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Rio de Janeiro
2015
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Rio de Janeiro
2015
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Aprovada por:
Rio de Janeiro
2015
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Agradecimentos
Gostaria de agradecer à minha mãe, Célia Moreira, pelo zelo sem precedentes, assim
como pelo amor e carinho que dedicou a mim desde meu primeiro segundo de vida. Sem seu
exemplo como pessoa, profissional da educação, mulher e mãe, eu não seria nem metade do
que sou hoje.
Agradeço à minha coorientadora, Prof.ª Liliane Cristina Coelho pelo incentivo que,
direta ou indiretamente, me forneceu para superar todas as adversidades que enfrentei durante
minha curta trajetória acadêmica. Agradeço ainda pelo carinho e confiança.
Agradeço aos membros do Grupo de Estudos Kemet que me ajudam a não perder o
amor e o prazer em estudar o Egito Antigo. Diariamente vejo o quanto crescemos em tão
pouco tempo, mesmo com tantas complicações. É esse fôlego que manterei enquanto viver.
Obrigada, Ana Luiza Duarte, Érica Calil, Jorge Luiz e Maria Luisa Freire. Agradeço ainda ao
Prof. Manuel Rolph que acolheu o Grupo de Estudos Kemet e nos proporcionou maravilhosas
oportunidades em prol de nosso aprimoramento enquanto grupo.
Ao Prof. André Chevitarese que é exemplo para todos com sua humildade e
benevolência. Ao Prof. Moacir Elias Santos pela ajuda e carinho. À Prof.ª Margaret Bakos,
pelo apoio afetivo e pelo incentivo. Ao Prof. Júlio Gralha pelo apoio que me proporcionou
para continuar estudando o Egito Antigo. À Prof.ª Evelyne Azevedo pela simpatia.
Agradeço à Thais Rocha pelo apoio. À Szuzsanna Végh pela simpatia e gentileza em
me enviar seus trabalhos apresentados em congressos na Europa sobre o culto de Rá em
Abidos. Ao amigo Ahmed Amer II por ser um grande companheiro nessa jornada.
Aos amigos e companheiros, que longe ou perto, forneceram seu carinho e paciência.
Gostaria de agradecer especialmente à Valéria Marques e Natália Seixas que sempre se
mostraram preocupadas com o andamento da minha pesquisa.
Ao Prof. Ciro Flamarion Cardoso que nunca tive a honra de conhecer pessoalmente,
mas que sempre será meu exemplo como egiptólogo.
viii
Ensinamentos de Ptah-Hotep
ix
RESUMO
Em nosso trabalho, estudamos O Festival de Osíris que consiste em uma das principais
evidências da importância de Osíris e de Abidos no Reino Médio, o qual foi alvo de atenção
da maioria dos faraós reinantes durante o período. O festival traz em si elementos que
relembram a origem mítica da realeza egípcia e que reafirmam a posição do faraó como força
de equilíbrio do cosmos. Peregrinos vinham de todo o Egito para acompanharem a procissão e
erigiam estelas em capelas votivas voltadas para a via em que ocorria, para que pudessem se
beneficiar da festividade. Através de Estelas provenientes do acervo do Museu Nacional do
Rio de Janeiro, analisamos a participação de particulares no festival, buscando identificar os
meios pelos quais a festividade legitimava a norma social e de que forma criava espaços para
tensionamentos e desejos individuais.
ABSTRACT
In our work, we study the The Osiris Festival, which is one of the main evidence of the
importance of Osiris and Abydos in the Middle Kingdom. The festival received attention of
most ruling pharaohs during the period. The festival includes elements reminiscent of the
mythical origin of Egyptian royalty, which reaffirm the position of pharaoh like Cosmos
balancing force. Pilgrims came from all over Egypt to accompany the procession and they
erected stelae in votive chapels focused on the way in what happened, so they could benefit
from the festival. Through stelae from the collection of the National Museum of Rio de
Janeiro, we analyzed the individuals' participation in the festival, seeking to identify the
means by which the festival legitimized the social norm and through which means creating
spaces for tensions and individual desires.
Lista de Figuras
DAVID, Rosalie. Religião e Magia no Egito Antigo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, p. 23
xiii
Sumário
Introdução ................................................................................................................................. 1
Capítulo 2. O Egito Antigo durante o Reino Médio (c. 2008 – 1685 a.C.). ....................... 11
O Egito Antigo é comumente conhecido por ser uma sociedade centrada em si mesma
e com uma monarquia forte e centralizada. Aspectos esses que ajudaram na manutenção de
sua estrutura político-econômica durante milênios de História. Entretanto, há de se fazer
ressalvas sobre essas afirmações, não só buscando relativizá-las, mas também traçando um
quadro teórico que demonstre as relações que se estabeleceram no interior da sociedade
egípcia para que tais formulações tenham chegado até nossos dias.
Ao nos depararmos com os festivais em honra de Osíris e sua estrutura ritual, a qual
encena as etapas principais do Mito de Osíris, nos perguntamos qual o papel que ele teria
desempenhado na antiguidade egípcia. Sabe-se que os funcionários ou o próprio faraó
deveriam comandar os festivais no Egito Antigo, tendo, também, a evidência de participação
1
De acordo com o mito na versão de Plutarco (45 – 120 d. C): Osíris, faraó do Egito, é traído e assassinado por
seu irmão Seth, tendo seu trono usurpado. Seth, com a intenção de impedir a mumificação do irmão, espalha
seus restos mortais em todo o Egito. A deusa Ísis, esposa de Osíris, consegue juntar todos os pedaços, exceto o
seu órgão reprodutor, que durante o ritual de mumificação feito por Anúbis, surge em forma de madeira e
fecunda Ísis que mais tarde dará à luz Hórus. Hórus, representado com corpo de homem e cabeça de falcão,
perdeu o olho direito na batalha contra seu tio Seth, aonde vingou seu pai e retomou o trono do Egito. Ver
discussão na página 21.
1
de indivíduos que não eram da realeza durante o ritual, uma vez que a peregrinação de
pessoas de todo o Egito é fato concebido pelos estudiosos.
Nesse sentido, partindo da premissa que o poder é relacional, nos questionamos sobre
a esfera de ação dessa ideologia real. Sabemos que a grande maioria dos textos e fontes que
possuímos para o estudo do Egito Antigo, contribui para a imagem do faraó como divindade.
Entretanto, tais fontes são porta-vozes da realeza e da elite egípcia. O estudo das camadas
sociais menos abastadas é dificultado pela reduzida quantidade de fonte que possuímos.
No que concerne às fontes que usamos para fundamentar nossas hipóteses elencamos
estelas as quais achamos prudente realizar análise epigráfica de forma simplificada. São onze
estelas provenientes de Abidos, produzidas durante o Reino Médio (c. 2008 - 1685 a.C.), as
quais tinham como objetivo compor de alguma forma o Festival de Osíris. São elas: a estela
encomendada por Senusret III (c. 1872 – 1834 a.C.) à Ikhernofret com as etapas do festival e
dez estelas votivas provenientes do acervo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, as quais
pertenciam a cenotáfios construídos na via processional do festival.
2
Decidimos não realizar análise iconográfica das estelas neste trabalho, pois para o
objetivo específico não foi condizente com a necessidade. Afirmamos que as iconografias das
estelas possuem elementos mágicos e simbólicos a serem estudados posteriormente.
Entretanto, em nosso recorte, estudamos o próprio festival como o grande porta-voz da
mensagem simbólica, o qual, na sua grande parte, todos podiam ter acesso. Sendo assim, as
estelas dizem muito sobre os particulares que as construíram e sobre a função do festival em
si, e foi por esse viés que decidimos analisá-las.
2
GRAJETZKI, Wolfram. The Middle Kingdom of Ancient Egypt: History, Archaeology And Society. London:
Duckworth, 2006.
3
O terceiro capítulo conta com a historicização do objeto de estudo, ou seja, colocamos
o Festival de Osíris e o próprio culto de Osíris em Abidos em perspectiva histórica. Versamos
sobre as diferentes perspectivas e teorias que associam historicamente Osíris e Abidos,
trazendo a explicação de cada egiptólogo que se preocupou em entender essa relação. Nesse
capítulo, elaboramos uma discussão sobre o que se entende por ritual e quais são os tipos mais
recorrentes no Egito Antigo. Após tal explanação, focalizamos a estrutura do Festival de
Osíris em si, trazendo a estela de Ikhernofret e sua interpretação pela egiptóloga Marie-
Christine Lavier3. Por fim, problematizamos a utilização da cultura material como fonte e seus
desafios para o historiador, para enfim, apresentarmos um panorama sobre as estelas erigidas
em capelas para o Festival de Osíris e a esfera de ação dos particulares no festival.
3
LAVIER, Marie-Christine. Les Mystères d'Osiris à Abydos d'après les stèles du Moyen Empire et du Nouvel
Empire. Hamburg: Helmut Buske Verlag, 1989.
4
Capítulo 1. História e Sociologia: um diálogo profícuo.
