me deve
muito, além do fato que eu não lhe dei uma surra e depois lhe joguei na
sarjeta quando ele invadiu o meu ginásio. Mas há honra entre os ladrões
nesse mundo escuro e sombrio em que nós vivemos, e você não pode apenas
andar trabalhando com a porra do DEA e esperar que ninguém descubra.

Michael e eu sentamos em silêncio enquanto dirigimos pela cidade,


cada um de nós perdido em seus próprios pensamento enquanto
atravessamos o crepúsculo, indo na direção do ginásio. Quanto mais perto
chegamos do nosso destino, mais sinto uma coceira desconfortável na pele.

Lowell não está aqui de férias.

Ela está aqui para me foder, exatamente como Rebel disse. Eu de fato
a constrangi profissionalmente. Eu, de fato, roubei o seu cachorro.
Tecnicamente, ela me deu Ernie no fim das contas, mas duvido que ela veja

~ 27 ~
dessa forma. Claro que ela não vê. Bem quando as coisas estavam parecendo
calmas, como se a vida tivesse entrado um pouco no lugar, como se eu
tivesse parado de ter que lidar com pessoas de merda, parado de ter que
olhar por cima do ombro toda vez que saio de casa, Lowell aparece e me joga
de novo nesse buraco escuro. Claro, eu poderia ignorar isso e deixar ela fazer
o que quiser, mas as coisas não vão funcionar dessa maneira. Eu sei que
não. Sua chegada à minha cidade é um precursor de coisas terríveis, e
preciso estar pronto cada uma delas. Se eu não estiver, vou acabar morto ou
preso outra vez, e nenhuma dessas opções é aceitável para mim. Não agora,
que eu tenho Sloane para pensar.

Falando no diabo...

Meu telefone, apoiado sobre o painel do Camaro, vibra, e eu vejo “Doc”


piscando rapidamente na tela.

Sloane: Você está ocupado? Preciso de você, baby.

Eu imediatamente joguei o carro dentro da Quinta Avenida. — Tudo


bem você fechar tudo depois que terminar de malhar? — pergunto a Michael.

— Claro.

— Ótimo, — eu acelero nos últimos cinco minutos de viagem, as mãos


fechadas firmemente no volante. Eu não estou preocupado. Se Sloane
estivesse em apuros ela não me mandaria uma mensagem perguntando se
eu estava ocupado. Ela teria ligado até eu atender. Se ela realmente não
tivesse outra opção além de me mandar uma mensagem, então teria escrito
SOS e nada mais – ela sabe o procedimento se estiver sendo ameaçada de
qualquer forma.

Ainda assim, ela precisa de mim. Porra, ela disse que precisa de mim,
e eu nunca vou deixá-la esperando quando ela me manda uma mensagem
dessas. Eu largo Michael no ginásio, quase sem parar para o homem descer
do veículo, antes de arrancar na direção do hospital. Eu encontro Sloane no
setor deserto das docas de carga e descarga do St. Peter, que fica atrás do
prédio – ela costuma vir aqui quando precisa de um momento para respirar –
sentada em um degrau de concreto onde enfermeiras e empregados do
hospital vêm às vezes para fumar, se escondendo de seus pacientes e
familiares.

Já é quase noite agora, mas posso ver a forma pálida do casaco branco
de Sloane se mexendo levemente enquanto cruzo o espaço na direção dela.
Ela levanta o olhar para mim quando eu a alcanço, nem um pouco surpresa
pela minha aparição repentina.

~ 28 ~
— Você não demorou muito, — ela sussurra.

— Eu conhecia um atalho.

Ela faz uma careta, porque sabe que os meus atalhos envolvem
ultrapassar os sinais vermelhos e qualquer motorista que eu considere
muito lento, que são basicamente todos. — Meu rapaz imprudente. Você vai
entrar aqui deitado sobre uma maca dia desses.

Eu balanço a cabeça. — Não vou. E se entrar, conheço uma médica


maravilhosa. Ela provavelmente vai me deixar como novo outra vez.

— Eu não sei se vai ser possível, — Sloane sorri suavemente. — Todos


os médicos do St. Peter estão doentes. Essa sua médica milagreira pode
estar se sentindo meio mal, também.

Eu sento ao lado dela, passando um braço protetor pelos seus ombros.


— Pensei que você tinha descartado isso? — ela parece um pouco cinza, na
verdade. Cansada, talvez. Eu não sou completamente estúpido, então não
digo isso a ela, mas preocupação aperta o meu peito. Emoções como essa
ainda me surpreendem. Não estou acostumado a me preocupar com mais
ninguém, especialmente com essa profundidade. Pensei que houvesse um
limite para o quanto alguém poderia se preocupar com outra pessoa, mas
descobri que estava errado. Descobri que o tamanho do amor que você pode
sentir por alguém é ilimitado. Eu não acho que um dia vou chegar ao ponto
de dizer que alcancei o limite do quanto posso me preocupar com essa
mulher. Isso me faz fraco. Vulnerável. É algo perigoso, na maior parte do
tempo, mas não há nada que eu possa fazer. Eu sou fodidamente viciado
nela, e não mudaria isso por nada no mundo.

— Então? Você precisava de mim? — eu aconchego meu rosto no seu


cabelo, inalando seu cheiro profundamente. Nada tem um cheiro tão bom
quanto ela. Sloane esteve trabalhando doze horas sem parar e um fraco
cheiro de remédio se prende a ela, mas não consegue mascarar o perfume da
sua pele e do seu cabelo. Fecho os olhos e posso sentir meu pau ficando
duro nas calças.

Sloane me conhece de dentro para fora. Ela sabe pelo meu destaque
para a palavra precisava que minha mente já está em um lugar sujo, assim
como o resto do meu corpo, onde eu coincidentemente estou fodendo ela
como um animal. Ela coloca uma mão na minha coxa, seus dedos correndo
para cima e para baixo pela costura interna da minha calça jeans.

— Me desculpe. Eu provavelmente não deveria ter te chamado. Só


estou tendo um dia difícil.

~ 29 ~
— Paciente violento? — minha mente vai instantaneamente para esses
lugares. Se algum desses filhos da puta causar problemas para ela, vai sair
do St. Peter mais machucado e quebrado do que entrou, não dou a mínima
para quem eles são.

— Sloane ri. — Não. Apenas burocracia. Isso é tão frustrante. Essa


garotinha precisa de tratamento e o irmão dela está fazendo o melhor para
conseguir isso, mas o seu plano não chega nem perto de cobrir as despesas.
Ele quer levá-la para casa. Prometi a ele que ia dar um jeito de manter ela
aqui até a hora em que ele saísse do trabalho. Tenho menos de duas horas
para fazer um milagre.

Eu a observo falar. Linhas de preocupação se formam entre as suas


sobrancelhas; suas bochechas estão coradas pela irritação. Ela é uma
pessoa tão forte, feroz e independente. Não me surpreende que ela esteja tão
ferida por algo tão inconsequente como plano de saúde, ou a falta dele, e o
fato disso estar impedindo-a de fazer o seu trabalho.

Dou um beijo no lado da sua cabeça, cantarolando profundamente.


Ela me faz ter essas reações, e ainda assim ela não tem porra de ideia
nenhuma de como ela me afeta. Eu amo a forma como ela é comprometida
com o seu trabalho e com ajudar os outros. Muitos se tornam médicos por
causa do dinheiro ou do desafio, e invariavelmente eles acabam sendo
péssimos médicos. Os grandes profissionais, aqueles dos quais as pessoas
vão se lembrar para sempre, são provavelmente os que trabalham dois
turnos para ter certeza de que vai haver médicos disponíveis para ajudar.
Assim como Sloane está fazendo agora. Tenho uma experiência tão pequena
com pessoas que se importam genuinamente com os problemas dos outros
que pensei que era tudo encenação quando conheci Sloane. Isso me deixou
desconfortável. Agora, olhando para ela enquanto ela tenta superar esse
obstáculo burocrático para poder cuidar da garotinha, meu coração dói da
maneira mais estranha. Eu nunca poderia contar a ela. Nunca poderia
contar a ninguém.

Mas ainda assim, ele dói.

Passo a mão lentamente pelo seu cabelo, colocando-o para trás.


Casualmente coloco a língua para fora e corro pela concha da sua orelha
enquanto exalo. Sloane estremece contra mim, sua própria respiração fica
presa na garganta. — O St. Peter é um lugar grande, não? Com certeza
existe um lugar mais reservado onde você pode esconder uma cama? — eu
sussurro.

— O que você quer dizer? Esconder a criança e tratar ela por baixo dos
panos?

~ 30 ~
— Uhum. Se ela realmente precisa de tratamento, parece a melhor
opção para mim.

— Não é assim tão simples, Zeth. As implicações legais são... — suas


palavras somem quando acaricio sua orelha um pouco mais profundamente
com a ponta da minha língua. — As implicações legais são terríveis. Eu
poderia me meter em muitos problemas. Eu poderia... poderia perder meu
emprego. Pior do que isso, eu poderia ser presa. Eu teria que roubar do
hospital de novo. Eu... — ela não consegue continuar, porque comecei a
beijar e morder sua garganta. Nós dois já sabemos que essa opção, esconder
a garotinha, é uma conclusão inevitável. Uma que ela já decidiu antes
mesmo de me enviar a mensagem. Ela apenas queria me ouvir dizer.

Eu sou o diabo no seu ombro, afinal de contas. Sou o seu príncipe das
trevas, a levando por caminhos que ela nunca andaria sozinha. Em algum
momento deve ter havido um anjo no outro ombro, mas esse cara foi
embora. E não fui em quem o assustou. Sloane o mandou embora por conta
própria. Ela gostou da escuridão. Ela gostou das sombras e da adrenalina.
Agora, quebrar as regras e perseguir outra emoção foi tudo que restou para
ela.

— Pare, Zeth. Deus, por favor... eu tenho que voltar lá para dentro em
um minuto. Se você continuar com isso...

— Você vai querer que eu te foda? — eu rosno a curva delicada do seu


pescoço. — Você vai querer que eu abra as suas pernas e empurre os meus
dedos na sua buceta. Você não quer que eu veja como você está molhada,
Sloane? Não quer os meus dedos pegajosos com o seu suco?

— Porra.

— Você disse que tinha duas horas até que esse cara voltasse. Não vai
demorar tanto tempo assim levar a criança para o porão.

— Eu tenho outros pacientes, Zeth. O hospital está funcionando com


poucos funcionários. Eu não posso...

Eu sorrio maliciosamente.

— Do que você está rindo, seu desgraçado cruel? — ela me dá um soco


nas costelas, fingindo estar brava.

— Bem... — esfrego minha mão na sua perna, meu sorriso crescendo.


— Você diz uma coisa com a sua boca, garota zangada, mas o seu corpo está
falando algo totalmente diferente.

~ 31 ~
Ela olha para baixo e nota o que eu percebi a um segundo atrás – suas
pernas já estão abertas, sua saia lápis preta e profissional deslizou para
cima das suas coxas nuas.

— Droga, — ela assobia.

— Mmmm, — eu passo os dedos levemente pela sua pele macia, meu


sangue correndo pelo meu corpo cada vez mais rápido. É chocante que eu
inclusive possa sentir ele se movendo pelas minhas veias; parece que a
grande maior parte do meu sangue está circulando ao redor do meu pau
duro como uma rocha, e em nenhum outro lugar. — Você esteve
trabalhando sem parar por dias. Você nem sequer dormiu direito desde que
ficou doente. Você deveria se cuidar melhor, — eu digo, sorrindo de orelha a
orelha. — Ou pelo menos me deixar cuidar de você. Da sua buceta,
especificamente.

Ela me dá um olhar duvidoso. Ela me quer tanto quando eu a quero, o


que é realmente muito. Posso dizer pelo jeito que seus lábios cheios estão
ainda mais inchados do que o normal. Suas bochechas já estavam coradas
quando eu me sentei ao seu lado, mas agora elas parecem estar pegando
fogo, quentes ao toque. Seus ombros estão para trás, arqueando sua
espinha, empurrando seus seios para cima, de modo que eles esticam sua
camisa de algodão azul pálido. A inchaço dos seus peitos é apenas visível,
empurrando contra o tecido, e eu tenho vontade de rasgar sua camiseta ao
meio para libertá-los. É a porra de um crime que eles estejam cobertos de
forma tão eficiente agora. Quero eles expostos e nus. Eu quero seus mamilos
apontando duros para o ar frio da noite. Eu quero seus dedos no meu
cabelo, puxando com força enquanto eu massageio a sua carne com a minha
língua.

Meu pau está latejando, dolorido e exigente, quando Sloane inclina a


cabeça para baixo e olhar para suas pernas abertas e nuas, — Acho que
sim... — ela sussurra.

É tudo que eu preciso. Eu caio de joelhos antes que ela possa dizer
outra palavra. Empurro meu caminho entre as suas pernas, me inclinando
para ela poder colocá-las sobre os meus ombros.

— Deus, Zeth. Acho... acho que tem câmeras por aqui.

Do meu ponto de vista de joelhos, prestes a enterrar meu rosto no


tecido já molhado da sua calcinha, vejo o mais leve dos sorrisos. — Ora, ora,
garota raivosa. Não jogue comigo. Você sabe que fica excitada de pensar em
alguém do outro lado da câmera vendo você gozar para mim.

~ 32 ~
Ela estremece, suas pernas pressionam um pouco mais apertado ao
redor da minha cabeça. Seus lábios estão abertos, o débil brilho dos seus
dentes visível na penumbra. — Talvez você tenha razão, — ela diz baixinho.
— Talvez eu fique. Talvez... talvez você deva dar a eles algo para ver.

Ela é uma garota malvada, e eu a fiz assim. Esse pensamento me dá


um sorriso de satisfação. Separo ainda mais suas pernas e mergulho ainda
mais entre elas. Ela deveria pensar duas vezes antes de me dizer para fazer
um show. Fazer um show é uma das minhas coisas favoritas no mundo
todo. Engancho o dedo por baixo do tecido da sua calcinha e o puxo para o
lado, então ela está exposta para mim. — Se deite para trás, — eu digo a ela.

Sloane lambe os lábios e se recosta para trás apoiada nos cotovelos,


seu casaco branco impecável arrastando sobre o concreto. Ele vai estar sujo
quando eu terminar com ela. Mas então, ela também vai estar. — Coloque
seus pés aqui, — eu digo a ela, pegando seus tornozelos e apoiando as solas
dos seus sapatos de salto no topo das minhas coxas.

Com a paciência de um santo, me inclino lentamente sobre ela. Sloane


está tremendo feito louca, fazendo sons baixos, mas urgentes. Saber que eu
tenho tanto poder sobre ela é algo precioso para mim. Algumas pessoas
podem dizer que pensar dessa forma é tóxico. Que eu sou tóxico. Mas quem
se importa? Eu nunca sei a mínima para o que os outros pensavam de mim,
e com toda certeza de merda, não é agora que vou começar.

Eu amo a forma como ela me obedece.

Amo que ela se dá para mim com um abandono perfeito e


inquestionável.

Amo que ela confie em mim.

Amo que ela me ame.

Sei como é difícil para ela deixar ir e abrir mão do controle, e é por isso
que eu valorizo momentos como esse. É mais do que sexo. É mais do que
desejo. Isso é tudo.

Minha língua finalmente encontra o ponto de chegada, e o corpo de


Sloane salta do concreto como se tivesse sido eletrocutado. — Oh, merda,
Zeth. Oh meu Deus, — suas mãos correm pelo seu corpo, até que ela está
cobrindo seus seios por cima da camisa. Não há nada mais incrível que
observar uma mulher que sabe como pressionar seus próprios botões.
Enquanto trabalho com minha boca na sua buceta, gemendo de prazer pelo
seu gosto e pela textura dela na minha língua, observo ela se tocar,
passando os dedos pela pele do pescoço, sobre os lábios, deslizando-os por

~ 33 ~
debaixo da sua camisa de botos, então ela alcança a curva dos seus peitos
perfeitos por debaixo do sutiã, também.

Se sexo oral fosse uma arte marcial, eu seria faixa preta. Não, esqueça
isso. Eu seria a porra de um fodido Grão-Mestre. Eu sei exatamente como
trabalhar a ponta da minha língua sobre o clitóris de Sloane para fazer seu
corpo se apertar com força. Sei precisamente como usar minha boca,
deslizando sobre a sua buceta para massagear o monte sensível de nervos
em carícias longas que a fazem ofegar e gemer.

— Droga, Zeth. Oh, merda, você vai me fazer gozar!

Como eu disse: a porra de um fodido Grão-Mestre.

Curvo meus braços sob as suas coxas, assim posso agarrá-la melhor
pelos quadris, e então empurro minha língua dentro dela. Ela tem um gosto
bom pra caralho. Se eu estivesse perdido em uma ilha deserta e a buceta de
Sloane fosse a única coisa que eu tivesse para comer, eu seria o homem
mais feliz e mais bem alimentado de toda a raça humana. Ela me agarra pelo
cabelo, esmagando o meu rosto, e eu quase perco a cabeça.

Ela está perto. Posso dizer pelo quanto ela está molhada e pelas notas
erráticas e frenéticas da sua voz quando ela geme. Quero fazer ela gozar com
a minha boca – isso a destrói todas as vezes – mas uma grande parte de
mim, 20 cm de rocha sólida, exige estar dentro dela agora mesmo.

Ela choraminga quando eu me afasto, deixando ela deitada onde está,


com as pernas abertas. — Paciência, garota zangada.

Levo menos de um segundo para abrir minhas calças e libertar meu


pau. Sloane me observa com os olhos meio fechados; os primeiros dois
botões da sua camisa estão abertos e seus peitos estão livres, o bojo do seu
sutiã puxado para baixo para expor a pele macia e cremosa, e os mamilos
duros. — Garota má, — eu digo a ela. — Olhe o que você fez.

Ela fecha os olhos, balançando a cabeça para trás, e eu levo o tempo


de uma batida do coração para observar a visão à minha frente. Algum
homem já teve tanta sorte antes? A mulher na minha frente está aberta, a
alma exposta, esperando que eu faço a porra que eu quiser com ela, e é a
coisa mais bonita que eu já vi.

Eu a tomo. Não sou gentil quando deslizo dentro do seu calor quente e
úmido. Empurro o mais forte que posso, porque sei que ela ama quando eu
faço isso. Ela enrola os braços ao meu redor, me puxando para ela,
enterrando suas unhas na minha jaqueta de couro. Posso sentir mesmo
através do tecido grosso, então ela claramente está jogando pra valer.

~ 34 ~
Deus, a buceta dela é incrível. Eu já fodi a sua boca e a sua bunda,
mas nada é tão bom quanto a sua buceta. Nossos corpos se encaixam juntos
com um tipo de precisão que explode a minha mente. Nossa fisiologia não
mente; nós fomos feitos um para o outro.

Bato no seu ponto G e Sloane solta um grito rasgado e quebrado que


me atinge como uma maldita lança no peito. Ela está tão perto. Eu também.
O sentimento de euforia crescente dentro de mim é algo que posso empurrar
para baixo se ela precisar de mais tempo, mas nesse momento ela está
pairando sobre a borda e eu vou ter que parar de bombear dentro dela se
quiser que ela aguente mais tempo.

Mas eu já a provoquei o bastante. Quero sentir ela gozando por todo o


meu pau agora mesmo. Tenho que sentir isso, assim como preciso respirar.
É mais que um desejo; é uma necessidade. Eu mordo a sua clavícula quando
monto a onda que vem correndo por mim. Sloane empurra para cima, seus
quadris pressionando urgentemente contra os meus, e então ela está
gritando na escuridão, suas mãos se agarrando a mim enquanto ela goza.

O calor floresce dentro de mim, estende seus dedos sobre mim, através
de mim, sobre a parte de trás das minhas coxas e sobre as nádegas, sobe
pelas minhas costas, enviando uma onda de formigamento pela minha nuca
e pela cabeça. Sloane estremece, sua respiração saindo rápida e afiada
quando eu empurro dentro dela uma última vez.

— Deus, — ela sussurra, sua voz áspera, quase inaudível sobre meus
frenéticos batimentos cardíacos, que estão zumbindo nos meus ouvidos
agora. — Isso foi... intenso.

Ela abre os olhos, olhando para mim, e eu me vejo refletido neles. Vejo
um futuro infinito, improvável e improvável à minha frente. Se ele fosse
perfeito, essa vida que eu e Sloane aceitamos viver juntos, então nenhum de
nós sobreviveria. Nós dois precisamos de caos para nos incendiar. Nós dois
precisamos de um pouco de imprevisibilidade e turbulência ao longo do
caminho. Mas, saber que nós somos capazes de lidar com o que aparecer, é
o suficiente para mim, no entanto.

— Preciso que você faça algo para mim, Sloane.

Ela me olha meio bêbada da foda que eu acabei de lhe dar e então
pisca para mim. — O quê?

— Não se atreva a se limpar quando voltar lá para dentro.

Seus olhos se arregalam. — Minha roupa está toda suja, Zeth. Não
posso voltar para lá desse jeito.

~ 35 ~
— Troque que roupa. Escove o seu cabelo, se precisar, — eu digo a ela,
beliscando a sua bunda levemente entre meu indicador e o polegar. — Mas
não se atreva a limpar o meu gozo, garota zangada. Eu quero que você volte
ao trabalho sabendo que eu ainda estou dentro de você. Quero que você me
sinta entre as suas pernas. Me prometa, porra.

Ela assente lentamente, soltando uma respiração instável que faz


minhas bolas doerem. — Eu prometo, — ela diz.

— Ótimo. Agora volte para dentro, antes que eu decida que vou te
foder outra vez.

~ 36 ~
Capítulo Cinco
SLOANE
Eu sou um acidente de trem. Graças a Deus ninguém me viu quando
eu me apressei pelos corredores até o vestiário, para pegar um uniforme azul
e um jaleco limpo. Droga, esse homem ama tornar a minha vida difícil às
vezes. Ou, se não difícil em si, no mínimo mais interessante. Sem dúvidas
ele está com aquele sorriso malvado no rosto enquanto dirige para casa, se
parabenizando pela maneira como meu coração provavelmente está
trovejando em meu peito enquanto eu tiro as roupas sujas, meu corpo agora
dolorido, cansado do sexo selvagem que acabamos de fazer. E ele está certo,
meu coração está trovejando em meu peito, e meu corpo está dolorido e
cansado, e eu me sinto incrível, iluminada de dentro para fora. Como diabos
eu vou voltar a me concentrar no trabalho depois disso? Não vai ser fácil.
Pretendo cumprir a promessa que fiz a ele, então vou pensar no nosso sexo
selvagem cada vez que eu me mover, sentar ou simplesmente respirar. Mas
eu tenho que ter certeza de estar focada ao mesmo tempo, no entanto. Tenho
uma pequena criança para levar e esconder no porão.

Ninguém diz nada quando eu vou até o quarto de Millie Reeves e pego
os gráficos no fim da sua cama. Suas estatísticas são a mesmas de hoje mais
cedo – sua pressão está baixa e seus batimentos parecem um pouco
erráticos às vezes, mas fora isso ela está estável. Há muitas chances de que
eu esteja sendo ridícula aqui e essa garota estaria perfeitamente bem em
casa sendo cuidada pelo seu irmão, mas eu não sei. Por alguma razão há um
peso no meu estômago, afundando como uma pedra, e o pensamento de
liberar Millie dos nossos cuidados me deixa ansiosa. Seu irmão claramente
cuida dela muito bem, mas essa sensação não vai passar. Aprendi muito
tempo atrás que ignorar a sua intuição tem consequências muito sérias na
minha linha de trabalho. Eles te ensinam a ser lógico, a trabalhar com
possibilidades plausíveis e a treinar para ter um cérebro cientifico, que é o
oposto de um cérebro guiado pela emoção, mas às vezes você precisa de um
pouco de emoção.

Fiquei tão distraída com os gráficos de Millie que esqueci de verificar a


paciente deitada na cama. Ela se agita, a pequena forma debaixo das
cobertas se mexe e então se transforma em uma garotinha cuja cabeça

~ 37 ~
emerge para fora do cobertor. Seu cabelo é fino, mechas macias de seda
flutuando ao redor da sua cabeça, carregadas de estática. Os grandes olhos
azuis cheios de pânico se fixam em mim e começam a se encher de lágrimas.
Seu minúsculo lábio inferior estremece. — Onde está Mason? — ela
pergunta.

Eu coloco seus gráficos no fim da cama outra vez e me sento ao lado


dela, na beira do colchão. Ela é tão pequena, mesmo para a sua idade. Seus
dedos agarram as cobertas, as prendendo contra a sua figura frágil. Ela
parece uma boneca. Parte o meu coração que uma criança tão delicada e
inocente tenha que passar por tanta dor e sofrimento. — Mason vai chegar
logo, docinho, — eu digo a ela. — Ele teve que ir trabalhar, mas prometeu
voltar assim que terminasse lá. Ele deve chegar daqui uma hora.

Lágrimas escorrem dos dois olhos ao mesmo tempo, descendo pelas


bochechas. — Ele geralmente não me deixa, — ela sussurra. — Eu não gosto
de hospitais.

— Ahh, querida. Você quer que eu te conte um segredinho? — eu me


inclino mais perto dela, sorrindo um pouco. Eu nunca quis trabalhar com
crianças. Meus turnos na pediatria durante a faculdade eram um desafio,
para dizer o mínimo; eu podia lidar com as situações mais tocantes que você
vê em hospitais, mas crianças em estado terminal eram demais para mi.
Quando olho para Millie agora, posso ver pairando sobre ela a mesma
sombra que via sobre aqueles pequenos bebês, e parece que a minha
garganta se fecha. Millie acena, apertando ainda mais suas cobertas.

— Eu também odeio hospitais, — eu sussurro.

Seus olhos se arregalam ainda mais. — Mas você é médica. Você não
pode odiar hospitais.

Eu dou de ombros, olhando para o teto. — Eu gosto de ajudar as


pessoas. É por isso que eu virei médica. Mas eu não gosto de hospitais.
Sabe, meu pai é médico, assim como eu. E quando eu era pequena, eu
nunca via ele. Ele estava sempre trabalhando, sempre chegava em casa
tarde, quando eu já estava até dormindo, e eu ficava tão irritada com ele por
passar tanto tempo no hospital. Eu ficava irritada com todas as pessoas
doentes que queriam que ele ficasse com elas, em vez de deixarem que ele
ficasse comigo. Demorei muito para perceber que ele estava fazendo um
trabalho muito importante e que aquelas pessoas precisavam dele mais do
que eu. Percebi que ele ainda me amava, não importava o que, e eu sempre
seria a sua garotinha. Mas isso nunca mudou a forma como eu me sentia a
respeito de hospitais, no entanto. Eu sempre os odiei.

Millie levanta as sobrancelhas. — Você odeia estar aqui agora?


~ 38 ~
— Não. Agora não. Eu gosto de estar aqui, conversando com você.

Com um leve movimento e um gemido, Millie se senta, descansando


contra a montanha de travesseiros que o seu irmão insistiu que ela
precisava ter na cama. — Você me ajudou quando eu cheguei aqui, não foi?
Eu me lembro disso, — ela estende o braço e toca levemente no meu braço,
apontando para o meu relógio. — Ele é muito brilhante, — ela sussurra. —
Acho que Mason tinha um relógio como esse.

Meu relógio, uma cópia barata de um Rolex, é uma das minhas posses
mais valiosas. Foi me dado por uma das minhas primeiras pacientes – uma
mulher que tratei contra câncer de ovário. Eu era residente naquela época,
então ela não era de fato minha paciente, mas fui eu quem a diagnostiquei.
O médico cuidando do seu caso, Dr. Withers, insistia que ela tinha doença
celíaca, mas naquela época eu tive a mesma sensação inquietante e
desconfortável de que algo não estava certo, então investiguei mais fundo. A
pequena massa no seu ovário esquerdo seria facilmente ignorada se eu não
estivesse procurando por isso com tanto empenho. A mulher, Casey, ficou
tão agradecida por eu ter descoberto o tumor maligno que ela voltou e me
trouxe o relógio algumas semanas de terminar suas sessões de
quimioterapia. Ela parecia cansada, com profundas olheiras sob os olhos,
mas tinha recebido alta. Ela estava livre do câncer, e disse que precisava me
agradecer por isso.

Casey e eu mantivemos contato por muito tempo. Ela me enviou fotos


da sua filha, me contando todos os marcos importantes que tinha sido capaz
de presenciar na vida dela. Porém, depois de um tempo, as cartas pararam.
Alguns anos depois, descobri que Casey tinha morrido por causa de um
ataque secundário do câncer de ovário, que tinha voltado e criado raízes.
Quando eles começaram a tratá-la, já era tarde demais.

— Você gosta? — eu mostro a Millie o vidro brilhante, marcado por


anos de uso e abuso no Hospital St. Peter’s of Mercy. Ela assente.
Rapidamente, eu solto a correia e deslizo o relógio no seu braço finíssimo,
prendendo o mais firme possível. — Você acha que pode cuidar dele para
mim enquanto está aqui? Eu vivo batendo ele nas coisas.

Millie estuda o relógio por um segundo, seu minúsculo dedo indicado


traçando os arranhões e marcas no vidro, e então ela assente outra vez. —
Eu vou cuidar dele para você, — ela diz. — Te devolvo quando Mason me
levar para casa.

— Obrigada, Millie. Eu gostaria disso.

***

~ 39 ~
Dr. Bochowitz não é exatamente um corruptor das normas, mas o
velho médico sabe quando não fazer perguntas. Ele não parece achar isso
nada fora do comum eu querer colocar uma paciente de seis anos de idade
no necrotério. Millie não parece se incomodar pela falta de luz natural ou
com o estranho cheiro químico que permeia a sala, também. Na verdade, ela
parece bem confortável com os seus novos arredores, longe da correria das
enfermeiras e de pessoas a monitorando 24h por dia. Bochowitz se certifica
de que todos os corpos em que ele estava trabalhando estejam seguramente
trancados antes que ela possa colocar os olhos neles, e então ele lhe traz o
jantar e senta com ela enquanto ela come, contando histórias sobre a sua
neta, que aparentemente tem a mesma idade de Millie.

Espero por Mason no primeiro andar, desejando que um terrível


acidente de carro apareça, assim não vou ter que explicar ao rapaz que a sua
irmãzinha está agora sã e salva no necrotério lá embaixo. O pobre garoto
provavelmente vai ter pesadelos por anos.

Nenhum desastre natural abala a cidade, no entanto, e as estradas


estão livres, sem congestionamento de carros. Mason me acha vinte minutos
atrasado, coberto de graxa e sujeira, parecendo além do estressado enquanto
joga as chaves do carro de uma mão para a outra. — Onde ela está? — ele
exige. — Eu fui ao quarto dela e a porra da cama está vazia. Achei que algo
terrível tinha acontecido.

Mason me encara com a expressão em branco enquanto eu explico o


que fiz. Não posso dizer se ele está feliz por eu ter encontrado uma espécie
de solução ou se está muito irritado pelo fato de sua irmã agora ser uma
residente viva no necrotério do St. Peter. Ele pisca uma vez, então pisca de
novo. — Você pode me levar até ela? — ele pergunta.

Eu levo. As pessoas às vezes pegam o elevador para descer até o


necrotério, principalmente para poderem ver os corpos dos seus entes
queridos e parentes e então se despedir, mas essa não é a norma. Mason
não parece estar nada triste e enlutado quando nós descemos para o outro
andar e saímos, mas a jovem enfermeira parada ao seu lado lhe dá um
sorriso triste e tranquilizador mesmo assim.

Millie está sentada e conversando com o Bochowitz quando entramos


no quarto. Seus olhos se iluminam quando ela vê o irmão, e a voz de Mason
fica presa na garganta quando ele diz oi. — Vejo que você está fazendo arte
como sempre, ratinha.

~ 40 ~
Ela finge estar aborrecida, cruzando os braços sobre o peito. — Não
estou não. Sr. Richard está me contando histórias de fantasmas. Eu nem
estava com medo, Mase. Eu ouvi tudinho!

Bochowitz parece um pouco envergonhado quando ele se levanta do


seu assento ao lado da cama de Millie. — Ahh, sim, bem, eu posso ter me
empolgado um pouco com as minhas histórias. Mas não pude evitar. A
jovem senhorita Reeves aqui é incrível. Muito corajosa, mesmo. Parecia uma
pena deixar de fora as partes mais excitantes.

Mason estende a mão para o Dr. Bochowitz, que a aperta em retorno.


— Obrigado por cuidar dela, — ele diz. — E obrigado por manter ela
entretida. Mas se ela tiver pesadelos, vou mandar ela para a sua casa, para
você lidar com isso.

— Eu não vou ter pesadelos, — Millie diz. — Eu sou velha demais para
isso.

— Todo mundo tem pesadelos às vezes, baby. Até mesmo os adultos.

Millie parece chocada com essa informação. Ela se mexe para baixo em
seus travesseiros e inclina a cabeça para o lado. — Isso não é muito justo, —
ela diz. — Adultos não deveriam ter medo de nada.

Mason dá uma risada trêmula, balançando a cabeça de um lado a


outro. — Adultos têm medo o tempo todo, eu tenho certeza. Todos nós. A
gente apenas consegue lidar com isso melhor do que as crianças, Mill.

A doce garotinha na cama abre nas narinas quando puxa uma gigante
lufada de ar para dentro dos pulmões. Ela olha do Dr. Bochowitz para o seu
irmão, e então para mim, e então sacode a cabeça. — Você não tem medo,
Mason. Você é o irmão mais corajoso de todos. Você nunca, nunca tem medo
de nada.

Eu posso ver o quanto ela quer acreditar nisso. Se Mason nunca tem
medo, então Millie sabe que o seu protetor é corajoso e capaz de cuidar dela.
Mason deve estar muito consciente disso também. Ele faz cocegas sob o seu
queixo e sorri. — Está certo. Você me pegou. Eu não me assusto fácil, isso é
verdade.

Mas eu sei a verdade, no entanto. Mason, como todos responsáveis


pelo bem-estar de outra pessoa, especialmente uma criança, está assustado
o tempo todo. Se ele é como muitos dos pais que andam pelos corredores do
St. Peter, ele está paralisado de medo. Mas ele faz um ótimo trabalho
escondendo isso de Millie, no entanto.

~ 41 ~
— Quando nós podemos ir para casa? — Millie tenta jogar as cobertas
para o lado, como se estivesse pronta nesse instante. Sua tentativa é
frustrada pela forma firme que os lençóis foram presos na cama, impedindo
que ela vá muito longe.

— Logo, baby. Nós só precisamos... — ele para de falar de repente


quando seu telefone começa a tocar dentro do bolso. — Merda. Me desculpe.
Eu sei que deveria desligar isso aqui dentro, — ele puxa o telefone do bolso e
sua expressão escurece quando ele olha para tela.

Bochowitz acena com a mão. — Tudo bem, Sr. Reeves. Como você
pode ver, as regras normais não se aplicam aqui embaixo. Sinta-se à vontade
para atender, se você precisa. Você pode ir ali fora, no corredor.

Mason lhe dá um sorriso de desculpas e acena a cabeça. — Obrigado.


Infelizmente eu preciso atender essa ligação, — se levantando, seus olhos
encontram os meus e ele se move na direção da posta; eu não pude enxergar
isso antes, como ele se sentia sobre eu ter trazido Millie para cá, fora de
vista, mas agora vejo a gratidão em seus olhos. Graças a Deus, porra. Ele
poderia facilmente se reportar à médica-chefe, e eu estaria acabada.
Bochowitz começa a falar com Millie de novo, distraindo-a enquanto seu
irmão está indisponível. Eu me viro para me juntar a eles quando ouço
Mason atender o telefone. A porta está se fechando rapidamente atrás dele,
mas ainda tenho tempo de registrar as primeiras palavras que saem da sua
boca, e fico gelada até os ossos pelo que ouço.

— Detetive Lowell, — ele diz. — Eu não pude ir checar o Mayfair hoje.

~ 42 ~
Capítulo Seis
MASON
Lowel está puta. Ela não parece entender que se eu estou no hospital
com a minha irmãzinha, não vou ser capaz de fazer o seu trabalho sujo. Ela
é espinhosa pra caralho enquanto me descasca no telefone. — Você percebe,
Mason, que nós estamos trabalhando com um limite de tempo aqui. Se eu
não encontrar qualquer evidência relativa a esse assassinato logo, não vou
conseguir relacionar Mayfair como uma pessoa de interesse. Isso é ruim
para mim. Muito, muito ruim, o que significa que é muito, muito ruim para
você também. E para a sua irmãzinha. Quero dizer, tudo que eu preciso
fazer é ligar para o conselho tutelar...

— Porra. Você pode... você pode me dar mais um dia ou dois? Estou
fazendo o melhor que posso, ok? Zeth é um homem difícil de ler. Ele mantém
suas cartas bem guardadas. Não é como se ele fosse sair cuspindo sobre
cadáveres que ele enterrou nas montanhas toda vez que nós conversamos.
Ele não é estúpido. Ele mal me conhece.

— Parece que você o respeito muito, — Lowell diz. — Parece que eu


estou injustamente fazendo você o investigar um homem inocente. Se lembre
disso, Mason. Homens como Zeth são carismáticos. Eles são encantadores.
Eles incutem em você uma falsa sensação de segurança.

— Eu não sei com quem diabos você teve que lidar no passado, mas
Zeth não podia estar mais longe de carismático e encantador. Ele é um filho
da puta hostil e espinhoso, e eu morro de medo dele. Não tenho
absolutamente nenhuma sensação de segurança, falsa ou não.

Lowell apenas grunhe. — Que seja. Você sabe o que está em jogo aqui,
Mason. Faça ele falar.

— Eu não sei como fazer isso! Eu não sou um maldito interrogador.


Não tenho nenhuma experiência com essa merda.

— Jesus. Deixe ele bêbado. Todos os homens adoram falar sobre as


merdas que eles fizeram quando têm um galão de Jack Daniels dentro deles.

~ 43 ~
Essa mulher não tem ideia do que ela está me pedindo. Se ela tem,
então obviamente não dá a mínima para o meu bem-estar pessoal. No pouco
tempo que conheço Denise Lowell, ela não me passou a impressão de ser o
tipo de pessoa que permite que a segurança de outras pessoas fique no
caminho do que ela quer alcançar, no entanto.

— Vou fazer o meu melhor, — eu digo a ela. — É tudo que eu posso


fazer.

— Besteiras como essa são para crianças de cinco anos e perdedores,


Sr. Reeves. Faça melhor que o seu melhor. Faça o meu melhor. Custe o que
custar, — a linha fica muda, e eu sou deixado de pé no corredor, com meu
celular ainda pressionado contra a orelha, me perguntando como diabos eu
me meti nessa confusão.

Volto para o quarto e encontro Millie contando suas melhores amigas


com o que parece ser os dedos das duas mãos e dos dois pés. O velho
médico é bom com ela, tenho que admitir. Ele coloca uma máscara e mostra
muito interesse em saber quem são Octavia, Rosie e Samantha. Dra.
Romera, por outro lado, tem um olhar afiado e hostil que eu reconheço
muito bem. Eu tinha o mesmo olhar mais cedo, quando ela estava tentando
me convencer a deixar Millie no St. Peter. Se olhares pudessem matar, eu
estaria morto, esquartejado e já enterrado a sete palmos debaixo da terra.

— Está tudo bem, Dra. Romera?

Ela pula, como se não estivéssemos nos encarando desde que eu voltei
para o quarto e ela só tivesse me notado agora. — Sim. Sim. Tudo bem, —
ela diz. Sua voz é plana, no entanto. Fria. É como se ela fosse outra pessoa,
e aquela médica afetuosa, carinhosa e amigável de um momento atrás
tivesse ido embora, sendo substituída por... eu não sei quem ela é agora. —
Está tudo perfeito, — ela diz, descruzando os braços e colocando as mãos
lentamente nos bolsos do seu jaleco branco. — Acho que agora sou eu que
vou ter que me desculpar por sair um momento, gente. É minha vez de fazer
uma ligação importante, — ela me dá outro olhar gelado e avaliador e então
dá um sorriso fraco para o seu colega. — Você não se importa se eu der um
pulo ali fora por um minuto?

