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Colegiado da Luz Hermética

Fundado a Serviço da A∴A∴

CORRENTE93
Vol. I No. 11
An V2, Q in 0° A, R in 6° 
An. CXIII da Era Thelêmica
________________________________________________________________________________________________________
R$25,00
A∴A∴

Publicação em Classe A, B & D

Imprimatur

N. Fra: A∴A∴

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Conteúdo

Editorial 6
Imagens & Oráculos de Nicolas Furlan, Nicolas Furlan Moraes 7
O Rei de Tzaddi 10
O Rito do Rei de Tzaddi 11
Ritual de Consagração do Tarot 13
Corrente 93, Fernando Liguori
O Anjo & o Daimon 18
Os Três Estágios da Iniciação 27
Primeiro Estágio: O Homem da Terra 31
A Magia do Primeiro Estágio 38
Aplicações Práticas 44
Os Perigos do Primeiro Estágio 54
Símbolos, Metáforas & a Mística do Sagrado Anjo Guardião, Fernando Liguori
Introdução 58
Parte I: Na Trilha do Sagrado Anjo Guardião 59
Todos possuem um Sagrado Anjo Guardião? 64
O Conhecimento do Sagrado Anjo Guardião 65
Os Irmãos da A∴A∴ são Mulheres 67
O Beijo do Anjo 69
O Yoga do Sagrado Anjo Guardião 71
O Amante Secreto 74
O Nome Secreto 76
O Anjo & o Daimon 80
Parte II: O Daimon Pessoal na Teurgia Neoplatônica de Jâmblico 81
O Neoplatonismo 82
Teurgia 85
A Invocação do Daimon Pessoal 87
A Tarefa Hierofântica & a Ordem de Thelema, Fernando Liguori
Homem da Terra 93
Amante 95
Eremita 96
Heresia: abraçando a mudança 96
Manifestações modernas 97
Constituição da Ordem de Thelema, Aleister Crowley 98
LiberNV, Aleister Crowley 102
Liber HAD, Aleister Crowley 106
Liber AL vel Legis, Aleister Crowley 110
Os Três Guṇas & a Natureza da Mente, Fernando Liguori 122
Yoga, os Cakras & a Mente, Swami Rishi Vivekananda Saraswati 127
Sinais Mágicos, Fernando Liguori 143
O Ritual do Pentagrama, Fernando Liguori 153
Notícias da Linha de Frente 157
Colegiado da Luz Hermética 171

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Expediente:

Corrente 93, Vol. I, No. 11 (edição para membros do C.L.H., A∴A∴, associados e assinantes).
© 2017 Fernando Liguori
© 2017 Sociedade de Estudos Thelêmicos
Realização:
Sociedade de Estudos Thelêmicos
Av. Barão do Rio Branco, 3652/14 Passos – Juiz de Fora – MG
36 025020
(32) 3026 0638 | 9112 3590
E-mail: srikulacara@gmail.com
Conselho Editorial:
Fernando Liguori (Juiz de Fora)
Nícolas Furlan Moraes (Rio Grande do Sul)
Jacques Menezes (Santa Catarina)
Priscila Pesci (Juiz de Fora)

Publicação registrada sob o nº 135.749 no Es- tensivas, seminários e cursos intensivos, pre-
critório de Direitos Autorais do Ministério da paração e divulgação de estudos e relatórios,
Cultura/Biblioteca Nacional. Todos os direitos edições e publicações.
reservados e protegidos pela lei 9610 de Corrente 93 é uma publicação da SETh, So-
19/02/1998. Nenhuma parte desta publica- ciedade de Estudos Thelêmicos, em nome da
ção pode ser utilizada ou reproduzida – em A∴A∴, que aborda temas sobre Magia, Tarot,
qual- quer meio ou forma, seja mecânico ou Qabalah, Filosofia de Thelema, Tradição Tân-
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apropriado ou estocado em sistema de banco como Ocultismo Thelêmico.
de dados ou mídia eletrônica, sem a expressa Os recursos gerados com a venda de exem-
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tor podem ser enviadas para Sociedade de Es- nizacional e técnico, buscando sempre ofere-
tudos Thelêmicos. cer melhor conteúdo.
A Sociedade de Estudos Thelêmicos é uma Citações de trechos desta publicação po-
organização da sociedade civil com sede em dem ser usadas, desde que mencionada à
Juiz de Fora, Minas Gerais. Tem como objetivo fonte e que tenham autorização escrita dos au-
promover o desenvolvimento humano através tores.
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tos organizados. Através de nosso trabalho, de Aleister Crowley pertence à O.T.O.
promovemos atividades para elevação da – (http://oto.org/).
consciência por meio da realização de proje- Imagem de capa: O Homem da Terra por
tos sociais sustentáveis, pesquisas, aulas ex- Nícolas F. Moraes.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
O Daimon por Nicolas Furlan Moraes.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Editorial

Care Frateres et Sorores,

Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.

B em vindo a edição No. 11 do Jornal CORRENTE 93. Esse é um projeto do Outer


College Brasil, linha da A∴A∴ transmitida por Frater ON120 e Colegiado da Luz
Hermética através da SETh, órgão oficial de divulgação dos trabalhos desses dois
Colegiados Thelêmicos. Este mês o Sol está entrando em Áries no início do Ano
Novo thelêmico e essa é uma oportunidade para todos os irmãos do Colegiado da Luz Her-
mética praticarem a magia do Equinócio de Áries. No Tarot de Thoth, o Atu referente a essa
magia é o Imperador. Esse é o Caminho de Tzaddi que liga Netzach, a esfera de Vênus a
Yesod, a esfera da Lua. Este é o caminho da Inteligência Natural pois se trata da perfeição
da natureza de todas as coisas sob a égide do Sol. O desejo de Vênus refletido no espelho da
Lua produz impressões sobre a Luz Astral. Grande parte do trabalho do ocultismo é criar
novas formas como veículos adequados para a encarnação da vontade. No outro lado da
moeda, formas são criadas para ligar ou escravizar a Alma, como revelado pelo anzol (Tza-
ddi).
O rei retratado no Atu IV, O Imperador, é o pescador-rei encontrado nos mitos e lendas
de muitas culturas. O rei é uma imagem de meditação e magia onde os símbolos-chave são
mantidos e fixados pela concentração da vontade. A meditação requer esforço sustentado e
persistente durante um longo período de tempo - anos, não dias ou semanas - antes de dei-
xar de ser considerado um exercício pessoal. O poderoso glamour astral que permeia este
caminho dá origem à ilusão da iluminação instantânea, que muito pode ser adquirido espi-
ritualmente em troca de muito pouco esforço. O desejo de aquisição de poderes espirituais
ou mágicos, a crença de que alguém pode ser feito saudável, rico e sábio por meio da mani-
pulação mágica, do aperfeiçoamento psicológico ou do hipnotismo, não são mais do que os
incansáveis impulsos do ego humano de manter sua tirania sobre a Alma. O iniciante na
meditação descobre que, em vez de tornar as coisas mais confortáveis, a prática irrita o
corpo e é irritante para o ego. A maioria, portanto, encerra a disciplina dentro de alguns dias
ou semanas, decidindo que não é o seu caminho, afinal - eles têm de voltar ao mercado onde
os vendedores estão ansiosos para o comércio de milagres. O poder mágico do 28° caminho
é o Poder de Consagrar as Coisas. Dessa maneira, você poderá encontrar uma prática sim-
ples de consagração de seu Tarot logo no início dessa edição, que este mês está muito rica.
Este ritual pode ainda ser adaptado para outras consagrações.
Bom estudo!

Amor é a lei, amor sob vontade.

Frater ON120 6°=5⌷ A∴A∴


Imperator

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Imagens & Oráculos de
Nicolas Furlan

Frater 8 ∵
Nícolas Furla Moraes

Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.

N as últimas edições do JORNAL CORRENTE 93, tenho contribuído com algumas ilus-
trações que visam trazer uma contextualização artística, mas compreensível, que
aborde, em um contexto geral, todo o conhecimento e as chaves apresentadas
pelo Frater ON120 nos seus artigos que estão sendo desenvolvidos e farão parte
do seu livro CORRENTE 93: A CORRENTE SOLAR DO NOVO AEON, que, no momento, estão sendo
publicados nas edições do JC93.
Os trabalhos com cada desenho tiveram papéis bem distintos na compreensão dos
textos, pois, a partir da reunião dos símbolos presentes nos capítulos, algumas conexões
puderam ser feitas com outros símbolos que precisavam desenvolver-se melhor ainda na
minha mente, havendo, dessa união, um complemento mútuo e significativo. Aperfeiçoando
essa união para a correta expressão das ideias para o papel, as novas conexões foram enri-
quecendo as imagens que eram construídas no campo do imaginário, consequentemente,
fortalecendo os argumentos de cada assunto que, antes de difícil entendimento, agora res-
pondiam as dúvidas que poderiam surgir no andamento dos estudos. Cada viela que escon-
dia uma incompreensão ou desconhecimento tornava-se mais iluminada, revelando as cha-
ves antes ocultas, ampliando a visão sobre cada ponto que tinha, agora, sua rota definida, e
essa rota me direcionava a um entendimento maior do conteúdo.
Os apontamentos de Frater ON foram de extrema importância na posição de evitar
qualquer engano e mal-entendido no texto que se apresentava. Busquei verificar com ele as
ligações feitas por mim na construção dos desenhos e se havia conformidade com as pala-
vras dele nos textos, presando pela fidelidade da transmissão junto com o material escrito.
Agora, trarei alguns pontos sobre as representações que podem ser, ou não, obscuros
aos leitores em um primeiro momento.
A figura central da ilustração O Daimon, é a representação Una de Hórus e Set, tra-
zendo para uma linguagem essencialmente thelêmica as polaridades equilibradas dos as-
pectos positivos e negativos do Daimon microcósmico, o Sagrado Anjo Guardião abaixo do
Abismo. Seu balanço revela que ele está além do Bem e do Mal, não é bom ou ruim. Sua fun-
ção é apenas facilitar o cumprimento daquilo que se caracteriza como a Vontade Finita do
Adepto, de forma, que este último deve esforçar-se a descobrir e colocar em ação sua Ver-
dadeira Vontade que deve guiar a sua encarnação.
As expressões negativas são de total responsabilidade do Adepto, sendo que ele deve
controlar seus aspectos negativos, controlar seus elementos, levantar seu próprio Penta-
grama e deixar o Espírito agir, ou seja, sua parte mais elevada. Para que não caia no erro de
responsabilizar o seu Daimon Pessoal, deve-se relembrar que a função que ele possui é ape-
nas lhe auxiliar naquela parte do Faz o que tu queres no decorrer da sua vida. Isso está
expresso na representação nas correntes que prendem as mãos do Adepto. Mas, veja bem,
o Daimon te prende nos seus próprios vícios, seus próprios devaneios e seus apegos, assim

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
como lhe dá a chave para a liberdade, para a lucidez de caminhar o seu próprio Caminho.
Nesse caso, deve-se fazer a decisão: decidir ser controlado pelos teus aspectos negativos ou
colocar seus aspectos positivos em ação.
O deserto significa o início da jornada espiritual, onde procuramos sair da sede por
mais satisfação, que jamais cessa, do apetite por distração, por mais ilusões, mais miragens
do mundo profano que perseguimos em um ciclo sem fim. Mais a frente, temos o portal da
Iniciação guardado pelas estátuas de Hórus e Set, que retratam a entrada onde confrontare-
mos as polaridades adormecidas e ocultas em nós mesmos, que nos aguardam para imedi-
atamente, ao iniciarmos a jornada espiritual, aflorarem os nossos desequilíbrios, revelando-
se das profundezas do nosso ser.
A pirâmide, que está mais ao fundo, começa a ser construída, bloco por bloco, durante
todo o caminho da Iniciação. Curiosamente, a pirâmide, vista de um ponto de vista, se asse-
melha perfeitamente com uma escada. Um dos grandes ordálios é própria construção da
pirâmide, onde se deve perseverar durante todo o processo, dirigindo-nos diretamente ao
Sagrado Anjo Guardião e a transcendência de tudo o que somos, ao Absoluto, onde não ha-
verá nada para ser levado, pois não restará nada depois de deixarmos tudo na Taça de Ba-
balon. Assim, realizamos a Grande Obra, O dois em Um, o Um em Nada, Hadit, a Serpente
Alada, em União com Nuit, a Deusa do Infinito Espaço e Infinitas Estrelas.
Na segunda ilustração, O Homem da Terra, retrato o Homem da Terra aprisionado
junto com os seus Quatro Elementos, seus potenciais desequilibrados que, desordenados, o
aprisionam no Reino Material, fazendo dele sua vítima. Seu objetivo para conquistar certa
independência é se purificar, purificar a sua mente e tomar do seu corpo físico, os seus ele-
mentos. Trata especificamente do Grau de Homem da Terra, o Primeiro Estágio da Iniciação,
dialogando especificamente com a relação dos primeiros Graus da Astrum Argentum e com
o sistema de Abramelin nas duas primeiras luas da Operação. Os elementos estão ordenados
da seguinte forma: o Leão é o Fogo; a Mulher é o Ar; o Touro é a Terra; o Dragão é a Água
(conforme a nova representação definida por Crowley) e acima o Espírito. Os Quatro Ele-
mentos representam as Forças Ocultas da Natureza, o Microcosmo, Reino Material, o Corpo,
o Quadrado e os próprios órgãos dos sentidos, quando junto do Espírito. A fórmula principal
tratada na ilustração é a Quadratura no Círculo, a união dos elementos, do microcosmo, o
pentagrama, com o Macrocosmo, o Espírito, o Divino, possuindo uma relação com o Hexa-
grama. Conforme é dito nesta edição do Jornal pelo Frater ON120 no Capítulo A MAGIA DO
PRIMEIRO ESTÁGIO:

[...] Eles são Nuit e Hadit e o símbolo que os tem descrito é a quadratura no círculo.
Matematicamente eles têm sido representados pelo 6+5=11. O 11 é o número sagrado
da magia e da Grande Obra.
Alquimicamente nós estamos falando do princípio mágico solve et coagula, a dissolu-
ção do Eu no Infinito, a união daquilo que está acima com aquilo que está abaixo até que
nada mais exista. Esse é somente um dos arcanos ocultos por trás do símbolo iniciático
da quadratura no círculo e não importa o Grau que se conquiste na iniciação, o Candi-
dato sempre terá de aprender a controlar as forças do Quadrado colocando o Espírito
no Centro do Círculo, essa é a essência da magia da A∴A∴. Em outras palavras, o pri-
meiro serve para controlar e o segundo serve para ser controlado. Na experiência do
Neófito 1°=10⌷ isso significa se colocar nas mãos do Sagrado (Kether) enquanto traba-
lha para controlar as quatro forças ocultas da natureza (Malkuth).

Uma indicação que sinto que devo fazer, para uma compreensão mais próxima que tive para
o desenho, é a leitura da introdução ao RITUAL DA ESFINGE, da edição No. 10 do JORNAL COR-
RENTE 93. A última ilustração que preparei para esta edição é Os Guṇas.
O simbolismo essencial do desenho foi inspirado no Atu X, A Roda da Fortuna, do Tarot
de Thoth concebida por Aleister Crowley, com a pintura de Frieda Harris. Em sintonia com

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
a última ideia que indiquei aos leitores sobre o texto introdutório do RITUAL DA ESFINGE, to-
mei como ponto central o Homem Divino, o Pentagrama, a Esfinge, representando sattva, o
guṇa mais espiritual e lúcido, o próprio Grau de Eremita na A∴A∴.
O Homem porta e demonstra seu domínio com a Lança de Set em sua mão esquerda
(esta lança foi muito empregada nos retratos dos Faraós do Antigo Egito, que simbolizava o
seu poder e influência). Com ela, a expressão de tamas, o embotamento, a ignorância, estag-
nação, o Grau de Homem da Terra, simbolizado pelo crocodilo, é desfeita, suprimindo seus
aspectos animalescos e negativos do nephesh. Abaixo da sua mão direita, se encontra o ma-
caco, simbolizando rajas, o Grau de Amante, atividade, as perturbações.
Os guṇas, me baseando no texto A TAREFA HIEROFÂNTICA & A ORDEM DE THELEMA, não
possui um aspecto fixo, como o domínio de um sobre todos definitivamente. Coloco como a
atitude ideal, um comportamento incorporado na caminhada dos Graus. O Homem da Terra
deve se purificar dos seus aspectos mais tamásicos do nephesh. O Amante deve controlar as
faculdades mentais, o seu ruach, os 5 elementos da sua constituição. E o Eremita que, apesar
do seu grau de complexidade, pode-se dizer que é dar direção aos raios do seu Espírito.
Desejo a vocês, leitores, que estes desenhos possam despertar uma experiência muito
mais clara que tive, sendo úteis para a formação intelectual que guiará os seus estudos e,
assim, no crescimento espiritual de cada um. Tive o objetivo de transmitir de uma forma
inteligível e apreciável, ainda que de forma geral, o contexto dos capítulos deste mês. Enfim,
que com tudo isso possamos encontrar as chaves que abrem os portões que limitam a nossa
mente e desprendam as correntes que prendem nosso Espírito, trazendo assim ferramentas
para despertar os poderes da Esfinge dentro de nós, que guarnecerá a nossa Pirâmide, a
maior representação da Grande Obra.

Amor é a lei, amor sob vontade.

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O Rei de Tzaddi
Sol da Manha: Senhor Entre os Poderosos

Frater ON120
Fernando Liguori

Care Frateres et Sorores,

Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.

O Vigésimo oitavo Caminho é chamado de Inteligência Natural, sendo assim denomi-


nado porque através dele é consumada e aperfeiçoada a Natureza de todas as coisas
que existem debaixo do Sol. O Caminho de Tzadi, O Imperador, liga Netzach (Vitó-
ria) a Yesod (O Alicerce). Trata-se de um Caminho muito poderoso, que indica a
maneira pela qual a Energia Divina inerente a cada indivíduo pode ser abordada adequada-
mente. A letra Tzaddi significa anzol, sugerindo meditação, um processo intimamente ligado
ao uso da imaginação. Assim, a imaginação é descrita, não como a conquista de alguma coisa,
mas como uma fusão de duas correntes de consciência individual para formar uma consci-
ência maior. Embora este seja um Caminho da intuição fundamental, as vasilhas represen-
tam uma separação e, em seguida, uma reintegração da força de Chokmah (neste nível, sen-
timento e intuição) e de Binah (intelecto). O simbolismo do anzol na meditação é facilmente
estendido para a Árvore da Vida: o Anzol (Tzadi, O Imperador) é colocado nas águas de Mem
(O Pendurado) para pegar o peixe (Nun, A Morte). A água é, mais uma vez, um símbolo de

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
consciência. Quando praticamos meditação e visualização criativa, lançando-nos no Oceano
Universal, nós procuramos compreender os processos de vida e morte.
Os Trinta e Dois Caminhos da Sabedoria descrevem este Caminho como a Inteligência
Natural, sugerindo as forças brutais da natureza atribuídas a Netzach; os Elohim (Deuses de
Netzach) são sinônimos da própria natureza.
O anzol é a busca da realidade pela Personalidade consciente no contexto da medita-
ção, e também a vara de pescar do Sagrado Anjo Guardião para puxar a Personalidade das
profundezas onde se acha recolhida. A figura desta carta é a mais pura manifestação da
Grande Mãe no nível da Personalidade e antes de seu aprisionamento na matéria. Por esta
razão, ela está completamente despida: ela é a perfeição da forma física da natureza, ou seja,
de tudo o que existe sob o Sol, significando isso abaixo do nível de Tiphareth. Esta é a mesma
figura primeiramente encontrada em A imperatriz, com manto e coroa; é também a mesma
figura encontrada em A Grande Sacerdotisa, e a mesma figura de O Aeon.

O Rito do Rei de Tzaddi


Estágio 1: Preparação
Prepare sua câmara ritualística.
Tire o Atu IV, O Imperador, do maço de cartas e coloque-o de pé no altar.
Estágio 2: Abertura da Kiblah
De pé, frente ao Norte, assuma a forma divina de Hoor-paar-Kraat e execute o Sinal do
Silêncio.
Execute o Sinal de Puella e diga: menina, o dragão.
Execute o Sinal de Puer e diga: menino, o leão.
Execute o Sinal de Vir e diga: homem, o boi.
Execute o Sinal de Mulier e diga: a mulher satisfeita.
Execute o Sinal de Mater Triunphans e diga: a mãe triunfante.
Execute o Sinal de Tifon e diga: Hórus salta três vezes armado do útero de sua mãe. Har-
pócrates, seu gêmeo está oculto dentro dele. Set é a sua santa aliança, que ele revelará no
grande dia de Maat.
Execute o Sinal da Caveira de Ossos Cruzados e diga: Que os Mestres da Sagrada Egrégora
de Thelema e da Grande Fraternidade Universal possam me assistir neste momento, me
inspirar com sua sabedoria e me proteger com seu amor, para que com eles eu possa me
harmonizar e receber orientações através de minha intuição.
Execute o Sinal de Ísis a Mãe das Estrelas e diga: Ó, Grande Nuit! Senhora das Estrelas e
do Espaço Infinito. Caminho eternamente sob e em teu corpo na travessia de meu deserto e
no descanso de minha Alma. Neste momento, olho em tua direção e invoco Tua presença.
AUMGN.
Execute o Sinal da Torre de Set e diga: Ó, Grande Hadit! Tu que és o Centro e o Coração do
Sol. Tu que és todo o movimento, ardor e vida em meu corpo, pois tu és o adorador da mais
alta Beleza da existência. Neste momento, olho em tua direção e invoco Tua presença.
AUMGN.
Execute o Sinal do Hórus Vingador e diga: Oh, Grande Hórus, místico Senhor da Cabeça de
Falcão, do Silêncio e da Força, cuja nêmes cobre o céu azul noturno. Neste momento, olho
em Tua direção e invoco Tua presença AUMGN.
Bata no sino: 3-5-3 e proclame: Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei. Amor é a lei,
amor sob vontade. A Palavra é Thelema.
Estágio 3: Ritual do Pentagrama
De frente ao Norte, realize o Ritual do Pentagrama (invocando).

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Estágio 4: Invocação
Com a Baqueta ou dedo polegar da mão direita (em figa), trace um círculo com diâmetro
de seu braço, bem grande. No centro do círculo, trace o pentagrama de invocação do es-
pírito e invoque: Tzaddi! Daleth! Yod! O Sol da Manha, Senhor entre os Poderosos: Que
nenhum engrandecimento se manifeste em mim. Que todos os Poderes sejam Heru-Khuit.
Estágio 5: Jornada astral
Sente-se em seu āsana, execute o Ritual do Yoga Tântrico Hermético e inicie prāṇāyāma
(Pausa).
Na tela negra na frente de seus olhos fechados, ainda executando prāṇāyāma, visualize a
letra Tzaddi em flama e brilho, crescendo a cada espiração (pausa).
Inicie a jornada astral:
Visualize o Templo de Mistérios em Malkuth.
No Norte desse Templo, duas colunas se erguem: na base da coluna direita veja o símbolo
; na base da coluna esquerda veja o símbolo  (pausa).
Entre essas duas colunas, visualize o Atu IV, O Imperador, como um portal (pausa).
Na inspiração, eleve-se no corpo de luz através do Pilar do Meio. Na medida em que passa
através da esfera de Levanah em Yesod e Shemesh em Tiphereth, vá adiante até atraves-
sar o limiar prateado de Daath, parando entre Chokmah e Binah. Essa é a dimensão do
ājñā-cakra (pausa).
Execute o Sinal de Hórus (entrante) astralmente, projetando-se através do ājñā-cakra
(pausa).
Tendo atravessado esse limiar, você projetou-se para fora de sua estrutura física, para
dentro do plano astral, Yetzirah, o macrocosmo. Esse é o momento para iniciar sua jor-
nada com o corpo de luz.
Projete-se para dentro do Portal do Rei de Tzaddi. Abra os olhos e os ouvidos de seu
corpo astral para que posas ver e escutar (pausa).
Estágio 6: Encerramento
Retraia a consciência no ājñā-cakra novamente, retornando através de Daath, Tiphereth
e Yesod a Malkuth (pausa).
Quando sentir seu corpo na esfera da sensação, abra os olhos, levante-se e execute o Ri-
tual do Pentagrama (banindo).
Anote tudo em seu diário mágico.

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Ritual de Consagração do Tarot

Frater ON120
Fernando Liguori

Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.

O que se segue é uma consagração das cartas do Tarot para o trabalho prático com
os rituais que se seguirão. É importante que você utilize para esse trabalho um
maço de cartas virgem, quer dizer, que não tenha sido manipulado por ninguém.
Neste ensaio estamos trabalhando com o Tarot Egípcio de Thoth, concebido por
Aleister Crowley e pintado por Frieda Harris.

Estágio 1: Preparação das cartas


Tire as cartas do Tarot de Thoth de dentro da caixa.
Envolva as cartas com um quadrado preto ou branco de linho ou seda e coloque-o sobre
o altar.
Estágio 2: Abertura da Kiblah
De pé, frente ao Norte, assuma a forma divina de Hoor-paar-Kraat e execute o Sinal do
Silêncio.
Execute o Sinal de Puella e diga: menina, o dragão.
Execute o Sinal de Puer e diga: menino, o leão.
Execute o Sinal de Vir e diga: homem, o boi.
Execute o Sinal de Mulier e diga: a mulher satisfeita.
Execute o Sinal de Mater Triunphans e diga: a mãe triunfante.
Execute o Sinal de Tifon e diga: Hórus salta três vezes armado do útero de sua mãe. Har-
pócrates, seu gêmeo está oculto dentro dele. Seth é a sua santa aliança, que ele revelará no
grande dia de Maat.
Execute o Sinal da Caveira de Ossos Cruzados e diga: Que os Mestres da Sagrada Egrégora
de Thelema e da Grande Fraternidade Universal possam me assistir neste momento, me
inspirar com sua sabedoria e me proteger com seu amor, para que com eles eu possa me
harmonizar e receber orientações através de minha intuição.
Execute o Sinal de Ísis a Mãe das Estrelas e diga: Ó, Grande Nuit! Senhora das Estrelas e
do Espaço Infinito. Caminho eternamente sob e em teu corpo na travessia de meu deserto e
no descanso de minha Alma. Neste momento, olho em tua direção e invoco Tua presença.
AUMGN.
Execute o Sinal da Torre de Seth e diga: Ó, Grande Hadit! Tu que és o Centro e o Coração
do Sol. Tu que és todo o movimento, ardor e vida em meu corpo, pois tu és o adorador da
mais alta Beleza da existência. Neste momento, olho em tua direção e invoco Tua presença.
AUMGN.
Execute o Sinal do Hórus Vingador e diga: Oh, Grande Hórus, místico Senhor da Cabeça de
Falcão, do Silêncio e da Força, cuja nêmes cobre o céu azul noturno. Neste momento, olho
em Tua direção e invoco Tua presença AUMGN.
Bata no sino: 3-5-3 e proclame: Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei. Amor é a lei,
amor sob vontade. A Palavra é Thelema.
Estágio 3: Ritual do Pentagrama
De frente ao Norte, realize o Ritual do Pentagrama (invocando).

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Estágio 4: Circulação da luz
Permaneça de pé, frente ao Norte, executando o Sinal do Silêncio.
Enquanto permanece no Sinal do Silêncio, faça a circulação de luz.
Dirija sua consciência à esfera de luz acima de sua cabeça.
Visualize uma torrente de luz brilhante saindo da esfera e tocando o topo de sua cabeça.
A torrente de luz desce pelo lado esquerdo do corpo.
Expire e sinta a onda de energia descendo pelo braço, a mão e a perna es-querda, até
atingir a esfera de luz verde na região dos pés, sendo absorvida por ela e criando uma
conexão entre a esfera de luz branca acima da cabeça e a esfera verde na região dos pés
(pausa).
Inspire e visualize a energia subindo pela perna, mão e braço direito, até atin-gir a esfera
luminosa acima da cabeça, constituindo outra conexão entre a es-fera verde da região
dos pés e a esfera brilhante acima da cabeça (pausa).
Você acabou de estabelecer um circuito de polaridade entre Kether e Malkuth.
Repira este processo pelo menos três vezes. Na medida em que se torna mais proficiente,
estenda até onze vezes.
Dirija sua consciência à esfera de luz acima de sua cabeça.
Visualize uma torrente de luz brilhante saindo da esfera e tocando o topo de sua cabeça.
A torrente de luz desce pela frente do corpo.
Expire e sinta a onda de energia descendo pela frente do corpo, até atingir a esfera de luz
verde na região dos pés, sendo absorvida por ela e criando uma conexão entre a esfera
de luz branca acima da cabeça e a esfera verde na regi-ão dos pés (pausa).
Inspire e visualize a energia subindo por trás do corpo, até atingir a esfera luminosa
acima da cabeça, constituindo outra conexão entre a esfera verde da região dos pés e a
esfera brilhante acima da cabeça (pausa).
Mantenha a consciência na esfera luminosa acima da cabeça.
Neste momento, visualize a esfera luminosa acima da cabeça jorrando luz por todo o
corpo, a começar pela região da cabeça, braços, mãos, tronco, pernas e pés. A torrente de
luz de Kether inunda a completude de Malkuth, descendo e subindo.
Repita esse processo 11 vezes.
Estágio 4: Invocação do Senhor do Universo
No centro do Círculo Mágico, de frente para o Norte-Aquário-Nuit.
Execute o Sinal de Ba, ativando os cakras da coroa (Kether), coração (Tiphereth) e mãos
(marmas), formando um canal de transmissão e recepção da força mágica.
Pronuncie: Tu que és o Mais Elevado, ó Ra-Hoor-Khuit; Tu cuja Natureza ainda não formu-
laste; Tu cuja vastidão se perde no Universo; ó Criança de Nuit e Hadit, em teu nome cons-
tituo meu próprio Universo.
Execute o Sinal da Caveira de Ossos Cruzados e mantenha-se em silêncio por alguns se-
gundos (pausa).
Estágio 5: Consagração
Tire as cartas do Tarot do pano de linho ou seda e as coloque sobre o altar.
Com a Baqueta ou dedo polegar da mão direita (em figa), trace um círculo com diâmetro
de seu braço, bem grande. No centro do círculo, trace o pentagrama de invocação do es-
pírito e vibre ASHERATH enquanto visualiza e traça. Em seguida, aponte a baqueta ou o
dedo polegar em figa para o centro do pentagrama e vibre ADONAI para energizar o cír-
culo.1

1 Asherath é deidade em Kether e Adonai a deidade em Malkuth. Juntos eles são o Alpha e o Omega, IAO.

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hr#)
ynd)
Dirija sua atenção ao maço de cartas.
Visualize o maço de cartas brilhando com a mesma intensidade da força e luz do penta-
grama que você acabou de traçar. Para isso, imagine que um fio de luz é projetado da
ponta inferior do pentagrama até o maço de cartas. Você deve visualizar com perfeição e
brilho o canal que conecta o pentagrama e o maço de cartas (pausa).
Invoque: Invoco a ti, I A O para que envies H R U, o grande Anjo que preside às operações
desta Sabedoria Secreta para que ele pouse sua mão invisivelmente sobre estas consagra-
das cartas da arte, que por meio disso possamos obter conhecimento verdadeiro de coisas
ocultas.
Realize o Sinal de Hórus Vingador e assuma sua forma divina, energizando completa-
mente sua esfera psíquica como uma bateria de força. Veja seu corpo psíquico carregado
com energia mágica (pausa).

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Em seguida, projete a força mágica de seu corpo psíquico na direção do maço de cartas,
assumindo o Sinal do Entrante. Ao fazê-lo, veja o maço de cartas vibrando e sendo carre-
gado com a energia que está sendo lhe enviada (pausa).
Execute o Snal do Silêncio, recolhendo a energia mágica (pausa).
Proclame: Em nome de ASHENATH e ADONAI, que todos os espíritos que atenderam a esta
cerimônia da magia de luz abençoem minha intenção.
Execute o Sinal de Ba e pronuncie: Tu que és o Mais Elevado, ó Ra-Hoor-Khuit; Tu cuja
Natureza ainda não formulaste; Tu cuja vastidão se perde no Universo; ó Criança de Nuit e
Hadit, em teu nome constituo meu próprio Universo.
Execute o Sinal da Caveira de Ossos Cruzados e mantenha-se em silêncio por alguns se-
gundos (pausa).
Bata 11 vezes no sino e diga: ABRAHADABRA.
Estágio 6: Encerramento: Ritual do Pentagrama
De frente ao Norte, pronuncie: Declaro a cerimônia de consagração do Tarot encerrada.
Realize o Ritual do Pentagrama (banindo).

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Corrente 93
FERNANDO LIGUORI
Capítulo Seis
O Anjo & o Daimon

M uitas filosofias religiosas desde a antiguidade clássica ao judaísmo medieval e a


vastidão de religiões e seitas contemporâneas, têm disseminado a crença de que
em oposição ao bem, existe uma inclinação ao mal. Embora possa haver pessoas
más ou até mesmo entidades malignas, de deuses a daimons, o mal em si não é
uma entidade real tanto quanto a tendência pela qual alguns, visíveis ou invisíveis, são pro-
pensos a agir. Grande parte dos cristãos da antiguidade, teólogos como Santo Agostinho
(354-430) e Tomás de Aquino (1225-1274) defenderam ferozmente essa ideia, de que o
bem e o mal são pares de opostos provenientes da mesma origem criada como parte do
propósito de Deus para humanidade. Outros aparentemente não entenderam que o motivo
por trás do mal é exatamente àquilo que os filósofos têm dito: estimular o bem. Em palavras
claras, sem o mal não existe nada que a nossa Alma possa usar como espelho para refletir a
si mesma e sua experiência.
No entanto, nasceu um conflito na cristandade. Se o mal é apenas uma inclinação, isso
implica que a prestação de contas das nossas ações está sobre os nossos ombros. Na Idade
Média, um período entre a antiguidade e a renascença, de 476 a 1453 d.C., a cristandade que
emergiu ainda estava se definindo como a personificação da perfeição na Terra. Qualquer
imperfeição cometida pelo clero ou pela comunidade, seja ela verbal, mental ou na ação, era
tida como uma tentação de Satã e suas legiões ou por entidades malignas que frequente-
mente eram retratadas como os deuses locais pagãos. Isso encorajou uma mentalidade na
qual as pessoas atribuíam suas falhas a fatores externos ao invés de encararem de frente a
dificuldade maligna interior que se apresenta.
O prístino e genuíno impulso que deu nascimento a cristandade foi vagarosamente
sendo deformado e corrompido em uma atitude negativa de confrontação com àqueles que
não aceitavam ou aderiam ao cristianismo aprovado e qualificado pela Igreja Católica, que
os difamava e os desumanizava. Embora a cristandade ressalte o amor a Deus e o cultivo de
valores elevados, suas atitudes contra o ser humano através da história cultivou maldade e
violência por todos os cantos do Planeta. Algumas religiões mais populares começaram a
ser alvo da desconfiança e descontentamento da Igreja. Essas religiões estrangeiras se tor-
naram ameaças potenciais que justificavam atitudes genocidas impensáveis em defesa da

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fé. Embora os cristãos raramente admitam, sua Igreja – como muitas outras religiões – é
culpada pelo que hoje conhecemos como limpeza étnica.
A difamação e distorção do daimon grego fazia parte do jogo de culpa da cristandade.
Esse mal externalizado foi uma ideia que se desenvolveu até que os teólogos medievais cri-
aram a imagem de um daimon em uma entidade maligna objetiva de terror fantasmagórico.
Satã se tornou na Idade Média uma entidade real, um bode expiatório cristão. Essa ideia
gerou a premissa de que se existe uma entidade do bem, então também deve haver uma
entidade do mal e se o bem na forma dos Anjos residem no Céu, então obviamente o mal na
forma de Demônios (daimons) residem no Inferno e representam àquelas coisas que nos
enfraquecem e nos mantêm acorrentados a Terra.
A cristandade muito enfatizou que Jesus era o único Logos verdadeiro, a palavra de
seu Pai. Então nos vem a indagação: que criatura é essa que sussurra em nossos ouvidos? A
Igreja Católica responde essa pergunta dizendo que Jesus é o único intermediário entre
Deus e a humanidade e que o daimon (Demônio) é uma criatura maligna que tenta o ser
humano. Tudo o que o daimon sussurra em nossos ouvidos pode nos levar a perdição da
tentação.
O que os professores cristãos falharam em compreender é o fato de que o pêndulo do
daimon é neutro e que ele oscila entre o bem e o mal. Mas a Igreja preferiu disseminar a
visão de que o daimon é uma criatura do mal apenas. A neutralidade do daimon foi comple-
tamente ignorada pelos pensadores cristãos e ironicamente, uma vez que o propósito do
daimon é assistir a humanidade em sua encarnação, ele inevitavelmente se tornou a própria
e pior profecia auto-realizável da Igreja. Em outras palavras, se a Igreja convence as pessoas
de que seu daimon é maligno, ele se tornará malévolo e se a Igreja diz que o daimon de cada
um irá tenta-lo para longe do caminho do Senhor – e isso se tornar uma crença real – então
o daimon assim o fará. Então de uma maneira estranhamente distorcida a cristandade está
correta acerca do daimon, afinal de contas a nós nos foi dado um daimon para nos assistir
nas questões de nossa encarnação. Se acreditarmos que essa entidade é má e cheia de malí-
cia negativa, ela assim o será. Mas nasce a pergunta: seria isso culpa do daimon ou uma pro-
gramação? Ou melhor, é culpa do daimon ou do programador?
Os gregos acreditavam que a Alma deve passar por um processo de aprendizado na
intenção de se preparar e de se tornar hábil em viver a vida na terra sem se apegar ao pro-
cesso de encarnação e suas experiências conectadas. Se uma Alma falha em descobrir e exe-
cutar sua Verdadeira Vontade de uma vida para outra, seu destino será o Tártaro, a mas-
morra das Almas caídas, o Inferno dos Cristãos. Difamar e acusar o daimon como a mazela
por trás de todos os problemas da humanidade tem sido a desgraça de nosso mundo. Isso
tem levado os homens a virarem as costas para o primeiro e o segundo presente lhes dado
por Deus, isso os deixou a mercê de instituições religiosas organizadas que lhes empurra
goela abaixo uma fé pronta, construída a partir de uma visão perniciosa do daimon.
O que a cristandade fez foi ampliar consideravelmente a dor da divisão entre a Alma
Universal (Espírito) e a Alma pessoal. A estrada que os gregos abriram – conhece a ti mesmo
– raramente foi trilhada ou encorajada na construção criminosa de uma doutrina religiosa
promulgada para fins geopolíticos. Como resultado disso, o primeiro e mais importante re-
querimento mágico-espiritual foi esquecido pela humanidade que ignorou completamente
a máxima de Sócrates: uma vida sem análise de si mesmo não vale a pena ser vivida. Sócrates
compreendeu que a reflexão e o trabalho duro sobre si mesmo são imperativos importantes
na vida, sem os quais ela torna inútil a experiência da Alma. Ele acreditava que se o homem
não refletisse sobre si mesmo profundamente, sua existência poderia ser comparada a vida
de um animal. Eu penso que Sócrates estava correto.
Os cristãos de modo geral não têm a noção de autoanálise pelo fato de não aceitarem
que o homem possui uma Verdadeira Vontade, que é o objetivo por trás da encarnação. Isso
de todo modo é inevitável: a Igreja Católica não acredita na doutrina da reencarnação. No

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entanto, nos primeiros séculos da era vulgar a reencarnação era um tema aceito entre todos
os cristãos do mediterrâneo e seus líderes como Clemente de Alexandria (150-215 d.C.), São
Gregório de Nissa (335-394), Justino, o Martir (100-156), São Jerônimo (347-420) e Santo
Agostinho.
Mas foi necessário a Igreja Católica banir a ideia da reencarnação, pois isso dá poder
e autoridade ao povo, não a Igreja. A doutrina da reencarnação contradizia as aspirações
políticas da Igreja, que desejava ser a única com o poder de levar a verdade a todas as pes-
soas. Mas só foi no ano de 533, após o Quinto Conselho Ecumênico ou o Segundo Concílio de
Constantinopla, que a ideia da reencarnação foi à bancarrota na Igreja.
Os anais da história demonstraram que este concílio esteve imerso em intrigas, arran-
jos políticos e a solidificação de poderes terrestres nas mãos dos líderes da Igreja. Foi neste
concílio que o homem, não Deus, decidiu que a ideia da reencarnação era desprovida de
mérito e validade na cristandade e qualquer um que se opusesse a essa medida era consi-
derado e caçado como herético.
A Igreja começou a pregar, portanto, a noção de que viver a vida, morrer e ir para o
Céu ou Inferno dependia das ações de cada um enquanto vivo. O corolário lógico disso é que
se alguém se atrevesse a pensar por si mesmo e começasse a questionar a autoridade da
Igreja, ele não teria a chance de consertar a sua vida por estar engajado em ações erradas,
quer dizer, contrárias ao pensamento estabelecido pela Igreja. Se tornou, portanto, a função
da Igreja auxiliar a humanidade a escolher o caminho correto, o caminho do bem e erradicar
completamente a cabeça feia do mal onde quer que ela aparecesse, garantindo assim que o
homem pudesse chegar no Reino dos Céus. A Santa Inquisição instituída pelo Papa Gregório
IX em 1233 é o ápice dessa medida religiosa.
Com o tempo, a noção grega de reencarnação foi esquecida completamente e os prin-
cípios por trás do daimon – ou até mesmo do elemental, muito mais difícil de se compreen-
der – foram completamente deturpados. A todos passou a ser ensinado que eles simples-
mente nasciam e que deveriam seguir a Vontade de Deus se quisessem ir para o Céu, uma
teologia que encarcera a alma. O daimon ou o Sagrado Anjo Guardião, dessa maneira, foi
inculcado ao inconsciente coletivo na forma distorcida e corrompida do diabo cristão, uma
criatura maligna que tenta os fiéis de Deus.
Com o surgimento desse conceito dualista ingênuo e infantil que colori tudo entre bem
e mal, anjo e demônio, luz e trevas etc., o que vemos são as inclinações pessoais dos cristãos
projetadas nos aspectos mais triviais da vida aos céus. O resultado disso tem sido uma ten-
dência em projetar para fora de si uma guerra que ocorre no interior de cada um, mas que
por ignorância tem sido refletida na imagem de uma tentação que vem de fora. Esse vírus
mental infectou quase todos os sistemas de magia que apareceram na Idade Média e a busca
pelo Sagrado Anjo Guardião do LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O MAGO, não se isenta
dessa mazela e é por isso que ele deve ser estudado com cautela absoluta.
O manuscrito do LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O MAGO, localizado na Biblio-
teca do Arsenal em Paris, é dito ser uma tradução francesa do texto original em hebraico. Os
pesquisadores modernos têm concluído que uma aura mística tem aumentado a relevância
mitológica dessa obra além do que ela merece. Nunca foi encontrada a versão original da
obra e peculiarmente ela tem um acentuado tom cristão, como por exemplo a menção da
Páscoa como melhor período para se iniciar as operações. O pano de fundo da obra é essen-
cialmente cristão, não judeu. No entanto, existe ainda uma outra fonte dessa obra, de origem
germânica e bem mais fria. A versão em francês é mais robusta magicamente, tem mais ins-
truções práticas. A versão francesa também é a mais querida pelos estudiosos e por esse
motivo quase não vemos pesquisas sobre a versão em alemão. Para escrever esse livro eu
me debrucei sobre a tradução francesa, também por esse mesmo motivo.

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A forte inclinação cristã pode ser inferida a partir de passagens cruciais na obra. Por
exemplo, durante a operação, quando são invocados os Quatro Espíritos de Comando, o ma-
gista é impelido a recitar em voz baixa os Salmos 137 (verso 1) e em seguida o Salmos 90
(verso 1) em latim. Alguns leitores não conseguirão perceber o óbvio aqui. Primeiro, a ins-
trução é que seja citada uma passagem bíblica em latim e não em hebraico; segundo, a pas-
sagem em questão – os versos 1 dos Salmos 137 e 90 – só são encontradas na Bíblia Católica
do Rei James. Em todas as outras versões, essas mesmas passagens são atribuídas aos Sal-
mos 138 e 91. Assim, é possível notar que todo o pano de fundo da tradução francesa do
LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O MAGO é essencialmente cristão-católico. Não é es-
tranho que Abraão o judeu, versado em hebraico, Qabalah e difusor da fé judia introduza os
Salmos em latim, justamente a língua corrente utilizada pela Igreja Católica na época? Exis-
tem muitos outros pontos que poderiam ser levantados, mas o que acabei de mencionar já
é o suficiente para o nosso entendimento.
Na versão germânica, por exemplo, não há nenhuma referência a Páscoa ou aos Sal-
mos. Na verdade, não há nenhuma inclinação cristã nessa versão. Alguns entusiastas suge-
rem que isso ocorre porque os tradutores da versão francesa eram cristãos, no entanto, o
que se pode inferir é que existiu certo desenvolvimento de uma cultura ou tradição que de-
senvolveu a prática de todo o sistema como ele foi apresentado na versão francesa. Como
falei acima, ela é muito mais robusta e consistentemente prática. Quando comparadas folha
a folha, a versão em francês apresenta capítulos mais completos além de ser mais poética e
filosófica. A versão germânica é bem mais antiga, o que justifica o desenvolvimento de uma
cultura prática sobre o livro.
A versão francesa do LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O MAGO inspirou muitos
ocultistas como S.L. MacGregor Mathers e Aleister Crowley. A versão germânica, por outro
lado, é pouco conhecida e é de pouquíssimo valor prático, não tendo chamado muito atenção
por conta disso. Todos os historiadores concordam que existem inúmeras versões dos gri-
mórios medievais, umas ótimas e outras péssimas e com o LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRA-
MELIN, O MAGO não seria diferente. A versão germânica data de 1400 e a versão francesa de
1750. Como podemos ver, é um lapso temporal bem grande e esse é o ponto principal que
sustenta a ideia por trás de uma cultura de desenvolvimento mágico sobre o sistema de
magia de Abramelin.
Faz pouco tempo a versão germânica foi publicada com uma introdução de Lon Milo
Duquette, destacado membro da Ordo Templi Orientis, O.T.O. Embora valioso ao estudo his-
tórico, a introdução feita por Mathers na versão francesa deu vida ao sistema. Mathers tor-
nou a magia de Abramelin aplicável ao magista moderno.
Mas para apreciar a grandeza do sistema de magia proposto por Abramelin, o leitor
deve se familiarizar com a atmosfera do período no qual o manuscrito foi produzido, nos
meados do Séc. XV. Foi um período difícil na religiosidade ocidental por conta da consolida-
ção da doutrina católica que acabava de se concretizar. Esse foi também o período da Inqui-
sição, movimento orquestrado pela igreja Católica na intenção de defender a integridade
religiosa e doutrinal da fé cristã através da conversão ou da perseguição – e assassinato –
daqueles que contrariavam o império da cristandade. Um dos objetivos principais da Inqui-
sição foi perseguir doutrinas cristãs falsas.
Já nesse período da história, todo o Mediterrâneo e Europa Ocidental já haviam se
esquecido completamente da doutrina grega dos dois Presentes dados a humanidade pelos
deuses. O que a Igreja ensinou a humanidade a partir disso era que a salvação se dava por
meio da fé apenas. O conceito gnóstico de que cada indivíduo poderia conquistar a salvação
por meio do Conhecimento do daimon tornou-se uma heresia. Um exemplo desse despauté-
rio tirânico e opressor foi a morte de Joana D’arc (141-1431), acusada de seguir vozes que
lhe guiavam. Se Sócrates estivesse vivo naquele período certamente ele seria queimado vivo
com Joana D’arc na estaca.

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Joana D’arc por Eugene Thirion, 1876

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Foi impossível aos magistas daquele tempo serem infectados pela ideia do mal na forma do
Demônio disseminado pela Igreja. Isso levou muitos que buscavam o Sagrado Anjo Guardião
através do sistema da magia de Abramelin a se perderem completamente nessa jornada,
deixando de perceber a natureza dualista inerente ao sistema. O demônio nada mais é do
que a versão cristã do Anjo inferior ou menor. Como todos os grimórios medievais foram
contaminados pela ideia do mal na forma de uma entidade demoníaca, todos passaram a
retratar o daimon como uma criatura vil e maligna com destrezas abeis de aprisionar uma
Alma em uma rede de mentiras e enganos. O que a Igreja fez foi, preocupada por preservar
o bem, dedicou tudo de ruim ao daimon.
O LIVRO DE ABRAMELIN não apenas foi influenciado pela principal corrente cristã da
época, mas também abraçava a filosofia radical de que Deus criou tanto a luz quanto as tre-
vas, o bem e o mal, os anjos e demônios. Mas o que existe de novo no LIVRO DE ABRAMELIN é
a noção de que o homem é uma ponte entre os dois polos extremos da equação, os anjos e
os demônios. A obra reafirma o que os magistas da modernidade têm falado como o papel
do Eu Superior. Na verdade, MacGregor Mathers em sua introdução nos diz que o sistema
nos ilumina para esse fato, que o homem é o controlador natural da natureza média entre
anjos e demônios e, portanto, cada homem tem naturalmente um Anjo Guardião e um Demônio
Maligno.2 Na obra, a palavra demônio é usada como sinônimo para o Diabo, no entanto, as
pessoas mais inteligentes e esclarecidas sabem que a palavra demônio deriva-se do grego dai-
mon, que é qualquer espírito, bom ou mal.3 E esse é um dos pontos mais importantes a se
compreender sobre a Arte Sagrada do Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo
Guardião. Este é o único sistema de magia que esclarece o fato de que ao homem é dado um
daimon ou demônio e um anjo.
No entanto, uma tolice encontrada no sistema de magia proposto por Abramelin é a
noção de que o Anjo Macrocósmico, como o próprio Deus em si, não tem tempo para se me-
ter nos afãs humanos. Isso é apenas um modo de falar. Como demonstrei anteriormente, o
homem não tem aparato nenhum de comunicação em si mesmo para se relacionar direta-
mente com o Absoluto. Bom, já que o Anjo macrocósmico ou Espírito Absoluto está muito
além de nossa condição de comunicação, quem é que nós estamos convocando na magia de
Abramelin? O daimon.
O sistema proposto por Abramelin, portanto, difunde a ideia que duas entidades sus-
surram em nossos ouvidos desde a tenra infância. Embora a noção esteja parcialmente cor-
reta, a ideia é falha porque essa dualidade proposta impede o magista de perceber – e por
isso muitos chegaram a falhar – que não se trata de duas entidades distintas, uma do bem e
outra do mal, mas de uma entidade apenas, o próprio daimon que exerce uma dupla função,
quer dizer, o daimon age como um pêndulo que oscila entre os desejos e apegos do homem
e sua Verdadeira Vontade no curso de seu auxílio na jornada da encarnação. Em outras pa-
lavras, o que Abramelin fez foi dividir essas duas funções naturais do daimon em duas enti-
dades distintas: Espírito Guardião e Demônio, seguindo a noção cristã vigente na época.
Ironicamente, fosse Abramelin consciente disso ou não, seu sistema provê a solução
quando dirige o foco de suas atenções ao Anjo inferior ou Menor, quer dizer, o daimon. Ele
o faz ensinando que o magista nunca deve ignorar os extremos bem e mal na compreensão
de que ambos têm seu lugar no grande esquema de Deus. O magista deve, portanto, encon-
trar um equilíbrio entre ambos os opostos e MacGregos Mathers nos confere uma chave de
sabedoria sobre isso quando diz que o primeiro serve para controlar e o segundo serve para
ser controlado.4 Essa chave é o pilar central que sustenta todo o sistema e ignorá-la significa
falhar no ordálio dessa iniciação.