A pesquisa histórica está em constante transformação, uma vez que não existe verdade
absoluta na História. Por isso, pode-se afirmar que os objetos de estudo da pesquisa histórica
são compostos pela dinamicidade que lhes é característica. Para auxiliar na reflexão do nosso
objeto, dialogamos com a Sociologia.
Bourdieu afirma que os agentes estão inseridos em campos sociais específicos, que
são determinados de acordo com o capital (cultural, econômico, político, social etc.) que
possuem. E é o habitus de cada indivíduo ou grupo que determina sua disposição espacial
dentro do campo. Ambos os conceitos serão necessários para compreendermos o nosso objeto
de estudo: o Festival de Osíris. Dessa forma, procuramos mobilizá-los de maneira condizente
com a temporalidade estudada.
4
THIRY-CHERQUES, Hermano Roberto. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. Rev. Adm. Pública. 2006,
vol.40, n.1, p. 30.
5
Bourdieu define o conceito de campo como “espaço estruturado de posições (ou de
postos) onde as propriedades dependem de sua posição dentro destes espaços e que podem
ser analisados independentemente das características de seus ocupantes (em parte
determinado por elas).”5 Ou mesmo “como um sistema de desvio de níveis diferentes e
nada, nem nas instituições ou nos agentes, nem nos atos ou nos discursos que eles
produzem, têm sentido senão relacionalmente, por meio do
jogo das oposições e das distinções”6.
Dessa forma, o campo se define através das tensões entre agentes e a sociedade. São
espaços estruturados onde os agentes se tensionam visando manter ou adquirir um lugar na
hierarquia vigente. O campo é resultante de um processo de distinção social e todo campo é
composto por indivíduos que possuem o mesmo habitus. Cada campo é composto de acordo
com as relações vigentes em cada especificidade espaço-temporal.
Sendo assim, habitus consiste na estrutura pela qual os agentes apreendem o mundo
social e se posicionam no campo. Bourdieu afirma que o habitus dos atores sociais não é
estático. Ao contrário disso, o habitus é composto por estratégias individuais pelas quais o
indivíduo que toma consciência da disputa social dentro de seu campo pode manipular mais
capital e estrategicamente posicionar-se com maior prestígio dentro do campo.
5
BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 89.
6
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 60
7
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 191.
6
O conceito de campo de Bourdieu se aproxima consideravelmente do conceito de
(con)figuração do sociólogo Norbert Elias. Elias evidencia o aspecto inter-relacional de
qualquer exercício de poder. O conceito de interdependência é chave no livro A Sociedade de
Corte8, pois mostra que os indivíduos, independente da condição social que possuem,
dependem um do outro, ou seja, os indivíduos não podem ser entendidos separadamente. Os
indivíduos devem ser entendidos nas relações sociais que se estabelecem de dependência
mútua, como, por exemplo, a relação do Rei com seus súditos. Os súditos dependem do Rei,
mas o Rei também depende dos seus súditos.
Tanto Pierre Bourdieu quanto Norbert Elias estudam as relações entre indivíduos e
sociedade, mas também as formas de poder presentes nessa relação. Os conceitos de habitus e
campo de Bourdieu e o conceito de interdependência de Elias contribuem para o estudo das
relações de poder no interior da sociedade.
O poder seria facilmente dissipado se quem o possui fizesse somente por meio da
força física para mantê-lo, nos lembra Pierre Bourdieu. Como e através de quais mecanismos
8
ELIAS, Norbert. A Sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte.
Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
9
ELIAS, Norbert. Introdução à sociologia. Lisboa: Edições 70, 1970, p. 78 - 79
7
nossos governantes se mantêm no poder? Como poucos homens conseguem comandar uma
nação tão numerosa por tanto tempo? Não utilizam apenas artifícios visíveis, mas também
invisíveis. Para Bourdieu, o poder simbólico é esse poder invisível que só é exercido se for
invisível, pois quem está sujeito a ele, não se dá conta. Transforma-se os subjugados em
cúmplices inerentes.
Georges Balandier, em concordância com essa ideia, reforça que nenhum poder pode
ser mantido somente pela violência e força. Para isso, governantes fazem uso de mecanismos
simbólicos para construírem a efetividade de seu poder. Dessa forma, o poder só se realiza e
se conserva, através da “transposição, pela produção de imagens, pela manipulação de
símbolos e sua organização em um quadro cerimonial”10. Tais operações, afirma Balandier,
são transmitidas de diversas formas, combináveis ou não, mas sempre apresentando um ideal
de sociedade e legitimando as hierarquias governamentais estabelecidas. O autor afirma “logo
que a dramaturgia política traduz a formulação religiosa, ela faz uma réplica da cena do
poder ou uma manifestação do outro mundo. A hierarquia é sagrada - como diz a etimologia
– e o soberano depende da ordem divina.”
Nenhum dos dois autores citados tem como objeto de estudo o Egito Antigo, porém
estudam o poder. E o poder simbólico, a manutenção de uma posição hierarquicamente
privilegiada através de mecanismos simbólicos, pode se fazer presente em todas as formações
sociais, em diversos tempos históricos. Não por acaso os trechos de Georges Balandier
citados acima podem parecer familiares para um estudioso do Egito Antigo, como se fizessem
referência direta à monarquia egípcia e aos meios de manutenção do poder faraônico.
Podemos afirmar que a manutenção do status divino do faraó no Egito Antigo sempre
foi de grande importância para a ideologia real. A divindade do faraó e a manutenção do
cosmos eram essenciais para o equilíbrio do Egito. Para não perder o status de divindade, o
faraó participava de numerosos rituais e festivais destinados a reforçar seu poder divino e a
sua relação com o ka real ao longo do tempo.
10
BALANDIER, Georges. O Poder em Cena. Brasília: Editora UnB, 1982, p. 7.
8
ritualístico por meio da consolidação de imagens, levando à aceitação social. Segundo
Segalen11,
O poder é relacional e isso é apreendido tanto por Ciro Flamarion Cardoso quanto por
Pierre Bourdieu e Norbert Elias. Logo, entendemos que estudar a monarquia faraônica e um
ritual específico que a legitimou, não é só analisar a mensagem passada por si mesma, mas
também procurar preencher as lacunas e entender sua recepção.
11
SEGALEN, Martine. Ritos e rituais contemporâneos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002, p. 31.
12
CARDOSO, Ciro Flamarion. Os festivais como encenação da sociedade. Phoinix, Ano 18, v. 18, n. 1. Rio de
Janeiro: Mauad X, 2012, p. 12-26.
13
Ibidem, p. 14.
9
ocupam na rede de interdependência. E essa visão vai de encontro com o conceito de campo e
habitus de Bourdieu, onde os indivíduos buscam através de um determinado tipo de capital,
tensionar o habitus individual com o do grupo e, assim, ocupar um local privilegiado no
campo. Dessa forma, a maneira que o poder há de se estabelecer, depende dos tensionamentos
e das disputas internas estabelecidas dentro do campo ou das redes de interdependência.
Vimos que a ação ritual é considerada diretamente poder, como dito anteriormente,
consideramos o poder como relacional e simbólico, sendo “o poder de constituir o dado pela
enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e,
deste modo, a ação sobre o mundo.”14. Nesse caso, as produções simbólicas atuam como
forma de dominação e de diferenciação entre o setor dominante da sociedade e o dominado.
Mas, como foi dito anteriormente, por mais que haja mecanismos simbólicos que inculcam a
aceitação social da dominação, também há espaço para negociação, pois, no tensionamento
das relações de poder, são levados a cabo as estratégias.
Segundo Janet Richards, os faraós da XII dinastia (c. 1938 -1759 a.C.) manipularam o
sítio arqueológico de Abidos ao seu favor, reescavando e ressignificando o local15. A região
associada à tumba de Osíris foi um dos objetos da estratégia real visando à legitimação,
resultando na manipulação da memória, fazendo com que a região virasse um imenso foco de
festivais e peregrinação. Nessas festividades, há a divulgação de mensagens, símbolos que
auxiliam na manutenção da ordem. A efetiva presença de setores reais e não reais em Abidos
durante as festividades dedicadas a Osíris significa que houve receptividade da mensagem
passada e possível brecha para negociação, estratégia, mudança e tensionamento.
14
BOURDIEU, Pierre. Op. Cit. 6.
15
RICHARDS, Janet. Society and Death in Ancient Egypt: Mortuary Landscapes of the Middle Kingdom.
Cambridge: Cambridge University Express, 2005.
10
Capítulo 2. O Egito Antigo durante o Reino Médio (c. 2008 – 1685 a.C.)
Manethon produziu suas hipóteses cronológicas a partir de Listas Reais que podem ser
encontradas em templos ou em monumentos antigos. As grandes maiorias das Listas Reais
templárias não tinham o propósito de registrar a história do Egito Antigo, mas sim prestar
culto aos antepassados. Mesmo possuindo o caráter ritualístico e não historiográfico, podemos
usar esses registros como fontes para a datação da história egípcia, como Manethon o fez.
