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EDITORIAL

Como ler um artigo científico*


D iferentes razões ou interesses podem moti-
var um profissional a ler artigos científícos, mas é,
sumivelmente obtidas com crianças e informava
que a porcentagem de redução de cárie conseguida
basicamente, a necessidade de se atualizar ou de havia sido de 80%, um número alto demais para
aprofundar conhecimentos que coloca um médico ser observado em curto período de tempo.
diante desse trabalho. No entanto, a quantidade
É preciso observar números e proporções com
enorme de informação, de qualidade variável, dis-
cuidado. Como as proporções dão a importância
ponível hoje na literatura, obriga o médico a fazer
relativa das categorias, elas expressam, mais do
uma seleção do que deve ler.
que os números, a extensão dos sucessos ou pro-
É possível escolher entre diferentes tipos de pu- blemas. No entanto, dependendo do contexto e,
blicação: artigo de atualização, artigo de divulga- principalmente, quando o número de indivíduos
ção, análise crítica pontual (editorial), registro de na amostra é pequeno, as percentagens podem dar
caso, pesquisa clínica ou experimental. Qualquer impressão falsa. Por exemplo, seria ingênuo acre-
que seja a opção, é preciso considerar, ainda, ca- ditar em um artigo que alardeia um tratamento
racterísticas importantes como qualidade do pe- que curou 66% dos pacientes, se esse percentual
riódico em que foi publicado o artigo, idoneidade foi calculado sobre uma amostra de três pessoas.
do editor e do corpo editorial, exigências do perió-
É muito importante lembrar que, em geral, as
dico para aceitar a publicação de artigos, e creden-
afirmativas não valem por si mesmas: é preciso
ciais, tanto do autor como da instituição.
uma base de comparação. Não se pode confiar em
Lendo um artigo científico, algumas pessoas um artigo que informe, por exemplo, que determi-
podem pensar que os editores das revistas científi- nado tratamento tem “menos risco”, ou “mais
cas são sempre capazes de fazer um trabalho tão ação”. É só pensar um pouco: menos risco do que o
extraordinário que todos os artigos ali publicados quê? Mais ação do que o quê?
têm, além de veracidade, qualidade e exatidão.
Nos artigos que relatam experimentos é parti-
Basta, porém, olhar os fatos do passado para pre-
cularmente importante ler, com cuidado, a descri-
sumir que ainda estamos longe desse ideal. Os lei-
ção do esforço que os pesquisadores fizeram para
tores das revistas científicas precisam ser capazes
usar o delineamento adequado. Podem faltar deta-
de julgar os argumentos apresentados em cada ar-
lhes importantes. Por exemplo, às vezes não está
tigo, contra ou a favor de idéias, posturas, inter-
claro se foram feitas observações múltiplas nos
pretações ou intervenções.
mesmos indivíduos ou se as observações foram fei-
A leitura de um artigo científico deve ser emi- tas em indivíduos diferentes. Os métodos de pa-
nentemente crítica. Por exemplo, parece razoável reamento são, em geral, descritos de maneira
desconfiar da qualidade de artigos científicos que vaga. Ainda, é comum ler artigos científicos que re-
relatem dados extremamente “de acordo com a latam “ensaios clínicos casualizados” e “ensaios
teoria”, como genes que segregam exatamente na duplo-cegos”. No entanto, não se pode pressupor,
proporção de 3:1, taxas de crescimento constantes com base nessas simples palavras, que os autores
de 10% ao mês, experimentos nos quais todos os usaram tais técnicas corretamente.
pacientes que receberam a droga foram curados e
O artigo científico deve, pois, descrever todas as
todos os pacientes que receberam placebo, em lu-
técnicas aplicadas, incluindo as estatísticas, e o
gar da droga, não apresentaram qualquer tipo de
leitor deve julgá-las com cuidado. Afinal de contas,
reação. Enfim, convém sempre lembrar que dados
autores que estudaram vários experimentos que
verdadeiros não têm “excesso de coerência”.
comparam os mesmos tratamentos em geral verifi-
É razoável levantar dúvidas, até prova em con- caram que ensaios mal delineados mostram efeitos
trário, sobre a qualidade de experimentos que rela- maiores de tratamentos que ensaios bem delinea-
tam verdadeiros milagres. Por exemplo, um produ- dos. Existe, portanto, a tendência de delineamen-
to que já foi vendido no Brasil como capaz de tos incorretos apresentarem achados muito bons
prevenir a cárie, mas depois acusado de não ter ex- ou, como escreveu FISHER1, “bons demais para
perimentação adequada, relatava estatísticas pre- serem verdadeiros”.