2 Israel Regardie, CERIMONIAL MAGIC.


3 Aleister Crowley, MAGIA EM T EORIA & P RÁTICA.
4 S.L. MacGregor Mathers, A MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O MAGO.

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Uma vez que todo o sistema de magia proposto por Abramelin – da edição francesa –
tem uma forte inclinação cristã-católica, os magistas da cultura thelêmica devem ser bas-
tante lúcidos ao explorar o conteúdo do livro. A mística cristã da época era extremamente
supersticiosa e Aleister Crowley se esforçou por combater toda e qualquer superstição no
campo da religião, filosofia e magia. Por exemplo: seria o daimon uma entidade do mal ou
apenas uma representação do conceito cristão de mal? Nós sabemos que o daimon – ou Ele-
mental – conquista seus objetivos através da manipulação das quatro forças (prāṇa) da na-
tureza na sua função de auxiliar ou tentar o homem nos seus affairs, apegos e prazeres mun-
danos. Mas ele assim o faz contra a vontade de Deus ou estamos nós, na condição de huma-
nos pedantes, usando o daimon como bode expiatório pelas escolhas que fazemos no curso
da encarnação?
A raiz grega da palavra daimon é daio, que significa dividir. Os cristãos começaram a
disseminar a ideia de que o daimon – ou os demônios – está tentando dividir o homem,
agindo entre ele e Deus. Mas o que a palavra revela de verdade é a noção de que o daimon
ou Sagrado Anjo Guardião Menor tem a habilidade de se dividir ou oscilar entre as escolhas
que fazemos, sejam elas boas ou más, atuando como um pêndulo entre os opostos por toda
nossa vida, sempre em acordo com nossas próprias demandas. O que nós devemos fazer
então? Conscientemente, nós devemos controlar esse aspecto negativo do daimon na inten-
ção de que ele possa nos assistir na realização de nossa Verdadeira Vontade ou melhor, nos
assistir no contato com o Eu Superior. O daimon é a ponte, portanto, entre nós e o Sagrado,
como já haviam proposto os neoplatônicos. O que nós temos é o livre arbítrio para escolher
entre as oscilações do daimon a partir daquilo que queremos na vida. Quer dizer, todo o
processo está em nossas mãos e essa é uma chave para o sucesso na magia de Abramelin.
J.F.C. Fuller (1878-1966), um antigo amigo de Aleister Crowley, certa vez disse: Entre os
opostos de bem e mal é colocada o livre arbítrio do homem, o que harmoniza ambos e através
do qual o homem pode exercitar o poder divino do julgamento.5
Embora a versão francesa seja essencialmente judaico-cristã, o que a diferencia ainda
de corrente cristã-católica que vigorava na época? A diferença está na abordagem. A Igreja
Católica disseminava uma doutrina passiva que ensina que a salvação é obtida através da fé
e no cumprimento dos desígnios de Deus, que abençoaria a Alma caso ela fosse pura e ino-
cente como uma criança. O sistema de magia proposto por Abramelin caminha na direção
oposta. Abramelin ensina que cada um pode controlar a descida da Graça Divina através de
rituais, encantamentos e amuletos. Isso era o que o diferenciava dos outros grimórios me-
dievais de magia e da abordagem defendida pela Igreja Católica. A magia de Abramelin está
mais próxima do gnosticismo no sentido que ele emprega a magia para conquistar as bên-
çãos de Deus e controlar as forças secretas da natureza.
Para que possamos considerar as influências gnósticas no LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE
ABRAMELIN, O MAGO, precisamos considerar o próprio Abramelin ou Abra-Melin, como é cha-
mado no manuscrito da obra. Se é que ele existiu mesmo, trata-se de uma figura sombria
envolvida em mistério e muito pouco se sabe sobre ele. Segundo Abraão, o Judeu, Abramelin
teria nascido em 1362 e supostamente escreveu sua obra em 1458. Abraão também conta
que os ensinamentos de Abramelin vieram do Egito, quando ele esteve na cidade de Arachi,
situada nas margens do Nilo. Isso é muito interessante por que essa é a área no Norte do
Egito que abrigava um grupo de gnósticos-alexandrinos liderados por Basilides durante o
reinado do Imperador Adriano (76-138 d.C.).
Basilides era um indivíduo extremamente excêntrico. Ele adorava um Deus Supremo
chamado Abraxas. A Igreja Católica o considerava uma das pessoas mais perigosas do
mundo antigo e o maior herege de seu tempo. Ele causou tantos transtornos a Igreja que ela
tentou dizimar todos os seus seguidores da face da Terra. Uma vez que as seitas gnósticas

5 J.F.C. Fuller, THE SECRET WISDOM OF QABALAH.

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não concordavam com a posição da Igreja, uma a uma foram erradicadas com o tempo, pois
sua ameaça não era apenas religiosa, mas principalmente política.
Por outro lado, Abraão, o Judeu viveu em uma área na Europa conhecida pela grande
eclosão de células rebeldes de movimentos hereges como o luteranismo e os reformadores
da Igreja Anglicana, um local apropriado para formação de sociedades secretas como os ro-
sacrucianos e expurgos rejeitados considerados corruptos e fraudulentos a fé da cristan-
dade. Dentro desse contexto nasceram alguns movimentos de inclinações gnósticas que pre-
gavam a inexistência de um método absoluto, perfeito e que realmente estabeleça conexão
com Deus e que a verdade deveria ser buscada dentro de si e não nas leis de qualquer igreja.
Foi em meio a isso tudo que nasceu o manuscrito do LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN,
O MAGO.
Qualquer um que tentar executar a magia de Abramelin sem ter noção de todo o pano
de fundo que envolve o sistema irá perder uma oportunidade única, pois quando conside-
ramos toda a cultura que envolve a magia de Abramelin sua pratica torna-se muito mais
rica. Primeiro, o sistema ensina que qualquer magista, homem ou mulher, de qualquer etnia
ou fé, seja cristã, islâmica ou judaica, não importa o quão bom ou ruim seja o magista, qual-
quer pessoa pode entrar em contato com seu Anjo e aprender a controlar o que na magia de
Abramelin é chamado de forças secretas da Natureza. O LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAME-
LIN, O MAGO adere a crença neoplatônica de que a Alma pode escolher a encarnação que quer
ter, seja de um genocida, traficante, acadêmico ou santo, rico ou pobre e que a Alma seja
hábil em discernir entre o bem e o mal.6
O LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O MAGO ensina que nenhuma religião tem o
monopólio da Alma de absolutamente ninguém. Abramelin dissemina uma antiga doutrina
gnóstica que diz que a habilidade para experienciar o Sagrado está dentro de cada um de
nós, não em uma instituição religiosa. As religiões organizadas ensinam que existe apenas
um caminho para a verdade e este caminho é pré-determinado para todas as pessoas. Isso
vai na contramão do sistema de magia de Abramelin. A abordagem de Abramelin, portanto,
é essencialmente gnóstica e ela ensina que cada um de nós pode entrar em contrato com
Deus através do Conhecimento (gnose) Dele.
Dessa maneira, a magia de Abramelin ensina a cada magista entrar em contato com
seu Sagrado Anjo Guardião e colocar sua vida em suas mãos para que ele lhe auxilie a cum-
prir o seu Destino, a Verdadeira Vontade. Nesse processo o magista aprende a controlar seu
Demônio (daimon) que se acredita tenta-lo contra a realização de sua Verdadeira Vontade.
A sua maneira, é assim que Abramelin lida com os dois aspectos do daimon.
O objetivo central desse livro não é tratar do Sa-
grado Anjo Guardião macrocósmico, mas do daimon, o
Anjo Menor que a cristandade chamou de Demônio. Mas
ele não é essencialmente maligno como eles o pintaram.
Ele está além do bem e do mal e como um pêndulo oscila
entre eles, podendo assumir a forma do Anjo ou do Demô-
nio como a Máscara de Jano.
O segredo é aprender a controlar um dos aspectos
do daimon e se deixar ser controlado pelo outro. O daimon
pode ser o Diabo que nos tenta e nos torna cada vez mais
apegados e escravizados por nossos desejos e prazeres es-
sencialmente materiais. Mas ele pode também ser o Anjo
que nos impele a subir a Montanha Sagrada em direção ao
Eu Superior e a Verdadeira Vontade. O sistema de magia

6 S.L. MacGregor Mathers, O LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O MAGO.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
de Abramelin é deveras precioso pois ele ensina ao magista ter controle sobre o seu daimon
na intenção de fazê-lo lhe auxiliar a executar sua Verdadeira Vontade. O LIVRO DA MAGIA SA-
GRADA DE ABRAMELIN, O MAGO ensina o magista a entrar em contato com o seu daimon, não o
Sagrado Anjo Guardião macrocósmico.

Harpócrates, o Bebê no Ovo, New Aeon Stuidius.

26
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Corrente 93
FERNANDO LIGUORI
Capítulo Sete
Os Três Estágios da Iniciação

T oda a prática concernente ao Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo


Guardião, tanto no passado quanto no presente, é um processo que se desenvolve
em três estágios de iniciação. Por exemplo, o sistema de magia de Abramelin leva
seis meses para ser realizado, mas esses seis meses são divididos em três estágios
de dois meses ou duas luas. O começo de cada um dos três estágios demanda grande con-
centração e disciplina para que o magista possa equilibrar todos os aspectos de sua prática,
internos e externos, na busca pela consecução mística com o Sagrado. E a despeito do que
muitos magistas modernos pensam e geralmente disseminam, não há complicações dema-
siadas no sistema e ele não requer nenhum esforço absurdo que somente cria dificuldades,
colocando o magista muitas vezes em situações difíceis como é o caso de outros grimórios
de magia medieval. Todo o sistema de magia de Abramelin se desenvolve naturalmente e de
maneira gradual prepara o magista que pouco a pouco vai se afastando de suas responsabi-
lidades seculares para se dedicar somente ao ofício da Arte dos Magi. De outra maneira, o
sistema de Abramelin leva o magista de seus impulsos aos desejos desmedidos a prática da
Verdadeira Vontade.
Israel Regardie disse nunca ter testemunhado o sucesso de qualquer Adepto que te-
nha realizado a magia de Abramelin apenas no curso dos seis meses propostos pelo sis-
tema.7 Em uma carta enviada a Grady McMurtry (1918-1975) em 12 de abril de 1978, Re-
gardie diz: A maioria dos indivíduos que tentam o sistema de Abramelin falham logo no início
ou chegam ao final fantasiosos de que a consecução com o Anjo aconteceu; eles terminam
como tolos. Ele percebeu que o tempo requerido no sistema original de Abramelin tornou-
se inapropriado as condições e estilo de vida de magistas modernos. Como thelemitas, nós
temos de agir como cientistas. Se o experimento não deu certo no curso de seis meses, de-
vemos nos perguntar: por quê? O Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guar-
dião se desenvolve em três estágios, mas apertá-los no período de seis meses tem se mos-
trado um procedimento inapropriado que tem levado muitos magistas sinceros a desgraça
do fracasso. Eu concordo com Regardie que nos dias de hoje leva mais tempo até que o ma-

7 Israel Regardie, CERIMONIAL MAGIC.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
gista possa estar devidamente preparado para a transição de cada um dos estágios da inici-
ação, não apenas seis meses. Dessa maneira, eu indico a todos os meus estudantes a não
estabelecerem um tempo específico para esses três estágios de iniciação. Eu digo: apenas
deixe a iniciação acontecer e na medida em que estiver preparado, naturalmente você passará
pelos portais desses três estágios da iniciação.
O sistema gradualmente desenvolve uma conexão entre o magista e o Anjo sem a in-
terferência ou assistência de um professor espiritual apontando-lhe as falhas. Dessa forma,
o requisito fundamental é a honestidade consigo mesmo. Ninguém irá requerer seu diário
mágico e buscará por suas realizações. Durante todo o processo é o magista consigo mesmo.
Ainda, o daimon já sabe tudo sobre o magista, pois ele lhe acompanha desde o nascimento e
antes disso. É por esse motivo que o magista busca por sua instrução espiritual. Alegar uma
consecução prematura apenas engrossa a carapaça do ego e constrói uma sombra ao redor
da realidade. E embora muitos tolos não saibam, a tragédia em fazer alegações fraudulentas
sobre essa iniciação apenas afasta o Anjo em detrimento da máscara de falsidade que se
cria, tornando o contato com ele mais difícil, o que leva muitos a cripta nefasta do fracasso.
Alguns pesquisadores têm argumentado que esse sistema ou abordagem da iniciação
em três estágios utilizado por Abramelin não se trata de nada novo e outros postulam que
toda essa história foi fruto da imaginação de Abraão, o Judeu. Por outro lado, Abramelin
possui entusiastas que afirmam sua existência. Caso Abramelin seja realmente o iniciado
que estes entusiastas defendem, então seria seguro checar as fontes nas quais ele bebeu e
se inspirou, em outras palavras, explorar as bases que fundamentam seu sistema. O que nós
sabemos sobre Abramelin é que ele viveu no Norte do Egito por algum tempo, local onde se
concentrava uma comunidade gnóstica liderada por Basilides. Algo que Abramelin e Basili-
des têm em comum é um método de iniciação que se desenvolve em três estágios ou etapas.
Nos capítulos seguintes, teremos a oportunidade de nos aprofundar no sistema de magia de
Abramelin. Basilides desenvolveu um sistema de iniciação de três graus ou estágios que ele
chamou de Material, Intelectual e Espiritual. O resultado é a produção do Conhecimento
(gnose).
Os cristãos primitivos que mencionei anteriormente que celebravam o Dia do Anjo da
Guarda também concordavam com uma prática de três etapas que imitava o sistema de Ba-
silides. No entanto, o ofício do Anjo para eles tornou-se apenas: 1. assistir a humanidade; 2.
servir como um mensageiro de Deus; 3. trazer as bênçãos de Deus.
Esse sistema de iniciação em três estágios foi revivido por Aleister Crowley. Em seu
monumental THE EQUINOX (Vol. I, No. 7), ele descreve a estrutura de sua Ordem Mágica, a
A∴A∴ como: Nosso sistema de iniciação é trino. Para os externos, testes laboriosos, de dor etc.
Para os internos, testes intelectuais. Para os eleitos da A∴A∴, testes espirituais. O quão próxi-
mas essas ideias estão de Basilides? O LIVRO DA LEI afirma que existem três graduações ou
tipos distintos de thelemitas, três Graus iniciáticos no caminho e conquista da Verdadeira
Vontade: Quem nos chama Thelemitas não fará engano, se ele olhar, senão de perto, no inte-
rior da palavra. Pois nesta estão Três Graduações, o Eremita, e o Amante, e o homem da Terra.
Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.8 Considere ainda essa outra passagem de O LIVRO
DA LEI que fala sobre esse sistema de iniciação em três estágios: Há uma palavra a dizer sobre
a Hierofântica tarefa. Vede! Existem três ordálios em um, e estes podem ser dados em três ca-
minhos. O espesso deve passar através do fogo; deixe o fino ser experimentado no intelecto, e
aqueles sublimes escolhidos no altíssimo.9
Nos próximos capítulos teremos a oportunidade de explorar esses três Graus de The-
lema ou graduações thelêmicas na Árvore da vida. Alguns detratores de Crowley costumam
argumentar que estes três Graus de Thelema – o Homem da Terra, o Amante e o Eremita –

8 LIBER AL, I:40.


9 LIBER AL, I:50.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
distribuídos na Árvore da Vida se trata de algo novo na magia moderna. Sobre isso eu ape-
nas lembro da passagem onde Dion Fortune nos diz em seu livro Cabala Mística: Existem
vários métodos pelos quais as Dez Sephiroth Sagradas podem ser agrupadas na Árvore da
Vida. Não é possível dizer qual abordagem é ou não é a mais correta; elas servem a diferentes
propósitos e lançam muita luz sobre o comportamento individual de cada Sephira, revelando
sua associação e equilíbrio.
Em outras palavras, uma vez que a Árvore da Vida é o esquema que mostra a soma
total de toda criação, sua possibilidade de interpretação na análise dos diferentes Caminhos
e Esferas é infinita na intenção de se compreender o todo. Qualquer coisa contra isso é into-
lerância espiritual.
Fosse Aleister Crowley consciente disso ou não, ele pode ter acessado uma antiga cor-
rente gnóstica que teria influenciado o sistema de magia de Abramelin, incorporando-a em
seu sistema e a apresentando aos magistas modernos. Isso ocorreu em fevereiro de 1904
quando Crowley e sua esposa Rose desembarcaram em Porto Said no Egito, a oeste de Ale-
xandria, o antigo lar de Basilides. Logo em seguida o casal seguiu para o Cairo onde Rose
começou a manifestar contatos com forças ocultas. Nas suas CONFISSÕES, Crowley dize que
Rose repetia inúmeras vezes a frase: Eles estão esperando por você. Em um primeiro mo-
mento, Crowley não levou nada disso a sério, mas Rose continuou lhe assediando até revelar
que era o deus Hórus quem estava querendo se comunicar com ele. Cedendo ao chamado,
Crowley se movimentou para realizar a Operação do Cairo, na qual ele invocou Hórus.
Durante essa operação de magia, Crowley recebeu uma revelação. Havia chegado o
Equinócio dos Deuses e uma nova era agora se iniciava. Nessa revelação ele descobriu que
seria a pessoa encarregada de entregar ao mundo esse Conhecimento (gnose). Uma enti-
dade que se revelou como Aiwass e que posteriormente Crowley considerou ser seu Sa-
grado Anjo Guardião lhe comunicou diretamente essa gnose espiritual. Nessa operação de
magia Crowley foi capaz de estabelecer contato com seu daimon e a partir dessa ocasião sua
vida mudou completamente.
Nos dias 8, 9 e 10 de abril de 1904 Crowley sentou- por uma hora para receber o que
viria a ser conhecido como O LIVRO DA LEI. Esse é um grimório de magia contento instruções
para humanidade dar o próximo passo na escala evolutiva. O livro contém três capítulos,
cada um referido a uma deidade da teogonia thelêmica. O primeiro capítulo representa o
estágio material ou terrestre, atribuído ao Deus da Terra, Hadit. O segundo capítulo é atri-
buído a Deusa do Espaço Infinito Celestial, Nuit, que nos instrui intelectualmente nos méto-
dos adequados para viver a vida e finalmente, o terceiro capítulo atribui-se a Ra-Hoor-Khuit
como um processo da descida da gnose em nosso templo, o corpo físico, após ele ter sido
preparado adequadamente.
No Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião, a natureza trina da
Alma como distribuída na Árvore da Vida deve ser levada em consideração. A primeira parte
da Alma é conhecida como Neschamah e representa tudo àquilo que se encontra acima do
Abismo. A segunda parte da Alma é conhecida como o Ruach, representado pelas cinco
sephiroth centrais da Árvore da Vida. A terceira parte da Alma é o Nephesh, representado
pelas esferas mais inferiores da Árvore. Nós iremos nos aprofundar nessas três divisões da
Alma no decorrer desse livro. Além dessa estrutura de nossa Alma, ainda existe os três es-
tágios de manifestação do Sagrado Anjo Guardião e isso é algo que muitos desconhecem:

1. A Visão do sagrado Anjo Guardião.


2. A Instrução do Sagrado Anjo Guardião.
3. O Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião.

A partir daqui eu estarei comparando a estrutura de iniciação formulada por Abramelin ao


sistema de iniciação thelêmico, refletindo tudo sobre a Árvore da Vida. Minha intenção ao

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
fazê-lo é fugir da tônica religiosa do Velho Aeon encontrada no LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE
ABRAMELIN, O MAGO, demonstrando como muitos thelemitas podem executar seu sistema
dentro da cultura thelêmica do Novo Aeon.

A Anunciação, John William Waterhouse, 1914.

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Corrente 93
FERNANDO LIGUORI
Capítulo Oito
Primeiro Estágio:
O Homem da Terra
O Estágio Material

A versão francesa do LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O MAGO é dividido em


três livros. O primeiro trata de uma introdução autobiográfica de Abraão, onde ele
descreve suas viagens pelo mundo e como ele conheceu um misterioso mago egíp-
cio chamado Abramelin em uma cidadela as margens do Rio Nilo. Os dois se tor-
naram bem próximos e com o tempo Abraão conquistou a confiança de Abramelin e recebeu
dele instruções sobre magia. Anos depois, de acordo com a fé judaica, Abraão ensinou a José,
o mais velho de seus filhos, a Santa Qabalah. Ao seu filho mais novo, Lamech, Abraão confiou
O LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O MAGO, após ter certeza de que ele seria capaz de
admirar, considerar e desfrutar as maravilhas do Senhor.10 De certa maneira, podemos rela-
cionar o primeiro livro ao estágio material do Homem da Terra.
É no segundo livro que o magista aprende os requerimentos para executar correta-
mente os procedimentos da magia de Abramelin e como se preparar para o primeiro estágio
ou as primeiras duas luas da iniciação. Trata-se claramente de um treinamento intelectual.
Ele demanda de alguns requerimentos básicos e trata do caráter espiritual que o magista
deve desenvolver em sua personalidade através de uma série de purificações que irão livrá-
lo do cárcere do vício, desenvolvendo um coração puro e a crença inabalável na existência
e no poder de Deus, da mesma maneira que ocorre com Parzival nos Mitos do Graal. Em
muitos aspectos esse estágio é um batismo, pois ao magista é ensinado que ele deve deixar
para trás todos os seus pecados, interrompendo o comportamento tóxico da mente na ação
de buscar o auxílio de deus.
Uma grande controvérsia assolou a cristandade na Idade Média sobre o porquê de
Jesus precisar ser batizado por João Batista uma vez que ele era o Filho de Deus. A resposta
é que Jesus Cristo não nasceu perfeito e quando ele nasceu, após beber nas águas do Rio do
Esquecimento, ele cresceu como qualquer um, com erros e acertos. O Batismo de Cristo,
como o Batismo de toda Humanidade é a purificação dos pecados para aceitar a Verdadeira

10 S.L. MacGregor Mathers, O LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O MAGO.

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Vontade. No sistema de magia de Abramelin o batismo é conquistado individualmente atra-
vés de um tipo sutil de ascese que produz um fogo ou queimação de natureza espiritual como
efeito da purificação de seu coração e a crença inabalável em Deus. No entanto, há um en-
trave no sistema. Ele sugere que apenas pessoas entre vinte e cinco e cinquenta anos enga-
jem na experiência, nem mais e nem menos.
Embora a obra trate também de alguns requerimentos fundamentais para que o sis-
tema possa ser colocado em prática, ela não ofende a inteligência do magista requerendo
azas de morcego, perna de rã ou a cabeça de um bode. Nenhum dos requerimentos densos
energeticamente solicitados nos grimórios tradicionais de magia medieval são encontrados
no sistema de Abramelin. Todas as coisas solicitadas para executar a magia de Abrmelin
podem ser providenciadas com facilidade, sem levar o magista ao engano e porventura ao
erro.

Tobias & o Arcanjo Rafael, Girolamo Savoldo, 1548.

Mas o sistema também apresenta algumas inconsistências. Se por um lado Abraão encoraja
a prática tanto de homens quanto de mulheres, ele também aconselha ao magista não estar
perto – e muito menos copular – com sua companheira caso ela esteja no catamênio. Ele é
enfático ao dizer que a mulher, caso esteja menstruada, deve se manter longe da câmara
iniciática. Para qualquer magista esclarecido, as ponderações de Abraão são muito compre-
ensíveis, uma vez que o sangue menstrual pode ser utilizado como veículo por uma miríade
de entidades astrais, além da mulher se tornar muito mais sensível e influenciável psiquica-
mente. No entanto, o sistema não fala nada sobre a possibilidade da mulher menstruar no
curso do retiro mágico e operações de magia. Ele ensina que o homem, uma vez dado início
a prática, não deve abandoná-la. Mas e a mulher, caso ela menstrue?

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Uma clara dicotomia com os dias de hoje aparece quando o magista é instruído a man-
ter-se limpo para poder estar mais próximo de Deus. Ele deve trocar suas roupas uma vez
por semana. Penso que muitos magistas modernos concordam que andar com uma peça de
roupa por uma semana não é nada higiênico. No entanto, na época em que o manuscrito foi
escrito essa conduta representava não apenas a pureza do corpo, mas da mente e das aspi-
rações espirituais. Existem muitos outros requerimentos como este no livro e os magistas
modernos devem adaptar da melhor forma possível. Mas ainda há outros requerimentos
fundamentais para prática como o altar e outros implementos cerimoniais. Nada demais: a
essência do processo é conseguir todos os aparatos cerimoniais necessários sem muita di-
ficuldade mantendo um estado de corpo e mente puros, regido sempre por uma aura de
santidade absoluta. A chave para o sucesso no sistema de Abramelin não se trata de seguir
todas as instruções ao pé da letra tanto quanto a essência por trás delas é obedecida aos
olhos de Deus.
A execução da magia de Abramelin pode ser feita tanto em uma casa na cidade quanto
em uma cabana na floresta. O requerimento essencial é manter-se solitário, sem incômodos,
interferências ou distrações.11 Outro requerimento essencial é que o local onde a magia de
Abramelin será executada deve ser magicamente livre, quer dizer, não pode ter existido ali
qualquer prática de magia, feitiçaria ou conduta religiosa anteriormente. O local deve ser
completamente virgem de influências espirituais passadas. Assuntos mundanos ocorridos
não são necessariamente de grande preocupação, mas o magista é aconselhado a nunca dor-
mir no Templo.
Toda a operação de magia do sistema de Abramelin vagarosamente sensibiliza o ma-
gista a influência do seu Anjo. O requerimento para total purificação da área do Templo
serve para que o magista não se confunda com as forças que poderiam estar agregadas na-
quele local e que ele ainda não tem poder ou capacidade de controlar. Isso é ensinado no
fim do terceiro livro. Pondero que esse seja realmente um requerimento importante, caso
contrário toda experiência pode ser colorida pelas forças externas que podem ou não ser
antagônicas ao objetivo da operação. Os magistas modernos têm utilizado o Ritual Menor
do Pentagrama para purificar o ambiente do Templo e toda sua área. Esse ritual purifica
Yetzirah de Assiah. Isso significa que sua atuação é, de certo modo, bem limitada para algu-
mas operações de magia. Por conta disso, o magista pode querer usar outros ritos de magia
– propriamente dito – para purificar o Templo e toda sua área. Mas para trabalhos diários
de purificação o Ritual Menor do Pentagrama funciona muito bem e pode ser utilizado nos
dias que antecedem o grand finale de todo o retiro mágico.
Uma questão é levantada por muitos magistas: por que não utilizar um círculo mágico
para se proteger de forças antagônicas? Existe uma justificação porque o sistema de Abra-
melin não utiliza círculo mágico e várias possibilidades no mínimo infantis têm sido levan-
tadas sobre esse ponto. Durante todo o processo o magista é lembrado de que quanto mais
puro ele se manter, mais próximo de Deus ele estará e é dessa maneira que ele se mantem
na prática. Diferente dos outros grimórios de magia medieval, àquilo que o magista está in-
vocando estará com ele o resto de sua vida. Se trata de seu Anjo! Em outras palavras, no fim
de toda operação o magista não retorna ao mundo com as mesma conduta apegada e torpe
do passado. O seu verdadeiro caminho está agora cuidadosamente estabelecido e o ele gra-
ciosamente o segue sem maiores empecilhos. No fim, o sistema de Abramelin ensina que se
o magista mantem-se puro de mente e corpo, então ele não precisará de um círculo mágico
para se proteger de nada. O verdadeiro Templo Sagrado construído no período de seis me-

11Na Abadia de Thelema, os estudantes que embarcavam na jornada do retiro mágico eram auxiliados de longe,
com suas necessidades de alimentação devidamente sanadas.

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ses é seu próprio santuário interior e é o controle sobre o seu corpo que fará dele um sacrá-
rio apto ao Santo dos Santos. Se o magista assim o fizer, cultivando a pureza da mente e do
corpo, então o Sagrado Anjo Guardião descerá e habitará com ele a Cripta dos Adeptos.
Uma vez que o magista está preparado para começar, ele é instruído a passar duas
horas por dia estudando a Sagrada Escritura e outros Livros Sagrados.12 Abramelin diz que
a leitura dos Livros Sagrados ajudará o magista a se tornar perito na prece e oração, além
de torna-lo consciente das coisas de Deus e do Sagrado Anjo Guardião que ele almeja encon-
trar. É aqui, no início das duas primeiras luas ou o primeiro estágio que a maioria dos Can-
didatos têm falhado.13
A maioria dos estudantes, quando ingressam no oculto, logo se fascinam pelos grimó-
rios medievais de poder contendo as fórmulas mágicas para entrar em contato com anjos,
demônios e outras criaturas espirituais. Cedo ou tarde nessa jornada eles esbarram com O
LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O MAGO. No entanto, este grimório de magia é distinto
dos outros grimórios medievais. Sua visão é bem mais espiritualizada. A maioria dos grimó-
rios medievais ao tratar de magia não está interessado em espiritualidade. Para os magos
da Idade Média, caso o magista quisesse se espiritualizar, ele deveria ir à Igreja. Para eles,
magia servia para outras finalidades como amarrações, conquista de fortuna, atração de
amores etc. Mas O LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O MAGO caminha em uma direção
completamente oposta e seu papel foi fundamental na gênese da magia moderna. Contrário
a ideia de que a espiritualidade era encontrada na Igreja, Abramelin ensina que cada um
pode tomar o céu por assalto. A visão de gnóstica Abramelin deu um salto na interpretação
da magia. Seu sistema ensina que cada magista pode conquistar a Graça Divina através da
magia. Isso influenciou profundamente os fundadores da magia moderna como Éliphas Lévi
(1810-1875), S.L. MacGregor Mathers, seu pupilo Aleister Crowley e muitos outros. Abra-
melin pode ser considerado de forma segura a ponte entre a magia medieval e a magia mo-
derna.
Essa revolução na magia proposta por Abramelin agradou poucos e confundiu muitos.
Por tamanha simplicidade em seus procedimentos, magistas acostumados com instruções
difíceis se viram em complicações diante da postura essencialmente religiosa requerida no
sistema de Abramelin. Era confuso ter que cultivar um coração puro e devotado a Deus para
praticar magia. Mas Abraão ensina a seu filho Lamech que de nada adianta falar sem devo-
ção, sem atenção e sem inteligência [...]. É essencial que sua oração seja proferida do fundo de
seu coração, pois o simples fato de escrever orações e lê-las de nada adianta. Somente a oração
fervorosa pode ensinar o que a oração realmente é.14
E na prática da magia moderna o que nos tem sido requerido? Qualidades como con-
centração e unidirecionamento das energias da mente, poder de vontade, capacidade de vi-
sualização poderosa e outros requerimentos que só se desenvolvem com a aplicação deter-
minada da prática espiritual na vida diária. Na passagem acima Abraão está ensinando a
Lamech que ele deve inflamar-se em oração e não ficar balbuciando encantamentos, conju-
rações e orações amorfas. Abraaão diz: invoque diariamente, uma instrução que tem sido
nos transmitida na A∴A∴.
Relacionado a essa questão da oração fervorosa está conectado a questão dos nomes
bárbaros de evocação. Embora eles sejam utilizados em vários sistemas de magia, Abrame-
lin solicita que o magista fale em sua língua nativa. Sobre isso Abraão ensina a Lamech: Seria
irritante pensar que um homem ao lidar com Deus através de seu Sagrado Anjo Guardião
pense em abordá-lo com qualquer jargão desconhecido onde não se sabe nada o que se diz ou
o que se exige.15 A lógica empregada por Abraão é bem reducionista. Ele ensina que o magista

12 S.L. MacGregor Mathers, O LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O MAGO.


13 Idem.
14 Idem.
15 Idem.

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deve falar na sua língua materna e compreender profundamente cada palavra proferida,
finalizando com a pergunta: Como iremos conseguir qualquer Graça do Senhor se a ele nos
dirigimos em uma língua que não sabemos o que estamos pedindo?16 E nas instruções de
Abramelin, não apenas os nomes bárbaros de evocação são evitados, mas também qualquer
tipo de dança cerimonial. O que se requer unicamente do magista é reverência profunda ao
Sagrado. Do magista é esperado uma abordagem humilde, singela, cuidadosa, sincera e um
coração puro e cheio de amor e devoção a Deus onde cada um dos pecados serão queimados,
um a um no fogo puro do coração.
Alguns estudantes no início da jornada costumam fazer a seguinte indagação: somente
um thelemita pode executar a verdadeira vontade? Outros já me perguntaram: quem pode ser
thelemita e quem é thelemita? A primeira pergunta eu respondo que não! Qualquer pessoa
que realize o objetivo (Destino) por trás de sua encarnação está realizando sua Verdadeira
Vontade, tendo aceitado a Lei de Thelema ou não. A segunda pergunta eu sempre respondo
que qualquer pessoa com o genuíno impulso de descobrir e executar a Verdadeira Vontade
é um aspirante-thelemita e qualquer um que execute sua Verdadeira Vontade, tendo aceito
a Lei de Thelema ou não, é de certa maneira um thelemita. Do mesmo modo eu também digo
que existem pessoas que passam por todo o processo do sistema de magia de Abramelin
sem necessariamente estarem conscientes disso, sem nunca terem ao menos ouvido falar
do assunto. Por alguma razão conhecida somente por quem passa pela experiência, algumas
pessoas têm a capacidade de entrarem tão profundamente em si mesmas e na mais íntima
das câmaras da iniciação, derramar as lágrimas que hidratam e revitalizam a Rosa. Essas
são lágrimas tão poderosas que elas são capazes de irrigar completamente o deserto mais
seco de nossos desesperos. É neste lugar inóspito e desolado da Alma que eles vão em busca
de si mesmos e das respostas para sua vida. Inevitavelmente, alguns encontram essas res-
postas. Esses que assim o fazem mergulham tão profundamente ao ponto de escutarem vo-
zes, como é o caso de Sócrates, Joana D’arc e nos tempos modernos Carl Jung. A maioria de
nós mantem cautela ao lidar com esse tipo de pessoa. Nós os rotulamos com inúmeros ad-
jetivos pejorativos como lunáticos, fanáticos, obsessivos, crentes e até esquizofrênicos ou
psicopatas sociais e com isso espero que não entendam mal minhas palavras. Existem pes-
soas assim entre nós que precisam de ajuda e acompanhamento e isso também não significa
que qualquer um que alegue tais capacidades realmente as tenha. Existem muitos esquizo-
frênicos se passando por magistas saudáveis e bem feitores. A prática de se ouvir vozes na
cultura da magia não é monopólio de uma ou outra tradição espiritual e nem todos que re-
almente passam pela experiência mística e mágica do Conhecimento & Conversação com o
Sagrado Anjo Guardião irão divulgar o fato. No entanto, uma característica peculiar do sis-
tema de magia de Abramelin é que ele trabalha o processo de escuta de forma bem didática.
Em outras palavras, Abramelin ensina ao magista através de seu método em como escutar
seu Anjo.
Primeiro, no sistema de Abramelin, a Lei é para todos e isso nos parece bem thelêmico.
Qualquer pessoa pode praticar o sistema. Qualquer um que tenha o ímpeto genuíno em ob-
ter o Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião deve ser recebido e ensi-
nado de maneira apropriada.
No entanto, qualquer um que esteja relutante em dedicar-se completamente ao tra-
balho mágico, o que implica orações diárias, estudo e reflexão, não conseguirá ir adiane.
Desde o primeiro dia o magista deve conversar com Deus e através de suas preces confessar
seus pecados. Não se trata de uma injunção religiosa típica da cristandade. Aqui o leitor deve
observar de uma perspectiva mais ampla. Confessar os pecados implica em devotar-se com-
pletamente a sua relação com o Sagrado. Abraão ensina a falar com Deus em suas próprias
palavras sobre a sua vida, relatando todos os aspectos positivos e negativos dela, todas as

16 Idem.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
coisas boas e as coisas ruins experienciadas, sem deixar nada de fora. É como o exercício do
diário mágico onde você simplesmente anota tudo.
Durante o primeiro estágio, as duas primeiras luas, o magista deve se esforçar em se
lembrar detalhadamente de seu passado, desde a infância. Nós ensinamos aos nossos estu-
dantes na A∴A∴ métodos para o treinamento da memória mágica. Na verdade, para cada um
dos requerimentos necessários para executar a magia de Abramelin a A∴A∴ oferece em suas
instruções oficiais e experiência pessoal dos Superiores que transmitem a Corrente 93.
Nesse trabalho inicial nada deve ser deixado de fora. O magista deve vasculhar a sua mente
atrás de desconfortos existenciais que são considerados a maior fonte de nossos problemas.
O Anjo sabe de tudo sobre você e essa confissão é, portanto, uma metáfora para explicar que
o magista deve se lembrar ou tomar consciência de tudo, desde o seu nascimento. No en-
tanto, essa não é uma tarefa para amadores. É por isso que os Irmãos nos Graus preliminares
da A∴A∴ são incisivamente aconselhados a perseverar no treinamento mágico-espiritual.
Em certa etapa do caminho é requerido habilidades sem as quais torna-se impossível ir adi-
ante. Enfrentar os fantasmas e ilusões que criamos durante a vida é parte fundamental em
nossa busca pela Verdade e essa experiência é muitas vezes acompanhada da dor e do so-
frimento. O magista deve ser sério em não dispor tanta energia emocional sobre essas lem-
branças, o que o impede de perseverar na aniquilação de todos obstáculos que lhe aleijam
da companhia de seu Anjo.
No sistema de Abramelin nós primeiro começamos agradecendo a Deus pelo simples
fato de estarmos vivos, por estarmos todos esses anos aprendendo na Terra e pela chance
de lhe relatar tudo em agradecimento. Abraão explica que no início as orações podem ser
frias e fracas, desprovidas de entusiasmo. No entanto, ele insiste que o magista deve perse-
verar na conversação, mesmo que sinta estar falando apenas para si mesmo. Essa prática
tem muitos benefícios terapêuticos para cura das enfermidades da mente. Na conversação
com o Anjo o magista o toma por seu psicólogo. Isso não apenas purifica a mente e refina as
emoções, mas edifica a Alma, tornando o magista em um sacrário apto a receber o Santo dos
Santos. O Templo tem de ser limpo antes que o Sagrado o habite. Orar fervorosamente e
nesse estado confessar ao Anjo suas mazelas é uma prática de purificação que varre a sujeira
da personalidade.
Carl Jung acreditava com toda convicção que seu daimon não era fruto de sua imagi-
nação. Ele concluiu que se tratava de uma força que deveria ser respeitada, escutada e
quando possível, dialogar com ela. Ele via o daimon como uma personificação do Self rein-
tegrado que emerge quando paramos de projetar nos outros as necessidades de nossa psi-
que, o que implica interromper o curso tóxico e mesquinho do faz o que quiser. De um ponto
de vista iniciático, Jung está nos ensinando a limpar, purificar e preparar o Templo Interior
na intenção de aceitar e integrar todos os complexos de opostos em preparação para o en-
contro com o daimon.
Nas duas primeiras luas, quer dizer, no primeiro estágio o magista deve se esforçar
por trazer a mente toda a memória de seu comportamento de Homem da Terra desde o
início até o presente. É como escrever sua autobiografia como feito por Abraão na primeira
parte do LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O MAGO. Em um sentido neoplatônico, o ma-
gista deve realizar ou reconhecer o primeiro presente dado a sua Alma e as chaves desse
processo estão nas memórias que ele carrega desde a infância. Se ele consegue se manter
firme e completamente devotado a tarefa que está empreendendo, então conhecerá as ver-
dadeiras fundações de sua vida através das quais lhe será possível reconhecer sua Verda-
deira Vontade. Mas reconhecer a Verdadeira Vontade não significa colocá-la em prática.
Para isso o magista precisa do auxílio de seu Anjo.
O que o magista estará tentando fazer nesse primeiro estágio como Homem da Terra,
é tirar a sua consciência das questões seculares do mundo na intenção de reestabelecer a
Alma em sua verdadeira morada, de onde ela veio. Nesse processo o magista reintegra os

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
poderes de sua esfinge interna, harmonizando o Eu que Sabe, o Eu que Quer, o Eu que Faz e
o Eu que Fala, um processo que equilibra os elementos internos. O equilíbrio desses elemen-
tos fazem do magista um perito em controla-los – através das coisas formadas pelos Quatro
Elementos que o prendem na matéria. No fim das duas primeiras luas o magista já deverá
ter se esforçado em deixar os apegos do mundo para devotar-se completamente a Grande
Obra.
Esse é um momento crucial na vida do magista. Como Homem da Terra, toda a sua
energia costuma ser direcionada para as trivialidades do mundo, os prazeres, os diverti-
mentos intermináveis, a busca pelo eterno entretenimento e principalmente o apego aos
vícios do corpo e da mente. Se existe um nome que marca o trabalho mágico desse estágio
ele se chama purificação e para completa-lo com eficiência, disciplina rígida para consigo
mesmo é requerida. É aqui que o magista se torna consciente de seu Anjo e de que não está
sozinho. Em todo caso, a experiência sempre é individual e intransmissível e todos são en-
corajados a não tentar fazê-lo em palavras, pois elas certamente estão enganando ao invés
de auxiliando quem quer que seja. Todos os magistas empenhados nessa prática espiritual
são instruídos em manter segredo absoluto sobre o processo e a revelação dessa intimidade
pode afastá-los completamente da experiência real com o Anjo.
Nesse momento, qualquer pensamento do magista sobre si mesmo se torna um ponto
infinitesimal ou o Centro do Universo de Deus. No sistema de iniciação de Aleister Crowley,
ele se refere a esse Centro-Ponto como Hadit, o Deus da Terra que rege o primeiro capítulo
de O LIVRO DA LEI. Crowley escreveu uma instrução que revela esse estado de Nada Infinito,
quer dizer, a percepção das infinitas possibilidades do Universo além do Ser. Essa instrução
Crowley chamou de Liber NV, que descreve na linguagem da cultura thelêmica os requeri-
mentos necessários para esse primeiro estágio da iniciação. Através dessa instrução o ma-
gista assume o papel de Hadit, o Homem da Terra.

A Invocação do daimon, Hugo Höppener.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Corrente 93
FERNANDO LIGUORI
Capítulo Nove
A Magia do Primeiro Estágio

M uito embora Abraão nos diga que não é necessário ser um perito em Qabalah para
executar o sistema de magia proposto por Abramelin, algum conhecimento ou até
proficiência na Santa Qabalah ajuda muito a compreender mais claramente todo
o processo. Para nós da cultura thelêmica, a Árvore da Vida tem sido um mapa
através do qual orientamos nossa jornada espiritual. Em Thelema não se faz nada sem Qa-
balah. Quando nós projetamos o sistema de Abramelin sobre a Árvore da Vida, fica claro que
o primeiro estágio ou as duas primeiras luas de seu sistema equivalem a experiência iniciá-
tica de Malkuth e Yesod na Árvore da Vida. Essas são as duas esferas mais próximas do co-
nhecimento pessoal – e não universal – de toda humanidade e refletem o nosso planeta
Terra e sua Lua.
Depois da Ordem Hermética da Aurora Dourada, inúmeras sociedades secretas e fra-
ternidades ocultas construíram seu sistema de iniciação e transformação espiritual sobre o
esquema da Árvore da Vida microcósmica. No entanto, se existe um tema difícil de se discu-
tir no ocultismo é a própria iniciação. Em uma entrada em seu diário mágico de 8 de janeiro
de 1932 Crowley mencionou que a iniciação nunca é aquilo que pensamos, caso fosse, já
seríamos iniciados. Isso significa que a iniciação é algo íntimo e muito pessoal. Ninguém
passará pela experiência de Tiphereth da mesma maneira, ninguém abraçará sua Estrela da
mesma forma ou com a mesma abordagem. É isso que torna esse tópico tão delicado. Se
você leitor ainda não passou pela iniciação propriamente dita, então minhas palavras- se
posso ser otimista – servirão apenas como a cenoura pendurada na frente de sua mula para
fazê-la andar. Com isso em mente, vamos iniciar nossa jornada nesse capítulo falando sobre
Malkuth, a esfera da Terra e portanto, do próprio corpo físico.
Malkuth é atribuída aos Quatro Elementos ou as forças ocultas da natureza que todo
Neófito tem de inevitavelmente aprender a controlar. Sob a perspectiva neoplatônica, o
corpo é a tumba da Alma e portanto, controla-lo é essencial a iniciação. Neófito, o Grau atri-
buído a Malkuth, é um termo latino que tem sido traduzido como semente nova, novato, re-
cém-plantado e iniciante. O símbolo deste Grau na A∴A∴ é «1°=10 ». O «10» representa o
início da jornada espiritual, a entrada na décima esfera da Árvore da Vida na busca por si
mesmo. É aqui que devemos nos esforçar em controlar as funções do corpo físico.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
O símbolo do quadrado «10 » nos Graus representa as quatro forças ocultas da natu-
reza em cada um deles ou o Grau em que o Candidato se encontre e sempre está relacionado
a estrutura física do corpo, o microcosmo. Como Neófito o «1°» refere-se à primeira esfera
da Árvore da Vida macrocósmica ou Corpo de Deus, Kether. O macrocosmo, representado
pelo círculo, é comparado ao símbolo do Hexagrama. O quadrado, representando o micro-
cosmo, é comparado a operação dos Elementos no Pentagrama. Eles são Nuit e Hadit e o
símbolo que os tem descrito é a quadratura no círculo. Matematicamente eles têm sido re-
presentados pelo 6+5=11. O 11 é o número sagrado da magia e da Grande Obra.
Alquimicamente nós estamos falando do princípio mágico solve et coagula, a dissolu-
ção do Eu no Infinito, a união daquilo que está acima com aquilo que está abaixo até que
nada mais exista. Esse é somente um dos arcanos ocultos por trás do símbolo iniciático da
quadratura no círculo e não importa o Grau que se conquiste na iniciação, o Candidato sem-
pre terá de aprender a controlar as forças do Quadrado colocando o Espírito no Centro do
Círculo, essa é a essência da magia da A∴A∴. Em outras palavras, o primeiro serve para con-
trolar e o segundo serve para ser controlado. Na experiência do Neófito 1°=10 isso significa
se colocar nas mãos do Sagrado (Kether) enquanto trabalha para controlar as quatro forças
ocultas da natureza (Malkuth).
Para que o Neófito 1°=10 prossiga ao próximo estágio da iniciação, a ele é requerido
domínio de certo nível ou estado de consciência espiritual nas duas Árvores da Vida – mi-
crocósmica e macrocósmica – de Malkuth. Macrocosmicamente, Malkuth não representa
apenas o corpo físico, mas todas as formas de manifestação sobre a Terra que estejam den-
tro de nossa esfera de percepção. Nós precisamos controlar nossa realidade. Microcosmica-
mente, Malkuth não representa apenas o nosso corpo, mas também a nossa própria consci-
ência, suas revoluções interiores e suas reverberações na vida.
A maioria das obrigações e ordálios desse Grau têm a finalidade de auxiliar o Neófito
a controlar sua realidade e o primeiro passo para isso é torna-lo responsável pelo universo
que o cerca, o que inclui o corpo e os processos mentais. O Neófito é encorajado a organizar
sua vida, seja na questão material, emocional ou espiritual. Segundo seu Juramento, ele deve
obter controle sobre a natureza e os poderes de seu próprio ser. No sistema de Abramelin,
o magista é impelido nesse mesmo caminho quando inicia a preparação de seu santuário.
A experiência espiritual mais importante de Malkuth segundo a Santa Qanbalah é a
Visão do Sagrado Anjo Guardião. Não se trata do conhecimento ou da conversação com o
Anjo, pois esse é só o primeiro estágio daquilo que chamo de desenvolvimento do Anjo na
Árvore da Vida. A natureza espiritual dessa Visão do Sagrado Anjo Guardião é mais uma to-
mada de consciência eufórica da existência do Anjo. Como toda experiência espiritual, trata-
se de algo íntimo e pessoal. Só quem passa por ela é que sabe o que ela significa. No entanto,
é seguro dizer que embora não se trate de uma visão física do Anjo ou até mesmo a conver-
sação com ele, também não se trata de uma consciência medíocre da existência do Anjo.
Uma certa amizade começa a se desenvolver e é possível sentir nessa relação certo tipo de
acolhimento ou conforto de saber que se tem ao lado este Ente Guardião sempre presente.
Eu costumo chamar essa experiência de ignição espiritual, pois ela dota o Neófito com o
conhecimento da existência real de outros seres no Universo além de sua percepção. A per-
gunta que surge ao Neófito neste momento é essa: se existe a experiência real dessa visão,
ela se trata do Anjo microcósmico ou macrocósmico? Nesse estágio da iniciação essa será
uma pergunta sem resposta. Portanto, para que ele não caia na cova do porquê e se veja
perdido em contradições, o melhor a ser feito é apenas aceitar a visão e continuar na jor-
nada. Aceitando que ele não está sozinho nela, naturalmente as portas se abrem.
Meu Superior na A∴A∴ costumava dizer que na verdadeira iniciação de Makuth o Neó-
fito deve sentir ou ter a percepção real de que ele está sendo puxado para dentro e para
cima, um puxão vertical para o alto em direção ao Sagrado Anjo Guardião. Ele dizia que o