11
Figura 1. Linha 1 e Linha 2 da Pedra de Palermo. (Verso). O desenho pertence à obra de HORNUNG, Erik.
KRAUSS, Rolf. WARBURTON, David A. (eds). Ancient Egypt Chronology. Leiden: Brill, 2006, p. 19.
Outra fonte utilizada por Manethon foi o Papiro Real de Turim. O papiro encontra-se
exposto no Museu Egípcio de Turim, provavelmente foi escrito durante o reinado de Ramses
II e menciona os faraós reinantes anteriores a Ramsés II. Entretanto, inicia sua contagem de
faraós de forma mitológica, ou seja, os primeiros faraós reinantes são deuses. Kim Ryholt16
afirma que esse é o único documento que se pode considerar como uma “listagem de reis de
verdade”, pois o principal propósito foi de fato o registro da sucessão dos faraós e não o
caráter ritualístico. O papiro assinala sequencialmente o reinado dos faraós, assim como
contribui com eventos importantes.
Podemos citar ainda as Listas Reais de Seti I e Ramses II. Essas listas estão presentes
no interior dos templos construído pelos faraós em Abidos. Como dito anteriormente, essas
listas possuem caráter ritualístico e por isso devemos tomar cuidado ao utilizá-la para o estudo
das sucessões de reinado. Elas não citam os faraós que se distanciaram do papel que
oficialmente tinham que cumprir, ou seja, faraós ilegítimos, tais como Hatshepsut e
Akhenaten. Na Figura 2 aparecem à esquerda, o faraó Seti I e seu filho Ramses II prestando
culto aos antepassados listados à sua frente.
16
RYHOLHT, Kim. The Turin King-List or So-Called Turin Canon (TC) as a Source for Chronology.
IN:HORNUNG, Erik. KRAUSS, Rolf. WARBURTON, David A. (eds). Ancient Egypt Chronology. Leiden:
Brill, 2006.
12
Figura 2. Lista Real do Templo de Seti I em Abidos. A figura pertence à obra de WENGROW, David. The
Archeology of Early Egypt: Social Transformations in North-East Africa, C.10,000 to 2,650 BC. Crambidge:
Cambridge University Press, 2006, p. 130.
De acordo com Erik Hornung17, a obra Aigyptiaka comporta muita similaridade com o
Papiro Real de Turim, pois existe a inclusão de grande parte dos faraós, incluindo os
ilegítimos, possuindo seus nomes e duração de reinado, estão ainda distribuídos em grupos e
listados sequencialmente. Baseando-se nesses documentos listados acima, o sacerdote
Manethon dividiu a história do Egito Antigo em 31 dinastias. Iniciando com o governo do
faraó Menés (Narmer) e finalizando com a conquista de Alexandre, O Grande em 332 a.C.
17
HORNUNG, Erik. et all. Op. Cit. 10, p. 34.
13
É importante salientar e explicar alguns termos característicos sobre o assunto, visando
à continuação do debate. Em primeiro lugar, ressaltamos o significado do termo “dinastia”. É
comum ligarmos diretamente o termo dinastia ao fato de uma família suceder ao trono, como
acontece na Idade Moderna. Entretanto, no Egito Antigo, dinastia não está ligada ao laço
consanguíneo entre os governantes que se sucedem ao longo do tempo. O pertencimento de
um faraó a uma determinada dinastia egípcia significa que um preciso grupo de governantes,
incluindo ele, eram provenientes de uma localidade específica e/ou mudaram a capital do
Egito para alguma localidade e/ou tinham como espaço de enterramento um nomo
determinado.
Contudo, isso foi uma forma de agrupamento realizada por Manethon. Os egípcios
antigos não contavam o tempo dessa maneira. Para um funcionário real prestando serviço
durante o primeiro ano de governo de Senusret III, ele estava vivendo sob o “Ano 1 do
Reinado de Senusret III”. Ou seja, os anos, para os egípcios, eram dados conforme o reinado
do faraó. Assim que um faraó sucedia o outro, a contagem dos anos era zerada.
Sabemos que, de acordo com o calendário solar egípcio18, havia 12 meses de 30 dias
no calendário egípcio, com o adicional de mais 5 dias, completando, assim, 365 dias. O mais
problemático é transpor esse calendário para o calendário ocidental.
18
É importante citar a existência de outros calendários no Egito Antigo, tais como o Calendário Lunar, o qual
determinava as festividades.
14
Tabela 1. Cronologia do Egito Antigo para Wolfram Grajetzki
Reino Antigo Dinastia III até a Dinastia VI (c. 2700 - 2150 a.C.)
Primeiro Período
Dinastia VII até a Dinastia XI (c. 2150 - 2008 a.C.)
Intermediário
Reino Médio Dinastia XI até a Dinastia XIII (c. 2008 - 1685 a.C.)
A egiptóloga Janet Richards atesta que o Reino Médio foi um importante período para
a trajetória da história Egípcia antiga, visto que resultou em uma transformação social,
política e ideológica que havia se iniciado no final do Reino Antigo21. A XI dinastia (c. 2103
– 1976 a.C.) foi marcada pela crescente anexação de territórios visando à reunificação do
Egito. Já Antef II (c. 2103 – 2054 a.C.), segundo faraó desta dinastia22, reinou do sul de
Elefantina até Abidos. Seu reinado é contemplado pela renovação de vários templos ligados à
“deificação” da realeza, como os de Abidos, Heliópolis e Hieracômpolis, templos de Osíris-
Khenty-Amentiu, Rá e Hórus, respectivamente.
A XII dinastia (c. 1976 – 1794 a.C.) é inaugurada com o faraó Sehetepibre
Amenemhat I, (c. 1976 – 1947 a.C.), portando o nome de Hórus Wehem-mesut –
Renascimento -. Amenemhat I é conhecido pela crescente política de defesa, promovendo
campanhas militares contra a Núbia, Ásia e Líbia visando à proteção do Egito, além do
sistema de defesa nomeado “Muro do Príncipe”. O faraó continuou o programa de
21
RICHARDS, Janet. Op. Cit. 15.
22
Segundo cronologia seguida por Wolfram Grajetzski.
23
Segundo Wolfram Grajetzki: “Nomes reais são sempre parte da propaganda real”. In: GRAJETZKI, Wolfram.
Op. Cit. 2, p. 19.
24
Parte da titulatura real.
17
reconstrução e renovação dos templos e também implementou a política de corregência,
governando conjuntamente com Kheperkare Senusret I (c. 1956 – 1911 a.C.).
Segundo Wolfram Grajetzki25, a posição de Senusret I não estava muito estável e por
isso o faraó voltou à atenção para a renovação em larga escala de templos importantes em
todo Egito para poder se fazer presente no país inteiro. Uma importante renovação feita por
Senusret I foi no templo de Osíris em Abidos, além de provavelmente ter iniciado o costume
de erigir estelas e/ou cenotáfios nessa localidade, já que a primeira estela de Abidos possui o
nome do faraó. Ainda sob o governo de Senusret I, houve a total conquista da Núbia, indicada
por fortalezas fundadas sob o território demonstrando que o faraó foi aonde nunca outro havia
ido anteriormente, além de ter sido a primeira vez que o Egito conquistou uma área fora de
seu país e a manteve sob controle.
O reinado de Senusret III foi marcado por diversas mudanças, é o que nos evidencia
Grajetzski. O autor cita o aparecimento de novos títulos administrativos, o que parece indicar
uma reorganização do Egito. Os principais centros que receberam construções reais foram
Dahshur, Lisht, Fayum, Tebas e Abidos. Enquanto no inicio do Reino Médio, a decoração de
tumbas da classe dirigente incluía modelos de madeira, já no Reino Médio tardio isso tendeu a
se modificar.
Em concordância com Grajetzski, Janet Richards argumenta que parte dos fenômenos
de mudança atribuídos ao reinado de Senusret III, pode ser resultado de um processo gradual
que teve início em tempos anteriores. Tanto o aparecimento de novos títulos burocráticos
25
GRAJETZKI, Wolfram. Op. Cit. 2, p. 38 - 40.
18
como a extinção da nobreza provincial parece ter sido mais uma extinção gradual do que uma
decisão violenta de repressão.
A sucessão de reinados durante a XIII dinastia (c. 1794 - 1685 a.C.) não é conhecida
inteiramente. Sabe-se que ao longo de cerca de 150 anos, reinaram por volta de 50 a 60
faraós. Para Grajetzki, a XIII dinastia poder ser dividida em três períodos principais: o
período inicial, no qual diversos faraós reinaram por períodos curtos; um período que
corresponde à metade da XIII dinastia, no qual os faraós reinaram por mais tempo, uma boa
quantidade de monumentos privados e reais datam desse período; a faixa temporal final, na
qual houve uma imensa quantidade de faraós que pouco conhecemos.
O período que corresponde à metade da XIII dinastia, cerca de 1744 – 1685 a.C., pode
ser considerado como um momento mais estável do que o início. Após a fase inicial da XIII
dinastia ter passado pelas mãos de governantes pouco duradouros e minimamente conhecidos,
temos uma segunda fase de maior estabilidade. Devido à prática de estabelecimento de
casamento com a elite administrativa do Egito, os faraós da XIII dinastia parecem ter sido
gerados através desses casamentos.