Dr. Bochowitz pega um dos dedos do pé da minha irmã por cima dos
lençóis e o puxo da forma brincalhona. — Claro que não. Não há nenhum
outro lugar onde eu preferiria estar.

Dra. Romera sair. É como se ela quisesse sair correndo do quarto, mas
faz o seu melhor para sair andando. Um arrepio gelado desce pela minha
espinha. Que diabos há de errado com ela? O que poderia ter acontecido

~ 44 ~
durante o tempo em que estive fora do quarto? Isso não faz nenhum sentido.
Eu juro, nunca vou entender as mulheres.

***

Millie cai no sono perto das nove horas. Eu me sinto um merda por
deixar ela aqui outra vez depois de ter estado fora o dia todo, mas tenho
esperanças de que ela durma e não note a minha ausência até de manhã.
Penso em ligar para Ben e cancelar minha luta essa noite, mas nós
precisamos do dinheiro. Desesperadamente. Se eu não lutar, são dois mil
dólares a menos, e esse é o dinheiro do nosso aluguel do mês. Esse dinheiro
é que vai pagar pelas nossas necessidades e colocar comida na mesa para
Millie. Esse valor não chega nem perto de cobrir as despesas que nós temos
acumulado com hospitais – vou ter que lutar semana que vem outra vez para
chegar um pouco mais perto do valor que nós precisamos, o que me deixa
preocupado. Se eu não ganhar, se eu me machucar, se Millie passar mal
outra vez e eu não puder levá-la ao hospital...

Eu sou atormentado por vários “ses”.

O ar da noite está gelado quando eu entro no meu carro e dirijo para o


sul, fora da cidade, na direção de La Maison Markets, ou French’s, como nós
chamamos. Uma instalação de armazenamento fechada, empoeirada e sem
ar debaixo dos mercados já está tremendo, viva pela multidão gritando,
querendo ver sangue essa noite. Eles são banqueiros e corretores,
atendentes de hotéis, mecânicos, babás e chefs de cozinha. Eles são todo
mundo, eu e você, pessoas com todos os estilos de vida. Eles são as pessoas
de Seattle que não têm medo de mostrar quem são de verdade, de gastar seu
dinheiro em socos e punhos que alimentam violência e carnificina. Eles são
como eu mantenho o diabo na minha porta, embora a maior parte das vezes
eles me façam sentir que eu sou o diabo.

Eu estaciono e desço a escadaria estreita que leva ao porão onde as


lutas acontecem, minha cabeça ainda no hospital com Millie. Eu sou o
terceiro a lutar essa noite. Eu não perdi nenhuma luta até agora, mas ainda
não cheguei às lutas principais. Há outros lutadores, favoritos que têm
acabado com muita gente há muito mais tempo que eu, que ainda
reivindicam o título de campeões. Eles ganham cerca de vinte mil dólares por
luta, se forem bons negociadores, e o cara no ringue essa noite é tudo isso e
mais. Jameson Rayne. Ele é famoso por vencer por nocaute logo no primeiro
round. Seu gancho de direita é fodidamente assustador. Você vê a coisa

~ 45 ~
chegando e é isso. Não há tempo para se defender. Nenhuma contagem no
planeta é o suficiente para prevenir uma concussão séria e alguns dentes
quebrados. Somente os homens mais loucos lutam com Rayne. Somente
pessoas como Ben.

Encontro meu melhor amigo nos fundos, onde uma loira gostosa com
imensos peitos falsos está passando a mão para cima e para baixo no seu
bíceps, como se ele fosse um maldito semideus. Quando ele levanta o olhar e
me vê, dá um tapa na bunda da garota e a manda embora.

— Ela não vai estar tão ansiosa para subir e descer no seu pau mais
tarde, quando você estiver todo roxo e humilhado, seu babaca, — eu digo a
ele.

Ben sorri. — E daí? Meu pau já está em carne viva dela subir e descer
nele. Preciso de um tempo para me recuperar. Vai ter outra garota
igualzinha a ela pronta para balançar no meu pau em algumas semanas, e
eu ainda vou estar rico por causa dessa luta.

Ele está certo. Rayne pode conseguir uma montanha de dinheiro por
acabar com Ben essa noite, mas isso não quer dizer que Ben vai para casa
de mãos vazias. Todo mundo sabe que não há chances de ganhar de Rayne.
Então é necessária uma soma de dinheiro decente para atrair lutadores para
tomarem a surra das suas vidas, e essa noite é a vez de Ben ser jogado para
todos os lados da gaiola. Filho da puta louco.

— Você pensou naquilo que nós conversamos? — ele pergunta,


segurando suas faixas de mão. Eu as pego dele e começo a enfaixar sua mão
direita.

— Não. Você sabe que eu não posso ir, cara. Se houvesse algum jeito...
— algumas semanas atrás, Ben mencionou que está pensando em se mudar
para Los Angeles para treinar com profissionais, e ele não parou de falar
sobre essa merda desde então.

— Existem escolas na Califórnia, otário. Eles têm oficinas mecânicas


por lá, também.

— Não é assim tão simples. Millie está bem aqui. Ela tem amigas. Eu
estaria fodido se Wanda não pegasse Millie na escola todos os dias. Eu não
poderia trabalhar, — eu não menciono que tenho uma agente do DEA que
está tão grudada na minha bunda que ela sabe exatamente o que eu comi de
café da manhã. Se eu tentar deixar o Estado, Lowell vai ter policiais na
minha porta mais rápido do que eu posso piscar.

~ 46 ~
Ben flexiona a mão quando eu acabo de enfaixá-la, esticando o
material ao redor dos seus dedos para poder fechar o punho direito. — Eu só
estou dizendo que Los Angeles é o lugar onde precisamos estar se queremos
começar a fazer um caminho nessa indústria. Você sabe disso, e eu sei
disso. Se ficarmos aqui, lutando por trocados a casa semana, nunca vamos
conseguir chegar às lutas em Vegas. Joe Rogan nunca vai falar da gente no
seu podcast. Vai ser isso aqui. Até que Jameson Rayne finalmente dê o fora
daqui e abra espaço para o resto de nós, sempre vamos pegar as lutas de
segunda categoria.

Eu não dou a mínima por lutar na segunda categoria. Não estou


tentando construir uma carreira nessa área aqui. Eu nem estaria lutando se
não tivesse que cuidar de Millie. Ben não entende isso, porque ele é novo e
não nenhuma responsabilidade. Nós podemos ter a mesma idade, mas eu
tenho quinze anos a mais do que ele em relação a cuidados com pessoas que
dependem de você, e não há nada que eu possa fazer sobre isso. Cada
decisão que eu faço, cada simples ação, cada movimento – é tudo por ela, e
vai ser assim até o dia em que eu morrer. — Que seja, cara, — eu enfaixo
sua outra mão enquanto ele tenta, de novo, me convencer de como seria fácil
conseguir um trabalho em LA. Que crianças da idade de Millie sempre fazem
novos amigos facilmente. É só quando ele começa a falar besteiras de como
os hospitais na Califórnia são muito melhores e que Millie receberia um
tratamento melhor lá que eu o interrompo.

— Cara, olha só, eu não posso. Me desculpe. Não agora. Talvez daqui
um ano ou dois. Me desculpe, — Ben pode dizer pelo meu tom de voz que
esse é o fim desse tópico na nossa conversa. Ele suspira, batendo um punho
contra a palma da outra mão, a decepção se derramando dele.

— Certo, Mase. Mas, porra. Um ano ou dois é tempo demais no UFC.


Eu não sei se posso esperar tanto tempo.

— Você deveria ir, — eu digo a ele. — Porra, vá e faça o seu nome,


cara. Eu não quero render você aqui. Você não me deve nada.

Ben resmunga. — Você é um cuzão. Se você me dissesse para não ir,


para esperar até que o meu rabo estivesse pronto, então eu ficaria puto com
você e iria. Mas quando, em vez disso, você fala essas merdas, então não há
como eu possa ir embora.

Ele é completamente ridículo. Ele não faz sentido na metade do tempo.


Eu lhe dou um soco no estômago, forte o bastante para que ele se dobre,
gemendo de forma melodramática. — Se você quer chupar o meu pau, cara,
isso não vai acontecer, — eu digo a ele.

~ 47 ~
Ben ri alto. — Eu já te disse, meu pau está em carne viva agora. Mas
talvez, depois que acabar com Rayne, eu ligue para você para um boquete da
vitória.

~ 48 ~
Capítulo Sete
MASON
Eu ganho a minha luta, mas não sem apanhar bastante. O meu
oponente é um veterano experiente, e eu cometo o erro de acreditar que ele
está começando a enfraquecer no terceiro round. Fico bastante confiante no
quarto, baixando um pouco a guarda para o show, tentando inflamar a
multidão, e é quando o bastardo conecta seu punho com o lado da minha
cabeça, bem ali onde a mandíbula se encontra com o crânio. Eles chamam
esse ponto de o botão. O botão de desligar. Se você for atingido com força
suficiente nesse lugar, é isso aí filho da puta, fim do espetáculo. Felizmente
eu consigo desviar um pouco para a esquerda, o que enfraquece o seu soco.
Do contrário eu estaria contando estrelas e minha bunda estaria batendo no
tatame. Eu cambaleio para trás, batendo na grade que cerca a gaiola, e
minha cabeça começa a girar.

Eu precisava desse estalo de realidade. Precisava sentir o pânico que


vem com a realização de que eu podia realmente perder essa luta. Isso agita
algo dentro de mim, me enche com a raiva que preciso para reagir. Eu acabo
com o filho da puta no final desse round, o enviando para o chão como
madeira quebrada. Na maior parte do tempo, lutadores com prática estão à
procura de caras como eu que podem ser bons sacos de pancadas, mas não
estão preparados para os chutes e socos quando nós revidamos. A multidão
grita em descrença quando eu desço o pé e dou um poderoso chute na
lateral da sua cabeça, apagando completamente o cara, e é isso. Acabamos
aqui.

Previsivelmente, Ben leva uma surra logo no primeiro round. A


multidão ama ver ele sendo jogado no ar, caindo como um monte de panos
molhados no tatame, e então suas luzes se apagam. Rayne é um adversário
decente e se agacha ao lado dele, esperando Ben recuperar a consciência
antes de se levantar e ir comemorar, os punhos fechados no ar, gritando e
vibrando com as massas ao redor da gaiola, que cantam seu nome e agarram
a grade, selvagens.

Pego o vislumbre de um cabelo loiro platinado na entrada da gaiola e


faço o meu melhor para dar o fora dali antes que a dona desse inconfundível

~ 49 ~
cabelo curto me veja, mas não sou rápido o bastante. A multidão sai do
caminho o mais rápido possível, corpos esmagando outros corpos, pessoas
pisando nos pés umas das outras enquanto eu deslizo entre eles, mas as
pessoas magicamente abrem caminho para Kaya Rayne como se ela fosse a
maldita rainha de Sabá. Sua mão está no meu ombro antes que ande
metade do caminho até a saída.

— Ei, você, — ela ronrona. — E eu aqui, pensando que nós fôssemos


amigos.

Eu me viro e ali está ela – pequena Kaya, com o corpo perfeito, a boca
em formato de botão de flor e um brilho perverso nos olhos azul-claros.
Droga. Eu estive me fugindo dela por semanas como um maldito covarde.
Que diabos há de errado comigo? Ela é super gostosa. Até onde posso dizer,
ela está muito interessada em me ver pelado, o que é incrível, porque eu me
encontro imaginando como são os mamilos dela e como seria ter eles na
minha boca, pelo menos umas três ou quatro vezes por dia. Não vamos
começar a falar de quanto tempo eu passei pensando na sua buceta. Eu
deveria lhe dar exatamente o que ela quer: meu pau. E ainda assim, eu não
posso. Não seria absolutamente nada justo. Minha vida é um maldito circo
nesse momento. Arrastar ela para isso seria uma merda imperdoável.

— Oi. E aí? — esfrego a minha nuca, estudando o mar de pessoas nos


pressionando, tentando ver Ben. Se eu conseguir encontrá-lo, posso usar ele
como desculpa – a velha tenho que cuidar do meu amigo. Kaya parece ter
outras ideias, no entanto.

— Hmm. E aí? Bem, ultimamente eu tenho pensando em como


tecnologia é algo complicado, sabe?

— Me desculpe? — sua resposta estranha me pega de surpresa.

— Sim, você sabe. Pessoas velhas não conseguem mais usar controles
remotos. Pessoas na faixa dos quarenta não conseguem lidar com apps de
mídias sociais. E agora parece que caras na metade dos vinte não
conseguem nem usar seus celulares para responder mensagens de texto.

Ahhh. Isso faz mais sentido. Ela está irritada comigo. — Deus, Kaya.
Eu sinto muito. Eu só estive meio amarrado nessas últimas semanas.

~ 50 ~
— Literal ou figurativamente? — ela coloca a mão no bolso do seu
casaco e pega algo, e então o coloca diretamente na boca. Uma red vine2. A
garota parece ter um estoque sem fim dessa coisa.

— Figurativamente, — eu respondo. — Claro que não é literal.

— Ok, porque, veja, mesmo quando as pessoas estão muito ocupadas,


elas ainda encontram tempo para enviar para as outras uma mensagem
rápida. Acontece o tempo todo. Então eu perguntei por que pensei, Kaya, dê
a ele o benefício da dúvida. Talvez ele realmente estivesse amarrado no porão
de alguém e só foi libertado do seu cativeiro essa tarde.

Não consigo ver Ben em lugar algum. Maldito Ben. Ele provavelmente
está sangrando profusamente no chuveiro agora, e eu realmente posso usar
isso para escapar. — É que não parecia justo, — eu digo. — Não tenho
tempo para relacionamentos, Kaya. Eu gosto de você, de verdade, mas
qualquer coisa entre nós seria apenas sexo. E eu não quero que você pense
que eu estou te usando.

— Por quê? — ela coloca outra bala entre os dentes e morde, franzindo
o cenho para mim.

— Porque o quê?

— Por que você não que me usar para sexo? Eu sou repulsiva ou algo
assim?

Oh Deus. Como diabos eu deveria responder a isso sem falar algo


errado? — Você é linda. Você sabe que é. Você sabe que eu quero transar
com você. Eu só não quero te machucar.

Olhando para os lados, Kaya ri baixinho pelo nariz. Ela não parece
machucada. Na verdade, ela parece estar se divertindo. — Você não pode me
machucar, querido. Você quer transar comigo. Eu quero transar com você.
Nós dois queremos nos usar para sexo. Então deveríamos fazer exatamente
isso.

Eu apenas olho para ela. Acredite ou não, eu já estive nessa posição


antes. Garotas já vieram com esse papo para mim no passado, me disseram
“eu não quero ter nada a ver com a sua vida”, e então dois meses depois elas

2 É uma bala comprida e vermelha, às vezes meio ácida.

~ 51 ~
estavam tentando dormir na minha casa todas as noites e querendo me
apresentar para os seus pais. Isso nunca acaba bem. Porém, quando Kaya
diz isso, eu tenho a impressão de que vou ser aquele tentando dormir na
casa dela todas as noites, querendo apresentá-la para os meus pais. Acho
que não há um perigo real disso acontecer, uma vez que meus pais já estão
mortos há muito tempo, mas ainda assim... Kaya faz que eu sinta que não
estou no controle aqui, e eu não gosto disso, porra. É aterrorizante. Nunca
gostei de uma garota o bastante para considerar que ela abriria espaço em
minha vida para ficar de maneira permanente. Não acho que Kaya abriria
espaço para ocupar lugar na minha vida. Tenho a sensação de que tudo
mudaria para acomodar ela, e isso não pode acontecer. Apenas não é
possível.

Kaya chupa a red vine, enrolando os lábios ao redor da bala vermelha,


e meu pau se agita nas calças. Ela sabe muito bem o que está fazendo. É um
truque sujo e óbvio, mas também é fodidamente efetivo. Minha mente
começa a me mostrar na mesma hora como seria incrível se ela estivesse
chupando o meu pau ao invés do comprimento de alcaçuz, e ela balança as
sobrancelhas, tentando não sorrir.

— Você precisa relaxar, Reeves. Nem tudo precisa ser tão sério. Às
vezes, as coisas podem ser divertidas, — lentamente ela começa a se afastar,
sumindo na multidão, e eu estou dolorosamente ciente do fato de que ainda
estou usando o calção apertado que usei para lutar, e estou prestes a
apresentar uma ereção bem óbvia. — Se você se lembrar de como usar seu
celular, deveria responder uma das minhas mensagens. Eu adoraria te
ajudar a relaxar uma hora dessas, — ela me dá um pequeno aceno e então
desaparece, engolida pela multidão tentando sair do porão, agora que as
lutas acabaram.

Alguém me dá tapinhas nas costas. Outro cara com um terno cinza


claro e um lenço preto de veludo na lapela me dá uma nota de cinquenta
dólares, sorrindo como uma hiena, e me diz que eu ganhei para ele três mil
essa noite. Mais pessoas me agradecem, me parabenizam e apertam minha
mão, mas eu não escuto realmente o que elas dizem. Tudo que consigo
pensar é na boca de Kaya Rayne ao redor da bala vermelha. A boca de Kaya
Rayne ao redor do meu pau.

Droga, essa mulher é perigosa.

***

~ 52 ~
Eu estou elétrico, vivo, cheio dos pés à cabeça de uma energia vibrante
enquanto caminho pelo estacionamento na direção da caminhonete. Na
verdade eu deveria estar exausto, estressado pelo dia de hoje, mas lutar
sempre faz isso comigo. Se eu estivesse na cama com uma mulher agora,
poderia foder por horas. Eu poderia gozar uma e outra vez, e isso não iria
importar. Esse tipo de energia não se dissipa tão fácil. Ela se prende,
mantém sua mente afiada, aprimorando seus sentidos de forma que você
fica consciente de tudo. Estou considerando voltar imediatamente para o St.
Peter, antes que eu caia adormecido de uma vez, quando minha mente fica
em branco, tudo desaparecendo instantaneamente quando eu percebo o
Camaro preto estacionado ao lado da minha caminhonete. Eu reconheceria
esse Camaro em qualquer lugar; eu o vejo todos os dias, estacionado do lado
de fora da Academia de Luta Blood & Roses.

Mas que porra Zeth está fazendo aqui? Ele sabe sobre as lutas ilegais
que acontecem no porão do mercado, ele deve saber, todo mundo sabe, mas
nunca esperei vê-lo por aqui. De jeito nenhum.

Diminuo meu passo enquanto meu coração de repente bate fora de


ritmo, agitado, ondas de adrenalina correndo da minha cabeça até os braços,
a pele arrepiando. Não existe algo como sorte nesse mundo, seja boa ou má.
Não é uma coincidência feliz que esse bastado louco do outro lado da rua de
alguma maneira acabou parando acidentalmente ao lado do meu carro,
quando o resto do estacionamento está fodidamente vazio. Não, ele está
esperando por mim só Deus sabe há quanto tempo, e eu realmente não
quero descobrir o porquê.

Não há como tentar correr para as sombras agora, no entanto. Ele já


deve ter me visto, da mesma maneira que eu o vi. Se eu correr, estou
condenado. Tento relaxar um pouco meus ombros tensos enquanto caminho
diretamente para a janela do motorista do Camaro, já planejando o que vou
dizer a ele.

Oh, oi cara (insira um sorriso enigmático aqui). Você veio ver as lutas?
Você viu Jameson Rayne acabar com Ben Farminger no primeiro round?
Louco, não?

Ou...

Oi, Zet. O que traz você ao Markets nessa noite agradável? Não
consegue dormir?

No entanto, quando chego à sua janela e o vidro é deslizado para


baixo, não digo uma palavra. Sentado no banco dianteiro, Zeth permanece
imóvel como uma estátua, olhando diretamente através do para-brisa, uma

~ 53 ~
mão parada sobre o volante, a outra sobre a alavanca de troca de marcha.
Ele não olha para mim. Ele não diz uma palavra.

Ele sabe.

Eu exalo, deixando minha cabeça cair para a frente, meu queixo quase
batendo no peito. Zeth liga o motor do Camaro, e eu sei o que ele espera de
mim. Foda-se Lowell. Foda-se esse dia todo. Foda-se a minha maldita vida.
Eu dou a volta e sento ao lado dele; Zeth acelera assim que minha bunda
encosta no banco e a porta está fechada. O interior do carro tem cheiro de
limão e sabão para couro, como se ele tivesse acabado de ser lavado.

— Ela ameaçou levar minha irmã embora, — eu digo baixinho. — Eu


não podia deixar ela fazer isso, cara. Millie já passou por coisa demais. Ela é
só uma criança.

Zeth grunhe, os olhos ainda fixos em um ponto desconhecido da


estrada. Eu não espero gentileza ou compreensão de um homem como ele.
Sua reputação o precede. Ele é um assassino de sangue frio. Lowell não
estaria atrás dele com tanto empenho se não tivesse cem por cento de
certeza sobre a sua responsabilidade na morte da garota encontrada nas
montanhas. Então talvez seja assim que isso acaba: eu sendo levado para
longe durante a noite, minha irmã ainda no hospital, destinada a acordar
amanhã e se perguntar onde diabos eu estou. Talvez eu esteja prestes a dar
a Lowell a evidência que ela precisa para pegar Mayfair de uma vez por
todas. Zeth pode estar me levando para a mata, onde ele já achou um ponto
perfeito para jogar meu corpo morto em uma cova recém cavada. Tudo que
eu sei é que estou metido em grandes, imensos problemas, e não há como
escapar agora.

~ 54 ~
Capítulo Oito
ZETH
Há somente algumas regras pelas quais eu vivo. Posso contá-las nos
dedos de uma mão. Primeira: se você matar um homem, tenha certeza de
que ele está morto antes de se livrar do corpo. Segunda: sempre confira cada
cômodo para potenciais ameaças quando entrar em uma casa vazia.
Terceira: se algo parece bom demais para ser verdade, definitivamente é
perigoso. Última e quarta: nunca entregue alguém, por mais fodidamente
terrível que ele for. Jamais.

Nunca foi uma opção entregar Charlie Holsan para a polícia. Eu nunca
considerei entregá-lo para os garotos de azul de Seattle e deixar que eles
fizessem o seu trabalho. Eles poderiam tê-lo processado, finalmente fazendo
ele pagar por todas as terríveis atrocidades que cometeu durante a vida,
acabando com ele para sempre. Holsan poderia ter vivido cada respiração
que ainda lhe sobrava no corpo atrás das grades, sua liberdade arrancada
até que ele finalmente morresse dentro de uma cela fria, com os ossos
doendo, agonizando de artrite. Mas eu não podia dar a eles as informações
necessárias para que isso acontecesse. Porra, não. É apenas como as coisas
são.

Mason Reeves permanece imóvel enquanto eu dirijo pela noite. Eu tive


que vir resolver isso quando Sloane me ligou e contou o que tinha ouvido. Eu
tive que vir pegar ele e dar um jeito nessa merda de uma vez por todas.
Típico que Mason acabaria no St. Peter e mais típico ainda que seria a minha
namorada a tratar a sua irmã. O mundo é pequeno pra caralho às vezes.
Sloane não ficou feliz comigo por esconder a presença de Lowell na cidade,
nada feliz mesmo, mas ela estava muito mais preocupada com o que eu ia
fazer com o cara. Ela podia ouvir a violência fria na minha voz, sem dúvida.
Ela sabia muito bem o que isso significava, e não gostou nem um pouco.
Demorou uma eternidade convencê-la a sair do hospital e ir para casa,
dormir um pouco e esperar lá, mas ela finalmente concordou. E agora aqui
estou eu, dirigindo com Mason pela cidade, em direção ao armazém,
imaginando como diabos eu vou lidar com essa situação. Eu parei de matar
pessoas, sim, mas porra. Eu também jurei que vou fazer tudo ao meu
alcance para manter Sloane segura, não importa a merda que seja, e vamos

~ 55 ~
encarar isso: eu ainda estou totalmente puto da cara com ele. Estou tão
furioso que poderia facilmente perder o controle e quebrar o seu pescoço.

Mason me observa com os olhos atentos enquanto atravessamos a


cidade, indo na direção das docas e da água. Eu já tive homens crescidos e
adultos nessa mesma posição de Mason, amarrados e jogados no porta-
malas do Camaro, chorando como criancinhas, mas esse garoto apenas
entrou no carro e não deu um pio desde então. Há algo a ser dito sobre isso.

Quando chegamos ao armazém, Michael está parado na porta aberta,


um retângulo de luz avançando na escuridão atrás dele. O terno azul
marinho que ele está usando é tão imaculado como sempre. Juro que o
guarda-roupa do homem deve valer milhares e milhares de dólares. Ele abre
a porta de Mason e dá um passo para o lado para que o garoto possa sair.

— Oi, cara, — Mason diz.

Michael sorri para ele, colocando uma mão no seu ombro. — Melhor a
gente entrar, hm? — ele parece um pouco triste – o filho da puta deveria
estar do meu lado, não sentindo pena do cara que estava dando informações
para a mulher determinada a destruir nossas vidas. Eu atiro a ele um olhar
sombrio, e Michael apenas dá de ombros. Ele não se arrepende nem um
pouco. Que ótimo braço direito ele vai ser essa noite. Eu os sigo para dentro
do armazém, puxando a pesada porta ao passar e trancando-a, e então faço
meu caminho até a sala de estar, onde encontro Sloane sentada no sofá, com
as mãos unidas, seu rosto branco como papel.

— Você só pode estar brincando, — eu rosno. — O que aconteceu com


a história de dormir um pouco e esperar em casa? — eu viro para Michael,
pronto para dar um soco na cabeça do traidor. — E você? Que porra você
estava pensando, deixando ela vir para cá?

Michael arqueia uma sobrancelha para mim, suspirando. — Você


conhece a sua namorada melhor que ninguém, cara. Se você acha que eu
posso “deixar” ela fazer alguma coisa, então você está me dando crédito
demais.

— Você deveria ter pegado ela e obrigado ela a ir para casa, — eu


rosno.

— Eu ameacei fazer isso. Mas então Sloane apontou muito bem o que
você faria comigo se eu colocasse as mãos nela, e eu decidi deixar ela fazer
suas próprias escolhas.

Não tenho nada a dizer sobre isso. Justo, eu teria arrancando pedaço
por pedaço de Michael se ele tivesse colocado as mãos em Sloane. Mas,

~ 56 ~
ainda assim. É fodidamente inacreditável que ele tenha deixado ela entrar e
se acomodar no sofá, sabendo o que estava prestes a acontecer com o garoto.

— Você não pode ficar irritado com Michael, — Sloane diz. Sua voz é
fria, puro gelo. Ela está brava comigo – posso ver nos seus olhos. Eu não
preciso ouvir ela dizer as palavras, mas ela diz mesmo assim. — Você nunca
deveria ter escondido isso de mim. Eu deveria ter sabido sobre Lowell desde
o começo.

— Isso podia acabar não sendo nada, — eu rosno. — Qual seria o


ponto em preocupar você?

Ela me encara com a intensidade de mim sóis. Nenhuma outra palavra


sai da sua boca, mas posso dizer que esse assunto está longe de ser
resolvido.

— Eu posso voltar depois, se vocês preferirem? — Mason diz,


apontando o polegar na direção da porta por cima do ombro. Espertinho.

Dou a ele um olhar que faz o pequeno sorriso desaparecer do seu


rosto. — Pode se sentar aí, porra.

Ele obedece, se sentando opostamente à Sloane. Ele dá a ela um fraco


aceno de cabeça. — Então vocês se conhecem. Acho que isso explica porque
você ficou tão congelada quando eu voltei para o quarto àquela hora, — ele
diz. — Eu não fazia ideia. Eu realmente sinto muito, Dra. Romera.

Sloane limpa a garganta. Ela olha ao redor do lugar antes de


finalmente pousar os olhos no garoto. — Eu também não fazia ideia de que
você estava treinando com Zeth. Nos fale sobre Lowell. Por que você está
ajudando ela? E o que ela quer saber?

Ela trouxe a pergunta-chave que eu estive querendo fazer desde que


coloquei os olhos em Lowell outra vez. Sloane também fez outra pergunta
que eu provavelmente jamais teria me incomodado em fazer: quais são os
motivos de Mason para ajudar ela? Veja, essa é a diferença entre uma
pessoa como Sloane, uma pessoa normal, e uma pessoa como eu. Ela se
importa com o porquê. Ela se importa com as razões por trás das ações. Eu
não ligo para isso. Eu só ligo para a traição de Mason, junto com as
consequências dessa traição.

Mason esfrega a nuca, balançando a cabeça. — Ela sabia sobre Millie.


Ela disse que ia levar ela embora se eu não a ajudasse. Ela queria que eu
descobrisse se Zeth esteve nas montanhas. Em um lugar específico. Eles
acharam um corpo enterrado lá. O labrador de alguém estava por lá,
cavando a terra. Um rio próximo transbordou com toda a chuva que tivemos

~ 57 ~
algumas semanas atrás e um corpo foi desenterrado. Quando a perícia fez a
sua mágica, descobriram uma digital parcial que pertencia a Zeth. Isso é
tudo que eu sei.

Os músculos da minha barriga se apertam, como se eu tivesse


acabado de levar um soco forte. Mas que porra é essa que ele está falando?
Um corpo enterrado do lado de um rio nas montanhas? Uma digital parcial?
Claro, eu sei exatamente de que porra ele está falando, mas não quero
admitir isso para mim mesmo. Isso não pode estar acontecendo. Apenas não
pode, porra. Apenas alguns meses atrás, nós enterramos um corpo nas
montanhas, mas enterramos profundamente. Nós a enterramos no ponto
mais isolado que encontramos, onde ela descansaria em paz, onde ela não
iria mais sofrer.

Mas nós não contamos com o rio fazendo a terra ceder, no entanto.
Não havia como prever que as tempestades que assolaram Seattle
recentemente poderiam desenterrar seu corpo, violando seu último lugar de
descanso.

Sloane e Michael trocam um olhar cauteloso. Eles sabem o que isso


significa, também. Eles encontraram a minha irmã. Eles encontraram Lacey.

***

SLOANE
Eu já vi Zeth irritado antes, vezes demais para contar, mas dessa vez é
diferente. Dessa vez sua raiva está misturada com uma dor que ele
geralmente tenta empurrar para baixo e esquecer, mas agora está sendo
obrigado a encará-la, e isso é mais do que ele consegue lidar. Meu lindo,
selvagem Zeth. Ainda tão rasgado pela dor da perda que não consegue nem
dizer o nome da sua irmã. Eu ainda estou brava com ele, sim, mas também
estou doendo muito por ele agora.

— Sem dúvidas eles acharam mais do que uma digital parcial nela, —
Michael diz de algum lugar ao longe. — Nós todos a tocamos. Cada um de
nós ajudou a baixar o corpo para dentro da cova.

— Eu sou o único com ficha criminal. Minhas digitais são as únicas no


seu banco de dados, — ele parece atordoado. Nenhum de nós jamais
imaginou que teríamos que encarar esse problema. Nós andamos na ponta
dos pés no assunto Lacey porque não queríamos ter que lidar com a dor

~ 58 ~
ainda gritante da sua morte recente. Nem mesmo eu, que a conheci por tão
pouco tempo. Eu a amava, no entanto. Era impossível não amar. A
indignidade do seu corpo ser desenterrado por um labrador é significativa;
parece que nós a desrespeitamos da pior maneira, permitindo que seus
restos agora também sejam cutucados e revirados por uma equipe forense.

— E então Lowell apenas conseguiu, de alguma maneira, descobrir


sobre isso e apareceu aqui? — eu digo. — Isso não faz sentido. Não é
jurisdição dela. Assassinato não tem nada a ver com drogas. Não
necessariamente, pelo menos.

Mason diz, — Ela disse que tem homicídios marcados nessa área. Ela
pensa que eles estão ligados a uma gangue de motoqueiros do Novo México
que trafica maconha.

Zeth ri amargamente. — Os Window Makers não traficam maconha.


Talvez eles já tenham feito isso em algum momento, mas foi a muito tempo
atrás.

Por um momento todos ficamos em silêncio, processando as


informações que acabamos de receber. Lowell está tentando acusar Zeth pelo
assassinato de Lacey. A ironia é que ele já matou muita gente, e ainda assim
Lacey, a única pessoa que ele não matou, é a que poderia lhe trazer vários
problemas. Talvez Lowell saiba que Zeth não é responsável pela morte de
Lacey, e talvez não saiba. De qualquer forma, ela vai quebrar todas as regras
e burocracias possíveis para fazer essas acusações irem a diante.

— E o que você disse a ela? — Zeth exige, cruzando a sala na direção


de Mason. O garoto se inclina para trás na cadeira, os olhos cheios de aço, a
mandíbula firme. Ele está determinado a não mostrar medo.

— Eu contei a ela sobre Michael, — ele diz. — Eu disse que pensava


que ele provavelmente fazia vários trabalhos sujos para você.

Michael ri. — Encantador.

— Eu não sei, cara. Eu tinha que dizer alguma coisa. Ela está
convencida de que algo ilegal acontece na academia, que você pode estar
traficando drogas ou armas por lá. Ela me disse para espionar sempre que
pudesse, e contar para ela de qualquer reunião que você participasse.

— E como isso funcionou para você? — os lábios de Zeth estão


pressionados, brancos por causa da força que ele aplica. Essa versão dele é
um eco, um fantasma do homem que ele era quando nos conhecemos. Ele
ainda é completamente fechado às vezes, tão severo e estoico quando se
trata de interagir com o mundo exterior, mas ainda é um milhão de vezes

~ 59 ~
melhor do que costumava ser. O muro que existe entre ele e o resto da
sociedade foi um pouco destruído agora; é estranho e desagradável ver ele
voltar ao que era com tanta facilidade.

— Eu disse a ela a verdade – que você não tem reuniões lá. Mas ela
não acreditou em mim. Ela queria que eu ficasse até mais tarde. Fosse lá
todos os dias. Ela sabia quando eu não aparecia. Foi por isso que ela me
ligou hoje. Ela sabia que eu estava no hospital, e não na academia.

— E onde ela pensa que você está agora? — Zeth pergunta.

Mason esfrega o queixo com a ponta dos dedos. — Como eu vou saber,
porra. Ela vai saber que eu não estou na academia, e com toda certeza ela
vai saber que não estou com Millie. Ela provavelmente vai pensar que você
descobriu tudo e está prestes a acabar com a minha raça, — ele diz, olhando
acusadoramente para Zeth.

Deus, se ele está tentando cair nas graças desse homem, está fazendo
um péssimo trabalho. Ele tem um ponto, no entanto. — Por que você não
leva Mason de volta para o hospital? — não tenho razão para acreditar que
Zeth vai me ouvir, ele raramente ouve, mas vai ser melhor para todos os
envolvidos se ele fizer isso dessa vez. — Lowell não espera que você deixe
Mason ir caso você descubra que ele estava te espionando para ela. Ela
espera que você o machuque e o faça desaparecer. Leve ele de volta para o
hospital e ela não vai mais ser aquela que sabe de tudo.

— Sloane está certa, — Michael diz. — Assim nós poderíamos usá-lo


para lhe dar apenas informações que queremos que ela saiba e nada mais.

— E ter ele indo até a academia todos os dias? Perto de você e da porra
da minha namorada? Eu acho que não.

— E daí? Você vai matar ele? Bem aqui na minha frente? Você não
está nem ao menos considerando poupar a vida de um garoto estúpido? Ele
só estava protegendo a irmã, Zeth.

Os olhos de Mason brilham de raiva – ele claramente não gosta de ser


chamado de garoto estúpido – mas ele se segura e não diz nada.
Provavelmente foi a coisa mais esperta que ele fez desde que entrou nessa
sala. Zeth vira toda sua atenção para mim pela primeira vez desde que
entrou aqui com Mason.

— Foi você quem me contou o que ele tinha feito, Sloane. Foi você que
me ligou no momento em que ouviu ele falando com a Lowell.

— Eu sei. Eu estava preocupada com a questão do DEA, no entanto.


Estava preocupada com a sua segurança. Acontece que esse não era um

~ 60 ~
problema novo. Você já sabia há algum tempo. E eu nunca quis que você o
machucasse, Zeth, — tomo uma respiração profunda, sabendo que meu
próximo argumento vai convencê-lo de vez ou deixá-lo ainda mais irritado.
Mas eu tenho que dizer isso. Eu não quero Mason morto, seus pedaços
flutuando no Sound só porque ele teve o azar de ser jogado dentro do nosso
pesadelo sem ter nenhuma escolha sobre o assunto. — Pense nisso, — eu
digo. — Pense de verdade no que você teria feito por Lacey, Zeth. Você não
teria feito um pacto com o diabo para manter ela a salvo? O que você faria
agora para trazer ela de volta? Você negociaria com Lowell. Você negociaria
com qualquer um, e sabe disso. Então deixe Mason ir. Deixe ele cuidar da
sua irmã, e nós vamos cuidar da questão Lowell. É o melhor. É o melhor
para todos nós.

Zeth olha para a parede. Especificamente, ele olha para uma pequena
foto emoldurada de caminho à beira-mar que aparentemente não tem nada a
ver com Seattle. Eu já pensei muito nessa foto; há outras imagens nas
paredes do armazém, mas elas todas são obras de arte contemporâneas.
Respingos e recortes de cor, correndo uns para os outros, se sobrepondo e
contradizendo. Essa fotografia, cheia de uma multidão enchendo o calçadão,
vendedores de cachorro-quente, uma arcada no fundo, sinais de neon acesos
apesar do azul pálido no céu, é o único objeto sentimental por aqui. Zeth
desvia o olhar.

— Lowell não vai apenas parar de ligar para ele, — ele diz. — Ela não
vai esquecer que ele é a sua fonte. Não é tão simples assim deixar ele ir
embora para cuidar da irmã, Sloane.

— Então, droga, eu não sei. Por que não diz a ele o que você quer que
ele diga a ela? Assim ela pensa que está sabendo do que precisa, e Mason
fica limpo. Existe um jeito de contornar essa situação sem ninguém morrer.

— Eu, particularmente, gosto muito desse plano, — Mason diz.

À margem, literalmente na borda da sala, Michael se mantém


silencioso. Eu não faço ideia de que plano ele acha melhor, mas ele observa
a cena à sua frente com olhos afiados e inteligentes, um leve brilho de
curiosidade marcando as suas feições. Mason não dá um olhar sequer para
ele; ele deve saber que o seu destino reside apenas nas mãos de Zeth. Ele é
quem decide se Mason vive ou morre. No passado, eu sei como Zeth teria
lidado com isso. Ele nunca teria ouvido a mulher com quem estava
dormindo. Ele teria acabado com a ameaça sem pensar duas vezes e seguido
em frente para cuidar de Lowell pessoalmente, não teria havido debate
algum. Mas as coisas são diferentes agora. Depois de tudo que passamos,
Zeth sabe que eu não sou apenas uma garota ingênua e desinformada que
toma decisões por impulso, sem pensar sobre isso.

~ 61 ~
Ele estala o dedo indicador, então o dedo médio, e para. — Certo.

Isso é tudo que ele diz. Estou esperando que ele continue com uma
lista de advertências, assim como uma série de ameaças que faria o mais
durão dos criminosos tremer. Mas ele diz apenas isso. Ele quer ir embora;
posso ver o quanto ele quer esmagar o punho em alguma coisa agora, e ele
sem dúvida acha que teve sua oportunidade roubada. Mason, lenta e
cautelosamente, fica de pé. — Então eu posso ir?

Zeth grunhe. Ele vira a cabeça na direção da porra, seu rosto duro e
inexpressivo. — É melhor você ir logo, antes que eu mude de ideia, porra.