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Neófito deve aspirar a Kether profundamente na intenção de abraçar Nuit. Isso está em sin-
cronia com a instrução que mencionei anteriormente, LIBER NV. Infelizmente, poucos são os
Neófitos que conquistam esse estado de Nada Infinito. Isso ocorre por um único motivo: a
inaptidão em aspirar – ou orar devotada e fervorosamente – o Sagrado, uma lição ensinada
por todas as religiões e parte fundamental do primeiro estágio do programa de Abramelin.
Sem o trabalho de reflexão profunda e transformação resultante dessa prática devocional
fervorosa baseada no princípio do conheça a ti mesmo, obter a Visão do Sagrado Anjo Guar-
dião será uma impossibilidade.
O ensinamento qabalista por trás da arte da oração é encontrado no Caminho de co-
necta Keher, o Sagrado, Absoluto ou Eu Sou a Tihereth, a Estrela Interior. Este é o Caminho
da Alta Sacerdotisa, que regula a faculdade da imaginação. Este também é o Caminho da
Inteligência Unificadora, assim chamado porque ele próprio é a Essência da Glória. Ele é a
Consumação da Verdade das coisas espirituais da pessoa.
Levando em conta o Caminho da Imperatriz, um Caminho de afetuoso cerceamento
(literalmente, uma volta ao útero cósmico) e proteção maternal, o Caminho da Alta Sacer-
dotisa pode parecer um tanto desconcertante. É como se a Mãe Suprema tivesse removido
sua máscara sorridente para revelar sua verdadeira face, a qual, embora linda, é fria e inex-
pressiva. Toda a ajuda material da Imperatriz desapareceu. Não há mais ilusões. Temos de
enfrentar a realidade cristalina do nosso livre-arbítrio, a tarefa mais difícil dos Mistérios
relacionada com a travessia do Abismo.
Os Caminhos de Gimel, Samekh e Tav podem ser considerados aspectos da mesma
energia que, em conjunto, formam o Pilar do Meio devocional. Isto é sugerido pelas cores do
Caminho em Atziluth, que são anil e azul, a cor da Água e da Lua. Todos estes três Caminhos
estão relacionados com a Lua.
Gareth Knight descreve o Caminho de Tav como a porta de entrada para os planos
interiores e os de Samekh e Gimel como a Noite Escura da Alma. O termo Noite Escura, cu-
nhado por São João da Cruz, um monge do Séc. XVI significa a desolação e o terror que to-
mam conta da pessoa quando ela está na metade do Caminho que leva à verdade, mas ainda
não chegou ao fim. Esta expressão aplica-se particularmente ao Caminho da A Alta Sacerdo-
tisa, que cruza o assustador deserto do Abismo.
Todavia, existe a sugestão de que podemos ser conduzidos através do deserto pelas
forças do próprio Caminho, pois Gimel significa Camelo. Este animal pode transportar-nos
ao longo do Caminho que é ao mesmo tempo o mais longo e o mais importante da Árvore da
Vida. O Caminho é o primeiro a fazer a ligação entre o Triângulo Superno (potencial) e o
Triângulo Ético (o real). Além do mais, sua própria posição na Árvore, entre Deus, o Pai, em
Kether, e Deus, o Filho, em Tiphereth, indicam que ele confere o mais elevado grau de inici-
ação.
Essa iniciação se faz através daquela essência virgem que tem sido chamada de Chok-
mah inferior. Existem entre o Caminho e a Sephira correspondências que podem ser estabe-
lecidas pela gematria: os nomes Gimel e Chokmah somam ambos 73. Mais importante ainda,
porém, é que a Sabedoria é alternativamente expressa como palavra feminina e masculina.
Embora a palavra seja feminina na maioria das línguas, ela é aplicada em Chokmah a um
atributo basicamente masculino. Afirmar que A Alta Sacerdotisa é Chokmah inferior signi-
fica dizer que as origens da expansão da Unidade contêm os meios de sua própria limitação.
A descrição comum desta carta é a mais acessível e vê A Alta Sacerdotisa como a mais pura
essência da consciência, simbolizada no Tarot como a própria fonte de toda Água.
A sabedoria da Alta Sacerdotisa está no preceito. Suas taxas flutuantes de vibração
estabelecem a direção (fixam os padrões) para a Primeira Matéria (Prima Materia = Mercú-
rio Filosófico = O Mago) à medida que ela desce rumo a uma condição de maior intensidade.
É por isso que a Lua é atribuída a este Caminho. O padrão vibratório, o fluxo e o refluxo e

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todos os seus outros atributos, são aqui encontrados em sua forma mais pura. A Lua repre-
senta flutuações, dualidades, marés. É a Lua que controla as marés das águas da consciência.
A Lua é neutra e não abriga nem o bem nem o mal. Suas poderosas correntes, como
sugere o significado da letra dupla Gimel, paz-guerra, podem causar ou resolver problemas.
Todavia, qualquer que seja o resultado da atividade d’A Alta Sacerdotisa, ela própria per-
manece inalterada, incorruptível, eternamente virgem. Além do mais, ela é o recipiente de
todas as operações do Triângulo Superno; é dentro dela que se dão as atividades de Mercú-
rio, do Enxofre e do Sal. Ela é a Inteligência Unificadora, uma atividade que também está
relacionada com os Quatro Elementos.
A carta do Tarot de Marselha chama este Caminho de A Papisa. Diz-se que a carta re-
presenta a Papisa Joana, descrita por Stephen de Bourbon em sua obra do Séc. XIII. Reza a
lenda que, no Séc. IX, uma moça inglesa apaixonou-se por um monge e, para que pudessem
viver juntos, vestiu-se de homem. Depois da morte do homem, ela foi para Roma e, continu-
ando a usar roupas masculinas, tornou-se sacerdote. Ela supostamente teria subido na hie-
rarquia da Igreja, tornando-se cardeal e, por fim, foi eleita Papa com o título de João VIII. Ela
morreu nos degraus de São Pedro, dando à luz. Apesar de fictícia, a história é importante
porque foi largamente aceita como verdadeira na época em que surgiram as cartas do Tarot.
O Caminho da Inteligência Unificadora, dessa maneira, tem o poder de nos unir a Es-
trela mais distante. E como isso é possível? Como eu disse anteriormente, o nosso Sol age
como um portal através do qual nosso daimon entre em nosso universo e desce até Malkuth,
o corpo. O daimon nunca se separa do Sol e por conta disso, ele atua como um mensageiro
entre você e o Sagrado.
Se o Neófito sabe orar corretamente, o segredo por trás da Visão do Sagrado Anjo
Guardião está enraizado profundamente na capacidade de imaginação, atribuída ao Cami-
nho da Alta Sacerdotisa, na intenção de se criar uma imagem firme e tangível do daimon. O
Neófito deve produzir essa imagem com riqueza de detalhe enquanto purifica seu coração
e alma nesse processo, revisando todos os aspectos de sua vida profana, desde o nascimento
até o presente. Não importa se a imagem produzida do daimon será macho ou fêmea, pois
ele é uma entidade neutra. Magicamente o que ele está fazendo é tornar vivo o axioma da
magia que diz: vestido na imagem de meu desejo e esse é um dos segredos sexuais da cultura
thelêmica concernente ao Sagrado Anjo Guardião.
Como apontei acima, o Caminho da Alta Sacerdotisa está associado a Lua, regente do
Reino Astral e de suas Leis. Vamos caminhar no simbolismo desse Atu e a Lua. Nós somos
ensinados que, na intenção de completar o ordálio conectado as duas luas ou o primeiro
estágio da iniciação, o Homem da Terra precisa alcançar Yesod, a esfera da Lua na Árvore
da Vida, conhecida pelo nome de fundação. Estas duas esferas, Malkuth e Yesod, relacionam-
se ao Guph e ao Nephesh, o corpo físico, a fundação do construto da mente e a natureza
bestial de todo homem e mulher. Na A∴A∴ estas duas esferas correspondem aos Graus de
Neófito e Zelator.
O Juramento do Neófito na A∴A∴ costuma causar certos conflitos e desentendimentos,
no entanto, o Juramento de Zelator não. Ele implica que um Zeloso Candidato esteja convicto
de suas aspirações em construir uma Fundação adequada para seu Templo Mágico. Não se
trata de um Templo físico, mas do Santuário Sagrado que cada um deve construir dentro de
si mesmo, no corpo. Aprender a controlar o reino material e astral é imperativo nessa jor-
nada como Homem da Terra. Sem o Templo Interior, qualquer tipo de consecução com o
Sagrado Anjo Guardião é uma impossibilidade.
Aprender a controlar o construto pensante, a imaginação e as projeções oníricas na
Tarefa de Zelator é algo mais fácil do que se pensa. Para compreender o portal pessoal para
o reino astral vamos nos lembrar da lição que aprendemos no Capítulo 3, de que o estado
mais denso do ākāśa é àquele que está mais próximo da estrutura física e que toma a forma

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
do corpo físico e é o que geralmente nos referimos como plano astral. É isso que o Neófito e
o Zelator têm de aprender a controlar e a utilizar.
Não se trata, veja bem, da Luz Astral que circunda nosso planeta. O problema é que
muitos autores confundem as estruturas macrocósmica e microcósmica do universo. A Luz
Astral microcósmica retém tudo que o magista projeta nela desde seu nascimento. Natural-
mente, quando ele tenta compreender a natureza do primeiro presente lhe dado como uma
graça divina, a vida que ele tem vivido, quer dizer, a fundação por trás da encarnação, esse
reservatório de lembranças e projeções será fonte rica de Conhecimento (gnose). O magista
pode investigar esse grande reservatório através de seu Duplo Astral, quer dizer, seu dai-
mon. Outro erro trágico da magia moderna tem sido considerar esse Duplo Astral como
parte da consciência, não como uma entidade independente. Mas o Ente Guardião tem seu
próprio universo, independente da consciência humana. Isso significa que ele continua exis-
tindo mesmo após a morte do corpo físico.
Em MAGICK WITHOUT TEARS Crowley escreveu: Nosso corpo astral pode ser dividido nos
componentes sutil e grosseiro. Nesse caminho nos tornamos conscientes daquilo que chama-
mos, por conveniência, de Sagrado Anjo Guardião e quanto mais nós percebamos as implica-
ções da teoria da existência de tal ser, mais claro se torna que nossa tarefa suprema é nos
colocarmos em comunicação com ele.17 [...] O desenvolvimento do corpo astral é essencial para
pesquisa e, acima de tudo, conquistar o Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo
Guardião.18
Magicamente, no primeiro estágio da iniciação ou as duas primeiras luas do sistema
de Abramelin, o Neófito precisa aprender a como colocar o Duplo Astral para fazer esse es-
tudo na sua encarnação e para isso ele deve aprender a utilizar de forma apropriada sua
imaginação na intenção de buscar memórias profundas. Uma vez que a Lua é o astro rei da
noite, um dos melhores momentos para empreender essa prática espiritual é pouco antes
de se deitar para dormir. Eu aconselho a meus alunos a conversarem com o seu daimon
enquanto adormecem vagarosamente. É incrível como respostas (gnose) aparecem na su-
perfície da mente pela manhã. Escritores, poetas e inventores têm descrito como são inun-
dados por um entusiasmo criativo pela manhã, logo após terem sido guiados ocultamente
durante o sono.
Uma vez que o Homem da Terra começa a compreender as fundações de sua própria
encarnação, gradativamente também começa a se libertar da escravidão da existência con-
dicionada no corpo, o que o capacita a desenvolver-se espiritualmente. Não existe nenhum
teste verdadeiro que garanta que o magista tenha passado por essa experiência, o entendi-
mento de sua encarnação. A mudança é sutil, no entanto, ela é óbvia e tangível.
Qabalisticamente, nós podemos dizer que a Lua (Yesod) do magista começou a bri-
lhar, quer dizer, ela começou a receber a Luz do Sol, a Estrela Interna. Ela caminha para se
tornar Lua Cheia. O Templo que o Neófito começou a construir, agora como Zelator está
preparado para ser iluminado pela Luz Divina de Tiphereth e alquimicamente por ambos a
Lua e o Sol. Para que a fusão entre a Lua & o Sol ocorra, o magista deve trilhar o Caminho da
Arte (Atu XIV). No Tarot de Thoth, um Anjo figura no centro da carta. É dito que este Anjo é
Michael, um dos quatro Grandes Anjos que presidem a Terra, atribuído ao quadrante Sul no
Espaço. De acordo com as marés telúricas de nosso Planeta, o Sul é atribuído ao Elemento
Fogo.
O espesso deve passar através do fogo; deixe o fino ser experimentado no intelecto, e
aqueles sublimes escolhidos no altíssimo.19 O que este versículo de O LIVRO DA LEI nos diz é
que o Homem da Terra, chafurdado no estágio material grosseiro, deve aprender a como
passar pelo fogo para completar seu ordálio e entrar ao próximo estágio, o de Amante.

17 Aleister Crowley, MAGICK WITHOUT TEARS, p. 501.


18 Aleister Crowley, MAGICK WITHOUT TEARS, p. 19.
19 LIBER AL, I:50.

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Se eu puder resumir o trabalho das duas primeiras luas ou primeiro estágio da inici-
ação eu diria que se trata da construção bem-feita de um perfeito Templo Interior, focando
toda sua energia em dialogar consigo mesmo nesse Espaço Sagrado enquanto revisa cada
detalhe de sua presente encarnação. O LIBER THISHARB VIAE MEMORIAE é uma instrução oficial
da A∴A∴ cujo objetivo é ensinar o magista a pensar de trás para frente na intenção de fazê-
lo descobrir o objetivo de sua presente encarnação, lhe dotando com insights sobre os even-
tos de sua existência. Sobre essa instrução, conhecida também como O LIVRO DA MEMÓRIA DO
CAMINHO, Crowley disse: Provê o método para se lembrar de vidas passadas e um insight sobre
a função do aspirante na sua presente vida [...], capacitando-o a calcular sua Verdadeira Ór-
bita na eternidade.20 Essa instrução da A∴A∴, portanto, auxilia o magista compreender efe-
tivamente o primeiro Presente ou Dom que sua Alma recebeu, o de poder encarnar na vida
que escolheu.

O Anjo & o Daimon, Richard Park, 2014.

20 Aleister Crowley, THE EQUINOX, Vol. I, No. 10.

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Corrente 93
FERNANDO LIGUORI
Capítulo Dez
Aplicações Práticas

A ntes de continuarmos, talvez seja necessário fazer uma recapitulação do que


aprendemos até agora sobre o Homem da Terra e sua busca pelo Sagrado Anjo
Guardião. Primeiro, chamar o Ente Guardião de Anjo pode ser um tiro no pé, pois
o nome evoca a imagem de uma criatura superior que se ergue diante de nós com
suas grandes azas, o que nos impele a pensar que se trata de um ser acima de nós. Mas na
verdade, o daimon está abaixo de nós na escala evolutiva. Como nós vimos no Capítulo 3,
que discute a natureza da constituição do daimon, trata-se de uma criatura elemental e como
tal, pode ser considerada como uma eterna criancinha de três anos de idade. Segundo, não
é necessário praticar magia, entender da arte qabalística ou mesmo executar a magia de
Abramelin para se ter acesso ao daimon.
Para os gregos, o daimon se parecia uma criatura superior e independente porque eles
acreditavam que ele possuía o conhecimento da Verdadeira Vontade da Alma que ele acom-
panha. Como venho insistindo nesse livro, essa Verdadeira Vontade é o objetivo por trás da
encarnação de cada Alma. No sistema thelêmico de Aleister Crowley trata-se da vontade fi-
nita.21 Eles presumiam que o daimon pessoal tem conhecimento de tudo sobre a Alma que
ele acompanha, desde sua passagem pelo mundo dos deuses até o presente, enquanto que
eles esqueceram absolutamente tudo após terem bebido das águas do Rio do Esquecimento.
Essa visão tem orientado a busca de muitos magistas. No entanto, há indícios que o
daimon pessoal talvez não saiba completamente como o magista irá fazer para descobrir e
colocar em prática sua Verdadeira Vontade. Nós vimos também que embora o daimon seja
uma criatura espiritual independente da consciência humana, ele não está separado dela.
Da mesma maneira que ākāśa e prāṇa, a Alma está conectada ao daimon desde o momento
da encarnação. Em outras palavras, assim como uma criança aprende a andar e a falar, o
daimon ou elemental fará a mesma coisa emulando as ações que cada Alma encarnada tem,
com o único objetivo de adquirir experiência na Luz astral que circunda o corpo físico. Essa
luz tem uma função similar ao inconsciente coletivo do Planeta. Trata-se do repositório de
todo o nosso conhecimento e experiência, um registro completo sobre o curso de nossa
Alma durante suas encarnações.

21
Veja LIBER 150.

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A Dupla Influência do Daimon. Jean Charles Baquoy, Frontpiece, from DISCOURSE ON THE SCIENCES AND ARTS,
1750

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No entanto, essa Luz astral microcósmica apenas armazena àquilo que projetamos nela
através dos sentidos. Cada um de nossos sentidos rege uma qualidade elemental distinta e
por isso tem um regente elemental específico que transmite a Alma certo tipo de experiên-
cia. O ākāśa relaciona-se a audição, o Ar ao olfato, o Fogo a visão, a Água o paladar e a Terra
o tato. Diretamente conectado a Alma está o ākāśa e tendo ele relação com a audição, vê-se
aqui a conexão com as vozes do Ente Guardião que escutamos sussurrando em nossos ou-
vidos ou dentro de nossas cabeças e que não é audível a ninguém mais.
A maior distinção entre o daimon e a nossa consciência é que não conseguimos nos
lembrar de tudo desde a nossa infância enquanto que ele se lembra de tudo. Isso significa
que ele é o instrumento ou a ferramenta por trás de nossos registros ākāśicos pessoais. Em
outras palavras, o daimon tem total conhecimento sobre nossa Verdadeira Vontade, o obje-
tivo por trás de nossa encarnação. Esse é o primeiro Presente dado a Alma e é por isso que
o daimon pessoal era considerado uma criatura de tipo superior entre os gregos. Mas não
apenas pelo conhecimento que ele tem de nossa Verdadeira Vontade, mas pelo conheci-
mento total de todas as Verdadeiras Vontades que a Alma exerceu durante suas encarnações
passadas. Assim, o daimon tem a plena capacidade de nos assistir em nossa jornada pela
descoberta e execução da Verdadeira Vontade. Essa é a natureza do daimon, ajudar o ma-
gista a se lembrar do porquê decidiu encarnar na sua presente vida e uma vez que essa des-
coberta seja feita, colocar a Verdadeira Vontade em ação. Esse é o limiar da Verdadeira Von-
tade e é o daimon que nos assiste a chegar lá.
Nós produzimos arquivos ākāśicos pessoais desde o nascimento. Todos os nossos
complexos emocionais e traumas, lembranças boas e ruins, padrões hereditários e comple-
xos etc. de todas as nossas experiências nós temos projetado no inconsciente coletivo. Com
isso nós estamos informando ao daimon pessoal como é nossa visão de mundo, bem como
aquilo que acreditamos ser nossas necessidades e desejos.
E embora nós produzimos arquivos ākāśicos desde o nascimento até o ponto em que
nos encontramos agora baseados em experiências de prazer e dor, felicidade e terror, isso
não significa que a vida seja determinada pelas ações ou a capacidade de se lembrar delas,
mas o impulso por trás das ações que muitas vezes será determinado pela influência osci-
lante do daimon. O problema começa cedo, desde a infância, quando começamos a dar sinais
contraditórios ao daimon que ficam sepultadas nos escombros do inconsciente, nosso ar-
quivo ākāśico pessoal, mas que brotam na superfície da mente na idade adulta. É dessas
lições da infância que o daimon nos guia, oscilando entre o que nos é fundamental na encar-
nação e os desejos frívolos que não são. O daimon apenas tenta realizar àquela ideia ou lição
que foi aprendida na infância e como essas lições estão ocultas nas camadas profundas do
inconsciente não conseguimos reconhecer conscientemente os efeitos dos complexos pro-
duzidos por este material armazenado.
Toda essa bagagem que acumulamos desde a infância se combina para formar os tijo-
los que nossa Alma precisa para passar pela experiência que ela deseja. Mas nós precisamos
determinar o significado por trás dessas lições aprendidas. Desde que a Luz Astral pessoal
ou inconsciente coletivo armazena todo nosso conhecimento, o daimon pode nos auxiliar a
trazer para superfície da mente qualquer conteúdo armazenado desde a infância se formos
capazes de aprender a como controla-lo para nos auxiliar nessa função.
Por causa dessa natureza trapaceira do daimon, alguns têm se referido a ele como uma
criatura maléfica, uma entidade zombeteira ou uma criatura demoníaca após a ascensão da
cristandade, mas como vimos anteriormente, essa é uma projeção inconsistente. Os magis-
tas têm o conhecimento de que o daimon pode assumir qualquer forma que seja projetada
nele. A Lua, que rege o Plano Astral, não possui luz própria. Ela reflete a luz do Sol, nossa
Estrela Interior, por àqueles que vivem sob a luz do dia. Em outras palavras, o magista pre-

46
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
cisa pensar corretamente, com foco e honestidade, solapando os impulsos do Ego. Essa ati-
tude para consigo mesmo, possibilita que ele utilize o daimon como um mecanismo de des-
coberta e aprofundamento interior, realizando o axioma hermético conhece a ti mesmo.
Uma questão poderia nos saltar a mente. No trabalho de recordar todas as lembranças
de sua vida, o magista estaria exercitando a mente convocando-as a superfície ou ele estaria
recebendo o auxílio de seu daimon nessa investigação? Isso não importa. O magista deve se
contentar com o fato de saber que, executando certas ações, como a reflexão profunda sobre
si mesmo, certos resultados acontecem. Esse trabalho de convocar memórias esquecidas da
infância a superfície da mente, além de terapêutico, pode lançar muita luz sobre a razão por
trás de nossos padrões, ações e o comportamento da mente. Isso também implica que, uma
vez que tenhamos descoberto a natureza da instrução que recebemos do daimon, podemos
tomar as medidas necessárias para ajustar o presente na intenção de construir um futuro
mais coeso e estruturado, em tudo na vida, desde os aspectos mais triviais ao caminho espi-
ritual.
Outro fator importante desse exercício é que a reflexão sobre nossas memórias de
infância, sejam boas ou ruins, planta novos registros ākāśicos pessoais. Dessa maneira, o
magista evita de ser guiado por impulsos inconscientes plantados na mente no período da
infância, quando ele ainda não tinha experiência ou conhecimento suficiente para lidar com
eles. Em outras palavras, o magista está reprogramando seus registros ākāśicos, o que pos-
sibilita ao daimon uma versão atualizada do processo de aprendizagem. Nesse caminho, o
magista toma o controle de seu daimon, lhe impelindo a reorganizar tudo àquilo que ele ha-
via aprendido anteriormente na fase de infância do magista. Com os registros ākāśicos re-
organizados e o daimon reeducado, então é possível dirigi-lo para que ele nos auxilie a rea-
lizar a Verdadeira Vontade.
Inconscientemente, todos nós nos esforçamos por fazer uma reflexão profunda sobre
nós mesmos por volta dos trinta anos. Isso ocorre porque a memória, de forma imperceptí-
vel, começa a mudar suas perspectivas e esse processo se acentua na medida em que enve-
lhecemos. Nós tentamos nos esquecer dos traumas mais comuns da infância e nos focamos
naqueles que marcaram certas etapas de nossa vida. Nós fazemos isso na tentativa de cres-
cermos. Essa reflexão que começa a aparecer com a frase o que eu vou fazer da minha vida,
a astrologia chama de ponto de transição ou o Retorno de Saturno. Esse evento marca a pas-
sagem real da infância para vida adulta.
Os magistas têm se referido a esse período saturnino como o Pequeno Abismo, o pri-
meiro grande obstáculo na vida iniciática. A travessia deste Abismo pode ser uma suave
transição para vida adulta ou ela pode lançar o magista em um turbilhão caótico e confuso
enquanto ele testemunha Saturno devorando seus filhos, uma metáfora para o período da
infância. No entanto, ao invés de se deixar levar por uma maré torpe de descontentamento,
o magista deve aproveitar esse período para colocar o seu daimon sob o seu controle na
intenção de com seu auxílio embarcar em uma reflexão profunda sobre si mesmo. Através
desse trabalho é possível encontrar as pedras fundamentais que sustentam nossa encarna-
ção: a Verdadeira Vontade.
O primeiro e mais importante objetivo de magistas nesse nível de iniciação é a produ-
ção de uma autobiografia, não apenas de si mesmos, mas que inclua informações de seus
familiares. Esse trabalho deve conter todas as informações da vida do magista, principal-
mente antes dos vinte e cinco anos. Se necessário for, ele deve se dedicar meses com afinco
para se lembrar do máximo de informações possíveis. O seu objetivo será trazer à luz do dia
memórias soterradas para que elas possam, magicamente falando, seguir a Luz do Sol. Essas
memórias produziram pensamentos que foram alimentados e cresceram, mas agora preci-
sam morrer para que o magista inicie o processo de reprogramação do daimon para que ele
cumpra a função de lhe auxiliar a cumprir seu Destino, a Verdadeira Vontade.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Carl Jung, estando ciente disso ou não, colocou a prova o sistema de Abramelin. Em
sua obra encontramos várias referências a utilidade de espíritos guardiões. Na sua experi-
ência ele manteve conexões com uma entidade gnóstica que se identificou como Philemon
e quando ele estabeleceu contato com essa entidade, revelou: ele representa uma força que
não sou eu.22 Para contatar essa entidade, Jung formulou uma técnica que se chama imagi-
nação ativa. Em outras palavras, ele trabalhou sistematicamente sobre o primeiro estágio
do sistema de Abramelin, as duas primeiras luas, admitindo simplesmente ter estabelecido
um diálogo interior na intenção de canalizar Philemon e quando ele conseguiu, escreveu: eu
pude observar que era ele quem falava, não eu.23 Jung reconheceu o material lhe revelado por
Philemon e disse: existe algo em mim que pode dizer coisas que eu não sei ou não entendo.24
Em outras palavras, esse foi o método que Jung escolheu para permitir a sua mente
consciente se comunicar com a rica diversidade armazenada em seu inconsciente. É isso que
nós magistas estamos tentando fazer quando oramos fervorosamente e a partir desse pro-
cesso iniciar um diálogo profundo com nós mesmos, colocando atenção e cuidado na avali-
ação de nossas vidas. Nós estamos criando um diálogo imaginário ou a Fundação que per-
mitirá ao Sagrado Anjo Guardião habitar o Templo Interior.
O melhor horário para estabelecer essa prática é logo antes de cair no sono a noite.
Como falei anteriormente, muitos são àqueles iniciados famosos, artistas, gênios e cientistas
que têm relatado acordar pela manhã com o entusiasmo energizado que os fazia acreditar
que seria possível transformar o mundo através de seu trabalho. Pessoas assim têm sido
capazes de sonhar pouco antes de caírem no sono profundo já com as sementes plantadas.
Eles aprenderam a se comunicar com seu daimon.
O segredo do sucesso na construção dessa Fundação é praticar todas as noites siste-
maticamente. É incrível como insights – ou gnose – aparecem misteriosamente pela manhã.
Primeiro nós buscamos por instrução sobre as questões que nos atormentaram na infância
e uma vez que tenhamos as respostas, partimos para uma próxima etapa.
Mas uma questão poderia nascer aqui: o que dizer ou quais as palavras certas? Um
método eficiente é uma técnicas de reprogramação da mente desenvolvida por Swāmi
Satyānanda Saraswatī conhecida como yoga-nidrā. Na execução da yoga-nidrā utiliza-se o
saṅkalpa. Sobre isso, Swāmi Satyānanda diz: O saṅkalpa é uma técnica poderosa e deve ser
usada de forma inteligente. Velhos hábitos persistentes, dos quais não nos sentimos capazes de
nos libertar, não constituem problemas sérios por si mesmos. São sintomas de algo mais pro-
fundo; suprimir um sintoma – por exemplo, o fumo – fará apenas com que ele apareça sobre
outra forma. A menos que um vício em particular se torne especialmente infeliz e não consiga-
mos determinar sua origem, não é aconselhável utilizar o propósito para se livrar dele. É muito
mais construtivo empregar a resolução [saṅkalpa] para um fim positivo que influencie toda
uma vida, que inclua um desejo verdadeiro de mudar a personalidade. Ao obter um resultado
assim, ganhamos automaticamente a força necessária para vencer hábitos e vícios indesejá-
veis.25
Muitos magistas estão verdadeiramente comprometidos com a transformação pes-
soal. Este foco ativo na busca pelo crescimento interior sempre vem acompanhado de uma
análise acurada dos condicionamentos e maus hábitos que modulam o caráter e comporta-
mento humano. A maioria de nós, buscadores sinceros, possui o desejo real de mudar um
hábito ou um padrão psíquico específico, mas muitas vezes isso se torna impossível porque
não sabemos a causa – indescritível – que se encontra por trás das ações.

22 Carl Jung, MEMORIES, DREAMS, REFLECTIONS. Vintage Books, 1989.


23 Idem.
24 Idem.
25 Swāmi Satyānanda Saraswatī, YOGA NIDRA. Yoga Publications Trust.

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Resistindo ou aceitando estes aspectos da psique que parecem estar fora do controle
consciente, temos de vê-los sempre como um produto das respostas padronizadas profun-
damente enraizadas no inconsciente e que normalmente são inacessíveis. Se não consegui-
mos alcançar estes padrões negativos inconscientes profundamente enraizados em nossa
psique, como podemos nos transformar em seres mais positivos e portanto mais felizes?
A yoga-nidrā fornece as ferramentas para se eliminar estes padrões negativos incons-
cientes e em seu lugar planta profundas sementes positivas na mente inconsciente, o que,
gradualmente, permite a expressão do mais elevado aspecto do magista.
Tudo o que é experienciado pelos sentidos, desde a infância, adolescência, idade
adulta, interação social com amigos e familiares etc., tudo, absolutamente tudo, fica impresso
na mente. As camadas profundas do inconsciente estão completamente fora do alcance do
ser humano médio. São verdadeiros armazéns onde todas as impressões recebidas pelos
sentidos se acumulam. Essas impressões mnemônicas da mente formam-se como arquéti-
pos ou sementes, genericamente chamados de saṃskāras.
Estes saṃskāras têm o poder e a capacidade de influenciar nosso comportamento e
tendências na vida cotidiana. Em outras palavras, os seres humanos são o resultado de sua
mente mais profunda e seu depósito de incontáveis impressões do passado. É como olhar para
um grande armário cheio de fotos, brinquedos antigos e cartas dos amantes e amigos. Há
muitas partes da consciência armazenadas dentro do armário e um breve olhar sobre o seu
conteúdo torna impossível saber exatamente o que está lá dentro.
Pode-se pensar de forma consciente: quero ser positivo. Quero superar minhas reações
de raiva, estresse e depressão. Mas o padrão sorrateiro ou as formas de pensamentos nega-
tivos frequentemente surgem antes que possam ser parados! Então, o que pode ser feito
para apoiar a mudança positiva e começar a superar os padrões negativos incrustados nas
profundezas da mente? O que pode estar causando desequilíbrio emocional, físico e ener-
gético? Como esses padrões podem ser mudados quando eles parecem estar cada vez mais
escondidos?
A yoga-nidrā é uma técnica de relaxamento profundo que permite ao praticante
acesso à mente inconsciente de forma consciente. Ao colocar o praticante em um estado
entre a vigília e o sono, por um período significativo de tempo, a yoga-nidrā induz um estado
semelhante ao do sono profundo. No entanto, ao contrário do sono normal, onde a pessoa
não tem consciência do mundo externo, na yoga-nidrā a consciência é ativa, enquanto o
corpo e a mente relaxam profundamente.
Na fase de visualização da yoga-nidrā, com o uso de imagens guiadas, os conteúdos do
inconsciente podem surgir e ser integrados na experiência consciente. Às vezes saṃskāras
surgem como memórias dolorosas, desejos insatisfeitos, conflitos, medos, etc., ou muitas
vezes o que se apresenta são apenas cores ou imagens aparentemente sem significado.
Seja o que for, é importante manter o estado de testemunha da experiência, visuali-
zando o conteúdo da mente como um filme. Isso é fácil de se fazer quando nos encontramos
no estado de profundo relaxamento da yoga-nidrā, mas no estado de vigília, no dia-a-dia, é
quase impossível manter a mente em um estado de alerta, de vigília. Nós reagimos e intera-
gimos sempre a partir da força do padrão e, assim, na maioria das vezes é o padrão negativo
que formula a conduta.
Permanecer como testemunha em um estado relaxado, desbloqueia a energia dos con-
teúdos que anteriormente estavam reprimidos e presos para que possam ser utilizados em ou-
tras atividades. Manter-se nessa atitude ajuda a limpar o jardim da mente das ervas daninhas
difíceis, que causam a negatividade e doenças, permitindo que as flores positivas possam ser
cultivadas.
A fim de reforçar o crescimento das sementes positivas, yoga-nidrā utiliza a prática
dosaṅkalpa. O saṅkalpa é uma declaração curta e positiva, uma afirmação repetida mental-

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
mente enquanto se aprofunda no estado relaxado. Da mesma forma que as grandes empre-
sas anunciam seus produtos para plantar as sementes do desejo no inconsciente, sementes
positivas podem ser plantadas no inconsciente com a prática do saṅkalpa, afetando as ações
do praticante e manifestando profundas mudanças em sua vida.
A palavra saṅkalpa é derivada de duas raízes sânscritas: sam que significa união ou
estar junto e kalpa que significa possibilidade – qualquer possibilidade na existência. Quando
o saṅkalpa é usado, a consciência se dirige a uma possibilidade particular que existe no inte-
rior, apresentando uma meta que, com o uso repetido, vai gradualmente se manifestando.
A diferença entre o saṅkalpa e uma simples resolução de ano novo é que o saṅkalpa é
usado quando o praticante está em um estado receptivo. No momento da repetição do
saṅkalpa na prática da yoga-nidrā, as ondas cerebrais alfa são dominantes. Estas são as on-
das cerebrais de criatividade, do relaxamento e da receptividade. Uma resolução afirmada
(ou plantada) quando a mente estiver no estado de vigília normal é como plantar uma se-
mente em um solo infértil. É preciso haver bastante solo para a raiz entrar profundamente
a fim de que se possa estabelecer as raízes de uma planta forte e constante.
Inúmeras agências de publicidade trabalham nosso inconsciente de maneira consis-
tente nos expondo a suas imagens, slogans e propagandas. Ser submetido a esse bombar-
deio constante por parte das campanhas de publicidade parece ter pouco efeito sobre a
mente consciente, mas o inconsciente está gravando e absorvendo todos os detalhes deste
bombardeamento. Embora o constante plantio dessas impressões negativas não possa ser
completamente evitado, podemos plantar sementes positivas e regá-las com a prática diária
de saṅkalpa durante a yoga-nidrā.
O McDonalds sempre utiliza a imagem dos Arcos Dourados, seu slogan é amo muito
tudo isso e em suas canções nos anúncios da TV sempre vemos a frase repetida: não há nada
como um McDonalds. Da mesma maneira deve ser a prática do saṅkalpa: ele deve ser claro,
repetido sempre com as mesmas palavras e na mesma entonação no mesmo estágio da prá-
tica. Ele deve ser formulado com cuidado, utilizando uma linguagem positiva, concisa e in-
cisiva. Isso é muito importante para o propósito do praticante. Swāmi Satyānanda diz: É
extremamente importante que o propósito [saṅkalpa] se expresse em termos claros e positivos.
Por exemplo, atrás de uma frase como vencerei o medo, existe uma atitude negativa. É preciso
reorientar nossa atitude dizendo desenvolvo coragem e força. Com o desenvolvimento das qua-
lidades opostas, um elemento indesejável desaparece. A resolução[saṅkalpa] deve ser repetida
mentalmente, com fé sincera de que promoverá resultados positivos em nossa vida. A repetição
mecânica não tem efeito sobre a mente. Precisamos sentir nosso propósito, pois o inconsciente
reconhece sugestões que trazem em si a força do impulso emocional e reage sob influência
delas.26
Um saṅkalpa executado com determinação e convicção, mentalmente repetido diari-
amente, irá criar raízes fortes que florescerão em pouco tempo. Um dos muitos benefícios
do saṅkalpa é sua aplicação prática na mudança e transformação de padrões mentais e físi-
cos: ele pode ser usado para quebrar um hábito profundamente arraigado em casos como
drogas ou álcool. Sua repetição mental pode ser usada para acalmar o sistema nervoso, li-
vrando o praticante da fadiga e do estresse. Em casos de doenças físicas ou terminais, o
saṅkalpa pode ser utilizado para incentivar a cura, aumentar o poder de vontade e promo-
ver o pensamento positivo.
A sociedade treina o indivíduo a ignorar que o poder de transformação está dentro
dele. Há sempre uma tendência de culpar fatores externos para a infelicidade e dificuldades
que sofremos. Temos de questionar as ações e padrões mentais inconscientes para poder-
mos enxergar que eles são de fato a plataforma a partir do qual o mundo externo é visto e

26 Idem.

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interagido. Embora a maioria o faça de maneira inconscientemente, nós podemos criar
nossa própria realidade.
A yoga-nidrā ensina a mente consciente a testemunhar os padrões da mente inconsci-
ente e inconsciente. Isso revela a porta de entrada para os recessos mais profundos de nossa
mente. Utilizando o saṅkalpa, fornecemos as ferramentas necessárias para plantar tudo o
que é desejamos na vida. A única limitação é a imaginação.
Todo esse processo é um trabalho espiritual sério capaz de fundamentar a iniciação,
portanto, não tenha preguiça de ir adiante. Passe algum tempo treinando nas horas vagas,
se lembrando de todos os aspectos de sua infância. Não tenha vergonha de consultar amigos
ou familiares em busca de respostas. Pesquise os acontecimentos históricos, políticos e so-
ciais de ocorreram em sua infância. Procure pela literatura e a música da época. Você deve
empreender um profundo trabalho de pesquisa. Aprenda a refletir sobre tudo ao seu redor
e perceba como os sentidos estão recebendo as impressões do exterior. Medite sobre essas
impressões e decida se elas são ou não são saudáveis a sua jornada. Deixe o inconsciente
fluir e anote tudo detalhadamente no diário mágico. Nesse trabalho, procure ser meticuloso.
Faça anotações organizadas por idade e ano. Isso tudo servirá para que você dê a seu daimon
condições de agir em concordância com sua Vontade, não com seus desejos.
Nos comentários que Crowley fez sobre O LIVRO DA LEI na Abadia de Thelema, ao falar
sobre o trabalho de Yesod, a Lua, ele diz: o aspirante aprende que seu corpo é o Templo da
Rosa Cruz, quer dizer, um lugar dado a ele onde possa realizar o Trabalho Mágico.27 E sobre
o daimon, Platão disse: O daimon comunica aos deuses as orações dos homens e comunica aos
homens as ordens dos deuses.28 Essas duas passagens resumem tudo o que estudamos até
aqui.

O Cavaleiro & o Santo Graal, Frederick Judd Waugh.

27 Aleister Crowley, OS COMENTÁRIOS DO AL. Editora Bhavani. Tradução de Marcelo Mottra.


28 Adam Lies, DICIONÁRIO DE FILOSOFIA. Palas Athena, 1998.

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Corrente 93
FERNANDO LIGUORI
Capítulo Onze
Os Perigos do Primeiro Estágio

Eu acreditava antes e acredito agora, que ao Probacionista da A∴A∴ é quase sempre


oferecida a oportunidade de trair a Ordem, da mesma maneira que um Neófito é sempre
tentado por uma mulher.29

O Probacionista e o Neófito da A∴A∴ trabalham diretamente com Malkuth, a esfera


qabalística representada pela ênfase no Elemento Terra. Malkuth tem uma forte
influência saturnina e por conta disso, o primeiro estágio da iniciação ou as duas
primeiras luas do sistema de magia de Abramelin, oferece perigos reais aos Can-
didatos desavisados. No entanto, Malkuth não se trata apenas de uma experiência interior,
pois ele é o próprio corpo físico e o mundo que nos cerca. Mas além disso, Malkuth também
representa o aspecto sutil subjacente da matéria. Trata-se da esfera da Mãe Terra ou Mãe
Natureza, daí sua conexão com o Eterno Feminino em Binah.
Eu costumo dizer que no presente, algumas linhas de transmissão da A∴A∴ têm elos
muito fracos na corrente. Os Neófitos de hoje não são devidamente instruídos porque seus
professores não têm experiência real no manuseio e trato da Corrente 93. Lições simples
como a influência de Binah em Malkuth não são transmitidas ao Neófito. Isso ocorre no pre-
sente por inúmeros fatores. Por exemplo, uma legião de pessoas tem tentado virtualizar a
A∴A∴: elevações de Grau por telefone, recepção de Probacionistas e elevação de Grau por e-
mail, os rituais de iniciação da A∴A∴ negligenciados e uma cadeia hierárquica de fundamen-
tação mal construída. Diante da pergunta de um Neófito, eu já presenciei um Zelator di-
zendo: isso não é de seu Grau ainda. Essa atitude demonstra falta de Fundação. Quando o
Probacionista passa pela iniciação de Neófito, ele não aciona somente Malkuth, mas todas
as outras esferas da Árvore da Vida. Mas ao invés de transmitir uma instrução adequada ao
Neófito, o Zelator preferiu dizer-lhe que ele deveria se ater a iniciação de Malkuth apenas,
que na sua instrução era levantar o véu dos laços familiares. Mas o trabalho do Neófito é
muito mais do que isso. O principal ordálio do Neófito é unificar os Poderes da Esfinge, aci-
onando a sua Besta interior, sem a qual ele não faz nada na magia. Esse ordálio implica no

29 Aleister Crowley, THE CONFESSIONS OF ALEISTER CROWLEY.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
controle sobre os Quatro Elementos, tanto internamente quanto no ambiente astral ao seu
redor.
Esse trabalho mágico ocorre assim que as Portas do Templo se abrem para ele, agora
recebido em Malkuth. No entanto, a reorganização desses poderes da Alma que se encon-
tram desassociados, além de demandar um trabalho mágico e místico para ser executado,
também produz um efeito colateral conhecido aos thelemitas como a Visão do Sofrimento. E
se o Candidato não for forte o bastante para transpassar essa experiência com a flecha da
Vontade, O LIVRO DA LEI diz: quem se entristece não é nosso.30 O Neófito deve ser um perito
em apanhar a emoção antes que ela o apanhe, pois o descontentamento da tristeza nesse
transe do sofrimento são correntes que podem o aprisionar nas sombras de Malkuth. A inér-
cia pelo qual ele é acometido pode aprisiona-lo em um mundo débil, torpe e ignorante. E
uma vez que ele coloque o pé direito no caminho da iniciação a Mensageira do Santo Graal,
a Kundry, irá se tornar para ele um farol que norteará sua busca ou o cegará para sempre.
Caso ele não esteja em guarda para seus ensejos mágicos, ela o irá chafurdar no sofrimento
e na miséria. A natureza desse sofrimento tem se mostrado o maior obstáculo na iniciação
dos neófitos e alguns thelemitas têm se esforçado em ensinar como se sair vitorioso desse
ordalho. Esse sofrimento ou estado depressivo continuará até que ele consiga finalmente
reorganizar os poderes de sua Alma decifrando o Enigma da Esfinge. Uma vez decifrado,
cessa o transe da dor.
Mas quem é a Kundry? Ela é a Falsa Coroa que se manifesta de diferentes maneiras
tanto no homem quanto na mulher. Para o homem, esse Conhecimento se manifestará na
forma de um Mensageiro. Da mesma maneira que Kingsor nos Mitos do Graal, o daimon ma-
nifesta sua duplicidade na astúcia de uma mulher para levar a queda o Cavaleiro do Santo
Graal, aprisionando-o no Castelo da Perdição (Terra-Malkuth), condenando-o a desgraça.
Nos Mitos do Graal, essa bruxa velha e decrépita é conhecida como Kundry e ela havia jurado
anteriormente guiar os Cavaleiros até o Castelo do Santo Graal, morada do Rei Amfortas,
bem no alto da montanha. No entanto, Kingsor, uma criatura demoniacamente pedante e
decadente, seduziu Kundry (quer dizer, o daimon) e a transformou em uma jovem sedutora
de dotes fartos e desejosos aos olhos de qualquer Cavaleiro do Santo Graal. Em retribuição,
Kundry passou a ajudar Klingsor, que já havia sido Cavaleiro mas foi expulso da Ordem do
Santo Graal, a fazer cair e aprisionar todos os Cavaleiros no Castelo da Perdição, no sopé da
montanha.
A Kundry, como nosso daimon, atua como uma mensageira, sussurrando no nosso ou-
vido instruções positivas ou negativas, dependendo de nossas inclinações pessoais. Na prá-
tica, a Kundry pode ser qualquer mulher, um peão para forças demoníacas sombrias que
inconscientemente nos é atraída sem ela mesma entender o porquê. No início pode até pa-
recer que ela é uma dadiva divina que veio para transformar nossa vida, no entanto, cedo
ou tarde ela nos encarcera no Castelo da Perdição, atolados nas trivialidades da vida e nos
esquecendo da Grande Obra. Aos Neófitos, portanto, todo cuidado é pouco. Ao serem admi-
tidos no Templo, da mesma maneira que Parzival na busca pelo Santo Graal, eles serão ata-
cados por forças qliphóticas poderosas. Dominar essas forças e dar direção a elas é parte do
ordálio da Esfinge.
Os escritos de Crowley, de seus alunos diretos e os diários mágicos de muitos thele-
mitas estão repletos de avisos contra a Kundry na forma de uma mulher. Crowley avisava a
seus Neófitos que eles deveriam ser banhados em Amor Verdadeiro se quisessem trilhar o
Caminho do Santo Graal, caso contrário, eles seriam visitados por mulheres estranhas que,
transformadas sob as lentes da paixão e do desejo, os afastam da Grande Obra, condenando-
os a miséria e desolação da velha terra cinza, quer dizer, das qliphoth.

30 LIBER AL, II:19.

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O Santo Graal, Henri von Fantin-Latour.

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Em LIBER ALEPH, Crowley diz: para, todo Parsifal, existe uma Kundry. Tu podes comer mil Fru-
tos do Jardim, mas existe Uma Árvore cujo Nome para ti é Veneno. Em toda grande Iniciação
há um Ordálio, em que aparece uma Sereia ou Vampiro designado para destruir o Candidato.
A Árvore que Crowley se refere é a Árvore da Vida que abaixo do Abismo se expressa
em um tipo de dualidade angélica que temos definido como bem e mal, bom e ruim etc. Na
tradição juidaico-cristã, a primeira grande Kundry da humanidade foi Eva. Ela tentou Adão
que, ao segui-la, foi expulso do Jardim do Éden. O mito da queda é um aviso a todos que
estão no primeiro estágio da iniciação. Crowley mencionou esse perigo em uma instrução
da O.T.O. conhecida como DE NUPTIIS SECRETIS, DEORUM CUM HOMINIBUS, que trata do casa-
mento místico entre os deuses e os homens: Para todo Neófito da Ordem A∴A∴ aparece um
demônio na forma de uma mulher para pervertê-lo; dentro de Nosso próprio conhecimento
não menos que nove irmãos foram expulsos por isso.
Da mesma maneira que a influência do daimon age como um pêndulo em acordo a
nossas inclinações pessoais, a Kundry também oscila sua influência, identificada com as
duas fases da Lua, Cheia e Nova. Nas instruções para o IX° Grau da Ordo Templi Orientis,
O.T.O., Aleister Crowley ensina que a mulher em sua fase Cheia recebe a Luz do Sol, quando
ela brilha resplandecente como o Santo Graal. Mas em sua fase Nova ou Negra, a mulher se
toma uma forma demoníaca, vampira e tentadora que a tudo consome. Nessa fase ela oculta
completamente a Luz do Sol.
O Adepto sabe que todas as suas ações lutam contra a inércia de Malkuth. A Natureza
tenta manter o Neófito na matéria e ela assim o faz utilizando aquilo que dita sua realidade,
as forças elementais. É por conta disso que as operações que envolvem as forças dos Ele-
mentos são consideradas tão perigosas. A mesma força que pode ajudar o magista a subir a
montanha sagrada pode também fazê-lo cair desgraçadamente. Essa é a natureza do mal na
cristandade: você não pode aumentar o bem sem aumentar o mal. Quando mais espirituali-
zado for o magista, mais forte serão as forças elementais tentando puxá-lo para baixo. Essa
força descendente na maioria das vezes é mascarada ou projetada nos desejos, medos e
crenças religiosas do magista. A cristandade tem chamado essa força elemental de Satã e os
magistas a conhecem como Kundry, o daimon cuja influência oscila como um pêndulo de
acordo com nossos desejos ou Vontade. Eu sempre instruo aos meus estudantes que a rela-
ção que eles têm com seu cônjuge diz muito sobre a relação que eles têm com seu daimon.
Mas porque nove Irmãos da A∴A∴ falham em dez que aspiram subir a montanha sa-
grada? Para compreendermos isso, devemos levar nossa atenção a Binah, a Deusa Suprema
no seu papel de Mãe menor em Malkuth, a esfera de operação dos Neófitos. Geralmente os
Neófitos estão pouco interessados na Deusa e dirigem toda sua atenção para o caminho ma-
terial de Malkuth que estão trilhando. No entanto, a instrução da O.T.O. DE NUPTIIS SECRETIS,
DEORUM CUM HOMINIBUS orienta um Casamento Místico com a Deusa que Crowley avisa a não
ser negligenciado. Se ele falha no seu trabalho mágico em devotar todo seu amor a Deusa
Suprema, então ela se manifesta como a Kundry em sua busca por vingança. Em outras pa-
lavras, se o Neófito não se devotar de coração a Grande Obra e sua União Mística com a
Deusa, cairá em desgraça no Castelo da Perdição de Malkuth. Se o Cavaleiro da Ordem do
Santo Graal por algum momento deixar cair a Lança Sagrada por inabilidade em saber em-
punhá-la, ele será sumariamente expulso da Ordem e vagará perdidamente assombrado pe-
los antigos fantasmas da velha terra cinza.
De dez Neófitos que tentam escalar a montanha, nove despreparados ignoram com-
pletamente a relação de Malkuth-Binah e todas as implicações mágico-espirituais dessa co-
nexão. Todos são testados nas tentações da Kundry, mas pouquíssimos mantêm erguida a
Lança Sagrada, aspirando com toda devoção o Santo Graal. Não se trata de um ordálio só
para homens. Como falei anteriormente, a Kundry se manifesta de maneira distinta em ho-

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
mens e mulheres. Todos os Neófitos devem estar guarnecidos contra a aproximação de qual-
quer pessoas com características elementais e qliphóticas acentuadas, um peão atraído pelo
magnetismo do Neófito e impulsionado inconscientemente por seus desejos e padrões.
Cair louco de paixão por esse casamento menor é uma traição as Bodas do Casamento
Maior no Amor de Nuit. É nessa hora que as correntes de Malkuth se tornam reais e nenhum
Neófito deve se esquecer desse aviso: no momento em que adentrarem aos Portais do Tem-
plo, mantenham suas aspirações no Amor da Deusa, constante e sistematicamente, pois a
cada curva no caminho espreita uma Kundry. Na O.T.O., os Adeptos do Soberano Santuário
da Gnose admitidos no VIII° Grau estudam e colocam em prática a instrução DE NUPTIIS SE-
CRETIS, DEORUM CUM HOMINIBUS que lhes instrui no Casamento Místico com a Deusa. Uma vez
que deuses e deusas assim como a Alma são criaturas andrógenas, chamá-los de homem ou
mulher é uma questão pessoal. No Currículo da A∴A∴ esse casamento místico e mágico com
os deuses é ensinado em LIBER NV e LIBER HAD. Infelizmente, essas são instruções oferecidas
acima do Grau de Filósofo 4°=7⌷, impossibilitando aos Neófitos o acesso a este arcano, o
Amor e Devoção a Deusa Suprema. Como os Neófitos de hoje não são instruídos nesse ponto,
sua busca permanece a eterna Baladinha 93 dos thelemitas de mesa de bar. Para evitar esse
problema, eu construí meditações baseadas em LIBER NV e LIBER HAD, o que possibilita a
ampliação dos trabalhos desse Grau.
Frater S.S. me avisou que eu deveria tomar cuidado com qualquer mulher que se apro-
ximasse de mim. Ele recebeu instruções diretas de Frater Thor, passadas anteriormente de
Frater Saturnus (Karl Germer, 1865-1962) a Frater Adjuvio (Marcelo Motta, 1931-1987),
que qualquer mulher ou homem é um potencial vampiro que pode tirar o Neófito de seu
Caminho. Frater S.S. me instruiu a não pensar muito sobre o assunto quando eu me deparar
com essa situação. Ele disse, mantenha o foco na Deusa, não importa o quão difícil for, pois é
isso que fará a diferença na travessia do tuat, um coração purificado pelo esforço. Por traves-
sia do tuat ele se referia a iniciação no Grau de Zelator na A∴A∴.
Mas não se engane, até um Adepto ou um Mestre pode cair, não apenas um Neófito.
Jack Parsons (1914-1952), o próprio Karl Germer, Marcelo Motta, Frater S.S. e muitos outros
foram vítimas dos encantos da Kundry. Tolo, portanto, àquele que avisado foi, mas que de-
savisado caminha. O segredo é esse: mantenha o foco no Amor de Nuit e lembre-se da lição
fundamental acerca da dualidade ou duplicidade oscilante do daimon que aprendemos até
agora: uma vez que dominamos seu aspecto inferior, seu aspecto superior nos impele a subir.
Em outras palavras, nunca abandone suas aspirações espirituais para seguir os impulsos
descontrolados da matéria. Os Adeptos sabem que cada gota de sangue deve ser vertida na
Taça de Babalon. Se uma única gota deixar de ser derramada na Taça da Deusa, ela criará
uma legião de fantasmas, as crianças de Choronzon e o que restará é sombra, casca e deses-
pero.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Parzival & a Kundry, John Augustus Knapp.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Símbolos, Metáforas & a Mística do
Sagrado Anjo Guardião

Frater ON120
Fernando Liguori

Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.