Muitos faraós desse período em questão são conhecidos por capelas votivas em
Abidos. O faraó Userkare Khendjer (c. 1779 – 1775 a.C.), filho de Sobekhotep II,
provavelmente foi 21º faraó da XIII dinastia. Khendjer possui uma estela com seu nome em
Abidos e também realizou empreendimentos de renovação no templo na localidade construído
por Senusret I.
O faraó Sobekhotep IV (c. 1756 – 1746 a.C.) também tem uma estela com seu nome
em Abidos a qual Wolfram Grajetzki afirma ser a mais importante do seu reinado. O autor
fornece a informação que a estela é datada do segundo ano de seu reinado e possui inscrições
19
mostrando o faraó em seu palácio conversando com nobres e funcionários, e solicitando que
pudesse ver os escritos do velho Atum para saber como criar uma imagem de Osíris.
Durante o final da XIII dinastia e início do Segundo Período Intermediário, cada vez
menos é atestada a presença dos faraós controlando territórios estrangeiros. Por exemplo,
sabe-se que as fortalezas na Núbia foram abandonadas. Entretanto, como dito acima, ainda
havia uma imensa preocupação da realeza para com a renovação dos templos dedicados a
Osíris em Abidos e a contínua prática de erigir estelas e capelas votivas.
Dessa forma, constata-se que após o turbulento Primeiro Período Intermediário, foi
necessária uma política de centralização do Estado, assim como estratégias de cooptação de
ideologias que favorecessem tanto a reputação quanto a autopromoção do faraó. A associação
do faraó morto com Osíris e do faraó vivo com Hórus trata-se de uma peça chave para a
“deificação” do faraó reinante e de seu antecessor falecido. No Reino Médio, Osíris e seu
culto irão ganhar papel de destaque, assim como Abidos estará cada vez mais centrado como
espaço de relevância religiosa, além de receber diversas construções reais, seja um novo
projeto ou uma reconstrução nas estruturas existentes. Além da preocupação da realeza, há de
se mencionar a crescente participação de setores não-reais no local, a qual é um dos focos da
presente pesquisa.
20
Capítulo 3. O poder simbólico do Festival de Osíris: habitus e estratégia.
Osíris é um dos principais deuses do Egito Antigo e seu culto localizado em Abidos,
especificamente, pode ser caracterizado como monolatria. Entretanto, o deus foi cultuado em
todo território egípcio desde o período pré-dinástico até o período greco-romano. É
importante citar o quão difícil é – talvez impossível - traçar um panorama do surgimento de
alguns deuses no Egito Antigo e de suas permanências na teologia, uma vez que há poucos
indícios com que possamos trabalhar nos períodos iniciais. Ao longo da história egípcia,
evidencia-se uma fluidez, principalmente nos períodos mais avançados, onde definitivamente
os conceitos iniciais se modificam.
O Mito de Osíris como se concebe nos dias atuais – em narrativa – é obra de Plutarco
(45 – 120 d. C), historiador grego, que escreveu Os Mistérios de Ísis e de Osíris. Porém o
Mito de Osíris não está originalmente em forma narrativa e sim em fragmentos de passagens –
sejam nos textos das pirâmides ou em papiros –. Não há evidências que o Mito de Osíris era
entendido no período faraônico como um todo narrativo e sequencial, como aparece em
Plutarco.
Os primeiros registros com o qual se pode extrair algo são os textos das pirâmides, já
que se apresentam como suficiente para fundamentar teorias sobre os conceitos que rondam a
religião egípcia no Reino Antigo, e até em épocas anteriores. Os Textos das Pirâmides são
26
CARDOSO, Ciro Flamarion Santanna. Deuses, múmias e ziggurats: uma comparação das religiões antigas do
Egito e da Mesopotâmia. Porto Alegre: Editora Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1999, p.
63.
21
encontrados nas paredes de cinco pirâmides em Saqqara27. E é exatamente nos Textos das
Pirâmides que a presença do deus Osíris se mostra aparente, cumprindo função importante no
enterro dos mortos, e cada vez mais, ao longo da história egípcia, ocupava um papel central
não só em relação às práticas funerárias, mas também para a própria afirmação estrutural da
monarquia faraônica28.
Para alguns egiptólogos, – como Kurt Sethe, E. Otto, H. Kees, segundo Josef W.
Wegner - no período pré-dinástico, Osíris era um deus ligado à agricultura, à fertilidade do
solo e ao ciclo anual do Rio de Nilo. No Reino Antigo, conforme apontado mais
especificamente nos Textos das Pirâmides, há evidências de que Osíris já possuía a sua
personalidade divina original e mais conhecida: a de deus do mundo dos mortos. A discussão
sobre como Osíris deixou de ser considerado – e se de fato foi considerado – um deus da
agricultura para passar a ser o deus do mundo dos mortos é fervorosa. Segundo um esquema
montado por Josef W. Wegner29 as diferentes teorias contam com nomes importantes que
defendem duas posições diferentes, por vezes complementares: o modelo tradicional de
interpretação, com Kurt Sethe, E. Otto, H. Kees, entre outros; e o modelo que defende a
origem abidiana, interpretação de John Gwyn Griffiths.
31
É importante citar que segundo a interpretação de Griffiths, a inclusão do episódio de luta entra Seth e Osíris
foi algo planejado pela teologia heliopolitana.
32
Há evidências de que Peker corresponde à Umm el-Qa‟ab (Mãe dos Potes).
33
Alto oficial do governo de Senusret III.
23
3.2. A Estrutura ritual do Festival de Osíris e a construção de um habitus.
34
BAINES, John. Sociedade, moralidade e práticas religiosas. IN: SHAFER, B. E. (org). As Religiões no Egito
Antigo: deuses, mitos e rituais domésticos. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. p. 152
24
novos templos e a manutenção dos antigos. De acordo com essa situação, a ordem social
justifica-se mitologicamente: por mais que o faraó de fato não fosse o responsável por todas
as funções sacerdotais no Egito - e sim uma gama específica de sacerdotes - ele é
representado como o sumo sacerdote nas cenas de culto, sendo sempre o principal oficiante.
A característica comum entre eles eram as etapas. A grande maioria consistia na saída
de uma imagem do deus cultuado do seu templo até outro local. Essa trajetória poderia ser
feita diretamente entre um ponto até o outro ou a imagem do deus circulava por templos
próximos. A imagem do deus quase sempre era levada em uma barca – os formatos e números
eram diferentes de um festival para o outro – e tinha que ser levada dentro de uma “cabine
sagrada” (exemplo na Figura 3). Ao longo da procissão eram realizados ritos performáticos
condizentes com o festival celebrado.
25
Figura 3. Festival de Opet. Reino Novo. Relevo proveniente do Templo de Hatshepsut. A imagem pertence à
obra de DARNELL, John. Opet Festival. In: UCLA Encyclopedia of Egyptology. Department of Near Eastern
Languages and Cultures, 2010, p. 2.
O faraó em pessoa deveria comandar os festivais. Quando não podia estar presente,
delegava a algum funcionário de confiança. No caso do Festival de Osíris descrito na estela de
Ikhernofret, Senusret III delega que, o próprio, enquanto alto funcionário real, comandasse o
festival. O povo somente tinha espaço durante as festas quando a imagem percorria a via
processional e era exatamente nessa via que a população enxergava a possibilidade de
participar diretamente do culto através do estabelecimento de capelas votivas e de oferendas.
As outras etapas eram conduzidas por funcionários reais e sacerdotes dentro de espaços dos
quais o povo não tinha acesso, por exemplo, nos próprios templos.
26
Figura 4. Estela de Ikhernofret. Imagem pertence ao Museu de Berlim, Alemanha (Estela Berlin 1204).
35
Cerca de 1868 a. C. Estela feita de basalto, erigida próximo ao grande templo de Osíris em Abidos.
36
Corresponde à Thinis, a qual foi a capital das primeiras dinastias egípcias, localidade próxima a Abidos.
37
Taseti é um dos nomos da Núbia.
38
NEDERHOF, Mark-Jan. Stela of Ikhernofret. Disponível em: http://mjn.host.cs.st-
andrews.ac.uk/egyptian/texts/corpus/pdf/IkhernofretStela.pdf. Acesso em: 07 de Setembro de 2014 às 23:48.
Tradução livre do inglês. Linhas 4 – 12, 17.
27
No início da estela, Ikhernofret cita as preparações dos materiais para a procissão, de
ordem administrativa ou litúrgica, que haviam sidos colocados pelo faraó sob a sua
responsabilidade.
O festival de Osíris era divido em três fases de acordo com interpretação de Marie-
Christine Lavier43: a procissão de Upuaut 44, em que a batalha simulada é promulgada durante
a qual os inimigos de Osíris são derrotados. A procissão é liderada pelo deus Upuaut.