Animais, sem ter certeza se é melhor correr ou ficar, geralmente


congelam no lugar, sem respirar, incrédulos, enquanto tentam decidir qual o
melhor curso de ação. Mason é como um desses animais, um coelho em
frente aos faróis de um carro, enquanto tenta descobrir se Zeth está falando
sério ou não. O garoto estúpido deveria estar correndo para porta, mas em
vez disso está parado no meio da sala com os ombros curvados, olhando de
uma pessoa para a outra.

— Você está esperando um Uber? — Michael pergunta. — Se você


está, posso sugerir que você espere lá fora? Talvez a algumas quadras daqui?
Nós temos um pequeno problema de saúde e bem-estar no momento. E com
isso eu quero dizer que, se você ficar aqui mais tempo, vai ser muito ruim
para a sua saúde e o seu bem-estar.

— Entendido, — Mason se mexe e vai para a saída do armazém, sem


esperar mais nenhum segundo. Zeth olha para a parede outra vez. Ele
estremece quando o som da porta de metal deslizando o traz de volta,
enviando ecos por todo o armazém.

— Eu juro que nunca vou entender porque deixamos isso acontecer, —


ele comenta. — Em algum momento esse garoto vai acabar em uma cova
profunda ao lado da estrada. É inevitável. Ele não tem ideia de como esse
mundo funciona. Porque funciona como funciona.

— Ele não deveria ter ideia de nada disso. Ele deveria apenas se capaz
de cuidar da família dele e ir trabalhar. Em vez disso, tem que lidar com
Denise Lowell, e só porque ele é um alvo fácil. Ela sabe que ele tem acesso a
você, e ela sabe que pode manipulá-lo. Você acha que isso é justo?

Zeth se move sutilmente, angulando o corpo de forma que seu torso e


quadris estão de frente para mim. Mas ele não me olha nos olhos. Pelo
menos não até que esteja prestes a desaparecer pela porta, indo na direção
das entranhas da cama. — Nada na vida é justo, Sloane. Se fosse, serial
killers e estupradores estariam cheios de câncer e tumores do tamanho de

~ 62 ~
bolas de futebol e pessoas que trabalham com caridade ganhariam na loteria
toda maldita semana. Mason tem sorte. Se eu fosse Charlie Holsan, ele
nunca teria saído andando daqui. Ele teria cortado a sua garganta e dois
caras iam cuidar de queimar as suas digitais e arrancar a porra dos seus
molares da boca, — ele não fica para ouvir o que eu tenho a dizer sobre isso.
Ele vai embora, desaparece, rosnando sombriamente.

— Mas esse não é o maldito ponto? — eu grito atrás dele. — Não é o


maldito ponto que você não é Charlie Holsan?

~ 63 ~
Capítulo Nove
SLOANE
A luz da manhã atravessa a vasta extensão de vidro que forma a
parede direita do meu quarto. A quilômetros de distância, Seattle é uma
fraca forma azul no horizonte, cercada pelo cinza metálico da água.
Provavelmente é cedo, cinco e meia, talvez seis da manhã, e eu sou acordada
por uma vontade louca de fazer xixi.

Me levanto jogando as cobertas de cima de mim, e não fico surpresa


pelo fato do outro lado da cama ainda estar vazio. Zeth dormiu no armazém
essa noite. Eu lhe dei o espaço que ele precisava, embora o que eu precisava
fosse algo totalmente diferente. Eu precisava de segurança e de um par de
braços fortes ao meu redor, me abraçando apertado. Eu precisava que me
dissessem que não cometi o mais grave dos erros quando o convenci a não
matar Mason. Zeth não concordou com o que eu pedi a ele, no entanto;
dificilmente ele ia ser aquele que ia me confortar e dizer que tudo ia ficar
bem, quando ele claramente acredita no contrário.

Chego ao banheiro bem a tempo. Parece que minha bexiga está prestes
a explodir, assim como a minha cabeça. Cara, eu me sinto péssima. Me sinto
pior do que quando estava sofrendo com o vírus da gripe que agora assola o
St. Peter. Assim, quando tento me levantar, o banheiro parece girar
loucamente e, sem aviso, meu estômago revira. — Merda, — eu caio no chão,
conseguindo jogar meu cabelo para o lado bem a tempo antes de começar a
vomitar, as torradas de cream cheese que foram meu jantar ontem à noite
fazendo um desagradável retorno, salpicando no vaso sanitário.

Deus, por favor, não. Por favor, não fica que eu consegui pegar uma
outra variação dessa coisa. Eu fico ali, pairando sobre a porcelana,
esperando, gastando tempo, só para o caso de não ter acabado e começar a
vomitar novamente. Mas isso não acontece. Os músculos do meu estômago
se contraem, reclamando amargamente enquanto eu fico de pé, mas me
sinto um pouco melhor. Pode não ter sido nada demais, no fim das contas.
Eu posso não ter pego outra gripe, que voltou vingativa para me morder o
traseiro. Os antibióticos que tomei para uma infecção no peito pareciam ter
deixado tudo bem. Mais provável é que o cream cheese guardado há

~ 64 ~
semanas na geladeira acabou estragando. Faço uma nota mental para
limpar toda a geladeira nos próximos dias, enquanto volto para o quarto e
me atiro na cama. Hoje eu tenho que trabalho, mas meu turno só começa de
tarde. Melhor descansar e dormir o máximo que posso antes que a loucura
do St. Peter comece. É sexta-feira – a sala da emergência vai estar cheia de
bêbados e condenados, e eu vou precisar de toda minha força para conseguir
virar a noite.

Caio no sono imediatamente, meus sonhos são pesados e intenso, me


pressionando. Estou ciente do fato de que estou sonhando enquanto passo
pela paisagem bizarra do meu subconsciente, pela maneira que você pode
deslizar de uma sala para outra de uma casa familiar quase esquecida,
virando todas as maçanetas das portas, tentando achar uma maneira de
sair. Parece que muitas horas se passaram quando eu acordo, coberta de
suor, agarrando as cobertas com força, mas o relógio na mesa de cabeceira
marca apenas 8h15. Lá embaixo, o som da chaleira fervendo me informa que
Zeth está em casa. Zeth Mayfair, preparando uma xícara de café. Que cena
tão doméstica. Eu ainda tenho que me beliscar às vezes; é estranho imaginar
ele aqui comigo, vivendo nessa casa, entre as minhas coisas, dormindo na
minha cama, cozinhando na minha cozinha. Apenas existindo aqui ao meu
lado. Parece que não deveria ser possível, na verdade. Homens como Zeth
não se acomodam. Eles não vivem a fantasia da casa com cerca branca,
lendo o jornal de domingo pela manhã e passeando com o cachorro. Eles são
mais propensos a enfiar uma estaca da cerca branca no seu coração e
sequestrar o cachorro.

Falando no diabo...

Ernie, perseguidor profissional de nuvens de poeira, provedor de meias


meio comidas, desliza pelo corredor, as unhas ecoando contra o piso polido
enquanto ele corre pela porta aberta do quarto e desce as escadas para o
primeiro andar, obviamente tendo ouvido a chegada do seu mestre. Ele late e
chora alto, suas unhas ainda fazendo barulho no chão quando ele ataca o
homem na cozinha com beijos.

— Certo, certo. Calma, cão. Me dê um minuto, — Zeth parece mal-


humorado, mas eu o conheço muito bem. Ele vai se abaixar sobre o
schnauzer peludo, acariciando seu pelo e esfregando sua barriga e todo o
corpo, deixando que ele pule e lamba o seu queixo e o pescoço. — Você é
maluco, sabia? — eu o escuto dizer.

Estou prestes a levantar e ir lá para baixo quando ouço a escada


estalar, acompanhada pelo som de botas pesadas contra o piso de madeira
antigo. Não sei porque, mas imediatamente finjo que ainda estou dormindo.
Patética.

~ 65 ~
Zeth entra no quarto. Eu o ouço colocar algo na mesa de cabeceira do
seu lado da cama, e então algo do meu lado também. O rico cheiro de café
desperta os meus sentidos. — Oi, — ele me toca, colocando a mão
delicadamente no meu ombro nu. — Você é tão ruim nisso, sabia, — eu abro
um olho e olho para ele. Há um pequeno sorriso em seu rosto. — Você
aperta demais os olhos. Pude dizer que você estava acordada assim que
entrei aqui.

— E daí? Bem, talvez eu tenha acabado de ser rudemente acordada


por um intruso muito barulhento e estou tentando voltar a dormir.

— Você está? — ele inclina a cabeça para o lado.

— Não.

— Então beba o seu café, — ele definitivamente está com o humor


melhor do que ontem à noite. Estranhamente, ele parece estar de bom
humor, o que não faz nenhum sentido. Mas ainda assim, eu não discuto. Eu
me sento e pego a xícara de café preto e forte que ele trouxe para mim, e
posso dizer o quão doce isso está quando aproximo o líquido dos meus
lábios. Perfeito. É incrível como a cafeína coloca o seu cérebro para
funcionar tão rápido. Zeth me observa beber, seus olhos fixos apenas no
ponto onde meus lábios encontram a xícara com os dizeres O Pior Filho da
Puta Vivo – eu sei que ele acha isso hilário, embora nunca tenha dito uma
palavra sobre o assunto.

Ele não menciona a noite passada, ou o fato de que Mason agora está
por aí, perfeitamente capaz de contar a Lowell de que nós sabemos que ela
está o usando como informante, e há pouco que podemos fazer sobre isso.
Ou que isso é minha culpa. Ele se senta na beira da cama, me olhando
enquanto eu tomo meu café, como um artista que estuda o objeto que está
pintando, sem esperar que eu diga algo ou comente o fato de que ele está me
observando. Ele quer ser um observador externo nesse momento. Ele quer
fingir que não está aqui, que de alguma forma ele consegue espreitar esse
momento em que estou relaxada na cama, tomando meu tempo para acordar
totalmente, o cabelo por todos os lados, linhas estranhas dos travesseiros
marcando meu pescoço e meu ombro.

Depois de um tempo, ele diz, — Eu ia esperar.

— Esperar o quê?

Ele tem um olhar neutro e inexpressivo no rosto, o que geralmente


vem junto com uma declaração ou informação que ele sabe que eu não vou
gostar. — Esperar que você viesse para casa ontem à noite. Eu ia esperar

~ 66 ~
você ir embora, e então ia atrás dele outra vez. Pensei nisso por um longo
tempo.

Gelo enche o meu estômago. — Oh? E... você fez isso? Você foi atrás
dele? — é melhor que ele não diga sim. Eu vou perder a porra da cabeça se
ele disser. Eu pedi a ele especificamente para não fazer isso. Não podia ter
sido mais clara – eu não queria o garoto morto e boiando nas docas,
independentemente do que ele possa ou não ter feito.

Zeth deita de lado sobre o colchão, se apoiando sobre um cotovelo. Ele


é leonino, um predador, os músculos espessos se mexendo e contorcendo
quando ele usa o corpo das formas mais desconcertantes. Ninguém se move
como ele. — Eu não fui, não. Eu sabia que você ia me castrar.

— Que bom. Porque eu teria feito isso. Eu teria te dado uma surra tão
grande que você não seria capaz de sentar por um ano.

Ele parece impressionado. — Só um ano?

— Uma década. Eu nunca mais falaria com você.

Um sorriso lento e sinistro se espalha como mel no seu rosto perfeito.


— Eu amo que você pensa que pode me pegar, garota zangada. Me deixa
excitado pensar em você tentando me dar uma surra.

— Mas não deveria. Isso deveria te inspirar medo e pânico, coisas que
você nunca sentiu antes.

Zeth é dono de uma infinidade de tiques quase imperceptíveis que eu


aprendi a decifrar desde que estou com ele. Poucas pessoas são capazes de
prever quando ele vai atacar ou quando ele vai sorrir, mas eu sou uma dela.
Eu sei que ele está tentando não rir enquanto nós estamos nesse jogo.

— Fico feliz que você não quebrou sua palavra, — eu digo a ele.

— Eu também.

— Me prometa que você não vai fazer isso? Me prometa que não vai
fazer nada imprudente?

— Eu não faço promessas assim, garota zangada.

Eu ia saber que ele estava mentindo se me prometesse não fazer nada


imprudente. É fisicamente impossível para ele evitar a imprudência. Esse
inclusive deveria ser o seu nome do meio: Zeth Imprudência Mayfair. —
Certo. Então ao menos prometa que não vai me esconder mais nada. Nós
somos um time. Deveríamos trabalhar juntos.

~ 67 ~
Ele parece contrariado com isso, mas acena a cabeça uma vez em um
movimento para baixo – tão bom quanto um juramento de sangue quando se
trata do meu homem.

— E prometa que você não vai matar Mason nas próximas semanas.
Aquela garotinha precisa do irmão.

— Você sabe do que eu preciso? — Zeth rasteja para perto de mim,


fechando o espaço entre nossos corpos na cama. — Preciso de noventa
minutos com você, nua, aqui nessa cama. E eu preciso agora.

— Noventa minutos? Isso é muito tempo. Como você planeja alocar


todos esses minutos? — eu rio quando ele pega minha xícara de café e a
coloca sobre a mesa de cabeceira. Meu sorriso desaparece quando ele se
inclina sobre mim, me forçando para trás no travesseiro. A alegria em seus
olhos ainda está lá, mas há algo mais agora. Uma felicidade casual e secreta
que me diz que ele sabe perfeitamente o que vai fazer, e que ele vai amar
fazer isso.

— Nos primeiros dez minutos nós vamos tirar as suas roupas, garota
zangada. Eu vou te torturar enquanto tiro esse seu ridículo pijama com
estampa de abacaxis, — ele aproxima seu rosto do meu, suas sobrancelhas
levemente unidas. Tenho que lutar comigo mesma para não apertar meus
dentes no seu lábio inferior cheio. Droga, ele é tão sexy. — Abacaxis, Sloane?
Você está tentando me dizer alguma coisa?

Minhas bochechas coram, o calor se espalhando pelo meu rosto, meus


lábios formigando. Ele já fez algumas coisas questionáveis com um abacaxi
antes. Eu me lembro claramente de como fiquei melada e zonza da atenção
que ele me deu; sempre que sinto o cheio doce da fruta cortada na
lanchonete do meu trabalho, fico imediatamente molhada, uma onda de
adrenalina ricocheteia a minha rede de capilares e artérias principais como
uma faísca perseguindo um fusível, levando para uma impossível e inevitável
explosão.

O canto superior direito da boca de Zeth se contrai. — Não planejei ir


ao mercado nesses meus noventa minutos, eu receio, — ele me diz. — Você
vai ter que se contentar com os meus dedos. Minha língua. Meu pau. Me
prometa que você não vai ficar muito desapontada.

Eu pareço uma adolescente nervosa quando rio, muito ofegante e


inquieta dado quantas vezes nós já transamos, mas ele faz isso comigo.
Quando ele me prende com aquele olhar sedutor, eu sou puxada para ele
como luz sendo puxada por um buraco negro, incapaz de negar a gravidade
que me atrai para mais perto. Isso é física, no fim das contas. Física e
química. Não posso lutar contra as leis do universo, e com toda certeza do
~ 68 ~
mundo eu não posso lutar contra o desejo que queima dentro de mim como
napalm.

Há pessoas por aí que acreditam nas leis da atração. Todas as manhãs


elas acordam e param na frente do espelho, encarando seus reflexos,
dizendo a si mesmas que hoje elas vão ganhar algum dinheiro. Vão
conseguir uma promoção no trabalho. Suas vidas vão ser melhores e mais
satisfatórias a medida que elas desejem isso. Eu não preciso de nada disso.
Eu não preciso de dinheiro. Eu não preciso de um trabalho melhor, ou de
um carro novo ou viajar pelo mundo. Se eu parasse na frente do espelho e
pedisse algo ao universo, seria para ter esse homem dentro de mim 24 horas
por dia, sete dias por semana, suas mãos nos meus peitos e a sua boca no
meu clitóris. Estou tão abruptamente excitada que não sei o que fazer
quando Zeth se apoia em seus joelhos para poder pairar sobre mim, seus
olhos escuros me estudando com a precisão de um cirurgião cardíaco.

— Depois que as suas roupas se forem, eu vou passar os próximos


quinze minutos lambendo e beijando o seu corpo. Eu quero uma lição de
anatomia, Dra. Romera. Quero saber os termos médicos para cada ponto em
que a minha língua encontrar sua pele.

— Eu não sei se meu cérebro funcionar sob tanta pressão.

— É melhor funcionar. Ou vão haver consequências muito, muito


terríveis, — se movendo rápido, ele se abaixa e morde inesperadamente a
minha clavícula. Eu ofego, dividida entre a minha necessidade de fugir da
dor e me jogar para ela ao mesmo tempo. Zeth ri de uma maneira sombria e
impiedosa.

— E então eu vou chupar você, — Zeth me informa. — Eu vou ter uma


festa nessa sua buceta. Vou te acariciar com a língua subindo e descendo.
Vou te provocar com ela dentro de você. Vou comer a sua bunda até você me
implorar para parar.

Eu pulo debaixo dele, me contorcendo para me afastar. — Não, você


não vai!

Ele me segura, me prendendo na cama pelos pulsos. — O quê? Você


não quer que eu coma a sua bunda?

— Não! — Jesus. Como se ele precisasse perguntar isso. Uma coisa é


ter seus dedos ali, seu pau duro, mas a língua? Apenas parece muito errado.
Especialmente porque meu trabalho é altamente focado em higiene e manter
as coisas limpas.

~ 69 ~
A risada de Zeth vem mais alta. De alguma forma, parece mais
perversa também. — Ah querida, garota zangada. Eu pensei que já tinha
acabado com esse seu lado pudico. Parece que me enganei.

— A sua língua não vai chegar perto da minha bunda.

— Talvez seja você que precisa de lições de anatomia. Odeia te dizer


isso, doutora, mas a sua buceta fica muito perto da sua bunda. Eu já passei
uma quantidade de tempo considerável lá embaixo, e me deixe dizer... eu
nunca me diverti tanto na vida.

Eu me contorço ainda mais, tentando me libertar sem muita


convicção. — Você não vai lamber minha bunda!

— Cada vez que você protesta, eu coloco mais três minutos para essa
área do seu corpo, — ele me informa. Sua expressão é séria, seu tom de voz
é firme e profundo. Ele não está mais rindo, o que me diz que é melhor eu
ficar quieta ou aceitar que ele vai me fazer contorcer contra a sua boca por
meia hora. Mas ele não vai realmente fazer isso. Ele não faria, não é?

— Com isso se vão quarenta minutos, — ele diz sem alterações. — Os


próximos quinze minutos são para mim. Você pode adivinhar o que eu vou
fazer você fazer, garota zangada? Você acha que sabe o que eu quero de
você?

Nunca na vida eu fui o tipo de pessoa que morde o lábio. Toda vez que
vejo uma mulher fazer isso nos filmes, quero socar a maldita tela e gritar
para a garota manter a compostura. Mas agora? Se eu fosse uma mordedora
de lábio, nesse momento eu estaria bem perto de arrancar a coisa fora com
os dentes. Balanço a cabeça, um pouco intimidada demais para falar.

Zeth tem uma expressão sombria que faz os cabelos na minha nuca se
levantarem. — Bem, — ele diz. — Eu vou querer você na cama, Sloane.
Deitada de costas. A sua cabeça vai ficar pendurada para fora da borda da
cama e eu vou vir sobre você. E você vai abrir a boca para mim, — ele libera
uma das suas mãos, agarrando meus dois punhos com facilidade, então
passa a ponta dos dedos levemente sobre os meus lábios. Ele empurra o
dedo indicador entre eles, me obrigando a abrir a boca. Seu dedo entra pela
abertura, roçando nos meus dentes e na minha língua. Ele abre ainda mais
minha boca, cantarolando para si mesmo, os olhos fixos no que está
fazendo. Ele parece fascinado, como se já estivesse colocando seus planos
em prática e pudesse se sentir muito bem desde agora.

— Eu vou entrar aqui, garota zangada. Vou foder a sua boca até você
não aguentar mais. Você vai me sentir entrar todo até a garganta, e vai amar
isso.

~ 70 ~
Eu pressiono minhas pernas juntas, os músculos das minhas coxas se
apertando. Parece errado admitir que eu acredito nele, que eu vou amar isso,
mas sei que é verdade. Suas mãos no meu cabelo, puxando cada vez mais
forte enquanto ele cresce duro na minha boca; a maneira como suas pernas
se travam quando ele estremece, perto de gozar; a forma como sua
respiração sai ofegante e intensa – todas essas coisas me deixam louca
quando eu chupo ele. E quando ele é um pouco mais áspero... Deus, eu não
sei o que há de errado comigo. Eu já estou pronta para pular e fazer isso. Eu
quero ele. Não, eu preciso dele.

Meu desejo de escalar ele como uma árvore é feroz. Eu quero agarrar a
borda da sua camiseta, fazer um punhado de tecido em minhas mãos e
arrancá-la pela sua cabeça, mas Zeth ainda está me segurando firme pelos
punhos. Eles estão presos acima da minha cabeça, muito longe da sua pele
macia, sólida e deliciosa, e isso é quase demais para suportar.

— Você gostaria que eu gozasse na sua boca? — ele sussurra. —


Quando meu pau estiver no fundo da sua garganta, você quer me sentir
chegando cada vez mais perto? Você quer ouvir meu rugido quando eu
explodir e você puder me provar na sua língua? — ele me pergunta tão
intensamente, as sobrancelhas ainda juntas, sem piscar, que ele parece
severo. Sua boca está a dois centímetros da minha. Não posso parar de olhar
para os seus lábios.

Jesus Cristo. Eu sou uma causa perdida. Não há o que fazer comigo.
Nunca mais vou ser a mesma. — Sim, — eu digo a ele. — Eu quero que você
goze na minha boca. Por favor, Zeth. Por favor.

— Boa garota. Você é uma garota muito, muito boa.

E eu sou a boa garota dele. Desde quando tive idade o suficiente para
pensar nisso, fiz um esforço consciente para nunca me avaliar pelo que os
outros pensam de mim, particularmente se a sua aprovação for o assunto
em questão. Eu nunca quis isso. Eu nunca precisei. Nem mesmo com meus
pais. Eu sempre quis me deixar orgulhosa, trabalhei duro para mim, para
conquistar o melhor para mim. Mas esse homem... merda, eu nem por onde
começar quando tento analisar como ele me fez sentir. Me traz um prazer tão
grande e imensurável fazer ele feliz. Quando ele me diz que está satisfeito
comigo, isso me deixa tão orgulhosa que quase me sinto envergonhada. Eu
vivo para isso, no entanto. Desejo isso como uma droga. Não sacrificaria isso
por nada no mundo.

Zeth tira os dedos da minha boca, esfregando a ponta do indicador


contra a curva do meu lábio. Ele geme da maneira mais eletrizante, e então
diz. — Mas ainda vai sobrar muito tempo. Eu vou te dar o que você quer, eu

~ 71 ~
vou gozar na sua boca, mas ainda vou estar duro por você. Quando eu
acabar aqui, ainda vamos ter trinta e cinco minutos. Você sabe o que eu vou
fazer então, Sloane?

— O quê? — ele não precisa me tocar para me fazer gozar nesse


momento. Meus mamilos estão apertados a um nível doloroso; cada vez que
eu me mexo debaixo dele, eles roçam contra o leve material da camiseta do
meu pijama, enviando onda atrás de onda de desejo por mim, me fazendo
ofegar.

— Então, — ele diz, se abaixando minimamente, mostrando um pouco


os dentes. É uma coisa tão selvagem e animal que faz os dedos dos meus pés
se curvarem. — Então, eu vou te foder de verdade, eu vou te foder duro. Vou
fazer você gritar o meu nome tão alto que os malditos vizinhos que moram a
três quilômetros daqui vão saber quem eu sou, e eles vão me cumprimentar
na porra da rua. Vou te deixar tão perto de gozar que você vai estar delirante
de necessidade, mas então vou parar, uma e outra vez, até que tudo que eu
precise fazer é assoprar sua pele para te fazer explodir. Você acha que pode
aguentar?

— Sim. Porra, Zeth. Sim.

— E você está pronta?

Eu aceno, engolindo em seco. Minha garganta está seca. Meu corpo


está vibrando com uma mistura de nervosismo e antecipação. Zeth se senta
em seus calcanhares, me observando com uma calma que faz meu coração
disparar da maneira mais aterrorizante.

— Ótimo, — ele diz. — Então vamos começar.

~ 72 ~
Capítulo Dez
MASON
CINCO DIAS DEPOIS

— Eu quero levar ela para casa. Ela está super entediada aqui. E ela já
está bem faz dias. Está na hora, — eu me inclino contra a parede do
elevador, expondo a situação para Sloane. Não, o tratamento extra que Millie
está recebendo não está custando nada, e sim, eu com certeza sou muito
grato, mas porra! Eu quero ficar o mais longe possível de Zeth & Sua
Namorada (essa teria sido uma informação valiosa de ter). Eu devo minha
vida a Sloane; já devo a ela mais do que antes, quando ela me ajudou com
Millie. Ninguém mais teria feito o que ela fez pela minha irmã. Não posso
aguentar dever a ela mais nada.

— Qual o problema de deixar ela aqui mais uns dias? — ela pergunta.
Ver ela aqui é muito diferente de vê-la fora do hospital. Aqui ela é o epítome
da calma e eficiência, quase ao ponto de parecer mecânica. Como se nada a
abalasse. Quando eu a vi com Zeth no armazém, ela estava frustrada e feroz.
É difícil de imaginar ela daquele jeito agora, enquanto ela olha os gráficos de
Millie. — O seu padrão de sono está irregular. Ela está reclamando de dor de
estômago algumas vezes ao dia. Essas coisas podem ser sintomas silenciosos
de algo mais sério.

— Ela fica sozinha em um lugar desconhecido todas as noites. Ela não


consegue dormir porque precisa da sua própria cama. E ela tem dor de
estômago metade do tempo porque o Dr. Bochowitz continua a lhe dar todo
pudim de chocolate que ela pode comer, em vez das suas refeições regulares.

— Sério?

Eu me empurro para longe da parede, indo atrás dela quando ela


começa a andar pelo corredor. — Sério. Confie em mim, ok. Millie vai ficar
dez vezes melhor em casa, de volta à sua rotina normal, do que está aqui.
Sou agradecido por tudo que você fez, mas chega.

Romera para de andar. — Ok. Leve ela para casa. Mas você me liga no
momento em que notar algo de diferente nela, entendeu? Dia ou noite. Não

~ 73 ~
importa, — ela me entrega um cartão com seu nome, daquele tipo que os
médicos costumam ter, uma sequência de letras ininteligíveis amontoadas
juntas no final dos seus nomes. Eu o coloco no bolso, sorrindo. — Obrigado,
doutora. Eu vou fazer isso, prometo.

— Bom. Preciso fazer minhas rondas da manhã. É um milagre você ter


me encontrado tão cedo. Não preciso te levar até a saída, preciso?

Eu balanço a cabeça.

— Então acho que vamos nos ver por aí. Mas espero que não muito em
breve.

— Ei, Dra. Romera?

Ela coloca o estetoscópio ao redor do pescoço. — Sim?

— Diz aqui no seu cartão que você é cirurgiã de traumatologia. É


verdade?

Ela acena. — Por que você pergunta?

— Você estava usando roupas normais antes, mas agora está de


uniforme. Pensei que você estivesse proibida de operar ou algo assim.

Ela agarra as duas pontas do estetoscópio pendurado no seu pescoço,


os dedos ao redor do instrumento como se ele fosse sua posse mais preciosa.
— Algo assim, — ela diz. — Eu estava gripada. Não temos autorização para
entrar no centro cirúrgico se temos algo contagioso, Sr. Reeves. Mas tenho
certeza que vou voltar a operar em breve.

***

Wanda está tão feliz de ver Millie parada na sua porta que se recusa a
aceitar a nota amassada de dez dólares que tento dar a ela. — Eu já te disse
mil vezes, garoto. Essa menina é bem-vinda aqui a qualquer hora. Se eu
estiver em casa, ela pode vir brincar com Brandy sempre que quiser.

— Eu sei, eu sei, — eu digo a ela. — Mas eu vou voltar tarde.

Eu me sinto um lixo; depois de lutar tanto para trazer Millie para casa,
eu deveria passar a noite com ela, mas preciso ir trabalhar. Preciso
conseguir dinheiro.

~ 74 ~
Wanda balança a cabeça, fechando minha mão ao redor da nota de
dinheiro que ainda estou tentando entregar a ela. — Isso não é um
problema, Mason. Eu fico com ela, não se preocupe. Eu vou preparar algo
para ela comer e lhe dar banho. Agora saia daqui antes que você se atrase.
Já passa das oito.

— Meeeeerrr... — eu tento me parar antes de falar um palavrão.


Wanda não é fã de palavrões. Mas já passa das oito? Eu acordei às cinco da
manhã para encontrar Romera no hospital. Como eu posso estar tão
atrasado? Wanda arqueia uma sobrancelha perfeitamente, me dando um
olhar de advertência. — Desculpe. Mas sair correndo não vai me ajudar
agora. Eu já estou super atrasado, — eu digo a ela.

— Bem, então vá de uma vez!

Eu beijo a cabeça de Millie, passando a mão pelas mechas do seu


cabelo fino enquanto ela sorri para mim. — Eu te vejo depois, ratinha. Seja
boazinha com a Sra. Wanda, ok?

Ela é sempre ótima, mas ainda assim Millie acena com a cabeça de
maneira obediente. Ela não entra no apartamento de Wanda até que eu ande
pelo corredor e desapareça de vista.

Eu meto o pé no acelerado e não vejo nada à minha frente quando


atravesso a cidade. Mac está em seu escritório quando eu paro do lado de
fora da oficina. Ele está no telefone, gritando com alguém quando me
apresso pelo pátio e enfio a cabeça debaixo do capô do Chevy Impala em que
estive trabalhando nos últimos dias. Acho que me safei por estar somente
vinte minutos atrasado, mas Mac enfia a cabeça para fora do escritório e
grita a plenos pulmões.

— Traga seu rabo aqui agora, seu filho da puta! Ande!

Merda.

Eu sempre me surpreendo de como o escritório de Mac é organizado.


Pela aparência dele, as roupas manchadas, as calças rasgadas, graxa por
tudo – o uniforme universal de todos os mecânicos – você pensaria que todas
os aspectos da sua vida seriam um retrato disso. Mas acontece que o homem
tem TOC 3. Nem um papel está fora de lugar na sua mesa. Almanaques e
guias mecânicos relacionados a uma vasta gama de fabricantes de
automóveis estão perfeitamente arrumados por ano e tamanho nas
prateleiras atrás dele. A lixeira ao lado da sua mesa de maneira escura
manchada está vazia. Não há cartazes de pin-ups nas paredes. Não há

3 Transtorno Obsessivo Compulsivo.

~ 75 ~
embalagens de comida ou latas de refrigerante. Tudo está perfeitamente
limpo.

— Você acha que eu estou brincando, porra? — Mac cospe. Pela veia
saltando no meio da sua testa e pelo suor escorrendo pela lateral do seu
rosto, posso ver que hoje é um péssimo dia para chegar atrasado.

— Não. É claro que não.

— Então por que caralho você acha que não tem problema em chegar
atrasado? DE NOVO?

— Me desculpe. Eu estava no hospital. Porra, Mac, estou tentando dar


o meu mel...

Ele levanta uma mão. — Nem sequer pense em terminar essa frase. Eu
sei que a sua irmã está doente. Eu sei que você tem muita coisa para lidar,
Mason, eu sei, mas assim é com todos os filhos da puta do planeta. Estou
tentando gerenciar um negócio aqui. Dê um jeito nessa merda, ou você vai
ter que ir procurar outro emprego. Estamos entendidos?

Eu quero dar um soco na cara desse desgraçado. Seria mais do que


satisfatório vê-lo se contorcendo como o saco de merda que ele é quando eu
o acertasse com um bonito gancho de direita no crânio, mas onde isso me
deixaria? Sem uma renda estável e com uma reputação suja. Mac é o alfa e o
ômega quando se trata de consertos em Seattle. Uma palavra sua e eu
nunca mais trabalharia nessa cidade.

— Sim, Mac. Eu sei. Estamos entendidos.

— Então está bom, — seu rosto suaviza um pouco. — E como eu


sempre digo, se esses turnos da manhã são muito ruins para você, é possível
pegar o horário da noite. Eu nunca negaria isso.

Como sempre, eu nego sua oferta. O trabalho noturno por aqui é


basicamente o mais ilegal, perigoso e ameaçador à vida que você poderia
encontrar. Eu preciso de dinheiro, não de uma ficha criminal ou uma cova
rasa. — Mas obrigado pela oferta, — eu me viro e dou o fora de lá antes que
ele comece a reclamar de outra coisa, e posso sentir o suor escorrendo entre
as minhas omoplatas. É melhor eu terminar esse carro hoje, tê-lo pronto e
funcionando em tempo recorde, lembrando Mac de que eu sou o melhor
nisso, ou do contrário não vou conseguir deixar ele longe do meu pé por
muito tempo.

Começo a trabalhar, tentando não olhar na direção do escritório de


Mac ou da academia do outro lado da rua, onde Zeth sem dúvida está
treinando duro, espancando um mar de homens que querem ser lutadores.

~ 76 ~
Mais tarde, depois do almoço (que eu simplesmente pulei para
continuar trabalhando), uma Hyundai batida e familiar para do lado de fora
da oficina, e eu imediatamente sei que isso significa problema. Eu consertei
esse carro algumas semanas atrás. Não apenas isso, tive o prazer de levá-lo
até a sua dona na Universidade de Seattle.

Kaya.

Ela desce do carro, puxando o casaco mais apertado em torno dos


ombros, levantando o capuz de pele sobre o seu corte de cabelo curto. Por
um momento eu congelo pensando que ela não vai entrar na oficina. Por que
ela iria? As pessoas não saem por aí aparecendo no local de trabalho das
outras, querendo conversar. Isso não acontece. Mas a maneira como ela bate
a porta do carro e anda em linha reta para mim é inconfundível. Eu deveria
saber que Kaya Rayne não se enquadra em nenhuma forma de etiqueta
social.

— Oi, — a palavra forma uma nuvem quando sua respiração congela


no ar. — Você tem um minuto? Precisamos conversar.

Eu a encaro como se ela fosse louca. — Não, eu não tenho um minuto.


Estou trabalhando. Eu... porra, Kaya. Vá embora. Por favor. Eu já tive merda
demais para lidar hoje.

Um olhar magoado passa pelo seu rosto corado de frio. — Você


realmente precisa ouvir o que eu tenho a dizer, Mason. Eu não estou
brincando.

— Nem eu. Se o meu chefe ver você aqui, falando comigo, eu vou ser
jogado no olho da rua.

— Não seja um bebê. Ouça o que...

— Eu adoraria te ouvir. Ficar por aí, jogar conversa fora enquanto você
me conta do seu dia parece maravilhoso, mas se Mac me pegar socializando
no horário de trabalho, eu vou ter que juntar as minhas coisas e ir embora.
Nós podemos conversar mais tarde?

Kaya, perdida na sua parka gigante, franze o cenho para mim, e eu já


sei o poder que isso tem. Ela provavelmente está acostumada a conseguir o
que quiser com isso, seja lá o que for. Esse cenho fechado provavelmente já
foi usado para deixar homens mais resilientes que eu de joelhos.

— Quando? — ela pergunta.

— Eu não sei. Mais tarde.

~ 77 ~
— Essa noite?

— Certo. Sim, essa noite. Eu saio às oito. Encontro você na cafeteria


da esquina. Agora, por favor. Vai embora!

E ela vai.

~ 78 ~
Capítulo Onze
SLOANE
Você nunca se acostuma com cheiro de vômito, mesmo quando é o seu
próprio. Eu deveria estar em uma consulta de revisão em trinta minutos,
então posso ser liberada para voltar a operar, mas não há nenhuma chance
de isso acontecer hoje. Eu estou colocando as tripas para fora desde a hora
do almoço, e não parece que vou parar logo. Agarro uma garrafa de Gatorade
azul na minha frente e coloco um pouco de liquido na boca antes de
bochechar e cuspir na pia.

Jesus. Isso sim é passar mal do estômago.

Eu saio vacilante do andar da emergência e vou até a UTI. É lá que eu


corro para Oliver. Ele sorri quando me vê. Na verdade, ele sorri de uma
orelha a outra. Mas sua felicidade desaparece quando ele me olha com um
pouco mais atenção. — Droga, Romera, você parece estar morrendo. O que
diabos você tem?

Bebo um gole de Gatorade, secando a boca com as costas da mão. —


Ainda estou doente, — eu digo, colocando uma máscara.

— Então você provavelmente não deveria estar aqui, — ele diz.

— Vá se foder. Eu já estou fora da cirurgia. Você não pode me mandar


para casa. Eu vou ficar louca.

— Se você ficar aqui, vai infectar metade das pessoas na sala de


emergência. Isso é tudo que eu vou dizer.

Eu sei que ele está certo, mas droga. Eu realmente não quero ficar em
quarentena domiciliar. Eu não sou boa em ficar doente. Não sei o significado
de ficar de repouso. Eu vou acabar esvaziando a geladeira, limpando a casa
como uma mulher louca ou queimando todos os arbustos mortos do pátio de
trás. Eu provavelmente começaria um incêndio florestal. — Não ouse me
denunciar, Oliver Masssy, — eu digo. — Eu nunca vou te perdoar. Eu juro
que vou me cuidar. Vou cuidar da papelada lá em cima ou algo assim. Eu
prometo que não vou infectar ninguém.

~ 79 ~
Ele me olha com descrença. — Está bem. Mas eu vou te colocar uma
intravenosa antes de você ir a qualquer lugar, ok? Você parece como merda
de cachorro.

— Nossa. Obrigada.

Ele me segura pelo braço e me arrasta para uma sala de exames,


colocando um par de luvas de borracha de uma maneira muito dramática.
Ele está gostando disso. Com um ridículo balançar de sobrancelhas, ele me
empurra para baixo pelos ombros, me obrigando a sentar na beira da maca
atrás de mim. — Então, Dra. Romera. Você tem um caso grave de diarreia?

— Eca. Não.

— Hmm, — ele está desapontado, eu posso ver. — Isso é estranho.


Todo mundo teve. Eu, inclusive. O que é realmente humilhante quando você
está dormindo na casa da sua nova namorada.

— Oh não.

— Oh sim, — ele coloca as costas da mão contra a minha testa,


checando minha temperatura.

— Nós temos maneiras mais precisas de fazer isso, sabia?

— Eu estou com preguiça de ir pegar o termômetro. Além disso, você


não tem febre. Você está bem.

— Sim, eu não me sinto quente.

Oliver estuda meu rosto com muita concentração, como se essa


simples ação fosse lhe dar um diagnóstico. — Bem, acho que você está
melhorando, então, — ele diz. — Alguns fluidos não vão fazer mal, de
qualquer maneira.

Eu me deito na maca, arrumo os travesseiros e levanto o encosto para


uma posição sentada, e Oliver pega a intravenosa ao lado da cama. Ele me
mostra a língua, então começa a me perguntar coisas que devemos
perguntar sempre que administramos qualquer tipo de tratamento a um
paciente:

— Você é alérgica a alguma coisa?

— Não.

— Está tomando algum remédio no momento?

— Não.

~ 80 ~
— Fez alguma cirurgia recente?

— Não.

— Algum histórico de problemas no coração?

— Não.

— Alguma chance de estar grávida?

— Não.

— Quando foi sua última menstruação?

Eu estou prestes a responder, mas essa não é uma das perguntas-


padrão que fazemos. Eu atiro adagas com o olhar para Oliver. Ele tenta me
distrair deslizando a agulha da intravenosa no meu braço, mas não
funciona. — Eu não estou grávida, Oliver. Eu estou no controle de
natalidade. Agora ande logo com isso. Isso tudo já me tomou metade da
tarde.

