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RESEÑA
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da dependência vai ter sua primeira etapa de mulação, situados fora da região. O resulta-
formulação entre 1964-73, no encontro de do a médio e longo prazo era a sangria de
exilados das diversas ditaduras que co- divisas dos países da região que se saldava
meçam a proliferar na América Latina. com a superexploração do trabalho, crian-
Nesse movimento fundacional cristalizam- do um poderoso obstáculo à consolidação e
se duas grandes versões da teoria da depen- aprofundamento do processo democrático.
dência, que estarão em confrontação mais O conceito de superexploração do tra-
ou menos aberta a partir dos anos 70. balho foi, sem dúvida, a mais importante
De um lado, surge a versão desenvolvida contribuição de Ruy Mauro Marini para a
por Fernando Henrique Cardoso e Enzo economia política contemporânea. Ele foi
Falleto, com uma participação mais pon- estabelecido por Marini em Dialética da
tual de José Serra. Para esses autores a crise Dependência (1973) e significa um regime
da industrialização latino-americana era a de regulação da força de trabalho em que a
crise do projeto de constituição do capitalis- acumulação de capital repousa sobre a maior
mo nacional, pautado na substituição de exploração do trabalhador e não sobre o
importações sob a coordenação do Estado aumento da sua capacidade produtiva atra-
nacional. A sua solução estaria em aceitar a vés do desenvolvimento tecnológico. Essa
penetração do capital estrangeiro que traria maior exploração do trabalhador encontra
a poupança externa sob a forma de tecnolo- três formas possíveis de manifestação: a
gia industrial ou moeda mundial, superando mais aguda, que é a redução salarial, e
a escassez nacional de divisas. O cresci- outras duas que são o aumento da jornada
mento econômico permitiria uma melhoria ou da intensidade de trabalho, sem a ele-
na renda e nos padrões de vida da população vação salarial correspondente ao maior des-
em seu conjunto e as desigualdades se re- gaste da força de trabalho.
duziriam com políticas sociais impulsiona- As teses de Dialética da Dependência
das por regimes democráticos. foram fortemente atacadas por Fernando
De outro lado, surge a versão liderada Henrique Cardoso e José Serra em artigo
por Ruy Mauro Marini e Theotônio dos publicado no CEBRAP, sem a resposta de
Santos, que ficou conhecida como a teoria Marini, então exilado no México. O debate
marxista da dependência. Segundo esses apenas se travou livremente nas páginas da
autores, a crise no capitalismo latino-ame- Revista Mexicana de Sociologia, quando
ricano não era apenas uma crise de direção Marini publica As Razões do Neodesenvol-
nacional. Era sobretudo a crise de um capi- vimentismo (1978), que integra a presente
talismo que já havia vinculado, desde mea- antologia, denunciando os rumos conserva-
dos dos anos 50, seu dinamismo industrial à dores dados por Cardoso e Serra à teoria da
empresa multinacional e à ampla penetração dependência.
do capital estrangeiro. Esse capital não Acusado por Cardoso e Serra de lutar
representava uma poupança externa que se contra moinhos de vento ao apoiar seu
integrava às economias latino-americanas, conceito de superexploração num capitalis-
mas antes buscava lucros e excedentes que mo imaginário, sem desenvolvimento tec-
eram direcionados aos seus centros de acu- nológico, Marini demonstra claramente não
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ser este o caso. Ele assinala que esse concei- teórico avançou-se no sentido de formalizar
to não só é compatível com o avanço tecno- matematicamente o conceito de superexplo-
lógico, mas expressa certos resultados que ração no âmbito da teoria marxista do valor
se dão através da competição e a concorrên- (ver nosso artigo, Reflexões Teórico-Meto-
cia entre os capitais, movidas à inovação. dológicas para uma Economia Política da
Mediante a concorrência o grande capital Dependência, publicado no Brasil, na Re-
dos países centrais, de maior densidade vista da Sociedade Brasileira de Economia
tecnológica, se apropria dos segmentos mais Política nº5 e, no México, em Problemas
lucrativos dos mercados mundiais e impõe del Desarrollo nº123) No plano dos indica-
relações de troca e poder desiguais à bur- dores, constata-se que a pobreza na Améri-
guesia dos países dependentes. Essa, inca- ca Latina permanece em níveis bastante
paz de suprimir a disparidade tecnológica altos apesar de todo avanço na intensidade
que reduz seus mercados e deteriora os e produtividade do trabalho das últimas
preços de seus produtos obsoletos, recorre à décadas. No Brasil, nos anos 90, a redução
superexploração do trabalho para compen- salarial combinou-se com o aumento do
sar a queda da taxa de lucro que daí resulta. desemprego, da intensidade e da produtivi-
O tema da superexploração é retomado dade do trabalho, o mesmo ocorrendo no
em 1995 por Marini emProcesso e Tendên- México e Argentina. Nos países centrais as
cias da Globalização Capitalista, sexto e tendências não são muito diferentes. Nos
ultimo texto da antologia. Ele assinala que Estados Unidos, os salários encontram-se
está em marcha uma nova divisão interna- abaixo dos níveis dos anos 70, mesmo com
cional do trabalho, desde os anos 70/80, que todo o período de crescimento dos anos 90.
estende a superexploração, antes um fenô- Na Europa, as altas taxas de desemprego e
meno característico dos países dependen- a precarização do trabalho sinalizam no
tes, aos países centrais. Na base disso está mesmo sentido.
o surgimento das chamadas empresas glo- Diante dessas evidencias, nos parece
bais. Elas criam uma especialização no pertinente propor algumas interrogações
interior das firmas que eleva o nível tecno- para futuras investigações:
lógico das unidades produtivas dos países 1) Que formas históricas assumiu a su-
dependentes, mantendo sua subordinação perexploração na América Latina? Se ela se
às inovações geradas na matriz. O resultado expressa pela queda dos preços da força de
é a uma estratégia global que combina alta trabalho abaixo de seu valor, mediante o
tecnologia e o trabalho superexplorado da aumento da jornada ou intensidade de tra-
periferia e semiperiferia para quebrar as balho e a redução salarial, como essas três
burguesias estritamente nacionais dos paí- formas se conjugaram historicamente para
ses centrais e impulsionar para abaixo o criar distintos regimes de regulação da força
preço da força de trabalho dessas regiões. de trabalho?
Não é o lugar para desenvolvermos este 2) Que formas concretas assumirá a
ponto, mas o balanço teórico e empírico do superexploração na América Latina e na
conceito de superexploração parece reforçar economia mundial nas próximas décadas?
enormemente as teses de Marini. No plano Poderá a elevação da intensidade e da qua-
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