A grande procissão de Osíris: momento no qual Osíris morre e seu corpo é levado de
seu templo para o seu túmulo em Peker.
39
Um cargo sacerdotal que consiste em servir a estátua do deus.
40
Em outra tradução da Estela para o inglês, essa passagem significa “Eu confeccionei os deuses que pertenciam
a sua Grande Enéada”. Disponível em:http://www.reshafim.org.il/ad/egypt/texts/ikhernofret.htm. Acesso em: 07
de Setembro de 2014 às 20:48. Tradução livre do Inglês.
41
Sacerdote-Sem era o responsável pelos ritos finais de purificação do corpo nos funerais.
42
Op. Cit. 38. Tradução livre do inglês. Linhas 18 – 31.
43
LAVIER, Marie-Christine. LesMystères d'Osiris à Abydos d'après lês stèlesduMoyen Empire et Du Nouvel
Empire. Hamburg: Helmut BuskeVerlag, 1989.
44
“„Aquele que abre os caminhos‟, deus-chacal ou lobo de Assiut, ou Licópolis, no Médio Egipto, Upuaut [...]
era representado com traços guerreiros e foi assimilado e identificado com Hórus, Khentiamentiu e, sobretudo,
com Anupu. Em Abidos era o deus da necrópole.[...] guia a barca de Osíris, a Nechemet, quando da realização
dos Mistérios de Osíris. Guia portanto, as almas mortas para o Reino Inferior, abrindo-lhes o Oeste, o Ocidente
[...].”SALES, José das Candeias. As Divindades Egípcias: uma chave para a compreensão do Egipto Antigo.
Lisboa: Editorial Estampa, 1999, p. 152 – 153.
45
Op. Cit. 38. Tradução livre do inglês. Linhas 32 – 35.
28
Eu deixei a barca divina, enquanto Thoth dirigiu a viagem. Eu equipei
a barca “Verdadeiramente Ressuscitado é o Senhor de Abidos”46com
uma capela. Suas belas armas foram fixadas, ele seguiu para o distrito
de Peqer, depois que eu tinha aberto o caminho para o deus ao seu
túmulo ao sul de Peker.47
Para Jan Assmann50, o festival era dividido em quatro atos: O primeiro consistia na
Procissão de Upuaut, tal como afirma Lavier, na qual o deus era visto como uma manifestação
do “Hórus Vitorioso” que salva seu pai de seus inimigos. Assmann afirma que essa
subjugação do inimigo era realizada em um ritual específico que consistia de recitações
acompanhadas de ações, tais como mutilação ou queima de figuras de cera.
46
Barca associada ao funeral do deus.
47
Op. Cit. 38. Tradução livre do inglês. Linhas 35 – 38.
48
É um dos epítetos de Osiris, que faz alusão ao poder post-mortem do deus.
49
Op. Cit. 38. Tradução livre do inglês. Linhas 39 – 46.
50
ASSMANN, Jan. Death and Salvation in Ancient Egypt. Ithaca and London: Cornell University Press, 2005,
p. 227 – 230.
51
“„Hórus vingador/protector de seu pai‟. Atingida a idade adulta, Hórus travou guerra com Set com o objetivo
de vingar Osíris e de recuperar o trono do Egipto. Valorosos actos de bravura militar deram-lhe o título de
29
durante o festival, ao vencer os inimigos de Osíris rememorando os acontecimentos do Mito
de Osíris, posiciona o faraó vivo como herdeiro legítimo da posição que ocupa.
Jan Assmann52, em seu livro The Search for God in Ancient Egypt, cita Wolfgang
Helck e diz que o autor afirmava que os ritos do Festival de Osíris podiam ser vistos como a
“mitologização” do ritual de enterramento que ocorria em Abidos em períodos anteriores nos
quais a localidade ainda era foco de enterramento real. A partir disso, Assmann afirma que,
em sua visão, há razões para pensar que esses rituais se referissem sim há tempos mais
recuados, visto que Abidos era de fato local de enterramento real.
Entretanto, Assmann alerta para que pensemos esse fenômeno tomando como ponto
de partida o seu contexto histórico. Se retomarmos a discussão do segundo capítulo, vimos
que houve profundas mudanças no culto mortuário e em crenças sobre a vida após a morte no
Reino Médio. Durante o fim do Reino Antigo, havia os conceitos de uma vida após a morte
específica para a realeza, o rei tornava-se Osíris após a morte, assumindo o controle do
submundo. Dessa forma, o faraó rei possuía uma alma imortal – o ba – que ascendia para o
céu e entrava no mundo dos deuses.
Com apenas pequenas modificações, essas crenças tornaram-se válidas para todos no
Reino Médio. Assmann afirma:
Pode-se dizer que o Festival de Osíris foi a primeira peregrinação em grande escala
conhecida pelo homem: fora executado mais ou menos continuamente durante dois mil anos.
Peregrinos vinham de todo o Egito para acompanharem à procissão e erigiam estelas em
capelas votivas voltadas para a via em que ocorria (Figura 5) para que seus donos pudessem
Hornedjitef, „Hórus vingador de seu pai‟. Era nesta forma de um deus guerreiro e chefe vitorioso que se cumpria
o plano de Ísis e das outras formas de Hórus, enquanto filho de Ísis e Osíris. Após oito anos de lutas, o Tribunal
Divino pronunciou-se favoravelmente em relação às pretensões de Hórus e a herança foi-lhe concedida e ele
declarado faraó dos dois Egiptos [...]. O seu reinado foi, naturalmente, o arquétipo para todos os faraós reinantes,
quais „Hórus vivos‟.”. SALES, José das Candeias. As Divindades Egípcias: uma chave para a compreensão do
Egipto Antigo. Lisboa: Editorial Estampa, 1999, p. 170.
52
ASSMANN, Jan. The Search for God in Ancient Egypt. Ithaca and London: Cornell University Press, 2001, p.
185.
53
ASSMANN, Jan. Op. Cit. 52, p. 185. Tradução livre do inglês. Friso nosso.
30
se beneficiar da festividade. Um sítio de imensa importância é o Cemitério do Norte –
“Terraço do Grande Deus” -, escavado por Auguste Mariette54, de onde é dita a proveniência
da maioria das capelas. A presença desses peregrinos é de imensa importância para a
efetivação do que se entende aqui ser o objetivo do festival.
A importância de erigir uma capela composta por uma ou mais estelas é que o ka
(“força vital”, a qual deveria ter oferendas para não se perder) do indivíduo poderia
compartilhar eternamente as oferendas a Osíris durante cada ano de suas festividades, além de
cumprir um papel social ao demarcar seu status na corte real como um homem de posses,
sendo assim, reconhecido pelos vivos.
Tendo esses dados em mente, podemos relacionar de forma mais evidente aos
conceitos desenvolvidos no primeiro capítulo. Focalizando no Festival de Osíris, podemos
observar a existência de um campo, no qual os agentes mobilizam capital cultural para
melhor se dispor espacialmente nesse campo através de seu habitus. Percebemos ainda que,
por isso, os indivíduos não podem ser entendidos separadamente. Os indivíduos devem ser
entendidos nas relações sociais de interdependência que estabelecem através do ritual.
54
Auguste Mariette (1821 – 1881) foi um arqueólogo francês responsável por uma massiva escavação em todo o
Egito.
31
Figura 5. Planta Arqueológica de Abidos. Via processional (em vermelho pontilhado) do Festival de
Osíris e o Cemitério do Norte (North Cemetery, no mapa). Imagem disponível em:
http://files.abovetopsecret.com/files/img/ph50ac933f.jpg. Acesso em 30 de Junho de 2015.
Figura 6. Reconstrução de Capelas Votivas do chamado “Terraço do grande deus”. O desenho pertence à obra
de RICHARDS, Janet. Society and Death in Ancient Egypt: Mortuary Landscapes of the Middle Kingdom.
Cambridge: Cambridge University Press, 2005, p. 40.
32
3.3 As Estelas do Museu Nacional do Rio de Janeiro: redes de interdependência.
Aos nos debruçarmos sobre as fontes de cultura material específicas do Egito Antigo,
podemos alcançar informações de extrema importância para a compreensão dessa sociedade.
Podemos citar como fontes mais comuns para o estudo da religiosidade egípcia: papiros,
relevos, estelas, ex-votos, Textos das Pirâmides e os Textos dos Sarcófagos.
Cada uma dessas fontes é porta-voz de uma parcela limitada da população. Dessa
forma, ainda há muitas lacunas sobre a história egípcia que talvez jamais sejam preenchidas.
A menor quantidade de estudos sobre as camadas mais baixas da população do Egito Antigo,
comparadas aos estudos sobre a realeza e funcionários de alto escalão, se dá devido à carência
de fontes que possam iluminar as relações que se traçavam no interior desses grupos.
33
Existem diversos tipos de estelas, cada uma com uma função diferenciada. Podemos
citar as estelas de fronteira, que eram entrepostas em localizações estratégicas para de fato
demarcar os limites e demarcações do território de um determinado proprietário. Elas
continham o nome do proprietário, assim como o tamanho do território que possuía. Como
exemplo, podemos citar as estelas que Senusret III erigiu em Semna no oitavo ano de seu
reinado, as quais tinham a função de demarcar a fronteira do território egípcio ao sul.