Introdução

A busca mais significante no caminho de todo thelemita é uma experiência conhe-


cida como Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião. Para ava-
liar essa experiência espiritual nós vamos examinar, em um primeiro momento,
o Sagrado Anjo Guardião em Thelema e depois vamos buscar seu significado na
doutrina neoplatônica do daimon pessoal. Jâmblico, filósofo neoplatônico e teurgo que viveu
por volta dos anos 235 a 350 da era vulgar apreciava a comunicação com criaturas espiritu-
ais, daimons, deuses e com o mundo transcendente. Ele defendia que a Alma humana tinha
como Ente Guardião uma criatura que ele chamava de augoeides, uma palavra grega que
significa natureza da luz ou, literalmente, imagem que cai. Em sua obra SOBRE OS MISTÉRIOS
ele insiste que este Ente Guardião não é uma parte da consciência humana, mas uma enti-
dade objetiva: Sobre a hipótese filosófica do daimon particular de cada um ser, como você diz,
«parte da alma» e que ele «estaria feliz em ser parte de uma mente sábia», não existe tal ordem
presidindo a alma humana, mas uma criatura distinta que acompanha a Alma em suas esco-
lhas.31
Foi somente com H.P. Blavatsky (1831-1891), a fundadora da Sociedade Teosófica
que o augoeides de Jâmblico tornou-se amplamente conhecido como um aspecto da alma
humana, o qual ela chamou de Atma-Buddhi. Nas suas conclusões, ela não admitia a existên-
cia de um augoeides existindo a parte da consciência, uma entidade separada de nós mes-
mos. Para os teósofos, o augoeides é o Eu Superior. No entanto, antes de Blavatsky o termo
augoeides foi imortalizado na obra de Edward Bulwer Lytton (1803-1873), ZANONI. Nessa
obra Lytton identifica o augoeides como uma esfera da alma ou o ego superior.
A influência das ideias de Lytton são nítidas em Blavatsky. Inúmeras obras de teósofos
consagrados como Annie Besant (1847-1933) e Leadbeater (1854-1934) trazem diversas
citações do ZANONI. No entanto, Lytton estava terrivelmente enganado sobre a doutrina do
augoeides e ele assim o fez por uma tradução incorreta do termo que apareceu em uma obra
chamada AS MEDITAÇÕES DE MARCO AURÉLIO. Lytton cita o Livro II dessa obra como fonte de
sua pesquisa, no entanto, a passagem em questão é do Livro XI (verso 12). Seguindo seu
erro, assim o fizeram os teósofos. Na sua obra, Marco Aurélio não usa a palavra augoeides,
mas augoetis, que significa bem-formado ou verdadeira forma. A passagem em questão é
essa: a esfera da alma é luminosa e quando nada do exterior a toca, por sua própria luminosi-
dade ela pode ser percebida e reflete a verdade de todas as coisas.
As concepções de Jâmblico sobre o daimon pessoal ou augoeides é idêntica as ideias
de Sócrates e Platão e está mais próxima do conceito real de Sagrado Anjo Guardião, como
venho demonstrando em meu livro CORRENTE 93: A CORRENTE SOLAR DO NOVO AEON.

31 Veja Thomas Taylor, ON THE MYSTERYES OF THE EGYPTIANS, CHALDEANS AND ASSYRIANS, p. 323.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Mas em Thelema, quem é o Sagrado Anjo Guardião? Aleister Crowley (1875-1947)
teve suas primeiras percepções sobre o Sagrado Anjo Guardião na Ordem Hermética da Au-
rora Dourada. Profundamente influenciado pelo ocultismo hermético dessa Ordem, ele con-
siderou o Sagrado Anjo Guardião sendo o Eu Superior. No início de sua caminhada, ele pen-
sou que o Gênio Divino Superior era o Anjo Guardião, referindo-se a ele como o augoeides
na interpretação de Lytton e Blavatsky.
Para escrever a primeira parte desse texto, cujo foco é o Sagrado Anjo Guardião na
cultura thelêmica, três são minhas fontes: A primeira fonte é a tradição oral da A∴A∴, quer
dizer, apontamentos secretos me revelados por meu Superior na A∴A∴, Frater S.S. A se-
gunda fonte é o cânone thelêmico, a literatura sagrada da tradição e outros escritos de Aleis-
ter Crowley. A terceira e última fonte é minha experiência pessoal.
Vamos iniciar nossa jornada!

Parte . I .
Na Trilha do Sagrado Anjo Guardião

Crowley percebeu que qualquer nome que desejamos atribuir ao Sagrado Anjo Guardião
poderia ser falso de algum modo. Em seu livro MAGICK WITHOUT TEARS ele diz porque esco-
lheu usar o termo Sagrado Anjo Guardião em sua missão, que era ensinar a humanidade o
próximo passo na evolução:

Quando eu me ajustei para colocar um nome para a minha «missão» a contemplação


levou-me a cruzar metade do Sudoeste da China. Eu considerei essas alternativas. Eu
pensei cortar o Nó Górdio, e chamar isto pelo título de Abramelin «Sagrado Anjo Guar-
dião», porque (Eu pensei) será tão inteligíveis para os aldeões de Pu Peng como para os
mais escolados Pândidas; aliais, a teoria implícita era tão crua que ninguém precisa ficar
vinculado a isto.

O que Crowley quer dizer é que um nome é tão bom quanto o outro pois nenhum deles é
substancialmente correto quando tentamos comunicar através de palavras um inefável mis-
tério que não se descreve com elas. Ele poderia ter escolhido palavras como ka, augoeides,
adonai etc., mas percebeu que sua missão era auxiliar a humanidade em um próximo passo
na evolução, o Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião.
Isso nos leva a indagação: todas as pessoas têm um Sagrado Anjo Guardião? Durante
vinte anos instruindo Estudantes na A∴A∴ eu conheci muitas pessoas que se diziam devo-
tadas a Grande Obra. Muitas delas diziam ter contato direto com seu Sagrado Anjo Guardião,
que ele lhes revelava isso e àquilo sobre eles mesmos e sobre outras pessoas, como se fosse
o trabalho do Anjo pessoal de cada um cuidar da vida das pessoas. Em uma ocasião interes-
sante eu conheci um rapaz aleijão que estava interessado em ser admitido a O.T.O. Na época
eu era responsável por um grupo de estudos da Ordem. Em nosso primeiro contato o rapaz
me contou que seu Sagrado Anjo Guardião era um anão escandinavo. Embora fosse de se
surpreender, eu não me surpreendi porque era tangível o fato de que ele não possuía ne-
nhum tipo de contato com qualquer entidade que fosse, além das sombras que ele mesmo
carregava. Caso ele tivesse, certamente não iria me perguntar sobre como entrar para O.T.O.
ou sobre os mistérios da A∴A∴, como na época ele queria saber. A descrição que ele fazia
sobre seu anjo-anão não passava de um arquétipo do inconsciente coletivo conhecido na
mitologia grega como kabiri.
Os kabiris eram um grupo de deidades obscuras descritas na mitologia grega. Acre-
dita-se que são de origem frígia e eram consideradas espíritos guardiões dos marinheiros e
eram representadas na imagem de gnomos e anões encapuzados, às vezes colocados à beira

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
mar na intenção de proteger os navegantes. Na linguagem simbólica da psicologia jungui-
ana, o ato de navegar representa uma aventura pelos caminhos desconhecidos que levam
as trevas.

Os Dois Anões de Lorenz Frolish, 1895.

A imagem do anão é um aspecto do arquétipo da criança que está mais próximo do incons-
ciente, sabedoria e astúcia nos mistérios, mas estranhamente subdesenvolvido. Nas fábulas
os anões geralmente são descritos com traços sinistros ou uma representação do imprevi-
sível. Trata-se de uma imagem que salta espontaneamente do inconsciente coletivo que
pode ser caracterizada pelos contos de fada nos aspectos positivos ou negativos. O anão
pode ser tanto benigno quanto maligno e essa é a natureza do arquétipo.
O aleijão que me procurou com suas experiências muito provavelmente estava expe-
rimentando um arquétipo, não a companhia do Sagrado Anjo Guardião. Na época o que eu
pensei é que ele leu os comentários de Crowley sobre O LIVRO DA LEI e ficou impressionado,
para não dizer confuso.
Crowley por toda a sua vida demonstrou nítida dificuldade em compreender a natu-
reza do Sagrado Anjo Guardião. No período em que ele esteve na Abadia de Thelema, de
1920 a 1923, ele começou a escrever sobre o Anjo como um aspecto de Hoor-paar-kraat, a
alma anã, o eu secreto ou o instinto sexual. Ele explica:

Hoor-Paar-Kraat ou Harpocrates, o Bebê no ovo Azul, não é meramente o Deus do Silên-


cio num senso convencional. Ele representa o Eu Superior, o Sagrado Anjo Guardião. A

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Conexão é como o simbolismo do Anão da Mitologia. Ele contém tudo em Si mesmo, mas
é não-manifestado.
Mas a Pessoa Pequena do misticismo hindu, o Anão insano no entanto astuto de muitas
lendas de muitas terras, é também este mesmo Espírito Santo, ou Ente Silente de um
homem, ou o seu Sagrado Anjo Guardião.32

Embora todas essas atribuições estejam conectadas ao arquétipo do Sagrado Anjo Guardião,
elas estão propensas a causar mais desentendimento e má interpretação do que se espera.
Nessa época da vida de Crowley ele costumava ser prolixo em demasia e muito pouco cui-
dadoso com a questão da precisão conceitual. Muito provalmente isso ocorria por seus abu-
sos com drogas nas operações mágicas da Abadia de Thelema, o que foi muito bem docu-
mentado por ele mesmo e outros.
Além do uso constante de drogas em seus rituais, há outros atenuantes que devem ser
levados em consideração e que influenciaram suas distintas descrições do Sagrado Anjo
Guardião. A primeira e mais importante é que Crowley estava na época passando por uma
experiência espiritual conhecida como nirodha-samāpati, que abre o Grau de Ipssissimus na
A∴A∴ e que envolve o Mistério da Abnegação.33 Segundo, em consequência dessa experiên-
cia, foi o peso da dor e do sofrimento da perda de sua filha Ana Lea, seu filho não-nascido e
seu discípulo tão querido, Raoul Loveday (1900-1923). Todos esses eventos coloriram na
época sua busca pelo entendimento do Sagrado Anjo Guardião.
Também foi no período da Abadia de Thelema que ele levou Frank Bennett (1868-
1930) a uma epifania com o Sagrado Anjo Guardião que mudou completamente sua vida.
Crowley descreve esse evento em suas CONFISSÕES, mas não detalha as instruções que for-
neceu a Bennett. No entanto, Bennett nos provê detalhes sobre suas instruções e seu pro-
gresso mágico na Abadia de Thelema em seu diário mágico da época. Na ocasião, Crowley
disse a Bennett que a iniciação se trata essencialmente de trazer o material subconsciente
da mente a sua superfície consciente. Crowley afirmou-lhe que o Sagrado Anjo Guardião é o
próprio subconsciente. Ele ainda forneceu a Bennett a instrução de que o instinto sexual é
uma força primordial do subconsciente, uma vez que os órgãos sexuais eram um símbolo de
Deus no homem e a coisa mais próxima que nós temos do Sagrado Anjo Guardião. Portanto,
a restrição do instinto sexual é uma restrição ao próprio Sagrado Anjo Guardião.
Sobre isso, eu particularmente penso que Crowley estava tentando dizer que a sexu-
alidade é um portal para a experiência com o Sagrado Anjo Guardião. Minhas considerações
se baseiam em outra instrução de Crowley para O.T.O. conhecida como DE NATURA DEORUM.
Eu decidi utilizar essa passagem da vida de Crowley para ilustrar a importância da
precisão conceitual. O termo subconsciente era utilizado por toda comunidade ocultista da-
quela época. No entanto, os pensadores modernos de psicologia profunda rejeitam veemen-
temente o termo subconsciente, pois se trata de um estado de consciência que na verdade
não existe, sugerindo algo abaixo da consciência. Para os estudiosos de nosso tempo, ou você
está consciente ou você não está consciente e, portanto, inconsciente. Não existe um meio
termo. Mas a palavra subconsciente continua a aparecer nos livros de ocultistas modernos.
No entanto, o mais importante aqui é a experiência de Bennett ao lado de Crowley. A
relação entre eles era de guru e discípulo, realmente. Nas anotações de Bennett em seu diá-
rio mágico ele se refere a Crowley como seu Guru Sagrado. Dessa maneira, além de muito
respeito pela instrução de Crowley, Bennett depositava nele todas as suas fichas. Nessa po-
sição, foi possível para Crowley conhecer a psique de Bennett profundamente. Crowley sa-
bia de seu histórico com repressão sexual e dos complexos de culpa e medo que se desen-

32Aleister Crowley, OS COMENTÁRIOS MÁGICOS & FILOSÓFICOS DO LIVRO DA LEI, em O OLHO DE HOOR (Vol. I, No. 1).
33Veja LIBER B VEL MAGI, 15: Sendo assim o grau de Mestre ensina o Mistério do Sofrimento, e o grau de Magus o
Mistério da Mudança, e o grau de Ipsissimus o Mistério da Abnegação, que também é chamado de Mistério de Pã.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
volveram a partir disso. Como seu guru, Crowley presenteou Bennett com a liberdade des-
ses padrões restritivos construídos em sua mente, o que mudou sua vida completamente.
Quando Bennett saiu da Abadia de Thelema – por conta de inúmeros problemas em sua vida
particular – seu sentimento era de gratidão eterna por ter passado por uma das maiores e
mais significantes experiências que teve em sua vida. Bennett com as instruções de Crowley
foi capaz de romper as correntes da repressão sexual que lhe atormentou por anos. O im-
pacto foi tão grande em sua jornada espiritual que ele se tornou IX° Grau da O.T.O. e um
Adepto Maior da A∴A∴.
Eu penso que Crowley disse isso tudo a Bennett como uma representação da verdade
nos termos mais gerais possíveis, pois uma vez que existe divisão na palavra, tudo o que ele
ensinou poderia ser verdadeiramente falso, mesmo que utilizado como uma arma mágica
para ajudar Bennett. Crowley era um Magus da A∴A∴ que poderia empunhar a falsidade
para libertar um homem.

Frank Bennett.

Em O EQUINÓCIO DOS DEUSES Crowley Crowley rejeita completamente a ideia de Aiwass, seu
sagrado Anjo Guardião, seja o seu subconsciente. Referindo-se a transmissão de O LIVRO DA
LEI, ele escreveu:

Está claro que eu as escrevi, tinta no papel, no senso material; mas elas não são Minhas
palavras, a não ser que Aiwass seja considerado não mais que o meu subconsciente, ou
parte deste; em cujo caso, com o meu consciente ignorando a Verdade do Livro e sendo
hostil a maior parte de sua ética e filosofia, Aiwass se torna uma parte severamente
suprimida de mim. Se assim for, o teorista deverá sugerir um motivo para esse desabafo
explosivo, no entanto cerimoniosamente controlado, e fornecer uma explicação de
como eventos em anos subsequentes se conformaram com a palavra dele, seja escrita
ou publicada.

Em uma nota adicionada a essa passagem, Crowley diz: Uma tal teoria, além do mais, impli-
caria que eu, possuo todo o conhecimento e poder praeternaturais. A Lei da Parcimônia do
pensamento de Sir. W. Hamilton refuta isso. A Lei da parcimônia citada por Crowley atesta
que entre duas hipóteses que competem para serem escolhidas, a que menos produzir su-

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posições deve ser escolhida. Por essa passagem nós podemos perceber que Crowley come-
çava a caminhar para as conclusões que posteriormente ele apresentou em MAGICK WITHOUT
TEARS. O que Crowley sugeriu aqui é que se Aiwass fosse seu subconsciente, ele estaria com-
pletamente inconsciente de que possui toda sorte de conhecimento e poder sobrenaturais.
Portanto, emulando o comportamento dos budistas, vou enumerar abaixo o que o Sagrado
Anjo Guardião não é:

1. O Sagrado Anjo Guardião não é o inconsciente (ou o subconsciente como postulado


por Crowley na Abadia de Thelema);
2. O Sagrado Anjo Guardião não é o impulso ou instinto sexual;
3. O Sagrado Anjo Guardião não é o Gênio Interior ou Eu Superior.

Já no fim de sua vida, Crowley mudou completamente de ideia e não demonstrava qualquer
dúvida sobre o assunto. Quando um novo discípulo lhe fez uma pergunta comparando o Sa-
grado Anjo Guardião ao Eu Superior, veja o que ele disse em MAGICK WITHOUT TEARS:

Nós podemos concordar prontamente que o Augoeides, o «Gênio» de Sócrates, e o «Sa-


grado Anjo Guardião» de Abramelin, o Mago, são idênticos. Mas não podemos incluir o
«Eu Superior», pois o Anjo é um indivíduo distinto com seu próprio universo exata-
mente como o homem é [...].
Ele não é mera expressão, seleção ou exaltação das qualidades de alguém, como o
Eu Superior parece ser [...]. Isso é completamente diferente do Conhecimento & Conver-
sação com o Sagrado Anjo Guardião, que é o objetivo do Adepto Menor.
É a ruina do Trabalho enganar-se pensando que o «entusiasmo energizado» é algum
tipo de comunicação externa. Um paralelo nos termos do plano físico é a diferença entre
onanismo e o intercurso sexual.

Nessa passagem é possível notar que Crowley mudou completamente seu discurso com re-
lação ao Anjo, refutando seu comentário sobre O LIVRO DA LEI escrito na Abadia de Thelema.
Em uma carta enviada ao professor E.M. Butler (1885-1959), autor do livro MAGIA RITUAL,
datada de 1 de abril de 1946, Crowley diz:

25 anos atrás eu escrevi um Comentário sobre O LIVRO DA LEI – mais de quatro milhões
de palavras das mais túrgidas e incompreensíveis besteiras já escritas [...]. Eu não fui
capaz de encarar o manuscrito desde que ele foi datilografado.

Fica claro que com o passar dos anos Crowley compreendeu efetivamente a doutrina do
Sagrado Anjo Guardião, antes perdida nas miríades de interpretações duvidosas dos ocul-
tistas que o precederam e que tanto lhe influenciaram. No meu livro CORRENTE 93 eu disse
que temos de agradecer a Crowley por essa confusão e discrepância conceitual sobre o Sa-
grado Anjo Guardião na magia moderna. No entanto, devemos agradecer ao blá blá blá de
Blavatsky e ao nonsense de Mathers que, antes de Crowley, plantaram a semente da discór-
dia.
Esqueçamos por um momento sobre as conclusões de Crowley e vamos buscar nos
LIVROS SAGRADOS DE THELEMA a identidade ou função do Sagrado Anjo Guardião, pois se
Crowley tivesse levado essas instruções em Classe A com mais atenção, suas dúvidas seriam
sanadas ainda na gênese da A∴A∴:

Eu Te aguardo no sono, no despertar. Eu não mais Te invoco; Pois Tu estás em mim, Ó


Tu que me fizeste um belo instrumento afinado com o Teu êxtase. Ainda assim Tu estás
sempre separado, assim como eu.34

34 LIBER VII, VII:13-14.

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A passagem acima de LIBER VII é clara: o Sagrado Anjo Guardião é uma entidade distinta, a
parte da consciência humana. Ele é devotado completamente àquele que conquista o Conhe-
cimento & Conversação com Ele. Na relação com o Anjo somos únicos e separados. Em LIBER
LXV o Anjo faz uma promessa: Agora eu estou contigo; eu jamais deixarei o teu ser.35

Todos possuem um Sagrado Anjo Guardião?

Crowley nos disse que o próximo passo evolutivo na humanidade é fazer com que cada um
possa passar pela experiência do Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guar-
dião. Então nos vem a pergunta: todos possuem um Sagrado Anjo Guardião? Sim! Todos
temos um Sagrado Anjo Guardião. Uma mente bem dualista ainda perguntaria: até mesmo
criminosos e genocidas como Adolph Hitler (1889-1945) têm um Sagrado Anjo Guardião?
Sim! Todos têm. Então como é possível uma pessoa fazer atrocidades contra a natureza do
homem estando sob a orientação de seu Anjo? É aí que entra um entendimento mais pro-
fundo do papel e da experiência do Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guar-
dião. O Adepto Menor deve compreender a natureza dual de seu Anjo. Eu venho explicando
detalhadamente no meu livro CORRENTE 93 a dupla função do Anjo. A função do Anjo é acom-
panhar a Alma na jornada da encarnação, lhe auxiliando a realizar a sua Verdadeira Vontade,
que é o objetivo pelo qual a Alma decide encarnar. No entanto, o Anjo oscila sua influência
sobre a Alma em virtude das escolhas humanas e principalmente, em acordo com a visão do
homem sobre a realidade. Em outras palavras, o Anjo pode auxiliar o magista em seu cami-
nho de ascensão na Árvore da Vida ou pode aprisiona-lo na matéria. Tudo depende só da
visão de mundo e da qualidade das ações do magista. Adolph Hitler foi assistido por seu
Anjo, com certeza absoluta, que está muito além da noção dualista de bem e mal. Se em al-
gum ponto de sua jornada Adolph Hitler se perdeu completamente no labirinto da loucura,
seu Anjo o auxiliou a espalha-la pelo mundo. No entanto, como thelemitas nos cabe levantar
outra indagação: e se foi a escolha da Alma encarnar como Adolph Hitler para passar por
toda àquela experiência? Essa indagação levanta a possibilidade de ser a Verdadeira Von-
tade de Hitler ser um genocida. Esse é um dos arcanos contidos em LIBER ALEPH: um asno
haverá de travestir-se de leão? Não, ele é um asno. Seria melhor ele abraçar sua Verdadeira
Natureza como asno e saborear sua carga e espinhos ao invés de tentar ser um leão. É so-
mente seguindo o curso da Verdadeira Natureza que se conquista a Verdadeira Vontade,
seja lá qual for o caso.36
Embora todos nós tenhamos um Sagrado Anjo Guardião, nós temos de dar-lhe dire-
ção. Isso demanda um trabalho mágico-espiritual interno e externo, cujo objetivo é cons-
truir um Santuário Sagrado, construir uma Pirâmide Adequada para Alma. Essa metáfora
geralmente é compreendida na relação com o Eu Superior – que reforça a falta de precisão
conceitual em conectar o Eu Superior ao Sagrado Anjo Guardião – mas no entanto, o que ela
quer dizer em palavras bem claras é que o Candidato deve ser provado merecedor e prepa-
rado para executar a Grande Obra, somente assim ele chamará a atenção de seu Professor
Espiritual para o caminho certo a seguir. Ele se tornará então a Inteligência praeter-humana
que voluntariamente se encarregará de seu treinamento espiritual. Esse é um dos entendi-
mentos sobre a relação entre o Adepto e o Anjo.
Resumindo, uma vez que é a função do Anjo auxiliar a Alma na realização de sua Ver-
dadeira Vontade e uma ver que tudo abaixo do Abismo é batizado pela dualidade, o Anjo
exercerá uma dupla função, classificada em inferior ou superior ou o Anjo Menor e o Anjo
Maior, não significando duas entidades distintas, do bem e do mal, como classificaram os
cristãos na Idade Média, os grandes responsáveis por disseminar uma teologia que distorce

35 LIBER LXV, I:26. Note que 26 é o número de YHVH.


36 Veja LIBER ALEPH, Capítulo 7.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
maliciosamente o significado do daimon como Sagrado Anjo Guardião, como demonstrei no
meu livro CORRENTE 93.
Enquanto o Candidato continuar chafurdado na lama de seus apetites instintivos e
degenerados, devorado por sua Esfinge Interna, o Anjo lhe auxiliará nessas demandas. Caso
ele desperte para o adeptado, revertendo o fluxo do desejo para Verdadeira Vontade, o Anjo
o auxiliará a Alma a realiza-la. Desse modo, cabe somente ao Adepto as rédeas de sua encar-
nação, não ao Anjo.

O Conhecimento do Sagrado Anjo Guardião

A tarefa fundamental aos Candidatos a A∴A∴ é descobrir como conquistar o Conhecimento


& Conversação com o Sagrado Anjo Guardião. Como é corrente na cultura thelêmica identi-
ficar o Sagrado Anjo Guardião com o Eu Superior, embora Crowley tenha negado essa ideia
no fim da vida, a partir desse ponto nós vamos fazer essa significação para este artigo:

1. O Sagrado Anjo Guardião é o Eu Superior (ātma, dṛṣṭi, puruṣa, Ut).


2. O daimon é o Ente Presença, o Espírito Guardião que nos guia através das encarna-
ções.

No JORNAL CORRENTE 93 (Vol. I, No. 4), eu publiquei uma epístola chamada O ADEPTO MENOR
& INVOCAÇÃO DO DAEMONE. Eu renomeei o texto para O ADEPTO MENOR & INVOCAÇÃO DO EU SU-
PERIOR para publicação no livro EM NOME DA BESTA, uma coletânea dos melhores textos pu-
blicados no JORNAL CORRENTE 93. Nessa epístola eu abordo o termo Sagrado Anjo Guardião
como uma metáfora para o Eu Superior e falo do trabalho mágico do Adepto Menor na fun-
ção de se organizar para a experiência conhecida como Conhecimento & Conversação com o
Sagrado Anjo Guardião. Como eu falei na Introdução de meu livro CORRENTE 93, essa é uma
experiência que ocorre somente acima do Abismo:

No entanto, isso tem sido um problema entre os thelemitas, pois é um senso comum de
que o Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião ocorre em Tiphereth.
Mas isso é falta de estudo. Uma das instruções que Crowley deixou para A∴A∴ que trata
do Sagrado Anjo Guardião é o LIBER VIII, uma referência ao oitavo Aethyr no A VISÃO & A
VOZ, conhecido como LIBER 418. O LIBER VIII tem sido utilizado como Um Ritual Apropri-
ado para Invocação do Augoeides, quer dizer, um ritual destinado a invocação do Sa-
grado Anjo Guardião. É no oitavo Aethyr, portanto, que o thelemita irá obter o Conheci-
mento & a Conversação com o Sagrado Anjo Guardião, entretanto, o oitavo Aethyr está
além do Abismo. Quer dizer, essa experiência mística não ocorre na esfera de Tiphereth
na Árvore da Vida como suposto no Velho Aeon.

Eu chamo a atenção do leitor para meu artigo publicado em O OLHO DE HOOR (Vol I, No. 1),
intitulado THELEMA: UMA NOVA & AMARGA VERDADE. Nesse artigo eu escrevi:

Abiegnus, a Montanha dos Adeptos no Novo Aeon, é identificada com Zion, a Montanha
Sagrada de Deus na Cidade das Pirâmides sob a Noite de Pã. [...] Por essa razão, LIBER
CHETH VEL VALLUM ABIEGNI é o título de LIBER CLXI, pois Vallum Abiegni significa A Parede
de Abiegnus. Esta é a instrução que contém o segredo do Santo Graal e pertence aos
Mistérios do Mestre do Templo. Abiegnus não mais significa no presente Aeon de Hórus
à tumba do Cristo ressurreto, mas a tumba dos Santos que derramaram a última gota
de sangue no Cálice de Babalon, pois somente aqueles que pintaram a semente negra
poderão plantar a Rosa; somente aqueles que beberam das águas da Morte poderão
regar a Rosa e somente aqueles que foram consumidos pelo Fogo da vida poderão pro-
ver o sol que alimenta a Rosa de Tiphereth. A semente desta Rosa está oculta além da
grande parede de Abiegnus na Cripta dos Santos na Cidade das Pirâmides.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Eu continuo:

Em Tiphereth, dessa maneira, existe a consecução com o Eu Superior ou o que os qaba-


listas têm identificado como A Cabeça do Ruach. Para compreender o Sagrado Anjo
Guardião na totalidade que ele verdadeiramente é, o thelemita deve se ater as divisões
da alma humana na Árvore da Vida: o nephesh, a alma animalesca (Malkuth-Yesod). O
ruach, a mente organizada que se divide em Inferior (Adepto Externo) e Superior
(Adepto Interno), que envolve o complexo Hod-Netzach-Tiphereth-Geburah-Chesed. A
terceira parte da alma, sendo ela Três-em-Um, é neschamah (Binah), chiah (Chokmah)
e yechidah (Kether).
A primeira lição que a alma deve aprender tem sido chamada de A Visão do Sagrado
Anjo Guardião, que ocorre em Malkuth. A segunda lição ou estágio de aprendizagem da
alma ocorre em Tiphereth, onde o Candidato obtém A Orientação do Sagrado Anjo Guar-
dião. O estágio final se dá além do Abismo onde o Candidato experimenta o Conheci-
mento & a Conversação com o Sagrado Anjo Guardião. Pelo termo A Orientação do Sa-
grado Anjo Guardião eu me refiro a construção ou organização do ruach para que ele
possa se tornar um veículo do Sagrado além do Abismo.

No meu livro CORRENTE 93 eu venho tratando da experiência com o daimon e que a Visão
dessa entidade na esfera de Malkuth é cultivada através de algumas práticas místicas e má-
gicas, assim como um estilo de vida adequada ao trabalho espiritual. Esse trabalho, que as-
sociei as duas primeiras luas do sistema de magia de Abramelin, constrói e consagra o San-
tuário Interior e estabelece Fundações seguras ao desenvolvimento do trabalho espiritual.
Esse processo em direção ao daimon refina o processo de percepção do Sagrado Anjo Guar-
dição. Em outras palavras, equilibra as funções da mente (ruach), tornando-a apta através
de um processo de gnose a estabelecer conexões além do Abismo. Dessa maneira, a Visão
do Sagrado Anjo Guardião só ocorre através de um processo de refinamento interior através
do ordálio da Esfinge. Eu venho insistindo com os Neófitos a não negligenciarem o ordálio
da Esfinge, pois o deciframento de seu segredo não somente coloca o daimon na direção
correta, mas refina o Ruach, preparando-o para receber os lampejos que vêm do Sagrado
além do Abismo.
A Visão do Sagrado Anjo Guardião ocorre no ápice do êxtase místico, quando o Neófito
está retirado em sua Câmara Interior inflamado em oração ao Sagrado, aspirando fervoro-
samente com amor e devoção ao Espírito Supremo acima do Abismo.
A Visão do Sagrado Anjo Guardião tem sido descrita pelos Neófitos como um arreba-
tamento místico de conforto interior e a partir dessa experiência eles adquire uma certeza
inabalável da presença do daimon e confiam as rédeas de sua vida para que ele possa lhes
conduzir de forma segura ao Espírito Supremo além do Abismo, ao verdadeiro Conheci-
mento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião.
Essa certeza na cultura thelêmica nós temos chamado de Conhecimento do Sagrado
Anjo Guardião pois aqui o seu nome é revelado. Mas a experiência trata-se do nome do dai-
mon, não do Anjo. Uma vez que o daimon comunica ao Adepto seu nome, está estabelecido
o Conhecimento do daimon. Como é uma experiência íntima e que sempre é colorida pelo
conteúdo da mente de quem experimenta, muitas versões aparecem nos diários mágicos dos
estudantes. Uma vez que o magista sabe o nome do daimon uma comunicação pode ser es-
tabelecida. Dessa forma notamos que a experiência conhecida como Conhecimento & Con-
versação com o Sagrado Anjo Guardião que ocorre acima do Abismo na verdade se desen-
volve em etapas desde a esfera de Malkuth. É por isso que o trabalho deve ser sistemático e
o foco na Grande Obra deve ser consistentemente revisado. Todas as gotas de sangue devem
ser vertidas na Taça de Babalon. Caso uma gota seja desperdiçada, ela irá produzir fantas-
mas qliphóticos que obsidiarão o magista.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Através do nome do daimon e das fórmulas mágicas que ele revelar ao magista, será
possível então acessar o Verdadeiro Nome do Anjo, que revela a Grande Obra a ele, o obje-
tivo pelo qual sua Alma encarnou. Nessa etapa o daimon terá concluído a tarefa de auxiliar
o magista a conhecer sua Verdadeira Vontade.
Trata-se de uma relação e como toda, ela precisa de trato e tempo para se desenvolver.
Os Candidatos são desencorajados a criar e projetar qualquer tipo de expectativa em todas
as etapas do processo.

Os Irmãos da A∴A∴ são Mulheres

Nos termos arquetípicos, na relação com o Anjo todos nós somos a Noiva Virgem e o Anjo o
Noivo. Nós somos o Heh final no Tetragrammaton, Malkuth, a Filha, cujo consorte é Vav, o
Filho-Tiphereth. Não importa o sexo do Candidato: seja ele homem ou mulher, todos nós
somos sempre a Noiva e o Anjo o Noivo. O sagrado Anjo Guardião está além do gênero se-
xual. De fato, o trabalho com o augoeides requer que o Adepto assuma o papel da mulher para
o Noivo, sempre estar preparado para receber o beijo.37
A estrutura dessa relação segue um padrão arquetípico encontrado em multas mito-
logias religiosas. Um exemplo é a descrição que o ZOHAR faz da shekinah, a divina presença,
um sinônimo para Adonai. Ela é descrita como o Anjo Redentor, usando a termionologia do
GÊNESIS (48:16) e o Anjo Guardião do ÊXODO (23:20):

O anjo que me livrou de todo o mal, abençoe estes rapazes, e seja chamado neles o meu
nome, e o nome de meus pais Abraão e Isaque, e multipliquem-se como peixes, em mul-
tidão, no meio da terra.
Eis que eu envio um anjo diante de ti, para que te guarde pelo caminho, e te leve ao
lugar que te tenho preparado.

O ZOHAR tece um extenso comentário sobre esses versos, definisndo e elaborando o trabalho
com a shekinah como o Anjo Redentor de Malkuth na forma masculina, mas como uma re-
presentante do Pilar da Severidade (Binah), ela é percebida como fêmea.

[Este Anjo] é o libertador [redentor] do mundo, o protetor da humanidade, àquele que


obtém bênçãos para todos os seres, sendo ele mesmo o primeiro a recebe-las. Esse Anjo
é às vezes homem e às vezes mulher. Quando ele obtém bênçãos para o mundo, se ma-
nifesta como homem, assemelhando-se ao homem que dá bênçãos a mulher. Mas
quando ele vem trazer castigo ao mundo, manifesta-se como mulher, grávida do Julga-
mento. Nas palavras uma espada inflamada que andava ao redor (GÊNESIS, 3:24) há uma
referência aos Anjos como mensageiros de Deus e que se manifestam de diferentes for-
mas e aparências, às vezes homem e às vezes mulher, mensageiros do julgamento e
mensageiros da misericórdia.38

Uma adaptação do RITUAL SAFIRA ESTRELA pode ser utilizada como um treinamento diário
para o Casamento Místico com o Sagrado Anjo Guardião. Esse é um Ritual Oficial da A∴A∴,
considerado por Crowley como um dos Rituais mais sublimes e sagrados da Ordem. Sendo
ele um ritual cuja operação se dá na região do Abismo, requer-se um Adepto para praticá-
lo. No entanto, é possível adaptar práticas místicas e mágicas baseadas nos rituais e instru-
ções oficiais como LIBER NV e LIBER HAD para Neófitos. Na O.T.O. é possível adaptar a MISSA
GNÓSTICA para essa mesma finalidade, um trabalho diário e sistemático de comunhão e eu-
caristia com o Sagrado Anjo Guardião.

37 Aleister Crowley, THE CONFESSIONS OF ALEISTER CROWLEY.


38 SEPHER HA-ZOHAR, Parashati Va-Yhi, I;232ª.

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Encontro Romântico com o Anjo, por Mihaly von Zichy.

Então Crowley ensina a todos nós que devemos nos posicionar como a Noiva à espera do
Noivo, quando através da União Mística com Amante Secreto conquistaremos a União com
o Sagrado. Nossa tarefa, portanto, é nos preparar para Comunhão Sagrada com o Amante

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Secreto, o Sagrado Anjo Guardião, quando iniciamos com ele uma relação de amor que co-
meça com um beijo, como qualquer relação sexual. Mas não tenha pressa ou ânsia de resul-
tado nesse caminho, Crowley sempre nos avisa.
Frater S.S. uma vez me instruiu a analisar a questão como o enlace de amor sobre toda
mulher. Quando um homem conhece a mulher de sua vida, ele primeiro se faz notar através
de sua presença a amada de seus desejos. Ele então inicia seu cortejo, demonstrando a ela
seu interesse. Na jornada da conquista da mulher desejada, ele espera o momento certo até
que lhe beija, com o fôlego à beira pica. Como um Cavalheiro – um Cavaleiro do Santo Graal
– ele espera pela manifestação da Vontade dela até que seja convidado por ela a partilhar
de sua cama. Controlado e centrado em seu próprio eixo-caminho-esfera, ele pacientemente
aguarda até que ela, inflamada de desejos por ele, abra as portas do Santuário Sagrado para
comunhão da Missa.
O Sagrado Anjo Guardião é o Cavalheiro, o Adepto é sua donzela. Nesse caminho, os
Adeptos têm de se preparar e deixar que o Anjo se aproxime no curso desse preparo e no
momento certo, quando o a Candeia do Santuário já está reluzente, convida-lo as bodas ma-
trimoniais no Altar da Arte. Somente quando o Adepto arder em desejo puro impregnando
o ar com o doce perfume de suas aspirações sinceras, o Sagrado Anjo Guardião irá se mani-
festar a ele.
Mas e como nós podemos perceber o Anjo. Como expliquei no meu livro CORRENTE 93,
nós percebemos o Anjo através do aspecto transpessoal de nossa psique, que Jung chama
de self. O self é transpessoal, não pessoal e está conectado ao Inconsciente Coletivo. É a fa-
culdade de criar imagens da psique, através da qual experimentamos imagens do Coletivo
que nos auxiliam a conquistar um estado harmônico e integrado na psique. O self de Jung
não é o Sagrado Anjo Guardião, mas um portal através do qual é possível experimentar o
Anjo. O self com s minúsculo é o Ego e com o S maiúsculo é o próprio Anjo, a Consciência ou
o Ruach dos qabalistas.
E o que LIBER LXV tem a nos ensinar sobre o Sagrado Anjo Guardião?

1. Eu que sou a Imagem de uma Imagem.39


2. Ó Ser de meu ser.40

Por todo LIBER LXV nós encontramos referência ao Sagrado Anjo Guardião nas palavras-si-
nônimos Adonai, meu querido, meu encanto, minha beleza, Senhor, Sagrado, Amado, Amante
etc. Muitas são as palavras em toda literatura thelêmica sagrada que fazem referência ao
Anjo, mas em especial no LIBER LXV: meu Deus.
Por Deus nós compreendemos o Espírito Universal que habita nas Supernas. O Anjo,
como uma parte de nossa própria consciência, é a própria Faculdade Superior da Alma, o
Ruach ou Eu Superior dos teósofos.

O Beijo do Anjo

Não é possível determinar o limiar da experiência com o Sagrado Anjo Guardião. Eu venho
insistindo que se trata de uma experiência muito pessoal. Os primeiros momentos da Visão
do Sagrado Anjo Guardião no calor do coração inflamado, a disciplina pessoal e o foco no
trabalho espiritual, a conversação consigo mesmo nas reflexões profundas após as orações
e preces e o diálogo noturno antes de adormecer etc., todos esses momentos preciosos de
interação com o Sagrado Anjo Guardião no primeiro estágio da iniciação, quer dizer, no Grau
de Homem da Terra, nós chamamos de o Beijo do Anjo.

39 LIBER LXV, I:8.


40 LIBER LXV, III:64.

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Em um dos ensaios mais brilhantes de Aleister Crowley, O MUNDO DESPERTO, a Noiva
Virgem é chamada de Lola Devaneio e ela descreve seu Noivo, o Príncipe: Sua boca é mais
vermelha do que qualquer rosa que vocês já viram. Eu desperto bem no momento em que nos
beijamos, e não há mais sonho. Mas quando sua boca não está tremendo sobre a minha, vejo
beijos em seus lábios, como se ele estivesse beijando alguém que não se pudesse ver. Esse é um
dos mais belos escritos de Aleister Crowley sobre a relação do Anjo com o Adepto e todo
místico thelêmico deveria se debruçar profundamente sobre ele.
A relação com o Sagrado Anjo Guardião é um caso de amor sob vontade, pois a ele toda
dedicação é direcionada. E na medida em que o Candidato estreita sua relação com o Anjo,
o amor aumenta e os beijos são mais calorosos. A cada encontro um vulcão de ardor.
A cultura tântrica ensina que a relação de amor entre homem e mulher é um sādhanā,
um exercício espiritual de crescimento interior, evolutivo. A sacerdotisa tântrica, a suvasini
ou dūtī é a incorporação física da própria kuṇḍalinī. A relação entre homem e mulher, dessa
maneira, é um reflexo da relação que possuímos com nosso Sagrado Anjo Guardião. Toda
essa relação é demonstrada no Atu VI, Os Amantes do Tarot de Thoth. Na carta é possível ver
o Rei se casando com a Rainha. Ele segura a Lança Sagrada e ela segura a Taça. Dentro do
Rei está a Filha-Princesa que segura a Taça junto com a Rainha-Mãe. Dentro da Rainha está
o Filho-Príncipe que segura a Lança Sagrada junto ao Pai-Rei. Essa carta também expressa
toda teoria de Carl Jung sobre o anima e o animus.

Espera-se que o místico thelêmico faça de sua relação com seu cônjuge uma ferramenta para
o Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião. Para tal, o Anjo é seu Amante
Secreto. Toda relação com o sexo oposto expressa, de certa maneira, a relação com o Anjo.
Todo thelemita sério na jornada espiritual, de posse dessa informação, deve fazer de sua
relação conjugal um mecanismo através do qual ele possa realizar a Grande Obra. Tem-se
cogitado que a relação conjugal é um trampolim para experiência com o Sagrado Anjo Guar-
dião. A magia sexual, portanto, estreita a relação com o Anjo, quando ele a tudo dissolve:

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Assim como beijos perversos corrompem o sangue, também as minhas palavras devo-
ram o espírito do homem. Eu respiro, e há infinita doença no espírito. Como um ácido
corrói o aço, como um câncer que corrompe totalmente o corpo; assim sou Eu sobre o
espírito do homem. Eu não descansarei até que eu tenha dissolvido isso tudo. 41

O Beijo do Anjo é, portanto, o início da jornada da Filha-Malkuth em direção ao Trono da


Mãe-Binah no Caminho do Grande Retorno. O segredo da transformação de Malkah, a Mãe
Menor e Noiva do Microprosopus, reside em se tornar a Virgem do Senhor, cuja fórmula
mágica não é outra senão a dedicação total a Grande Obra, dedicação total ao Sagrado em
Nós. Cada palavra, cada ação e cada pensamento deve ser dedicado a só um propósito, o
Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião. O nephesh, a Alma Animal atri-
buída a Malkuth deve se tornar completamente preparado para União com o Sagrado.

O Amante Secreto

Magistas inclinados a prática da magia sexual costumam empregar essa tecnologia da magia
na intenção de obter o Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião. Este é
o caminho do amor sob vontade onde todos os esforços de amor divididos com o parceiro
ou com a parceira na atividade sexual e nas carícias e palavras doces são dirigidos ao Sa-
grado em nós, o Amante Secreto. Para os magistas, o Amante Secreto está por trás de toda
imagem erótica que precipita na superfície da mente durante a excitação sexual ou no es-
tado de sonho como um amante onírico com o qual nos entregamos em amor voluptuoso no
sabbath das bruxas.42 Nós temos amado esse amante desde o início de nossa existência in-
dividual, o qual nunca nos abandonou e estará sempre conosco até que sejamos completa-
mente absorvidos no Espírito Universal Absoluto.
Todos nós sentimos o abraço de nosso Amante Secreto na ruptura arrebatadora do
êxtase sexual, no conforto da música ou na beleza da arte. Naquele momento em que captu-
ramos o pôr-do-sol e sentimos uma inspiração que não conseguimos traduzir em palavras.
Até mesmo na experiência do coração partido, quando o outro nos deixa com os sentimentos
em frangalhos, é porque com ele não conseguimos vivenciar o estado pleno de nosso
Amante Secreto e a dor de sua partida nos aparenta ser uma separação com o Amante Se-
creto. Todo o relacionamento afetivo entre duas pessoas sempre trará algum tipo de decep-
ção, pois embora de certa maneira os relacionamentos possam refletir a relação direta que
temos com o Sagrado Anjo Guardião, não há nenhum relacionamento que supere a relação
que temos com o Amante Secreto, por mais perfeita e engrandecedora que ela possa ser.
Na primeira etapa da iniciação, como demonstrei no meu livro CORRENTE 93, A imagi-
nação é uma ferramenta fundamental na experiência com o Sagrado Anjo Guardião. E não é
no reino da imaginação e das memórias que o coito sexual é mais prazeroso? Isso ocorre
porque é nesse reino que o Amante Secreto está mais próximo a nós.
O Amante Secreto é a medida, portanto, com a qual mensuramos nossa relação com o
mundo. A ironia disso é que quase toda humanidade não tem conhecimento do Sagrado Anjo
Guardião e de como a relação com ele determinar certo empoderamento na vida. Aleister
Crowley se esforçou em ensinar a humanidade o próximo passo evolutivo que conduzirá a
todos a uma njova visão de mundo e relação com o universo, o Conhecimento & Conversação
com o Sagrado Anjo Guardião.

41LIBER LXV, I:14-17.


42Na edição No. 9 do JORNAL CORRENTE 93 foi publicada uma introdução concisa ao sabbath das bruxas como
executado anteriormente ao movimento pagão moderno. Com o que nós estudamos até o presente sobre o dai-
mon, fica fácil compreender o papel de Satã no sabbath das bruxas.

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A devoção total ao Amante Secreto tem sido um tema recorrente na religião instituci-
onalizada de massa, embora de maneira corrupta, não permitindo a maioria de seus devotos
terem uma experiência com o Sagrado genuína. Ensinando que a experiência com Deus não
se trata de uma relação pessoal com ele, mas somente através de eventos incompreensíveis
a mente ordinária que sejam validados e confirmados pelo sacerdote, as instituições religi-
osas têm permitido que a congregação se relacione com o Sagrado na pantomina provocada
por seus rituais. No entanto, ainda sim a religião institucionalizada tem produzido alguns
místicos de calibre. O êxtase alcançado por inúmeros santos e anacoretas católicos é um
exemplo de rendição sexual ao Amante Secreto. A imagem que esses místicos tinham de seu
Amante Secreto era Jesus Cristo e eles devotaram a ele todo o seu amor. Para a maior parte
da população ocidental, Jesus Cristo tornou-se o arquétipo do Amante Secreto e estar junto
a ele tem sido a busca de inúmeros devotos.
Mas uma vez que neste ensaio estamos fazendo a ressignificação do termo Sagrado
Anjo Guardião como Eu Superior ou o ruach e o daimon como o Ente Guardião que nos acom-
panha durante as encarnações, quem é o Amante Secreto, o Anjo ou o daimon? O Anjo é o
Amante Secrteto, o Gênio Interior ou Eu Superior dos teósofos. É o daimon, após ter sido
reeducado na primeira etapa da iniciação, que ajudará o magista a conquistar a experiência
do Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião.
A vontade tem sido o imperativo recorrente da cultura thelêmica. Por esse termo, von-
tade, thelemitas têm determinado seu curso no Grande Caminho do Retorno. Mas embora
esse seja o maior imperativo de nossa tradição, tem sido a pedra de tropeço de todos nós,
pois é nossa inabilidade em administrar o poder da vontade que tem levado a derrocada de
nossa obra. A vontade para nos auto aperfeiçoar e a mesma vontade de nos jogar em amor
e nos render ao Amante Secreto. A vontade é tanto a cabeça quanto a cauda da serpente. A
inépcia em se render em amor ao Amante Secreto reflete a incapacidade de se entregar em
uma relação afetiva com profundidade. Muitos de nossos problemas na vida aparecem de-
vido a nossa inaptidão em amar e ser amado e a ânsia de preencher a falta dessa completude
tem levado muitos ao caminho torpe do vício e da degeneração. Uma vez que este é o próprio
combustível para vida, muitos são os que buscam maneiras de suplantá-lo de alguma forma.
Eu venho criticando a atitude medíocre dos thelemitas de mesa de bar, àqueles que devotam
mais atenção a cervejada do que a Grande Obra. Eu critico sempre esse comportamento de-
gradante porque ele reflete a total inabilidade em se devotar fervorosamente ao Amante
Secreto. O que os thelemitas de mesa de bar têm procurado em devaneio e tateando no es-
curo é o prazer divertido da companhia do Amante Secreto e o que sabemos é quem busca
algo, é porque está sem ele. Completamente ignorantes dessa relação, eles têm buscado na
mesa de bar e no copo de cerveja o êxtase sexual do Amante Secreto. Tenho minhas dúvidas
se as bodas ocorrerão ali... Eles têm dito que sim.
Eu venho insistindo em um tema recorrente que chamei de relacionamento thelêmico.
É uma tentativa de explorar as relações pessoais e conjugais dentro da cultura thelêmica e
já escrevi um pouco sobre isso no livro O OLHO DE HOOR: ZERO. É crescente o número de novos
thelemitas. A Filosofia de Thelema tem crescido e penso ser de grande valia ponderarmos
esse tema, pois a busca pelo Sagrado Anjo Guardião reflete a busca por nossos parceiros no
sexo e nas relações. Nós projetamos em nossas relações uma ponte através da qual podemos
nos enamorar com o Amante Secreto e a inaptidão em enxergar esse processo demonstra
convincentemente que existe não apenas uma deficiência na projeção e administração da
vontade, mas também uma completa inabilidade em projetar e administrar o amor. Assim,
amor e vontade são as duas peras angulares sobre as quais nós temos de meditar profunda-
mente, pois se tratam da fundação de todo o sistema thelêmico de iniciação.
Mas isso também é um fruto da má compreensão dos instrutores que nos sucederam.
Certa vez escutei a frase: thelemita não tem compromisso com ninguém. Embora seja uma

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frase verdadeira quando nos referimos a relacionamentos conjugais em Thelema, ela tam-
bém é uma afirmativa falsa. Todo thelemita tem compromisso para com o Sagrado em si
mesmo. A relação afetiva-sexual com o outro só reflete o Amor que temos pelo Sagrado em
nós. Assim, o meu amor pelo outro é só um reflexo do prístino amor que tenho pelo Sagrado
Anjo Guardião. Crowley era enfático avisando a todo Neófito para não confundir o amor pelo
Sagrado em nós pelo amor de outra pessoa. Em outras palavras, ele ensinava a seus Neófitos
não se desviarem da Grande Obra, que é o impulso ao Sagrado ou Casamento Místico com o
Divino em troca de um casamento menor. Essa é uma tentação real na jornada de todo Neó-
fito, homem ou mulher, um elemental – quer dizer, uma pessoa com características elemen-
tais e qliphóticas acentuadas – pode fazê-lo cair a qualquer momento.
Mas a ironia é que no engano dessa frase acima, muitos thelemitas têm se comportado
de maneira degenerada na atividade sexual e desequilibrada em suas relações conjugais.
Sentir tesão não é o problema. Não se trata de um impedimento a corrente ou livre expres-
são do amor, pois impedimentos são de natureza da moral, não da natureza do amor. O pro-
blema reside na direção que se dá a corrente e o que se alimenta com ela. No afã de seus
impulsos, Irmãos em Thelema têm construído um castelo de areia, vestidos com uma coroa
de papel. Eles não se tornaram Reis do Mundo como solicita O LIVRO DA LEI, mas escravos de
suas próprias ilusões.