*Fonte: Jornal do Conselho Federal de Medicina. Brasília, ano XVI, n. 126, p. 18-19, fev. 2001.
Muitos artigos relatam inferência para a popu- outros tipos de evidência. Contudo, a maioria dos
lação, com base em dados de amostras. A teoria erros de interpretação de análises estatísticas pa-
exige que a amostra seja casual. Como na prática rece estar ligada aos testes de hipóteses. É comum
isso raramente acontece, é crucial que a amostra a interpretação errada de “significante” e “não-sig-
seja representativa da população. Para saber se a nificante”. Como em geral se acredita que a finali-
amostra pode ser considerada representativa da dade da pesquisa é chegar a um resultado signifi-
população, é preciso comparar as características cante, o resultado não-significante implicaria a
dos indivíduos amostrados com as características idéia de pesquisa malsucedida. Aliás, muitas vezes
da população. Então, todo artigo deve descrever as se descrevem os estudos como “positivos” e “nega-
características dos indivíduos da amostra. Não tivos”, nomenclatura inadequada que felizmente
tem sentido, por exemplo, fazer inferência para está sendo banida da literatura.
toda a população com base em uma amostra de
O p-valor não é, como comumente se escreve, a
alto risco.
probabilidade de que o efeito observado tenha
Tem surgido, mais recentemente, muita discus- ocorrido por acaso, mas sim a probabilidade de ob-
são em torno do tamanho das amostras. Isto por- ter o efeito observado (ou um valor menos provável)
que muitas pesquisas que não detectaram dife- quando a hipótese é verdadeira. Outra interpreta-
rença estatística entre tratamentos tinham, na ção falsa é a de que um p-valor de, digamos, 0,001
verdade, pouca chance de fazê-lo devido ao peque- significa efeito maior do que um p-valor de, diga-
no tamanho das amostras. É preciso muita aten- mos, 0,01. Embora isto possa ser verdade, os p-va-
ção neste ponto. Ainda, são poucos os trabalhos lores não demonstram isto.
que relatam como foi estabelecido o tamanho da
Finalmente, ajuda muito, ao ler um trabalho,
amostra. Aliás, a idéia de calcular o tamanho da
ter uma lista de pontos específicos que precisam
amostra é pouco conhecida na pesquisa médica e,
ser observados. É impossível produzir uma lista de
por causa disso, muitos trabalhos são feitos com
questões que possa ser usada sempre, e para qual-
amostras muito pequenas.
quer tipo de pesquisa. No entanto, usar uma lista
Por outro lado, não se pode esquecer que embo- para a verificação torna o trabalho mais fácil, prin-
ra vários artigos admitam que os estudos são re- cipalmente quando se tem em conta que é mais
trospectivos, muitos informam incorretamente difícil detectar uma omissão do que um erro. Já
que os estudos foram planejados, porque parece existem várias dessas listas, disponíveis na litera-
melhor dizer que a idéia surgiu antes dos dados. tura3. Mas não basta seguir a lista: é preciso julgar
São sintomas de estudos mal delineados a varia- com profundidade e senso crítico.
ção dos tratamentos e dos métodos de avaliação
De qualquer forma, o leitor de artigos científicos
utilizados, o número diferente de observações por
deve se preocupar, primeiro, com os erros de deli-
voluntário, a falta de observações e certa indeter-
neamento. Se o delineamento do estudo é inaceitá-
minação geral sobre o que foi feito, e porquê.
vel, o trabalho é inaceitável. Se o delineamento es-
Os erros de análise são, infelizmente, muito co- tá correto, o leitor deve verificar se os dados foram
muns, embora os métodos estatísticos de delinea- coletados com metodologia adequada e se a análi-
mento e análise sejam parte essencial da pesquisa se está certa. Se isso acontecer, o leitor deve verifi-
médica. Como a aplicação de técnicas estatísticas car se a interpretação dos dados e da análise é jus-
exige habilidades que não são menores do que as ta. Feito isto, só resta saber se as conclusões são
exigidas em outras partes da pesquisa, é necessá- aceitáveis. A prescrição parece simples, mas só
rio ler a estatística de trabalhos publicados com quem já tentou segui-la sabe o trabalho que dá.
certa prudência, principalmente quando não refe-
renciam um consultor especializado. Também não
Sonia Vieira e William Saad Hossne
se pode esquecer que a análise estatística comple-
xa pode dar ao artigo um ar espúrio de respeitabili-
dade, mas por si só não demonstra nada. Boas res-
postas são dadas para boas questões – e não por 1. FISHER, R. A. Has Mendel’s work been rediscovered?
análises esotéricas2. Annals of Science, (1) 1936. p. 115-137.
2. SCHOOLMAN, H. M. et al. Statistics in medical research:
Na interpretação dos resultados, é freqüente o principles versus practice. J Lab Clin Med, v. 71,
erro de igualar associação e causa. Uma associa- p. 357-367, 1968.
ção não implica, necessariamente, numa relação 3. VIEIRA, S.; HOSSNE, W. S. Metodologia científica para a
de causa e efeito. Não se pode inferir causa sem área de saúde. Rio de Janeiro : Campus, 2001.

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