As estelas votivas não eram erigidas nos túmulos dos mortos, mas sim em locais
específicos de culto de alguma divindade. Isto é, o indivíduo erigia a estela em alguma capela
ou templo, representava a si mesmo e sua família, inscrevia fórmulas mágicas pedindo a graça
do deus específico. É de acordo com essas estelas que podemos apreender informações
importantes sobre a vida dos particulares no Egito Antigo e a relação que eles tinham com a
religiosidade.
A maior parte das estelas erigidas em Abidos são votivas, ou seja, foram arquitetadas
para que o morto pudesse participar das procissões ao deus na outra vida. Uma característica
comum a algumas estelas proveniente de Abidos é a inclusão de outros deuses que não Osíris
em suas fórmulas. Esse evento pode ser explicado através da concepção egípcia da
multiplicidade de manifestações. Isto é, segundo Baines55
55
BAINES, John. Opt. Cit. 34, p. 178.
34
específico. Em nossa análise, podemos contar com o trabalho da egiptóloga brasileira Liliane
Cristina Coelho56, a qual produziu pesquisas sobre as estelas do Museu Nacional voltados
para questões genealógicas.
A fórmula “Oferenda que o rei faz” é muito comum em estelas votivas, uma vez que
mesmo que não tenha sido o rei a construir a estela ou a capela, o indivíduo que a fez precisa
da mediação do rei para se dirigir aos deuses. Ou seja, não é o indivíduo que faz diretamente a
oferenda ao deus, ele precisa da intercessão do rei.
Os deuses que aparecem nessas dez estelas são: Osíris (vide Prancha Analítica 1 a 10)
e Upuaut (vide Prancha Analítica 1, 2, 3, 8 e 10), principalmente; seguindo ainda pelos deuses
Anubis, Ptah-Sokar, Ptah-Sokar-Osíris, Min-Horus e Horus. A grande maioria está ligada ao
âmbito funerário de alguma forma (Osíris, Upuaut, Anubis, Ptah-Sokar e Ptah-Sokar-Osíris)
e/ou ao mito de Osíris (Hórus e Min-Hórus.). As inscrições fazem referências também aos
deuses de Abidos, como por exemplo, uma das estelas consta “os deuses (e à)s deusas que
estão em Abidos” (vide Prancha Analítica 8) ou “os deuses que estão no templo” (vide
Prancha Analítica 9).
56
COELHO, Liliane Cristina. A Organização Familiar no Antigo Egito: um Estudo Através de Fontes do Reino
Médio (c. 2040-1640 a.C.). In: VII Jornada de História Antiga: Vida, Morte e Magia no Mundo Antigo. Rio de
Janeiro: Editora da UERJ, 2007. V.1, p. 97 – 104.
35
diferenciam-se entre si não só pelo aspecto físico, sendo mais elaborada e rica ou não, mas
também pelos cargos que os indivíduos ocupavam. Todas as estelas são de funcionários reais
que ocupavam diferentes funções, porém importantes dentro da elite real. Entretanto, isso não
significa diretamente que pessoas com cargos menos cruciais não possuíssem estelas em
Abidos.
57
BAINES, John. Opt. Cit. 34, p. 183.
36
Considerações Finais
Uma sociedade elitista não só tem necessidade de bens de luxo,
mas também de semântica. Necessita de signos e símbolos de
status que manifestem claramente seu pertencimento a uma
classe e sua pretensão de domínio e de imagens que expressam
seu poder, mas também mitos e poderes que legitimem seus
objetivos e suas idéias políticas.
Jan Assmann58
Estudar a sociedade egípcia com um olhar sociológico e histórico nos ajudou a melhor
formular e transpor conceitos que são da realidade egípcia antiga e que jamais conheceremos
inteiramente, mas que sabemos que podemos ao menos lançar hipóteses e alcançar
minimamente seus significados.
Todo esse aparato legitima a posição de cada um desses agentes na estrutura social.
Aplicando mais uma vez o conceito de rede de interdependência de Norbert Elias ou até
mesmo a ideia de dramaturgia política de Balandier, verificamos a manipulação de elementos
simbólicos que desenham um emaranhado de relações vitalícias para a manutenção da corte
tal como ela é.
O faraó depende de seus súditos, assim como seus súditos dependem dele. E isso é
constantemente ritualizado religiosamente, seja no Festival de Osíris, onde o governante
vence o caos, ou em qualquer outro rito. A reafirmação dessa hierarquia é diariamente
vivenciada pelos egípcios: o soberano existe enquanto ser divino e sua presença contribui para
58
ASSMANN, Jan. Egipto: Historia de un sentido. Madrid: Abada, 2005, p. 48.
37
o afastamento do caos, assim como todo papel desempenhado por cada um nessa estrutura
contribui para a manutenção dessa harmonia.
Foi dito anteriormente que o poder simbólico existe exatamente devido aos dominados
não se conscientizarem de sua existência, ou seja, ele age de maneira invisível. E é possível
que a sociedade egípcia que era extremamente ritualizada, do nascimento à morte, fosse alvo
certeiro desses mecanismos simbólicos invisíveis, o que poderia acabar gerando mais
aceitação social do que subversões.
Dessa forma, as estratégias dos agentes empregadas – tanto a dos indivíduos da realeza
quanto a dos que não eram - se determinam por seus habitus individuais. O habitus orienta as
ações desses indivíduos. Porém, trilhando as estratégias internas próprias à sociedade egípcia
antiga, esses homens foram hábeis a subverter as normas vigentes dessa estrutura social,
mesmo que individual e minimamente.
O que é importante ter em mente é que não existe ação sem agente e que nem tudo é
feito de forma inconsciente. Mesmo em uma sociedade antiga há meios individuais de se
59
BAINES, John. Opt. Cit. 34, p. 211.
60
BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 56.
38
relacionar com o mundo e de subverter a norma, ainda que essa subversão seja realizada por
membros da elite procurando demarcar seu status na corte, ou por um peregrino realizando
um pedido diretamente para a divindade, mesmo sem que a possa ver.
39
Referências Bibliográficas
A. Fontes
B. Bibliografia Teórico-Metodológica
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2005
__________. Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). São Paulo: Companhia
das Letras, 2014.
__________. O senso prático. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.
__________. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2005
___________. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
___________. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
___________. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.
SEGALEN, Martine. Ritos e rituais contemporâneos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.
O‟CONNOR, David. Abydos: Egypt‟s First Pharaohs and the Cult of Osiris. London: Thames
& Hudson Ltd, 2009.
__________. SILVERMAN, David. (eds.) Ancient Egyptian Kingship. Leiden: Brill, 1994.
SALES, José das Candeias. As Divindades Egípcias: uma chave para a compreensão do
Egipto Antigo. Lisboa: Editorial Estampa, 1999.
RICHARDS, Janet. Society and Death in Ancient Egypt: Mortuary Landscapes of the Middle
Kingdom. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.
SANTOS, Moacir Elias. Caminho para a eternidade: as concepções de vida post-mortem real
e privada nas tumbas do Reino Novo – 1550-1070 a.C. Tese (Doutorado em História) –
Universidade Federal Fluminense, Departamento de História, 2012.
41
SHAFER, B. E. (org). As Religiões no Egito Antigo: deuses, mitos e rituais domésticos. São
Paulo: Nova Alexandria, 2002.
SHAW, Ian, ed. The Oxford history of ancient Egypt. New York: Oxford University Press,
2000.
SIMPSON, William Kelly. The terrace of the Great God at Abydos: The offering chapels of
dynasties 12 and 13. New Haven: Philadelphia Yale University, 1974.
WEGNER, Josef W. The Mortuary Complex of Senwosret III: A study of Middle Kingdom
state activity and the cult of Osiris at Abydos. 1996, Tese (Doutorado em Filosofia) -
University of Pennsylvania, Philadelphia, Estados Unidos, 1996.
WENGROW, David. The Archeology of Early Egypt: Social Transformations in North-East
Africa, C.10,000 to 2,650 BC. Crambidge: Cambridge University Press, 2006.
42
PRANCHAS ANALÍTICAS
1. Estela de Senusret-Iunefer
Bibliografia
KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do
Rio de Janeiro, 1990.
Artefato Número
Estela de Senusret-Iunefer Inv. 627
Fotografia Descrição do Material
Pedra calcária;
Figuras e Inscrições Gravadas.
Altura: 60,8 cm; Largura: 45,25 cm;
Espessura: 11,7 cm.
XII Dinastia, reinado de Senusret III,
cerca de 1850 a.C.
Procedência: Abidos.
Coleção Fiengo.
Desenho Observação
ii
Deuses: Osíris e Upuaut.
Cargo: Superintendente do Armazém.