Contenha! Contenha! Conserve o ânimo completamente em teu arrebatamento; não


ceda à vertigem dos beijos eminentes! Firme! Levante a ti mesmo! Erga tua cabeça! Sa-
bedoria diz: seja forte! Desta forma tu podes suportar mais prazer. Não seja animal;
refine teu arrebatamento! Se tu bebes, beba pelos oito e noventa domínios da arte: se
tu amas, exceda pela delicadeza; e se tu fizeres algo prazeroso, deixe haver sutileza
nisto!43

A relação conjugal é, dessa maneira, um símbolo da relação com o Sagrado Anjo Guardião.
Sendo ele uma parte de nossa própria consciência, existe algum momento em que não esta-
mos com ele? Não, ele está sempre conosco, da mesma forma que o daimon. No entanto, vez
ou outra enfrentamos um problema nas relações: nós temos medo de ficar sem o outro. Nós
temos medo que o outro nos deixe, pois como falei acima, isso parece nos afastar do Amante
Secreto. É uma ignorância total de si mesmo e sobre si mesmo. Esse medo é um impedi-
mento a corrente do amor e devoção que devemos projetar no Sagrado Anjo Guardião. A
incompreensão desse processo nos leva a um tipo de canibalismo amoroso, pois ela produz
uma ignorância na mente de que para o amor ser efetivo ele deve ser consumido até as en-
tranhas e isso se projeta no apego e no ciúme do outro, como se ele fosse uma propriedade
adquirida.
Mas a cultura em que vivemos também é responsável, pelo menos em parte, por esse
processo equivocado. Desde crianças somos levados a acreditar que para sermos amados
temos de desistir de nós mesmos. Portanto, para maioria de nós, a atitude de se render com-
pletamente vem acompanhada da sensação de se perder completamente o controle sobre
nós mesmos. Isso cria um impedimento a ao fluxo da devoção e entrega ao Sagrado Anjo
Guardião e isso se reflete também e principalmente nas relações conjugais, no medo de nos
entregar ao outro.
No entanto, entrega e devoção ao outro na relação conjugal – que é um reflexo da en-
trega e devoção para com o Sagrado Anjo Guardião – não tem nada a ver com controle ou
ser controlado. Nenhuma relação sobrevive quando impingimos no outro as nossas pró-
prias demandas. Quando eu abordava meu Superior na A∴A∴ sobre esse tema, ele me ensi-
nava: não espere nada de ninguém. Frater S.S. dizia que essa é uma ferramenta para nos
ajustar em nossa própria órbita e que podia solapar os avanços do medo e falta de confiança

43 LIBER AL, II:67-70.

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em si mesmo. O medo da perda ou o medo de se ferir em uma relação são um impedimento
a aplicação da vontade e do amor, pelo simples fato de sermos inaptos para lidar com as
próprias emoções e dar direção a elas. Frater S.S. também dizia que tudo abaixo do Abismo
é batizado pela dualidade e até mesmo o medo deveria ser avaliado dessa maneira. Nesse
processo ele me ensinou a utilizar o medo também como um mecanismo para a experiência
de amor com o Amante Secreto. No medo vem o desespero e a ânsia por ser confortado.
Essas são emoções fortes que podem ser usadas a favor da experiência com o Sagrado Anjo
Guardião e com o daimon também. Na dor a meditação, preces e orações parecem ser ali-
mentadas por um poderoso combustível. A cultura tântrica vê emoções como medo e raiva
como poderosos vetores de força viva que podem empoderar a prática espiritual. Thelema
vai na mesma direção.
Então, as relações podem ser sim um trampolim para experiência mística direta com
o Sagrado. Nesse caminho vem a pergunta: como, nos termos práticos, utilizar a relação con-
jugal para experiência com o Amante Secreto? Um livro inteiro poderia ser escrito sobre
esse tema. A parte de que toda relação com o outro é uma relação consigo mesmo e com o
Sagrado em nós e de tudo o que estudamos até agora, um dos maiores obstáculos é superar
a ineficiência em se entregar de verdade ao outro. Todas as perversões sexuais são, a sua
maneira, uma tentativa de amor e entrega. Isso tem se provado verdadeiro nas relações sa-
domasoquistas onde a inabilidade de se entregar voluntariamente ao outro é mascarada por
perversões sexuais. Ironicamente, muitos indivíduos patologicamente doentes e perverti-
dos de todas as formas estão mais próximos da verdadeira necessidade de entrega do que
muitos indivíduos sadios. Na nossa sociedade ocidental a dor tem sito tão associada ao amor
que comportamento patológico de certos indivíduos somente reflete sua busca por uma
completude que não sabem como adquirir.
Se a incapacidade de nos entregar de verdade é um obstáculo a ser superado, seu pro-
duto colateral imediato também é. Essa incapacidade produz emoções que não sabemos
como lidar ou como dar direção. Um exemplo é a atitude reativa em relação ao outro.
Quando nosso território é invadido nos armamos contra o outro na intenção de mantermos
uma autonomia sobre nós mesmos, pois a entrega a ele nos faz perder o controle. Essa ina-
bilidade tem produzido relações tóxicas que poderiam dar certo se as pessoas tivessem dis-
cernimento e capacidade para lidar com as emoções e as químicas corporais e cerebrais que
elas produzem. Novamente eu chamo atenção para iniciação e principalmente, o ordálio da
Esfinge. Através da harmonização dos poderes da Alma – tema sobre qual o ordálio da Es-
finge se debruça – é possível adquirir essa autonomia tão desejada nas relações: estar com
o outro sem perder a si mesmo. É nossa incapacidade de organizar os poderes da Alma que
nos coloca na condição de vítimas depressivas. O controle que procuramos na relação com
o outro não é o controle do outro, mas o controle de nós mesmos. A atitude consciente de
resolver a si mesmo através dos mecanismos que a iniciação provê que determina a quali-
dade do Adepto, pois a devoção e entrega total ao Amante Secreto produz a autonomia na
relação conjugal. Quando estamos cientes que o outro é um mecanismo através do qual po-
demos nos entregar ao Sagrado em nós, ele deixa de ser o pivô da relação e passa a ser uma
ferramenta mágica através da qual a Grande Obra pode ser conquistada.

O Nome Secreto

Um dos grandes mistérios que envolve o Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo
Guardião é a revelação de seu Nome Secreto que ele comunica ao Adepto. Nas palavras de
Lola devaneio:

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Agora vocês devem estar sabendo que meu Príncipe Encantado é meu amante, e um dia
ele virá de vez e cavalgará comigo para longe e casará comigo. Não vou dizer o nome
dele porque é lindo demais. É um grande segredo entre nós.44

O mistério que envolve o Nome Secreto do Anjo está conectado com a Filha – quer dizer, nós
mesmos – assumindo o Trono da Mãe. Essa é a confirmação final do Casamento Místico en-
tre o Adepto e seu Anjo, uma relação que se iniciou na Visão do Sagrado Anjo Guardião
(Malkuth), continuou na Instrução do Sagrado Anjo Guardião (Tiphereth) e agora é conclu-
ída acima do Abismo, quando o Adepto conquista o Real Conhecimento & Conversação com
o Sagrado Anjo Guardião. Da mesma maneira que ocorre na vida secular onde a esposa ga-
nha o sobrenome do marido assim que se casa com ele, o Adepto recebe o Nome de seu Anjo,
uma chancela de sua conexão na própria Alma. Esse Nome Secreto não deve ser revelado a
ninguém. Não se trata do nome mágico assumido por qualquer propósito. Este Nome Se-
creto é a divisa espiritual do Adepto após Cruzar o Abismo e assumir-se como Mestre do
Templo. Quando Crowley assumiu o nome mágico de Christeos Licifitias no Grau de Adepto
Menor da A∴A∴, ele recebeu o nome de seu Anjo, V.V.V.V.V. Quando ele finalmente alcançou
a Cidade das Pirâmides assumiu o Nome Secreto de seu Anjo como a divisa mágica de sua
Obra nesse Grau. Dessa maneira, quando nos referimos a V.V.V.V.V. no contexto do cânone
sagrado de Thelema, não se trata de Aleister Crowley, mas sim o Mestre, àquele que nunca
dorme e cujos Olhos estão sempre alertas e cuja voz é o som de uma avalanche de águas.
Este é um dos Grandes Mistérios na A∴A∴, pois existe uma confusão geral que muitos estu-
dantes fazem aqui com relação a V.V.V.V.V.

Eu contemplo um pequeno e escuro orbe, girando no abismo do espaço infinito. Ele é


minúsculo entre uma miríade de outros vastos, escuro entre uma miríade de outros cla-
ros. Eu, que compreendo em mim mesmo todo o vasto e o minúsculo, todo o claro e o
escuro, mitiguei o brilho de meu esplendor indescritível, enviando V.V.V.V.V. como um
raio de minha luz, como um mensageiro para o pequeno e escuro orbe. 45

O Mensageiro de Babalon, quem entregou ao Mundo a Palavra da Mulher Escarlate, foi


V.V.V.V.V. e a Palavra revela a maneira apropriada de Cruzar o Abismo. Parte desse Arcano
reside na redenção da Filha. A palavra redenção implica em certo tipo de pagamento. O Heh
final do Tetragrammaton, a Filha, deve ser redimida para assumir o Trono da Mãe em Binah.
O Heh final do Tetragramaton também é atribuído a Malkuth, esfera qabalística represen-
tada pelo pantáculo ou pelas moedas. Para redimir a Filha e restaurá-la no Trono da Mãe,
nós pagamos um preço. O robe de Neófito estampa um triângulo vermelho descendente cha-
mado em nossa tradição de Coração de Sangue. Além de representar seu total compromisso
com a Grande Obra, o triângulo vermelho representa todo o nosso sangue derramado na
Taça de Babalon. Esse é o preço que cada um de nós pagamos.

E por isso BABALON está sob o poder do Magista submetendo-se a obra e guardando o
Abismo. Nela está uma perfeita pureza superior; ainda que seja enviada como o Reden-
tor para os que se encontram abaixo. Não existe outro caminho para o Mistério das Su-
pernas além dela e da Besta na qual cavalga.46

O Messias de Thelema não é Aleister Crowley. Ele foi apenas o escriba do Mestre. Assim,
V.V.V.V.V. também não pode ser considerado apenas um dos nomes mágicos de Aleister
Crowley. Quando Crowley conquistou o Grau de Mestre do Templo, ele escolheu as iniciais
V.V.V.V.V. por razões conhecidas apenas a alguns Iniciados da A∴A∴. Estaríamos indo além

44 Aleister Crowley, O MUNDO DESPERTO.


45 LIBER X, 1-2.
46 Aleister Crowley, A VISÃO & A VOZ, 3° Aethyr.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
de nossos objetivos discutindo esse tema aqui neste ensaio, mas nos é suficiente por agora
saber que V.V.V.V.V. é um Chefe Secreto da A∴A∴ cuja morada é além do Abismo.

Em V.V.V.V.V. a Grande Obra é perfeita.


Portanto, ninguém há que não pertença a V.V.V.V.V.
Em qualquer um pode ele manifestar-se; porém em um ele escolheu
se manifestar; e este deu Seu anel como um selo de Autoridade para
a Obra da ∴∴ através dos colegas de FRATER PERDURABO.
Mas isto diz respeito a eles e à sua administração; não se refere a
ninguém abaixo do Grau de Adepto Exempto, e tal apenas por designação.
Também - posto que, abaixo do Abismo, a Razão é o Senhor - que o homem procure
pela experiência, e não por perguntas. 47

Em seu comentário Crowley diz:

O título é explicado apenas em parte na nota; significa que as declarações neste capítulo
devem ser entendidas do modo mais ordinário e comum, sem nenhum senso místico.
V.V.V.V.V. é o mote de um Mestre do Templo (ou tanto Ele desvelou aos Adeptos
Exemptos) a quem se refere LIBER LXI. É ele o responsável por todo o desenvolvimento
da ∴∴., movimento que tem sido associado à publicação de THE EQUINOX; e Seu pro-
nunciamento é conservado nos escritos sagrados.
É inútil indagar sobre Sua natureza; fazê-lo conduz a certo desastre. Sua autoridade é
exibida, quando necessário, às pessoas apropriadas, mesmo assim nunca a ninguém
abaixo do grau de Adepto Exempto. A pessoa que pergunta sobre tais assuntos é poli-
damente solicitada a trabalhar, e a não fazer perguntas cujos assuntos de maneira ne-
nhuma lhe dizem respeito. O número 41 é o da Mãe Estéril.48

Sobre todo esse mistério o candidato é indicado estudar as instruções da A∴A∴. Para finali-
zar essa seção, nos diz Lola devaneio: O importante é despertar, pois não existe nenhum outro
com Ele.49

O Yoga do Sagrado Anjo Guardião

Quando lhe vem à mente o termo consciência, em que você pensa? O que é a consciência?
Por definição, consciência é tudo aquilo que você está consciente. Nós chamamos isso que
campo fenomênico pois trata-se do campo onde se desenvolve o fenômeno de que estamos
conscientes. Este campo, a consciência em si mesma, é o que nós identificamos na tradição
hermética como a quintessência do Espírito. Por Consciência, identificamos o próprio Espí-
rito. No esquema planetário, o Sol representa a Luz da Consciência ou LVX do Sagrado Anjo
Guardião.
No âmbito da Consciência ocorrem inúmeras modificações que, devido suas intera-
ções, tecem a dança do Véu da Vida sobre a Face do Espirito.50
Começando de fora para dentro, nós percebemos o mundo ao nosso redor. Como es-
tamos conscientes ou percebemos o mundo? A única forma para percebermos o mundo é
através de um ou mais sentidos, por meio dos estímulos que recebemos do exterior. Temos
consciência de tudo o que nós vemos, o mais distante possível no horizonte, por virtude da
luz que ressalta o objeto e entra em nossos olhos, sendo convertida em impulsos elétricos

47
Aleister Crowley, O LIVRO DAS MENTIRAS.
48 Idem.
49 Aleister Crowley, O MUNDO DESPERTO.
50 Aleister Crowley, LIBER XV: A MISSA GNÓSTICA. Veja RITUAIS, DOCUMENTOS & A MAGIA SEXUAL DE ALEISTER CROWLEY

(Vol. I).

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
através de nossos nervos e canais até o córtex visual. Esses impulsos são interpretados e
apresentados a consciência na forma de visão. Ou seja, tudo aquilo que estamos conscientes,
por mais distante que seja, já se encontra em nosso interior, já está presente em nós.
Nós não nos encontramos imediatamente conscientes dos substratos físicos da per-
cepção, apenas da percepção em si mesma. Nós não sentimos as fibras do músculo se rom-
pendo, apenas a dor. Nós não sentimos o estímulo da luz sendo convertido em impulso elé-
trico, apenas enxergamos o objeto no qual colocamos atenção.
Esse processo se aplica a todos os cinco sentidos. Todo o mundo em que vivemos é
uma construção de nosso sistema nervoso. Todas as sensações que experienciamos está
presente no campo da consciência. Dessa maneira, o campo fenomênico foi chamado por
alguns filósofos da Tradição Ocidental como mundo das aparências, o único mundo do qual
estamos conscientes. Este é o único mundo que possuímos e o único no qual iremos traba-
lhar. É o mundo onde o místico thelêmico empregará sua Vontade.
Continuando nossa jornada para o interior, nós percebemos o mundo como se esti-
véssemos em seu centro a partir do corpo físico no campo fenomênico. Essa foi a justificação
para muitos hermetistas renascentistas colocarem a Terra como centro do Universo em
seus diagramas: não se trata de um mapa objetivo, mas antes disso, um mapa subjetivo ou
fenomenológico da experiência daquilo que fazemos, quer dizer, experimentamos o corpo e
através dele o mundo como se estivéssemos no centro do Universo. Tanto o mundo quanto
o corpo são experienciados na forma de matéria densa, sólida, física. É o que a tradição tem
chamado de Elemento Terra no campo fenomênico ou consciência. Os limites entre o corpo
e o mundo não são claros para nós pois não existe uma real divisão entre eles. O que existe
é um dispositivo de percepção que diferencia o corpo de seu meio ambiente por razões bem
práticas, quer dizer, uma mentira conveniente ao invés da verdade. O Elemento Terra é o
Corpo do Mundo.
No corpo, nós experimentamos muitas coisas. Na cabeça experimentamos pensamen-
tos (raciocínio, lógica, dedução, crenças, estratégias, memórias etc.). Em diferentes áreas
experimentamos emoções (medo, tristeza, raiva, felicidade, surpresa etc.). Experienciamos
também impulsos e desejos (se mexer, comer, falar, copular etc.). No campo fenomênico ou
Consciência (Espírito) nós temos a percepção do Elemento Terra (corpo físico), Ar (pensa-
mentos), Água (emoções) e Fogo (impulsos/desejos).
O yoga do Sagrado Anjo Guardião é o que na Tradição Oriental é conhecido como
dṛṣṭa-yoga: a atitude de se permanecer alerta e consciente, um estado de presença vigilante
considerado a própria Consciência ou Espírito. Executar o yoga do Sagrado Anjo Guardião
é, portanto, habitar o Espírito sem se identificar com qualquer um dos Quatro Elementos ou
suas muitas combinações. Isso é explicado em LIBER LXV (V:22): Exatamente como o dia-
mante resplandecerá vermelho para a rosa, e verde para a folha da rosa; assim tu habitarás
aparte das Impressões. Em seus comentários sobre essa passagem, Crowley diz que as im-
pressões são os vṛttis e que o Verdadeiro Ser se encontra independente de todo fenômeno. Ele
continua destacando que o Magister Templi reage com perfeita elasticidade a todos os impac-
tos, aparentando um estado completamente passivo a tudo, completamente não-influenciado
por nada.51
Todo tipo de comportamento mental nos ocorre na forma de vṛtti, uma condição, uma
modificação. Vṛtti deriva da palavra vṛtta, que significa círculo. Portanto, vṛtti significa um
círculo ou vórtice no qual nos tornamos envolvidos e não conseguimos escapar, não conse-
guimos nos livrar de sua influência.
A mente humana é muito fraca. As pessoas são facilmente influenciadas por qualquer
coisa. Não importa se as experiências que passamos são boas ou ruins, de qualquer maneira
elas irão criar um vṛtti na mente. A ansiedade é um vṛtti da mente, da mesma maneira que a

51 Veja OS COMENTÁRIOS DE LIBER LXV, por Aleister Crowley.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
tensão e o estresse também são. A maneira como percebemos a vida, pessimismo ou oti-
mismo, negatividade ou positividade, tudo isso são vṛttis. Vṛtti é uma condição e existem
milhares de condições que não reconhecemos porque nosso entendimento não é profundo
ou desenvolvido o suficiente.
O YOGASŪTRA de Patañjali começa assim:

1. Agora, a Instrução da União.


2. Yoga é o controle das atividades da mente.
3. Então o observador se estabelece na sua própria forma.
4. Em caso contrário, ele considera as atividades como sua forma.

Crowley identifica as impressões no LIBER LXV (V:22) com a palavra sânscrita vṛtti, quer di-
zer, as atividades da mente ou os turbilhões que constituem nossa consciência do Universo.
Habitarás aparte não significa que as impressões serão extintas. Elas estarão sob controle
e, portanto, não irão afetar o observador na medida em que se projetam no nível de percep-
ção da consciência. A proficiência nesse processo Crowley atribui ao Mestre do Templo da
A∴A∴ e em O LIVRO DAS MENTIRAS ele é esclarecido nos termos da fórmula da Mulher Escar-
late:

Suave e vazio, como tu sobrepujas o duro e cheio! Isto morre, isto se dá; a Ti é o fruto!
Sê tu a noiva; tu serás a Mãe doravante. Assim para com todas as impressões. Não as
deixes sobrepujarem-te, porém deixa que se reproduzam em ti. A última das impres-
sões, vinda para sua perfeição, é Pã. Recebe mil amantes; tu carregarás apenas Uma
Criança.

Sobre essa passagem, Crowley comenta: O capítulo é um conselho para aceitar todas as im-
pressões, é a fórmula da Mulher Escarlate; mas não se deve permitir dominar-se por impressão
alguma, apenas frutificar-se; como o artista que, vendo um objeto, não o reverencia, mas pro-
duz uma obra-prima a partir dele. Este processo é mostrado como um aspecto da Grande Obra.
É possível dessa maneira notar a concentração e o unidirecionamento das energias da
mente através da fórmula da Besta e da Mulher Escarlate: dois processos ou poderes que
podem ser cultivados dentro do Templo da consciência de cada indivíduo.
O yoga do Sagrado Anjo Guardião pode ser definido da seguinte maneira: consciência
calma, ampla, caracterizada por um estado de presenta absoluta, desapegada e discrimina-
tiva.

 O estado de calma: um estado de consciência não afetado ou seduzido pelas emoções,


pensamentos ou sensações.
 Consciência ampla: um estado de consciência focado que permite a percepção plena
de pensamentos, emoções e sensações.
 Estado de presença: um estado de consciência no presente, sem se deixar envolver
ou seduzir pelos pensamentos, que levarão o Candidato as ilusões de passado ou
futuro. Este é um estado de presença vigilante. Não existe, contudo, nenhum tipo de
tensão no processo!
 Consciência desapegada: um estado de consciência livre da ânsia de resultado, desa-
pegado dos resultados das ações. O apego nasce da necessidade de posse ou dos fru-
tos das ações. O yoga do Sagrado Anjo Guardião auxilia na erradicação desse desejo,
tornando o Candidato consciente de sua Natureza interior, o que facilita o desapego.
 Consciência discriminativa: um estado de consciência lúcida que discrimina sem a
interferência das emoções. Quando as emoções colorem a discriminação, ela perde

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o brilho de sua lucidez e se transforma em julgamento. O impulso em julgar, por-
tanto, vem carregado de uma força emocional que, na maioria das vezes, é muito
negativo. Executar o yoga do Sagrado Anjo Guardião é cultivar uma consciência dis-
criminativa lúcida. Para vencer esse impulso, o Candidato deve confrontar cada pen-
samento com seu oposto.

O yoga do Sagrado Anjo Guardião é uma economia de meios. Nós constantemente perdemos
muita energia psíquica nos identificando com os pensamentos, emoções e sensações. Sua
prática auxilia a estrutura psíquica a manter-se íntegra, o que facilita o processo de concen-
tração e meditação. Isso permite ao Candidato forcar-se completamente na meta que é a
Grande Obra, deixando de perder tempo com assuntos alheios a sua jornada. Nos termos do
misticismo, o yoga do Sagrado Anjo Guardião permite ao Candidato construir um caminho
seguro para sua experiência mística com o divino, refinando não apenas a concentração e
sua capacidade de alcançar o samādhi, mas também sua devoção. Nos termos da magia, pen-
samento é poder! Quando as energias da mente estão dissipadas, o magista tem pouco ou
quase nenhum poder. Dessa maneira, o poder verdadeiro vem com o unidirecionamento
das energias da mente. Por isso Crowley nos ensina a começar com o yoga, na intenção de
fortificar as estruturas do palácio espiritual.

Para obteres Poderes Mágicos, aprende a controlar o pensamento. Admite somente


ideias que estão em harmonia com o fim desejado, e não qualquer ideia vaga e contra-
ditória que se apresente. Pensamento fixo é um meio para um fim; portanto observa
com atenção ao poder do pensamento silencioso e da meditação. O ato material nada
mais é que a expressão externa do pensamento, portanto foi dito que o pensamento
da Tolice é pecado. O pensamento é o início da ação; e se um pensamento volúvel pode
produzir efeito, o que não poderá fazer o pensamento concentrado? 52

O yoga do Sagrado Anjo Guardião, portanto, auxilia o Candidato a admitir somente ideias que
estão em harmonia com o fim desejado, e não qualquer ideia vaga e contraditória que se apre-
sente. Através dessa prática ainda é possível acalmar e diminuir drasticamente a reação dos
pensamentos, emoções e sensações. Portanto, deixa que teu equilíbrio mental esteja acima
das perturbações causadas por eventos materiais.53 O yoga do Sagrado Anjo Guardião man-
tém o Candidato em seu eixo natural, em repouso sobre sua própria Natureza. Neste re-
pouso, ele deixa de ser vítima das circunstâncias, pois está livre das reações que surgem na
superfície da consciência a partir de eventos externos. Trata-se do Equilíbrio sustentado
pelo Espírito sobre os Quatro Elementos. Isso o capacita a agir de uma maneira diferente
frente os eventos da vida. Estabelecido em seu próprio eixo ou Natureza, emoções, pensa-
mentos e sensações passam pelo crivo da percepção lúcida, não abalando as estruturas da
Árvore da Vida. Isso significa que na vida, o Candidato se mantém sereno diante de todas as
dificuldades, calamidades, injúrias e injustiças. Aprende primeiro, ó aspirante à nossa antiga
Ordem, que o Equilíbrio é a base da Alma. Se tu próprio não tiveres uma firme fundação, em
que te firmarás para dirigir as Forças da Natureza?54 O yoga do Sagrado Anjo Guardião cons-
trói fundações firmes na Árvore da Vida.
E na magia, quais são as vantagens do yoga do Sagrado Anjo Guardião? Suponhamos
que o Candidato está evocando um demônio que, ao aparecer visivelmente para ele, começa
a lhe tratar com lisonjeios, dizendo-lhe apenas o que ele gostaria de ouvir, fazendo-o esque-
cer do objetivo da operação ou pensar que seu sucesso foi alcançado quando, em verdade,
somente seu ego foi massageado. O Candidato notará que a proficiência no yoga do Sagrado

52 Aleister Crowley, LIBER LIBRAE.


53 Idem.
54 Idem.

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Anjo Guardião impedirá que esse tipo de coisa aconteça, pois o capacitará a estar lúcido no
processo da evocação, discriminando com consciência ampla todo o processo.

O Anjo & o Daimon

Eu venho insistindo nas edições do JORNAL CORRENTE 93 e em meus livros que o pano de
fundo da cultura thelêmica é a tradição greco-egípcia da magia. Kenneth Grant (1924-2011)
insistiu que Thelema é o nome moderno para uma tradição muito antiga que ele, inspirado
nas obras de Gerald Massey (1828-1907), chamou de tradição tifoniana e às vezes, draconi-
ana. A conexão entre a tradição greco-egípcia transmitida pelos PAPIROS MÁGICOS GRECO-
EGÍPÍOS e a tradição tifoniana foi estabelecida no editorial do JORNAL CORRENTE 93 (Vol. I, No.
6) e o leitor é indicado a leitura.
Uma pesquisa sobre o papel do daimon e do Sagrado Anjo Guardião em Thelema es-
taria incompleta sem abordar o tema dentro da cultura greco-egípcia da magia, da qual O
LIVRO DA LEI é uma expressão nos tempos recentes.
Na tradição da magia transmitida pelos PAPIROS MÁGICOS GRECO-EGÍPÍOS, dois tipos de
entidades ou criaturas espirituais o magista tem de lidar constantemente: os deuses e os
daimons. Os deuses são criaturas de natureza transcendental, associados a todas as teolo-
gias do Mediterrâneo: helênica, egípcia, hebraica, mesopotâmica etc. Um pouco da história
dessas tradições e sua influência na cultura thelêmica pode ser encontrada no JORNAL COR-
RENTE 93 (Vol. I, No. 6) e o leito é indicado a leitura do artigo AS RAÍZES GRECO-EGÍPCIAS DO AL
VEL LEGIS.
O daimon, posteriormente corrompido pelo nome daimônion é uma criatura espiritual
que habita um plano intermediário entre os deuses e a humanidade. Para os gregos da anti-
guidade, um daimon poderia ser tanto benigno (agathodaimon) quanto maligno (kakodai-
mon). Em um período posterior, principalmente na Idade Média, a cristandade corrompeu
essas duas funções do daimon. O agathodaimon se tornou o Anjo, mensageiro de Deus como
um agente de sua vontade. O kakodaimon tornou-se no Satã, uma criatura maligna que tenta
e corrompe o homem.
A cultura hermética, uma confluência de inúmeras correntes de pensamento, as tra-
dições gnósticas, cristãs, helênicas, egípcias, mesopotâmicas etc., sustenta que os deuses são
criação de uma Mente Universal (Nous) e são de fato funções arquetípicas dessa Inteligência
Absoluta. Isso demonstra o ecletismo da cultura hermética. Os deuses e deusas das muitas
tradições que compõem o hermetismo são imagens de arquétipos que existem além das
próprias imagens. É por isso que não existe, para um hermetista, diferença entre Thoth e
Hermes, entre Rá e Hélios ou entre Set e Tifon.
Para a maioria dos magistas da cultura hermética – que inclui nós, thelemitas – preci-
samos convencer aos deuses a operar em nossa função. Mas com o daimon é diferente, pois
através do poder de nossa própria autoridade adquirimos poder sobre os daimons na inten-
ção de impingi-los a trabalhar sobre todas as demandas que possuímos na vida. Isso ocorre
através de um processo onde o magista se tornar o filho de deus, como expliquei em minha
introdução ao LIBER SAMEKH no artigo CONGRESSUS CUM DAEMONE no JORNAL CORRENTE 93 (Vol.
I, No. 10). Através desse processo de se tornar o filho de deus, o magista e seu daimon se
tornam íntimos. Isso confere poder sobre todos os outros daimons que o magista deseja tra-
balhar na intenção de construir seu Reino.
Os daimons vez ou outra eram tidos como semideuses, criaturas extremamente pode-
rosas, mas não tanto como os deuses. Na Roma antiga o daimon foi chamado de genii, espí-
ritos guardiões familiares que dotavam o homem com capacidades ou genialidade. Mas os
daimons não são nem bons e nem maus. Embora os PAPIROS MÁGICOS GRECO-EGÍPÍOS apresen-
tem duas classes principais de daimons, eles estão muito além dessa dicotomia da mente e
quando considerados semideuses, a eles eram endereçados preces e rituais de adoração. É

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dessa abordagem, de que os daimons são semideuses, que se baseiam muitas das tradições
luciferianas modernas.

Parte . I I .
O Daimon Pessoal na Teurgia Neoplatônica de Jâmblico

Como eu expus em meu livro CORRENTE 93 com detalhes, Platão acreditava que a Alma hu-
mana era guiada por um Ente Guardião que a auxilia por sua encarnação, atuando como um
mensageiro entre os homens e a humanidade. Ele dizia ser assistido por esse Espírito Guar-
dião que ele chamou de daimon.
A palavra daimon tem evoluído com o tempo, mas no seu significado arcaico designa
qualquer tipo de criatura espiritual. O daimon era um mediador que se encarregava de levar
aos deuses as preces dos homens. Para Platão, o Guia Espiritual era uma entidade que estava
além de si mesmo e vivia em uma região intermediária entre os homens e os deuses.
As considerações de Platão sobre o daimon são uma herança de seu mentor, Sócrates,
que acreditava no sinal do daimon, uma voz que guiava os passos do homem, lhe auxiliando
a determinar seu caminho. No seu APOLOGIA, Platão diz: Na minha infância uma voz vinha até
mim e eu a escutava solenemente e sempre que eu a escuto, paro por um momento para pensar
no que estou fazendo. Foi essa voz que me levou a engajar na política. E quando Platão per-
guntou a Sócrates sobre a natureza dessa voz, ele respondeu que ela era distinta de seus
pensamentos.
É dessa maneira que devemos considerar o daimon, uma entidade objetiva que nos
auxilia a encontrar e colocar em prática nossa Verdadeira Vontade e que está presente ao
nosso lado desde o momento que reencarnamos, cuidando de nossa jornada.
O daimon pessoal, por outro lado, nos é atribuído antes da encarnação. Ele sabe tudo
sobre nós das mais imagináveis maneiras, no passado, no presente ou no futuro. O daimon
nos guia por todas nossas vidas e é através dele que nos começamos a lembrar de quem nós
somos de verdade.
A magia moderna tem estabelecido um caminho bem distinto. Através do Conheci-
mento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião ou Eu Superior é possível conquistar
um elevado grau espiritual, a posição de Adepto. Esse tem sido o cerne da busca espiritual
de magistas modernos, como demonstrei no CURSO DE MISTICISMO THELÊMICO. A palavra
adepto significa completo, especialista, talentoso e vem do latim adeptus, quer dizer, àquele
que conquistou ou alcançou.
No entanto, na prática teúrgica neoplatônica de Jâmblico não era necessário que o
magista fosse um adepto para entrar em contato com seu daimon pessoal. Ele era simples-
mente um teúrgo e por essa palavra entende-se um filósofo amante da sabedoria e do sa-
grado. No sistema de teurgia neoplatônica, o período de aprendizado leva ao status ou grau
de Noviço e a primeira iniciação considerada real, àquela que iria dar-lhe o título de teúrgo,
um praticante de teurgia, é o contato com o daimon pessoal.
Uma pergunta poderia ser levantada agora: de que maneira então é possível entrar
em contato com este daimon pessoal. Nos TRÊS LIVROS DE FILOSOFIA OCULTA, Agrippa (1486-
1585), baseando-se nas premissas da cultura hermética, provê o leitor com pelo menos
cinco métodos através dos quais é possível descobrir a identidade de qualquer daimon. O
cálculo é feito através do Mapa Astral do próprio magista. No entanto, os métodos de Agri-
ppa são falhos, por que? O daimon trata-se de um ser encarnado? Um daimon está sujeito a
fatalidade do destino? O sistema proposto por Agrippa pode funcionar para os daimons da
natureza, associados a locais de poder por exemplo ou os daimons conectados a essência da
matéria, as criaturas espirituais que animam o universo. Para Jâmblico isso não faz sentido
algum, pois se o daimon pessoal estiver conectado ao nosso Mapa Astral, que trata apenas
de uma encarnação específica, como é que ele poderia auxiliar nossa Alma a transcender o

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Destino para alcançar o reino dos deuses? Será que o daimon pessoal está associado ao nosso
Destino como ente encarnados? Se o daimon está associado a nosso Destino como estabele-
cido no Mapa Astral como ele será capaz de nos mover além do Destino? O daimon pessoal,
que nos acompanha pelas aventuras das encarnações não tem nada a ver com os dados de
nosso Mapa Astral. Sobre o daimon pessoal, Jâmblico diz:

Somente da região celeste e de nenhuma outra parte conhecida neste universo, da es-
sência do cosmos e por toda variedade de vida, através do qual a alma desce a geração,
somos afortunados pela companhia de um indivíduo que nos é assignado por todas as
encarnações. E se o daimon que nos guia é eleito como nosso guia pessoal, ele imedia-
tamente se prontifica a cumprir a tarefa lhe designada antes de nosso nascimento.

Na teurgia neoplatônica de Jâmblico, o daimon pessoal é o princípio causal que rege nossas
vidas e ele é atribuído ao paradigma, quer dizer, ao Aion, o reino dos demiurgos. Isso signi-
fica que o daimon é anterior as Almas. As Almas são atribuídas a parte inferior do reino
psíquico, o daimon pessoal é de uma região superior a essa.
A citação acima poderia levantar a questão: na teurgia neoplatônica de Jâmblico, como
a Alma escolhe o daimon? As interpretações de Jâmblico mudam de forma considerável al-
guns pontos em detrimento das ideias de seus antecessores e os leitores poderão inferir
essa interpretação distinta a partir da leitura de meu livro CORRENTE 93. Para Jâmblico a
Alma concordava em ser assistida ou não por um daimon. Isso não significa que ele não es-
taria a acompanhando caso a Alma decidisse não receber suas instruções. Nesse caso, o dai-
mon estaria da mesma maneira acompanhando a Alma, mas não iria influenciar o curso dos
eventos na sua encarnação. Caso a Alma escolhesse em ser assistida pelo seu daimon pes-
soal, ele iria lhe auxiliar diretamente na jornada da encarnação. Para Jâmblico o daimon
sempre insiste que a Alma deva transcender o estágio material da iniciação, mas na grande
maioria das vezes as pessoas estão completamente inconscientes da assistência do daimon,
fechando os olhos – e ouvidos – para sua influência direta. Isso está em harmonia com a
interpretação de que o daimon estaria em uma região superior a humanidade e nesse caso
ele não precisaria ser reeducado, como propus no livro CORRENTE 93.
E como trabalhar com o daimon pessoal? Na teurgia neoplatônica o daimon é conju-
rado primeiro através da Invocação do Deus Único, àquele que concedeu a cada Alma a opor-
tunidade de ser acompanhada em sua jornada pela encarnação por um daimon através de
certas operações teúrgicas. Esse Deus Único é, no entanto, um demiurgo semi-lunar. Para
chegarmos a esse ponto nós temos de empreender uma jornada pelo sistema proposto por
Jâmblico. O que segue, portanto, é uma introdução a Teurgia Neoplatônica.

O Neoplatonismo

O neoplatonismo é uma cultura filosófica de princípios que orienta um estilo de vida através
de muitas escolas de pensamento plantônico que se iniciou com um filósofo helênico do
Egito chamado Plotino (204-270). O termo neoplatonismo nunca foi utilizado por seus filó-
sofos fundadores. Até o Séc. XVIII esses filósofos eram conhecidos pelo termo plantonistas,
que era como eles mesmos se denominavam. Os neoplatônicos ou os plantonistas mais tar-
dios, não consideravam suas interpretações de Platão ou Aristóteles como algo novo. Para
eles, neoplatonismo permanece sendo platonismo, seis séculos depois de Platão.
O platonismo mudou durante os séculos ao ponto de algumas escolas se distanciarem
largamente das ideias de seus fundadores. Essas interpretações distantes são consideradas
uma espécie de novo pensamento dentro do platonismo. O neoplatonismo utiliza todo o
corpo literário e cultural do platonismo, mas também absorve elementos de fora, como por

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
exemplo da obra de Aristóteles, considerado um inimigo do platonismo, enfatizando o em-
pirismo sobre a razão. Embora o neoplatonismo tenha se iniciado com Plotino, é em Jâm-
blico que ele se manifestou plenamente. Eles discordam de Aristóteles em muitos pontos,
mas absorveram muitas de suas ideias e também terminologias. Além de Aristóteles, de
Jâmblico em diante os neoplatônicos ainda absorveram elementos dos pitagóricos, dos cris-
tãos, dos ORÁCULOS CALDEUS etc. Mas o principal elemento que dá destaque e brilhantismo
ao neoplatonismo é a teurgia ou operação divina.
A aceitação em receber influências de fora do platonismo deu nascimento a um com-
plexo movimento de alto refinamento místico, religioso e esotérico e o resultado disso foi a
teurgia como uma ferramenta que possibilitou a transformação da prática filosófica. A filo-
sofia purifica a mente, a religião ilumina e a teurgia eleva. Quando colocada em ação a prá-
tica filosófica, religiosa e teúgica na vida, a Alma ganha um combustível para transcender a
mortalidade e comungar com os imortais. Por isso é inapropriado considerar Jâmblico ape-
nas um filósofo ou um teurgo. Filosofia e teurgia são elementos que interagem ao ponto de
tornarem-se indistinguíveis. Essa ideia possibilitou criar um estilo de vida onde teurgia e
filosofia eram aplicados na vida diária, em todos os aspectos da vida.
Mas a teurgia neoplatônica é distinta da prática conhecida por este nome difundida
nas escolas modernas de mistérios. Não se trata de uma experiência de arrebatamento mís-
tico. Diferente disso, a teurgia neoplatônica é um estilo de vida que caminha de mãos dadas
com a filosofia e a prática religiosa.
Como Platão, que nasceu 400 anos antes da era vulgar, os neoplatônicos conviviam de
perto com as religiões bramânicas. No entanto, para Plotino –que viveu em um período onde
o cristianismo era proibido no Império Romano – essa convivência significava algo comple-
tamente distinto das interpretações de Proclo (412-485) –que viveu em um período onde o
cristianismo era a religião oficial do Império Romano e os cultos pagãos estavam gradativa-
mente sendo caçados e dizimados. A visão de ambos ainda era distinta da visão de Pseudo-
Dionísio, o Areopagita e Marsílio Ficino (1433-1499), ambos cristãos praticantes.
Assim, o neoplatonismo reage ao cristianismo de diferentes maneiras, distintas na
maioria das vezes da religião cristã. Plotino e Porfírio, por exemplo, dialogam muito bem
com os gnósticos setianos cristãos. E embora Plotino claramente descorde de sua teologia,
ele aceita bem o discurso deles. Em contrapartida, parece que esses mesmos gnósticos tive-
ram certa influência sobre suas ideias. Jâmblico, por outro lado, que viveu durante o reinado
do imperador romano Juliano, um pagão, parecia não se importar muito com a influência do
cristianismo. Já Proclo tinha uma atitude de confronto com o cristianismo e defendia a na-
tureza politeísta do platonismo.
Os pagãos neoplatônicos costumavam não se importar com a fé de quem quer que
fosse e instruíam qualquer um que lhes pediam e é por isso que encontramos cristãos, ju-
deus, mulçumanos e pagãos de vários tipos neoplatônicos. Seja como for, estes neoplatôni-
cos contribuíram para o enriquecimento da filosofia, teologia e teurgia neoplatônica. O ne-
oplatonismo é tanto hermenêutico quanto epistemológico, uma lente através da qual é pos-
sível ver e interpretar o mundo. Trata-se de uma filosofia prática para o dia-a-dia.
A própria influência pagã no neoplatonismo difere de escola para escola. Algumas
eram claramente politeístas e outras não. Plotino, por exemplo, não dá muita atenção a teo-
logia politeísta e muito de sua filosofia é métodos contemplativos podem ser empregados
com segurança por qualquer monoteísta. Por outro lado, Proclo professa uma teologia pagã
politeísta em resposta a cultura anti-pagã disseminada pela cristandade que estava cres-
cendo.
E embora Jâmblico, o mais influente neoplatônico, pareça estar em cima do muro com
relação a cristandade, sua teologia era pagã, sem dúvida. Mas se ele aderia ao politeísmo é
outra questão. Ele era muito bem versado nos deuses de sua terra nativa, a Síria e também
demonstrava muito conhecimento sobre deidades gregas, órficas e egípcias. Sua abordagem

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
parece muito mais panteísta do que politeísta. Jâmblico via os deuses como monoeides, um
termo utilizado por Platão para o Deus benéfico. A palavra significa na forma de uma singu-
laridade. Para Proclo, os deuses eram indivíduos antes de representarem o todo, uma he-
rança do pensamento de Jâmblico. Nele, os deuses parecem perder sua natureza politeísta
para se tornar algo mais unitário e emanatório. Como os aeons dos gnósticos, os deuses para
Jâmblico eram manifestações de certa singularidade divina, funcionando como extensões
do mesmo poder, o que garantia a eles nos influenciar em direção a mesma fonte da qual ele
provinham.
A existência de uma fonte divina e singular é comum a todos os grupos pagãos neo-
platônicos e isso é explícito no monoteísmo neoplatônico. Na cultura platônica e neoplatô-
nica essa fonte divina geralmente é chamada de Deus, o Um, o Benevolente. Mas a natureza
do Um varia muito entre os neoplatônicos. O Um pode ser a Realidade Negativa Absoluta,
que produziu a ideia qabalística de Ain, o Nada como a imagem ou símbolo último de Deus,
o Absoluto. A Realidade Negativa Absoluta também inspirou a teologia negativa de Pseudo-
Dionísio. O Um também pode ser tanto a Fonte positiva quanto ativa de todas as coisas.
Como Fonte Positiva, ele é a fonte de todas as coisas que são ele, em si mesmo. Isso não
produz criação, mas a necessidade de que alguma coisa exista. Como Fonte Ativa, ele é a
fonte através do qual todas as coisas emanam. No Caso de Jâmblico especificamente, o Um
é a combinação harmônica destes três últimos. A natureza singular do Um como um é ine-
gável e quem sabe, o ponto mais em comum entre os neoplatônicos politeístas e monoteís-
tas.
Além da questão politeísmo vs monoteísmo na cultura neoplatônica, existe a interes-
sante questão dos Superiores no sistema de Jâmblico, uma cadeia ou congregação de cria-
turas espirituais que conectavam a humanidade ao Um, atuando como mensageiros: eles
entregavam aos homens as ordenações divinas do Um e levava ao Um as demandas dos ho-
mens. O entendimento pagão clássico era de que o mundo é habitado por criaturas espiri-
tuais de todos os tipos. Além de encantado, o mundo era responsivo. Essa é uma visão es-
sencialmente animista, xamânica e essa era a visão de mundo do mago da antiguidade. Ori-
ginalmente, essa visão era compartilhada também pelas religiões abraâmicas e ela ainda
existe sob formas místicas pouco conhecidas. Isso inclui todo o coro de anjos e toda espécie
de demônios, assim como espíritos da natureza e muitas outras criaturas espirituais.
Devido a mente materialista do mago moderno, a magia dos dias de hoje perdeu sua
natureza animista para se tornar essencialmente idealista. Quando nós lidamos com o mago
da antiguidade, temos de levar em consideração o seu ponto de vista acerca do universo,
caso contrário não conseguiremos compreender a natureza de suas práticas.
Platonistas levam a sério a hierarquia espiritual. Para eles, o mundo se materializa
através de uma cadeia sucessiva de eventos espirituais do Um para os muitos, do Universal
para a singularidade. Não se tratava apenas de ideias. Eles viviam esse mapa de universo
com tamanha intensidade vista apenas nos tântricos do Oriente. E essa hierarquia se aplica
em muitos níveis. Por exemplo, a teoria, que vem do reino do intelecto, era superior a prá-
tica, que funciona no reino da formação. A teurgia era a pérola do sistema platônico, supe-
rior a teologia e filosofia. Por teologia Jâmblico considerava o conhecimento de Deus ou deu-
ses. Como a filosofia se tratava do discurso racional, Jâmblico a considerava inferior a teo-
logia.
Uma introdução bem-feita sobre a cultura neoplatônica – principalmente sobre os
pontos de vista de Jâmblico – necessitaria de ser dividida, portanto, em três seções: Filosofia,
Teologia e Teurgia. Infelizmente nos falta espaço para tal nesse artigo. Aqui vamos nos de-
bruçar um pouco sobre a Teurgia. No entanto, é preciso alertar o leitor que sem o pano de
fundo fornecido pelo estudo da Filosofia e Teologia neoplatônica, a Teurgia fará pouco ou
quase nenhum sentido, pois ela termina o que se inicia na Filosofia: aproximar o teurgo das
qualidades divinas que ele almeja, fazê-lo estar o mais próximo de Deus. Assim, vamos falar

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
um pouco das teorias que tornam possível a prática da Teurgia, mas cada um deve buscar
se aprofundar mais após a leitura desse texto.
O ápice da prática teúrgica ocorre na invocação do daimon pessoal, o Ente Guardião
que acompanha a Alma na jornada da encarnação. É o contato com o daimon pessoal que
possibilita ao teurgo ter autoridade sobre qualquer tipo de daimon. Isso nos parece bem
familiar ao sistema de magia de Abramelin. Como falei no livro CORRENTE 93, o sistema de
Abramelin é muito distinto dos grimórios medievais de magia, fortemente corrompidos pela
doutrina dualista cristã dos anjos e daimons. Abramelin tem uma acentuada inclinação gnós-
tica e forte influência neoplatônica.