Ele dá de ombros, os cantos da sua boca virados para baixo. — Eu só


estou perguntando, Romera. Eu te conheço. Você é ocupada, esquece de
tomar sua pílula algumas vezes e BAM! Grávida. Eu já vi o cara com quem
você mora, não se esqueça. Ele parece ter nadadores fortes.

— Parece de falar dos nadadores de Zeth. Os nadadores dele não são


da sua conta. E eu tomo injeções, então você não precisa se preocupar. Não
tem como eu esquecer de espetar uma agulha na bunda a cada três meses,
certo?

— Justo, — Oliver levanta as mãos em rendição. — Eu só estou


cuidando de você, — ele diz, rindo.

— Por que você está feliz, afinal? — eu resmungo. Não preciso


mencionar que a última vez que o vi ele estava frustrado ao ponto da raiva
no vestiário dos residentes.

— Estou feliz porque Alex vai sair da UTI hoje. Ele finalmente foi
liberado, — ele diz. — Contanto que nenhuma infecção secundária esteve se
espalhando por trás dos panos, é só uma questão de recuperação e
fisioterapia agora.

— Droga, Oliver, eu fico tão aliviada de ouvir isso. Estou muito feliz
por você.

~ 81 ~
— Sim, eu também. Obrigado, Romera. E obrigado por ter me ajudado
com ele na operação, em primeiro lugar. Agora fique boa logo para a gente
curar mais pessoas, sim?

Eu lhe dou uma saudação falsa. — Sim, senhor.

— Os colegas de trabalho de Alex vai passar aqui mais tarde. Eles não
conseguiram vê-lo direito ainda. Acho que mencionaram algo sobre trazer
cervejas e sanduiches de carne e queixo, mas acho que você não vai poder
comer.

— Você me subestima. Eu sempre estou pronta para sanduíches de


carne e queijo.

Oliver me deixa sozinha e eu fico ali sentada, deixando a intravenosa


fazer seu trabalho. Isso é um tédio, apenas deixar o tempo passar, e não
tenho nada para fazer além de deixar minha mente viajar.

Zeth provavelmente está treinando duro, sonhando com maneiras de


acabar com a ameaça de Lowell de uma vez por todas. Com sorte, sem matar
ninguém. Michael provavelmente está... não tenho ideia do que Michael está
fazendo. Se ele não está com Zeth, suas ações são um mistério. Ele é um
cara muito reservado. Sua vida pessoal é tão desconhecida para mim que
não faço ideia se ele é solteiro ou não. Duvido que ele tenha tempo para uma
namorada, considerando o tempo que ele gasta mandando mensagens ou
“consertando coisas” para Zeth, mas há uma pequena chance de ele ter
alguém em algum lugar. Espero que ele tenha.

Eu penso em Alex Massey então. Penso em como ele tem sorte de sair
andando do St. Peter dentro de algumas semanas. Isso podia facilmente ter
tomado outra direção. Ele podia ter morrido na cirurgia. Uma infecção podia
ter se espalhado, uma bactéria o comendo de dentro para fora. Ele estava
usando um número muito grande de antivirais e analgésicos fortes e
bastante perigosos. Eles podiam ter se misturado e, dependendo da pessoa,
cada um para um lado e os antivirais perdem o efeito. Tantas coisas podiam
ter dado errado. Tantas coisas podiam ter...

Oh, Deus.

Eu de repente me sinto muito, muito enjoada outra vez. Meu estômago


revira, a náusea corre por mim e o quarto se inclina desconfortavelmente.
Não é apenas a volta do enjoo que me faz sentir mal. É a horrorosa,
aterrorizante percepção que me atinge como uma bola de boliche na cabeça.
Alex estava tomando uma tonelada de remédios conflitantes. Remédios que
podiam tê-lo deixado ainda pior do que estava. Remédios que podiam fazer
os outros perderem o seu efeito. Eu recentemente tomei remédios que

~ 82 ~
podiam fazer outros perderem o seu efeito. Eu... merda, como eu pude ser
tão estúpida? Como eu não pensei nisso nem por um segundo?

Os antibióticos que tomei quando fiquei gripada... antibióticos que


ocasionalmente tornam todas as formas de controle de natalidade pura,
completa e assustadoramente ineficazes.

***

O quarto número sete não foi feito para acomodar doze bombeiros
bêbados, mas ainda assim Oliver conseguiu, de alguma forma, apertar todos
lá dentro. Alex Massey é um caso especial, mas ele não é tão especial para
garantir um quarto todo só para si. Ele tem como companhia uma senhora
de noventa e quatro anos, que está se recuperando da terceira cirurgia no
coração. Muito longe de estar incomodada pela agitação, Cynthia May
Allerdyce, com péssima audição e crises de peito detestáveis, está totalmente
apreciando o show que os bombeiros estão lhe dando. Esses caras poderiam
facilmente fazer uma ponta em Magic Mike, e eles sabem disso. Eles estão se
divertindo muito, e deixam Cynthia passar sua mão cheia de artrite nos seus
peitos e abdomens definidos. Alguns dos caras não são assim tão sarados,
alguns deles até têm uma protuberância na barriga, mas eles ainda são os
piores. Pobre Cynthia, fica toda vermelha enquanto conversa com os
bombeiros, batendo nos seus ombros e lhes dizendo como são bons garotos.

Alex Massey está sentado na cama, observando com diversão seus


amigos agirem de maneira tão idiota. Nada de sanduíche de carne e queijo
para Alex. Nada de cerveja, também. Apenas a boa e velha morfina. Oliver
paira perto do seu irmão, conversando, constantemente verificando se ele
está bem. Quando me vê do outro lado do quarto, checando o monitor de
Cynthia para ver se ela está prestes a ter outro ataque cardíaco, ele me dá
um sorriso e um pequeno aceno.

— Ele é o seu namorado, minha querida? — a mão de Cynthia segura


o meu braço, sua pele fria como gelo. Ela pode ter noventa e quatro anos,
mas tem os olhos atentos e inteligentes de uma garota de dezenove. Ela tem
aquele olhar de quem viveu bem a vida. Quem sabe as incríveis histórias que
ela tem para compartilhar. Eu adoraria me sentar com ela e ouvi-las todas,
mas isso seria impossível com toda a conversa e os risos enchendo o quarto
nesse momento.

— Ele? Dr. Massey? — Não, — eu balanço a cabeça. — Ele é apenas


um bom amigo.

~ 83 ~
— Que pena. Ele é bonito, um colírio para os olhos, não? — ela tem o
sotaque sulista mais encantador. Aposto que ela foi uma beleza do Sul nos
seus tempos áureos. Eu aperto sua mão.

— Eu já tenho um namorado, Cynthia.

— Ele é tão bonito quanto esse? — ela diz as palavras como se já não
acreditasse que fosse verdade.

— Ele é sim. Ele é homem mais lindo que já andou na face da Terra.

— Aww, docinho, — seu sotaque enfatiza a palavra docinho. — Você


deve acreditar nisso, o que é bom. Às vezes um homem pode ser a coisa
mais... horrenda, e ainda assim algumas mulheres caem aos seus pés.
Acredito que você é uma dessas moças, capazes de amar alguém que
ninguém mais conseguiria.

Eu rio, dando tapinhas na sua mão. Sua pele é tão final, como a asa
de uma mariposa. — Meu namorado é maravilhoso, acredite. Ainda assim,
acho que você tem razão. Algumas pessoas podem achar difícil amar ele.

— Uhum. Bem, se você diz, eu reconheço uma boa alma quando vejo
uma, e ele tem a melhor de todas ao seu lado. Espero que ele cuide bem de
você, criança.

— Ele cuida, — eu digo a ela com convicção, porque é verdade, depois


de tudo. Ninguém cuida melhor de mim do que Zeth. — Ele é um homem
bom.

Cynthia acena e vira sua atenção para os bombeiros, e eu me encontro


chocada pela minha última declaração. Ele é um homem bom.

Zeth é um homem bom? Eu amo ele, sem dúvidas; eu me preocupo


com ele além do imaginável, mas ele é um homem bom? Minha experiência
ao longo do último ano me diz uma coisa, a evidência no papel mostra uma
realidade dura e pouco amigável, mas meu coração me lembra de outra
experiência totalmente diferente. Tento não pensar sobre essas coisas
inquietantes que vieram à minha cabeça enquanto deixava a intravenosa
fazer seu trabalho. Eu estou sendo boba. Com certeza. Provavelmente estou
errada. De jeito nenhum eu posso estar grávida. De nenhuma maldita
maneira. Há uma forma de ter certeza, é claro: eu poderia fazer um exame.
Mas por alguma razão não consigo. Se eu fizer xixi na vareta, se eu tirar
sangue e tiver certeza, então isso significa que tenho que encarar uma
verdade desagradável, e acho que não posso lidar com isso agora. Não,
apague isso – eu sei que não posso lidar.

~ 84 ~
Oliver e Alex sorriem para mim quando eu me aproximo deles. Os dois
têm os mesmos olhos afiados, os traços angulosos, o cabelo loiro mel que se
enrola um pouco ao redor das orelhas. Quando eles estão separados, eu
nunca diria que eles se parecem muito com o outro, seus maneirismos
marcando a sua diferença, e ainda assim quando eles estão lado a lado não
há como duvidar dos seus laços de sangue.

— Não se preocupe. Eu não vou te abraçar, — eu digo a Alex. — Eu


não quero que você fique doente. Apenas queria dizer oi. Estou tão feliz de
ver você melhor, — pode ser que eu não possa deixá-lo doente – diferente da
gripe, gravidez não é contagiosa, afinal de contas – mas não vou arriscar.

Alex acena como se eu tivesse falado uma bobagem, como se sua vida
não estivesse mais em risco. — Não posso esperar para voltar ao trabalho, —
ele diz. — Essas quatro paredes já estão começando a me deixar louco. E
esses idiotas não vão parar de me chamar de preguiçoso, também. Eu
preciso voltar ao jogo, mostrar a eles como se fez.

— Se a sua maneira de fazer é ser esmagado e quase morrer, eu não


quero saber, — um rapaz jovem com a cabeça raspada diz, rindo.

— Que seja, cara. Você só está com inveja que eu passo o dia todo
aqui com as médicas gostosas.

O rapaz careca revira os olhos. — Você acha que eu invejo isso?


Mesmo? Sério? Aposto que se eu convidar essa linda jovem para sair, ela
diria que sim, não é, doc4? — ele me dá uma piscadela sugestiva.

— Não assedie essa jovem moça, — Cynthia diz. — Ela já tem um


namorado em casa. Por que você não vem e atira um pouco desse seu
charme para uma mulher mais velha e solteira? Eu não me importaria de ter
sua atenção, — a velha garota insolente tem uma maldita garrafa de cerveja
na mão. Eu a tiro da sua mão antes que ela possa levá-la aos lábios e tomar
um gole.

— Opa. Você não tem permissão para fazer isso, Srta. Cynthia. Você
acabou de passar por uma cirurgia de coração.

— E quanto às relações sexuais? — ela pergunta. — Você sabe... sexo.


Isso seria possível? — ela se vira para o bombeiro próximo a ela, seus olhos
brilhando. Ele finge que não escutou, mas as pontas das suas orelhas ficam
mais vermelhas a cada segundo, e eu não posso evitar sentir um pouco de
pena dele; ela é incorrigível.

4 É uma maneira informal de se referir a médicos – homens e mulheres.

~ 85 ~
— Receio que você precise se abster de qualquer atividade física
extenuante por um tempo. O seu médico vai lhe dar uma liberação quando
achar que você está bem o bastante para lidar com a... excitação.

Cynthia se volta outra vez para o bombeiro. — Você acha que pode
voltar para me visitar em algumas semanas, gostosão?

~ 86 ~
Capítulo Doze
ZETH
A coisa sobre promessas é que elas geralmente são muito
inconvenientes e difíceis de manter. Eu jurei que não ia acabar com Mason
pelo que ele fez, mas eu me pergunto quão puta Sloane ficaria se eu desse ao
garoto uma leve surra? Um gentil chute na bunda? Apenas um pequeno olho
roxo? Me parece injusto que seja obrigado a vê-lo sair andando por aí
completamente inteiro. Sério, se há alguma justiça nesse mundo, eu vou
ganhar o direito de lhe dar uma boa lição em algum momento.

Agora, tudo que eu tenho o direito de fazer no momento é usá-lo para


dar informações falsas para Lowell, e isso não é absolutamente nada
satisfatório. Mas poderia vir a calhar, no entanto. Faz cinco dias e eu ainda
não pensei em nada apropriado para dar a ele, mas tenho certeza que vou
pensar em alguma coisa. Nesse meio tempo, tenho que garantir que tudo
pareça normal. A academia tem sido aberta. Sloane tem ido trabalhar.
Mason ainda tem vindo treinar depois do seu horário de trabalho na oficina
mecânica – o que eu pessoalmente odeio, não consigo nem olhar para o filho
da puta – e Michael tem feito suas coisas de sempre, também.

Então é isso. A vida segue como sempre.

Estou dirigindo através da cidade na direção da academia quando noto


um Denali com as janelas escuras atrás de mim, dois carros atrás. Isso
certamente não é a vida seguindo como sempre. Eu faço esse caminho
diariamente, duas vezes por dia, às vezes mais, e estou sempre hiper atento
à minha volta. De jeito nenhum um Denali estaria me seguindo há tanto
tempo, dando a seta, mudando de pista e virando exatamente nos mesmos
lugares que eu sem um motivo. O motivo é óbvio: Lowell cansou de esperar
que eu cometa um deslize, então ela está me seguindo, esperando o
momento certo para atacar. É uma surpresa ela ainda não ter me prendido,
dada sua propensão a agir primeiro e resolver toda a merda depois, mas
talvez essa atitude tenha lhe trazido alguns problemas. Seu parceiro foi
morto meses atrás em um maldito tiroteio no hospital, pelo amor de Deus. É
um milagre que ela tenha permissão de chegar perto desse caso.

~ 87 ~
Eu me movo casualmente para a pista da direita, diminuindo a
velocidade. Lá na frente a placa de Hunt’s Point 5 se aproximando
rapidamente. Eu ligo a seta e me dirijo para a rampa de saída, observando
pelo espelho retrovisor quando o Denali, dois carros atrás, me segue. Só há
um carro entre nós agora. Meu cérebro gira no piloto automático, seguindo
por um caminho de ruas tranquilas, árvores frondosas, grandes mansões,
jardineiros mexicanos com chapéus puxados para baixo sobre as orelhas,
crianças em carrinhos, cachorros passeando, e o Denali segue.

Porra, ela tem que saber que eu já a descobri agora. Não há como ela
pensar que eu não a notei, praticamente estourando meu cano do
escapamento. Ela deveria ser muito melhor do que isso. Olho pelo espelho
retrovisor e fico chocado quando percebo para onde estou dirigindo. A velha
casa onde eu cresci se agiganta no fim da estrada, acomodada entre
pinheiros de oito metros de altura e outras árvores. O canto da quadra de
basquete nos fundos é visível quando rolo o Camaro ao lado da calçada. Os
cabelos na minha nuca se levantam.

Eu não fiz um plano em que decidi que nunca mais voltaria a essa
casa. Um plano como esse não parecia necessário. Por que diabos eu voltaria
à casa de Charlie? Ao lugar onde eu lutei com demônios todas as noites. Ao
lugar onde os pesadelos eram reais, tangíveis, coisas cruéis que te
assombrariam no momento em que você fechasse os olhos.

Atrás de mim, o Denali também para. Você está brincando comigo,


porra? Essa vadia é louca. Ela pode ter bolas tão grandes assim? Ela deve
querer que eu saiba que ela está me seguindo; essa é a única explicação
para esse comportamento tão flagrante. Bem, se ela acha que vai me
intimidar, está muito enganada. Puta psicopata. Eu saio do carro, batendo a
porta atrás de mim, e marcho para a janela do motorista do Denali, o sangue
correndo pelas minhas veias, a cabeça latejando, meu corpo já pronto para a
violência. Eu vou bater nela? Pode ter certeza que sim. Penso em bater na
janela, esperando que o vidro faça um zumbido enquanto desce para
começar a usar meus punhos, mas não consigo ser assim tão educado. Em
vez disso, puxo a mão para trás e ataco, esmagando o vidro grosso. Janelas
de carros são desenhadas para quebrar, e é exatamente isso que a janela do
Denali faz, o vidro explodindo em um milhão de minúsculos pedaços em
uma chuva na calçada. Dentro, ouço alguém se mexendo, se agitando
quando o vidro quebrado se derrama sobre eles também.

— Porra! Vai se foder, cara! — alguém grita. Um cara? Então Lowell


tem algum dos seus lacaios no banco do motorista. Por que não estou

5É uma cidade na região metropolitana de Seattle, mas tão pequena que parece um bairro
da cidade, cheio de casas de luxo.

~ 88 ~
surpreso? Posso vê-la no banco de trás do carro, latindo ordens para que o
seu pequeno servo do DEA obedeça todos seus comandos. Só estou
esperando que a vadia saia do carro, tão fria quanto alguém pode ser, pronta
para ameaçar me prender por causar danos à propriedade do governo,
quando o inconfundível cano de uma arma polida aparece pela janela
quebrada.

— Para trás, seu filho da puta. Para trás agora mesmo.

Os agentes do DEA não saem por aí atirando sem motivo, mas então,
eu dei um motivo. Eu sou hostil; acabei de atacar o seu carro. Seria tão fácil
para eles escaparem depois de terem me cravado de balas e terem me
deixado sangrando aqui no concreto.

Eu odeio fazer o que esse cara quer, mas também não quero levar uma
bala na cara hoje. Dou um passo para longe da janela. Onde diabos está
minha arma? Como, em nome de Deus, eu saí do Camaro sem essa
porcaria? Acho que se eu for baleado e morrer agora, vai ser uma grande
lição de merca para mim. Mais vidro tilinta na calçada quando o motorista
tenta abrir a sua janela, que parece emperrada. Um longo momento se
passa, no qual o idiota do veículo joga seu peso contra a porta até finalmente
conseguir abri-la. Ele desce do carro, ainda segurando a arma em uma mão
enquanto a outra varre fragmentos de vidro do seu colo.

Terno e gravata. Não um terno e gravata do DEA – não, isso é bom


demais para ter sido comprado com o salário normal de um agente do
governo. Parece um Armani. Michael saberia melhor do que eu, mas ele não
está aqui agora. Óculos escuros. Cabelo liso penteado para trás. O tipo de
cara que paga quarenta dólares em uma barbearia para tirar aquele nada de
barba que ele tem no rosto e ficar elegante e arrumado enquanto saboreia
uma cerveja de cortesia. Eu de repente fico em dúvida. Esse cara é policial?
De jeito nenhum. Ele transpira atitude, o que não necessariamente não o
enquadraria como policial, mas tem algo...

O jeito como ele está segurando a sua arma.

Todos os policiais seguram suas armas da mesma maneira, os ombros


para trás, o cotovelo travado e rígido, a mão esquerda sob a direita,
providenciando uma plataforma estável. Eles te encaram a partir do
comprimento das suas armas, focando em você como um alto, todo o tempo
prontos para puxar o gatilho e acabar com a sua vida. Essa é uma marca
reconhecida em todo o país, e esse cara não tem isso.

Ele segura a arma como um criminoso, como se estivesse te apontando


um dedo e a arma fosse uma mera extensão da sua mão. Ele não está
apontando a coisa para mim. Ele apenas a mexe na minha direção em geral,
~ 89 ~
esperando que ela faça todo o trabalho duro sozinha. — Você acabou de
cometer um grande erro, Sr. Mayfair, — ele me diz. — Esse carro foi alugado
no aeroporto, e eu não fiz seguro.

— Só prova que você é um idiota, — eu falo entre os dentes cerrados.


— Você deveria saber o que acontece quando planeja seguir um cara como
eu por aí como se fosse um cheiro ruim do caralho. Onde diabos ela está?

— Ela? — o homem de cabelos escuros franze o cenho enquanto


destrava a sua arma. — Receio que não saiba do que você está falando.

— Lowell, — isso vale o risco. Se eu ver uma faísca de reconhecimento


no seu rosto, vou saber que ele está agindo com Denise.

— Eu não conheço nenhuma Lowell, Sr. Mayfair. A única mulher que


conheço nessa cidade é aquela sua namorada gostosa. Como ela se chama
mesmo? Sarah? Não, é isso. Sloane.

Eu não digo nada. Não quero perder a cabeça cedo demais. Se ele
mencionar Sloane outra vez, não vou ser capaz de me parar, mas nesse meio
tempo preciso descobrir que porra está acontecendo aqui. — Por que diabos
você está me seguindo? — eu rosno.

O cara encolhe os ombros, a mão que está segurando a arma vacila


enquanto ele faz uma careta desinteressada. — Apenas fazendo o que me
mandaram, eu receio. Percorri um longo caminho para vê-lo, Sr. Mayfair.

— Sou um homem muito ocupado. Você deveria ter marcado uma


hora.

— Eu teria feito isso, mas não gosto muito da sua secretária. Um


pouco... masculina demais para o meu gosto. Prefiro quando elas têm as
pernas um pouco mais longas. Peitos grandes. Nenhuma predisposição a
matar qualquer um que apareça na sua porta sem convite.

— O que eu posso dizer? Michael sabe para quem eu tenho tempo ou


não. Ele é muito bom no seu trabalho.

— E eu sou bom no meu.

Eu detecto a cadência cortada da sua fala e um pouco de sotaque –


uma combinação no Bronx ou do Brooklyn que me diz que esse cara não é
aqui. Meu melhor palpite, ele é de Nova York. Ele está um pouco longe de
casa, se for esse o caso. Eu sorrio, o lado direito da minha boca se
levantando enquanto eu o estudo com mais atenção, procurando detalhes
que possam me dizer exatamente de onde ele vem e o que ele planeja fazer
aqui. Ele dever querer violência. Ninguém em sã consciência me seguiria e

~ 90 ~
me ameaçaria se só quisesse conversar. O cara escova o cabelo para trás,
achatando a parte na qual escapou o produto oleoso que ele colocou ali, e
está pendurada sobre o seu rosto.

— Você vai se apresentar? — eu pergunto.

— Meu nome é Milo Barbieri. Duvido que você já tenha ouvido falar de
mim, — ele diz isso como uma piada, no entanto, como se eu devesse saber
exatamente quem ele é. Eu já ouvi o seu último nome, é claro, mas Milo?
Ele não é um dos filhos de Roberto. Nem um sobrinho. Ele deve ser um
parente distante ou algo assim. Alguém sem nenhuma importância na
hierarquia que eles mandaram atravessar o país para me ver. Estou
lisonjeado, porra.

— Você se esconde atrás desses óculos escuros o dia todo? — eu


estalo. Quero dar uma boa olhada no filho da puta.

— Só quando tem sol, — ele responde. — Não se preocupe. Se você


está imaginando que tipo de cara eu sou, posso fazer um breve resumo e
podemos dispensar essa pose. Eu sou um dos caras maus. Roubo dinheiro
de velhinhas. Já matei muita gente. Já estive na cadeia mais vezes do que
posso contar. E você, Sr. Mayfair? É igual a mim, não?

— Talvez em outros tempos. Não mais.

O cara com a arma parece um pouco triste. — Então as lendas sobre o


infame Zeth Mayfair são todas falsas. Eu tenho que dizer, isso é um pouco
decepcionante. Pensei que poderíamos nos divertir juntos enquanto estivesse
aqui. Pensei que talvez nós pudéssemos fazer a terra tremer um pouco. Vejo
que estava errado.

Esse cara está testando a minha paciência. Ele é um filho da puta


incompetente – eu poderia atacá-lo e pegar a sua arma, e ele nem saberia o
que o atingiu. Alguns homens acham que eles estão no comando porque
estão segurando uma arma, da mesma forma que alguns homens acham que
estão prontos para foder porque têm seus paus na mão. Eles não percebem
que sem puxar o gatilho, nas duas situações, isso não passa de
masturbação. — Vamos logo com isso, — eu rosno. — Por que diabos você
está aqui? — eu já sei que ele é do crime organizado. Crime desorganizado,
melhor dizendo. Só preciso que ele diga.

— Meu chefe me mandou aqui para ver se você teve tempo de


reconsiderar a oferta dele, Sr. Mayfair, — ele me informa.

— E o seu chefe é o Açougueiro, claro?

~ 91 ~
— Correto. Ele ligou para você não faz muito tempo, oferecendo uma
espécie de aliança. Você foi muito grosseiro com ele, Sr. Mayfair. Muito
grosseiro muito.

— Peço desculpas, — eu digo, minha voz cheia de sarcasmo. — Mas,


como você pode imaginar, eu não gosto de ser ameaçado.

— O Sr. Barbieri não o ameaçou, Zeth. Ele apenas pediu que você
juntasse forças com ele. Ele lhe ofereceu um ótimo acordo, se eu me lembro
bem. Toda Seattle em troca da sua obediência. É mais do que ele jamais
ofereceu a alguém.

— E se eu me recusar a oferecer minha obediência a ele, seria visto


como um perigo na sua operação. Se isso não é uma ameaça, não sei o que
é.

— Você está enganado. Isso é apenas... — ele dá de ombros. — Uma


demonstração de lógica? Você é um homem muito respeitado, Zeth. As
pessoas dessa cidade não vão foder com você. Se você diz que algo é lei, as
pessoas que vendem drogas, armas e mulheres nessa cidade vão aceitar que
isso é lei. Se você diz que os italianos não têm permissão para expandir seus
negócios na Costa Oeste, as pessoas vão se rebelar contra isso. Elas vão ter
ideias de como podem ou não interagir conosco. Meu empregador, o Sr.
Barbieri, ele não gosta de atritos, veja. Ele é um homem que gosta das coisas
correndo bem o tempo todo. Sem dissenções. Sem guerras civis ou
insurgência. Ele fazia parte das forças armadas quando estava na Itália, a
muito tempo atrás, e ele manteve essa mentalidade militar por toda a vida.
Você pode imaginar como algo confuso e inacabado deixá-lo desconfortável.
E essa situação com você é, definitivamente, confusa e inacabada.

— Eu não vejo nenhuma dessas coisas, — eu digo a ele. — O que eu


vejo é muito simples. Eu não vou trabalhar para um bastado psicótico em
Nova York. Eu não vou me aliar a alguém como ele. Meu último chefe era
perturbado, e tenho certeza que o seu também é.

O cara faz um grunhido reservado. — Todos os líderes são um pouco


loucos.

— Sim. E aqueles que os seguem são ainda mais loucos. Eu cansei de


ser um seguidor.

Inclinado contra a lateral do carro, o italiano pega um maço de cigarros


do bolso, pega um e o coloca entre os lábios. Seu isqueiro de prata polido faz
um som alto quando ele o acende contra a perna da calça. A chama brilha,
quase derretendo antes que o cigarro seja aceso. — Então eu vou voltar para
Nova York e dizer o que ao Sr. Barbieri? Que eu vim até aqui e você apenas

~ 92 ~
me mandou embora? Isso não vai acontecer, grandão. Uma coisa é ser
grosseiro com o meu chefe ao telefone. Mas ser grosseiro com um enviado?
Isso vai irritá-lo além da conta.

— Droga. Agora eu me sinto mal. Quão irritado ele vai ficar quando vir
o que eu fiz com o seu rosto?

O italiano joga o cigarro traga do cigarro. Ele sopra a fumaça enquanto


ri. Ele coça sua têmpora com a lateral da arma. — Você é um ser humano
ridículo, Sr. Mayfair. Você tem bolas. Eu não conheço muitos homens como
você na minha linha de trabalho. Homens duros na Costa Leste... bem, eles
só são duros até ter algo afiado e brilhante apontado para eles. Depois disso,
eles estão se mijando e tentando vender a própria mãe para cair nas nossas
boas graças. Você, por outro lado... eu gosto de você. Você não é o tipo de
cara que foge de uma luta, mesmo quando sabe que não pode ganhar.

— Quem disse que eu não posso ganhar?

O italiano levanta a arma que está em sua mão, a cabeça inclinada


para um lado – se esqueceu disso, não é, otário? Ele me oferece outra das
suas risadas aeradas amigáveis. — Eu ouvi coisas bem intensas sobre você,
cara, mas nunca ouvi ninguém dizer que você é um super-homem. Você não
é mais rápido que uma bala, Zeth.

— Não é questão de ser mais rápido do que nada, — eu digo. — É mais


uma questão de mira. E foco. E coragem, — eu dou um passo na sua
direção, ignorando a arma que ele tem estendida para mim outra vez. O
italiano dá outra tragada no seu cigarro, soprando a fumaça pelo nariz em
pequenas nuvens que pairam sobre a sua cabeça.

— Eu não erro, Zeth. Se você quiser descobrir por si mesmo, fique à


vontade.

Eu quero descobrir por mim mesmo. Para ser justo com esse cara, seja
lá quem ele for, tem culhões. Nós estamos no meio do dia, em um bairro que
não é conhecido por ser violento. Ele está ali parado como se não tivesse
uma preocupação no mundo, balançando a arma como se fosse o jornal do
dia enrolado em sua mão. Eu não duvido por um segundo que ele vai atirar.
Não duvido por um segundo que ele tem uma boa mira; a familiaridade e
facilidade com que ele segura a sua arma me diz que ele passou um bom
tempo criando vínculos com ela. Mas eu também acho que ele me
subestimou. Veja, eu sou um cara grande pra caralho. Eu sou alto e largo,
grande como a porra de um tanque. Caras como esses italianos de altura
mediana e peito estreito olham para mim uma vez e veem uma enorme força
pesada que, uma vez que seja capaz de alcançá-los, vai arrancar suas
malditas cabeças fora. Eles imaginam que enquanto não me deixarem chegar
~ 93 ~
perto, estão a salvo. Mas eles não colocam na equação o fato de que eu sou
também muito rápido. Passo uma hora por dia correndo em uma maldita
esteira. É meu trabalho ser rápido, com uma tremenda agilidade nos pés,
enquanto eu jogo um cara atrás do outro através da gaiola como se fossem
bonecas de pano.

E assim, esse visitante da Big Apple está prestes a ter uma lição de
humildade. Ele nunca mais vai subestimar seus oponentes outra vez, isso é
certo.

— Por que você não toma um segundo, Sr. Mayfair? — ele diz,
mostrando os dentes em um sorriso para mim. — Pense um pouco mais
isso. Você não pode tomar de volta decisões precipitadas, você sabe.

Eu estou cansado de falar com esse cara. Cansado de desperdiçar ar


dizendo a ele as mesmas coisas uma e outra vez. Dou um passo para a
direita. O cara me segue com a arma, uma luz dura faiscando em seus
olhos, como se ele tivesse visto a determinação nos meus pelo que ela é – um
desejo absoluto de lhe causar dor. Ele está observando minha mão direita,
esperando que eu tente arrancar a arma da sua mão com a esquerda, assim
posso descer meu punho direto na sua cara, mas não é isso que está para
acontecer.

Eu avanço, dando um passo para ele, levantando o braço de forma que


seu punho fica entre as minhas costelas e o meu bíceps. Mais perto. Eu me
aproximo ainda mais, trazendo o braço para baixo, prendendo seu cotovelo
entre o meu braço e o peito.

— Filho da puta, — ele rosna, tentando girar a arma para me atingir,


mas não consegue. Ele está preso pela articulação, mas luta para conseguir
se livrar de mim. Posso ver em seus olhos que ele sabe o quão inútil será
esse curso de ação. O cigarro caiu da sua boca, e agora está queimando
alegremente entre o seu corpo e o meu, abrindo um buraco na minha
camiseta, queimando a pele do meu estômago. Tenho certeza que está
queimando ele também, mas nenhum dos dois se move para afastar o corpo
um do outro. Isso é o que te ensinam quando você lida com gado: chegue
perto do animal para se salvar. Se nos afastarmos o suficiente, vamos dar ao
outro a chance de atacar com força total.

— Você está morto, — o italiano estala. — Você é apenas um homem.


Você acha que pode desafiar toda a máfia da Costa Leste? Você é um maldito
lunático.

Eu nunca fui um homem de encolher os ombros. Sempre me pareceu


uma meia resposta. Eu gosto de ser decisivo com a minha linguagem
corporal assim como sou com as palavras. Nesse momento, encolher os
~ 94 ~
ombros parece demonstrar quão pouco eu me importo com a porra da máfia
da Costa Leste, no entanto. Levando um ombro, colocando meu rosto mais
perto do italiano. — Eu desafio qualquer um a me dobrar à sua vontade, seu
babaca. Eu digo a todos os interessados, Vão. Se. Foder. Ei digo para tentar
me matar se você tiver coragem.

Minha cabeça desce e esmaga a dele. Mesmo antes de abrir a


academia e passar noventa por cento do meu dia aperfeiçoando minhas
técnicas de MMA, eu sabia como dar uma cabeçada exemplar. Minha testa
se conecta com o seu rosto, logo acima da ponte do nariz, no lugar certo
entre os olhos, e sangue explode por tudo.

— Jesus! — o movimento o pega de surpresa. Um alto estalo corta o ar


atrás de mim; ele disparou a arma. Do outro lado da rua, um cachorro
começa a latir. O italiano mexe os pés, tentando plantar um atrás de mim
para conseguir me prender com o quadril em um golpe de judô, mas, como
eu disse... não é a minha primeira vez no rodeio. Enquanto ele está tentando
passar uma perna pela minha, lutando contra mim, eu finalmente o acerto.
Fecho a mão com toda vontade, a puxo para trás o máximo que consigo,
talvez uns 10 ou 15 centímetros, e desço sobre ele. Não vou para o rosto. O
crânio humano, apesar de parecer muito frágil quando é jogado para trás, na
verdade é forte pra caralho. É uma armadura desenhada para proteger o
cérebro, o órgão mais vital de todo o nosso corpo, então é claro que ele vai a
aguentar levar umas porradas. O pescoço, no entanto...

Lanço meu punho direto na traqueia do italiano. Sinto a cartilagem


ceder e quebrar sob os meus dedos quando eu os enfio no seu pescoço. O
italiano cai para o lado, os olhos saltados enquanto ele tenta se afastar, mas
eu tenho um bom aperto nele agora e garanto que ele não vai escapar. A
arma dispara uma segunda vez. Sinto a bala voando pelas minhas costas, e
percebo que dei ao meu oponente um pouco de espaço demais para que ele
consiga se mexer e atirar. Hora de consertar isso.

Enquanto ele está engasgando, fazendo sons desagradáveis de quem


está prestes a vomitar, desesperadamente tentando puxar ar para os
pulmões através da sua traqueia quebrada, eu o solto, dou um passo para a
direita, giro seu braço antes que possa apontar a arma novamente para
mim, e então o desço sobre o meu joelho o mais forte que posso. Não
diminuo a intensidade da pressão para baixo até que sinto o osso do seu
braço estalar.

— Arrrrrrgghhhhh! — um explosão de xingamentos em italiano saem


da boca do cara. Seu braço quebrou com tanta força que posso ver a borda
irregular do osso querendo atravessar o tecido fino da sua camisa.

~ 95 ~
Uma satisfação sombria me enche da ponta dos pés até a raiz dos
cabelos. Isso nunca vai curar direito. Eu não ouvi a arma do italiano bater
contra o chão em meio a todos os seus gritos, mas ela está caída na calçada,
meio jogada debaixo do Denali, apenas a ponta do cabo visível de onde eu
estou parado. Eu me abaixo e a pego, enquanto o homem na minha frente
agarra o seu braço com a mão boa. Seu rosto está branco pelo choque,
menos o nariz e a boca, que estão cobertos por um rio de sangue.

— Ele vai te matar por isso. Ele vai destruir você, porra! — o homem
grita.

— Opa. Aparentemente ele já estava planejando me matar por ter


recusado a sua oferta. Eu já quase morri suas vezes hoje, e isso antes da
hora do almoço. Estou tendo um dia incrível, não é? Agora, sobre esse
rosto... — eu não usei um soco inglês em muito tempo. Eu não precisei
disso; os ossos das minhas mãos são fortes como aço hoje em dia. Muitas
horas gastas esmagando os punhos em sacos de areia (assim como na cara
de várias pessoas), os deixaram absurdamente fortes. Eu o seguro pela
garganta esmagada e desço o punho uma, duas, três vezes. Cada vez que eu
acerto, o italiano dá um gemido estrangulado, até que no quarto soco ele
para de fazer qualquer barulho.

O filho da puta desmaiou. Eu o largo no chão e me levanto, que é


quando noto a mulher do outro lado da rua com uma sacola de
supermercado na mão. Ela está parada e imóvel, congelada na calçada, sua
boca aberta um centímetro enquanto ela me encara com os olhos azuis
arregalados. — Eu... eu... eu não... eu não...

— Eu peguei ele tentando invadir essa casa, — eu digo, limpando as


mãos na minha calça jeans. Jogo a arma do italiano dentro do Denali
através da janela quebrada, e então pego o homem inconsciente por debaixo
dos braços e o arrasto para o seu banco traseiro. — Mas não há com o que
se preocupar agora, senhora. Eu já chamei a polícia. Eles estão a caminho.

A mulher estremece, agarra suas comprar com mais força, como se as


suas cebolas, seu refrigerante e a sua mistura de Chai Latte do Starbucks
fossem o bastante para protegê-la do que ela está testemunhando. — Ce...
certo, — ela gagueja. — Você precisa que eu fique? Ou eu posso ir? — ela
pergunta baixinho. Eu mal posso ouvi-la.

— Você deveria ir para casa, senhora. Fique segura lá dentro. Tenho


certeza que esse cara não estava trabalhando sozinho.

Ela desperta, como se um raio de eletricidade tivesse atravessado o


seu corpo. Há outros? Há um número desconhecido de ladrões italianos
violentos e bem vestidos nas redondezas? Posso ver o medo em seus olhos.
~ 96 ~
Em algum momento, talvez hoje à noite, quando ela tiver a chance de se
acalmar, vai pensar melhor no que eu lhe disse e começar a pensar que algo
está errado aqui. Que talvez eu não fosse o bom samaritano que estou
dizendo ser. Isso se eu tiver sorte. Ela pode andar mais 20 metros e resolver
chamar os policiais por conta própria, só para ter certeza de que eu não
estava mentindo, e então eu vou estar realmente fodido.

A mulher sair correndo, e eu empurro o italiano mais para dentro da


parte traseira do Denali, tentando não pensar nos piores cenários. Quão
estúpido seria ser pego por isso? Estúpido pra caralho. Puxo meu telefone e o
coloco no ouvido enquanto entro no Denali e ligo o motor. Michael atende no
terceiro toque.

— Preciso que você venha até a frente da antiga casa de Charlie e leve
o Camaro embora.

— Assumo que você vai explicar o porquê depois?

— Claro. Se eu não estiver na prisão, — eu desligo, coloco o telefone de


volta no bolso e então saio cortando as ruas de Hunt’s Point, tentando não
chamar atenção. Felizmente, isso não é difícil. Há muitos carros legais nesse
bairro, cheio de gente rica dirigindo seus Bugattis e Lamborghinis, então o
Denali na verdade é uma ótima camuflagem. Quando estou a umas seis
quadras de distância, quatro quadras da casa de Charlie, eu diminuo a
velocidade, dirigindo como todos os aposentados daqui, com medo demais de
arranhar seus preciosos carros.

Na metade do caminho até o armazém, o cara começa a se mexer no


banco de trás. Tenho que parar no posto de gasolina e ir ali para amarrá-lo.
Felizmente, o italiano veio preparado. Só Deus sabe o que esse filho da puta
pensou em fazer comigo, mas prendedores de plástico para os pulsos e um
rolo grosso de fita adesiva prateada no seu porta-luvas, o que vem bem a
calhar. Eu passo a fita ao redor da sua cabeça três vezes, só para ter certeza
absoluta que ele não vai conseguir escapar da mordaça, e então prendo as
travas de plástico em seus punhos unidos às costas, assim como seus
tornozelos. Não há porque correr riscos. Quando termino com essa merda,
garantindo que ele não vai a lugar algum, o italiano acorda e me atira adagas
com o olhar. Seus óculos de sol estão no chão aos seus pés, então eu os pego
e coloco de volta no seu rosto, beliscando seu nariz no caminho – deve doer
pra caralho, considerando como ele está quebrado.