Outras: A estela de Senusret-Iunefer é
muito exemplar, pois ele exerceu
cargos na administração real sobre o
reinado de Senusret III e Amenemhat
III, assim como a sua família,
hereditariamente, também compunha
cargos nessa escala. Em sua capela
votiva, proveniente do Cemitério do
Norte, existiam três estelas, uma
compõe o acervo do Museu Nacional
no Rio de Janeiro (Rio Inv 627), a
segunda está no Museu Egípcio no
Cairo (Cairo CGC 20296) e a terceira
está perdida. Além do texto abaixo,
há também, na mesma estela, o nome
43
dos familiares de Senusret-Iunefer. No
topo da estela, encontra-se inscrito o
prenome real de Senusret III.
Passagem Comentários
Bom deus Khakaura, amado de Osíris, Chefe Nessa passagem, Senusret-Iunfer, funcionário
dos Ocidentais, grande deus, Senhor de real, o qual encomendou a estela votiva em
Abidos, que vos sejam dadas toda vida, questão, pede que o faraó reinante – Senusret
estabilidade e prosperidade; amado de III Khakaura – seja contemplado pelos deuses
Upuaut, Senhor do Território Sagrado, que Osíris e Upuaut de vida, estabilidade e
vos sejam dadas toda vida, estabilidade e prosperidade. O faraó é descrito como amado
prosperidade para sempre. dos deuses Osíris e Upuaut.
Oferenda que o rei faz a Upuaut, Senhor do A fórmula “Oferenda que o rei faz”
Território Sagrado, para que ele conceda um é muito comum em estelas votivas,
bom enterro na necrópole do Ocidente, na uma vez que mesmo que não tenha sido o rei
paz profunda, na presença do grande deus – a construir a estela ou a capela, o indivíduo
para a alma de Senusret-Iunefer, nascido de que o fez precisa da mediação do rei para se
Sit-user, e venerável. dirigir aos deuses. Ou seja, não é o indivíduo
que faz diretamente a oferenda ao deus, ele
precisa da intercessão do rei.
Oferenda que o rei faz a Osíris, Chefe dos Podemos perceber uma espécie de retribuição
Ocidentais, grande deus, Senhor de Abidos, e compartilhamento das oferendas.
para que faça oferendas de invocação, de
pães e cerveja, bois e gansos, (vasos de)
alabastro, e roupas, incenso e unguento –
sendo isto o que deu Upuaut, Senhor de Vida,
Chefe dos Ocidentais – para a alma de
Iunefer.
Oh vós, que viveis na terra, voz que passais Aqui encontramos o pedido de continuidade
perto desta capela do Superintendente do da repetição da fórmula, para assegurar que
Armazém, Iunefer – cada leitor, cada servidor ela nunca seja esquecida ou não dita. Ou seja,
de deus, cada sacerdote, cada escriba, cada é uma típica fórmula de apelo aos vivos.
pessoa – se amais Upuaut, vosso deus, doce Senusret-Iunefer pede que todos que sejam
de amor, assim possais dizer: „Oferenda que aptos à leitura repitam a oração de oferendas
o rei faz, aos milhares: pão e cerveja, bois e que ele faz aos deuses Osíris e Upuaut, para
gansos, (vasos de) alabastro e roupa, incenso que assim, ele possa compartilhar
e unguento, para a alma do Superintendente eternamente as oferendas a Osíris durante
do Armazém, Senusret-Iunefer, nascido de cada ano de suas festividades.
Sit-user e venerável‟ – se desejais
permanecer na terra em vossas funções sob o
Rei, e para que vos tragam oferendas
sagradas do altar do Chefe dos Ocidentais;
mas não sejais negligentes!
44
2. Estela de Uerhap-Renefseneb
Bibliografia
KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do
Rio de Janeiro, 1990.
Artefato Número
Estela de Uerhap-Renefseneb Inv. 645
Fotografia Descrição do Material
Pedra calcária;
Figuras e Inscrições Gravadas.
Altura: 44 cm ; Largura: 31,8 cm;
Espessura: 7 cm.
XII Dinastia, reinado de Amenemhat
IV, cerca de 1790 a.C.
Procedência: Abidos.
Coleção Fiengo.
Desenho Observação
45
Passagem Comentários
Oferenda que o rei faz (a) Osíris, o Senhor
que abre os caminhos, para que ele possa Encontramos mais uma vez uma fórmula de
fazer dádivas de invocação, em pães e oferenda, típica de estelas votivas, a qual
cerveja, bois e gansos; milhares de (vasos de) Uerhap-Renefseneb, funcionário real, usa o
alabastro, milhares de tudo que é bom e puro, rei como intercessor para oferecer bois,
que o céu dá, que a terra produz, e que a gansos, alabastro e etc, aos deuses.
inundação do Nilo traz – para a alma do
venerável, Administrador dos Fabricantes de
Colares, Uerhap-Renefseneb. (Linhas 4-5)
46
3. Estela de Resu
Bibliografia
KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do
Rio de Janeiro, 1990.
Artefato Número
Estela de Resu Inv. 630
Fotografia Descrição do Material
Pedra calcária;
Figuras e Inscrições Gravadas.
Altura: 37,5 cm ; Largura: 26,5 cm;
Espessura: 7 cm.
XII/XIII Dinastias.
Procedência: Abidos.
Coleção Fiengo.
Desenho Observação
47
façam oferendas de invocação, em pães e estelas votivas, a qual Resu, funcionário real
cerveja, bois e gansos; milhares de (vasos de) de alta importância, usa o rei como
alabastro e roupa, incenso e ungüento, e tudo intercessor para oferecer bois, gansos,
que é bom e puro de que um deus pode alabastro e etc, aos deuses.
sustentar-se – para a alma do Nobre Quando encontramos o termo “justo”,
Hereditário e Conde, Chanceler do Rei do “justificado”, “justo de voz” em alguma
Baixo Egito, o Alto Administrador da Quinta, inscrição, significa que o indivíduo está
Escolta do Rei, Resu, justo, nascido da morto.
Senhora da casa, Sit-neb-soshenu, justa.
(Linhas 1-5)
48
4. Estela de Renefankh e família
Bibliografia
KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do
Rio de Janeiro, 1990.
Artefato Número
Estela de Renefankh e família Inv. 631
Fotografia Descrição do Material
Pedra calcária;
Figuras e Inscrições Gravadas.
Altura: 43 cm ; Largura: 24 cm;
Espessura: 7 cm.
XII/XIII Dinastias.
Procedência: Abidos.
Coleção Fiengo.
Desenho Observação
49
Passagem do Texto Comentários
Oferenda que o rei faz (a) Anubis, que está Temos uma fórmula de oferenda, típica de
em sua montanha e no lugar de estelas votivas.
embalsamamento, o Senhor do Território O deus Anúbis toma o seu lugar típico como
Sagrado, para que ele possa dar tudo para deus do embalsamamento.
a(s) alma(s) de: Quando temos o termo “justo”, “justificado”,
a Senhora da Casa, Seneb; o adido do “justo de voz” significa que o indivíduo está
Escritório Principal, Fekut; morto.
o Superintendente do Tribunal, Renseneb; o
cidadão, Iotef, justo; a Senhora da casa, Ib,
justa; o cidadão, Hori, justo;
o cidadão, Apopi, justo; o cidadão, Senbtifi,
justo;
a Senhora da casa, Yi, justa; a Senhora da
casa, Keki, justa;
a Senhora da Casa, Gemef, justa.(Linhas
9;10-20)
Oferenda que o rei faz (a) Osiris, Senhor de Fórmula de oferenda de estelas votivas.
Busíris, grande Deus, Senhor de Abidos, para Encontramos referência à divisão das
que ele possa fazer oferendas de invocação oferendas, fato que não ocorre nas outras
em pães e cerveja, para a(s) alma(s) de [...]. estelas. Aqui nós percebemos a separação de
(Linha 21) pães e cervejas para Osíris e Incenso e
Oferenda que o rei faz (a) Ptah-Sokar, para Unguento para Ptah-Sokar.
que ele de incenso e ungüento para a(s)
alma(s) de [...]. (Linha 33).
50
5. Estela de Uerneb
Bibliografia
KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do
Rio de Janeiro, 1990.
Artefato Número
Estela de Uerneb Inv. 632
Fotografia Descrição do Material
Pedra calcária;
Figuras e Inscrições Gravadas.
Altura: 46.3 cm ; Largura: 26.5 cm;
Espessura: 8 cm.
XII/XIII Dinastias.
Procedência: Abidos.
Coleção Fiengo.
Desenho Observação
Deus: Osíris.
Cargos: Essa estela pertence a uma
família de funcionários reais, com
cargos como “o homem da escolta”,
“superintendente de um distrito”,
“carpinteiro do rei”, “mordomo”,
“fabricante dos pés do mobiliário”.
Esta estela comemora um grupo de
funcionários inferiores e artesãos, e as
suas esposas.
51
Passagem do Texto Comentários
Oferenda que o rei faz a Osíris, Senhor de Fórmula de oferenda, típica de estelas votivas.