Teurgia

A teurgia neoplatônica de Jâmblico tem uma premissa fundamental: tornar-se o mais pró-
ximo possível do divino. Com esse objetivo como meta última, os neoplatônicos se dedicavam
primeiro ao estudo da filosofia na intenção de fundamentar ou estruturar seu trabalho es-
piritual. A filosofia é o alicerce do trabalho espiritual neoplatônico. Mas se a filosofia é o
alicerce da espiritualidade neoplatônica, a religiosidade são as paredes que dão estrutura a
essa prática espiritual. A religiosidade neoplatônica opera sobre dois fundamentos: sacrifí-
cios e preces. A prática religiosa purifica o filósofo, preparando-o para o encontro com o
Sagrado. Nesse caminho, a espiritualidade neoplatônica não se tratava de um exercício
amorfo, antes disso, um caminho onde é possível experimentar o Sagrado diariamente com
alto grau de refinamento intelectual. Na visão neoplatônica, essa prática combinada, religião
e filosofia, dá nascimento e nutre a virtudes purificatórias essenciais, àquelas que levam o
praticante acima das virtudes políticas da mente ordinária. Essas virtudes purificatórias são
de natureza espiritual e por conta disso, elas refinam o aparato intelectual. O entendimento
disso é o passo inicial que coloca o teurgo em contato com o divino e com a divinação.
Mas por que o passo inicial? Porque não é o suficiente para que um praticante seja
considerado um teurgo. Qualquer pessoa ordinária pode estudar filosofia e praticar rituais
de adoração. Mas embora sejam esses ingredientes fundamentais na prática da teurgia, por
si mesmos eles não fazem de ninguém um teurgo. Um filósofo e um religioso não são teur-
gos, mas um teurgo é sempre um filósofo e um religioso.
A palavra teurgia deriva de duas fontes: a palavra grega theos que significa Deus e a
palavra ergon que significa trabalho ou atividade, portanto, teurgia é um termo que tem sido
traduzido como trabalho divino ou operação divina. Existem outras traduções como opera-
ção de deus ou trabalho para deus. Para a maioria dos teurgos pagãos neoplatônicos, teurgia
se trata de um engajamento, um trabalho diário com o Sagrado. No entanto, a palavra tem
sido compreendida na magia moderna como um tipo de operação ritualística com anjos e
inteligências planetárias. Na verdade, o ocultismo moderno considera qualquer interação
com criaturas espirituais de tipo superior como teurgia. Mas para os neoplatônicos, teurgia
compreendida como um trabalho diário de contato com o Sagrado implica em vários ritos e
etapas de iniciação: hierougia (rituais sagrados), mustagogia (iniciação nos mistérios), hie-
ratike (liturgia), hieratike tachne (arte sagrada), theosophia (ritos de sabedoria espiritual).
Tudo isso sendo teurgia.
Jâmblico se esforçou em demonstrar que a teurgia era uma prática espiritual muito
distinta da baixa magia, feitiçaria e até mesmo da goécia, noção que foi corrompida nos gri-
mórios de magia da Idade Média. E embora a prática teúrgica implique em utilizar as técni-
cas e as tecnologias da magia e da feitiçaria, a teurgia não é a técnica ou a tecnologia, pois se
trata de mecanismos puramente humanos. No entanto, se compreendido de maneira apro-
priada, esses elementos podem ser utilizados como ferramentas da teurgia.
Nas palavras de Jâmiblico: A teurgia apresenta um aspecto duplo. Por um lado ela é
executada por homens e como tal devemos observar nossa posição natural no universo. Mas

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
por outro lado ela controla os símbolos divinos e em virtude disso o homem alcança a união
com os poderes superiores, os quais passam a dirigi-lo. Harmoniosamente em concordância
com a dispensação dos símbolos o homem assume o manto dos deuses. É por causa dessa dis-
tinção que a arte invoca os poderes superiores. Vestido com as virtudes desses símbolos inefá-
veis, o homem é capaz de dominá-los, com a hierática autoridade dos deuses.55
A teurgia de Jâmblico embora executada pelo homem, tratava-se de um trabalho es-
sencialmente divino. Nesse caminho, ela diferenciava-se das técnicas de baixa magia e feiti-
çaria que tratavam com entidades e criaturas espirituais inferiores. Jâmblico acreditava que
a magia popular de sua época se tratava apenas de uma tecnologia para o domínio do plano
físico e que portanto, produzia um resultado pernicioso de padrão artificial que simulava a
operação divina da teurgia. Embora não fosse ilícita, a magia popular não poderia dar ao
executor as condições de se aproximar do Sagrado. A teurgia, por outro lado, envolvia pa-
drões vibracionais mais sutis e superiores, além do mundo gerador.
O leitor é chamado atenção para a similaridade entre a teurgia neoplatônica de Jâm-
blico e o sistema de magia angélica proposto por Abramelin em sua obra. Para Jâmblico a
principal função da teurgia é divinizar o homem. Theosis, quer dizer, tornar-se o máximo
possível como o próprio Deus. Como falei acima, embora inspirada em princípios espirituais
superiores, a teurgia utiliza as mesmas tecnologias usadas na magia e na feitiçaria, mas o
teurgo é algo além de um mago ou feiticeiro. Ritos hieráticos, telestéticos e teúrgicos na
teurgia divinizam o praticante. A teurgia tem um amplo campo de atuação prática, desde a
invocação de deuses e daimons, animação de ícones ou estatuetas, rituais de união com o
Sagrado etc., no entanto, o teurgo está mais interessado na origem das forças por trás de
cada ação ritualística, seja nos sacrifícios ou na liturgia, na meditação ou na contemplação.
Uma vez que as forças divinas estão presentes por trás de cada ação ritual, podemos consi-
derar ser um rito de teurgia.
Uma vez que a teurgia tem um vasto arranjo de elementos práticos, a divinização que
ocorre através de sua execução é observada em muitos fenômenos distintos como a adora-
ção e os sacrifícios, a invocação de deuses em estatuetas, telismância, ritos de purificação e
cura e o mais importante, o congressus cum daemone, a invocação do daimon pessoal. O con-
gressus cum daemone é a operação de teurgia mais importante para Jâmblico, pois é somente
através do daimon pessoal que o praticante pode se considerar um teurgo. Ninguém pode
se considerar um teurgo até que tenha obtido o contato com seu daimon pessoal.
É possível rastrear nos PAPIROS MÁGICOS GRECO-EGÍPCIOS e nos sistemas de teurgia de
outros períodos como o de Pseudo-Dionísio ou a telismância astrológica de Marsilio Ficino
que, para que o exercício da teurgia seja eficaz, o reino da geração do qual o homem faz parte
deve ser completamente inundado pela força do Sagrado, proveniente de planos divinos su-
periores. Jâmblico ensinava que os poderes superiores eram aterrados temporariamente no
plano da geração e neste breve espaço de tempo o teurgo se vestia da autoridade do próprio
Deus. Mas Jâmblico insistia em uma diferença fundamental que, segundo ele, distinguia o
teurgo do mago popular. Se por um lado um mago poderia invocar as forças e os poderes
superiores para o plano da geração, por outro lado ele não tinha a principal característica
de um teurgo: a capacidade de elevar-se ao plano do Sagrado, o ingrediente fundamental na
prática da teurgia, o que a distingue da magia. Um teurgo não é apenas àquele que invoca os
poderes superiores, mas que fundamentalmente é capaz de subir aos planos superiores e
comungar com o Sagrado. E isso se reflete na prática da teurgia. Um teurgo deve ser capaz
de divinizar todos os procedimentos e tecnologia que utiliza em suas operações. Por exem-
plo, tradicionalmente os talismãs são utilizados porque eles são veículos pneumáticos para
forças praeter-humanas. No entanto, ele somente se torna efetivo se o teurgo o diviniza, isso
inclui consagração para dotar-lhe de um corpo de luz adequado para receber a assinatura e

55 Citado em LIVING THEURGY, Jeffreys S. Kupperman.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
a presença da força que nele foi invocada. O talismã passa a fazer parte de uma hierarquia
de códigos de luz, o que o possibilita orbitar na vibração de determinada divindade.

Jâmblico.
A divinação ocorre na teurgia através da possessão divina, o que requer ao teurgo a capaci-
dade de assumir formas divinas na intenção de ser inundado pelos poderes da deidade in-
vocada. Como eu esclareci no meu livro CORRENTE 93, foi devido a sua capacidade de assumir
a forma divina do deus Hórus que Aleister Crowley foi capaz de se transformar no veículo
adequado a recepção de O LIVRO DA LEI e a inaugurar o Novo Aeon. Na Operação do Cairo
Crowley consagrou-se como um teurgo ao entrar em contato com seu daimon pessoal, Ai-
wass, que lhe ditou O LIVRO DA LEI.

A Invocação do Daimon Pessoal

Jâmblico ensinava que o daimon pessoal era governado pelo Deus Único e portanto, havia
uma invocação adequada a ambos. Todos os daimons pessoais são governados por essa en-
tidade, o Deus Único? Não estaria o daimon pessoal sob o comando de uma série de forças

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
reguladas pelo Deus Único? Na concepção de Jâmblico sim. Ao mesmo tempo, todos os deu-
ses visíveis eram regidos, cada um existindo sob a influência de uma série de forças, por um
demiurgo. O papel desse demiurgo é organizar e coordenar o reino da geração no qual a
humanidade se encontra encarnada. Isso inclui as Almas encarnadas e os daimons pessoais
e da natureza.
Mas embora exista um ritual para invocar essa entidade Absoluta, nós não o conhece-
mos, pelo menos o ritual conhecido pelos plantonistas. O que nós temos são outros rituais e
instruções que nos dão um lampejo. O sistema de magia de Abramelin, largamente influen-
ciado pelo judaísmo neoplatônico, o ritual teúrgico de elevação dos ORÁCULOS CALDEUS e as
inúmeras invocações e rituais para se conseguir o auxílio dos daimons da cultura greco-
egípcia da magia. Nenhum desses sistemas e suas tecnologias é o que exatamente nós esta-
mos procurando, mas todos têm elementos relevantes a invocação do daimon pessoal. O
sistema de Abramelin é, quem sabe, o mais próximo daquilo que estamos a procura e é por
esse motivo que eu o relacionei a todo o sistema de iniciação thelêmico em meu livro COR-
RENTE 93.
Nesse livro eu exponho criteriosamente o sistema de magia angelical de Abramelin,
fornecendo informações práticas na adaptação desse sistema para os dias de hoje. Eu tam-
bém fiz uma descrição de todas as três partes de O LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O
MAGO e o leitor é indicado a leitura. Não existe nenhuma versão completa do ritual teúrgico
de elevação dos ORÁCULOS CALDEUS. O que existe é um ritual criado a partir de fragmentos do
ritual original guardados por distintas fontes neoplatônicas. A essência do ritual se trata da
união teúrgica entre a Alma do teurgo e o Absoluto Um além de qualquer dualidade. Acre-
dita-se que através desse ritual era possível alcançar um estado de alinhamento espiritual
com o Sagrado tão estreito que tanto a Alma quanto seu veículo físico se tornariam purifi-
cados completamente. No ápice da cerimônia o teurgo deveria ser arrebatado em um pro-
fundo estado de êxtase espiritual através do qual proferia palavras sagradas conhecidas
apenas por sua Alma. No sistema de Abramelin, o teurgo deveria orar fervorosamente até
conseguir purificar todo seu coração. Para auxiliá-lo nessa tarefa, uma disciplina com es-
treito estilo de vida deveria ser assumida. Já o sistema caldeu de assunção espiritual enfati-
zava a importância da purificação antes da invocação, sem a qual a união teúrgica da Alma
com o Espírito não aconteceria.
A cultura greco-egípcia da magia nos oferece inúmeros rituais para conseguir a aten-
ção e auxílio, seja do daimon pessoal ou dos daimons da natureza. Um desses rituais é o Ri-
tual do Não-Nascido que Aleister Crowley restaurou completamente com os nomes bar-
báros de evocação em seu LIBER SAMEKH. Eu fiz uma introdução a esse ritual, rastreando suas
origens e aplicações no texto CONGRESSUS CUM DAEMONE publicado no JORNAL CORRENTE 93
(Vol. I, No. 10). Outro rito greco-egípcio que nos chama atenção é o Ritual para Encontrar o
Daimon Pessoal. Uma característica da magia greco-egípcia é seu panteísmo. Em seus rituais
várias deidades são convocadas. A cada deidade uma série de daimons eram atribuídos e
estavam sob seu comando. Por exemplo, a deusa Hécate tinha poder e autoridade sobre os
daimons sub-lunares. Quase sempre deidades de panteões distintos eram convocadas para
impelir os daimons a agir.
Na cultura grego-egípcia da magia, os daimons eram considerados de natureza infe-
rior e portanto deveriam ser comandados, incluindo o daimon pessoal. Jâmblico caminha
em uma direção oposta quando diz que o daimon não é nosso para que possamos comandá-
lo, mas o agente ou líder direto da própria Alma. Na melhor das hipóteses, nós podemos
interpretar essa inclinação grosseira de domínio sobre o daimon na magia greco-egípcia
como uma extensão da possessão divina onde o teurgo, agindo sob os auspícios e autoridade
dos deuses, está apto a comandar qualquer daimon convocado. Essa atitude é demonstrada
em alguns, mas nem todos, rituais contidos nos PAPIROS MÁGICOS GRECO-EGÍPCIOS.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
No sistema de Jâmblico, um Noviço só se torna um Teurgo após estabelecer contato
com seu daimon pessoal, através do qual ele ganhará poder e autoridade sobre outras cria-
turas espirituais. Essas exercerão seu poder na sua vida, uma vez que ela é a própria exten-
são do trabalho divino do Sagrado. Teurgia para Jâmblico era um estilo de vida, uma possi-
bilidade de estar imerso no Sagrado divinizando o plano dos homens com o poder proveni-
ente dos planos superiores dos deuses. Em contrapartida, para que o teurgo pudesse ter
efetividade em sias ações divinas de teurgia, ele deveria estar apto a elevar-se ao plano dos
deuses. Toda essa doutrina teúrgica neoplatônica foi assimilada pela Ordem Hermética da
Aurora Dourada via o sistema de magia de Abramelin e outras correntes herméticas. Poste-
riormente ela foi transmitida ao sistema thelêmico de iniciação. Eu fiz um rastreamento
completo dessa influência na cultura thelêmica em meu livro CORRENTE 93, cujo objetivo é
explicar a experiência mais fundamental do misticismo thelêmico: o Conhecimento & Con-
versação com o Sagrado Anjo Guardião.

Amor é a lei, amor sob vontade.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Os Guṇas, por Nicolas Furlam Moraes.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
A Tarefa Hierofântica &
a Ordem de Thelema

Frater ON120
Fernando Liguori

Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.

Nosso sistema de iniciação é trino. Para o externo, testes de labuta, dor, etc. Para o in-
terno, testes intelectuais. Para o eleito da A∴A∴, testes espirituais.56 Há uma palavra a
dizer sobre a tarefa Hierofântica. Vede! Existem três ordálios em um, e estes podem ser
dados em três caminhos. O grosseiro deve passar através do fogo; que o delicado seja
experimentado no intelecto, e aqueles escolhidos sublimes no mais elevado. Desta
forma vós tendes estrelas & estrelas, sistema & sistema; não deixai um conhecer bem o
outro!57 Quem nos chama Thelemitas não errará, se ele olhar bem de perto, no âmago
da palavra. Pois nela existem Três Graus, o Eremita, e o Amante, e o homem da Terra.
Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.58

A Ordem de Thelema ou Ordem dos Thelemitas foi à primeira organização es-


sencialmente espiritual alinhada completamente com a doutrina transmitida
pelo O LIVRO DA LEI. Embora a A∴A∴ transmita a Filosofia de Thelema, sua es-
trutura ainda é baseada nos códices do velho aeon através do glifo da Árvore
da Vida, um sistema de dez Graus estruturados de acordo com a cultura ju-
daico-cristã. Crowley se valeu da antiga estrutura da Ordem Hermética da Aurora Dourada
como esqueleto para uma Nova Ordem em 1907 na tentativa de thelemizar uma organização
cujo mito principal foi elaborado em torno da ressurreição de Cristo. Os motivos para isso
foram inúmeros, como relatei em outro lugar,59 no entanto, O Livro da Lei provê instruções
claras de que abolidos estão todos os rituais, todos os ordálios, todas as palavras e sinais.60
Não se trata de thelemizar estruturas antigas como os Graus da Ordem Hermética da Aurora
Dourada ou o sistema para-maçônico da O.T.O., mas sim da criação de algo novo, pois Ra-
Hoor-Khuit tomou seu curso no Oriente junto ao Equinócio dos Deuses.61
O LIVRO DA LEI transmite uma nova doutrina de iniciação. Toda real iniciação implica
em autoiniciação. Isso significa que cada um, por seus próprios esforços, desvelará as Chaves
Secretas do AL62 na forma de experiência direta, sem a necessidade de símbolos, palavras de
passe ou a autoridade de quem quer que seja. A fórmula de iniciação transmitida pelo AL
evita as armadilhas contidas na estrutura padrão das ordens iniciáticas de hoje, remanes-
centes ou difusoras da fórmula mágica do velho aeon.63 Sucesso é a única prova64 requerida
e somente você pode julgá-lo adequadamente. Se alguém lhe disser o contrário e tentar forçá-
lo a justificar suas conquistas, pare por um momento e pergunte a si mesmo: por que estou
dando tanto valor ou significado a palavra desse sujeito?

56 Aleister Crowley, THE EQUINOX, Vol. I, No. 7, p. 392.


57 LIBER AL, I:50.
58 LIBER AL, I:40.
59 Repensando a Estrutura da A∴A∴, a ser publicado.
60 LIBER AL, I:49.
61 Idem. Veja o artigo THELEMA: UMA NOVA & AMARGA VERDADE em O OLHO DE HOOR, Vol. I, No. 1, por Fernando Liguori.
62 O LIVRO DA LEI. De agora em diante mencionado apenas como AL.
63 Veja o artigo THELEMA: UMA NOVA & AMARGA VERDADE em O OLHO DE HOOR, Vol. I, No. 1, por Fernando Liguori.
64 Veja LIBER AL, III:42.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Crowley estava ciente que tanto a A∴A∴ quanto a O.T.O. não estavam alinhadas com-
pletamente ao sistema de iniciação do Aeon de Horus. Ele chegou a afirmar que sete de oito
Probacionistas não chegam ao Grau de Neófito. Aparte da aptidão de cada um, como frater-
nidades, tanto a A∴A∴ quanto a O.T.O. poderiam falhar na transmissão da Corrente 93 por
ainda se basearem em estruturas iniciáticas do velho aeon, baseando-se no conceito de falha
por parte do candidato ao invés da instituição. Para sanar este problema – e muitos outros,
Crowley criou a Ordem de Thelema como um Colegiado Interna dentro da estrutura da
A∴A∴, estabelecendo um fluxo vívido com a corrente iniciática transmitida pelo AL.
A Ordem de Thelema transmite Thelema em sua forma mais prístina. Não se trata de
uma sociedade mística, mágica ou oculta. Seu propósito é capacitar seus membros a terem
sucesso na vida através de um novo ponto de vista, uma nova visão, ensinando-os a agirem
em concordância com sua Verdadeira Natureza, evitando a perda de tempo e esforço com
qualquer coisa que não esteja de acordo com suas aptidões.65
Os Graus da Ordem de Thelema são três: Homem da Terra, Amante e Eremita. A Tarefa
Hierofântica consiste do trabalho nestas três etapas na iniciação e embora o glifo da Árvore
da Vida não represente os Graus da Ordem, pode-se estabelecer uma relação entre eles.

Kether Yechidah
S∴S∴ Chokmah Eremita Neshamah
Binah Chiah
Chesed
R∴C∴ Geburah
Tiphereth Amante Ruach
Netzach
Hod
G∴D∴
Yesod
Homem da Terra Nephesh
Malkuth

Crowley definiu os três Graus da Ordem de Thelema como Zelator «Homem da Terra»,
Adepto «Amante» e Magister «Eremita». A admissão a Ordem se dá através da A∴A∴, quando
o Neófito passa pelo Ritual de Iniciação ao Grau de Zelator. Para facilitar o entendimento, eu
sempre ensino aos meus alunos a relação entre a Tarefa Hierofântica e os Três Guṇas da
tradição do Yoga e Sāṃkhya.66
O Yoga usa os três guṇas para determinar a natureza mental e espiritual do indivíduo.
Geralmente, como afirmei anteriormente,67 apenas um guṇa predomina em nossa constitui-
ção. Mas todos nós possuímos momentos espirituais ou sattvícos, períodos perturbantes ou
rajásicos e às vezes momentos letárgicos ou tamásicos que podem ser curtos ou longos, de-
pendendo de nossa natureza. Também podemos passar por fases sattvícas, rajásicas e ta-
másicas na vida que duram meses ou anos. Quer dizer, os guṇas demonstram nosso estado
mental e espiritual para que possamos medir nossa propensão em relação aos problemas
psicológicos e projeções.
Em um aspecto mais profundo, todos nós somos, todos os dias, Homem da Terra,
Amante e Eremita. Às vezes um nível de consciência predomina mais que os outros. O Ho-
mem da Terra está completamente envolvido com as questões do Nephesh, o aspecto ani-
malesco da alma, relacionado à tamas. O Amante envolve o aprimoramento e o controle das

65 Veja A CONSTITUIÇÃO DA ORDEM DE THELEMA.


66 Sobre os guṇas e sua relação com o trabalho da A∴A∴, veja o artigo R.O.T.A.: A RODA DO TAROT, JORNAL CORRENTE
93 (Vol. I, No. 9).
67 Veja a apresentação de O OLHO DE HOOR: ZERO.

92
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
faculdades do Ruach «memória, vontade, imaginação, desejo/emoção e intelecto». O Ere-
mita, embora muito pouco possa ser dito, envolve o aspecto mais espiritual da psique. Estes
Graus podem ser vistos, portanto, como níveis de consciência pelos quais passamos todos
os dias, em maior ou menor expressão.
Pode-se fazer uma Relação entre os três Graus da Ordem de Thelema e os três tipos
ou níveis de praticantes tântricos: 1. paśu, literalmente «boi», uma referência ao adepto ta-
másico, movido pelos impulsos animalescos do Nephesh; 2. Vīra, literalmente «herói», refe-
rência ao adepto rajásico que já dominou seus impulsos e aspectos animalescos e coloca sua
Vontade em ação; 3. dhyvia, literalmente «divino», referência ao adepto sattívico que trans-
cendeu a dualidade acima do Abismo.

A Ordem de Thelema não é uma organização mística, mágica ou oculta no sentido ordi-
nário dessas palavras. Seu propósito é capacitar seus membros a terem sucesso na vida
lhes ensinando atitudes corretas em relação à vida e como evitar de perderem tempo
se esforçando por caminhos que não lhes são adequados. [...] É um dever incumbido a
todos os membros da Ordem instruir visitantes e outros sobre a Lei de Thelema, espe-
cialmente sobre seus valores práticos aplicados aos problemas pessoais, sociais, econô-
micos e políticos. Deve-se ter muito cuidado em não classificar a Ordem de Thelema
como um corpo oculto ou até mesmo religioso. As características cerimoniais e psicoló-
gicas [da Ordem] devem ser explicadas pela insistência no fato de que elas são necessá-
rias ao propósito fundamental da Ordem, a descoberta da Verdadeira Vontade – como
oposta aos ideais conscientes ou desejos – por cada membro individualmente. 68

A Ordem de Thelema está mais interessada na aplicação da Lei de Thelema no dia-a-dia do


que qualquer regalia iniciática. Não se trata de uma Ordem no senso comum, com palavras
de passe, sinais ou hierarquias de todos os tipos encontrados nas diversas ecclesias, escolas,
fraternidades etc. Como veremos adiante, o Grau de Homem da Terra é um impulso thelê-
mico baseado na simplicidade, quer dizer, a beleza de Thelema é levada para a vida, para as
questões casuais do dia-a-dia, evitando que sua prática seja maculada pela restrição. O Grau
do Amante, por outro lado, é caracterizado pela busca do entendimento do Universo do qual
cada um de nós é uma Estrela no centro. Como não existem duas pessoas iguais, não existe
lei além de Faz o que tu queres.69 O Grau de Eremita é para aqueles que abraçaram comple-
tamente o calor de sua Estrela e agora buscam a fonte da Luz. Embora estes Graus sejam
caracterizados por estágios no processo da iniciação, como na ação dos guṇas eles estão
presentes diariamente como níveis de consciência, caracterizando nossas ações o tempo
todo. Segundo as instruções do AL, estes três Graus ou níveis de consciência são três ordá-
lios nomeados como a Tarefa Hierofântica. Para realizá-los existem três caminhos que, como
a própria tarefa, são um só.

Homem da Terra

O Homem da Terra é o grosseiro que deve passar pelo fogo e a ele são aplicados os testes de
labuta. Seu ordálio é essencialmente material, marcando uma etapa no estágio evolutivo
caracterizado pelo guṇa tamas. De acordo com a doutrina thelêmica, o mundo foi consumido
pelas chamas no advento do Aeon de Horus e segundo Crowley, todas as almas passarão
pelo fogo na medida em que aceitarem a Lei de Thelema. Portanto, o Grau de Homem da
Terra se caracteriza por uma assimilação perfeita dos códices thelêmicos e no esforço para
aplicá-los no dia-a-dia. Em A VISÃO & A VOZ Crowley menciona que o Homem da Terra é o

68 CONSTITUIÇÃO DA ORDEM DE THELEMA.


69 LIBER AL, III:60.

93
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
devoto. Isso implica que o Candidato nesse Grau se devota a uma causa. Neste caso, a causa
é a Lei de Thelema.
De acordo com as instruções pessoais de Euclydes Lacerda, a admissão ao Grau de
Homem da Terra sempre deve ocorrer na Lua Nova. Essa admissão representa o nascimento
da criança inocente e receptiva em seu triunfo sobre as trevas, quer dizer, a ignorância,
consciente de sua busca pela Luz de sua Estrela. É a afirmação do Candidato, como os outros
membros da Ordem, de que é um irmão que busca compreender, assimilar e transmitir a Lei
de Thelema. O Homem da Terra marca o limiar da saída de uma consciência regida pelos
preceitos do velho aeon e a devoção a uma nova vida, precisamente, um novo estilo de vida.
Os testes de labuta, portanto, envolvem o plano dos discos e toda ação requerida para pro-
mulgação e estabelecimento da Lei de Thelema. No momento de sua admissão a Ordem de
Thelema o Zelator assina: de posse de uma cópia de O Livro da Lei e o Comentário de 666,
tendo-o estudado por onze dias, solenemente declaro que aceito a Lei de Thelema e que irei
devotar-me a descoberta da Verdadeira Vontade.70
Fora suas tarefas como um Zelator da A∴A∴, ao Homem da Terra a Ordem de Thelema
não impinge regras ou regulamentos baseados na noção anti-thelêmica de controle sobre
os outros. Eu costumo dizer que a palavra mágica que define o Homem da Terra é simplici-
dade. Seu objetivo primordial é estabelecer uma conduta thelêmica. A Ordem espera que o
Candidato recém-admitido estude e se prepare para os ordálios da vida. Sua intenção é es-
magar a ignorância com seus próprios pés. A maneira como isso será conquistado é pelo mé-
todo do Iluminismo Científico proposto pela A∴A∴ através das práticas místicas e mágicas
tradicionais de Thelema. No entanto, na aurora de uma nova era, a Ordem pede uma revisão
no processo de prática espiritual, apontando para o caminho da simplicidade, evitando o
apego a métodos e práticas ritualistas. Em outras palavras, o Novo Aeon é caracterizado por
uma nova posição e entendimento do processo espiritual. Rituais tradicionais baseados nos
arquétipos do velho aeon devem ser abolidos por uma prática menos pomposa e cheia de
regalias. No entanto, existem pessoas ritualisticamente inclinadas que preferem seguir o
caminho tradicional da magia cerimonial. Nesse processo a Ordem de Thelema não inter-
fere. Ao Homem da Terra é dado a liberdade para escolher quais serão os métodos mais
apropriados para que esmague a ignorância interior a fim de deixar a radiância de sua Es-
trela brilhar em todas as direções.
Salvo o período de onze anos entre os ordálios de Adepto e Magister, a Ordem não
regula o tempo em que o Candidato pode permanecer no Grau de Homem da Terra. Se ele
pretende ficar o resto da vida neste Grau a Ordem não vê problema, pois vós tendes estrelas
& estrelas, sistema & sistema.71 Este é o caso de Euclydes Lacerda que decidiu se estabelecer
como Homem da Terra até o fim de seus dias no plano dos discos. Por conta disso ele é
internacionalmente reconhecido como um Zelator Sênior da Ordem de Thelema e A∴A∴.
De qualquer maneira, espera-se que o Candidato que deseja tornar-se um Adepto te-
nha conquistado o Nephesh, na busca da transcendência de sua natureza animal, quer dizer,
tamásica, densa e torpe. Na Árvore da Vida isso envolve a disciplina corporal em Malkuth e
o adestramento dos impulsos de Yesod. O Grau de Homem da Terra abrange o trabalho do
Probacionista, Neófito e Zelator da A∴A∴. Praticamente este Grau é definido apenas como
Zelator. Este é o iniciado que zelosamente estabelece uma Fundação adequada que suporte
o trabalho da Grande Obra. Portanto, o trabalho do Homem da Terra se caracteriza pelo
estabelecimento dos alicerces que compõem seu trabalho espiritual. Fundação é uma pala-
vra-chave. Poucos são os Candidatos capazes de estabelecer verdadeiramente uma funda-
ção sólida na qual podem apoiar a execução da Verdadeira Vontade. Mas como em qualquer

70 CONSTITUIÇÃO DA ORDEM DE THELEMA.


71 LIBER AL, I:50.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
matéria de estudo, conhecimento não representa capacidade de execução. Portanto o Can-
didato deve dar evidências de que quebrou o elo de conexão com a Imagem Fatal da Natu-
reza e que se move avançando em direção ao estabelecimento de um novo ponto de vista,
baseado nas Leis que regem seu próprio universo.
No fim de seu curso como Homem da Terra a lógica é que ele reconheça que não pre-
cisa da Ordem. No entanto, não existem testes que possam provar a proficiência do Homem
da Terra ou suas conquistas. O que a Ordem espera é que sendo ele a essência do trabalho
na esfera de Yesod, o Homem da Terra ou Zelator deve refletir – como a Lua – a Luz que vem
do Sol em Tiphereth – no caminho de tornar-se Cheia. Portanto, aqui temos Luz em Extensão.
Isso significa que ele começa a receber um influxo da Corrente 93 ou Solar atribuída ao Grau
de Adepto. As práticas místicas e mágicas propostas por Thelema o capacitam a tornar-se
um veículo adequado à expressão da Corrente 93.
O Homem da Terra é o trabalho da aplicação da Lei de Thelema na vida.

Amante

O Amante é o delicado que deve ser experimentado no intelecto.72 Pouco há para ser dito
acerca de seu trabalho, pois ele é um daqueles servos poucos & secretos.73 Segundo Crowley,
o Adepto ou Amante tem dois objetivos principais: 1. o Conhecimento e a Conversação com
o Sagrado Anjo Guardião, o que desperta o anāhata-cakra completamente e; 2. ensaiar a
aventura do Abismo. O primeiro objetivo é conquistado na esfera de Tiphereth, o centro da
Árvore da Vida e o ponto de equilíbrio do Ruach, organizando harmonicamente suas funções
nas esferas de Hod, Netzach, Geburah e Chesed. O Amante é o interno que deve passar por
testes intelectuais e é caracterizado pelo guṇa rajas. Nessa etapa de sua jornada, o Amante é
empoderado com a L.V.X. de Abiegnus, o que o capacita a sair definitivamente do nível res-
tritivo do guṇa tamas, a inércia e o embotamento que o mantinha fora da Cripta dos Adeptos.
Euclydes Lacerda costumava dizer que o Adepto torna-se uma zona de poder após a total
realização de L.V.X. Nestas condições ele obtém autoridade e autorização da Ordem de The-
lema para estabelecer sua própria Kaaba e ali um escritório para que seu trabalho entre os
homens possa ser feito com estilo de negócio.74 Em A VISÃO & A VOZ Crowley menciona que
o Amante dá sua vida para trabalhar entre os homens. Isso significa que ele deve inaugurar
sua própria escola de pensamento para transmitir a L.V.X. de sua zona de poder através da
Corrente 93. Em outras palavras, ele estabelece uma zona de poder para transmissão de
Thelema, segundo suas próprias noções. O estabelecimento dessa Kaaba cumpre perfeita-
mente o que Crowley chamou de sistema de sucessão em cadeia. Sucesso é a única prova
requerida. Um exemplo de uma Adepta que realizou esse trabalho bem feito e com estilo de
negócio foi Soror Meral que estabeleceu sua Kaaba na forma do Colégio de Thelema, inau-
gurando uma poderosa zona de poder para a promulgação da Lei de Thelema.
A admissão ao Grau de Amante sempre acontece na Lua Cheia, símbolo de Sofia, a
deusa do conhecimento. Crowley se referiu a esse Grau apenas como Adepto. O objetivo
natural do Amante é erguer a kuṇḍalinī até o anāhata-cakra e após essa conquista, mergu-
lhá-la novamente no mūlādhāra-cakra a fim de criar uma Nova Vida estabelecendo sua
Kaaba, que deve refletir sua concepção pessoal de universo. Ao mesmo tempo ele continua
seu trabalho na A∴A∴, iniciando novos Zelators na Ordem de Thelema.
Quando o Amante sentir que já cumpriu suas funções como um Adepto, o que implica
no conhecimento das leis que regem seu Universo, o Planeta – sua encarnação – e sua rela-
ção com o Sol, a Estrela do Centro, ele deve seguir produzindo sua tese mágica. Essa tese

72 Veja LIBER AL, I:50.


73 Veja LIBER AL, I:10.
74 Veja LIBER AL, III:41. Veja também o JORNAL CORRENTE 93 (Vol. I, No. 3), texto: ESTABELEÇA EM TUA KAABA UM ESA-

CRITÓRIO.

95
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
deve demonstrar como as pedras no caminho e as escolhas tomadas até aquele momento o
trouxeram no limiar de um Novo Nascimento simbolizado pelo Abismo. Sendo essa tese sa-
tisfatória, o Amante pode se jogar no Abismo em busca de uma nova encarnação. O tempo
mínimo requerido para essa iniciação é um período de pelo menos onze anos como Adepto.

Eremita

O estágio final da Tarefa Hierofântica é o Grau de Eremita, acima do Abismo. De acordo com
Crowley, o iniciado neste Grau é conhecido como Magister. Sobre seus Ordálios Nuit declara:
Eu não escrevo.75 Os Eremitas são aqueles escolhidos sublimes no mais elevado,76 quer dizer,
além do Abismo. Em A VISÃO & A VOZ Crowley diz que o Eremita caminha solitário dando aos
homens apenas a sua luz. Isso não significa que ele renuncia ao mundo como um monge. Sua
atitude é a de um monge que, no mundo, transmite sua Luz. Sua única renúncia é a duali-
dade. Não pense encontrá-los na floresta ou sobre a montanha; mas em camas de púrpura,
acariciados por suntuosas bestas de mulheres com grossos membros, e fogo e luz em seus olhos,
e volumes de cabelos flamejantes sobre eles; lá vós devereis encontrá-los.77

Heresia: abraçando a mudança

No curso do desenvolvimento da doutrina thelêmica, alguns iniciados começaram a questi-


onar, de dentro para fora, a estrutura da A∴A∴ e da O.T.O. Kenneth Grant, discípulo direto
de Crowley, esteve entre os primeiros a questionar a validade da estrutura dessas Ordens
no presente aeon.
Após encerrar as operações da Loja Nova Isis que funcionou entre 1955 e 1962 como
uma Loja dependente da O.T.O. na Inglaterra, Kenneth Grant reivindica a liderança mundial
da Ordo Templi Orientis, O.T.O. e inaugura a O.T.O. Tifoniana, uma tentativa de unir o sistema
da A∴A∴ e da O.T.O. em um só. Ele aderiu a ideia de que no presente aeon não havia mais a
necessidade de se estabelecer Lojas físicas para congregação de membros. Dessa forma
inaugura a fundação de zonas de poder. Estas zonas de poder eram consideradas células
mantidas por um magista apenas, constituindo um canal para recepção e transmissão da
Corrente 93, como no sistema da A∴A∴.
Os rituais da Loja Nova Isis misturavam magia cerimonial sexual, teatro, dança e mú-
sica, o que culminava em um frenesi coletivo experimentado por todos os participantes. No
entanto, após os encerramentos dos trabalhos da Loja, Grant assumiu uma postura mais
mística, vendo pouca validade em uma prática pomposa, regada a invocações, sinais, robes
e armas mágicas. No fim dos seus dias ele preferia meditações e reflexões ao estilo jñāna-
yoga do que um cerimonial ritualístico.
Grant também aderiu a ideia de que rituais de iniciação não eram mais necessários.
Para ele a iniciação ocorre no curso da jornada espiritual e se estabelece como nível de com-
preensão e entendimento. Na O.T.O. Tifoniana não existiam rituais de iniciação. O Candidato
seguia os Ordálios da Pirâmide de Poder. Ao finalizar as tarefas requeridas para cada Grau
o Candidato se elevava automaticamente ao próximo Grau, necessitando apenas do reco-
nhecimento e assinatura de Grant.
Ao que parece essa estrutura unificada entre a A∴A∴ e a O.T.O. não deu certo. Michael
Stanley, Líder do movimento de Grant – atualmente Ordo Typhonis – me disse em e-mail que
a Ordem passa por uma reestruturação.
Outro crítico da estrutura mantida pela A∴A∴ e O.T.O. é J. Edward Cornelius. Em março
de 2000 Cornelius foi expulso da O.T.O. por publicar em sua revista, a Red Flame, órgão de

75 LIBER AL, I:34.


76 LIBER AL, I:50.
77 LIBER AL, II:24.

96
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
divulgação de sua linha da A∴A∴ (Grady Louis McMurtry) críticas severas acerca dos Graus
e rituais da O.T.O.
Atualmente ele assina como Magus da Ordem e assumiu publicamente uma mudança
drástica na admissão de membros e curso dos Graus. Em sua linha da A∴A∴ ele deu a cara
da Ordem de Thelema. Extinguiu muitas das tarefas dos Graus e a necessidade dos Rituais
de Iniciação ao Grau de Neófito e Zelator. Embora a Árvore da Vida seja empregada para
objetivar cada Grau, em sua linha existem apenas três Graus, os mesmos da Ordem de The-
lema. Em outras palavras, o que ele fez foi pegar toda estrutura da Ordem de Thelema e
passou a chamá-la de A∴A∴.

Manifestações modernas

No Brasil duas são as escolas iniciáticas que aderiram as instruções do AL. A O.C.T., Ordem
dos Cavaleiros de Thelema fundada por Euclydes Lacerda e Tarcísio Oliveira Araújo e a SETh,
Sociedade de Estudos Thelêmicos fundada por Fernando Liguori e Antônio Vicente.
A O.C.T. foi fundada com a intenção de difundir a Lei de Thelema e estava completa-
mente alinhada aos códices do Novo Aeon. Como uma genuína Ordem Thelêmica, ela base-
ava sua estrutura de Graus no AL: Homem da Terra, Amante e Eremita. Esses três graus
eram divididos em nove etapas equivalentes aos Graus da Ordo Templi Orientis, O.T.O. Os
Rituais que compreendem os Graus de Minerval «0°» até o P.I. foram reduzidos para com-
preender a Iniciação do I° Grau da O.C.T. Nesse caminho, o I° O.C.T. equivalia o IV° O.T.O., o
II° O.C.T. equivalia o VI° O.T.O. e o III° O.C.T. equivalia o IX° O.T.O. No entanto, a Ordem ainda
mantinha uma estrutura de Loja e Iniciações maçônicas.
A SETh foi fundada em 2004 originalmente como uma escola externa da Ordo Draco-
Thelemae, conhecida no exterior como O.T.O. Draconiana. Após os encerramentos da Ordem
a SETh passou a atuar independentemente como um veículo para promulgação de Thelema
através de um curso com lições semanais. Este curso é oferecido até hoje como uma opção
de admissão a Ordo Tifoniana Oculta, Ordem que promulga a cosmovisão tifoniana.
Hoje a SETh passa por uma reestruturação. A intenção é formar um colegiado com-
pletamente alinhado a doutrina thelêmica como exposta no AL que esteja a serviço da A∴A∴,
atuando como um sistema de treinamento mágico-espiritual. De acordo com a nova estru-
tura, a SETh passa a ter três Graus, conforme a Tarefa Hierofântica. Mas isso é assunto para
outra ocasião...

Amor é a lei, amor sob vontade.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Aleister Crowley

Constituição da
Ordem de Thelema
Tradução de Frater Nuit Alegrae
Revisão de Frater ON120

1. «A Palavra da Lei é Thelema».


«Quem nos chama Thelemitas não fará engano, se ele olhar, senão de perto, no inte-
rior da palavra. Pois nesta estão Três Graduações, o Eremita, e o Amante, e o homem
da Terra. Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.»
2. (a) Eu, TO MEGA THERION 666, 9°=2☐ A∴A∴ (Astrum Argentum) ordeno, instruo e
nomeio Magne Honoratum Fra. Semper Paratus 6°=5☐ A∴A∴ (James Thomas Win-
dram) como autoridade única e suprema na Ordem de Thelema, sendo eu o único
responsável por ele.
(b) Qualquer membro da Ordem terá o direito de apelar diretamente a mim contra
qualquer uma de suas decisões, e o meu Fiat e Veto78 serão absolutos.
(c) M.H. Fra. Semper Paratus usará seus próprios critérios para a formação de quais-
quer órgãos Legislativos, Administrativos, Executivos ou outros; mas nenhuma de-
legação de sua autoridade à outras pessoas deve liberá-lo de sua responsabilidade
direta para comigo; nem de sua responsabilidade direta para com cada membro da
Ordem individualmente.
(d) «Também os mantras e encantamentos; o obeah e o wanga; o trabalho do bastão
e o trabalho da espada; estes ele deverá aprender e ensinar.»
«Ele deve ensinar; mas ele pode fazer severos os ordálios.»
De fato, ele pode se considerar o Alter Ego de TO MEGA THERION; isto é, da
forma como a transmissão da Palavra do Aeon foi transmitida por Aiwass, através
de mim, assim por conseguinte se dá por ele para todo o mundo. Deste modo, não
haverá limite de espécie alguma à sua palavra, a não ser na medida em que a Minha
Sabedoria possa governar o Poder dele.
(e) Por uma questão de conveniência administrativa, Eu posso emitir cartas seme-
lhantes, baseadas nestas mesmas Constituições, para pessoas em outros países; no
entanto, estas pessoas estarão diretamente subordinadas à responsabilidade do
M.H. Fra. Semper Paratus, da mesma forma como ele está para mim em última ins-
tância.
(f) M.H. Fra. Semper Paratus terá o direito de emitir Constituições Provisórias da
Ordem, secundárias a esses presentes, as quais ele pode manter em segredo, como
a conveniência política pode exigir. Ele se considerará ligado a esses Apresentações
no espírito, mantendo suas próprias Constituições Provisórias na carta.
3. (a) Haverá três graus na Ordem: o Eremita, o Amante e o Homem da Terra. (Em to-
dos os documentos oficiais, estes Graus deverão ser conhecidos respectivamente
como Magister, Adeptus e Zelator.)

78 Fiat e veto: fazer e sancionar.

98
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
(b) Estará aberto para qualquer Zelator aspirar ao Grau de Adeptus. Os requisitos
para tal efeito, será o treinamento regular na A∴A∴ e um Adeptus que deverá ser ao
menos um Senhor dos Caminhos da Abóbada dos Adeptos.
M.H. Fra. Semper Paratus estará empoderado, sem prejuízo do acima exposto,
a conceder certificados a pessoas adequadas ao seu julgamento, para exercer a fun-
ção de Adeptus, para auxiliá-lo a governar e dirigir as atividades da Ordem, durante
o período de sua formação.
(c) Estará aberto para qualquer Adeptus aspirar ao Grau de Magister. Os requisitos
serão:
1. Onze anos de serviço como Adeptus;
2. A obtenção do Grau do Bebê do Abismo na A∴A∴;
3. Aposentadoria (NT: afastamento) de todo Trabalho ativo na Ordem envol-
vendo contato pessoal com grupos.
4. (a) A qualidade de membro será concedida por certificado através do M.H. Fra. Sem-
pre Paratus ou seu delegado devidamente nomeado. A qualificação deverá ser a as-
sinatura do Formulário de Promessa como se segue:
Eu, ______________________ , estando em posse de uma cópia de O LIVRO DA LEI e dos
Comentários deste por 666, e tendo estudado por Onze Dias, Declaro Solenemente
que eu aceito a Lei de Thelema, que me dedicarei a descobrir minha Verdadeira Von-
tade, e fazê-la.
(b) O formulário de promessa de um Adeptus, ou Adeptus Ativo, conterá a seguinte
cláusula adicional:
Eu me comprometo ainda a dedicar-me à ampliação da Lei de Thelema, para
estudar e expor a mesma, até o momento em que por minha Vontade, eu me com-
prometa a aspirar ao Grau de Magister.
(c) O Formulário de Promessa de um Magister deve conter a seguinte cláusula, além
da de um Zelator:
Eu me comprometo a me aposentar (NT: afastar) da associação com homens e
mulheres, para dedicar-me à obtenção do Grau de Magister Templi na A∴A∴ e a pro-
mulgar a Lei de Thelema por outros meios que não aqueles que envolvem a associ-
ação pessoal acima mencionada, a não ser por dispensa especial do Chefe da Ordem.
5. (a) O iniciação de um Zelator se dará sob quatro Olhos. Deverá ser administrada na
forma dada no Anexo A. destas Constituições.
(b) A forma de iniciação de um Adeptus está estabelecida no Anexo B. destas Cons-
tituições.
(c) Não haverá forma de iniciação para o Grau de Magister.
6. (a) Todos os Zelators usarão as invocações diárias dadas no LIBER CC, os Rituais do
LIBER XXV, LIBER XXXVI e LIBER XLIV, e a Vontade antes da Carne,79 como lhes ensi-
naram em suas iniciações.
Eles devem atender às instruções dadas no LIBER CC.
(b) Todos Adeptos devem adicionar a essas práticas, as dadas em LIBER SAMEKH. (Isto
deve ser opcional para os Zelators).
7. (a) «Pela vontade pura, desaliviado de propósito, livre do desejo de resultado, é cada
caminho perfeito.»
O Zelator deverá ser assistido à descobrir sua Verdadeira Vontade por aconse-
lhamento pessoal de S.H. Fra. T.M.T.,80 ou outros Magisters que possam ser nomea-
dos por ele. Sob suas instruções, os Adeptos podem dar assistência de tipo mais ele-
mental a grupos, como por palestras, etc.

79 O Riutual da Vontade.
80 TO MEGA THERION.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
As condições prévias à solicitação de tal assistência estão estabelecidas no
Anexo C., parte: (1) destas Constituições.
(b) Todos os Zelators terão direito a um período de treinamento em qualquer Aba-
dia de Thelema. O procedimento precedente para fazer a solicitação para tal é esta-
belecido no Anexo C., parte: (2) acima mencionado.
(c) As condições do Anexo C., estão sujeitas a adições e alterações de tempos em
tempos. Tal adição e alteração devem ser feitas sob a mão e o selo de S.H. Fra. T.M.T.
8. « Eu sou o ardor que queima em cada coração de homem, e dentro do núcleo de cada
estrela. Eu sou Vida, e o doador de Vida, todavia por esta razão é o meu conheci-
mento, o conhecimento da morte.»
O plano geral da O.T.O. deve ser apresentado diante de todos os membros da
Ordem, para que possam ser levados a uma compreensão dos sublimes princípios
dessa Ordem que busca:
1. instruir o indivíduo através de alegoria e símbolo, nos profundos misté-
rios do nascimento, da vida e da morte e, assim, ajudá-lo a descobrir a ver-
dadeira natureza de seu propósito em vida; e –
2. formar (NT: treinar) a comunidade nas instituições mais esclarecidas,
onde a Verdadeira Vontade do Indivíduo e da Comunidade, será desenvol-
vida e considerada inviolável.
9. «Tu fracassas? Tu estás desgostoso? Há receio em teu coração?»
«Onde Eu sou estes não estão.»
A Ordem de Thelema não é uma ordem mística, mágica ou oculta no sentido
comum dessas palavras. Seu objetivo é permitir que seus membros tenham sucesso
na vida, ensinando-lhes as atitudes corretas em relação à vida e como evitar perder
tempo, em termos de esforço, com estas as quais não são adequadas.
10. «Cada homem e cada mulher é uma estrela.»
Zelators que tenham para suas próprias satisfações e de M.H. Fra. Semper Para-
tus, descoberto suas Verdadeiras Vontades, lhes serão concedidos um distintivo, e
M.H. Fra. Semper Paratus endossará seus certificados com as palavras «O sucesso é
a tua prova», juntamente com uma breve indicação das circunstâncias do caso.
11. «Os ordálios Eu não escrevo: os rituais deverão ser metade conhecidos e metade
ocultados: a Lei é para todos.»
«Não discutas; não convertas; não fales em demasia!»
(a) Os ritos gerais da Ordem serão o LIBER XV e a forma de serviço diário presente-
mente em uso na Abadia de Thelema, tal como consta no Anexo D. destas constitui-
ções.
Palestras, aulas, debates, etc., podem ser atividades adicionais da Ordem.
(b) Com a sanção da M.H. Fra. Semper Paratus, os não-membros podem ser admiti-
dos em reuniões em que candidatos não estejam sendo iniciados. É um dever que
incumbe a todos os membros da Ordem, instruir os visitantes e outros sobre a Lei
de Thelema, especialmente no que diz respeito ao seu valor prático como aplicado a
problemas pessoais, sociais, econômicos e políticos.
Cuidado deve ser tomado para se evitar que a Ordem de Thelema seja classifi-
cada como um corpo oculto ou até mesmo religioso; suas características cerimoniais
e psicológicas devem ser explicadas com afinco, no fato de que elas são necessárias
para o propósito primário da Ordem, a descoberta de sua Verdadeira Vontade (em
oposição a ideais ou desejos pessoais conscientes) por cada membro indivíduo.
12. Em consonância com os princípios da Ordem, a propaganda pode ser empreendida,
tendo como finalidade, a remoção de restrições arbitrárias à Vontade do indivíduo,
e para coordenar as leis de cada país de acordo com a Lei de Thelema. A Ordem de
Thelema procura estabelecer um código, com um único objetivo, que é prevenir que

100
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
qualquer homem ou grupo de homens, interfiram na Verdadeira Vontade de outros,
assim como no caso de assassinato, roubo, estupro, etc. Ela deverá igualmente es-
forçar-se para criar uma Opinião Pública em favor da tolerância social de todas as
opiniões e de práticas que não interfiram na Verdadeira Vontade dos indivíduos e
da Comunidade.
13. A Ordem de Thelema opõe-se categoricamente:
(a) Todas as religiões supersticiosas, como obstáculo ao estabelecimento de uma
religião científica.
(b) Todos os códigos de moralidade não conformes com o «amor sob vontade»;
(c) Todos os sistemas sociais ou políticos que tendem a prejudicar o desenvolvi-
mento da hegemonia do genius individual;
(d) Todas as formas de educação que falham em auxiliar no propósito biológica do
pupilo;
(e) Todos os preceitos que tendem a obstruir o curso da natureza a eliminar os inap-
tos; e
(f) Em geral, todas as coisas que estão em conflito com o texto do LIBER L, CCXX, «O
LIVRO DA LEI».
14. «Estabeleça em tua Kaaba um escritório: tudo deve ser bem feito, com estilo de ne-
gócio.»81
(a) As finalidades para os quais a Ordem de Thelema foi constituída não têm ne-
nhuma preocupação com dinheiro per se, no entanto, como nenhum trabalho ex-
terno pode ser realizado com sucesso sem dinheiro, M.H. Fra. Semper Paratus está
autorizado e empoderado a fazer, de tempos em tempos, regras e regulamentos re-
ferentes a Taxas de Iniciação, Assinaturas Anuais e quaisquer outras questões rela-
tivas ao bem-estar material da Ordem, que possam parecer a seu critério necessárias
ou convenientes.
Os membros são encarregados de apoiar a Ordem e suas atividades de acordo
com suas capacidades e Verdadeiras Vontades.
(b) As relações financeiras subsistentes de tempos em tempos, entre o Chanceler da
A∴A∴ e M.H. Fra. Semper Paratus, será por acordo devidamente registrado no Anexo
E. destas Constituições.
15. No caso de Minha morte ou invalidez, um Conselho/geral da Ordem deverá ser con-
vocado dentro de um ano e um dia, a partir deste evento, por S.H. Fra. O.I.V.V.I.O.
8°=3☐, S.H. Sor. Alostrael 8°=3☐, 156, M.H. Fra. Sempre Paratus 6°=5☐, ou quaisquer
outras pessoas as quais eu Possa designar subsequentemente. Este Conselho discu-
tirá livremente as condições existentes na Ordem durante 11 dias; após terem ou-
vido o membro da A∴ A∴ do mais alto grau (e também em antiguidade), este assu-
mirá as Minhas presentes funções e governará a Ordem em Meu lugar.
16. Estas Constituições estão sujeitas a modificações por Mim de tempos em tempos a
critério.