— Não posso te colocar em um avião de volta para casa, eu receio.


Você parece péssimo. Mas não se preocupe. Conheço um cara que vai te
levar de volta para o leste bem rápido.

~ 97 ~
Eu conheço, de fato. Quando chego às docas, vou direto para o
escritório do capitão do porto, em vez de parar no armazém primeiro.
Encontro Jeremy Daskill, quarenta e três anos, sentado atrás de uma mesa
coberta por uma montanha de papeis e uma garrafa de uísque firmemente
segura em sua mão rechonchuda. Ele parece ter visto um fantasma quando
levanta o olhar e me encontra. É sempre assim quando eu apareço na sua
frente, pronto para pedir um favor. Alguns anos atrás, eu fiz um favor a
Jeremy. O seu cunhado tinha levado todo o dinheiro da irmã de Jeremy
embora. Ele bebeu, bateu nela e a estuprou, então a deixou para morrer aos
pés da escada. Jeremy, sendo um bom irmão, sabia que alguma precisava
ser feita com o cara, então me procurou. Eu cuidei da situação e agora,
sempre que preciso que algo desapareça em um contêiner por um tempo, ou
preciso de um saco ou dois para jogar dentro do rio, eu procuro meu amigo
Jeremy.

— Sr. Mayfair. Oi, eu... eu não estava esperando você, — Jeremy


coloca a garrafa de uísque atrás de uma montanha de papeis, fora de vista,
como se eu desse a mínima para ele beber durante o expediente. Nós
fazemos o que temos de fazer para ir em frente.

— Oi, Daskill, — eu dou a ele um sorriso vitorioso. — Tenho um


pequeno trabalho que preciso que você faça para mim.

~ 98 ~
Capítulo Treze
MASON
Eu vejo Kaya sentada em uma cabine no canto mais afastado da
cafeteria, bebendo de um longo canudo cheio de voltas e cor de rosa. Ela
está tomando um milk-shake de chocolate, entre todas a coisas, e um copo
de metal está próximo ao seu copo de vidro alto, suando com a condensação.
Quando ela me vê entrar, o sino acima da porta soando alto para anunciar a
chegada de outro cliente, ela pega outro canudo de um repositório preso à
parede – verde, dessa vez – e o coloca no copo prateado, o empurrando pela
mesa para que ele esteja diretamente à minha frente quando me sento.

— São quase nove, — ela diz, correndo o dedo por uma poça de água
na mesa. Ela desenha uma flor. — Pensei que você não vinha mais.

— Tive que terminar uma coisa na oficina, — o Impala me tomou mais


tempo do que eu imaginei, mas consegui terminar. Quando disse a Mac o
que tinha feito – uma proeza que nem ele teria conseguido – ele me entregou
as chaves e grunhiu baixinho, batendo a porta do seu escritório na minha
cara. Babaca.

— Você quer alguma coisa, querido? — uma mulher baixinha com


cachinhos muito pequenos paira ao lado da mesa, uma bloco na mão, o lápis
levantado e pronto para anotar os meus desejos. Eu preço um café e ela
parece desapontada, como se meus sonhos devessem ser maiores. Kaya não
diz nada sobre o fato de eu não beber do achocolatado que ela já havia
pedido.

— Preciso ser rápido. Minha irmã está com uma babá e a sua primeira
noite em casa depois do hospital, — eu digo a ela.

Kaya pisca para mim como uma coruja muito sábia. — Você não vai
gostar disso.

— Eu já não estou gostando. Você me deixou assustado. Eu sinto que


fiz algo errado, — mas eu não posso ter feito nada errado. Eu não estou
namorando Kaya. Eu não dormi com ela. Com toda certeza eu não dormi
com ela e depois dormi com a sua melhor amiga, então o que está

~ 99 ~
acontecendo? Por que diabos ela está me olhando do outro lado da mesa
com tanta preocupação nos olhos?

— É o meu irmão, — ela diz.

— Seu irmão? — eu nunca olhei torto para Jameson Rayne. Nunca.


Dar a Jameson qualquer razão para pensar que estou interessado em
absolutamente qualquer coisa que ele faça é equivalente a um convite para
levar uma surra.

Kaya acena. — Sim. Jameson. Mas não é apenas ele. É o seu amigo
Ben, também.

Ah. Agora isso faz sentido. Ben vem se metendo em problemas desde
que somos crianças. Mas ele estava melhor nos últimos tempos. Não deveria
ser uma surpresa que o seu bom comportamento uma hora iria acabar.

— Que diabos ele fez? — eu me sento para trás, me acomodando no


banco. Não vou ser capaz de tomar meu café e sair correndo, no fim das
contas.

— Ele e Jameson foram estúpidos. Jameson faz acordos com os


lutadores às vezes. Ele é muito arrogante. Ele sabe que é um bom lutador.
Excelente, até. Então quando Johnny e seus homens escolhem um oponente
para ele lutar no French’s, ele vai até eles e os encontra uns dias antes. Ele
oferece uma porcentagem dos seus lucros se o outro cara aceitar perder em
um round específico, de uma maneira específica. Todos sempre aceitaram o
acordo. Quero dizer, eles não são estúpidos. Eles já sabem que vão perder.
Então eles sempre aceitam o dinheiro e perdem quando ele manda.

— Espere. Então todos aqueles caras estão vendendo as suas lutas? —


meu estômago se revirou em um nó intrincado. Vai ser um milagre conseguir
desatá-lo. Vender lutas, mesmo em pequenos círculos amadores como o do
French’s, é um crime hediondo aos olhos de qualquer organizador. E os
organizadores geralmente são homens violentos e implacáveis, com uma
propensão para quebrar a rótula das pessoas com um martelo.

— Jesus. Fale baixo, — Kaya toma um gole do seu milk-shake,


estudando o lugar para ver se ninguém está ouvindo. Eu já sei que nós
somos os únicos aqui, mas ela parece estar no limite. Assustada, até. Eu não
posso dizer que a culpo. A garçonete me traz uma xícara cheia até a borda
com café filtrado mais preto que breu. Quando ela se vai, eu me inclino
sobre a mesa para sussurrar minha próxima pergunta.

— Me diga que Ben não foi tão idiota... — mas eu já sei que ele foi, ou,
do contrário, Kaya não estaria aqui me dizendo isso.

~ 100 ~
— Ele levou cinco mil para perder no primeiro round. Jameson queria
fazer parecer que ele o tinha destruído, e o seu amigo disse que precisava da
grana. Extra, se Jameson queria humilhá-lo no ringue. Então foi o que
aconteceu. E essa manhã três homens do French’s apareceram no nosso
apartamento e o arrastaram para fora da cama. Eles disseram que sabiam o
que ele e Ben tinham feito. Disseram que seria melhor se ele apenas
admitisse isso. Jameson disse que não sabia de porra nenhuma, mas eles
obviamente sabiam que ele estava mentindo. Eles tentaram lhe dar uma
surra, mas você conhece o meu irmão.

Ele lutou. Claro que sim; brigar faz parte da sua natureza. E se ele
tinha três caras se aproximando depois de ter sido rudemente acordado do
seu sono, estou imaginando que fazia parte da natureza de Jameson Rayne
arrancar a merda dos seus dentes fora. Kaya continua.

— Ele quebrou a clavícula de um deles, com certeza. O osso estava


saindo do seu pescoço, — ela sussurra. Seu rosto está desprovido de cores,
sua pele cinza. — Havia sangue por tudo. Eu estava gritando para eles irem
embora, para apenas saírem de lá, mas os outros dois insistiram em ficar.
Eles disseram que ele podia foder com um deles sozinho, mas não tinha
chance contra os dois juntos.

— Me deixe adivinhar. Ele quebrou seus ossos como se fossem galhos,


também.

— Ele esmagou o rosto de um deles no fogão. Entortou o metal. Ele


jogou o outro pela janela do segundo andar. O homem caiu de costas. Não
tenho ideia se ele está morto ou vivo. Fiquei tentando olhar pela janela, mas
Jameson não deixou. Ele ainda estar gritando com os outros dois, tentando
fazer eles irem embora, então eu fiquei para trás e rezei para que tudo
acabasse logo. Antes de irem, o capanga principal do clube, um de cabeça
raspada e tatuagem nos dedos — eu sei de quem ela está falando — disse a
ele que era só questão de tempo. Que eles sabiam o que ele tinha feito, e
sabiam que Ben estava nessa também. Disseram que Ben não ia conseguir
esconder a verdade, e que os dois eram homens mortos andando. Eles não
conseguiram sair dali e ir procurar Ben na mesma hora porque estavam
muito quebrados, mas isso não quer dizer que os caras no French’s não
mandaram alguém para falar com o seu amigo.

— Por que diabos você não me disse que ele estava metido nessa
merda lá na oficina? — eu estalo. Minha voz sobe, chamando a atenção da
mulher de cabelos cacheados que está olhando uma reprise de Jerry
Springer em uma velha televisão atrás do balcão. Eu sei que fui um imbecil
na mesma hora. Eu não lhe dei a chance de me dizer mais cedo. Fui
grosseiro e a mandei embora antes que ela tivesse a chance de me dizer

~ 101 ~
qualquer coisa. Kaya puxa as orelhas um pouco para trás, seus olhos se
estreitando.

— Eu não preciso estar aqui agora, Mason. Eu poderia estar em casa,


juntando vidro quebrado e tentando colar o que sobrou da minha mobília.
Em vez disso, pensei que poderia te dar um aviso. Jameson me disse que ia
cuidar disso, mas eu sei quando meu irmão está mentindo, ok? Ben não
importa para ele. Se aqueles caras estiverem muito distraídos caçando e
espancando o seu amigo, então Jameson tem tempo para descobrir como
voltar às suas boas graças no French’s. Ele vai me matar se souber que eu
estou aqui. Então, por favor Mason, me poupe dessa merda.

— Você está certa. Me desculpe. Eu realmente sinto muito, — esfrego


as mãos no rosto, soltando uma respiração profunda. Porra. Como diabos eu
vou dar um jeito nisso? Eu sou um ninguém no mundo da luta. Eu não
conheço ninguém que possa me ajudar. Eu não tenho nenhum favor
pendente. Quero dizer, não tenho absolutamente nenhuma maneira de tirar
Ben do buraco em que ele se meteu. Tão típico. Sinto como se tivesse feito
isso a porra da minha vida toda. — Obrigado por me avisar, — eu digo
baixinho. Do outro lado da rua, uma sirene de polícia passa soando alto,
levando as minhas palavras. Kaya e eu nos assustamos com o som. O carro
passa voando, os pneus cantando quando ele vira a esquina rápido demais,
deixando a mim e a pequena mulher à minha frente sorrindo nervosamente
sem motivo algum.

— Você deveria ir atrás dele, — Kaya diz. — Esses caras não vão ficar
esperando.

— Eu sei. Eu vou. E o seu irmão...

— Não se preocupe com o meu irmão. Jameson é como um maldito


gato com setecentas vidas. Semana que vem ele já vai ser o garoto de ouro
do French’s outra vez. E se não for, os organizadores das lutas vão estar
todos mortos e Jameson vai estar morando nas suas casas, transando com
as suas esposas e os seus filhos vai estar chamando ele de papai. Ele sempre
cai de pé, sabe? Mas o seu amigo...

Eu assinto, olhando para o meu café. Ela está certa. Ben nunca cai de
pé. Ben tem a pior sorte da porra do mundo todo.

~ 102 ~
Capítulo Catorze
SLOANE
Eu perdi o número de vezes em que estive com medo no último ano.
Não consigo lembrar de uma semana em que não tinha uma razão para ter
medo. Ok, desde que Charlie Holsan morreu e Zeth assumiu a academia, as
coisas estiveram mais tranquilas, mas mesmo essa tranquilidade foi
pontuada por períodos de pânico. Você se pergunta, quanto tempo isso vai
durar? Quanto tempo vai passar antes que algo terrível aconteça? Antes que
a morte bata na sua porta. Eu sei como as coisas funcionam; a morte não
bate. Ela invade a sua casa, invisível, sem o seu conhecimento ou
consentimento. Ela leva sem pedir, e não há absolutamente nada que você
possa fazer. Mas ainda assim, isso não lhe impede de tentar parar o
desastre. Você ainda acaba com as costas pressionadas contra a porta, os
calcanhares cravados no chão, tentando prevenir o inevitável.

Eu pensei que tinha chegado ao limite máximo da capacidade humana


de sentir medo, e ainda assim, quando olho para a pequena vareta de
plástico em minhas mãos, os olhos fixos no sinal cor de rosa de +
preenchendo a minúscula janela do dispositivo, conheço o puro e paralisante
medo que jamais tinha sentido antes.

Grávida?

Como diabos eu posso estar grávida?

Eu sei a resposta para essa pergunta óbvia: eu estava doente. Tomei


antibióticos que acabaram com os hormônios do meu anticoncepcional, e
então tive sexo selvagem e animal com o meu namorado, e ele gozou dentro
de mim. Eu me lembro muito bem desse incidente em particular. Mas não é
isso que eu estou perguntando. Como o destino permitiu que algo assim
acontecesse? Como o universo pôde apenas ficar olhando e ter deixado a
faísca de uma vida crescer dentro de mim quando eu sou quem sou, uma
mulher balançando constantemente no precipício do perigo? Uma mulher
apaixonada por um homem que provavelmente vai acabar baleado e morto
algum dia? Eu sabia no que estava me metendo quando me permiti
apaixonar por Zeth. Eu estava muito ciente dos riscos e perigos, e os aceitei

~ 103 ~
todos porque a recompensa de amá-lo era muito maior que o medo de perdê-
lo. Mas esse pequeno bebê dentro de mim? Esse bebê não faz a menor ideia
de quem é o seu pai. Ele também não sabe quem é a sua mãe. Ele não pôde
nos escolher, assim como eu escolhi Zeth. Parece ultrajante que uma coisa
tão trágica tenha acontecido.

Meus olhos devem ter se confundido. Eu não sei quanto tempo fiquei
encostada contra a parede do banheiro, olhando para o teste de gravidez em
minhas mãos, mas quando finalmente consigo me recompor, meu ombro
está doente loucamente e meus olhos parecem muito secos, como se não
tivesse piscado em muito tempo. Eu quero chorar. Quero sair correndo até o
hospital, pegar mais três testes e então fazer todos eles, rezando enquanto
espero pelo resultado para que o primeiro, de alguma maneira, esteja errado.
Mas isso seria uma perda de tempo. Eu sei que o teste não está errado. O
corpo não mente. Como se para provar um ponto, meu estômago se revira e
eu saio correndo do banheiro e desço as escadas até a cozinha. A casa está
cheia de um silêncio opressivo, como se as paredes estivessem inspirando e
expirando há algum tempo, mas agora pararam, segurando a respiração,
esperando o que vem a seguir.

Eu não tenho a porra da menor ideia do que vem a seguir.

Ernie levanta a cabeça quando eu entro na cozinha. O seu pequeno


rabo balança de um lado para o outro no azulejo como um limpador de para-
brisa enquanto ele me observa encher um copo de água da torneira e beber
tudo de uma vez. Ele faz um som cômico, suas pequenas sobrancelhas de
schnauzer levantadas, a cabeça inclinada para o lado, como se ele estivesse
tentando me perguntar o que está errado.

— Eu vou te dizer o que está errado, amigão. Tudo está errado, porra.
A merda está prestes a bater no ventilador, meu amiguinho peludo, e não
tenho a porra de ideia nenhum de que merda eu vou fazer, — Ernie não
entende porque eu preciso continuar dizendo palavrões sem parar; ele abre a
boca e começa a ofegar. Parece que ele está rindo. — Isso não é engraçado,
— eu digo a ele.

Eu deveria comer alguma coisa. Não coloquei nada no estômago por


horas, e estou me sentindo um pouco tonta, mas sei que assim que algo
entrar, vou colocar para fora outra vez. Já vi muitas grávidas no St. Peter. A
maioria deles sofria de enjoos matinais, e havia poucas sortudas que não. As
mulheres que tinham a constante necessidade de vomitar, pareciam suportar
isso com orgulho triste. Olhe para mim. Eu estou tão grávida que não pareço
conseguir parar de jogar todo o conteúdo do meu estômago por todos os
lugares. Mas não parece que alguma delas tinha esse enjoo, no entanto. Eu
não consigo levantar da cadeira sem querer correr para o banheiro. E nem

~ 104 ~
tente me comprar com bacon. A menor menção a um bacon gorduroso,
salgado e geralmente delicioso faz com que eu sinta a bile subindo como
uma onda pelo meu estômago. Está cada vez mais difícil o fato de que eu
não estou gripada, mas sim muito grávida.

Oh, meu Deus. O que eu vou dizer aos meus pais? Eu deveria estar
casada e acomodada com um neurocirurgião legal quando começasse uma
família. Não deveria estar vivendo em pecado com um ex assassino
profissional. Mas, nesse ponto, não importa o que os meus pais pensam. Só
importa o que uma pessoa pensa, e eu tenho quase cem por cento de certeza
que sei como ele vai reagir quando descobrir.

Ele vai perder a maldita cabeça. Não consigo imaginá-lo como pai. Não
consigo visualizar isso mesmo. Tentei não pensar em como seria quando eu
contasse a ele, porque estou com medo demais para sequer pensar nisso,
mas quando o cenário se empurrou na minha cabeça apesar de todo meu
esforço para manter isso longe, as coisas não acabaram bem. A mobília foi
destruída. Palavras de raiva foram ditas. Lágrimas foram derramadas. Eu o
imaginei me dizendo as piores coisas, sua raiva no limite, seus olhos cheios
de tristeza. Eu não consegui, por outro lado, imaginar o que ia fazer quando
Zeth perdesse a cabeça. Estou feliz que ele está horrorizado pela ideia de ter
um filho? Estou feliz que ele não quer isso? Estou aliviada por não ter que
me tornar mãe? Ou...

Estou com muito medo para considerar o ou.

Se eu não estou feliz nem aliviada, isso significa que estou de coração
partido, e não suporto pensar nessa possibilidade. Eu não posso ter um
bebê. Não posso estar grávida e carregar uma criança dentro de mim. Não
estou pronta. Jamais pensei em ter uma família com Zeth, nem de uma
forma abstrata, porque tal coisa é impossível. Essa vida que vivemos já não é
segura para nós, muito menos para outro ser humano vulnerável e inocente.
Não seria justo. Isso seria cruel.

E ainda assim, uma sombra de dúvida...

Um se...

Sloane Romera: médica.

Sloane Romera: cúmplice.

Sloane Romera: amante.

Sloane Romera: mãe?

~ 105 ~
A ideia cai pesada nos meus ombros; seja uma benção ou uma
responsabilidade, o peso é enorme. Eu só... eu apenas não sei, porra!

— Pare de me olhar assim, Ernie, — seus olhos estão brilhando, seu


rosto se iluminou com pura alegria a partir dessa pequena demonstração de
atenção dada a ele, mas para mim parece que ele está feliz por causa desses
pensamentos traiçoeiros se infiltrando na minha mente. — Você deveria
estar do meu lado, — eu lhe digo. Ele se levanta e vem até mim, levantando
a cabeça para descansar o queixo contra o meu joelho, me olhando com
aqueles olhos castanhos profundos e cheios de alma. Às vezes parece que ele
é mais sábio que a maioria das pessoas que encontro na rua. Ele consegue
dizer tanto apenas com seu olhar.

— Eu não vou contar a ele, — eu digo. — Não vou contar a ele de jeito
nenhum.

Ernie pisca.

— Eu não posso. Você não entende. Como poderia?

A ponta da língua do cachorro sai para lamber toda a volta da sua


boca, então retorna para dentro. — Não é assim tão simples. Muitas
gravidezes não vão adiante, sabe. Seria estúpido dizer a ele tão cedo. Quem
sabe? Pode não dar certo, e então todas as discussões e brigas que nós
teríamos seriam por nada.

Ernie faz um grunhido de desaprovação no fundo da garganta.

— Vou esperar pelo menos um mês, — eu digo, colocando uma


confiança em minha voz que com certeza não estou sentindo. — Um mês é
justo. Um mês não é muito.

Ernie mexe as sobrancelhas de novo, os olhos presos aos meus, seu


rabo ainda balançando loucamente de um lado para o outro. Ele não tem
ideia do que eu estou falando, mas por alguma razão sinto que ele
desaprova. — Olhe, isso não tem nada a ver com você, de qualquer forma.
Tem a ver comigo. Preciso de tempo para processar, ok? E olhar para mim
assim não vai mudar nada.

O som da porta da frente abrindo quase faz meu coração explodir. Eu


entro em pânico, minhas mãos tateando para baixo, procurando por algo...
pelo teste de gravidez. Eu o trouxe para cá comigo? Ele ainda está no
banheiro lá em cima? Que porra eu fiz com essa coisa? Minhas mãos
encontram a vareta no meu jeans, mal cabendo no cumprimento do bolso.
Empurro para baixo o máximo que consigo, puxando minha camiseta por
cima então, esperando que o tecido cubra o bolso, como se meu namorado

~ 106 ~
tivesse visão laser e conseguisse ver através das roupas. Zeth aparece, e todo
o oxigênio deixa os meus pulmões.

Ele está coberto de sangue.

— O que... o que diabos aconteceu? — eu não consigo achar minha


voz.

Ele se apoia contra a parede, olhando para si mesmo. — Bem. Eu


estava indo para o outro lado da cidade quando percebi que estava sendo
seguido. Pensei que fosse Lowell, mas acabou que eram os italianos. A coisa
ficou um pouco feia.

— Os italianos? Os caras de Nova York? — eu me lembro deles ligando


algumas semanas atrás. Naquela época parecia que eles não iam desistir.
Mas eles ficaram tanto tempo sem aparecer que eu pensei que os bastardos
tinham desistido de assediá-lo e decidido deixá-lo em paz. Sério, quão
estúpida é essa suposição? Que porra há de errado comigo? Estar doente e
lidar com toda essa merda do Mason realmente me cegou.

— O que aconteceu exatamente? O que... o que você fez com ele? — eu


odeio fazer essas perguntas, mas preciso saber.

Zeth começa a descrever em detalhes intrincados como ele conteve o


sujeito depois de quebrar o seu nariz e o levou através da cidade até as
docas, onde ele tinha um cara conhecido que colocou o carro do italiano,
com ele dentro, em um contêiner com destino a Nova York. Ia levar três dias
até que o contêiner chegasse na cidade, e até lá o italiano preso dentro da
caixa de metal ia ter enlouquecido. Eu não consigo ver como isso vai acabar
bem. Em cima de todo o resto? Jesus, vai ser uma maravilha se qualquer
um de nós chegar vivo ao próximo mês.

— Eu não queria contar a você, — Zee se afasta da parede, puxando a


camiseta manchada de sangue pela cabeça em um movimento áspero e
incrivelmente sexy. — Mas... você sabe. Sem segredos, — ele diz
bruscamente. Eu amo que ele queira que eu saiba tudo. Ser mantida no
escuro o tempo todo quando nos conhecemos, assim como mais
recentemente, quando ele escondeu a chegada de Lowell, era irritante e
também muito perigoso, e por isso o fato dele querer dividir informações
comigo é reconfortante. Mas maldito seja se o cara não sabe fazer uma
garota se sentir uma merda total.

Ele diz sem segredos, e eu tenho o maior segredo da minha vida


aninado, confortável e quente dentro do meu útero. Porra. Eu deveria contar
a ele. Deveria dizer a ele agora mesmo. Eu tenho que contar. Eu não posso
não contar. Eu...

~ 107 ~
Ele cobre o meu rosto com as mãos, seus dedos cobertos de sangue.
Eu posso sentir o cheiro nele, denso, metálico, esmagador. Meu estômago
revira. — Ok, garota zangada? Você parece... meio pálida, — ele diz. Eu amo
o seu olhar de preocupação. Aqueles olhos castanhos estão brilhando
enquanto ele esfrega os polegares sobre as minhas bochechas. — Você não
deveria estar no trabalho hoje?

Eu balanço da cabeça, envolvendo os dedos nos seus punhos. Se ele


não se afastar logo, o cheiro de sangue vai me fazer vomitar. — Eu deveria.
Mas ainda não estou me sentindo muito bem, — por favor, querido Deus, não
deixe ele pensar que é estranho eu ainda estar doente. Por favor! — Tenho
várias horas extras para gastar, então pensei que poderia tirar o resto da
semana de folga. O RH estava ameaçando me obrigar a tirar uns dias de
licença, então meio que funciona para todo mundo.

Zeth me estuda por um momento com os olhos afiados e inteligente.


De forma lenta, dolorosamente lenta, ele se abaixa, seu rosto chegando mais
perto a cada segundo que passa. Imagino ele me cobrando acerca da minha
meia-verdade. Me sinto uma merda por não contar a ele o que está
acontecendo, depois de todo o meu discurso apenas alguns dias atrás por ele
não ter me dito sobre Lowell. É tão óbvio que estou escondendo alguma
coisa? Meu medo e pânico estão tão claros no meu rosto, escancarados para
ele ver? Eles têm que estar; não sei como eu poderia esconder isso.

Os lábios de Zeth se abrem. Ele vai dizer alguma coisa. Ele vai dizer
alguma coisa...

Ele me beija.

Estou tão surpresa pela pressão suave e gentil dos seus lábios nos
meus, mal fazendo contato, que sinto toda a força sendo drenada dos meus
braços e pernas. Eu me derreto nele, meu peito encontrando o seu, e ele
envolve seus braços ao meu redor, me esmagando contra ele. O ar deixa
meus pulmões em um suspiro longo. Posso sentir os lábios de Zeth se
contraírem quando ele sorri selvagemente contra mim. A ponta da sua
língua passa entre os seus dentes, traçando gentilmente sobre os meus
lábios, e então mais profundo, além dos meus dentes. É ridículo o quão
rápido meu corpo me trai. Minha cabeça gira quando ele me prende, e a
ansiedade dos últimos momentos, inferno, de toda a manhã, está
desaparecendo como se fosse fumaça.

Mundo são milagrosamente criados e chegam a finais catastróficos no


breve momento em que Zeth Mayfair me prende em seus braços. O universo
suspira pela beleza disso tudo. Quando ele se afasta, as írises de Zeth estão
brilhando, cheias de aço. — Você não tem que se preocupar com nada,

~ 108 ~
garota zangada. Você sabe disso, não é? Os italianos estão apenas alongando
as pernas, empurrando para ver até onde eu aguento antes de reagir. Se eles
querem Seattle, podem ficar e ficar com ela. Eles não vão ter problemas
comigo. Eu já disse que estou fora. Nunca mais vou ser o capanga de
alguém. E não quero me envolver com nenhuma merda que pode me levar
para longe de você. Nada no mundo vale isso.

Então ele viu meu pânico. Mas ele o confundiu com outra coisa, no
entanto. Faz sentido que eu esteja chateada pela forma como seu dia correu
até agora; eu não o corrijo. Dou um sorriso fraco, me sentindo como se
estivesse o traindo quando me viro, alcançando embaixo da pia para pegar o
pequeno kit de primeiros socorros que guardo ali.

Abro a pequena bolsa vermelha e pego as toalhas de álcool dentro. —


Eu sei. Me desculpe. Eu não deveria estar preocupada. Sei que tudo vai ficar
bem. Eu acho... acho que estou sendo idiota. Aqui, me deixe limpar suas
mãos.

Zeth grunhe quando eu passo as toalhas de álcool nos cortes dos seus
dedos. Essa parte do nosso dia é praticamente rotina agora, dado a
frequência que ele machuca as mãos na academia. Mas não deixo de pensar
que em algum lugar na saída de Seattle, um contêiner está indo em direção
a Nova York com um italiano muito furioso preso dentro. Essa parte do
nosso dia é definitivamente diferente.

Zeth está quieto, me observando com uma intensidade tranquila e


familiar enquanto eu sigo com a minha tarefa. Eu deveria ter dito a ele um
momento atrás que sei que tudo vai ficar bem, mas pelo tremor das minhas
mãos, não ia fazer um bom trabalho o convencendo de que estou bem. Seu
corpo adquire essa estranha e intimidante imobilidade que sempre aparece
quando ele está pensando com muita concentração. Eu olho para ele,
sorrindo, tentando acalmar a tensão em volta dos meus olhos, mas sei que é
tarde demais agora. Ele envolve os braços ao meu redor, me puxando para
um longo abraço. Tentar esconder essa coisa vai ser difícil, e só está ficando
ainda pior.

Ele sabe que algo está acontecendo.

~ 109 ~
Capítulo Quinze
MASON
A falta de sono realmente fode com a minha agenda. Passo a noite toda
tentando localizar Ben, ligando para todos que consigo pensar, tentando
rastreá-lo, mas o bastardo desapareceu da face da Terra e ninguém parece
saber onde diabos ele está. Mas se alguém souber, não vai me dizer, de
qualquer forma. Millie teve um ataque de tosse durante que quase me matou
de susto, então passei o resto das horas escuras sentado em uma cadeira ao
lado da sua cama, observando-a dormir, observando seu pequeno peito subir
e descer, os sons suaves da sua respiração enchendo o quarto, o que explica
porque eu me sinto um maldito zumbi quando estaciono do lado de fora do
trabalho pela manhã. Eu estou no horário – o que já é um milagre por si só –
mas posso dizer que Mac ainda está irritado comigo quando desço da minha
caminhonete.

— E aí, Mac? — eu bato a porta do carro, me preparando para a onda


de palavras abusivas que ele obviamente está prestes a jogar em mim. Sei
que as coisas estão sérias quando Dave vem dos fundos e se acomoda contra
uma bancada de trabalho, os braços cruzados sobre o peito, a mandíbula
apertada, um olhar severo no rosto. Dave costumava trabalhar em motores
assim como eu, mas ultimamente ele passa cada vez menos tempo nos
turnos da manhã, aparecendo quando o sol está se pondo, pegando as
ferramentas quando eu as estou largando. Não tenho ideia do que Mac o
manda fazer, mas não é nada legal e vai colocá-lo em uma situação de merda
muito em breve.

Quando chega perto, Mac bate as palmas das mãos contra o meu
peito, agarrando a minha camiseta. — Leve o seu rabo lá para os fundos, seu
vagabundo. Nós dois vamos ter uma conversinha.

Porra. De que diabos isso se trata? Muitos cenários passam pela


minha mente. Talvez ele tenha visto Kaya aparecer ontem. Talvez ele tenha
ouvido que estou treinando com Zeth. Mas rapidamente descubro que não é
nada disso. É muito, muito pior. Mac me empurra através da porta estreita
em direção ao pátio que existe atrás da oficina. O chão é coberto por bitucas
de cigarro gastas e pedaços de tijolo quebrado. Mac pega um dos maiores

~ 110 ~
pedaços de tijolo do chão e o joga no ar, pegando-o novamente com a mão
aberta. — Você teve uma visita hoje de manhã cedo, Mason. Alguém que
parecia muito interessada em te achar antes que você começasse a
trabalhar.

— Oh? — eu tento não encarar o tijolo. Tenho a sensação de que vou


ver ele de perto muito em breve.

— Sim. Oh. Essa visitante disse que era uma amiga sua. Eu vi você
falando com ela algumas semanas atrás, aqui do lado de fora da oficina, e
você me disse que ela estava apenas querendo informações porque estava
perdida. Lembra?

Claro que eu me lembro. Eu me lembro muito bem. A primeira vez que


encontrei Lowell, ela saiu do seu carro sem graça com as janelas escuras e
passou os próximos cinco minutos me explicando detalhadamente como ela
ia me foder se eu não a ajudasse. Mac tinha me perguntado sobre isso no dia
seguinte, a suspeita profundamente entranhada em cada linha do seu corpo,
e eu lhe disse que ela era apenas uma turista querendo saber como chegar
ao Pacific Science Center. — Não. Não, eu não posso dizer que me lembro, —
eu minto.

— Bem, ela parece conhecer você, Mason. Ela disse que está tentando
te achar há alguns dias. Mas não teve nenhum sucesso. E ela mulher, ela
disse algo muito interessante antes de ir embora, Mason. Você quer saber o
que ela disse?

Mantenho a boca fechada. Nada que eu faça ou diga vai melhorar essa
situação. O modo de agir mais sabiamente é calar a boca e esperar para ver
o que acontecer. Mac atira o tijolo. Ele voa pelo ar e colida com a parede logo
atrás da minha cabeça, explodindo em minúsculos pedaços de cerâmica e
uma nuvem de poeira vermelha.

— Ela disse que você não estava cumprindo com a sua parte do trato.
Que você não deu a ela nada de interessante nesses últimos dias, — Mac dá
de ombros, as palmas das mãos viradas para o céu da manhã. Parece que
vai chover. Porque diabos eu estou reparando em algo tão arbitrário como o
tempo quando Mac parece prestes a arrancar minha cabeça fora não faz
sentido algum, mas não consigo evitar. — Por que caralho essa mulher
apareceria aqui, falando sobre você dar algo de interesse a ela? Me diga,
Mason, porque eu estou cheio de ideias aqui.

— Eu não sei. Eu não sei de que porra você está falando, —


provavelmente eu não deveria dizer algo tão descaradamente falso. Mac
rosna e se abaixa para pegar outro tijolo. Dessa vez ele me acerta. A dor

~ 111 ~
explode como fogos de artifício na minha cabeça quando o pedaço de
cerâmica é esmagado contra o meu ombro esquerdo.

— Seu merdinha mentiroso. Você foi informante dela esse tempo todo!
— Mac grita. — Eu continuava me perguntando, uma e outra vez, por que
diabos o garoto não aceita um trabalho extra? Por que ele não cede e aceita o
caminho mais fácil? E agora isso... isso deixou tudo muito claro. Não há
porque cruzar a linha entre o certo e o errado, pegar um trabalho extra, se
você já está trabalhando para a polícia, não é mesmo? — outro tijolo voa no
ar. Dave está parado ao lado, observando com uma satisfação sombria
enquanto Mac atira um míssil atrás do outro na minha cabeça. — Ela até
deixou o seu maldito cartão para o caso de você ter perdido o seu número,
seu vagabundo ingrato! — Mac puxa um retângulo branco do bolso de cima
da sua camisa e o joga para mim; ele cai aos meus pés, em meio a poeira e
terra, mas posso ver muito bem as letras pretas em negrito na superfície.

Denise Lowell

Drug Enforcement Agency

Por que diabos ela faria algo assim? Vir até aqui? Na oficina? Ela deve
estar furiosa comigo se pensa que me entregar para Mac, deixando-o ciente
de que estou dando informações para ela, vai me fazer cooperar com as suas
vontades. Suas ações mais provavelmente vão acabar fazendo com que eu
seja morto, porra. Lowell sabe que Mac lida com todos os tipos de merdas
ilegais quando as cortinas de ferro são abaixadas todas as noites. Os carros
roubados que foram repaginados na oficina de Mac são incontáveis. Ela tem
que saber que ele iria assumir que eu estava dando informações sobre ele se
fizesse o que fez; deveria ser seu plano o tempo todo.

Foda-se essa puta maldita.

Se eu a ver outra vez...

Mas não. Eu provavelmente não vou vê-la outra vez. A probabilidade


de que eu nunca mais veja alguém é realmente muito grande, porra. Mac
tem esse olhar no rosto – puro ódio, tão intenso e cru que parece que o
consome inteiro. Eu não vou sair andando daqui hoje. Vou ser jogado no
porta-malas de um dos carros da oficina e ele vai jogar meu corpo morto nas
escadarias da delegacia de polícia. Uma mensagem para aqueles que pensam
que podem trair alguém com Mac e saírem ilesos disso.

~ 112 ~
— Eu não disse nada a ela sobre você, Mac. Que diabos eu poderia ter
dito? Eu não sei nada. Por favor, Mac. Apenas pense nisso, — eu
provavelmente estou gastando saliva, mas tenho que tentar. Eu sou um cara
orgulhoso. Odeio parecer fraco, odeio implorar, mas uma responsabilidade
como a que eu tenho leva um cara a fazer todo o tipo de coisas. Millie é a
única coisa que importa. Se eu não estiver aqui para cuidar dela, quem vai
fazer isso, porra? Ela vai entrar no sistema de adoção, mas que família vai
querer cuidar de uma garotinha de seis anos que vive tendo convulsões?
Nenhuma, essa é a verdade.

Mac bufa, olhando para Dave. — Você consegue acreditar nessa


merda? É totalmente patético. Por que mais uma maldita vadia do DEA
apareceria aqui, cuspindo merda como essa, se não fosse verdade?

Mac é muitas coisas, mas inteligente não é uma delas. — Por que ela
apareceria aqui, cuspindo merda como essa, se fosse verdade? Deus, Mac!
Se eu fosse um informante, trabalhando com ela para tentar te derrubar, ela
teria acabado com o meu disfarce e arruinado toda a operação falando com
você. Ela nunca teria feito isso!

Uma sombra de dúvida atravessa as feições irritadas de Mac. Ele está


pensando, mas não vai ser o bastante. Eu sei que não. Homens como Mac
não poupam a vida de ninguém, mesmo que haja a possibilidade de estarem
errados sobre eles. Eles os matam com as próprias mãos para o caso de
estarem certos.

— Então você nega conhecer ela? — ele cospe. — Você nunca a viu na
sua vida toda?

— Eu conheço ela. Ela esteve me chantageando para ajudá-la. Mas


não é nada com você, no entanto.

— Mentira.

— É verdade. Eles acharam um cadáver nas montanhas. Estão


tentando culpar os caras do outro lado da rua pelo assassinato.

— Mayfair? — Mac parece descrente. Sem dúvidas ele tem o seu


próprio número de cadáveres enterrados nas montanhas na fronteira da
cidade. Sua mente provavelmente está gritando com ele nesse momento,
tentando se lembrar quando e onde as outras vítimas da sua fúria foram
depositadas. — Ninguém seria estúpido o bastante de foder com Mayfair.
Nem mesmo o DEA, — ele estala. — Se você vai mentir, seu merdinha, é
melhor vir com algo um pouco mais possível.

~ 113 ~
Eu bato a parte de trás da minha cabeça contra o muro atrás de mim,
rangendo os dentes. Como diabos vou fazer ele ver a razão? Mac pode ser
bem razoável quando está de bom humor, mas quando ele está de cabeça
quente como agora, não há bom senso que sobreviva, e só vai voltar a
aparecer bem mais tarde, quando ele se acalmar.

— Eles têm uma história, — eu digo. — Ela está atrás dele há algum
tempo. Vá lá e pergunte a ele. Pergunte a Zeth sobre ela, pelo amor de Deus.
Ele vai te dizer que é verdade.

— Ha! De jeito nenhum. Então você está dizendo que ele sabe sobre
essa vadia que quer incriminá-lo por assassinato?

Eu assinto.

— Mas de maneira nenhuma que um homem como ele saberia sobre


isso e ela ainda estaria respirando. De jeito nenhum. Ele é das antigas. Ele é
um dos garotos de Charlie Holsan. Ele é como eu. Você não deixa problemas
como esse andando por aí, criando ainda mais confusão. Você cuida deles
imediatamente e acaba com isso.

Vejo com o canto de olho que Dave está se mexendo


desconfortavelmente de um pé para o outro. Ele está parado na porta,
mantendo um olho nas pessoas que se aproximam da oficina pela rua, ao
mesmo tempo que fica perto para ajudar Mac se eu causar problemas. Nesse
momento, ele parece especialmente desconfortável, como se tivesse algo a
dizer, mas não consegue se pronunciar.

Mac cospe no chão, se abaixando lentamente para pegar outro tijolo.


Ele o passa de uma mão para a outra, me encarando friamente com
desgosto. — Talvez te matar não seja o bastante, Reeves. Depois de toda a
merda que fiz por você, todas as chances que eu te dei, você faz isso comigo?
— balançando a cabeça violentamente de um lado para o outro, ele rosna,
estreitando os olhos. — Não. Te matar não vai ser o suficiente. Talvez Dave
vá fazer uma visitinha para Millie quando nós acabarmos aqui. Parece um
ato de bondade para mim, na verdade. Colocar aquela pobre vadiazinha para
fora da sua miséria de uma vez por todas. O que você acha, Mase? Acha que
vamos estar lhe fazendo um favor?