Abidos, Senhor do Território Sagrado, para Quando temos o termo “justo”, “justificado”,
que ele possa fazer oferendas de invocação, “justo de voz” significa que o indivíduo está
de pães e cerveja, bois e gansos, para a(s) morto.
alma(s):o homem da Escolta, Uerneb,
nascido da Senhora da casa, Iusni; a Senhora
da Casa, Hori; a Senhora da casa, Ati; o
Superintendente de um distrito, Bembu; o
carpinteiro do rei, Siptah; a Senhora da
Casa, Sit-tekhu; o Mordomo, Siptah; a
Senhora da casa, Sit-Iah; o fabricante dos pés
do mobiliário, Siptah; o fabricante dos pés do
mobiliário, Aku-Sobekhotep. É seu filho, que
perpetua o seu nome, o fabricante dos pés do
mobiliário, Khnum, justo. (Linhas 1-7).
52
6. Estela de Ameny
Bibliografia
KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do
Rio de Janeiro, 1990.
Artefato Número
Estela de Ameny Inv. 634
Fotografia Descrição do Material
Pedra calcária;
Figuras e Inscrições Gravadas.
Altura: 63 cm ; Largura: 48 cm;
Espessura: 19.2 cm.
XII/XIII Dinastias.
Procedência: Abidos.
Coleção Fiengo.
Desenho Observação
Deus: Osíris.
Cargos: Camareiro e Diretor de
Trabalhos.
Essa estela está enfeitada em todos os
quatro lados.
Esta estela é de grande porte e
relaciona trinta colegas e amigos de
Ameny, alem dele próprio e sua
família.
53
Passagem do Texto Comentários
Oferenda que o rei faz a Osíris, Senhor de Fórmula de oferenda, típica de estelas votivas.
Abidos, para que faça oferendas de Quando temos o termo “justo”, “justificado”,
invocação, de pães e cerveja, bois e gansos, “justo de voz” significa que o indivíduo está
(vasos de) alabastro e roupa, incenso e morto.
unguento; ofertas, víveres, tudo que é bom e
puro que o céu dá, que a terra produz, e de
que um deus possa viver – para a alma do
Camareiro e Diretor de Trabalhos, Ameny,
justo. (Linhas 1-3)
54
7. Estela de Khenty-khety-hotep
Bibliografia
KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do
Rio de Janeiro, 1990.
Artefato Número
Estela de Khenty-khety-hotep Inv. 635 + 636
Fotografia Descrição do Material
Pedra calcária;
Figuras e Inscrições Gravadas.
Altura: 44 cm ; Largura: 43.5 cm;
Espessura: 12.8 cm.
XII/XIII Dinastias.
Procedência: Abidos.
Coleção Fiengo.
Desenho Observação
Deus: Osíris.
Cargos: Administrador.
A estela possui uma especificidade, o
que a torna rara: no seu topo há um
nicho, feito com uma capelinha entre
dois painéis altos, estreitos e
encaixados, há uma figura de múmia.
Ela traz a inscrição “O Administrador
(da Quinta), [...], Khenty-khety-hotep,
justo.
Oferenda que o rei faz a Osíris, o Chefe dos Fórmula de oferenda, típica de estelas votivas.
Ocidentais, grande deus, Senhor de Abidos, Quando temos o termo “justo”, “justificado”,
para que faça oferenda de invocação, de pães “justo de voz” significa que o indivíduo está
55
e cerveja, bois e gansos, (vasos de) alabastro morto.
e roupa, e todas as coisas boas que estão
sendo preparadas para o servidor realmente
conhecido do rei, e muito estimado por ele, o
Administrador (da Quinta), Khenty-khety-
hotep, venerável. (Linhas 2-3)
56
8. Estela de (Seqedi) Shemre
Bibliografia
KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do
Rio de Janeiro, 1990.
Artefato Número
Estela de (Seqedi) Shemre Inv. 643
Fotografia Descrição do Material
Pedra calcária;
Figuras e Inscrições Gravadas.
Altura: 54.5 cm ; Largura: 35 cm.
XII/XIII Dinastias.
Procedência: Abidos.
Coleção Fiengo.
Desenho Observação
57
Passagem do Texto Comentários
Oferenda que o rei faz (a) Ptah-Sokar-Osíris, A estela apresenta uma fórmula de oferendas
Chefe dos Ocidentais, grande deus, Senhor de com os itens recorrentes às estelas votivas.
Abidos; (a) Upuaut, o Senhor do Território Porém traz outros elementos atípicos, como
Sagrado; (a) Min-horus, o vitorioso; (e a) os uma descrição simplificada sobre o que se
deuses (e à)s deusas que estão em Abidos; espera como retribuição da oferenda.
para que eles vos possam fazer oferenda de Quando temos o termo “justo”, “justificado”,
invocação, em pães e cerveja, bois e gansos, “justo de voz” significa que o indivíduo está
(vasos de) alabastro e roupa, incenso e morto.
ungüento; tudo que é bom e puro que um deus
possa de sustentar; glória, poder e
justificação na necrópole, entrar no céu entre
os deuses;saciar a sede até satisfazer o
coração; existir como alma viva; e comer o
pão dos altares dos deuses, para a alma de
Seqedi Shemre (ou: do marinheiro, Shemre),
justo.
Que possais navegar através dos pântanos do
céu,
Que possais atravessar os limites do
horizonte;
Que aqueles que vivem na abun(dância) vos
dêem os (braços) no distrito das oferendas;
Que os Grandes que habitam Busiris
lembrem-se de vós,
(e igualmente) a Corte do Senhor de Abidos.
Que possais abrir em paz o caminho que
desejardes,
que vos dêem ambas as mãos na barca
Neshmet, nos caminhos dos venerados,
Que vos digam “Bem-vindo, em paz!”, os
Grandes de Abidos.
Que possais empunhar o remo do leme na
Barca da Noite,
que possais viajar na Barca do dia,
oh Osíris, Seqedi Shemre, justo!
(Quanto a) a acumular riquezas,
que vos concedam opulência e abundância,
que vos assegurem felicidade para a alma,
alimento abundante para o corpo:
pão para o estômago, água para a garganta,
e o vento do norte para as narinas.
Que possais inalar incenso, que possais ser
ungido (com) mirra,
que possais enxergar claramente na casa de
escuridão, oh Seqedi Shemre, justo perante
Osíris!(Linhas 1-12)
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9. Estela de Paentyni
Bibliografia
KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do
Rio de Janeiro, 1990.
Artefato Número
Estela de Paentyni Inv. 646
Fotografia Descrição do Material
Pedra calcária;
Figuras e Inscrições Gravadas.
Altura: 46.5 cm ; Largura: 30.1 cm;
espessura: 7 cm.
XIII Dinastia.
Procedência: Abidos.
Coleção Fiengo.
Desenho Observação
59
Passagem do Texto Comentários
Oferenda que o rei faz (a) Osiris Unefer, (a) A estela apresenta uma fórmula de oferendas
Horus o vitorioso, e a(os) deuses que estão no com os itens recorrentes às estelas votivas.
templo, para que eles vos façam oferendas de Quando temos o termo “justo”, “justificado”,
invocação em pães e cerveja – os víveres que “justo de voz” significa que o indivíduo está
o céu dá, que a terra produz, e que a morto.
inundação do Nilo traz, e o sopro doce da
vida – para a alma do Inspetor Sênior dos
Escribas da Cidade do Sul, Paentyni, justo,
gerado de Iqer, e nascido da Senhora da
Casa, Ini, justa. (Linhas 1-5)
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10. Estela de Seneb
Bibliografia
KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do
Rio de Janeiro, 1990.
Artefato Número
Estela de Seneb Inv. 647
Fotografia Descrição do Material
Pedra calcária;
Figuras e Inscrições Gravadas.
Altura: 26 cm ; Largura: 14.2 cm;
espessura: 6.4 cm.
XII/XIII Dinastias.
Procedência: Abidos.
Coleção Fiengo.
Desenho Observação
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Passagem do Texto Comentários
Oferenda que o rei faz (a) Upuaut do Sul, A estela apresenta uma fórmula de oferendas
diretor das Duas Terras, para que ele faça com os itens recorrentes às estelas votivas.
oferendas de invocação, em pães e cerveja,
bois e gansos, para a alma do ...., [...].
(Feito por) seu filho amado, o general, Seneb.
Oferenda que o rei faz (a) Osíris, senhor de
Abidos, para que ele faça (oferendas de
invocação em pães e cerveja), bois e
(gansos), para a alma do general (Sene)b.
Oferenda que o rei faz (a) Upuaut do Sul,
diretor das Duas Terras, para que ele faça
oferendas de invocação em pães e cerveja,
bois e gansos, para a alma da Senhora da
Casa, Henu, renovada em vida.
i
Todas as imagens utilizadas em nossas Pranchas Analíticas estão disponíveis em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Egyptian_antiquities_in_the_Museu_Nacional. Acesso em 30 de
Fevereiro de 2015.
ii
Todos os desenhos de linha utilizados em nossas Pranchas Analíticas pertencem à obra de KITCHEN, Kenneth
Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do Rio de Janeiro, 1990.
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