Nota de Frater ON120: A Ordem de Thelema está aberta a qualquer Zelator da A∴A∴. Todas
as posições adminiustrativas do Colegiado da Luz Hermética somente pode ser exercidas
por Irmãos acima do Grau de Zelator da A∴A∴ e Ordem de Thelema.

81Clerk-house: traduzido como escritório faz referência a uma rotina de procedimentos restritos. Clerk: Proce-
dimento Parlamentar. Também chamado de Secretário da Câmara (no Reino Unido). Um alto funcionário da
Câmara dos Comuns.

101
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Aleister Crowley

Liber NV
Svb Figura XI
A∴A∴
PUBLICAÇÃO EM CLASSE D

Para os Verncedores do Ordálio X


Imprimatur: V.V.V.V.V.
N. Fra. A∴A∴
O.M. 7°=4⌷

Tradução de Frater Nuit Alegrae


Revisão de Frater ON120

000. Este é o livro do Culto do Infinito Externo.


00. O Aspirante é Hadit. Nuit é a infinita expansão da Rosa, Hadit é a infinita concentra-
ção da Cruz.82 (Instrução de V.V.V.V.V.)
0. Primeiro, deixe que o Aspirante aprenda com seu coração o Primeiro Capítulo d’O
Livro da Lei. (Instrução de V.V.V.V.V.)
1. Adoração, isto é, identifique-se com o Khabs, a Luz secreta dentro do Coração. Den-
tro disto novamente, o não estendido é Hadit.
Esta é a primeira prática de Meditação (CCXX, I:6 e 21).
2. Venere e compreenda o Arco da Estela da Revelação.
Acima, o azul celeste é preciosamente decorado
O esplendor nu de Nuit;
Ela se curva em êxtase para beijar
As paixões secretas de Hadit.
Esta é a primeira prática de Inteligência (CCXX, I:14).
3. Evite qualquer ato de escolha ou discriminação.
Esta é a primeira prática de Ética (CCXX, I:22).
4. Considere o seis e cinquenta sendo 6/50 = 0.12.
0 a circunferência Nuit.
. o centro Hadit.
1 o processo da unidade, Ra-Hoor-Khuit.
2 o mundo da Ilusão.
Nuit deste modo, compreende Tudo em Nada.
Além disto, 50 + 6 = 56 = 5 + 6 = 11, a chave de todos os Rituais.

82 Uma referência a Cruz dos Elementos e Hadit como o Deus da Terra.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
E 50 x 6 = 300, o Espírito da Criança Interna.
(Nota NFιc = 72, o Shemhamphorash e as Quinárias do Zodíaco, etc.).
Esta é a segunda prática de Inteligência (CCXX, I:24, 25).
5. O Resultado desta prática é a Consciência da Continuidade de Existência, a Onipre-
sença do Corpo de Nuit.
Em outras palavras, o Aspirante é consciente apenas do Universo Infinito como um
único Ser [note por isso, a importância do Parágrafo 3.- Ed.]
Este é o primeiro Indicativo da Natureza do Resultado (CCXX, I:26).
6. Medite sobre Nuit sendo o 1 Contínuo, estabelecido no Nada; e sendo o 2, como as
fases de seu ser.
Para que o Universo seja auto-contido deve ser capaz de ser expresso pela fórmula
(n - n) = 0. Ou então, que seja expresso pela fórmula n - m = p. Isto é, o Infinito se
move diferente se seu próprio interior, o que é absurdo. – Ed.]
Esta é a segunda prática de meditação (CCXX, I:27).
7. Medite sobre as circunstâncias do Samadhi em todos os planos: a liberação do calor
na química; a alegria na história natural; Ananda na religião; quando duas coisas se
juntam para se perderem em uma terceira.
Esta é a terceira prática de Meditação (CCXX, I:28, 29, 30).
8. Que o Aspirante preste a máxima reverência à Autoridade da A∴A∴ e siga suas ins-
truções, e deixe-o declarar um solene juramento de Devoção à Nuit.
Esta é a segunda prática de Ética (CCXX, I:32).
9. Que o Aspirante tenha cuidado quanto os menores exercícios de sua vontade contra
outro ser. Neste caso, deitar-se, é a melhor postura do que sentar-se ou ficar de pé,
é como opor menor resistência à Gravidade. No entanto, seu primeiro dever é para
a força mais próxima e mais potente; por exemplo, ele pode se levantar para cum-
primentar um amigo.
Esta é a terceira prática de Ética (CCXX, I:41).
10. Deixe que o Aspirante exercite sua vontade sem a menor consideração por qualquer
outro ser. Esta ordem não poderá ser entendida, muito menos completada, até que
a prática anterior tenha sido aperfeiçoada.
Esta é quarta prática de Ética (CCXX, I:42, 43, 44).
11. Deixe que o Aspirante compreenda que estas duas práticas são idênticas.
Esta é a terceira prática de Inteligência (CCXX, I:45).
12. Deixe que o Aspirante viva uma Vida Bela e Agradável. Por esta liberdade que ele
ganhou. Mas que cada ato, especialmente o de amor, seja devotado totalmente a sua
verdadeira amante Nuit.
Esta é a quinta prática de Ética (CCXX, I:51, 52, 61, 63).
13. Que o Aspirante anseie por Nuit sob as estrelas da Noite, com um amor dirigido por
Sua Vontade Mágica, não apenas procedendo do coração.
Esta é a primeira prática da Arte Mágica (CCXX, I: 57).
14. O resultado dessa prática na vida subsequente do Aspirante é preenchê-lo de rego-
zijos inimagináveis: dar-lhe certeza sobre a natureza do fenômeno chamado morte,
para lhe dar paz inalterável, repouso e êxtase.
Esta é a segunda Indicação da Natureza do Resultado (CCXX, I: 58).
15. Deixe o Aspirante preparar um perfume de madeiras resinosas e gomas, de acordo
com sua inspiração.
Esta é a segunda prática da Arte Mágica (CCXX, I: 59).
16. Deixe o Aspirante preparar um Pantáculo, como a seguir:
No chão, inscreva um círculo dentro de um Pentagrama, sobre um quadrado ou qual-
quer outra forma conveniente que ele possa escolher. Que o círculo seja escarlate, o
Pentagrama preto e o chão azul real, cravejado de estrelas douradas.

103
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Dentro do círculo, em seu centro, será pintado um sigilo que deverá ser revelado ao
Aspirante pela própria Nuit.
E este Pantáculo servirá para como imagem telemática, ou como um Eidolon, ou
como um foco para a mente.
Esta é a terceira prática da Arte Mágica (CCXX, I: 60).
17. Deixe o Aspirante encontrar um lugar solitário, se possível um lugar no Deserto de
Areia, ou se não, um lugar sem freqüência de pessoas, e sem objetos para perturbar
a vista. Tais são moorlands83, pântanos extensos, ou mar aberto, largos rios, e cam-
pos abertos. Também, e especialmente, os cumes das montanhas.
Lá, deixe-o invocar a Deusa, já que ele tem Sabedoria e Entendimento para fazê-lo.
Mas que esta Invocação seja a de um coração puro, isto é, um coração inteiramente
devotado a Ela, lembrando-se de que ele é o próprio Hadit, no seu lugar mais secreto
de invocação. Então deixe esta serpente Hadit irromper-se em chamas.
Esta é a quarta prática da Arte Mágica (CCXX, I: 61).
18. Então, que seja permitido ao Aspirante aproximar-se para descansar nos seios Dela.
Esta é a terceira Indicação da Natureza do Resultado (CCXX, I: 61).
19. Deixe o Aspirante ficar na beira de um precipício em ato ou em imaginação. E deixe-
o imaginar e sofrer o medo de cair.
Em seguida, que ele imagine com esta ajuda, que a Terra está caindo, e ele com ela,
ou ele dela; E considerando a infinidade de espaço, que ele excite o medo dentro dele
até o ponto de êxtase, de modo que o mais terrível sonho de cair que ele jamais so-
freu, seja como nada em comparação.
Esta é a quarta prática da Meditação (Instrução de V.V.V.V.V.).
20. Assim, tendo compreendido a natureza desta Terceira Indicação, deixe-o em seu
Rito de Magia, cair de si mesmo em Nuit ou expandir-se n’Ela, do modo em que sua
imaginação possa compeli-lo. E naquele momento, desejando ardentemente o Beijo
de Nuit, que ele dê uma partícula de poeira ou seja, que Hadit se entregue-se intei-
ramente a Ela.
Esta é a quinta prática da Arte Mágica (CCXX, I: 61).
21. Então, que ele seja privado de tudo naquela hora.
Esta é a quarta Indicação da Natureza do Resultado. (CCXX, I: 61).
22. Deixe que o Aspirante prepare uma canção de amor de êxtase para a Deusa, ou deixe
que ele seja inspirado por Ela para tal.
Esta é a sexta prática da Arte Mágica (CCXX, I: 63).
23. Deixe o aspirante se vestir em um manto de peça única. Um abbai escarlate bordado
com ouro é o mais adequado.
[Um abbai não é diferente de um Kimono Japonês. Ele deve ser colocado simples-
mente sobre o tórax sem cinto ou outro topo de atadura. – Ed.]
Esta é a sétima prática da Arte de Magica (CCXX, I: 61).
24. Que o Aspirante use um rico diadema. Uma coroa de ouro adornada com safiras ou
diamantes, uma toca azul real como sustentação, ou nemmes, o que é mais ade-
quado.
Esta é a oitava prática de Arte Mágica (CCXX, I:61).
25. Que o Aspirante use tantas jóias quanto ele possa ter.
Esta é a nona prática de Arte Mágica (CCXX, I:63).
26. Que o Aspirante prepare Um Elixir ou Libação, uma vez que ele tenha habilidade
para fazê-lo
Esta é a décima prática de Arte Mágica (CCXX, I:63).

83 terrenos áridos e pedregosos cobertos de urze.

104
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
27. Deixe que o Aspirante invoque, deitado de barriga para cima, tendo seu manto es-
palhado como se fosse um tapete.
Esta é a décima primeira prática da Arte Mágica (Instrução de V.V.V.V.V.).
28. Resumo: Preliminares.
Estas são as coisas que se deve possuir:
a. A Coroa ou diadema;
b. As Jóias;
c. O Pantáculo;
d. O Robe;
e. A Canção ou Invocação;
f. O Local de Invocação;
g. O Perfume;
h. O Elixir.
29. Continuação do resumo: Preliminares.
Estas são as compreensões necessárias:
a. A Natureza de Nuit e Hadit, e as Relações entre si;
b. O Mistério da Vontade Individual.
30. Continuação do resumo: Preliminares.
Estas são as meditações necessárias a serem cumpridas:
a. A descoberta de Hadit no Aspirante e sua identificação com Ele;
b. O 1 Contínuo;
c. O valor da Equação n + (- n);
d. Cremnofobia.84
31. Continuação do resumo: Preliminares.
Essas são as Práticas Éticas necessárias a serem cumpridas:
a. A realização do ponto de vista a partir de Kether;
b. Reverência a Ordem;
c. Abolição da vontade humana;
d. Exercício da Verdadeira Vontade;
e. Devoção a Nuit, através de uma vida bela.
32. Continuação do resumo: O Rito atual.
a. Retire-se para o deserto com coroa, insígnia e outros implementos;
b. Queime perfume;
c. Entoe um encantamento;
d. Beba o Elixir a Nuit;
e. Deitando de barriga para cima, com os olhos fixados nas estrelas, pratique a
sensação de queda dentro do nada;
f. Estando realmente nos seios de Nuit, deixe Hadit render-se a Si Mesmo.
33. Resumo concluído: Resultados.
a. Expansão da Consciência para aquela do Infinito;
b. Perda de tudo, a mais alta consecução mística;
c. Sabedoria Verdadeira e Felicidade Perfeita.

84 Medo mórbido de precipícios.

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Aleister Crowley

Liber HAD
Svb Figura DLV
A∴A∴
PUBLICAÇÃO EM CLASSE D

Para os Verncedores do Ordálio X


Imprimatur: V.V.V.V.V.
N. Fra. A∴A∴
O.M. 7°=4⌷

Tradução de Frater Nuit Alegrae


Revisão de Frater ON120

000. Este é o Livro do Culto do Infinito Interno.


00. O Aspirante é Nuit. Nuit é a expansão infinita da Rosa; Hadit a concentração infinita
da cruz. (Instrução de V.V.V.V.V.)
0. Primeiro, deixe que o Aspirante aprenda com seu coração o Primeiro Capítulo d’O
Livro da Lei. (Instrução de V.V.V.V.V.)
1. Adoração, isto é, identifique-se com Nuit, como uma chama suave de azul, tocante a
tudo, que a tudo penetra, suas belas mãos sobre a terra negra, e seu corpo esguio
arqueado por amor, e seus pés macios não ferindo as pequenas flores, assim como
Ela é imaginada na Estela da Revelação.
Esta é a primeira prática da Meditação (CCXX, I:26).
2. Que ele vá além e se identifique com o coração de Nuit, cujo êxtase está no êxtase de
seus filhos, e sua alegria ao ver a alegria deles, que diz: Eu vos amo! Eu anseio por
vós! Pálida ou púrpura, velada ou voluptuosa, Eu que sou toda prazer e púrpura, e
embriaguez do mais íntimo sentido, vos desejo. Vista as asas, e desperte o espiralado
esplendor dentro de vós: venha para mim!... Cantai a arrebatadora canção-de-amor
para mim! Queimai perfumes para mim! Exibi jóias para mim! Bebei para mim, pois
Eu vos amo! Eu vos amo!
Esta é a segunda prática da Meditação (CCXX, I:13, 61, 63, 64, 65).
3. Deixe que o Aspirante se aplique para compreender Hadit como um ponto não dila-
tado, revestido de Luz inefável. E que ele tenha cuidado para não se deslumbrar com
essa Luz.
Esta é a primeira prática da Inteligência (CCXX, II:2).
4. Deixe que o Aspirante se aplique para compreender Hadit como o centro onipre-
sente de toda esfera concebível.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Esta é a segunda prática da Inteligência (CCXX, I:2).
5. Deixe que o Aspirante se aplique para compreender Hadit como a alma de cada ho-
mem e de cada estrela, juntando isto a sua Compreensão da Palavra (CCXX, I:2).
«Cada homem e cada mulher é uma estrela.» Permita que esta concepção seja aquela
da vida, a do doador da vida, e deixe-o perceber que consequentemente o conheci-
mento de Hadit é o conhecimento da morte.
Esta é a terceira prática da Inteligência (CCXX, II:6).
6. Deixe que o Aspirante se aplique para compreender Hadit como o Mago ou criador
da Ilusão, e o Exorcista ou destruidor da Ilusão, sob a figura do eixo da Roda e o cubo
no círculo. E também como a Alma Universal do Movimento.
(Esta concepção harmoniza Thoth e Harpócrates de uma maneira muito completa e
milagrosa.Thoth é tanto o Mago do Tarot (ver Liber 418) quanto o Mercúrio Univer-
sal e Harpócrates e tanto o destruidor de Tifon quanto o Bebê sobre o Lotus.Tenha
em conta que a «Postura de Ibis» formula exatamente esta concepção.)
Esta é a quarta prática da Inteligência (CCXX, II:7).
7. Deixe que o Aspirante se aplique para compreender Hadit como o perfeito, aquilo
que não É, e resolva o mistério dos números de Hadit e seus componentes por seu
próprio Ingenium.85
Esta é a quinta prática da Inteligência (CCXX II:15, 16).
8. Que o Aspirante, sustentando-se como um grande Rei, arraigue e destrua sem pie-
dade, todas as coisas fracas, sujas, doentes ou indignas em si e ao seu redor. E que
ele fique extremamente orgulhoso e feliz.
Esta é a primeira prática da Ética (CCXX II:18, 19, 20, 21).
9. Deixe que o Aspirante se aplique para compreender Hadit como a cobra que dá Co-
nhecimento, Deleite e glória brilhante, que agita o coração dos homens com embri-
aguez. Esta cobra é azul e dourada; seus olhos são vermelhos e suas escamas são
verdes e ultravioletas.
(Isto é, como a forma mais exaltada da Serpente Kuṇḍalinī.)
Esta é a sexta prática da Inteligência (CCXX II:22, 50, 51).
10. Deixe-o ir mais além, identificando-se com esta Cobra.
Esta é a segunda prática da Meditação (CCXX II: 22).
11. Que o Aspirante tome vinho e drogas estranhas, de acordo com seu conhecimento e
experiência, e se embriague disso tudo.
(O Aspirante deve estar em uma condição tão suscetível, que uma única gota, talvez
até mesmo o cheiro, seja o suficiente.)
Esta é a primeira prática da Arte Magica (CCXX II:22).
12. Deixe que o Aspirante concentre sua consciência na Cruz colocada sobre a Monta-
nha, e identifique-se com Ela. Que ele esteja bem consciente da diferença entre a
própria alma e o pensamento que habitualmente desperta em sua própria mente.
Esta é a terceira prática da meditação, e como ela será encontrada, uma compreen-
são e harmonia e absorção das práticas da Inteligência (CCXX II:22).
13. Que o Aspirante se aplique para compreender Hadit como a Unidade que é o Nega-
tivo. (Ain Elohim, ED.)
Esta é a sétima prática da Inteligência (CCXX II: 23).
14. Deixe o Aspirante viver a vida como um ser forte e belo, orgulhoso e exaltado, des-
prezível e feroz para com tudo o que é básico e vil.
Esta é a segunda prática da Ética (CCXX II:24, 25, 45-49, 52, 56-60).

85 Lat.: Inteligência.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
15. Deixe que o Aspirante se aplique para compreender Hadit de acordo com o 26° ver-
sículo do Segundo Capítulo do Livro da Lei. Isso será fácil para ele, se tiver realizado
bem a Terceira Prática da Meditação.
Esta é a oitava prática da Inteligência (CCXX II:26).
16. Deixe que o Aspirante destrua a Razão em si mesmo, de acordo com a prática do
Liber CDLXXIV.
Esta é a quarta prática da Meditação (CCXX II:27-33).
17. Deixe que o Aspirante observe devidamente as Festas determinadas pela A∴A∴ e
que ele possua e execute tais rituais dos elementos, invocando-os devidamente em
sua época.
Esta é a segunda prática da Arte Magica (CCXX II:35-43).
18. Deixe que o Aspirante se aplique para compreender Hadit como um bebê no ovo do
Espírito, invisível dentro dos 4 elementos (ākāśa, ED.).
Esta é a nona prática da Inteligência (CCXX II:49).
19. O Aspirante sentado em seu āsana, começará de repente a respirar estranhamente,
e isto sem a Operação de sua vontade; a Inspiração será associada ao pensamento
de intensa excitação e prazer até à exaustão; e a expiração será muito rápida e vigo-
rosa, como se essa excitação fosse repentinamente liberada.
Esta é a primeira e última Indicação do Sinal do Começo deste Resultado (CCXX
II:63).
20. Uma luz aparecerá para o Aspirante, inesperadamente. Hadit surgirá de dentro dele,
e Nuit concentrar-se-á sobre ele por fora. Ele será subjugado, e a Conjunção do Infi-
nito Externo com o Infinito Interno, ocorrerá em sua alma e o Uno, será disposto
dentro do Nada.
Esta é a primeira Indicação da Natureza do Resultado (CCXX II: 61, 62, 64).
21. Deixe que o Aspirante fortaleça seu corpo por todos os meios que ele puder, e deixe
que ele com o mesmo ritmo, refine tudo o que esteja nele, para o verdadeiro ideal
de Realeza. Contudo, deixe que a fórmula dele seja Excesso, como a de um rei deve
ser.
Esta é a terceira prática da Ética (CCXX II:70, 71).
22. Para o Aspirante que tiver sucesso nesta prática, o resultado continuará a aumentar
até o seu clímax, com sua morte física em seu devido tempo. Esta prática deve, no
entanto, prolongar a vida.
Esta é a segunda Indicação da Natureza do Resultado (CCXX II:66, 72-74).
23. Deixe que o Adepto aspire a prática de Liber XI e pregue à humanidade.
Esta é a quarta Prática da Ética (CCXX II:76).
24. Que o Adepto adore o Nome, quadrangular, místico, maravilhoso da Besta e o nome
de Sua casa; e dê bênção e adoração ao profeta da linda Estrela.
Esta é a quinta prática da Ética (CCXX II:78, 79).
25. Deixe que o Aspirante expanda sua consciência para a de Nuit, e a conduza rapida-
mente para dentro. Isto pode ser praticado, através da imaginação de que os Céus
estão caindo, transferindo em seguida, a consciência para eles.
Esta é a quinta prática da Meditação. (Instrução de V.V.V.V.V.)
26. Resumo: Preliminares.
Estas são as posses necessárias:
a. Vinho e drogas estranhas.
27. Continuação do resumo: Preliminares.
Estas são as compreensões necessárias:
a. A natureza de Hadit (e de Nuit, e as relações entre eles.)
28. Continuação do resumo. Preliminares.
Estas são as meditações necessárias a serem realizadas:

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a. Identificação com Nuit, corpo e espírito;
b. Identificação com Hadit como a Serpente;
c. Identificação com Hadit como o crucifixo;
d. Destruição da razão;
e. A queda dos Céus.
29. Continuação do resumo: Preliminares.
Estas são as Práticas Éticas a serem cumpridas:
a. A destruição de toda a indignidade em si mesmo e dos que o rondam;
b. Plenitude, quase violência, da vida.
30. Continuação do resumo: Preliminares.
Estas são as Artes Mágicas a serem praticadas:
a. Durante a preparação, execute as Invocações dos Elementos;
b. Observe as Festas determinadas pela A∴ A∴.
31. Continuação do resumo: A prática real.
Estas são as compreensões necessárias:
a. Adquira a intoxicação adequada:
b. Como Nuit, vincule-se com infinita força sobre Hadit.
32. Continuação do resumo: Os resultados.
a. O início de uma peculiar respiração automática;
b. Uma luz aparece;
c. Samādhi dos dois Infinitos internos do aspirante;
d. Intensificação do 3 na repetição;
e. Prolongamento da vida;
f. A morte torna-se o clímax da prática.
33. Resumo concluído.
Estas são as práticas a serem executadas em sinal de graças ao resultado:
a. Aspiração ao Liber XI;
b. Pregação de Θελημα para a humanidade;
c. Bênção e Adoração ao profeta da linda Estrela.

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Aleister Crowley

Liber AL Vel Legis


Svb Figura CCXX
A∴A∴
PUBLICAÇÃO EM CLASSE A

Como foi Entregue por


XCIII = 418
A
DCLXVI

Tradução de Frater ON120

Capítulo . I .

1. Had! A manifestação de Nuit.


2. O desvelar da companhia do céu.
3. Cada homem e cada mulher é uma estrela.
4. Cada número é infinito; não há diferença.
5. Ajuda-me, ó senhor guerreiro de Thebas, no meu desvelar ante às Crianças dos homens!
6. Sê tu Hadit, meu centro secreto, meu coração & minha língua!
7. Vê! isto é revelado por Aiwass, o ministro de Hoor-paar-kraat.
8. O Khabs está no Khu, não o Khu no Khabs.
9. Reverenciai então o Khabs, e veja minha luz vertida sobre vós!
10. Deixai meus servos serem poucos & secretos: eles deverão ordenar os muitos & os co-
nhecidos.
11. Estes são tolos que homens adoram; ambos seus Deuses & seus homens são tolos.
12. Apareçam, ó crianças, sob as estrelas, & recebam suas farturas de amor!
13. Eu estou acima de vós e em vós. Meu êxtase está nos vossos. Meu prazer é ver vossos
prazeres.
14. Acima, a jóia azul é
O esplendor nu de Nuit;
Ela curva-se em êxtase para beijar
As paixões secretas de Hadit.
O alado globo, o azul estrelado,
São meus, Ó Ankh-af-na-khonsu!
15. Agora vós deveis saber que o sacerdote escolhido & apóstolo do infinito espaço é o prín-
cipe-sacerdote a Besta; e para sua mulher chamada a Mulher Escarlate é dado todo o

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poder. Eles deverão reunir minhas crianças no interior dos seus envoltórios: eles deve-
rão trazer a glória das estrelas para o interior dos corações dos homens.
16. Pois ele é sempre um sol, e ela uma lua. Mas para ele é a alada chama secreta, e para ela
a curvada luz estelar.
17. Mas vós não sois assim escolhido.
18. Queime sobre suas frontes, ó serpente esplendorosa!
19. Ó mulher coberta-de-azul, curve-se sobre eles!
20. A chave dos rituais está na secreta palavra a qual Eu tenho dado a ele.
21. Com o Deus & o Adorador Eu nada sou: eles não vêem a mim. eles estão igualmente sobre
a terra; Eu sou Céu, e não existe outro Deus que Eu, e meu senhor Hadit.
22. Agora, por esta razão, Eu sou conhecida por vós pelo meu nome Nuit, e por ele, por um
secreto nome o qual Eu lhe darei quando, afinal ele conhecer-me. Desde que Eu sou Infi-
nito Espaço, e as Infinitas Estrelas deste, fazei vós também desta forma. Atai-vos de modo
algum! Não deixai ter diferença feita no meio de vós entre qualquer uma coisa & qualquer
outra coisa; em conseqüência disto aproxima-se o prejuízo.
23. Mas quem quer que beneficie-se nisto, deixe-o ser o chefe de todos!
24. Eu sou Nuit, e minha palavra é seis e cinqüenta.
25. Divida, adicione, multiplique, e perceba.
26. Por isso disse o profeta e servo da bela deusa: Quem sou eu, e qual deverá ser o sinal?
Deste modo ela lhe respondeu, curvando-se para baixo, uma deslizante paixão de azul,
toda-comovente, toda introduzida, suas amáveis mãos sobre a terra negra, & seu brando
corpo arqueado por causa do amor, e seus afáveis pés não magoando as pequenas flores:
Tu sabes! E o sinal deverá ser meu êxtase, a consciência da continuidade da existência, a
onipresença do meu corpo.
27. Portanto O sacerdote respondeu & disse para a Rainha do Espaço, beijando suas gracio-
sas sobrancelhas, e o orvalho de sua luz banhando seu corpo inteiro em um perfume de
doce-cheiro de suor: Ó Nuit, deusa contínua do Céu, deixai ser sempre desta forma; que
os homens não falem de Ti como Uma, mas como Nenhuma; e deixe-os falar, não de ti de
qualquer modo, desde que tu és contínua!
28. Nenhuma revelou a luz, lânguida & feérica, das estrelas, e dois.
29. Pois Eu estou dividida pela causa do amor, durante a chance de união.
30. Esta é a criação do mundo, que o tormento da divisão é conforme nada, e o prazer da
inteira dissolução.
31. Para estes tolos dos homens e suas aflições tu não cuidarás de todos! Eles pouco com-
preendem; o que é, é equilibrado por meio de escassos prazeres; mas vós sois meus úni-
cos escolhidos.
32. Cumpra meu profeta! compreenda a oposição dos ordálios do meu conhecimento. aspi-
rai-me unicamente! Em seguida os prazeres do meu amor vos libertará de todo sofri-
mento. Isto é assim: Eu juro isto pela abóbada do meu corpo; pelo meu sagrado coração
e língua; para todos Eu posso oferecer, pela totalidade Eu desejo de vós todos.
33. A seguir o sacerdote caiu em um profundo transe ou desmaio, & disse para a Rainha do
Céu: Escreva para nós os ordálios; escreva para nós os rituais; escreva para nós a Lei!
34. Mas ela disse: os ordálios Eu não escrevo: os rituais deverão ser metade conhecidos e
metade ocultados: a Lei é para todos.
35. Isto que tu escreves é o triplo livro da Lei.
36. Meu escriba Ankh-af-na-khonsu, o sacerdote dos príncipes, não deverá mudar este livro
em uma letra; mas afim de que não haja disparate, ele deverá comentar, em conseqüência
disso, por meio da sabedoria de Ra-Hoor-Khu-it.
37. Também os mantras e encantamentos; o obeah e o wanga; o trabalho do bastão e o tra-
balho da espada; estes ele deverá aprender e ensinar.
38. Ele deve ensinar; mas ele pode fazer severos os ordálios.

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39. A palavra da Lei é .
40. Quem nos chama Thelemitas não fará engano, se ele olhar, senão de perto, no interior
da palavra. Pois nesta estão Três Graduações, o Eremita, e o Amante, e o homem da Terra.
Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.
41. A palavra de Pecado é Restrição. Ó homem! não rejeite tua esposa, se ela quiser! Ó
amante, se tu queres, parta! Não há laço que possa unir o dividido senão o amor: tudo
além disso é uma maldição. Maldito! Maldito seja isto para os æons! Inferno.
42. Deixe estar aquele estado permanente e odioso de limitação. Desta forma com tudo teu;
tu não tens direito senão fazer tua vontade.
43. Faz isto, e nenhum outro deverá dizer não.
44. Pela vontade pura, desaliviado de propósito, livre do desejo de resultado, é cada cami-
nho perfeito.
45. Perfeito e o Perfeito são unidade Perfeita e não dois; não, são nenhum!
46. Nada é uma secreta chave desta lei. Sessenta e um os Judeus a chamam; Eu a chamo oito,
oitenta, quatrocentos & dezoito.
47. Mas eles têm a metade: una-se pela tua arte para que tudo desapareça.
48. Meu profeta é um louco com seu um, um, um; não são eles o Boi, e ninguém com o Livro?
49. Abolidos estão todos os rituais, todos os ordálios, todas as palavras e sinais. Ra-Hoor-
Khuit tem tomado seu curso no Oriente junto ao Equinócio dos Deuses; e deixe Asar com
Isa, que também são um. Mas eles não são meus. Deixe Asar ser o adorador, Isa a sofre-
dora; Hoor em seu secreto nome e esplendor é o Senhor iniciando.
50. Há uma palavra a dizer sobre a Hierofântica tarefa. Vede! Existem três ordálios em um,
e estes podem ser dados em três caminhos. O espesso deve passar através do fogo; deixe
o fino ser experimentado no intelecto, e aqueles sublimes escolhidos no altíssimo. Desta
forma vós tendes estrelas & estrelas, sistema & sistema; não deixai um conhecer bem o
outro!
51. Existem quatro portais para um palácio; o chão daquele palácio é de prata e ouro; lápis-
lazúli & jaspe lá estão; e todas as raras fragrâncias; jasmim & rosas, e os emblemas da
morte. Deixai-o entrar em turno ou imediatamente nos quatro portões; deixai-o resistir
sobre o chão do palácio. Ele não sucumbirá? Amn. Ho! guerreiro, se teu servidor sucum-
bir? Mas existem meios e meios. Sejais graciosos portanto: vesti-vos todos em fino traje;
comei saborosos alimentos e bebei doces vinhos e vinhos que espumam! Também, tomai
vossa fartura e vontade de amar como vós quereis, quando, onde e com quem vós que-
reis! Mas continuamente para mim.
52. Se isto não estiver acertadamente; se vós confundis os símbolos-do-espaço, dizendo:
Eles são um; ou dizendo, Eles são muitos; se os rituais não forem sempre para mim: logo
aguardai os terríveis julgamentos de Ra Hoor Khuit!
53. Isto deverá regenerar o mundo, o pequeno mundo minha irmã, meu coração & minha
língua, para quem Eu enviei este beijo. Também, ó escriba e profeta, ainda que tu sejas
dos príncipes, isto não deverá aliviar a ti e absolver-te. Mas seja teu êxtase e prazer da
terra: sempre Para mim! Para mim!
54. Não mudes tanto o estilo quanto uma letra; pois vede! tu, ó profeta, não deverás contem-
plar todos esses mistérios ocultos aí.
55. A criança de tuas entranhas, ele deverá avistá-los.
56. Aguarde-a não do Oriente, nem do Ocidente; pois de nenhuma casa esperada chegará
esta criança. Aum! Todas as palavras são sagradas e todos os profetas verdadeiros; salvo
unicamente que eles entendem um pouco; resolvem a primeira metade da equação, dei-
xam a segunda inatacada. Mas tu tens todas na clara luz, e alguns, ainda que não todos,
na escuridão.
57. Invoca-me sob minhas estrelas! Amor é a lei, amor sob vontade. Nem permita os tolos
não entenderem o amor; pois existe amor e amor. Existe a pomba, e existe a serpente.

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Escolhei bem! Ele, meu profeta, tem escolhido, conhecendo a lei da fortaleza e o grande
mistério da Casa de Deus. Todas essas antigas letras do meu Livro estão corretas; mas c
não é a Estrela. Isto também é segredo: meu profeta deverá divulgá-lo ao sábio.
58. Eu dou prazeres inimagináveis sobre a terra; certeza, não crença, enquanto em vida,
sobre a morte; paz inenarrável, repouso, êxtase; Eu tampouco faço exigência de algo em
sacrifício.
59. Meu incenso é de resinosas madeiras & gomas; e não há sangue nisso: por causa dos
meus cabelos as árvores da Eternidade.
60. Meu número é 11, conforme todos seus números que são nossos. A Estrela de Cinco
Pontas, com um Círculo no Meio, & o círculo é Vermelho. Minha cor é negro para o cego,
mas azul & ouro são vistos do observador. Também Eu tenho uma glória secreta para os
que me amam.
61. Mas amar-me é melhor do que todas as coisas: se sob as estrelas-da-noite, no deserto, tu
dali a pouco queimas meu incenso perante mim, invocando-me com um coração puro, e
a Serpente ardendo aí, tu deverás chegar-se um pouco para repousar em meu seio. Por
um beijo tu queres, em seguida, estar disposto a dar tudo; mas aquele que oferece uma
partícula de pó, deverá perder tudo nesta hora. Vós devereis reunir bens e grande quan-
tidade de mulheres e especiarias, vós devereis exibir ricas jóias; vós devereis exceder as
nações da terra em esplendor & orgulho; mas continuamente no meu amor, e portanto,
vós vireis para o meu prazer. Eu vos exorto sinceramente a vir perante mim em um sim-
ples robe, e coberto com um rico toucado. Eu vos amo! Eu anseio por vós! Pálida ou púr-
pura, velada ou voluptuosa, Eu que sou toda prazer e púrpura, e embriaguez do mais
íntimo sentido, vos desejo. Vista as asas, e desperte o espiralado esplendor dentro de vós:
venha para mim!
62. Em todos meus encontros convosco, deverá a sacerdotisa dizer - e seus olhos deverão
queimar com desejo conforme ela se erguer, de pé, nua e regozijante em meu secreto
templo - Para mim! Para mim! fazendo nascer a chama dos corações de todos em seu
canto-de-amor.
63. Cantai a arrebatadora canção-de-amor para mim! Queimai perfumes para mim! Exibi
jóias para mim! Bebei para mim, pois Eu vos amo! Eu vos amo!
64. Eu sou a filha coberta-de-azul do Ocaso; Eu sou o puro esplendor do voluptuoso céu-da-
noite.
65. Para mim! para mim!
66. A Manifestação de Nuit está em uma finalidade.

Capítulo . I I .

1. Nu! o ocultar de Hadit.


2. Vinde! todos vós, e aprendei o segredo que contudo não tem sido revelado. Eu, Hadit, sou
o complemento de Nu, minha noiva. Eu não estou estendido, e Khabs é o nome de minha
Casa.
3. No globo Eu sou, em qualquer lugar, o centro, enquanto Ela, a circunferência, é em parte
alguma encontrada.
4. Entretanto ela deverá ser reconhecida & Eu jamais.
5. Vede! os rituais do velho tempo estão sombrios. Deixai aqueles nocivos serem abandona-
dos; deixai aqueles válidos serem clarificados pelo profeta! Em seguida deverá este Co-
nhecimento prosseguir acertadamente.
6. Eu sou o ardor que queima em cada coração de homem, e dentro do núcleo de cada estrela.
Eu sou Vida, e o doador de Vida, todavia por esta razão é o meu conhecimento, o conhe-
cimento da morte.

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7. Eu sou o Magista e o Exorcista. Eu sou o eixo da roda da revolução, e o cubo no círculo.
‘Venha para mim’ é uma palavra néscia: por isso sou Eu que vou.
8. Quem reverenciou Heru-pa-kraath tem me reverenciado; dificilmente, pois Eu sou o re-
verenciador.
9. Recordai todos vós que existência é puro prazer; que todos os sofrimentos são senão
como sombras; eles passam & estão feitos; mas existe aquilo que permanece.
10. Ó profeta! tu dificilmente tens prazer para aprender este escrito.
11. Eu vejo-te odiar a mão & a pena; mas Eu sou mais forte.
12. Por causa de mim em Ti o qual tu não distinguiste.
13. Por que motivo? Porque tu eras o conhecedor, e Eu.
14. Agora deixai aí existir um véu deste santuário: agora deixai a luz devorar homens e en-
goli-los completamente com cegueira!
15. Pois Eu sou perfeito Não sendo; e meu número é nove pelos tolos; mas com o justo eu
sou oito, e um em oito: O que é vital, pois Eu sou nenhum de fato. A Imperatriz e o Rei
não são meus; pois existe um segredo suplementar.
16. Eu sou A Imperatriz & o Hierofante. Desta forma onze, conforme minha noiva é onze.
17. Ouçam-me, vós Nações de lamentação!
As tristezas de tormento e arrependimento
São deixadas para o morto e o agonizante,
O povo que não me conhece até agora.
18. Estes são mortos, estes indivíduos; eles não percebem. Nós não somos para o infeliz e o
melancólico: os senhores da terra são nossos parentes.
19. Está um Deus a viver em um cão? Não! mas os altíssimos são nossos. Eles deverão rego-
zijar, nossos escolhidos: quem se entristece não é nosso.
20. Beleza e vigor, pulos de risada e delicioso langor, força e fogo são nossos.
21. Nós nada temos com o perdido e o incapacitado: deixe-os fenecer em suas misérias. Pois
eles não percebem. Compaixão é o vício dos reis: selai abaixo os desgraçados & os indul-
gentes: esta é a lei do forte: esta é nossa lei e o prazer do mundo. Não pense, ó rei, sobre
esta mentira: Que Tu Deves Morrer: certamente tu não deverás morrer, mas existir.
Agora deixai isto ser entendido: Se o corpo do Rei dissolve, ele deverá permanecer em
puro êxtase para sempre. Nuit! Hadit! Ra-Hoor-Khuit! O Sol, Vigor & Visão, Luz; estes são
para os servos da Estrela & da Cobra.
22. Eu sou a Cobra que confere Conhecimento & Deleite e resplandecente glória, e excito os
corações dos homens com embriaguez. Para reverenciar-me tomai vinho e estranhas
drogas, das quais eu direi ao meu profeta, & embriagai-vos destes. Eles não deverão fa-
zer-vos mal absolutamente. Isto é uma mentira, esta tolice contra vós mesmos. O aspecto
de inocência é uma mentira. Seja forte, ó homem! deseje, desfrute todas as coisas do sen-
tido e êxtase: não receie que qualquer Deus deverá renegar a ti por isto.
23. Eu sou sozinho: não existe Deus onde Eu sou.
24. Eis aí! estes são graves mistérios. Pois existem, além disso, meus amigos que são eremi-
tas. Atualmente não pense encontrá-los na floresta ou sobre a montanha; mas em camas
de púrpura, acariciados por suntuosas bestas de mulheres com grossos membros, e fogo
e luz em seus olhos, e volumes de cabelos flamejantes sobre eles; lá vós devereis encon-
trá-los. Vós devereis vê-los no governo, em exércitos vitoriosos, em todo modo o prazer;
e deverão estar neles um prazer um milhão de vezes maior do que isto. Acautelai-vos a
fim de que algum não force um outro; Rei contra Rei! Amai-vos uns aos outros com cora-
ções ardentes; sobre os homens submissos, desprezai-os na feroz luxúria de vosso orgu-
lho, no dia de vossa cólera.
25. Vós sois contra as nações, Ó meus escolhidos!
26. Eu sou a secreta Serpente enrolada pronta para saltar: em meu enrolar está o prazer. Se
Eu ascendo completamente minha cabeça, Eu e minha Nuit somos um. Se Eu inclino para

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baixo minha cabeça, e verto veneno, em seguida é arrebatado da terra, e Eu e a terra
somos um.
27. Existe grande perigo em mim; pois quem não entender estas runas deverá efetuar uma
grande falha. Ele deverá arruinar-se dentro do fosso chamado Porque, e lá ele deverá
sucumbir com os cães da Razão.
28. Agora uma maldição sobre Porque e seus parentes!
29. Possa Porque ser amaldiçoado para sempre!
30. Se a Vontade detém-se e clama Por quê, invocando Porque, em seguida a Vontade detém-
se & nada faz.
31. Se o Poder pergunta por quê, então o Poder é fraqueza.
32. Também o argumento é uma mentira; pois existe um fator infinito & desconhecido; &
todas suas palavras são distorcidas.
33. Basta de Porque! Seja ele amaldiçoado por um cão.
34. Mas vós, ó minha nação, rebele-se & desperte-se!
35. Deixai os rituais serem verdadeiramente realizados com prazer & beleza!
36. Existem rituais dos elementos e festas das estações.
37. Uma festa para a primeira noite do Profeta e sua Noiva!
38. Uma festa para os três dias da escritura do Livro da Lei.
39. Uma festa para Tahuti; e a criança do Profeta - segredo, Ó Profeta!
40. Uma festa para o Supremo Ritual, e uma festa para o Equinócio dos Deuses.
41. Uma festa para incitar e uma festa para diluir; uma festa para vida e uma grandiosa festa
para morte!
42. Uma festa cada dia em seus corações no prazer do meu arrebatamento!
43. Uma festa cada noite para Nu, e o prazer do mais alto deleite!
44. Sim! festejem! regozijem! não existe receio para o futuro. Existe a dissolução, e eterno
êxtase nos beijos de Nu.
45. Existe morte para os cães.
46. Tu fracassas? Tu estás desgostoso? Há receio em teu coração?
47. Onde Eu sou estes não estão.
48. Não se compadeça dos sucumbidos! Eu nunca os conheci! Eu não sou para eles! Eu não
consolo: Eu abomino o consolado & o consolador.
49. Eu sou único & conquistador. Eu não sou dos escravos que sucumbem. Sejam eles amal-
diçoados & mortos! Amém. [Isto é dos 4: existe um quinto que é invisível, & no mesmo
Eu estou conforme um bebê em um ovo].
50. Azul Eu sou e ouro na luz de minha noiva: mas o resplendor vermelho está em meus
olhos; & minhas lantejoulas são púrpuras & verdes.
51. Púrpuras além do púrpuro: esta é a luz mais poderosa do que a visão.
52. Existe um véu: este véu é negro. Este é o véu da mulher recatada: este é o véu da tristeza,
& o manto da morte: isto de modo algum é meu. Derrubem aquele falso espectro dos
séculos: não velai vossos vícios em virtuosas palavras: estes vícios são meu auxílio; vós
fazeis bem & Eu vos retribuirei aqui e para o futuro.
53. Não receai, ó profeta, quando estas palavras são ditas, tu não deverás estar triste. Tu és
enfaticamente meu escolhido; e benditos são os olhos de modo que tu olharás com ale-
gria. Mas eu ocultarei a ti em uma máscara de tristeza: eles que vêem a ti recearão que tu
estás sucumbido: mas eu ergo-te completamente.
54. Nem deverão eles bradar, seus disparates em voz alta, que tu nada queres dizer de pro-
veito; tu deverás divulgar isto: tu aproveitas: eles são os escravos do porque: Eles não
são meus. Os pontos conforme tu queres; as letras? não as mude em gênero ou valor!
55. Tu deverás obter a regra & valor do Alfabeto Inglês; tu deverás encontrar novos símbo-
los para atribuir a ela.

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56. Fora daqui! vós zombadores; mesmo ainda que vós escarnecerdes em minha honra vós
devereis escarnecer não por muito tempo: em seguida quando vós estiverdes tristes, sa-
beis que eu vos tenho abandonados.
57. Ele que é justo deverá ser justo sempre; ele que é corrompido deverá ser corrompido
sempre.
58. Sim! não julgai de mudança: vós devereis ser conforme vós sois, & não outro. Portanto
os reis da terra deverão ser Reis para sempre: os escravos deverão servir. Não há ne-
nhum que deverá ser lançado abaixo ou erguido completamente: tudo é como sempre
foi. Contudo existem alguns servidores meus disfarçados: pode ser que o mendigo acolá
seja um Rei. Um Rei pode escolher seu traje como ele desejar: não existe teste fixo: mas
um mendigo não pode ocultar sua pobreza.
59. Tomai cuidado portanto! Amai a todos, para que não haja, talvez, um Rei ocultado! Você
fala desta maneira? Tolo! Se ele é um Rei, tu não podes ofendê-lo.
60. Portanto, golpeie duramente & profundamente, e ao inferno com eles, mestre!
61. Existe uma luz perante teus olhos, ó profeta, uma luz indesejada, muito desejável.
62. Eu estou erguido em teu coração; e os beijos das estrelas chovem firmemente sobre teu
corpo.
63. Tu estás exausto na voluptuosa plenitude da inspiração; a expiração é mais doce do que
a morte, mais rápida e jovial do que um afago do próprio verme do Inferno.
64. Oh! tu estás submetido: nós estamos sobre ti; nosso deleite está em toda parte de ti:
salve! salve! profeta de Nu! profeta de Had! profeta de Ra-Hoor-Khu! Neste momento
regozije! neste instante venha em nosso esplendor & arrebatamento! Entre em nossa ar-
dente paz, & escreva doces palavras para os Reis.
65. Eu sou o Mestre: tu és Aquele Sagrado Escolhido.
66. Escreve, & encontra êxtase no escrito! Trabalhe, & seja nossa cama no trabalho. Vibre
com o prazer de vida & morte! Ah! tua morte deverá ser bela: todo aquele que ver isto
deverá estar satisfeito. Tua morte deverá ser o selo da promessa do nosso amor de longas
eras. Venha! erga completamente teu coração & regozije-se! Nós somos um; nós somos
nenhum!
67. Contenha! Contenha! Conserve o ânimo completamente em teu arrebatamento; não ceda
à vertigem dos beijos eminentes!
68. Firme! Levante a ti mesmo! Erga tua cabeça! Não respire tão profundamente - morra!
69. Ah! Ah! O que sinto eu? Está a palavra exaurida?
70. Existe ajuda & esperança em outros encantos. Sabedoria diz: seja forte! Desta forma tu
podes suportar mais prazer. Não seja animal; refine teu arrebatamento! Se tu bebes, beba
pelos oito e noventa domínios da arte: se tu amas, exceda pela delicadeza; e se tu fizeres
algo prazeroso, deixe haver sutileza nisto!
71. Mas exceda! exceda!
72. Empenhe-se sempre por mais! e se tu és verdadeiramente meu - e não duvides disso, e
se tu estás sempre prazeroso! - morte é a coroa de tudo.
73. Ah! Ah! Morte! Morte! tu deverás desejar ardentemente pela morte. Morte está proibida,
ó homem, para ti.
74. O alcance da tua aspiração deverá ser a fortaleza da tua glória. Ele que vive por muito
tempo & deseja muito a morte é sempre o Rei entre os Reis.
75. Sempre! ouça atentamente os números & as palavras.
76. 4 6 3 8 A B K 2 4 A L G M O R 3 Y X 24 89 R P S T O V A L. O que significa isto, ó profeta?
tu não saberás; nem deverás tu saber jamais. Virá um para seguir-te: ele deverá esclare-
cer isto. Mas lembre-se, ó aquele escolhido, de existir em mim, de seguir o amor de Nu no
brilho estrelado do firmamento; de olhar adiante pelos homens, de dizer-lhes esta alegre
palavra.
77. Ó seja tu soberbo e poderoso entre homens!

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78. Ergue-te completamente! Pois ninguém existe, como a ti, entre os homens ou entre Deu-
ses! Ergue-te completamente, ó meu profeta, tua estatura deverá transcender as estrelas.
Eles deverão reverenciar teu nome, quadrangular, místico, maravilhoso, o número do
homem; e o nome de tua casa 418.
79. A Finalidade do ocultar de Hadit; e bênçãos & reverência para o profeta da amável Es-
trela.

Capítulo . I I I .

1. Abrahadabra; a recompensa de Ra Hoor Khut.


2. Existe divisão nesta direção de retorno; existe uma palavra não conhecida. A ortografia
está extinta; tudo não é qualquer coisa. Acautela-te! Celebrai! Vivificai o período de Ra-
Hoor-Khuit!
3. Agora deixai ser primeiro entendido que Eu sou um deus de Guerra e de Vingança. Eu
devo tratar duramente com eles!
4. Elegei vós uma ilha!
5. Fortificai-a!
6. Adubai-a ao redor com maquinaria de Guerra!
7. Eu vos darei um engenho de guerra.
8. Com este, vós deveis atingir os povos; e nenhum deve permanecer adiante de vós.
9. Ocultai-vos! Retirai-vos! Sobre eles! esta é a Lei da Batalha da Conquista: por conse-
guinte deverá minha veneração ser ao redor de minha secreta casa.
10. Trazei a estela da revelação ela mesma; fixai-a em teu templo secreto - e este templo
está agora mesmo propriamente ajustado - & ela deverá ser vossa Kiblah para sempre.
Ela não deverá desaparecer, mas miraculosa coloração deverá voltar a ela dia após dia.
Encerrai-a em vidro firme como uma evidência para o mundo.
11. Esta deverá ser vossa única evidência. Eu proíbo argumento. Conquistai! Isto é neces-
sário. Eu farei fácil para vós a complexidade da casa mal-ordenada na Cidade Vitoriosa.
Tu deverás, tu mesmo, transmitir isto com reverência, ó profeta, ainda que tu não gos-
tes disto. Tu deverás ter perigo & problema. Ra-Hoor-Khu está contigo. Reverenciai-me
com fogo & sangue. Reverenciai-me com espadas & com lanças. Deixai a mulher estar
cingida com a espada adiante de mim: deixai sangue fluir em meu nome. Calcai abaixo o
Gentio; esteja sobre eles, ó guerreiro, Eu vos darei a carne deles para comer.
12. Imolai gado, pequeno e grande: depois uma criança.
13. Mas não agora.
14. Vós vereis esta hora, ó abençoada Besta, e tu, a Concubina Escarlate de seu desejo!
15. Vós estareis pesaroso disso.
16. Não julgai muito avidamente alcançar as promessas; não receai suportar as maldições.
Vós, mesmo vós, não sabeis este propósito todo.
17. Receio de modo algum; não receai nem homens nem Destinos, nem deuses, nem coisa
alguma. Não receai riqueza, nem risada das pessoas tolas, nem qualquer outro poder no
céu ou sobre a terra ou sob a terra. Nu é vosso refúgio, como Hadit vossa luz; e Eu sou a
firmeza, força, vigor, de vossos braços.
18. Piedade seja afastada: condenai os que têm pena! Matai e atormentai; não cedei; esteja
sobre eles!
19. Esta estela eles deverão chamar a Abominação da Desolação; considerai bem seu
nome, & este deverá ser para vós como 718.
20. Por quê? Devido à queda do Porque, que ele não esteja aí novamente.
21. Erguei minha imagem no Oriente: tu deverás comprar-te uma imagem a qual Eu te
mostrarei, particular, não distinta daquela que tu sabes. E deverá ser subitamente fácil
para ti fazer isto.