Meu corpo reage sem permissão. Eu voo para cima do velho, os


punhos levantados, e o acerto com força. Sua cabeça voa para trás, sangue
voando para todos os lados quando seu nariz dá um estalo molhado alto.

— Puta merda, — Dave sussurra. — Você não fez isso.

~ 114 ~
Mas eu não estou ouvindo. Estou cego e surdo para tudo que não seja
o homem deitado no chão à minha frente. Ele não vai poder machucá-la. Ele
não vai poder fazer isso, porra. Não importa como, tenho que garantir que
Mac jamais chegue a malditos três metros de distância de Millie. Algo em
minha mão, algo irregular e áspero contra a minha pele áspera: um de tijolo
quebrado. Como são as coisas. Quando Mac estava jogando tijolos em mim
agora a pouco, não estava mirando direito. Ele estava tentando me assustar,
tentando me fazer admitir algo que o condenasse. Quando eu jogo o tijolo, no
entanto, estou mirando diretamente entre os olhos do bastardo. Ele vê isso
chegando quando já é tarde demais. Mac grita quando o tijolo faz contato,
segurando as mãos na frente do rosto. Mas eu não paro aí. Pego outro tijolo
e outro e outro, jogando todos eles com tanta força que tenho na sua cabeça,
até que suas mãos caem e sua carne é uma bagunça sangrenta.

Não consigo ouvir nada além do som do sangue correndo em minhas


veias.

E então:

— Mason? Mason! Puta que pariu, cara, pare! Você vai matar ele! — as
mãos de Dave estão em mim, rasgando as minhas roupas, tentando me fazer
volta à razão, mas estou dominado por um poder maior do que eu. Dave não
é um homem pequeno, e ainda assim ele demora para conseguir prender
meus braços ao lado do meu corpo. — Porra, Mase, ele não ia te matar. Você
sabe que não.

— Mentira! Ele ia me matar sem nem pensar suas vezes, caralho. Você
ia ficar ali parado, olhando ele fazer isso, seu doente da porra! — eu me puxo
para fora do seu alcance e o empurro para longe de mim. — Não toque em
mim, caralho. Não se atreva!

Dave parece chocado. Mac está inconsciente no chão, e sua respiração


é difícil. Seu nariz está quebrado e o dedo indicador da mão esquerda está
praticamente pendurado, a pele tão cortada que é possível ver o osso. —
Merda, Mason. Você realmente se fodeu. Você acha que ele vai pegar leve
com você agora? Você é a porra de um doido!

— Eu não ligo se ele vai pegar leve, cara. Deixe que ele venha. Eu vou
terminar o trabalho da próxima vez, — se eu ficar aqui mais um minuto,
Dave vai se recompor e me prender aqui antes que consiga fugir. Eu passo
por ele batendo no seu ombro, pronto para me virar e lutar de novo se for
preciso, mas Mac começa a tossir e cuspir de repente, fazendo ruídos
patéticos, e Dave corre para o seu lado, chamando o seu nome.

Meus olhos não veem direito até que já andei meio caminho pela rua,
meus pés já marchando na direção da academia. O local está fechado, no
~ 115 ~
entanto. As cortinas de ferro estão abaixadas. Eu posso entrar facilmente,
claro, mas se Zee ou Michael não estão aqui, qual seria o ponto?

Eu me viro e pulo na minha caminhonete, acelerando pelas ruas antes


que mais alguma merda aconteça. Eu não sei para onde estou indo, mas sei
de uma coisa: eu não estou mais seguro. Minha vida está em perigo, e é tudo
culpa de Lowell. Eu vou fazer ela pagar. Eu vou fazer ela pagar pelo que fez
comigo.

***

É tarde. Passei toda a tarde tentando achar Ben outra vez – dessa vez
tanto pelo meu bem quanto pelo dele. Nenhum sucesso, no entanto. Ele
parece ter desaparecido da face da Terra, e eu não posso deixar de me
preocupar que talvez os caras do French’s já tenham o encontrado primeiro.

Eu tenho mais sorte com Lowell. Seguindo o rastro de mensagens de


texto agressivas que eu enviei para o maldito telefone que eu sei que ela
sempre tem no bolso da calça, finalmente recebo uma resposta:

2134 W Renshaw

É tudo que diz. A primeira linha de um endereço. Eu jogo a informação


no meu celular e traço uma rota até o lugar, então saio queimando pneu,
minhas mãos coçando loucamente enquanto tento estrangular o volante. O
endereço, como se vê, é uma farmácia de aparência inofensiva nos arredores
da cidade – um estabelecimento 24h que parece vender de tudo e nada ao
mesmo tempo. Encontro Denise na ilha de higiene feminina.

— Então você está menstruada? É por isso que você resolveu destruir
a porra da minha vida? — eu a agarro pelos ombros e a empurro com força.
Ela cambaleia para o lado em uma prateleira alta cheia de pacotes brilhantes
roxos e cor de rosa de... só Deus sabe. No final do corredor, uma jovem
mulher de rabo de cavalo, usando um uniforme verde, me olha cheia de
desaprovação.

— Cuidado, — Lowll adverte, ajeitando o seu terno. — Você não quer


irritar os nativos. Isso não vai acabar bem.

~ 116 ~
— Você é uma puta doente, sabia? — eu quero arrancar a sua cabeça
fora, mas esmagar o crânio de Lowell vai me trazer várias consequências
negativas, assim como dar uma surra em Mac. Atacar Lowell só vai acabar
de um jeito: comigo cumprindo uma sentença muito longa em uma prisão
muito perigosa. Tenho que apertar as mãos em punhos, enterrando as
unhas em minhas palmas para me impedir de soltar minha raiva nela. —
Não tenho certeza do que você queria que acontecesse quando decidiu ir à
oficina de Mac, mas vai ficar feliz em saber que eu praticamente consegui
uma recompensa pela minha cabeça, perdi o emprego e vou ter que tirar
Millie da escola para aqueles bastardos não tentarem matá-la também. Está
feliz? Você está feliz, porra?

Lowell coloca o cabelo atrás da orelha. Geralmente ela o usar bem


presto perto da cabeça, mas hoje seu cabelo loiro na altura dos ombros está
solto. Isso a deixa menos dura, de alguma forma. Mas eu seria um idiota de
ser enganado por esse leve movimento de mão, no entanto. Ela é tão dura
quanto alguém pode ser, e se orgulha muito desse fato. — Se existe uma
coisa que você precisa saber sobre mim, Sr. Reeves, é que eu só estou feliz
quando estou prendendo um criminoso. Você me deixou muito infeliz ao não
me dar nenhuma informação útil sobre Mayfair. Em troca, eu te deixei muito
infeliz. É como esse acordo funciona, ok?

— Não, não está ok, — eu me inclino, sibilando para só que ela me


ouça. — Eu acabei de perder todos os meios de manter minha irmã vestida,
alimentada e com um teto sobre a sua cabeça. Você tem alguma ideia do que
fez?

— Sim, eu tenho. Eu te motivei, Mason, — ela coloca a mão dentro do


bolso do seu paletó e pega um envelope branco. Pressionando-o contra o
meu peito, ela levanta as sobrancelhas. — Pagamento por uma semana. Não
o bastante para você ficar complacente, mas o suficiente para pagar algumas
contas. Se você quiser mais dinheiro, precisa me dar algo para trabalhar. Me
dê algo excelente que possa colocar Zeth no lugar que ele merece e eu vou te
dar um pagamento de seis meses. Como você poderia cuidar de Millie com
isso? Pagar pelos seus remédios? Comprar o seu Pokémon, ou seja lá do que
as crianças brincam hoje em dia, — ela me dá um olhar intenso. — Você vê,
eu posso ser muito benevolente quando estou de bom humor. Mas eu
também posso jogar quem eu bem entender debaixo de um ônibus se isso
significa que estou mais perto de alcançar meu objetivo. Entendido?

Merda. Ela vez virtualmente impossível para mim fazer qualquer coisa
que não seja seguir a sua cartilha. Eu pego o envelope e olho dentro. Tem
sete notas de cem dólares dentro – eu não sei o que ela pensou que Mac
estava me pagando por semana, mas ela acabou de me dar um aumento de

~ 117 ~
cinquenta por cento. Considero as notas dentro do envelope, tentando
imaginar como fazer isso direito, mas não consigo. Essa vadia me deve. Ela
tomou o meu sustento, então ela me deve muito. E ainda, esse dinheiro é
sujo, parece sujo, me faz sentir sujo. Eu quero jogá-lo na sua cara.

Em vez disso, o guardo no meu bolso.

— Vou conseguir o que você quer, — eu digo a ela. — Não parece que
você me deu muita escolha.

Lowell me dá um terrível e presunçoso sorriso que me deixa nauseado


na mesma hora. — Bom garoto, Mason. Fico tão feliz que você recuperou o
bom senso.

Eu saio da farmácia antes que eu saia atrás de algo cáustico o


bastante para matar ela. Preciso saber se Millie está segura. Mac vai estar a
caminho da guerra – se estiver vivo, claro – e vai querer vingança. Ele é um
doente fodido. Sem dúvida alguma, ele jogaria toda sua raiva em uma
criança inocente se tivesse a oportunidade. Ele sabe que minha irmã fica
com uma babá, mas felizmente eu nunca mencionei com quem eu a deixo.
Ligo para Wanda, e ela confirma que Millie está sã e salva, um pouco
cansada, mas bem.

A chave está na ignição, pronta para ser virada, e minha mão está na
alavanca de mudança de marcha, pronta para me colocar em movimento,
quando vejo Lowell sair da farmácia e atravessar a rua, correndo em direção
a uma SUV azul bastante despretensiosa, o tipo de carro genérico que você
nem notaria dado o mar de SUV's genéricas que andam por aí. Ela pula no
banco do motorista e coloca o cinto de segurança; durante todo o tempo,
minha cabeça não para de pensar. Tique, tique, taque. Eu não sei quando
decido segui-la. Na verdade, não é uma decisão consciente. Só quando paro
do lado de fora de uma casa modesta de dois andares em Greenwood, e
Lowell entra nela, é que percebo o que fiz. Porra. Se ela me visse a seguindo,
eu estaria morto. Mas eu fui cuidadoso. Tive certeza de ficar alguns carros
para trás, nunca na mesma pista, a menos que fosse absolutamente
necessário.

As luzes são acesas dentro da casa. Movimento: uma sombra anda de


um quarto para o outro, e então as luzes da entrada e do andar de cima
também se acendem. Lowell aparece na janela por um segundo, uma xícara
de café na mão. Ela fecha uma cortina, que cobre o vidro à sua frente, e
então a outra. Para todo o mundo, parece que Denise Lowell acabou de
chegar em casa e está se acomodando para a noite.

E agora eu sei onde ela mora.

~ 118 ~
Capítulo Dezesseis
SLOANE
— Como diabos você pode ser tão irresponsável? — Oliver tira suas
luvas de borracha e as atira dentro do lixo de material biológico ao lado da
porta. — Eu... eu nem sei o que dizer, Sloane. Eu só não consigo... acreditar,
porra...

Eu sabia que ele não ia reagir bem, mas não fazia ideia de que ele ia
ficar sem palavras. O exame de sangue que ele acabou de fazer confirmou de
uma vez por todas que eu estou grávida, e ele não está nada feliz com essa
revelação. — Você já pensou nas suas opções? — ele pergunta. Ele está de
costas para mim, então não consigo ver seu rosto. Mas posso imaginar, no
entanto: muita decepção e preocupação ali.

— Minhas opções? — eu sei muito bem do que ele está falando. Se eu


pensei se quero ficar com o bebê, ou se quero tomar outro caminho? Dar um
fim a isso. Pensei nas duas opções sem parar, mas admitir isso para Oliver
parece errado. Ele suspira, seus ombros caindo. Se virando, ele se inclina
contra a mesa atrás dele, cruzando os braços sobre o peito.

— Não, Sloane. Apenas pare. Isso é um insulto à minha inteligência.


Me deixe te ajudar com essa decisão. Você sabe tão bem quanto eu que você
está no auge da sua carreira. Você acha que ainda vai ser capaz de fazer sua
especialização se estiver grávida? Trabalhar na área de trauma é extenuante
no melhor dos dias. E depois que você tiver o bebê, como vai ser? Você acha
que vai ser capaz de dar conta de tudo, trabalhando dezesseis horas por
tudo enquanto tem um recém-nascido para cuidar o dia todo? Você ficaria
louca se perguntando se ele está bem. E não seria capaz de manter o foco.

— Eu não traria um bebê para o trabalho, Oliver.

— Ha ha!

— Por que ha ha?

— Por que você realmente pensa que seria capaz de deixar seu bebê
recém-nascido em casa com o pai enquanto passa o dia todo no trabalho, e
isso é... isso é...

~ 119 ~
— É o que, Oliver? — minha pele está formigando. Posso sentir minha
raiva crescendo. Eu não gosto do seu tom de voz, ou do olhar de desprezo
estampado em seu rosto.

Oliver solta um suspiro exasperado. — Você não vai me dizer que acha
que Zeth é o exemplo perfeito de pai dono-do-lar, Sloane. Ele não faz a
mínima ideia de como cuidar de uma criança. Eu sei que não sou o maior fã
do cara desde que você começou a sair com ele, mas isso não tem nada a ver
com o que estou dizendo. É preciso ser um certo tipo de cara para ficar em
casa e cuidar das crianças enquanto sua namorada ou esposa sai para
trabalhar. Eu sei com certeza que não poderia fazer isso. O que faz você
pensar que um homem com Zeth poderia? Ele dificilmente é um tipo de
pessoa carinhosa, cuidadosa e compassiva.

— Vá se foder, Oliver, — eu puxo a minha jaqueta e a visto


furiosamente. — Eu não vim ver você para ser julgada, ok? Eu vim porque
você é meu amigo, e pensei que você faria seu trabalho como médico e seria
imparcial.

— Porra, eu não posso ser imparcial, Sloane. Claro que não posso. Eu
sou seu amigo, e como seu amigo estou dizendo uma verdade dura, porque
acho que você precisa ouvi-la. Acho que você já sabe disso tudo, que ter um
bebê vai acabar com a sua carreira, que Zeth não vai ganhar nenhum
prêmio de pai do ano, e você veio até mim exatamente porque sabia que eu
não ia poupar nada.

— Isso não é verdade, — eu não consigo dizer mais nada, porque estou
tão perto de chorar que minha garganta está fechada. E também porque
parte de mim sabe que ele está certo. Parte de mim queria vir aqui ouvir ele
me dizer tudo isso, então eu poderia obrigar minha cabeça a concordar e me
resignar com o fato de que ter um bebê agora é a pior coisa que eu poderia
fazer.

A raiva de Oliver diminui enquanto ele me observa lutar para não


explodir em lágrimas. Ele vem e senta ao meu lado na maca, colocando sua
mão levemente sobre a minha. — Olhe. Eu não quero ser um babaca, ok.
Não quero que você pense que eu não vou te apoiar, porque eu vou. Sempre.
Se você quiser ter esse bebê e quiser continuar trabalhando, que seja, você
sabe que eu vou te apoiar. Vou fazer todo o possível para tornar a vida mais
fácil para você. Vou trocar fraldas. Vou dar mamadeira. Vou ser o melhor tio
honorário que essa criança vai ter. Eu até juro nunca mais dizer uma
palavra sobre Zeth. Vou fazer tudo isso por você, Sloane, eu prometo. Se é
isso que você quer, então você vai ter. Mas a questão é... — seus olhos estão
fixos nos próprios sapatos. As luzes acima de nossas cabeças refletem no
couro polido do seu Oxford, brilhando. — Eu não acho que é isso que você

~ 120 ~
quer, e acho que você se sente terrível por isso. Mas você tem que saber que
fazer o certo para você nem sempre é errado, ok? Às vezes é a melhor opção.
De qualquer forma, como eu disse, eu estou aqui. O que você tem que fazer
agora é tomar a sua decisão.

***

— Zeth? — minha voz ecoa dentro do espaço amplo e aberto da


academia. Está escuro lá fora, e as luzes fracas, suspensas muito acima do
chão de concreto, iluminam apenas o suficiente para criar sombras
estranhas, compridas e misteriosas contra os equipamentos. A porta do
escritório de Zeth está fechada, o que geralmente significa que ele está fora,
embora a cortina de ferro ainda esteja levantada, e um rádio esteja tocando
baixinho em algum lugar, o que significa que alguém está por aqui. Encontro
Michael em uma pequena sala com máquinas de levantar peso, fora da área
principal da academia, suando profusamente enquanto malha. Ele sorri
quando me vê.

— Veio me desafiar para alguns rounds na jaula, Dra. Romera? — ele


pisca. — Zeth já foi para casa. Devo assumir que você está procurando por
ele, e não por mim?

— Sim, eu só pensei que ele ainda pudesse estar aqui. Esqueça. Eu


vou voltar para casa e encontrar ele lá.

— Está tudo bem? Você parece um pouco... — pobre Michael. Ele não
quer ser grosseiro; mas é muito óbvio que eu estou em péssimo estado, no
entanto.

— Exausta? — eu digo, tentando ajudá-lo. — Sim, essas últimas


semanas foram difíceis. Mas eu vou ficar bem. Provavelmente só preciso de
uma boa noite de sono.

Michael se senta e passa uma toalha ao redor do pescoço, usando-a


para secar a cachoeira de suor que escorre pelos seus ombros e pelos
braços. Sua camiseta justa também está encharcada, se prendendo ao seu
abdômen, mostrando a parede de músculos que ele tem ali. Isso é estranho –
desde que me envolvi com Zeth, eu nunca mais olhei para outro cara. Nem
uma vez. Mas eu também não sou cega. Posso ver que Michael é além do
gostoso. Com esse tom de pele quente e bonito e os olhos azuis brilhantes,
ele é alguém bastante impressionante de se olhar.

~ 121 ~
— Sabe, quando você passa muito tempo com alguém como eu já
passei com Zeth, começa a conhecê-los muito bem, — ele diz, abrindo uma
garrafa de água. — E eu sei que você ama ele, Sloane. Eu sei que você faria
tudo por ele. Mas você precisa aprender a confiar nele.

— Me desculpe? — suas palavras estão fora de contexto, mas ele tem


aquele olhar que me faz pensar que ele sabe. Mas ele não pode saber. De
jeito nenhum é possível que ele saiba. Ele sorri tristemente.

— Você já confiou nele para salvar sua vida mais de uma vez, garota.
E acredite ou não, ele confiou em você para salvar a dele algumas vezes,
também. Eu nunca pensei que veria esse dia. Mas agora você tem que
confiar nele para te apoiar, Doc. Parece que isso deveria ser mais fácil do que
todo o resto que você já vez, eu sei, mas entendo. Às vezes é difícil depositar
nossa fé em alguém. Contar com outras pessoas. É muito mais fácil assumir
como o outro vai reagir a algo, mas às vezes a realidade pode te surpreender.
Deixe que ele te surpreenda, Sloane.

Eu sopro ar, estufando as bochechas. Meus olhos estão lacrimejando,


minhas palmas estão suadas. Não tenho ideia do que deveria dizer para isso.
Eu não sei como reagir. Finalmente eu digo, — Eu confio nele. Claro que
sim, — eu rio. Minha voz está tremendo pra caramba. — E cara, não me fale
sobre deixar Zeth me surpreender. Ele me surpreende todos os dias.

Michael bebe toda a água da garrafa que está segurando. Ele a esmaga
com uma mão e a atira no lixo do outro lado da sala. Ficando de pé, ele
então faz algo estranho. Ele dá alguns passos, fechando o espaço entre nós,
e envolve os braços ao meu redor, me dando um abraço apertado. É tão
inesperado que eu não sei o que fazer primeiro. Eu só fico ali, minhas mãos
pressionadas contra os lados do meu corpo, meus olhos ainda estão ardendo
enquanto ele me segura. Depois de um momento, eu me solto e o abraço de
volta. Parece um alívio. Parece que estou deixando a situação correr por
mim, em vez de tentar, com tanta dificuldade, segurá-la. Fecho os olhos e
choro. Michael não diz uma palavra sobre o fato de que estou fungando
como um bebê na sua camiseta molhada de suor. Ele só esfrega uma mão
para cima e para baixo nas minhas costas, permanecendo em silêncio, e é
exatamente disso que eu preciso.

Parece que nós ficamos assim por um longo tempo.

— Lacey era como uma irmã para mim, Sloane. Ela era minha família.
Você cuidou dela, e cuidou como se ela fosse da sua família, também. Então
não importa o que aconteça na sua vida, saiba que vou estar lá para você,
Doc. Nunca se esqueça disso.

~ 122 ~
Capítulo Dezessete
MASON
— Você está brincando comigo? Cara, três segundos atrás você estava
me dizendo que não ia para LA de jeito nenhum. Agora você está aqui me
dizendo que vai? — Ben não está usando nada além da sua cueca boxer e
uma mancha de batom rosa vibrante no estômago. Eu estremeço ao pensar
onde mais ele pode estar pintado de rosa. Seu apartamento tem cheiro de
sexo, o que quer dizer que cheia como se Ben estivesse aqui trancado pelos
últimos três dias, sem atender o telefone, sem abrir uma maldita janela para
renovar o ar, enquanto ele se divertia com mulheres de moral duvidosa.

Passo por cima de uma caixa cheia de comida chinesa, tentando não
respirar pelo nariz. O cara é um maldito animal. — Eu não estou dizendo
que vou. Estou dizendo que você tem que ir. Você é um maldito grande
imbecil, Ben. Você sabe que os caras do French’s estão atrás de você, certo?
Você não leu suas mensagens?

— Ah, eu li todas. Cara, você está em pânico por nada. Johnny não
está puto. Lutadores fazem essa merda o tempo todo. De jeito nenhum eles
vão vir atrás de mim por causa de uma pequena trapaça.

— Eles tentaram matar Jameson Rayne, cara. E ele é o lutador de


ouro dos caras. Se eles podem matar ele, não vão pensar duas vezes sobre
matar você.

Ben faz um som incrédulo, acenando uma mão então empurra a pilha
de copos e pratos sujos sobre o balcão da cozinha com a outra. — É só as
pessoas falando merda, Mase. Eles nunca iriam atrás do Rayne. Você quer
café?

— Não, eu não quero café. Eu quero que você me escute. A irmã de


Rayne me contou que uns caras grandões foram até a casa dela com a total
intenção de acabar com ele. Eles quebraram todo o apartamento, destruíram
o lugar. Ela não estava mentindo. Por que ela mentiria?

~ 123 ~
Bem interrompe a sua missão de conseguir uma xícara limpa. Ele olha
para mim com os olhos apertados. Finalmente, uma leve faísca de apreensão
está se formando em seus traços. — A irmã dele te disse isso?

— Ela disse. E ela disse que eles também estavam atrás de você. Não
apareceu ninguém aqui te procurando?

— Talvez uma ou duas vezes. Mas eu estava totalmente bêbado. E


ocupado. Muito, muito ocupado. Eu não queria exatamente ser incomodado.

Porra. Estou surpreso por eles não terem colocado a maldita porta
abaixo. Coloco uma mão no ombro nu de Ben, tentando não pensar sobre a
última vez que ele tomou banho e há quanto tempo isso tinha sido. — Eu
tenho um milhão de coisas para resolver agora, B. Não tenho tempo para
ficar aqui debatendo se você está para ser assassinado e cortado em
pedacinhos por alguns caras furiosos, porque eu tenho um monte de caras
que querem me cortar em pedacinhos, também. Então, por favor, você pode
apenas arrumar uma mala, enfiar suas merdas dentro e dirigir agora mesmo
para o maldito aeroporto?

Mac está no hospital. Eu liguei mais cedo, fingindo ser o seu filho, e a
enfermeira de plantão me disse que ele estava inconsciente no momento,
mas os médicos achavam que ele tinha uma boa chance de se recuperar.
Enquanto o filho da puta estiver apagado, eu estou bem. Ele não pode
mandar os caras, os caras com quem eu costumava trabalhar, me acharem e
acabarem comigo. Essa é a única razão pela qual eu estou aqui,
conversando com Ben, em vez de estar lidando com os meus próprios
problemas. Eu vou ter que encará-los mais cedo ou mais tarde, mas no
momento tirar melhor amigo do perigo é minha prioridade.

Ben olha sem expressão para o apartamento, como se ele tivesse


perdido a fala. — Eu achei que ia ter um pouco mais de tempo para fazer
essa transição, Mase. Quero dizer, preciso falar com o meu senhorio...

— Confie em mim, o senhorio não vai dar a mínima para a sua quebra
de contrato. Vou cuidar para que suas coisas vão para algum contêiner de
armazenamento. Você tem que ir. Agora.

Então ele faz a sua mala. Ele joga algumas roupas e suas luvas de
boxe na maior mochila que consegue encontrar, e depois abre um pote de
café sobre a sua TV quebrada e pega um grande maço de dinheiro. Deve ser
o que ele ganhou da luta com Rayne. Isso vai para a mochila, também.

Nós não falamos enquanto dirigimos até o aeroporto. Não há nada


mais a dizer. Ele é meu amigo há tanto tempo. Vamos continuar a ser
amigos por muitos anos, tenho certeza. Estou me coçando para contar a ele

~ 124 ~
sobre Mac. Sobre Lowell. Sobre Zeth. Eu gostaria de poder contar tudo, cada
detalhe maldito, mas se eu fizer isso o desgraçado não vai querer ir a lugar
nenhum, ele vai insistir em ficar para me ajudar a arrumar toda essa
bagunça. Mas isso não vai ajudar ninguém. Só vai deixar as coisas mais
complicadas.

É surpreendemente fácil conseguir um voo para Ben. Eu lhe dou um


abraço de despedida, pedindo que ele mantenha a cabeça baixa por um
tempo, e ele jura que vai. Mas eu conheço o cara. É quase impossível para
ele manter a cabeça baixa. Ele vai se meter em todo tipo de merda na
Califórnia assim que as rodas do avião tocarem o solo. Estou torcendo para
que ele seja mais esperto e não se meta com algo tão estúpido quanto
trapaça nas lutas por lá. Enquanto ele sobre as escadas e desaparece pela
entrada da segurança, um raio de inveja me atravessa. Se eu não tivesse que
cuidar de Millie, seria muito fácil desaparecer por aqueles portões com Ben e
nunca mais pisar em Seattle outra vez. Eu nunca me ressenti dos problemas
da minha vida – mesmo agora eu não me ressinto – mas às vezes é legal pra
caralho imaginar como poderia ser. Ser livre. Ser irresponsável. Agir como
um garoto idiota de vez em quando e pensar somente em me satisfazer.

Esses pensamentos ainda estão correndo pela minha cabeça trinta


minutos depois, quando envio uma mensagem para Kaya, agradecendo a ela
pela dica e avisando que Ben foi embora. Ela me responde quase
imediatamente.

Kaya: Venha aqui. Você pode me agradecer pessoalmente.

Está tarde. Wanda está com Millie – eu liguei de hora em hora para ver
se ela está bem e, aparentemente, ela está dormindo muito. É um bom sinal.
Significa que ela está recarregando as energias. Faço uma rápida ligação
para ver como ela está outra vez – ela está ok – e então faço outra ligação
para o hospital. Mac ainda está inconsciente. Eles estão um pouco mais
preocupados com ele dessa vez; ele já deveria ter acordado. Eles estão
planejando fazer outra tomografia computadorizada para ver se seu cérebro
está inchando. Essas notícias não me atingem com a força que a deveriam.
Eu que coloquei Mac no hospital, afinal de contas. Sou responsável pelo fato
de que ele pode não acordar tão cedo ou talvez nunca mais. Mas não consigo
me sentir mal por isso. O cara é um completo psicopata, e não há dúvidas
das suas intenções comigo essa manhã. Ele não ia me dar apenas uma
advertência verbal e me deixar sair andando. Ele estava planejando algo um
pouco mais permanente, e eu reagi à altura.

~ 125 ~
Matar ou morrer. É assim que a vida vai ser daqui para frente.

O peso do dia recai sobre os meus ombros. Ir ver Kaya provavelmente


não é a coisa mais inteligente a fazer agora, mas a inteligência voou pela
janela há muito tempo, e eu meio que preciso disso. Preciso ser um cara
jovem e irresponsável. Preciso ir lá beijar a garota que eu gosto, e eu preciso
esquecer, só por um segundo, o fato de que a minha vida se tornou essa
merda.

Envio uma mensagem para Kaya pedindo o seu endereço. Ela


responde com nada mais que os detalhes que preciso para chegar lá, o que
me faz pensar que ela não está tão surpresa que eu estou indo. Ela é um
tipo de garota persistente. Não dei a ela nenhum motivo para acreditar que
alguma coisa ia acontecer entre a gente, mas mesmo assim ele sempre
parecia bastante confiante de que, eventualmente, algo ia acontecer.

Não consigo tirar da minha cabeça a imagem dela chupando a bala


vermelha. Estou pensando demais nisso enquanto corro através de Eastlake.
Meu pau já está duro quando paro em frente ao prédio de apartamentos. Sei
imediatamente qual é o dela pela janela quebrada no segundo andar –
obviamente, foi por ela que Jameson atirou o cara. Oh, merda. Jameson.
Kaya mora com o irmão, e eu estou prestes a entrar e transar com ela? Com
uma maldita ereção saltando da minha calça? Que diabos há de errado
comigo?

Eu não vou a lugar nenhum até que meu pau comece a se comportar.
Se algum cara que eu vi lutando nos mercados La Maison aparecesse na
minha porta, mostrando um pau duro do tamanho do mastro de uma
bandeira, querendo sair com a minha irmã? Eu não consigo nem pensar
nisso. Eu ia lhe dar uma surra tão grande que ele ia sair chorando e pedindo
pela mamãe, e nunca mais ia chegar perto da minha irmã outra vez.

Fecho os olhos e penso em Denise Lowell. Quando conheci a mulher,


pensei que ela era gostosa. Seu corpo é lindo, e todo aquele cabelo loiro faz
você pensar que ela poderia estar na capa da Sports Illustrated 6 ou algo
assim. Mas depois de passar cinco minutos com a vadia, eu já a odiava e não
podia ver a hora de ir embora. Agora, o simples pensamento dela chegando
perto de mim, é o suficiente para fazer minha ereção murchar em questão de
segundos. Meu pau praticamente estremece de dentro para fora.

Empurro para longe todos os pensamentos sobre red vines, saio da


caminhonete e vou até o prédio. A porta vibra para eu entrar sem uma
palavra depois que aperto no botão do apartamento 23, e então ali está ela,

6 É uma revista de saúde e boa forma que apresenta na capa, em geral, pessoas muito em
forma, com o corpo muito bonito.

~ 126 ~
Kaya, inclinada contra a pálida pintura bege do corredor do segundo andar,
esperando por mim. Ela está usando um vestido preto justo que mal cobre a
parte de cima das coxas, e um batom vermelho vibrante cobre os seus lábios
perfeitos. Seu cabelo está todo revirado, mas não de um jeito descuidado. É
de um jeito paguei trezentos dólares por esse corte.

— Você vai sair? — eu pergunto. Parece que ela está prestes a ir comer
em um restaurante caro ou algo assim. Eu ainda estou com as roupas que
saí para trabalhar hoje de manhã, o que significa que estou usando um
jeans manchado de graxa, uma camiseta desbotada e minha jaqueta preta
de couro. Não parece que eu deveria estar em qualquer lugar perto dela.

— Não. Acabei de voltar de um encontro, — ela me diz.

Demoro um segundo para processar isso. Um encontro? Ela está


falando sério? Pela sua expressão, ela está falando sério. E eu deveria reagir
a isso? Sinto que eu deveria estar irritado ou algo assim, mas honestamente,
como eu poderia? Ela não é minha namorada. Nós nem tivemos alguns
encontros. Independentemente disso, o pensamento dela saindo com outro
cara faz meu nível de ciúmes voar bem alto.

— São apenas nove e meia, — eu digo, fazendo todo um show para


olhar a hora no meu telefone. — As coisas não foram bem?

— Elas foram ótimas, obrigada. Tive um ótimo encontro.

— E ainda assim você está em casa, prestes a colocar o pijama? Não


parece o final de um encontro bem-sucedido para mim.

Kaya dá de ombros, se afastando da parede, acenando para que eu a


siga. — Eu estou muito longe de colocar o pijama, Mason Reeves, — ela me
leva pelo corredor e abre uma porta à direita; parada de um lado, ela abre
espaço para que eu atrás dela. — Jameson está no trabalho, — ela diz. —
Ele provavelmente só vai voltar em algumas horas. Você deveria ficar e
conhecer ele direito. Se você aguentar o inferno que ele vai te fazer passar
assim que entrar pela porta, talvez ele não te mate.

— Isso parece promissor.

— Na verdade, ele não é tão protetor quando você pode pensar. Ele
geralmente se importa com os seus próprios negócios, e me deixa cuidar dos
meus.

— Então ele não vetou o cara com quem você saiu hoje?

Ela ri. — Você parece muito preocupado com o fato de que eu acabei
de voltar de um encontro, Mason. Isso te incomoda?

~ 127 ~
— Talvez um pouco. Não deveria?

Ela balança a cabeça. — Eu vou a muitos encontros com Richard. Eu


gosto de conversar com ele. Ele tem muitas coisas interessantes a dizer.

Richard. Parece o nome de um homem mais velho. Não conheço


nenhum cara da nossa idade chamado Richard. — Então você está saindo
com o Dick 7 , hm? Tenho certeza que deve ser pura emoção, — eu não
consigo deixar de ser mesquinho. Kaya me leva para dentro do apartamento
– que está praticamente vazio. A parte de cima de uma grande mesa de
jantar de pinho está apoiada contra a parede ao lado da televisão, dividida
em três pedaços. Fragmentos de uma cadeira quebrada estão espalhados
pelo chão. É um milagre a TV estar intacta, dado que quase todos os móveis
do lugar estão danificados de alguma forma.

— Richard é meu professor da faculdade. Nós jantamos e gostamos de


conversar uma vez por semana, — Kaya diz.

— Ah. Então vocês têm um relacionamento professor/aluna.

— Nós somos física e emocionalmente atraídos um pelo outro, mas só


damos vazão aos nossos desejos de sermos intelectualmente íntimos.

— Então vocês não transam.

Kaya sorri, seus lábios vermelhos se torcendo de um jeito muito


prazeroso que me faz pensar em beijá-la. — Não. Nós não transamos.

— Por que não?

— Porque não seria ético. Ele está em uma posição de poder. Eu sou
sua aluna. É contra as regras da Universidade ele se envolver fisicamente
com alguém que ele ensina.

— Mas você quer dormir com ele?

— Eu quero dormir com você, Mason. Eu às vezes quero dormir com


outras pessoas, também. Eu sou uma pessoa muito sexual. Mas não quer
dizer que eu realmente faça isso, no entanto.

— Talvez você devesse, — eu sempre acreditei que as mulheres


deveriam poder dormir com quem elas quisessem. Desde que não haja
traição ou atitudes desonestas envolvidas, e tudo seja seguro, uma garota
deveria poder explorar a sua sexualidade e ter tantas aventuras quanto os

7 Dick é tanto diminutivo de Richard quanto uma gíria para os genitais masculinos.
Também pode ser usado para chamar alguém de idiota. Enfim, ele faz um trocadilho para
zoar o cara com quem ela está saindo.

~ 128 ~
homens 8 . Porém, quando eu penso em Kaya chupando Richard, seu
professor da faculdade, eu me sinto mais do que um pouco incomodado.
Quem diabos é esse caro? E que tipo de dispositivo de choques elétricos ele
tem amarrado no pau para conseguir se controlar e não tentar foder Kaya
cada vez que coloca os olhos nela? Quero dizer, esse vestido... merda. Eu
quero arrancar ele agora mesmo do seu corpo com os meus dentes.

É uma raridade ela não estar usando sua enorme parka. Agora que eu
posso ver as deliciosas curvas do seu corpo, arredondo em todos os lugares
certos sob o tecido fino do seu vestido, não consigo parar de imaginar
minhas mãos na sua pele, correndo e apertando com força.

Kaya cai graciosamente no sofá, chutando as pequenas ankle boots


pretas que ela está usando para revelar seus pés descalços, as unhas
pintadas do mesmo tom vermelho vibrante que ela usa nos lábios. — Acho
que negar a mim mesma as coisas que mais quero me faz apreciá-las mais,
— ela diz. — Sexo é uma dos meus passatempos favoritos, mas não seria tão
divertido se eu me permitisse ter isso o tempo todo. Bolo de aniversário seria
especial se você comesse todos os dias, em vez de apenas uma vez por ano?

— Eu não sei. Eu amo bolo de aniversário. Acho que poderia comer


todos os dias e não enjoar, — eu não menciono o fato de que meu amor por
bolo é pálido em comparação ao meu amor por receber um boquete. Não
posso lembrar da última vez que isso aconteceu, no entanto. Com Millie tão
doente nos últimos tempos, e com tão pouco dinheiro para gastar, minha
vida se resumiu a trabalho e hospital. Mais trabalho e mais visitas ao
hospital.

— Confie em mim, — Kaya diz. — Quando você é paciente e se obriga


esperar pelas coisas que mais quer, consegui-las é muito mãos prazeroso, —
um sorriso sedutor puxa os seus lábios. Ela olha para o espaço vazio ao seu
lado no sofá. — Você está planejando ficar de pé a noite toda, ou acha que
poderia sentar? Você está me deixando desconfortável.

Acho que isso é mentira. Duvido que alguma vez eu seja capaz de
deixar essa garota desconfortável; ela é tão confiante e parece tão confortável
em sua própria pele. Não importaria se eu estivesse parado aqui pisando em
brasas. Kaya ficaria feliz em me ver fazer isso, e seus próprios pés não iriam
nem coçar. Me sento ao lado dela de qualquer forma, deixando um bom
espaço de vinte centímetros entre nossos corpos, então eu não estou em
cima dela. Mas estamos perto o bastante para que eu sinta seu cheiro – as
notas quentes, suave e florais do seu perfume, e uma nota sutil de fumaça e
algo rico, também.

8 Mason para Presidente <3 hahahaha

~ 129 ~
— Então o seu amigo saiu da cidade, — ela diz. — Estou feliz que você
conseguiu encontrá-lo.

— Sim. Espero que ele esteja seguro agora que saiu do Estado.

— Ele está. Johnny e os seus capangas são homens de negócios


espertos, mas não vão perder tempo perseguindo alguém por todo o país só
para lhe ensinar uma lição. Eles são muito preguiçosos. Continuo tentando
explicar isso a Jameson, mas ele é um filho da puta teimoso. Ele diz que só
vai deixar Seattle em um saco para corpos no porta-malas de um carro.

— Ele pode conseguir o que deseja.

— Ele pode, — ela diz isso casualmente, como se a perspectiva do seu


irmão ser assassinado não tive consequências para ela. — Mas é como eu
disse na cafeteria. Meu irmão parece ter um jeito de sempre cair de pé. Ela
estava na lista de lutadores para o próximo final de semana. Ele ainda
planeja aparecer por lá. Eu não acho que Johnny vai acabar com ele no
último minuto e fazer ele perder a partida. Eles perderiam muito dinheiro.
Jameson não é a única pessoa apostando que ele vai ganhar, você sabe.
Cada apostar em um raio de vinte quilômetros vai apostar nele também.

— Eu acredito nisso.

Kaya olha para mim com o canto do olho – como um raio laser azul
frio, de repente queimando em mim. — Eu não quero falar sobre o meu
irmão, Mason. E estou assumindo que você também não quer falar sobre a
sua irmã. O que eu realmente gostaria de discutir é sobre você me foder, e se
você finalmente vai fazer isso hoje, — ela sorri docemente.

