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9 de setembro de 2017
Demian Melo
http://blogjunho.com.br/alguns-problemas-do-conceito-de-totalitarismo/#_ftnref2
“1) uma ideologia oficial que diz respeito a todos os aspectos da atividade e da
existência do homem e que todos os membros da sociedade devem abraçar, e que
critica, de modo radical, o estado atual das coisas e que dirige a luta pela sua
transformação; 2) um partido único de massa dirigido tipicamente por um ditador,
estruturado de uma forma hierárquica, com uma posição de superioridade ou de
mistura com a organização burocrática do Estado, composto por pequena
percentagem da população, onde uma parte nutre apaixonada e inabalável fé na
ideologia e está disposta a qualquer atividade para propagá-la e atuá-la; 3) um
sistema de terrorismo policial, que apóia e ao mesmo tempo controla o partido, faz
frutificar a ciência moderna e especialmente a psicologia científica e é dirigido de
uma forma própria, não apenas contra os inimigos plausíveis do regime, mas ainda
contra as classes da população arbitrariamente escolhidas; 4) um monopólio
tendencialmente absoluto, nas mãos do partido e baseado na tecnologia moderna,
da direção de todos os meios de comunicação de massa, como a imprensa, o rádio e
o cinema; 5) um monopólio tendencialmente absoluto, nas mãos do partido e
baseado na tecnologia moderna, de todos os instrumentos da luta armada; 6) um
controle e uma direção central de toda a economia através da coordenação
burocrática das unidades produtivas antes independentes.” (STOPPINO, 1998:
1249)
A primeira consideração crítica que é possível fazer a essa teorização é que, à luz de
toda a pesquisa proveniente da história social desde a década de 1960, tal tipo ideal
está mais situado no plano da representação literária de George Owerll em 1984 e A
revolução dos bichos que propriamente o funcionamento efetivo das sociedade
alegadamente totalitárias (Cf. TRAVERSO, 2001). Contudo, para além disso, os
problemas que tornam o conceito frágil se ligam a sua natureza marcadamente
ideológica.
A ideologia da teoria do totalitarismo
A função ideológica dessa teoria para os interesses geopolíticos dos EUA durante a
Guerra Fria não é difícil de notar: unir num mesmo conceito os inimigos de ontem
(a Alemanha nazista) com os inimigos de então (a URSS), apagando o papel decisivo
da URSS na derrota das potências do Eixo durante a Segunga Guerra Mundial, assim
como toda a política de apaziguamento que as potências ocidentais estabeleceram
em relação ao expansionismo nazista na segunda metade da década de 1930. É
muito comum a lembrança do pacto celebrado entre Stálin e Hitler em 1939, mas
tão comum quanto é o esquecimento do acordo de Munique em 1938, quando a
França e a Inglaterra aceitaram entregar a Tchecoslováquia ao Terceiro Reich. No
que toca ao tema da revolução, a teoria do totalitarismo apaga qualquer distinção
entre revolução e contrarrevolução. Como bem assinalou Arno Mayer: “Em seu
plano monocromático, os revolucionários e contra-revolucionários tornaram-se
totalitários empenhados em submeter primeiramente o seu próprio país, e em
seguida o mundo, a um sistema de permanente opressão, exploração e
desumanização.” (MAYER, 1977 [1970]: 30).
Paxton afirma que até o Livro negro do comunismo confirma essa leitura.
Continuando a citação:
“Os adversários notavam diferenças fundamentais. Stálin matava de maneira
totalmente arbitrária a todos que sua mente paranóica decidisse ver como ‘inimigos
de classe’ (condição essa passível de mudança), de modo que atingia, basicamente,
os homens adultos da população. Hitler, ao contrário, matava ‘inimigos raciais’, uma
condição irremediável que condena até mesmo recém-nascidos. Ele queria
exterminar povos inteiros, incluindo suas sepulturas e artefatos culturais. Este livro
reconhece que ambas as formas de terror são repugnantes, mas condena com mais
vigor o extermínio biologicamente racista do nazismo, porque este não admitia
possibilidade de salvação, nem mesmo para mulheres e crianças.” (Idem, 349)
Mas é preciso dizer que, também do outro lado do espectro político foi possível
observar essa reabilitação do conceito de totalitarismo, espécie de sintoma da crise
ideológica da esquerda. Em suma, o terreno para esse revival não foi criado apenas
pela iniciativa ideológica da direita. De acordo com o afamado filósofo esloveno
Slavoj Zizek foi sintomática a modificação da postura da esquerda em relação à obra
de Hannah Arendt na década de 1990, especialmente no que toca nosso assunto em
tela. Arendt foi simplesmente transformada numa espécie de “autoridade intocável”:
Nesse centenário da Revolução de 1917, quando mais uma vez o passado torna-se
um campo de batalha, é necessário limpar o terreno e endereçar à crítica aos que
hoje comprometem-se com o conformismo social diante de um mundo capitalista
cada vez mais catastrófico. E recuperar a memória de Outubro, assim como das
gerações generosas que deram sua vida por um mundo além do capital no último
século deve ser tomada como tarefa de historiadores radicais. Sem isso, estaremos
não só acomodando-se aos marcos ideológicos de uma forma de regime em crise, a
democracia liberal, como ignorando décadas de pesquisa de historia social. O passo
seguinte será mistificar momentos dramáticos do século XX, como a Batalha de
Stalingrado, e o sacrifício do povo russo na derrota do Terceiro Reich acabará sendo
lido como um mero “conflito entre totalitarismos”.
Referências bibliográficas
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TRAVERSO, E. El totalitarismo. Buenos Aires: Eudeba, 2001.
__________. O passado, modos de usar. História, Memória e Política. Porto: Unipop,
2012.
ZIZEK, S. Alguém disse totalitarismo? Cinco intervenções no (mau) uso de uma noção.
São Paulo: Boitempo, 2015.
Notas
[1] No campo liberal, Arendt não é uma autora próxima a Hayek. Enquanto este
considera Edmund Burke um autor inspirador da liberdade, Arendt assinala como
Burke foi influente no ambiente cultural alemão que deu origem ao romantismo e
ao conservadorismo prussiano, correntes ideológicas cujas variantes no século XX
se desdobrariam no nazismo.
[2] Somente manipuladores sem escrúpulos e completos ignorantes podem
defender essa insólita “tese”, hoje popular nas redes sociais.