Eu realmente não consigo pensar direito quando ela diz isso assim.
Ela deve poder dizer que eu estou chocado, mesmo que eu tente esconder,
porque ela ri suavemente pelo nariz. — Se você não está afim, tudo bem,
Mase. É que esse parece ser o próximo passo dessa relação particular.

— Mas não da relação emocional que você tem com Richard?

Ela balança a cabeça, tentando esconder um sorriso. — Não, não com


Richard. Você prefere que nós tenhamos uma relação emocional, em vez de
física?

— Você fala como se elas fossem mutuamente exclusivas.

— Elas geralmente são para os homens. Você não acha?

— Talvez.

~ 130 ~
— Você não respondeu a minha pergunta. Se você prefere sair para
jantar e falar sobre Proust, vou ficar mais do que feliz em dividir a conta com
você, — ela torce o nariz, fazendo um biquinho com os lábios brilhantes. —
Mas pessoalmente eu acho que você é mais um tipo de cara mais para ficar
pelado e transar, sabe. Me corrija se eu estiver errada.

Meu pau está duro como pedra outra vez. Tudo que ela teve que fazer
foi dizer as palavras ficar pelado e transar e eu já estava pronto. Ouvir ela
dizer essas coisas, o jeito que ela diz, é provavelmente a coisa mais quente
que eu já experimentei em muito tempo. Eu me mexo no sofá, tentando
ignorar o fato do meu jeans está apertado na virilha. — Você não está
errada, — eu digo a ela.

— Eu sei. Eu gosto de estudar as pessoas, Mase. Eu gosto de pensar


nelas, imaginar o que dá crédito a elas. Você pode gostar da ideia de estar
emocionalmente envolvido comigo, mas a realidade do dia-a-dia faz com que
encontros, jantares, idas ao cinema e viagens de fim de semana para as
montanhas sejam uma coisa impossível. Eu sei disso. Respeito isso. Mas eu
ainda quero montar o seu pau.

Droga. Não há mais porque fingir que isso não vai acontecer. Eu vim
aqui por uma razão, e Kaya sabe disso. Eu estudo seu rosto uma última vez,
observando como a sua boca em forma de arco se levanta um pouco nos
cantos, o jeito como seu olhar azul afiado brilha com uma inteligência que,
por alguma razão, me deixa ainda mais excitado.

— Porra, — eu agarro ela, cobrindo a sua nuca com a minha mão


direita, e nossas bocas colidem quando ela se inclina para mim ao mesmo
tempo. Ela me beija com tanta agressividade quanto eu a beijo, nossas
línguas se lambendo e provocando. Jesus, ela é boa.

Minha mão esquerda acha o caminho até os seus seios sozinha. Kaya
geme na minha boca quando eu cubro e aperto seu peito por cima do sutiã,
rolando o mamilo inchado que eu posso sentir contra o tecido de renda.
Suas mãos também têm mente própria, ao que parece. Ela agarra a minha
camiseta e puxa, parando nosso beijo por um segundo para tirá-la pela
minha cabeça. — Meu Deus, Mason, — ela raspa a ponta dos dedos no meu
peito, olhando maravilhada para o meu peito liso. — Toda essa luta e
malhação valeram a pena.

Ela já me viu sem camisa em muitas lutas, várias vezes, eu tenho


certeza. Eu estava quase sem roupas quando ela praticamente fez um
boquete na bala vermelha aquele dia no French’s, chupando-a em sua boca
com um brilho malicioso nos olhos, totalmente consciente do que isso ia
fazer com a minha cabeça. E ainda assim você pensaria que essa é a

~ 131 ~
primeira vez, pela maneira que ela está encarando o meu abdômen, correndo
as mãos esguias para cima e para baixo pelo meu corpo como se estivesse
realmente admirada.

— Feche os olhos, — ela me diz. — Eu quero ficar nua para você.

— Mas eu gostaria muito de ver isso, — eu argumento.

— Apenas feche os olhos até eu tirar tudo. Sair de um vestido apertado


nunca é sexy.

Ela é louca se acha que eu poderia pensar que qualquer coisa que ela
faça é não sexy, mas lhe dou o que ela quer. Fecho os olhos, resistindo à
vontade de levantar as pálpebras e espiar. Ela se levanta e começa a tirar a
roupa, posso sentir o ar se movendo sobre a minha pele quando ela joga a
peça única no chão, seguida por mais duas.

— Fique parado, — ela diz.

Eu sinto a sua pele, então, tocando a minha. Ela monta sobre mim,
escarranchada, e coloca as mãos sobre o meu rosto. — Abra os olhos, — ela
sussurra.

Ela não precisa dizer duas vezes. Eu fico literalmente sem palavras
quando olho para ela nua. Ela é perfeita. Perfeita pra caralho. Ela não
precisaria de nenhum retoque se fosse a capa de uma revista. Seus peitos
são incríveis. Eles não são grandes, não enchem uma mão, mas são
durinhos e têm um formato perfeito, seus mamilos são de um tom suave de
rosa que me lembra a parte de dentro de uma concha. Coloco as mãos nos
seus quadris, discutindo comigo mesmo dentro da minha cabeça. Eu quero
ela. Eu quero me levantar e jogar ela nesse sodá, então posso devorá-la
pedaço por pedaço.

— Você é... — merda. Não há palavras para descrever quão


maravilhosa ela é. Deixo minha boca cair aberta enquanto balanço a cabeça,
lutando para pensar em um elogio que faça justiça a ela. Mas ele não existe,
no entanto.

Ela cora. Kaya Rayne nunca corou na minha presença. Ela sempre
pareceu tão feroz e confiante para algo tão pudico quanto corar, mas a
evidência está na minha frente. Seus lábios estão inchados, deliciosos,
prontos para serem mordidos. — Você me leva para a cama, Mason? — ela
sussurra? — Eu quero você sem roupas, também.

Eu a levanto em meus braços, meu cérebro gritando como um louco


quando seus peitos pressionam no meu peito, e eu a levanto do sofá. Ela
enrola as pernas em volta da minha cintura com força suficiente para que eu

~ 132 ~
possa soltá-la, mas ela não caia; mas eu não a solto. Coloco minhas mãos
debaixo da sua bunda e coxas perfeitas, gemendo um pouco quando meus
dedos passam pela sua buceta e eu sinto a umidade ali.

Ela me quer. Ela já me quer, e nós nem começamos. Seu corpo é


desconhecido e novo, escondendo tantos segredos. Eu ainda não faço ideia
de onde ela gosta de ser beijada, tocada, chupada, e a perspectiva de
descobrir todos esses lugares de uma só vez, lentamente, é além do
excitante, porra.

No seu quarto, eu a deito de costas e subo no colchão, de forma que


estou pairando sobre ela. — Abra suas pernas para mim, Kaya, minha voz
está rouca de desejo, e ela reage ao som, seus lábios se abre, um gemido
suave sai entre eles. — Faça isso, — eu digo a ela. — Eu quero ver. Eu quero
ver você toda.

Eu me sento para trás, então ela pode separar os joelhos, expondo sua
buceta para mim, me dando uma visão clara do que eu estive sonhando
acordado todas essas semanas, desde que nos conhecemos. Sua buceta é do
mesmo rosa suave que seus mamilos, brilhante e molhada. Porra, eu quero
enfiar minha cara ali agora mesmo. Quero me perder nela e fazer ela gozar
na minha língua. Quase posso sentir o gosto da sua carne doce. Quase
posso sentir suas pernas apertando a minha cabeça enquanto eu a faço
chegar cada vez mais perto da borda, até que ela esteja caindo no precipício
do orgasmo, gritando o meu maldito nome.

Mas eu espero. Em vez disso, desabotoo meu jeans e tiro minhas


calças, chutando os sapatos e puxando a cueca tudo ao mesmo tempo. Eu
paro nu na frente dela, me preparando mentalmente para o que está prestes
a acontecer. Eu estou prestes a ir para a guerra.

Kaya é uma garota de vontades fortes. Ela quer o que quer, e sabe
como conseguir. A coisa é, ela nunca foi fodida por uma cara como eu antes.
Ela deve ter dormido com caras fortes e masculinos, sim, mas estou
apostando que ela os tinha nas suas mãos, dispostos a dobrarem suas
espinhas para agradar ela em todos os sentidos. Eu quero fazer ela gozar.
Quero que essa noite seja o sexo mais inesquecível e avassalador da sua
vida, mas sei que essa experiência vai desaparecer no seu histórico de
conquistas sexuais, e nunca mais vai se destacar do resto, se eu lhe der
exatamente o que ela quer.

Ela precisa de alguém com a mão firme. Ela precisa de alguém que lhe
diga não. E sendo justo, ela pode me dizer não, também. Eu não vou obrigá-
la a fazer nada que ela não queira. Mas não é ela quem está no controle

~ 133 ~
aqui. Se ela vai aceitar isso? Não sei. Mas acho que estou prestes a
descobrir.

— Você já me viu na jaula antes, Kaya? — eu pergunto.

Ela se contorce um pouco, suas mãos correndo pelo comprimento das


suas coxas. — Sim. Eu vi todas as suas lutas.

— Ótimo. Então isso vai fazer sentido para você. Eu fodo como eu luto,
Kaya. Eu não faço prisioneiros. Eu domino e tomo o controle. Eu odeio
perder. Você tem certeza que ainda quer brincar comigo?

Lenta e cuidadosamente ela leva a mão direita até a buceta, até que as
pontas dos seus dedos então provocando o clitóris. Ela arqueia as costas,
seus olhos ainda presos nos meus. — Eu quero brincar. Mas não quer dizer
que não vai ser do meu jeito, Mason. Você quer arriscar se perder? Apenas
uma vez?

Eu balanço a cabeça. Pego meu pau na mão, aperto e estremeço um


pouco de antecipação. Ela desce o olhar, parando na visão da minha mão
lentamente trabalhando o meu pau duro. Não posso deixar de aproveitar o
olhar cheio de expectativa em seus olhos. — Eu gosto de correr riscos, — eu
digo. — Mas isso, no circuito das lutas ilegais, é o que nós chamamos de
luta unilateral, Kaya Rayne. Agora se vire e me mostre essa bunda.

Kaya sorri. Dez segundos se passam, e eu estou pronto para pegar


minha camiseta e ir embora. Se ela não fizer o que eu mandei, é exatamente
isso que vai acontecer, e acho que ela sabe. Acho que ela pode ver em meus
olhos. No décimo primeiro segundo ela dá de ombros, se apoiando nos
ombros. — Poder é uma coisa perigosa. Não deixe ele subir sua à cabeça,
ok?

Proposital e lentamente ela rola para o lado, se ajoelhando um pouco


para que aquela bunda de porcelana fique em exibição apenas para mim. Me
dando um olhar divertido por cima do ombro, ela levanta as sobrancelhas. —
Gosta do que vê?

Passo a mão pelo lado da minha perna, esquentando a palma, me


preparando para espancar essa pele perfeita. — Você pode dizer isso. Você
pode dizer que eu gosto muito do que vejo, — ela ofega na primeira vez que
minha palma faz contato com a sua bunda. O quarto se enche com o som da
sua surpresa, o que só me faz bater mais forte. — Se segure, Kaya, — eu
digo a ela. — Você queria isso, e agora você conseguiu. Eu realmente espero
que você esteja pronta, porra.

~ 134 ~
Capítulo Dezoito
SLOANE
Deito de lado, observando-o. É tarde, já passou de uma da manhã,
mas eu não consigo dormir. Zeth me levou para a cama e me fez ficar muito
parada enquanto fazia sexo oral em mim, tomando seu tempo com a língua.
Eu tremi e tentei respirar lentamente quando ele me trouxe ao orgasmo, e
quando acabou, ele me lambeu até eu ficar limpa, parecendo ter grande
prazer na tarefa. Ele não me fodeu. Em vez disso, ele me pegou em seus
braços e acariciou suas mãos para cima e para baixo pelo meu corpo no
escuro durante uma hora, fazendo círculos e formas estranhas em minha
pele antes de finalmente adormecer.

Ele nunca passa gradualmente para a inconsciência. Ele cai


drasticamente, como se mergulhasse de cabeça em um penhasco íngreme.
Há uma mudança nele que é tão instantânea e intensa que é impossível
passar despercebido. Sua respiração, a tensão de seus músculos, a forma
como o ar se encaixa com uma certa energia que sempre emana dele – tudo
isso muda. Seus braços caem folgados, seu peito subindo e descendo
lentamente, ritmicamente, e a borda afiada de sua consciência foge do
quarto, deixando o espaço ao seu redor parecendo de alguma forma menor
por causa disso.

Em momentos assim, quando ele está dormindo, lutando contra


dragões em seus sonhos, eu amo ver como seu rosto muda. Ele é uma
pessoa tão difícil de conhecer. Há uma ferocidade sobre ele o tempo todo. Ele
ama ferozmente. Ele luta ferozmente. Ele existe de uma maneira que parece
um desafio, como se ele fosse desafiador até o seu âmago, e não importa o
que, ele está pronto para defender suas escolhas, suas crenças, e aqueles
com quem ele se preocupa, independentemente do que poderia lhe custar.
Não há medo no homem.

Quando ele está dormindo, porém, é possível ver um vislumbre de


suavidade nele, se você olhar com muita atenção. As linhas de seu rosto
relaxam. Suas mãos, muitas vezes apertadas em bolas de carne e osso,
prontas para atacar, se transformam de armas em obras de arte. Suas mãos
me fascinam. Elas estão cobertas de cicatrizes, calosas e ásperas, onde seus

~ 135 ~
dedos se encontram com as palmas das mãos; uma cigana demoraria pra
cacete para ler seu futuro, já que o caminho de linhas gravadas
profundamente em sua pele parece muito mais caótico do que a maioria.

Eu me pergunto se eu estou lá em algum lugar. Eu me pergunto se há


um ponto na loucura entrecruzada desses vincos onde uma linha se
encontra com outra e algo muda. A vida toma de repente um significado
diferente. Eu sei que minha vida mudou irrevogavelmente quando eu o
conheci. Essa mudança está marcada a fero profundamente no meu próprio
ser – na minha mente, no meu coração e na minha alma. Parece justo que
deveria haver alguma marca disso no corpo de Zeth, também.

Eu pressiono meu dedo indicador contra o seu dedo indicador, quase


os tocando. Por um momento, nossas impressões digitais se conectam e
parece simbólico. Somos duas pessoas diferentes, tão vastamente e
incompreensivelmente diferentes, e ainda assim somos iguais porque somos
mais do que a soma dele como pessoa e eu como pessoa. Estamos sempre
juntos nesta vida. Somos dois lados da mesma moeda. Duas metades de um
todo. Eu desafio alguém a me dizer que isso não é verdade.

Minha barriga torce, um sentimento estranho, ligeiramente


inquietante, tremulando no meu estômago, e fecho os olhos. Parece que a
pequena vida que está começando a trabalhar dentro de mim quer que sua
presença seja sentida agora, neste momento, enquanto estou refletindo
sobre Zeth e eu juntos. Porque agora há outra maneira de estarmos unidos,
e eu estou apenas começando a entender quão especial esta nova união de
nossos corpos e nossas almas realmente é. Uma criança. Um bebê dentro de
mim. Metade de mim e metade dele. Deus, que bagunça complicada é essa.
Claro, é muito cedo para o bebê estar se movendo. Eu não o sentirei se
movendo por semanas e semanas, e mesmo assim, a mente é uma coisa
poderosa. Pode te enganar em acreditar em todos os tipos de coisas se ela
quiser.

Zeth franze o cenho, seu lábio inferior se contorcendo, os dragões em


seus sonhos lhe dando trabalho, e meu coração parece que está prestes a
cair. Eu o amo tanto. Eu nunca soube que seria possível se importar tão
profundamente com outra pessoa. Se eu der à luz o filho deste homem, se eu
conseguir segurar seu filho em meus braços, tenho a sensação de que ficarei
deslumbrada com as profundidades inteiramente novas de amor que
experimentarei pela primeira vez. Um tipo de amor incrível, poderoso e sem
fim; eu vejo isso nos rostos de mães de primeira viagem todos os dias nas
maternidades.

Esse olhar é maravilhoso e assustador, tudo ao mesmo tempo. Não


tenho certeza se estou preparada para isso. Se eu pudesse saber...

~ 136 ~
A luz azul fria pisca, cortando a escuridão. O momento de paz está
quebrado. Meu celular na minha mesa de cabeceira começa a gritar, e Zeth,
dormindo profundamente há um segundo, está de pé, os olhos arregalados,
os ombros tensos, os músculos enrolados, prontos para explodir em ação.
Seu peito está levantando, assim como o meu. O susto do toque ruidoso
soando no silêncio faz meu coração bater como um martelo no meu peito. O
olhar de Zeth trava em mim, e então ele está inclinando seu corpo nu sobre
o meu, como se ele estivesse me protegendo.

— Você está bem? — ele pergunta. — Não sabia que estava de plantão.

— Eu não estou.

Ele me pega e pega meu telefone, entregando-o para mim. Eu não


reconheço o número na tela. É um número local de Seattle, mas não um que
eu me lembro de ter visto antes. — Desculpe, vou atender isso lá embaixo.
Volte a dormir.

Zeth envolve um braço ao redor de minha cintura, me atraindo para


perto dele enquanto deita de novo na cama. — Atenda aqui. Eu não quero
que você vá a lugar nenhum.

— Ok, — eu o sinto beijando a parte de trás do meu pescoço e as


minhas omoplatas enquanto atendo. — Olá?

— Srta. Romera? Doutora Romera? Eu liguei para o número certo? —


A mulher do outro lado da linha está respirando com dificuldade, ofegante,
enquanto ela tenta falar. — Por favor, querido Deus, diga-me que liguei
certo.

— Sim, é ela. Posso ajudar?

— Sim senhora. Meu nome é Wanda. Eu sou vizinha de Mason. Ele me


deu o seu cartão de visita caso algo acontecesse com sua irmãzinha. Estou
cuidando de Millie esta noite e ela foi para a cama bem há duas horas. Tudo
parecia normal, mas então eu a ouvi cair agora pouco, e ela está tendo uma
convulsão, uma bem ruim, e eu não sei o que fazer. Ela não acaba nunca.
Por favor, senhora. Você tem que vir. Você tem que vir ajudar ela.

— Desligue e ligue para o 911 imediatamente, Wanda. Chame uma


ambulância. Nos encontramos no hospital, está bem?

— Você não virá para cá? — a pobre mulher parece aterrorizada.

— Não posso tratá-la corretamente em sua casa, Wanda. Eu não tenho


os remédios que ela precisa. Ligue para o 911. Estou saindo agora. Te vejo
no hospital.

~ 137 ~
Eu desligo, e Zeth já está saindo da cama. Ele abre a cômoda, tirando
roupas. — Eu vou te levar, — ele me diz enquanto coloca cueca, camiseta e
jeans.

— É a Millie, a irmãzinha de Mason. Você pode ver se consegue


encontrá-lo?

— Claro, — ele digita algo rapidamente enquanto me visto e desço. Seu


telefone toca enquanto saímos correndo da casa. — Mason não está
atendendo. Michael vai procurá-lo. Ele vai encontrá-lo e levá-lo ao hospital.

Zeth desce a montanha como um maníaco. Graças a Deus por isso. Eu


nunca teria a coragem de acelerar tão rápido através das curvas em um
ritmo tão louco, mas Zeth é um piloto experiente. Ele já esteve envolvido em
perseguições de carro suficientes, então ele poderia provavelmente fazer
muito dinheiro como um piloto de rali. Uma vez que chegamos na cidade, as
coisas têm que abrandar um pouco, mas ele sabe o caminho mais rápido
para o St. Peter e ele não diminui o ritmo enquanto passa pelos outros
carros nas ruas.

Ele para na entrada da emergência, me deixa sair e em seguida dá o


fora, os pneus guinchando quando ele vai encontrar um lugar para
estacionar.

— Dra. Romera? O que diabos você está fazendo aqui? Você não estava
doente? — a jovem enfermeira na recepção parece confusa.

— Millie Reeves? Ela já foi trazida? — Já faz vinte minutos, pelo


menos. A ambulância já deveria ter chegado. A enfermeira – tenho certeza de
que seu nome é Anderson – verifica a tela do iPad na frente dela, franzindo a
testa.

— Reeves, Reeves, Reeves. Ah, sim, uma segunda ambulância teve que
ser enviada para o local. Eles devem chegar a qualquer momento.

Uma segunda ambulância? — O que aconteceu com a primeira?

Anderson encolhe os ombros. — Algum tipo de problema no motor.


Não tenho certeza.

Ambulâncias são verificadas e checadas todos os dias. Não há como


um veículo ter quebrado. Algo assim poderia significar a diferença entre um
paciente vivo e um paciente morrendo. Estou morrendo de medo. Se os
paramédicos não chegarem a Millie a tempo, ela poderia facilmente entrar
em coma e morrer.

~ 138 ~
— Merda, — eu deixo a recepção e corro para o armário de
abastecimento mais próximo, agarrando um conjunto de jaleco e calça.
Ninguém diz mais nada sobre eu não estar no turno. Eu não deveria estar
tratando ninguém agora. Não tenho permissão para entrar no hospital, me
trocar e começar a cuidar dos pacientes; não é assim que o sistema
funciona. Mas a chefe Allison não está no prédio, e eu devo parecer frenética
e atormentada porque a equipe de enfermagem e outros médicos mantêm
todas as objeções que possam ter para si.

A ambulância ainda não chegou enquanto eu me trocava, então fui lá


fora esperar por Millie. Porra, está demorando muito. Zeth aparece ao meu
lado. — Michael ainda está procurando, — ele diz. A equipe esperando a
ambulância olha cautelosamente o indivíduo enorme, tatuado que espera
agora conosco. Eu esqueci quão imponente ele deve parecer para as pessoas
quando as conhece.

— Ok. Porra, espero que ele chegue aqui logo. Ela vai precisar dele.

— Ela tem você, — ele diz. — Isso é mais que suficiente.

Luzes e sirenes aparecem. Uma ambulância entra queimando os


pneus pelo estacionamento e se aproxima de nós a cento e dez por hora. O
motorista bate nos freios a tempo, parando o veículo abruptamente a menos
de um metro da entrada do hospital. O caos segue.

Os paramédicos saltam da van, gritando as estatísticas de Millie. Seu


pequeno corpo é transportado para fora da ambulância e para dentro do
prédio. Eu corro com a equipe, observando enquanto o paramédico grita:
pulso errático. Olhos fixos e dilatados. Pelo menos dezessete minutos de
convulsões contínuas. Famipentol administrado, sem efeito. Limite máximo
de dosagem atingido.

O famipentol deveria ter banido a convulsão na cabeça. Millie já


deveria estar acordada. Não podemos dar mais nada a ela. Se fizermos, não
só poderia causar danos graves aos órgãos internos, mas também poderia
enviá-la para uma insuficiência coronariana também. Não podemos arriscar.

— Administre valproato de sódio. Alguém chame o neuro, diga a ele o


que está acontecendo. Precisamos de uma consulta de imediato.

Um estagiário, que eu não reconheço, desce pelo corredor, seus tênis


chiando no linóleo enquanto ele patina e desaparece no canto, procurando
um telefone.

Levamos Millie para uma sala de procedimentos. O protocolo padrão é


observado. Millie está ligada a um monitor cardíaco. Seus níveis são

~ 139 ~
registrados. Eu tenho uma enfermeira administrando clobazam, mas isso
não parece ter qualquer efeito, tampouco. Millie permanece de costas na
maca, os calcanhares de seus pés martelando contra o estofamento e o
lençol, a cabeça inclinada para trás, a mandíbula trancada, os olhos virados.
Ela está com problemas. Grandes, grandes problemas. Deus, ela parece tão
pequena e impotente enquanto a convulsão continua contorcendo seu corpo
frágil. Este episódio já durou muito tempo. Wanda me ligou há pelo menos
quarenta minutos, e para uma garota de seis anos estar convulsionando
assim por tanto tempo? Eu não quero pensar sobre o que isso significa. Não
consigo nem pensar nisso, porque se eu tiver de admitir a verdade, sei que
toda a esperança está perdida.

Dr. Mike Margate, chefe da neurologia, aparece quase que


imediatamente. Ele avalia Millie, seus movimentos confiantes, no entanto o
olhar em seu rosto está longe disso. — O olho esquerdo está dilatado agora,
— ele diz. — Pode ser um sinal precoce de hérnia cerebral. Nós não vamos
saber o que está acontecendo aí até fazermos uma varredura, mas
precisamos mantê-la parada para isso.

Dr. Hamid, um novo membro do programa e estagiário, parece


destruído com esta notícia. — E a sedação? Não podemos apagá-la? — ele
pergunta.

Margate envia um olhar em minha direção. — Dra. Romera? Quer


explicar ao Dr. Hamid por que a sedação é uma má ideia neste caso?

— Ela já recebeu tudo o que podemos lhe dar. Seu sistema está
sobrecarregado. Se nós a sedarmos, vai ser muito para o corpo dela aceitar.
Seu sistema respiratório falhará.

— Exatamente. — Margate corre uma pequena pá de madeira até a


sola do pé direito de Millie, esperando para ver se seu corpo responde de
alguma maneira. É difícil dizer se há alguma reação natural, já que seu
corpo ainda está tremendo tão violentamente. Ele franze a testa então,
curvando-se, olha de perto o lado do tornozelo de Millie. — Quando isso
aconteceu? — ele pergunta. — Ela tem outras marcas no corpo?

Levo um segundo para ver o que ele está apontando: uma pequena
marca vermelha no interior de sua perna, logo acima do tornozelo. Parece
uma erupção cutânea, embora a marca pareça estar sozinha. Mãos estão em
Millie. Quatro pessoas rapidamente cortam o pijama de seu corpo, deixando
pedaços de tecido das Meninas Superpoderosas espalhados pelo chão. Todos
examinam a minúscula moldura de Millie, procurando por mais marcas
vermelhas.

Eu vejo uma em sua caixa torácica, novamente sozinha. — Lá. Merda.


~ 140 ~
Um interno ergue a mão, um olhar cauteloso em seu rosto. — Isso
significa meningite bacteriana?

Margate sacode a cabeça. — Não é bacteriana. Verifique seus gráficos.


Ela está tomando Lamictal?

Eu já sei que ela está. — Sim, — eu respondo. — Há dezesseis meses.

— Então é isso, pessoal. As coisas ficaram oficialmente piores. Ela


provavelmente tem meningite asséptica. Vamos levá-la imediatamente.
Receio que nós vamos ter que jogar os dados sobre isso. Nós só seremos
capazes de lutar contra o inchaço em seu cérebro se ela estiver inconsciente.
Ela vai ter que ser monitorada durante todo o dia, no entanto. Você, — ele
diz, apontando para um estagiário. — Não saia do lado da criança.

— Mas meu turno acaba em trinta... — ele para de falar quando


Margate olha para ele, prendendo-o com um olhar de fúria. — Sim senhor.
Claro. Eu não sairei.

— Ótimo. Faça essa varredura imediatamente, pessoal. Eu quero ver o


que está acontecendo dentro da cabeça dela.

Margate sai. Millie ainda está tremendo na maca. Nós não seremos
capazes de sedá-la rápido o bastante. Seu corpo precisa de uma pausa.
Quando eu olho para cima, prestes a começar a ordenar as pessoas para
agirem, percebo Zeth parado na entrada da sala de procedimentos. Ele está
encostado no batente da porta, os braços cruzados sobre o peito, e sua
expressão é sombria para dizer o mínimo.

Nunca permitiríamos que um civil observasse isso, mas ele não é um


civil qualquer. Ele não entrou em pânico como a maioria das pessoas teria
entrado. Ele não disse uma palavra. Ele manteve a boca fechada e observou,
e ele não interferiu. Margate nem sequer comentou sobre sua presença
quando saiu da sala, o que significa que ele provavelmente achou que Zeth
era outro médico ou algo assim.

Agarro-o pelo braço enquanto as enfermeiras levam Millie pelo


corredor em direção aos elevadores, onde então a levarão para uma
ressonância magnética. — Não quer ir para casa e esperar por mim? Já é tão
tarde, — eu digo.

Ele segue Millie com os olhos enquanto ela é levada embora. — Vou
esperar aqui, — sua voz é plana, monótona e fria. — Você não deveria estar
aqui. Você vai precisar de uma carona quando tiver terminado.

— Michael pode me levar mais tarde.

~ 141 ~
Zeth sacode a cabeça. Posso dizer pela maneira estoica e sem emoção
que ele não será influenciado pelo assunto. Ele não pisca até que as portas
do elevador tenham se fechado e Millie esteja fora de vista. — O que vai
acontecer com ela? — ele pergunta. — Um palpite.

Eu não quero dizer a verdade, mas também não quero mentir. Eu


hesito, e então digo, — A perspectiva não é boa. Ela é tão jovem. Com um
ataque tão violento e prolongado, e a probabilidade de que ela tenha
desenvolvido meningite asséptica, as chances são de que ela também... pare
de respirar quando a entubarmos ou seu cérebro terá inchado até o ponto
em que não haverá nada que possamos fazer por ela.

Parece que a má sorte está pintando uma imagem sombria das


próximas doze horas, mas tentar criar uma imagem diferente por completo
só servirá para me deixar esperançosa, e isso é perigoso. Zeth limpa a
garganta.

— Ela é tão pequena. Eu não sabia que a irmã dele era tão jovem. Ele
cuidou dela sozinha.

— Sim. Desde que era um bebê.

Virando as costas para o elevador, Zeth endireita os ombros, inalando


profundamente. — Não vou para a sala de espera. Eu vou com você.

— Você não pode. Isso é um hospital, Zeth. As pessoas não podem


apenas passear por onde quiserem. Esse lugar viraria um caos.

— Você vai me denunciar à segurança? — ele pergunta, erguendo uma


sobrancelha.

— Não, claro que não. Mas...

— Então está certo. Bem, até que alguém diga algo, eu estou com você.
No momento em que me pedirem para ir, irei. Até lá, eu sou sua fodida
sombra.

Não há nada que eu possa dizer que vá fazê-lo mudar de ideia agora.
Eu aprendi a escolher minhas batalhas com esse homem. Se deixá-lo
observar o que acontece com Millie significa que eu poderei reivindicar uma
vitória para mim mesma em alguma outra hora, então que assim seja. —
Urgh. Certo. Mas você vai precisar de um jaleco ou algo assim.

Zeth, por um segundo fugaz, parece encantado com a ideia de um


jaleco. Eu encontro um conjunto limpo na sala dos residentes, e ele
rapidamente se despe e o coloca. No andar de cima, na área de neurologia,
Millie já começou o exame. Apenas as solas de seus pés descalços são

~ 142 ~
visíveis do interior da máquina de ressonância magnética. Deixo Zeth na
cabine de controle com um residente muito assustado olhando para o
computador, observando a varredura à medida que avança, e eu saio para
encontrar Margate. Eu preciso saber o que ele está pensando – e se há algo
mais que pode ser feito enquanto estamos esperando os resultados da
ressonância magnética serem lidos. Estou no meio do corredor quando um
alarme começa a disparar e a porta para a sala de ressonância abre. O
residente que estava estudando os resultados piscando na tela à sua frente,
fazendo o seu melhor para ignorar Zeth um momento atrás, agora está
correndo em minha direção, o rosto branco como um lençol recém passado.

— Ela está sem pulso. Ela está pulso, — ele engasga.

Nós corremos.

Felizmente o residente desligou a ressonância. Deslizamos Millie para


fora do tubo estreito, e ela está parada e fria, e preocupantemente azul. —
Ela não está respirando. Taquicardia arrítmica. Porra. O coração dela está
parando. Vá pegar o desfribilador.

O residente faz o que eu ordeno. Um segundo depois, eu tenho o


desfibrilador em minhas mãos e o vestido de hospital de Millie está aberto,
expondo sua pele pálida, quase translúcida. O estagiário que Margate disse
para não sair do lado de Millie abraça a parede perto da porta, observando
com terror em seus olhos.

O desfibrilador faz um ruído agudo e, em seguida, soa um alarme,


sinalizando que ele está carregado. — Afastem-se!

O residente joga as mãos para cima. Eu planto as pás no peito de


Millie, e eu administro o choque. Seu corpo salta, seus músculos se
contraindo e retraindo rapidamente. O monitor de frequência cardíaca ao
lado da maca continua a berrar, os picos e depressões do coração de Millie
se mexem erraticamente. Não deu certo. Porra, não funcionou.

— Ainda arrítmico, — não vou parar até ela se estabilizar.

O desfibrilador choraminga. Eu mando se afastarem. Eu disparo de


novo.

Nada ainda.

Eu faço de novo. Aumento a tensão além do que é recomendado com


segurança para o corpo de uma criança pequena. Eu sinto como se estivesse
nadando debaixo d'água, não respirando, morrendo por oxigênio, e ainda
assim eu sei que não posso subir por ar até que eu salve a garotinha na
minha frente.

~ 143 ~
Nada ainda.

— Dra. Romera, não temos pulso.

— Carga a quinhentos. Se afastem.

— Dra. Romera-

— Eu disse carga a quinhentos! — posso ouvir o tom monótono do


alarme da linha contínua no monitor de frequência cardíaca, mas eu me
recuso a aceitá-lo. Me recuso-me a reconhecê-lo. Eu sei muito bem que o
desfibrilador não funcionará se Millie não tiver pulso – com ele pode regular
seu pulso se não houver um, para começar? Mas eu não posso desistir
agora.

O residente de pé perto do desfibrilador parece incerto. Ele deve ler o


desespero em meus olhos, no entanto, porque faz como eu digo a ele e ajusta
a nova tensão.

Eu disparo cargas elétricas em Millie. Sua cabeça salta na maca, seus


lábios azuis se separando ligeiramente, as pontas de seus dentes minúsculos
aparecendo, e ainda o monitor de frequência cardíaca permanece o mesmo.

— Sem pulso, Dra. Romera. Sem pulso.

Eu solto as pás do desfibrilador e junto minhas mãos, começando as


compressões no peito de Millie. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete... eu
conto até trinta, e então eu começo a contar tudo de novo.

Porra.

Em algum momento eu sinto um estalo doentio sob minhas mãos: eu


quebrei as costelas de Millie. Eu pauso, latindo ao residente. —Verifique o
pulso!

Ele faz. Seus olhos me dizem o que eu preciso saber. Novamente, eu


começo as compressões.

— Dra. Romera, ela se foi. Você deveria... provavelmente deveria parar


agora.

A mão de alguém está no meu braço. Eu o afasto, rosnando sob minha


respiração. — Se afaste. Se afaste agora.

...dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove, vinte... Todo o caminho até


trinta novamente. Eu me inclino para trás, as mãos levantadas na minha
cabeça. — Verifique o pulso, — o residente solta uma profunda respiração,
balançando a cabeça. Ele pressiona os dedos no pescoço de Millie, os olhos

~ 144 ~
no monitor de frequência cardíaca, que ainda está relatando uma linha reta,
e ele suspira.

— Nada ainda. Ela se foi, Dra. Romera. Nós precisamos...

Eu o ignoro. Eu uno minhas mãos novamente e recomeço. Tudo se


torna nebuloso. Eu sei que peço para o residente verificar seu pulso mais
uma vez, mas eu não ouço sua resposta. Eu me concentro em bombear o
peito de Millie para cima e para baixo, empurrando seu sangue pelo seu
corpo. Suas células precisam de oxigênio. Seu cérebro precisa de um
suprimento contínuo de sangue. Quando Margate chegar aqui, ele será
capaz de fazer algo. Ele vai consertar isso. Inferno...

— Sloane.

O som dessa voz corta a loucura que toma conta da minha mente.
Olho para cima do corpo rapidamente esfriando de Millie para encontrar
Zeth de pé na entrada da sala de ressonância. Seus olhos estão fixos em
mim, sólidos e aterradores. — Você precisa parar agora, — ele diz
calmamente. Sua voz é baixa, mas contém um timbre que me impede. — Não
há nada mais que você possa fazer, — ele me diz. — Está feito. Acabou
agora. É hora de parar.

Uma dor profunda e inabalável assenta no meu peito, tornando difícil


respirar. — Mas ela só tem seis anos — sussurro. — Ela é apenas um bebê.

Dizem que todos os médicos têm um caso emblemático. Você pode


passar por toda a sua carreira como médico, tratando seus pacientes com a
calma reservada que precisa para ser bom em seu trabalho, e então um dia,
de repente, você vai perder alguém e vai se sentir como se a perda fosse te
matar. Eu nunca chorei por causa de um paciente morrendo antes. Minhas
mãos sempre foram firmes, não importa o quê. Hoje, tudo isso muda. A
pobre Millie, tão jovem e tão cheia de vida, é o meu caso emblemático. O que
vai me quebrar. Minhas pernas parecem estar prestes a desabar.

— O que eu vou fazer – o que eu vou dizer a Mason? — Lágrimas


escorrem pelo meu rosto. Deus, não é assim que um residente sênior deveria
se comportar na frente de seus subordinados. Eu não consigo me controlar,
no entanto.

— Diga a ele que fez tudo que podia — diz Zeth. — Porque você fez. Eu
vi tudo. Era uma situação impossível, Sloane, — ele entra na sala, olhando
para o residente e para o interno. — Saiam, — grunhiu ele. — Vão cuidar de
alguém ou algo assim.

~ 145 ~
Ambos correm para fora da sala. Zeth me pega em seus braços e me
segura contra seu corpo; eu desmorono, o calor e a segurança de seus
braços fortes ao meu redor me mantendo segura. Eu me permito outro
momento de fraqueza, e então soluço. Ela se foi. Eu não posso acreditar que
aconteceu tão rapidamente. Nem sequer tivemos chance de avaliá-la
corretamente. A tensão em seu corpo era, obviamente, demais.

— Você é maravilhosa, — Zeth sussurra em meu cabelo. — Você é


incrível. Você lutou tão duramente.

— Não o suficiente, — sinto como se tivesse falhado. É normal que um


médico se sinta assim, eles nos dizem. Que nós sentiremos como se
tivéssemos decepcionado aqueles que perdemos. Eu sei a verdade: Millie
estava muito doente. Ela estava além da salvação. Mas ao mesmo tempo,
não posso deixar de sentir como se ela tivesse depositado sua confiança em
mim para mantê-la segura, e essa confiança estava fora de lugar.

— Não, — Zeth beija minha testa, sua respiração quente contra o lado
do meu rosto. — Você não é Deus. Você só pode ajudar até certo ponto.

Ele tem razão. Ainda dói, no entanto. Ainda dói mais do que qualquer
dor que eu já senti. — Você precisa ir, — eu sussurro. — Estarão aqui para
buscar o corpo dela num momento. Você não pode estar aqui quando eles
vierem.

— Ok. Vou verificar Michael, ver se ele já conseguiu localizar Mason.


— Ele sai, e eu estou sozinha com a menina sobre a mesa. Ela parece tão
pequena. Tão frágil. Ela parece estar dormindo.

Acima dela na parede, eu verifico o simples relógio branco, seus


ponteiros lentamente passando pelos minutos, alheio à tragédia que acabou
de acontecer. Minha voz não é nada mais do que um sussurro, e no entanto,
parece que estou gritando.

— Hora da morte, uma e trinta e seis.

~ 146 ~
Capítulo Dezenove
MASON
Eu acordo com batidas na porta. A luz do sol está entrando pelo tecido
fino e esvoaçante que cai sobre as janelas próximas à cama em que eu me
encontro. A cama de Kaya. Em algum lugar posso ouvir alguém gritando.
Movimento atrás de mim. Kaya joga um braço sobre mim, sua mão caindo
levemente sobre o meu estômago nu.

— Oh, meu Deus. Eu te pago um milhão de dólares se você for ver


quem é, — ela geme.

— De jeito nenhum. E se for o seu irmão?

— Meu irmão chegou em casa às quatro. Ele tem a chave, lembra?

Ótimo. Então eu vou sair de fininho do quarto de Kaya, usando apenas


roupa de baixo às... seis horas da manhã? Merda. Wanda geralmente leva
Millie de volta para o nosso apartamento às sete, quando ela dorme fora.
Tenho uma hora para chegar em casa e tomar banho antes que ela apareça,
do contrário eu vou estar na merda.

— Mason! Mason, abra essa maldita porta! — três batidas fortes ecoam
pelo apartamento. Eu de repente estou muito, muito acordado. Quem lá fora
sabe o meu maldito nome? Será que são os rapazes da oficina? Aquele filho
da puta finalmente acordou e ordenou a minha morte imediata. Onde diabos
está o meu telefone? Eu preciso dar o fora daqui. Ele lugar deve ter uma
saída de incêndio.

— Para quem você disse que estava vindo para cá? — Kaya pergunta
com sono.

— Ninguém. Eu não disse a ninguém, — eu pulo da cama, procurando


a minha boxer, que se mostra difícil de localizar. A encontro chutada para
baixo da cama, junto com uma bola jeans, que acaba por ser a minha calça.
Me visto com pressa, pegando minha camiseta na sala. Meu telefone está na
mesa de centro, morto – ele vai para o meu bolso de trás do jeans. Ouço a
porta da frente se abrir, e então uma voz grave ecoa pelo corredor.

~ 147 ~
— Mason não mora aqui. Se você não parar de esmurrar a porta, vou
fazer você engolir seus malditos dentes, seu imbecil.

— É mesmo? — eu reconheço a voz. Leva um momento, e então isso


me acerta; esse não é um dos caras da oficina, é o cara do Zeth. É Michael.

Eu espio no corredor, mais vestido agora, mas ainda sem as meias e os


sapatos. Jameson está parado na porta, parecendo prestes a se lançar no
cara alto e bem-vestido à sua frente. Michael me vê e se inclina para olhar
além da cabeça de Jameson. — Vamos. Nós temos que ir.

Jameson se vira para mim. — Mas que porra é essa? De onde você
veio?

— Vou deixar a sua irmã explicar, — pulando para calçar os sapatos,


eu passo deslizando por ele no corredor.

— Kaya! — Jameson não parece feliz. Eu não fico por perto para
descobrir o que ele acha de eu ter passado a noite com ela; isso só vai me
trazer problemas. Tenho certeza que a presença de Michael vai me trazer a
mesma coisa, mas duvido que ele vai tentar arrancar os meus membros um
por um. Pelo menos espero que não.

Ele me agarra pela camiseta e começa a me arrastar pelo corredor. —


Por que diabos você não estava atendendo o telefone, seu idiota? — ele
estala.

— A bateria acabou. O que... Jesus, me diga o que está acontecendo! —


eu me puxo para me libertar, correndo atrás dele.

— Precisamos ir ao hospital. Agora.

Os pelos dos meus braços se levantam. Minhas pernas ficam pesadas.


Eu não posso dar outro passo. Oh, Deus. Deus, não. Eu paro de repente,
minha língua nada mais que um pedaço pesado de carne na minha boca. —
Não é Mac, não é? — eu digo suavemente.

Michael se vira para me encarar. Seus olhos azul-pálidos estão cheios


de má notícias. — Não. Não é Mac.

***

SLOANE

~ 148 ~
O necrotério parece especialmente calmo. Bochowitz fez seu trabalho,
limpando e preparando o corpo de Millie. Não há necessidade de autópsia. A
maior parte da ressonância magnética de Millia foi concluída antes dela
falecer, mostrando um inchaço devastadoramente grande em seu cérebro.
Isso a teria matado, não importa o que fizéssemos. Mas a combinação de
drogas no seu sistema, junto com a deformação do seu coração, conseguiu
matá-la primeiro, no entanto. Margate e eu assinamos a causa da morte, o
que significa que o corpo de Millie não vai precisar ser aberto e investigado –
uma pequena benção.

Bochowitz sai do necrotério depois de acabar seu trabalho – ele disse


que não podia suportar ver Millie deitada em silêncio depois de passar tanto
tempo com ela, quando ela estava tão viva e cheia de risadas. Isso deixa eu e
Zeth de vigília pelo seu corpo, enquanto esperamos.

De lado, eu vejo algo familiar e brilhante sobre uma bandeja de metal.


Os objetos pessoais de um falecido são geralmente colocados de lado desse
jeito, prontos para serem entregues aos familiares, e com Millie não é
diferente. Exceto que dessa vez não há uma grande quantidade de pertences
esperando: carteira, telefone, alianças, molho de chaves. Há somente uma
imitação arranhada de um Rolex – a minha imitação arranhada de um Rolex.
Ela devia estar usando quando foi trazida para cá. Eu não percebi. Eu não
vi. Meu coração se aperta com força mais uma vez, aumentando a dor sem
fim. Lentamente, eu pego o relógio. Eu não preciso mais dele. Ele é de Millie
agora. Abro a correia e a prendo envolta do seu pulso minúsculo, apertando
o máximo que posso. Ele é tão estreito e magro, tão pequeno. Eu sinto que
vou explodir em lágrimas, mas isso não acontece.

As horas passam. Depois de um longo tempo, Zeth senta na borda da


mesa de metal onde Millie está deitada, então ele a pega e a levanta em seus
braços. Ele segura ao redor dela os lençóis que estão cobrindo seu corpo, se
enrolando como se quisesse mantê-la aquecida, e apenas fica sentado assim,
passando a mão pelo seu cabelo, balançando-a em seus braços. Ele não diz
uma palavra.

Eu tento com toda a força, mas não consigo segurar as lágrimas. Zeth
sempre parece uma parede de tijolo impenetrável. Raios e trovões acima de
nós não o afetam. O inferno pode se partir, e ele se mantém firme,
inalterado. Mas agora ele segura essa garotinha em seus braços – uma
garotinha que ele só conheceu essa noite – e parece completamente
devastado.

Suas mãos enormes se movem lentamente pelo cabelo fino de Millie, e


depois de um tempo poso ouvir o ressoar profundo da sua voz enquanto ele

~ 149 ~
sussurra para ela. É algo terno e doloroso de ver. Não posso ouvir o que ele
diz para ela, e não quero, também. Isso é entre ele e Millie.

Mais uma hora se passa.

O telefone de Zeth começa a tocar no seu bolso, mas ele não atende.
Nenhum de nós se mexe para sair, porque isso não parece certo de alguma
forma. Millie não deveria ficar sozinha. Finalmente, a porta do necrotério se
abre e Michael entra. Seus ombros ficam duros, linhas profundas marcam a
sua testa quando ele vê Zeth balançando Millie nos braços.

— Deus, — é tudo que ele consegue dizer. Ele esfrega uma mão sobre o
rosto, colocando a outra no quadril. — Eu o encontrei. Ele está ali fora. Eu
não sabia se deveria deixar ele entrar ou não.

Eu fico de pé, estremecendo quando meus quadris e costas reclamam.


Fiquei sentada por tempo demais. — Ok. Ele já sabe?

Michael estremece também, embora eu acredite que é o seu coração


que está doendo. — Eu acho que sim. Eu não contei para ele. Ele me seguiu
sem dizer uma palavra. É como se seu corpo estivesse aqui, mas sua mente
estivesse em outro lugar.

Então ele sabe. Ele imagina, pelo menos, e agora está em choque. Eu
gostaria de pensar que isso significa que não preciso ir lá fora e dizer a ele
que a sua irmãzinha está morta, mas informar a família faz parte do
processo. Ele precisa me ouvir dizer isso. Mas eu realmente não quero. Vai
me destruir dizer essas palavras, mas não importa o quanto isso me
machuque, vai machucar ele um milhão de vezes mais. Ele cuidou de Millie
por tanto tempo. Ela era sua única responsabilidade, a única coisa com a
qual ele tinha que se preocupar no mundo todo, e agora ela se foi.

Eu ando para o corredor em silêncio, fechando a porta o mais


silenciosamente possível ao passar. Mason está sentando em uma das
cadeiras de plástico opostas à entrada do necrotério, encarando o espaço. Eu
me sento ao seu lado, tentando puxar respirar fundo sem parecer muito
óbvia.

— Mason...

— Eu nunca saio com garotas, sabe, — ele diz de maneira plana. — Eu


era realmente muito jovem quando tive que assumir Millie, e tudo que eu
queria era beber, lutar e foder. Eu sabia que não podia fazer isso se queria
ser uma figura sólida em sua vida, no entanto. Eu parei de beber tanto. Eu
nunca saía. Eu esqueci o que era sair com uma garota ou namorar. Quero
dizer, que garota no mundo ia querer namorar um cara com uma garotinha

~ 150 ~
pendurada no seu quadril o tempo todo? — ele solta uma respiração
exasperada, uma espécie de risada amarga. — Eu passei no último ano do
colégio. Consegui um trabalho. Trabalhei por anos, mantendo a cabeça
baixa, e então uma noite... na única noite em que eu não estava aqui... é
nessa noite que ela precisa de mim. É nessa noite que ninguém consegue me
achar em lugar nenhum.

— Mason, ela não sabia que você não estava aqui. Ela estava
inconsciente o tempo todo, — isso é algo inútil de dizer a ele. Não vai fazer
ele se sentir melhor, eu sei disso. Me odeio por apenas dizer as palavras,
mas ele precisa saber.

Ele faz um som estrangulado no fundo da garganta. — Quando ela


morreu? A que horas? Exatamente?

— Perto da uma e meia.

— São quase sete agora. Isso significa que ela se foi há malditas seis
horas, e eu estava... eu estava dormindo na cama de alguma garota, e ela
estava aqui, sozinha, — sua voz se quebra, ele engasga com a emoção. Ele
tenta dizer algo mais, mas em vez disso ele explode em lágrimas, se
inclinando para a frente, os cotovelos apoiados nos joelhos, o rosto enterrado
nas mãos.

— Ela estava sozinha. Ela estava sozinha, porra, — ele soluça.

— Ela não estava, Mason. Nós estávamos aqui com ela. Nós não a
deixamos sozinha por um segundo, eu juro. Nós ficamos aqui. Nós ficamos
aqui, — eu repito uma e outra vez, esfregando minha mão para cima e para
baixo das suas costas. Eu também estou chorando, incapaz de segurar o
mar de lágrimas escorrendo pelas minhas bochechas. — Zeth está lá dentro
com ela agora. E Michael, — eu digo a ele.

— Zeth? — Mason me olha de lado, seu rosto confuso. Seus olhos


estão brilhando, suas bochechas estão vermelhas. Ele é a visão de um
homem quebrado. — Zeth veio? — ele pergunta.

Eu assunto. Quem sabe como Mason vai se sentir com a presença de


Zeth aqui. Da última vez que eles se viram, eu estava implorando ao meu
namorado para não matar o garoto. Mason une as mãos, seu corpo
começando a tremer. — Isso é legal, — ele diz baixinho. — Acho que é legal
da parte dele ter vindo.

Eu não acho que ele realmente compreende o que está dizendo, não
está realmente pensando sobre isso. Ele parece anestesiado, o choque
chegando em ondas. Essas ondas não vão parar. Elas vão continuar

~ 151 ~
chegando, o acertando por dias. Semanas, até. Meses. Elas vão continuar
correndo por ele por anos, quando ele menos esperá-las, fazendo seu
coração doer do jeito mais excruciante.

— Você quer entrar para vê-la agora? — eu pergunto, sussurrando. —


Você quer ir se despedir?

Ele olha para mim mais uma vez, os olhos cheios de pânico. — Eu não
posso fazer isso. Ainda não. É cedo demais.

Não há porque tentar apressá-lo. Eu não faço isso. Deixo ele tentar se
recompor um pouco, mas a verdade é que sua compostura e calma vão voar
pela janela assim que ele passar pela porta e ver aquela garotinha. Eu vou
estar lá para ele se ele quiser, mas Mason realmente precisa passar por isso
sozinho.

Ninguém pode sentir a mesma dor que ele está sentindo agora. E, não
importa quanto eu queira fazer isso, ninguém pode carregar esse fardo por
ele, também.

~ 152 ~
Capítulo Vinte
ZETH
Eu nunca conheci Lacey quando ela era pequena. Eu teria gostado
disso. Eu provavelmente teria sido um grande babaca com ela quando
éramos crianças, puxando o seu cabelo e a provocando o tempo todo, mas
eu a teria amado. Eu a teria protegido. Se nós tivéssemos sido crianças
juntos, se tivéssemos tido uma infância juntos, crescido e nos tornado
adultos, ninguém jamais colocaria um dedo nela. Eu jamais teria deixado.
Ela teria crescido intocada, e não viveria tão ausente do mundo. Ela não
estaria morta agora, disso eu tenho certeza.

— Ei, cara. Talvez você devesse largar ela, — Michael diz. Ele esteve
inclinado silenciosamente, pelos últimos quinze minutos, contra a parede de
gavetas prateadas onde os corpos são guardados, me observando segurar
Millie. Eu posso dizer que ele não acha que eu estou fazendo uma coisa
muito inteligente, mas se segura para não dizer nada até agora. Eu não digo
nada. Deslizo da borda da mesa e cuidadosamente coloco Millie outra vez no
metal frio. Ela ainda está coberta por um lençol, mas parece desconfortável.
Acho um casaco azul escuro pendurado em uma cadeira do outro lado da
sala e o pego, amontoando o tecido para colocar debaixo da cabeça da
garota.

Uma última olhada para ela e eu sei que preciso ir.

— Certo, garota. Durma bem, ok? — eu acaricio seus cabelos uma


última vez, colocando algumas mechas atrás da sua orelha, e então nós
vamos. Quando saio para o corredor, Sloane e Mason se assustam quando
as portas balançam. Mason, o pobre bastardo, parece que está prestes a
morrer. Eu sei exatamente como ele se sente. Quando Lacey morreu, eu não
consegui nem falar direito por dias. Eu simplesmente odeio pensar no quão
crua era a dor naquela época. Ela era brutal, devastadora. Pensei que nunca
mais ia emergir do outro lado. Alguns dias, eu acho que ainda não emergi.

Coloco uma mão no ombro de Mason. — Eu sinto muito, — eu digo a


ele. É a única coisa que posso lhe oferecer. Nada de trivialidades ou tudo vai

~ 153 ~
melhorar com o tempo. Isso é inútil. Dizer que eu sinto muito é a única coisa
que realmente quer dizer algo.

Sloane parece derrotada. Ela me dá um sorriso triste e cansado, e eu


tenho que me impedir de pegar ela em meus braços e obrigá-la a ir para casa
comigo. Ela parece que precisa dormir. Ela definitivamente não deveria estar
aqui, mas ela é comprometida com o seu trabalho. Não importaria que ela
não conhecesse o cara sentado ao seu lado, se ele fosse outro estranho na
rua; ela ficaria com ele o lhe oferecia conforto enquanto ele precisasse. Ela
não vai sair do lado de Mason tão cedo.

— Me ligue se você precisar de mim, — eu digo a ela. Ela assente.


Rapidamente, ela fica de pé e joga os braços ao redor do meu pescoço, me
abraçando. Eu beijo a sua cabeça e então a sua boca, profundamente,
tentando passar alguma força para ela. Ela não precisa disso; minha garota
zangada é fodona. Mas em tempos como esses, no entanto, não faz mal
compartilhar um pouco.

Michael está logo atrás de mim quando saímos do hospital. — Você


quer que eu te diga? Estou com o meu Lexus aqui.

— Não, está tudo bem. Vá para casa. Durma. Você esteve acordado a
noite toda.

— Você me conhece. Eu vou dormir quando morrer.

Eu bato no seu ombro, grunhindo. — Te vejo mais tarde na academia,


— eu nunca vou dizer a ele que preciso de um minuto para mim. Nunca vou
dizer que ver aquela garotinha imóvel e sem vida abriu um buraco em mim
maior do que imaginei possível. Mas ele lê tudo isso em mim, no entanto. Ele
me conhece há muito tempo e pode ler todas as minhas expressões. Michael
pega as chaves do seu bolso e me dá um aceno ligeiro.

— Mais tarde, então.

Dirijo o Camaro para longe do St. Peter, e a cada quilômetro que me


distancio daquele lugar, me sinto mais pesado, não mais leve. Quero
esmagar algo com os meus punhos – ir para a academia é provavelmente a
melhor coisa que posso fazer por mim agora, mas me encontro indo na
direção do armazém. De volta para Lacey. Nós vivemos juntos por pouco
tempo, mas os quartos abertos, os espaços grandes, amplos e vazios são tão
cheios de memórias que às vezes parece que ela ainda está ali de alguma
forma, atirada no sofá, comendo seu cereal matinal, vendo TV.

Meu corpo está no piloto automático, meu cérebro está em algum


lugar muito distante, e então eu sinto o cheiro de fumaça antes de vê-la. Um

~ 154 ~
cheiro penetrante, espesso e químico enche o ar quando me aproximo do
armazém. Acre e amargo, o cheiro fica cada vez mais forte, até que minha
mente volta para a realidade, e eu vejo: a grande, enorme nuvem de fumaça
preta se afunilando na direção do céu como um tornado, bem no meio das
docas.

Eu já sei de onde ela vem pela distância da localização da fumaça, eu


já sei o que vou ver quando virar a próxima esquina: o armazém, queimando.
O armazém em chamas.

Um alarme está tocando em algum lugar perto. Ele fica mais alto,
estalando nos meus tímpanos, quando chego a vinte metros do prédio
pegando fogo e desço do carro.

Mas. Que. Porra. É. Essa?

As chamas derreteram os vidros das janelas do segundo andar. A


porta de correr no nível da rua que eu sempre mantenho fechada ainda está
com uma corrente, mas o metal se contorceu e agora é vermelho brilhante. O
lugar faz um som oscilante, um estalo ressoa quando dou um passo à frente.
Lá dentro, um barulho alto corta o ar quando algo desaba – uma viga de
suporte ou uma parede.

O fogo está bem estabelecido. Ele deve estar queimando há algum


tempo. Não há caminhão dos bombeiros ou da polícia estacionados na
frente, no entanto. Todos aqui em volta sabem que é melhor ligar para o 911
em uma situação como essa. O que dizer do que os bombeiros ou os policiais
encontrariam em um prédio como o meu. Não, as pessoas das docas estão
muito cientes de que eu as esfolaria vivas se descobrisse que elas fizeram a
ligação, então ninguém ligou, e o prédio está queimando.

O calor da fornalha é quase insuportável. Parece que ele vai derreter a


minha pele até os ossos se eu chegar mais perto. Um alto estalo, que vai do
teto até as fundações da estrutura, dividiu a parede principal em duas. Lá
dentro, cada pedaço de mobília, cada livro, cada uma das coisas que Lacey
trouxe com ela está sendo comido pelas chamas.

Puta que pariu.

Mas de maneira nenhuma do caralho isso aconteceu sozinho. Alguém


começou isso. Alguém propositalmente jogou gasolina e acendeu o fósforo.
Quando os bombeiros finalmente aparecerem, vão reportar que o fogo foi
resultado de um fio desencapado ou de um vazamento de gás. Eles não vão
querer se envolver em negócios que não são da sua conta. Mas eles vão
achar isso, no entanto – o acelerador, dispositivo ou projétil incendiário que
foi usado para causar esse inferno – e vão fingir não saber nada sobre isso.

~ 155 ~
Mas eu sei. Eu sei que alguém fez isso para declarar guerra, e tenho a
sensação de que sei exatamente quem foi.

Minhas suspeitas são confirmadas quando noto um pedaço de metal


saindo da cortina de metal. Eu não sei como não reparei antes – a ponta
afiada do aço cravada na cortina, enterrada quase até o punho. Uma faca de
açougueiro. O punho de madeira já está em chamas, o fogo azul o mordendo
e lambendo. Poderia muito bem haver uma nota presa a isso, dizendo
cortesia da família Barbieri.

Roberto Barbieri, também conhecido como Açougueiro do Brooklyn,


obviamente recebeu o meu presente. Eu tinha dúvidas de que Milo iria
sobreviver à viagem de três dias até Nova York com nada de água e comida.
Mas está claro que ele conseguiu, no entanto. Isso é retribuição. Roberto
Barbieri claramente não gostou de como eu rearrumei o rosto do seu garoto,
ou das suas costelas quebradas, e me mandou uma pequena mensagem de
volta. Assim é como as rivalidades começam. Um lado bate primeiro, o outro
responde. Uma vida de bate e volta segue, culminando em uma geração de
sangue e morte que consume os dois lados.

E eu estou prestes a pular nessa merda com os dois pés.

Você não declara guerra a um cara como eu e espera que nada


aconteça. Você não vem até a minha cidade e destrói a minha casa, e espera
dormir tranquilamente outra vez na vida. Não vou tolerar isso. Não vou
permitir isso. Isso é apenas o começo. Se eu deixar assim, Barbieiri vai
assumir Seattle. Ele não vai vir até aqui e ditar as regras ele mesmo. Ele vai
enviar alguém para fazer isso, e eu vou passar o resto da vida olhando por
cima do ombro.

Então é isso. Uma guerra, no fim das contas. Seattle é minha casa. Foi
onde eu cresci. Onde eu conheci Sloane. Caminhei por essas ruas minha
vida toda, e não vou desistir delas agora. Sangue vai manchar minhas mãos
outra vez. A morte virá em círculos acima da minha cabeça.

Enquanto observo as chamas famintas exterminarem o que sobrou do


armazém, o aço endurece em minhas veias. Esses filhos da puta vão desejar
nunca terem ouvido o nome Zeth Mayfair. Eu juro, eles vão desejar nunca
terem nascido.

~ 156 ~
Capítulo Vinte e Um
SLOANE
Mason desmonta sobre a sua irmã. É a coisa horrível e triste que eu já
vi nada vida. Fico com ele até que ele está tão exausto que mal consegue
sustentar a cabeça, então o levo para a minha casa. Ele tenta lutar, diz que
deveria ficar com Millie, que deveria voltar para a sua própria casa, mas nós
dois sabemos que ele realmente não quer ficar sozinho agora. A casa está
vazia quando nós chegamos. Eu mostro a ele onde fica o chuveiro do quarto
de hóspedes e digo para ele se sentir em casa. Ele se lava e depois se atira
na cama, caindo em um sono profundo e muito necessário. O sono vai ser
seu melhor amigo pelas próximas semanas. Ele se está dormindo, significa
que ele não tem que encarar a realidade. Ele pode desligar. Ele pode sonhar
que Millie está viva e que tudo está bem.

A tarde passa. Eu não ligo para Zeth. Eu vi como os eventos das


últimas vinte e quatro horas o afetaram – ele precisa de tempo para
processar. E eu também.

Ele ficou comigo enquanto cuidei de Millie. Ele se recusou a deixar ela
e eu sozinhas. Quando ela morreu, ele me ajudou a encarar a verdade, e
então a segurou com tanta ternura por horas. Ele acariciou seus cabelos e a
balançou, sussurrando para ela… E eu pude ver. Pude ver o pai dentro dele.

De fato, era uma situação trágica e suas ações foram motivadas pela
tristeza pela garotinha que estava deitada em seus braços, mas estava ali
para ver, claro como o dia – um lado suave, frágil e carinhoso que faria um
grande pai. Eu estava com medo antes. Com medo que as partes violentas e
perigosas da sua vida não o permitissem se conectar com nada que fosse o
aspecto selvagem da sua natureza. Eu sei agora, com uma certeza
inabalável, que esse não é o caso.

Uma calma se acomodou dentro de mim. Uma estado de paz pesado e


relaxado. Eu não estou mais com medo. Eu sei que nós podemos fazer isso.
Sei que podemos ter esse bebê. Não vai ser fácil. Às vezes eu vou me
preocupar por ter feito a decisão errada, tenho certeza, especialmente
quando precisar me afastar do trabalho, mesmo que seja por pouco tempo,
mas no fim das contas tudo vai ficar bem.

~ 157 ~
Agora, graças a Deus, o pânico e o medo, que estiveram pairando
sobre mim como uma nuvem negra nos últimos dias, se foram. Eu não sei
como teria suportado isso junto com a imensa dor que tenho em meu
coração por Millie e Mason agora. Seria demais para aguentar.

Devo ter caído no sono. Quando acordo, parece que horas se


passaram. Zeth está agachado ao lado da minha cadeira, e passa lentamente
a mão para cima e para baixo do meu braço. — Oi, — ele sussurra. Ele tem
um cheiro estranho, como plástico queimado ou cabelo chamuscado ou algo
assim. Uma linha escura como fuligem corre pela sua maçã do rosto e para
baixo, acabando no queixo.

— Que diabos aconteceu com você?

— Fogo. O armazém se foi, — ele diz. — Eu fiquei lá olhando ele


queimar até o fogo apagar. Uma casca vazia... foi tudo que sobrou.

— Puta merda. Você está bem? Tinha alguém dentro?

Ele balança a cabeça. — Eu estou bem. Não tinha ninguém dentro.

Eu apenas olho para ele, tentando imaginar o que essa novidade


significa. Zeth me observa com os olhos ilegíveis, sua boca é apenas uma
linha fina. Ele está furioso, posso dizer pela raiva se derramando dele, mas
não posso dizer o que ele está pensando. — Foi um acidente? — eu
pergunto.

— Não. Os italianos.

Meu alívio de antes desaparece. Isso são más notícias. Más notícias
pra caralho. O que vai acontecer agora? De todos os momentos para as
coisas explodirem na nossa cara, esse é o pior de todos. Apenas algumas
horas se passaram desde que eu falei para mim mesma que ter uma criança
seria algo possível para nós. Mais do que possível; seria algo bom. E agora eu
vejo a família faísca de escuridão em Zeth, e tudo que eu disse a mim mesma
está se tornando mentira.

— Sloane... — Zeth pega minha mão e leva até sua boca, pressionando
as costas da mão contra os seus lábios e congelando nessa posição. Ele
parece estar pensando. Então ele diz, — Eu tenho que ir para Nova York.

Meu estômago desaba como uma pedra em águas profundas. — Por


quê?

— Você sabe porquê. Eu não posso deixar isso sem resposta, — ele
rosna, sua voz cheia de raiva. — Se eu não fizer nada sobre o fato deles
terem colocado fogo no armazém, eles vão queimar esse lugar da próxima

~ 158 ~
vez. Provavelmente enquanto estivermos na nossa maldita cama. Eu não vou
deixar isso acontecer. Não vou deixar ninguém te machucar. Jamais. Eu vou
matar cada um desses filhos da puta antes de deixar eles colocarem um
dedo em você. Isso quer dizer que tenho que ir para Nova York.

— Vamos apenas ir embora de Seattle. Vamos... vamos para o Novo


México. Vamos ficar com Rebel e Alexis, — eu estou gaguejando,
desesperadamente tentando colocar uma razão na sua cabeça. Ele não pode
ir para Nova York. Se ele for, provavelmente não vai voltar, e então o quê? A
máfia não é apenas um cara cercado por um monte de discípulos que não
podem pensar sozinhos. Esses caras têm uma hierarquia. Se Zeth matar o
patriarca da família que o está desafiando agora, o problema não vai embora.
Alguém vai assumir o seu lugar, e então vai procurar vingança enquanto
tenta estabelecer seu poder. Zeth vai ser cortado em pedaços, e eu vou ficar
sozinha em Seattle, presa, talvez em perigo também, e não tenho ideia de
como viver sem ele. Mas parece que a minha sugestão o irritou, porque sua
expressão é tempestuosa, seus ombros puxados para trás.

— Eu não fujo das minhas lutas, Sloane. E com toda certeza de merda
eu não vou correr para Rebel. Você mal fala com a sua irmã. Você vai odiar
viver no Novo México, porra.

— Não tanto quanto eu vou odiaria ver você morrer.

Ele balança para trás nos calcanhares, as sobrancelhas se levantando


lentamente. — Você acha que eles conseguiriam me matar? O que faz você
pensar que eu não vou destruir cada um deles pelo que fizeram?

— Você pode fazer isso. Talvez você faça, mas e se não fizer? Se você
morrer, Zeth, eu morro.

Isso o faz parar de falar por um instante. — Se eles me matarem,


Michael vai te proteger, — ele sussurra. — Você não vai morrer.

— Eu morreria porque eu iria mais querer viver, seu idiota! Minha vida
estaria acabada sem você. Eu não poderia... eu não posso nem... — lágrimas
enchem meus olhos, borrando a minha visão. Eu mal consigo vê-lo agora.
Isso é bom, porque não quero olhar para ele. Eu quero arrancar meus olhos
fora e fingir que isso não está acontecendo. Não hoje. Não com Mason lá em
cima, quebrado, e o resto do mundo desabando ao nosso redor.

Zeth dá um rosnado profundo em seu peito. É tão profundo, tão cheio


de frustração, que eu praticamente sinto isso vibrando através da cadeira. —
Você me conhece, garota zangada. Eu não posso olhar para o outro lado.
— Nem mesmo por mim? — seu maxilar está duro. Posso ver que ele

~ 159 ~
está pensando em como responder essa questão. — Jesus, Zeth. Se não por
mim, você faria isso pelo seu filho que ainda não nasceu?

Essas palavras o atingem com força, como um tapa na cara. Ele pisca,
salta, as costas duras e retas. Ele segura a respiração, os lábios apertados.
Merda. Merda, merda, merda. O que eu fiz? Eu não deveria ter cuspido essa
notícia assim. Eu deveria ter dito a ele assim que eu descobri, eu sei disso,
mas eu precisava de tempo para pensar. E agora eu acabei de deixar essa
novidade explodir para fora de mim dessa maneira? Parece que o tempo
parou.

Eu não consigo decifrar sua expressão. Ele está feliz? Está com raiva?
Deus, ele parece apenas confuso. Ele lentamente fica de pé, de forma que
está pairando sobre mim. — Você está grávida? — sua voz é baixa e suave,
como se ele estivesse com medo de formar as palavras, e ainda mais de
deixá-las passar pelos seus lábios.

Eu assinto.

Ele não esta feliz. Eu cubro o rosto com as mãos. Eu não consigo
respirar. Não consigo respirar, porra. Eu amo tanto esse homem. Ele é o
sangue que faz meu coração continuar a bater. O oxigênio que enche meus
pulmões. O bálsamo que acalma a minha alma. Se ele me odiar por isso, se
ele se ressentir comigo, isso vai partir o meu coração.

— Como? — ele diz a palavra baixinho, o som disso ressoando pesado


no ar parado.

Eu explico sobre os antibióticos. — Me desculpe. Eu estava doente. Eu


deveria ter me lembrado. Mas eu estava tão ocupada com o trabalho.
Quando comecei a vomitar, pensei que ainda fosse a gripe, e então... então
eu percebi o que tinha acontecido, e...

— Há quanto tempo você sabe?

— Quatro dias, — eu sussurro. Zeth não se move. Eu gostaria que ele


se movesse. Gostaria que ele agarrasse algo. Jogasse alguma coisa longe.
Gostaria que ele falasse. Gritasse. Risse. Chorasse. Qualquer coisa. Eu
preciso saber o que ele está pensando. Seja o que for, bom ou ruim, eu só
quero saber, então nós podemos lidar com isso. Mas ele só fica ali parado,
me encarando. Os músculos dos seus braços estão se contraindo, as
tatuagens marcando a sua pele se movem enquanto ele tenta fazer seu corpo
parar de tremer.

— Zeth...

~ 160 ~
Ele se vira rapidamente, pega sua jaqueta de couro do cabideiro e
marcha para fora da casa, batendo a porta ao passar. A casa estremece com
o som, ecoando como um tiro.

Oh, merda. Porra, merda, caralho.

Eu me inclino para a frente, me apoiando em meus joelhos, tentando


acalmar a corrida frenética do meu coração. Agora eu realmente não consigo
respirar. Eu nem ao menos consigo formar um pensamento coerente.

Ele... ele não... ele não disse nada. Como? Como ele pôde ir embora
sem dizer uma palavra para me acalmar, para fazer eu me sentir melhor?
Como ele pôde ficar ali parado todos aqueles segundos e ser capaz de
esconder sua reação tão bem? Ele está furioso. Ele está furioso e ele me
odeia por isso, eu apenas sei. Deus, eu não consigo respirar. Porra, eu não
consigo...

A porta se abre com tanta violência que é um milagre que ela continue
presa às dobradiças. Zeth volta para dentro de casa como uma força da
natureza, uma tempestade imparável, girando e vibrando com energia. Ele
joga a jaqueta no chão, andando até parar a um metro de mim.

— Você está grávida, — ele diz, correndo as mãos pelo cabelo. É uma
afirmação dessa vez, não uma pergunta. — Você está grávida. De um bebê.
Meu bebê.

— Sim, — ele não está implicando que eu estive dormindo com outra
pessoa e que há uma chance de não ser dele. Posso dizer pelo seu olhar
chocado que ele está apenas tentando trabalhar o conceito na sua cabeça.
Eu tive alguns dias para me acostumar com a novidade, e ainda estou
trabalhando nisso. É compreensível que ele esteja tão atordoado.

— Isso... eu não estava esperando, — ele diz. — Nós nunca falamos


sobre crianças, Sloane.

— Eu sei. Foi um choque para mim também, acredite.

— De quanto tempo você está?

— Não muito. Apenas três semanas.

Ele assente. Assente, e então começa a andar de um lado para o outro.


Seus dedos ainda estão enterrados no cabelo. — E... você... — ele solta uma
respiração profunda. Balança a cabeça. Rosna baixinho. Eu nunca o vi
assim antes. Ele não sabe o que dizer. Como dizer. Eu já posso ouvir as
palavras, no entanto.

~ 161 ~
Eu o coloco para fora da sua miséria e vocalizo a questão. — Se eu
quero manter a gravidez?

Ele congela, seus olhos presos nos meus. As pontas das suas orelhas
estão vermelho-brilhante. — Eu sei que você não vai acabar com isso,
Sloane. Eu só quero saber se... — ele faz uma careta, fechando as mãos em
punhos. Frustrado não é a palavra para o seu estado de espírito agora. É
algo maior, algo além disso, mas eu não consigo definir em uma palavra. Ele
afunda na poltrona oposta à minha, sua cabeça pendurada, o queixo quase
encostando no peito. Ele parece derrotado.

— Eu quero saber como você se sente sobre isso, — ele diz as palavras
com pressa. — Quero saber se ter um bebê, ter o meu bebê, é algo que vai te
fazer... feliz. Você pode... você pode ver isso? Na sua cabeça?

Ele nunca pareceu tão vulnerável. Deus, eu quero correr para o outro
lado e me atirar nele, mas Zeth lida com seus sentimentos de um jeito
estranho. Ele não vai suportar que eu abrace dessa forma. Ele vai rejeitar
esse ato de carinho. Ele precisa que eu lhe dê tempo para dizer as palavras,
e ele precisa que eu lhe responda da maneira mais simples possível. Então é
assim que eu respondo.

— Sim. Sim, eu posso ver isso. Posso ver tudo. Eu quero esse bebê. Ele
é metade de mim e metade de você. Como eu posso não o querer? Eu estava
com medo de sequer pensar nisso por um tempo, vou admitir, mas agora eu
sei. Isso não foi planejado, e o tempo com certeza não é o ideal, mas eu sei
que podemos fazer isso funcionar. Se você estiver aqui comigo, nós podemos
fazer qualquer coisa.

Ele se senta imóvel, digerindo as minhas palavras. Sua cabeça ainda


está pendurada, como se ele estivesse tendo que encarar as piores notícias
da sua vida. Talvez seja. Eu posso muito bem ter acabado de dar as
novidades mais horríveis que Zeth Mayfair já recebeu na vida. Deus, eu
espero que não. Estou rezando para que não seja esse o caso quando ele
levanta a cabeça e eu vejo lágrimas em seus olhos.

— Graças a Deus, — ele sussurra.

Uma onda corre por mim, tão forte e poderosa que posso sentir o alívio
me tomando, tão intenso que minha cabeça gira. Deixo sair um soluço
quebrado e então coloco as mãos sobre a boca, tentando segurar os
próximos soluços altos que estão se construindo no meu peito. Zeth pula da
sua cadeira e corre para mim, me abraçando e me puxando da cadeira para
os seus braços.

~ 162 ~
— Não acredito nisso, — ele diz, sussurrando no meu cabelo. — Não
chore, garota zangada. Tudo vai ficar bem. Tudo vai ficar bem, eu prometo.
Eu juro a você. Porra, eu te amo tanto.

Eu me agarro a ele, mal conseguindo me controlar. Ahh, quem eu


estou enganando? Eu não estou me controlando mesmo. Choro até que a
sua camiseta está ensopada com as minhas lágrimas, e minha garganta dói
tanto que é difícil engolir. Eu estava com muito medo de sequer imaginar
que ele ia aceitar bem a notícia, então o fato de ele estar me confortando, me
dizendo que tudo vai ficar bem, que ele me ama, me faz sentir como se o
meu coração estivesse transbordando.

— E você consegue ver isso? — eu pergunto. — Você consegue nos ver


tendo uma família? Você acha que isso vai te fazer feliz?

Zeth solta um suspiro trêmulo. Ele pressiona a testa na minha,


fechando os olhos. — Eu já estou feliz, Sloane. Eu não te mereço, e não
mereço esse bebê. É a porra de um milagre. O presente mais precioso. Eu
não... eu só não quero estragar tudo.

Eu cubro o lado do seu rosto com a minha mão. Como as estrelas se


alinharam para que eu encontrasse esse homem? Nós andamos por
caminhos tão diferentes, nossas vidas nos levaram por direções tão
distintas, nossas dores e sofrimentos nos tornaram duas pessoas
absolutamente diferentes, e ainda assim, de alguma forma, o destino nos
uniu. Descobrimos que nossas diferenças nos aproximam, e nossos
passados não têm nenhum poder sobre o futuro que iremos compartilhar, se
quisermos.

E agora, um bebê. Nosso bebê. Ele ainda é um estranho, mas já sinto


como se outra peça do nosso quebra-cabeça tivesse entrado no lugar,
revelando um pouco mais da história das nossas vidas. Quem sabe quantos
outros pedaços ainda vão ser revelados. Quem sabe como a imagem será ao
final. Tudo que eu sei é que esse homem me segurando em seus braços é cru
e perigoso, é volátil, e ele é feroz e protetor e carinhoso, tudo ao mesmo
tempo.

— Você não vai estragar tudo, — eu digo a ele. — Você vai tirar tudo
isso de letra, Zeth Mayfair.

Ele então me beija como um homem se afogando, esmagando os lábios


nos meus como se eu fosse o seu oxigênio, a sua força vital, e ele não
pudesse ter o bastante. Eu o beijo de volta, me agarrando a ele, incapaz de
chegar perto o suficiente. Quando ele corta o beijo rapidamente, uso a
oportunidade para pedir a ele mais uma vez. — Por favor, não vá para Nova
York, Zeth. Por favor. Preciso de você aqui, comigo. Vivo.
~ 163 ~
Ele parece em conflito, os olhos brilhando de raiva. — Eu vou ficar. Eu
não vou a lugar nenhum agora. Mas porra, Sloane. Essa coisa vai se
resolver, de um jeito ou de outro. Eu vou estar pronto. Não é apenas em você
que eu tenho que pensar agora.

Ele está certo, naturalmente. O armazém queimado não vai ser um


evento isolado. Quando se trata de dinheiro e poder, homens e mulheres se
transformam em pessoas totalmente diferentes de si mesmas. É como um
vício, e como sempre acontece, o viciado vai fazer tudo para poder alimentar
esse vício.

Os italianos vão voltar. A perspectiva é assustadora, quase


assustadora demais para eu pensar agora, mas se tem uma coisa que eu
tenho certeza, é que Zeth vai cumprir com a sua palavra. Ele vai nos manter
a salvo. Ele não vai deixar que nada nos aconteça.

Eu me sinto estúpida por esperar tanto para contar a ele. Michael


estava certo; eu deveria ter confiado nele. Eu me sinto leve quando Zeth me
carrega pelas escadas até o nosso quarto. Tenho certeza agora que ter esse
bebê não vai nos separar.

Muito pelo contrário. Na verdade, por mais estranho que pareça,


acredito que ter esse bebê pode acabar sendo a nossa salvação.

Fim

~ 164 ~

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