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22. As outras imagens agrupai à minha volta para auxiliar-me: deixai todas serem reveren-
ciadas, pois elas deverão agrupar-se para exaltar-me. Eu sou a finalidade visível de re-
verência; as outras são secretas; para a Besta & sua Noiva são elas: e para os vencedo-
res do Ordálio X. O que é isto? Tu saberás.
23. Para perfume combine farinha & mel & resíduos espessos de vinho tinto: em seguida
óleo de Abramelin e óleo de oliva, e depois amacie & modere com rico sangue fresco.
24. O melhor sangue é da lua, mensalmente: em seguida o sangue fresco de uma criança,
ou destilando da hoste do céu: em seguida de inimigos; em seguida do sacerdote ou dos
adoradores: finalmente de alguma besta, não importa qual.
25. Isto queimai: disto fazei bolos & comei para mim. Isto tem também um outro uso; dei-
xai ser colocado perante mim, e conservado freqüentemente com perfumes de vossa
oração: isto deverá tornar-se cheio, como se fosse de escaravelhos e seres rastejantes
sagrados para mim.
26. Estes imolai elegendo vossos inimigos; & eles deverão ceder perante vós.
27. Também estes deverão gerar lascívia & poder de lascívia em vós ao comerdes disto.
28. Também deverás ser forte em batalha.
29. Além disso, sejam eles por muito tempo conservados, isto é preferível; a fim de eles in-
flamarem com minha força. Todos perante mim.
30. Meu altar é de cobre trabalhado em rede: queimai nisto em prata ou ouro!
31. Aí chega um rico homem do Ocidente que deverá verter seu ouro sobre ti.
32. Do ouro forjai aço:
33. Esteja disposto a fugir ou a golpear!
34. Mas vosso lugar sagrado estará intacto através dos séculos: ainda que com fogo e es-
pada ele seja queimado & destroçado, todavia uma invisível casa ali permanece, e de-
verá permanecer até a queda do Grande Equinócio; quando Hrumachis surgirá e aquele
duplo bastão assume meu trono e lugar. Um outro profeta surgirá, e causa revigorante
febre dos céus; uma outra mulher despertará a lascívia & adoração da Cobra; uma outra
alma de Deus e besta juntar-se-á no globado sacerdote; um outro sacrifício manchará a
lápide; um outro rei reinará; e benção não é por mais tempo vertida Ao Místico Senhor
de Cabeça-de-Falcão!
35. A metade da palavra de Heru-ra-ha, chamada Hoor-pa-Kraat e Ra-Hoor-Khut.
36. Então disse o profeta ao Deus:
37. Eu reverencio a ti na canção –

Eu sou o Senhor de Tebas, e eu


O inspirado orador-público de Mentu;
Para mim desvenda o velado céu,
O auto-imolado Ankh-af-na-khonsu
Cujas palavras são verdade. Eu invoco, eu saúdo
Tua presença, Ó Ra-Hoor-Khuit!

Unidade máxima manifestada!


Eu reverencio o poder do Teu alento,
Supremo e terrível Deus,
Que fazes os deuses e a morte
Tremer perante Ti: -
Eu, eu reverencio a ti!

Comparece no trono de Ra!


Abre os caminhos do Khu!
Aclare os caminhos do Ka!

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Os caminhos do Khabs traspassam
Para agitar-me ou tranqüilizar-me!
Aum! deixe isto saciar-me!

38. Pois que tua luz está em mim; & este sangüíneo ardor é como uma espada em minha
mão para promover teu mandamento. Existe uma porta secreta que deverei estabelecer
para confirmar teu caminho em todos os quadrantes (estas são as adorações, como tu
tens escrito), como é dito:

A luz é minha; seus raios consomem a


Mim: eu tenho logrado uma secreta porta
Para a Casa de Ra e Tum,
De Khephra e de Ahathoor.
Eu sou Teu Tebano, Ó Mentu,
O profeta Ankh-af-na-khonsu!

Por Bes-na-Maut meu peito eu vibro;


Pelo sábio Ta-Nech eu teço meu encanto.
Manifeste tua estrela-de-esplendor, Ó Nuit!
Ofereça-me o interior de Tua Casa para habitar
Ó alada cobra de luz, Hadit!
Permaneça comigo, Ra-Hoor-Khuit!

39. Tudo isso, e um livro para dizer como tu procedeste até aqui e uma reprodução desta
tinta e papel para sempre - pois nela está a palavra secreta & não somente no Inglês - e
teu comentário junto do Livro da Lei deverá ser impresso belamente em tinta vermelha
e preta sobre belo papel feito a mão; e para cada homem e mulher que tu encontras,
seja somente para jantar ou beber com eles, esta é a Lei a divulgar. Então eles deverão
arriscar-se a habitar nesta beatitude ou não; não existe diferença. Faça isto pronta-
mente!
40. Mas, o trabalho do comentário? Isso é fácil; e Hadit queimando em teu coração deverá
fazer veloz e segura tua pena.
41. Estabeleça em tua Kaaba um escritório: tudo deve ser bem feito, com estilo de negócio.
42. Os ordálios tu deverás inspecionar tu mesmo, exceto, somente, aqueles obscuros. Não
recuses ninguém, mas tu deverás conhecer & destruir os traidores. Eu sou Ra-Hoor-
Khuit; e Eu sou poderoso para proteger meu servidor. Sucesso é tua prova: não discu-
tas; não convertas; não fales em demasia! Eles que ambicionam embaraçar-te, arruinar-
te, combata-os sem piedade ou clemência; & aniquila-os completamente. Veloz como
uma serpente pisada, vira e golpeia! Sê tu ainda mais implacável que ele! Arrasta para
baixo suas almas para terrível tormento: zomba de seus medos: cuspi sobre eles!
43. Deixe a Mulher Escarlate acautelar-se! Se piedade e compaixão e escrúpulo visitarem
seu coração; se ela renunciar à minha obra para divertir-se com antigas doçuras; então
deverá minha vingança ser conhecida. Eu imolarei, a mim, sua criança: Eu alienarei seu
coração: Eu a expulsarei por causa dos homens: como uma sucumbida e desprezada
meretriz ela deverá arrastar-se por entre ruas sombrias e molhadas, e morrerá indife-
rente, fria e faminta.
44. Mas deixe-a elevar, a si mesma, em orgulho! Deixe-a seguir-me em meu caminho!
Deixe-a laborar a obra de maldade! Deixe-a neutralizar seu coração! Deixe-a ser escan-
dalosa e adúltera! Deixe-a ser revestida com jóias, e ricos trajes, e deixe-a ser despudo-
rada perante todos os homens!

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
45. Em seguida Eu determino alçá-la a pináculos de poder: então Eu determino gerar dela
uma criança mais poderosa que todos os reis da terra. Eu a encherei com prazer: com
minha força ela deverá perceber & arremeter à veneração de Nu: ela obterá Hadit.
46. Eu sou o guerreiro Senhor dos Quarenta: os Oitenta curvam-se perante mim & são hu-
milhados. Eu vos trarei para vitória & prazer: Eu estarei em vossos braços na batalha &
vós devereis deleitar-se em matar. Sucesso é vossa prova; coragem é vossa armadura;
avançai, avançai, em minha potência; & vós não devereis retroceder a despeito do que
for!
47. Este livro deverá ser traduzido em todas as línguas: mas sempre com o original do ma-
nuscrito da Besta; pois no fortuito padrão das letras, na posição delas para qualquer ou-
tra: nessas estão mistérios que nenhuma Besta deverá adivinhar. Não deixe-o ambicio-
nar em tentar: porém alguém vem, depois dele, de que modo Eu não digo, que deverá
descobrir a Chave disto tudo. Então esta linha desenhada é uma chave: por conseguinte
este círculo quadrangular, em sua quebra, é uma chave também. E Abrahadabra. Esta
deverá ser sua criança & isso estranhamente. Não deixe-o ambicionar após isto; pois,
por esse meio somente, ele pode sucumbir disto.
48. Agora este mistério das letras está feito, e Eu quero avançar para o lugar mais sagrado.
49. Eu estou em uma secreta palavra quádrupla, a blasfêmia contra todos os deuses dos
homens.
50. Amaldiçoa-os! Amaldiçoa-os! Amaldiçoa-os!
51. Com minha cabeça de Falcão eu bico nos olhos de Jesus conforme ele pendura-se na
cruz.
52. Eu deixo cair minhas asas na face de Mohamed & cego-o.
53. Com minhas garras eu arranco fora a carne do Indiano e do Budista, Mongol e Din.
54. Bahlasti! Onpehda! Eu cuspo sobre seus crapulosos credos.
55. Deixe Maria imaculada ser despedaçada por rodas: por sua causa deixe todas as mu-
lheres castas serem completamente desprezadas entre vós!
56. Também por causa da beleza e do amor!
57. Desprezai também todos os covardes; soldados profissionais que não ousam lutar, mas
jogam; todos os tolos desprezai!
58. Mas o audaz e o altivo, o régio e o eminente; vós sois irmãos!
59. Como irmãos lutai vós!
60. Não existe lei além de Faz o que tu queres.
61. Existe uma finalidade da palavra de Deus entronizada no assento de Ra, aclarando as
vigas da alma.
62. Façais vós reverência a Mim! Vós vindes a mim por entre tribulação de ordálio, que é
bem-aventurança.
63. O tolo lê este Livro da Lei, e seu comentário; & ele não o compreende.
64. Deixai-o vir por entre o primeiro ordálio, & este será para ele como prata.
65. Por entre o segundo, ouro.
66. Por entre o terceiro, pedras de água preciosa.
67. Por entre o quarto, definitiva centelha do íntimo ardor.
68. Contudo, para todos, estes deverão parecer belos. Seus inimigos que assim não dizem,
são simples mentirosos.
69. Existe sucesso.
70. Eu sou o Senhor da Cabeça-de-Falcão do Silêncio & do Vigor; minha nemys cobre o céu
azul-da-noite.
71. Salve! vós gêmeos guerreiros em volta dos pilares do mundo! pois vosso tempo está
próximo, à mão.
72. Eu sou o Senhor do Duplo Bastão de Poder; o bastão da Força de Coph Nia - porém mi-
nha mão esquerda está vazia, pois Eu tenho esmagado um Universo; & nada permanece.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
73. Cole as folhas desde a direita até a esquerda, e, desde o cimo até a base: então vede!
74. Existe um esplendor em meu nome oculto e glorioso, como o sol da meia-noite é sem-
pre o filho.
75. A conclusão das palavras é a Palavra Abrahadabra.
O Livro da Lei está Escrito
e Ocultado.
Aum Ha.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Os Três Gunas &
a Natureza da Mente

Frater ON120
Fernando Liguori

Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.

A natureza primordial, prakṛti, não é uma substância homogenia, mas o solo da mul-
tiplicidade. Ela é como a cauda do pavão: quando se recolhe, desaparece na unifor-
midade, mas quando se abre, revela todas as cores do arco-íris. Prakṛti contém em
si mesma todas as formas da criação que se manifestam através de três qualidades
(guṇas) primárias: sattva, rajas e tamas.
Rajas é a força ativa, estimulante ou positiva que inicia a mudança, perturbando o ve-
lho equilíbrio. Tamas é a força passiva ou negativa que obstrui, a qual sustenta a atividade
anterior. Sattva é a força neutra ou equilibradora, harmonizando o positivo e o negativo,
que vigia e observa. Todas as três forças são necessárias nas atividades ordinárias, mas pos-
suem suas implicações espirituais também.
Sattva é a qualidade da luz, do amor e da vida, a força espiritual superior que nos
permite evoluir a consciência. Ela proporciona virtudes dhármicas como fé, honestidade,
auto-controle, modéstia e veracidade. Rajas possui a qualidade crepuscular da paixão e agi-
tação, a força vital intermediária cujo fator principal é a falta de estabilidade e consistência.
Ela desencadeia as flutuações emocionais da atração e repulsão, medo e desejo, amor e ódio.
Tamas é a qualidade da escuridão, falta de sentimento e morte, a força material inferior que
nos arrasta para baixo em direção a ignorância e ao apego. Ela causa o embotamento, a inér-
cia, indolência, apego emocional e estagnação.
A prakṛti imanifesta possui estas três qualidades em equilíbrio, no qual rajas e tamas
se integram em sattva. Na manifestação, estas três qualidades assumem formas distintas:
sattva dá nascimento à mente, rajas gera a vida de força e tamas cria a substância através
da qual o corpo físico se manifesta.

Leis dos guṇas

Existem duas leis básicas acerca dos guṇas que são vitais para o entendimento de suas fun-
ções. A primeira lei dos guṇas é a lei da alternação. Os três guṇas estão sempre em interação
dinâmica. Todas as três forças permanecem se entrelaçando, afetando uma a outra de várias
maneiras. Rajas e tamas existem no campo de sattva; tamas e sattva são encontrados no
campo de rajas e sattva e rajas se movimentam no campo de tamas. A essência dos três
guṇas é a interação que existe em suas manifestações.
A segunda lei dos guṇas é a lei da continuidade. Os guṇas têm a tendência de manter
suas naturezas particulares por certo período de tempo uma vez que são predominantes.
Substâncias se estabilizam no nível de um dos três guṇas. Enquanto é, inicialmente, difícil
para tamas se transformar em rajas, ou para rajas se transformar em sattva, uma vez que
conseguem, continuam na mesma qualidade.
Nós podemos ver estas duas leis a qualquer momento. A noite como escuridão se re-
laciona com tamas. O nascer e o pôr-do-sol como períodos de transição se relacionam com

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
rajas e o dia como luz se relaciona com sattva. Estas fases estão sempre se alternando. A
noite se transforma em dia, o dia se transforma em noite que se transforma em dia nova-
mente. Esta é a lei da alteração.
Contudo, uma vez que uma fase particular seja criada, ela persiste com poucas altera-
ções por um período de tempo. A noite continua por um período até que se transforma em
dia. Este, por sua vez, também se mantém estável por um período de tempo até que se trans-
forme em noite. Mas durante estes respectivos períodos, certas condições persistem. Por
exemplo, somos mais ativos durante o dia e mais passivos durante a noite.
A este respeito, tamas e sattva têm mais continuidade do que rajas. Rajas, que é ine-
rentemente instável, não pode manter sua condição por um longo período de tempo e então
logo retrocede ao estado de tamas ou avança ao estado de sattva. Rajas tem uma caracterís-
tica transitória e governa a interação entre os guṇas. Todavia, é possível permanecer no
nível de rajas como uma qualidade dominante por um longo período na vida. Essa é a con-
dição da sociedade moderna, predominantemente rajásica, ativa e instável. Mas para que
rajas continue nesta condição, deve haver ação e estímulo contínuo para sustentá-lo.
Como os guṇas são condições relativas, devemos nos lembrar que o que é sattva em
um nível, pode se transformar em rajas ou tamas em outro nível relativamente diferente.
Tudo o que faz a consciência evoluir é sattva. Tudo o que nos leva para baixo é tamas. Isso
significa que quanto mais avançamos no caminho espiritual, tudo o que nos ajudou a crescer
e cuja natureza é sattvíca, deve ser descartado como algo tamásico na medida em que en-
tramos em um novo nível de consciência.

O cultivo de sattva

O Yoga e a Āyurveda enfatizam o desenvolvimento de sattva. No Yoga, sattva é a qualidade


superior que permite o crescimento espiritual. Na Āyurveda, sattva é o estado de equilíbrio
que permite a auto-cura.
As práticas do Yoga têm dois estágios: o desenvolvimento de sattva e a transcendência
de sattva. O desenvolvimento de sattva é a purificação do corpo e da mente. A transcendên-
cia de sattva é ir além do corpo e mente em direção ao Ser Interior, além de qualquer mani-
festação. Se alguém não consegue desenvolver sattva, é impossível transcendê-lo. Essa é
uma regra importante que não pode ser esquecida. Se não possuímos sattva ou pureza na
quantidade apropriada em nosso corpo e mente, em nossas emoções, seria prematuro bus-
car uma iluminação superior. O desenvolvimento de sattva ocorre através de uma dieta cor-
reta, purificação física, controle dos sentidos, controle da mente, mantra e devoção. A trans-
cendência de sattva ocorre através das práticas meditativas mais avançadas.
Sattva também é a chave para cura ayurvédica. A Āyurveda afirma que quando o com-
plexo corpo-mente é sattívico, torna-se difícil que padeça de doenças, estando capacitado a
permanecer em um estado de equilíbrio. A doença, particularmente de natureza crônica, é
essencialmente um estado tamásico. Tamas é responsável pelo acúmulo de toxinas e mate-
rial residual em um nível físico bem como pensamentos e emoções negativas em um nível
psicológico. A saúde é um estado sattvíco de equilíbrio e adaptação que evita qualquer tipo
de excesso no organismo. Rajas é o movimento existente tanto da saúde a doença quanto da
doença a saúde, dependendo da direção de seu desenvolvimento. Doenças agudas estão sob
o domínio de rajas, que associa-se a dor.
Contudo, nós não podemos nos esquecer dos outros níveis de manifestação dos guṇas,
quando eles aparecem de forma mesclada na evolução e expressão da personalidade.1 Existe
uma quantidade elevada de rajas e tamas em sattva e uma baixa quantidade de sattva em
rajas e tamas. Similarmente, existe o aspecto rajásico de tamas e o aspecto tamásico de rajas.
O que se segue é uma breve descrição destes aspectos:

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
1. Rajas-sattva: A força ativa ou transformadora de sattva. O poder da aspiração espi-
ritual que nos impulsiona para cima, sempre buscando crescimento e desenvolvi-
mento interior. É a energia da cura, da integração e da totalidade espiritual.
2. Tamas-sattva: A força destrutiva de sattva que elimina a negatividade. É a estabili-
dade inerente de sattva, sua capacidade de suportar os intempéries da vida e trans-
cender seus obstáculos. É a capacidade do estado de equilíbrio de sustentar a si
mesmo e de se proteger contra a doença e o desequilíbrio.
3. Sattva-rajas: É o tipo religioso e espiritual das pessoas rajásicas essencialmente ide-
alistas. Aqui encontramos traços da agressão rajásica, expansão externa e busca pelo
poder. Religiões baseadas no militarismo, exclusivismo e intolerância refletem essa
qualidade.
4. Tamas-rajas: A inércia dos tipos rajásicos, sua resistência a qualquer força superior
ou elevada, mantendo-se apegado ao seu poder pessoal sem a menor consideração
pelas conseqüências de seus impulsos, seja em relação a si mesmo ou a outras pes-
soas.
5. Sattva-tamas: A religião, espiritualidade ou idealismo das pessoas tamásicas. Aqui
encontramos traços da destruição tamásica, escuridão e desilusão. É o nível dos cul-
tos sombrios e das supertições.
6. Rajas-tamas: A agressão e violência das pessoas ignorantes e insípidas. É talvez a
qualidade mais destrutiva dos guṇas. Pessoas tamásicas pisam nas outras e, destitu-
ídas de sensibilidade, se deleitam em prejudicar e destruir. Perversões sexuais pro-
fundas se manifestam neste nível.

A força rajásica superior

A força rajásica superior ou rajas-sattva é talvez a força-chave tanto para espiritualidade


quanto para cura. A força rajásica inferior é a força rajásica que está sob o controle de tamas,
como o crepúsculo que lentamente se transforma em noite ou o outono que se transforma
em inverno. A força rajásica superior é a força rajásica que está sob o controle de sattva,
como o alvorecer que se transforma em dia ou a primavera que se transforma em verão. No
comportamento humano, rajas inferior é a atividade auto-centrada que leva a exaustão ou
sofrimento (tamas). Rajas superior é a prática espiritual que leva a paz (sattva).
Para que o crescimento espiritual ocorra, essa força rajásica superior é necessária. Ela
é a verdadeira śakti ou energia transformadora por trás do processo de transformação es-
piritual. Através dela o buscador se transforma em um guerreiro espiritual capaz de execu-
tar práticas espirituais com grande energia e vigor. O Yoga não apenas desenvolve sattva,
mas essa força rajásica superior a fim de que sattva possa se estabelecer no organismo. Si-
milarmente, a Āyurveda utiliza métodos fortes de cura como ervas poderosas e o tratamento
através do pañca-karma para restaurar a saúde. Para que o crescimento espiritual e a cura
possam ocorrer, a força rajásica superior ou energia transformadora deve estar presente,
crucialmente, na busca pela auto-cura e auto-realização. A força superior de rajas (rajas-
sattva) aciona o fogo da kuṇḍalinī-śakti para desobstruir o corpo sutil.2 A kuṇḍalinī sistema-
ticamente integra tudo em um estado puro de sattva.
Tamas-sattva, o poder de resistência de sattva, muitas vezes é de grande auxílio. Na
vida espiritual eles nos ajuda a resistir contra qualquer obstáculo que tente nos tirar do
caminho. No processo de cura, ele sustenta as funções imunológicas do corpo e da mente.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
A constituição mental de acordo com os três guṇas

A Āyurveda e o Yoga usam os três guṇas para determinar a natureza mental e espiritual do
indivíduo. Geralmente, como afirmamos anteriormente, apenas um guṇa predomina em
nossa constituição. Mas todos nós possuímos momentos espirituais ou sattvícos, períodos
perturbantes ou rajásicos e às vezes momentos letárgicos ou tamásicos que podem ser cur-
tos ou longos, dependendo de nossa natureza. Também podemos passar por fases sattvícas,
rajásicas e tamásicas na vida que duram meses ou anos.
Os guṇas demonstram nosso estado mental e espiritual para que possamos medir
nossa propensão em relação aos problemas psicológicos. O teste que se segue demonstra
essas qualidades e como elas atuam em nossa vida e comportamento. As respostas a es-
querda indicam sattva, no meio rajas e a direita tamas. Preencha a tabela com cuidado e
honestidade. Depois de responder o questionário para si mesmo, peça a alguém que o co-
nheça bem, como seu marido ou esposa ou até mesmo um amigo próximo para respondê-lo
para você. Perceba a diferença entre como você vê a si mesmo e como os outros o vêem.
Para maioria de nós, nossas respostas geralmente cairão no meio (a área de rajas),
que é o principal estado espiritual de nossa cultura ativa e extrovertida dos dias de hoje.
Nós temos vários problemas psicológicos, mas geralmente conseguimos lidar com eles. Uma
natureza sattvíca demonstra uma disposição espiritual com poucos problemas psicológicos.
Uma natureza altamente sattvíca é difícil em nossos tempos e demonstra as qualidades de
um santo ou sábio. Pessoas tamásicas possuem perigosos e sérios problemas psicológicos,
mas seriam incapazes de responder esta tabela ou fazer um curso como este. As áreas em
nós que podemos melhorar de tamas para rajas ou de rajas para sattva irão promover paz
mental e crescimento espiritual. Todos nós podemos realizar mudanças em nós mesmos.

Amor é a lei, amor sob vontade.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Quadro de constituição da mente

Sattva Rajas Tamas


Dieta Vegetariana Um pouco de carne Regime à base de
carne
Drogas, álcool e
estimulantes Nunca De vez em quando Sempre
Impressões sen- Calmas, puras Misturadas Perturbadas
soriais
Necessidade de Pouca Moderada Muita
sono
Atividade sexual Pouca Moderada Muita
Controle dos sen- Bom Moderado Fraco
tidos
Fala Calma e tranqüila Agitada Tediosa
Limpeza Muita Moderada Pouca
Trabalho Altruísta Para objetivos pes- Preguiça de traba-
soais lhar
Raiva Raramente Às vezes Freqüentemente
Medo Raramente Às vezes Freqüentemente
Desejo Pouco Considerável Muito
Orgulho Pessoa modesta Pessoa egocêntrica Vão
Depressão Nunca Às vezes Freqüentemente
Comportamento
violento Nunca Às Vezes Freqüentemente
Apego ao di- Pouco Considerável Muito
nheiro
Alegria Comumente Parcialmente Nunca
Longos períodos de
Capacidade de Sem dificuldade Tem dificuldade rancor
perdoar
Concentração Boa Moderada Pouca
Memória Boa Moderada Pouca
Força de vontade Intensa Variável Pouca
Na maior parte das
Sinceridade Constantemente vezes Raramente
Na maior parte das Raramente
Honestidade Constantemente vezes
Paz de espírito Constantemente Parcialmente Raramente
Criatividade Muita Moderada Pouca
Estudos de cará-
ter espiritual Diariamente Às vezes Nunca
Mantra e oração Diariamente Às vezes Nunca
Meditação Diariamente Às vezes Nunca
Serviço Muitos Consideráveis Nenhuns
TOTAL Sattva_______ Rajas_______ Tamas_______

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
O Yoga, os Cakras & a Mente

Por Swami Rishi Vivekananda Saraswati

Departamento de Psicologia do Yoga, Bihar Yoga Bharati


Seminário Yoga, os Cakras & a Mente
© Bihar Yoga Bharati | Bihar School of Yoga

O texto que se segue é a transcrição de um seminário sobre o desenvolvimento da personali-


dade através dos cakras, realizado por Swami Rishi Vivekananda Saraswati no Hotel Serra da
Moeda, Belo Horizonte, nos dias 17, 18 e 19 de maio de 2005. Fonte: Satyananda Yoga Vidya,
uma publicação Satyananda Yoga Center, Belo Horizonte, MG.

«TEXTO.I.»

B
em vindos ao nosso fim-de-semana, onde vamos fazer muitas coisas. O assunto em
si é sobre cakras, e eu vou falar bastante para vocês sobre a teoria dos cakras. O
que quero fazer é mostrar um panorama de como o sistema de cakras forma o
centro do sistema yogī de evolução do Ser. Quero que vocês saibam do que se trata.
Além disso, vamos fazer muitas práticas, vamos começar amanhã logo cedo fa-
zendo práticas para cada cakra. Também vamos ter um pouco de música, boa comida, boa
companhia e bons momentos.
Uma das coisas que vamos praticar durante este fim-de-semana é a consciência alerta.
Este é um ponto central na meditação. Mas, vamos fazer muitas coisas com os olhos abertos.
Vamos observar em silêncio, após a sessão da noite até depois do desjejum de amanhã. Nada
de conversar, mas esteja consciente dos pensamentos. Esteja consciente de onde exata-
mente seus pensamentos estão. Observe o fluxo de pensamentos, vendo se eles continuam
sempre na mesma linha de ideias. Às vezes, nem percebemos que são pensamentos, acha-
mos que somos nós mesmos. Mas, eles, os pensamentos, não sou eu, e não são vocês, é apenas
um processo que se desenvolve chamado padrão de pensamento. É difícil percebê-los já que
nos impedem de concentrar naquilo que estamos fazendo. Então vamos ter uma oportuni-
dade, durante este momento de silêncio, para observar nossos padrões de pensamentos e o
que estamos fazendo.
Vocês vão tomar o café da manhã e talvez, pela primeira vez na vida, vão conseguir
sentir qual é o sabor de cada coisa. Então o refeitório estará muito silencioso durante o café
da manhã. E, se alguém falar, vai ter problemas sérios. Ainda não sabemos como vamos pu-
nir as pessoas que falarem, mas vai ser terrível.
Também essa questão de fazer gestos e bilhetinhos está proibida. Mas, pensando bem,
geralmente o primeiro que fala de manhã sou eu. Algumas vezes, eu entro na sala esque-
cendo que é para estar em silêncio. Então não vamos poder fazer esta perseguição de forma
muito drástica, porque pode ser que seja eu o primeiro a quebrar o silêncio. Por favor, ten-
tem chegar aqui dez minutos antes da sessão começar, porque vamos começar exatamente
na hora marcada.
Uma parte do que vamos fazer tem a ver com os mantras. No Yoga, os mantras são
muito importante. Aquele oṃ (auṃ) que fizemos é um mantra muito bonito e equilibra as

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
vibrações nos lugares adequados. Há muitos tipos de mantras e muitas coisas que fazemos
com eles. Há mantras gerais como o oṃ. Esse tipo de mantra vocês podem repetir durante
o tempo que quiserem. Se você escolher um que gosta está bom. O primeiro mantra que eu
escolhi quando ainda nem estava praticando Yoga era um mantra budista, e ele simples-
mente era o mantra certo para mim naquele momento. Paramahaṃsajī [Swami Satya-
nanda], quando me iniciou, deu-me um mantra pessoal que é o meu mantra. Este som sou
eu. O mantra que você recebe do seu guru, o mantra pessoal, é realmente a sua vibração.
Muitas vezes, cantamos outros mantras conhecidos como bhajans ou kīrtans. Kīrtans são
repetições do mesmo grupo de mantras e bhajans são histórias cantadas. Esta noite vamos
praticar kīrtans. Esse é o tema desta noite. Votamos, e todo mundo decidiu que sou eu que
tenho que começar com os mantras. Então, eu vou fazer isso. Aqui temos outros bons can-
tores de kīrtans, depois eles vão participar. Eu vou cantar um pedacinho, depois vocês repe-
tem. Para tornar as coisas fáceis, Gangadhara vai escrever as palavras no quadro com letras
grandes.

«TEXTO.II.»

Eu viajo por todos os lugares do mundo, e há lugares em que parece que ninguém sabe can-
tar na nota certa. Ontem eu percebi que todo mundo aqui estava cantando na nota certa.
Como vocês dormiram ontem? Bem? Uma cama desconhecida? Como foi o silêncio?
Alguém achou difícil? E o café da manhã, estava mais saboroso? Na maioria das vezes, as
pessoas sentam à mesa e ficam falando, falando, e a comida continua descendo sem consci-
ência. Mas, se você fica em silêncio, consegue realmente, perceber o sabor da comida.
Durante todo esse fim de semana, vamos continuar observando nossos pensamentos.
De tempos em tempos, você vai parar e se perguntar: o que eu estou pensando agora? E você
olha para trás, tenta rever o que esteve pensando e procura observar como esses pensa-
mentos se conectam ou se relacionam entre si. Provavelmente, estarão associados a algum
aspecto da sua personalidade. Durante esta manhã, vamos falar de diferentes aspectos da
nossa personalidade e, à medida que o fim-de-semana for se desenvolvendo, você conse-
guirá perceber o processo de pensamentos, como você chegou nesta linha de pensamento.
Em outras palavras, a linha de pensamento poderá vir de dois lugares: do mundo externo
ou do mundo interno. Você poderá estar pensando sobre alguma coisa, por exemplo: será
que eu comprei legumes suficientes para a semana que vem?. E de repente alguém lhe diz está
um belo dia! e você responde: sim, um belo dia. Então você começa a pensar sobre o clima,
se vai chover ou continuar com o sol. O que aconteceu? Alguma coisa do mundo externo
mudou seu monólogo interno. Eu vou continuar me referindo ao monólogo interno.

Definindo o Yoga

O tema é sobre os cakras e também sobre como podemos desenvolver a nossa personali-
dade através da prática do Yoga. Para falar sobre Yoga, temos de concordar com o que é
Yoga. Vou apresentar para vocês a definição de Swami Niranjanananda sobre o que é Yoga.
Há milhares de definições, mas eu gosto desta que conta toda a história sobre o que é Yoga.
Em apenas algumas linhas, Swami Niranjanananda descreve todo um sistema que é enorme.

Começamos assim:

O Yoga é um antigo sistema. E quão antigo ele é? Não sabemos. Os trabalhos escritos mais
antigos são de 3500 a 4000 anos atrás. O Yogasūtra de Patañjali foi escrito há 2500 anos
atrás e não mudou ao longo destes milhares de anos. O sistema que usamos na escola de
Satyananda Yoga é antigo e, como tem sido extremamente efetivo, não precisamos mudá-lo.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Então é um sistema antigo de quê? Filosofia, estilo de vida e técnicas. É uma filosofia sobre o
que é o Ser Humano, sobre as nossas relações com as outras pessoas e a comunidade, sobre
nossa relação com este planeta no qual vivemos e sobre nossa relação com a consciência
universal. Então, é uma grande coisa. Também diz muito sobre como devemos viver. O
termo estilo de vida descreve bem isso, e o Yoga também nos ensina muitas técnicas.
Para que usamos essa filosofia, estilo de vida e técnicas? Para desenvolver a pessoa de
forma completa. Hoje vou falar da evolução do Ser Humano para vocês entenderem o que
isto quer dizer. Quais os aspectos da pessoa que queremos desenvolver? Todos os aspectos: O
físico, a vitalidade, a mente e as emoções, a sabedoria e as qualidades psíquicas, a ética e o
relacionamento com as outras pessoas, e, por fim, a realização de nossa realidade espiritual.
Swami Niranjanananda continua dizendo o seguinte: De acordo com a tradição yogī,
evolução é um processo sistemático através do qual aprendemos a nos harmonizar. É um pro-
cesso através do qual desenvolvemos a habilidade de expressar nossas habilidades de forma
ótima e criativa. Isso é muito importante. O que ele está dizendo? Ele está dizendo que, ao
evoluirmos, poderemos contribuir para a melhoria do mundo no qual estamos vivendo. Não
significa que vamos nos retirar para uma caverna e nos isolarmos lá em bem-aventurança
pelo resto de nossas vidas. Mas que vamos expressar nossas qualidades e que, à medida que
evoluímos, mais e mais poderemos contribuir para nós, para as outras pessoas, para a co-
munidade na qual vivemos e para o planeta Terra.
Swami Niranjanananda continua dizendo neste contexto que evolução não é autorre-
alização, mas perfeição na vida. Perfeição na vida é algo que devemos buscar. E o Yoga lida
com as formas pelas quais podemos alcançar isso. Ele diz que, à medida que conseguimos
essa perfeição, a autorrealização é uma consequência natural. Estou citando Swami Niran-
janananda, mas ele não é apenas um swami, ele é o que se chama de paramahaṃsa. Este
título é dado pelas autoridades do Yoga na Índia para àqueles que são realmente iluminados.
Alguns yogīs nomeiam a si próprios como paramahaṃsa, mas Swami Niranjanananda não é
um desses. Ele foi nomeado paramahaṃsa em 1993 pela hierarquia yogī na Índia. Assim o
nome adequado é Paramahaṃsa Niranjanananda Saraswati. Ele considera que é um pouco
difícil para as pessoas pronunciarem, então ele diz que é mais fácil chamá-lo de Swami Ni-
ranjanananda.

«TEXTO.III.»

Estamos falando de Yoga, cakras e mente. A mente é um fator central na nossa personalidade.
Definimos o Yoga como um processo de evolução da pessoa e falamos da mente, da mente
superior e da mente suprema. Isso tudo, constitui a personalidade de uma pessoa. Então,
vamos falar um pouco de personalidade. Essa parte do seminário é a mais difícil, porque é
nela que estão sendo dadas as definições. Temos de concordar sobre o que estamos falando.
Ou seja, se estamos usando a palavra personalidade, e eu estou pensando uma coisa e vocês
outra, então não sabemos sobre o que estamos falando. Há um ditado antigo que diz que se
você quer fazer sua plateia dormir, comece com uma definição. Eu estou começando com
pelo menos três definições, se alguém começar a dormir, eu vou entender porquê. Mas ron-
que baixo para não acordar ninguém. Esta definição pode ser um pouco difícil, mas fiquem
comigo, pois é importante que vocês entendam este ponto de vista. Ele será usado durante
todo o fim-de-semana.
Então, o que é a personalidade? São os Padrões distintivos e característicos. Distintivo
quer dizer que me distingue de você e que são característicos de mim mesmo. Padrões ca-
racterísticos e distintivos de que? Primeiro: de como percebemos o mundo. Percebemos o
mundo de forma diferente uns dos outros. Um pequeno grupo pode fazer uma caminhada e
cada pessoa vai observar coisas diferentes no meio ambiente. As coisas que percebemos cons-
tituem um pequeno mundo naquele momento. Por exemplo, eu estava dirigindo um carro

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
com alguns amigos. Eu estive fora da Austrália durante 10 anos. Tinha acabado de voltar
dos Estados Unidos e estava interessado em carros modernos. Vocês sabem que há muitos
homens interessados nisso, Freud diria alguma coisa sobre isso, mas eu não vou falar nada.
Estive fora por dez anos, e a Austrália desenha seus próprios modelos de carros modernos.
Eu estava olhando para todos esses carros e estava fascinado. Meus dois amigos, um casal,
diziam: Oh esse aí é muito lindo. Eu olhava e não conseguia ver nada. E eles diziam nova-
mente: Oh! Olha aquele outro ali. Eu percebi uma coisa: um cachorro. Eles estavam olhando
para os cães. Eles adoram cachorros, e eu adoro os carros. Não percebi nenhum cachorro
naquela rua, mas consegui ver muitos carros. Meus amigos não viram nenhum carro, só per-
ceberam os cães. Eles estavam vivendo num mundo de cães e eu num mundo de carros.
Estávamos vivendo em mundos completamente diferentes. E isso acontece com todos nós.
Então não é nenhuma surpresa que nós não nos compreendamos. Apenas essa percepção
diferente do mundo faz com que vivamos em mundos diferentes.
Então, temos padrões de percepção diferentes e característicos. Também, temos pa-
drões diferentes de pensamento. Pensamos de forma diferente, e o conteúdo dominante dos
pensamentos também é diferente. No exemplo anterior, eu estava pensando em carros mo-
dernos, e meus amigos estavam pensando em cachorros. Esse é um exemplo de percepção
vindo do mundo exterior. Mas, também os padrões de pensamento dependem do que há em
nossa memória. Cada um de nós tem conteúdos diferentes em nossas próprias memórias. A
mesma coisa se aplica às emoções. Em primeiro lugar, o que estamos pensando vai gerar
emoções dentro de nós. Temos também padrões habituais de emoções que são diferentes das
outras pessoas. De forma bastante ampla, podemos dizer que alguns vivem num mundo de
emoções positivas, e outros lamentavelmente levam uma vida de emoções negativas. Há
ainda emoções que estão ligadas a diferentes aspectos de nossa personalidade como, por
exemplo, ansiedade, culpa, raiva, tristeza profunda etc. Essas coisas são diferentes em cada
um de nós. Portanto, aquilo que percebemos, que pensamos, as emoções que estamos expe-
rimentando, tudo isso, determina a nossa conduta.
Concluindo, a personalidade é composta de padrões distintivos e característicos de per-
cepção, pensamento, emoção e comportamento que definem o estilo pessoal e individual de se
relacionar com o mundo externo, as pessoas, os objetos etc.
Então o que estamos falando aqui é de evoluir estes aspectos. Como podemos evoluir
nossa percepção do mundo? Uma das formas de melhorar nossa visão de mundo é mudando
nossas atitudes. Por exemplo, se temos uma atitude de precaução e autoproteção, vamos
ver o mundo como algo ameaçador. O que vamos pinçar deste mundo é qualquer uma destas
pequenas coisas que podem nos amedrontar. Por outro lado, se formos otimistas, vamos ver
as coisas que são positivas no mundo externo.
Swami Niranjanananda costuma perguntar: quando você olha para uma flor, o que
você vê? A flor ou os espinhos? Algumas pessoas passam a vida olhando a flor, outras passam
a vida se concentrando nos espinhos. E é apenas uma questão de percepção pessoal. Da
mesma forma que podemos mudar nossos padrões de pensamento, podemos mudar os pa-
drões de emoção e sentimento. Dessa forma, podemos mudar nossos comportamentos e
nossas relações sociais. É disso que o Yoga trata nos níveis inicial e intermediário. Como
fazemos isso? É isso que vamos ver neste fim-de-semana. Quando saírem daqui amanhã,
vocês terão o conhecimento e as ferramentas para iniciarem o processo.

«TEXTO.IV.»

Os cakras

O que são os cakras? Os cakras unem as cinco dimensões dos seres humanos, porque eles
estão presentes em cada um dos cinco corpos ou kośas. Existe uma representação dos cakras

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no corpo físico, no corpo energético e em todo o complexo mental. Aqui vamos lidar com o
complexo mental. O tema das representações dos cakras no corpo e os aspectos da energia
são matérias para outro fim-de-semana. Estamos lidando com a mente. Este seminário se
chama Yoga, os Cakras & a Mente.
Os cakras são centros específicos na estrutura do corpo do indivíduo, do sistema de
energia, do sistema mental-emocional, da nossa sabedoria e consciência espiritual; e eles
integram todos esses níveis. Eles unem os cinco kośas e têm representação em cada um deles.
Vamos lidar aqui com nossos seis principais cakras com o objetivo de evoluir nossa perso-
nalidade através do Yoga. De acordo com o Yoga, a personalidade de cada um de nós ex-
pressa seis diferentes aspectos. São eles: segurança, prazer, ação e poder, amor, comunica-
ção e intelecto. Essas são as expressões mentais e emocionais dos seis principais cakras.
É importante perceber os potenciais humanos dentro da teoria dos cakras. Um dos
principais aspectos das práticas de Satyananda Yoga é melhorar as diferentes qualidades de
personalidade agindo diretamente nos nossos cakras. Mas sempre mantemos um equilíbrio,
trabalhamos em todos os seis cakras.
Mūlādhāra, swādhisṭhāna, maṇipūra, anāhata, viśuddhi, ājñā. Esses são os seis princi-
pais cakras. Eu disse que não usaria palavras em sânscrito, mas vocês vão ter que aprender
estas porque elas serão usadas o tempo todo. Eu não vou dizer cakra do coração ou cakra
umbilical, mas anāhata e maṇipūra. A segunda razão pela qual vocês têm que conhecer essas
palavras é que os nomes funcionam como mantras que estimulam os cakras. Anāhata ativa
a área do coração. Se você repetir a palavra anāhata sentirá a vibração na região cardíaca.
Repitam algumas vezes e observem por si mesmos. E acontece o mesmo com os nomes dos
outros cakras. Há também outros mantras para estes cakras. Por exemplo, os bīja-mantras:
laṃ, vaṃ, raṃ, yaṃ, haṃ e oṃ. Mas, nós utilizaremos os nomes dos cakras.
Mūlādhāra-cakra está localizado na área do períneo. Os homens conseguem sentir a
vibração exatamente nesta área, as mulheres costumam sentir um pouco mais profundo na
região do cérvix ou colo do útero. Mas, a posição exata é algo pessoal, onde a pessoa conse-
gue sentir. Depois vamos para swādhisṭhāna-cakra, ele está localizado na extremidade do
cóccix, mas a maioria das pessoas o sente na parte média do sacro. A mesma coisa acontece
com maṇipūra-cakra que pode ser sentido em diferentes lugares. A posição tradicional é na
coluna vertebral, logo atrás do umbigo, mas eu pessoalmente sinto em algum lugar no meio.
Anāhata-cakra é geralmente localizado na coluna vertebral, logo atrás do coração. Viśuddhi-
cakra, na coluna vertebral, logo atrás da laringe. E ājñā-cakra está exatamente no centro da
cabeça, alinhado com o ponto entre as sobrancelhas. Muitas pessoas sentem esse cakra en-
tre as sobrancelhas.
Há ainda dois outros que não são bem cakras, como o biṅdu, na parte de trás da cabeça
naquela região onde o cabelo faz um redemoinho. E há outro no alto da cabeça chamado
sahasrāra, dando um total de oito. E vamos fazer algumas coisas para experimentá-los. Eu
vou continuar usando esses nomes para que vocês possam aprendê-los corretamente, por-
que, se vamos usar esses nomes como mantras, devemos pronunciá-los corretamente. Al-
gumas vezes, vocês poderão encontrar esses nomes de cakras com a letra a no final. Da
forma como se pronuncia corretamente a palavra em sânscrito, esse a final é apenas como
um sopro, que para o ouvido ocidental não é nem sequer um som. Então, para os ouvidos
ocidentais eu costumo tirar o a final para tornar a pronúncia mais fácil. Isso se aplica a qual-
quer palavra em sânscrito com o a no final.

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«TEXTO.V.»

A evolução da personalidade através dos cakras e guṇas

O que vou apresentar aqui é um ponto de vista diferente a respeito dos cakras. É comum
considerarmos os cakras como tendo uma ordem de mérito, começando de baixo para cima:
os mais baixos ligados à segurança pessoal, sexualidade e poder estão na parte inferior, num
extremo mais físico. Os mais elevados estão ligados às características de amor, comunicação,
intelecto e intuição, estão mais para cima, num extremo mais espiritual. Há um mérito neste
ponto de vista: é mais fácil que as qualidades dos cakras superiores aflorem, se os conflitos
existentes nos cakras inferiores já foram trabalhados. No livro Kundalini Tantra Swami
Satyananda escreveu:
Toda a vida está evoluindo, e o homem não é nenhuma exceção. A evolução humana é
uma jornada através dos cakras. Mūlādhāra é o mais básico e fundamental de onde começa-
mos nossa evolução e sahasrāra é onde a evolução está completa. Abaixo de mūlādhāra, é o
nível animal e instintivo e, acima de saharsrāra é divindade indescritível. As pessoas evo-
luem individualmente e despertam os cakras de acordo com sua evolução. A personalidade
pode ser relacionada a este despertar dos cakras.
Duas coisas têm que ser percebidas aqui, ou melhor, mais de duas. Nós já estamos
evoluindo em termos de nossa personalidade. Paramahaṃsajī Satyananda disse todo mundo
está evoluindo, mas ele diz também que o Yoga é como o pedal acelerador. Outro ponto, as
pessoas evoluem individualmente e despertam os cakras de acordo com seu processo pes-
soal. Isso não quer dizer que todo mundo começa a evoluir ou despertar a partir de
mūlādhāra, mas que cada pessoa vai ter um ou outro cakra mais desperto. E a personalidade
está relacionada com o padrão de despertar dos cakras e é sobre isso que vamos falar agora.
Então há esse ponto de vista vertical de mūlādhāra até sahasrāra. Mas, se olharmos
as características de personalidade ligadas a cada cakra, veremos que em cada um há qua-
lidades ou níveis superiores e inferiores. Nesse caso, as qualidades superiores e inferiores
estão em cada um dos cakras. Imaginem a linha dos cakras na horizontal e o eixo de evolução
de cada cakra na vertical. Se colocarmos a figura deitada, veremos assim as características
de personalidade: segurança – alegria – poder – amor – comunicação – intelecto.
Pode haver uma evolução baixa em alguns cakras e uma evolução superior em outros
cakras. E os diferentes cakras podem ter evoluído em graus diferentes em cada um de nós.
Alguns podem ter um anāhata-cakra altamente evoluído e um maṇipūra menos desenvol-
vido. Há ainda uma terceira coisa que temos de lembrar: alguns cakras estão mais ativos em
cada um de nós do que outros. Então as características de personalidade daquele cakra mais
ativo domina nossa personalidade total. Vamos falar mais sobre isso depois.
Agora vamos continuar enfocando a evolução das qualidades dos cakras. Do quê esta-
mos falando quando nos referimos à evolução? Cada um dos cakras está num grau mais alto
ou mais baixo de evolução em cada um nós. Este nível de evolução é expresso no Yoga atra-
vés do conceito de guṇas.
E o que são guṇas? O termo guṇa significa qualidade, dimensão ou evolução. Apesar de
estarmos falando da personalidade da mente , na verdade, toda a natureza pode ser anali-
sada em termos de guṇas, pois é um conceito muito amplo. Como nós estamos lidando com
a personalidade humana com a mente, podemos restringir o conceito. Alguém já leu a Bha-
gavadgītā? No capítulo catorze e em grande parte do capítulo dezoito, o Senhor Kṛṣṇa lida
como os guṇas e como eles se aplicam à personalidade humana.
Os guṇas são três: tamas (inércia), rajas (movimento) e sattva (equilíbrio). Lembre-
se que estamos falando de níveis de evolução, não há separação rígida entre eles, é um pro-
cesso contínuo. Então, dividir a evolução em tamas, rajas e sattva é algo arbitrário. Na ver-
dade, o que há é um processo suave sem quebras. As palavras que o Senhor Kṛṣṇa usa para

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definir tamas são inércia, peso, escuridão, letargia, preguiça, ignorância, falta de ética, visão
limitada ao nível de sobrevivência, pensamento ilógico, egoísta, fanático, emoções negativas
baseadas na sobrevivência, ações defensivas ou agressivas, capacidade de melhora bloqueada.
Mas, não condene as pessoas que estão neste nível, vocês não sabem quais foram às experi-
ências na vida que elas tiveram. Procure ver o potencial dessas pessoas.
Então, temos principalmente duas áreas relacionadas com tamas. A letargia, cansaço
ou preguiça e o sentir-se travado, bloqueado. É difícil sair disso e não é um bom lugar para se
estar. Segundo ponto: a falta de habilidade de ver as necessidades ou direitos dos outros, não
apenas pessoas, mas também animais, meio ambiente etc. Então é importante lembrar estes
dois aspectos de tamas.
O guṇa rajas é definido por Śrī Kṛṣṇa como apaixonado. Em rajas há ação o tempo
inteiro: mudança, movimento, força e impermanência. Na personalidade há a necessidade de
satisfazer os desejos individuais, experiências de atração e repulsão, ambição pessoal, ego, es-
forço e liderança. A visão é oportunista, a emoção é positiva se as coisas estão indo bem, e
as atividades são realizadas para satisfazer os desejos e as ambições pessoais. Então o im-
portante aqui é ação para satisfazer meus desejos. Enquanto tamas , você tem o sentimento
de estar sendo ameaçado, e você tenta se proteger; em rajas você tem uma qualidade de
ação mais extrovertida, mas para benefício pessoal.
Sattva guṇa é definido por Śrī Kṛṣṇa como pureza. Outras qualidades relacionadas
são: luz, percepção clara, simplicidade, a essência da aprendizagem e do despertar, procu-
rando e obtendo conhecimento. Procura-se ver as oportunidades de ajudar, o pensamento é
apurado, intuitivo e sábio. As emoções são positivas baseadas na fé. A aspiração é altruísta e
ética, e as atividades são realizadas pelo bem de todos. Leva à iluminação, ao nosso verda-
deiro estado de iluminação. De acordo com os yogīs, cada um de nós está completamente ilu-
minado. Mas, nossa identificação com aquele estado iluminado está encoberta, bloqueada. Um
dos processos principais do Yoga é desbloquear isso. De forma que nos identifiquemos com
aquilo que realmente já somos. E vocês vão entender isso melhor no decorrer do seminário.

As qualidades das nossas ações

1. Ação de tamas: estado interior, inércia, estado defensivo, escuridão, ignorância das
necessidades de outras pessoas, podendo machucar os outros.
2. Ação de rajas: dinâmica, surge do ego para satisfação dos desejos e ganhos pesso-
ais.
3. Ação de sattva: em harmonia com o cosmos e com a lei natural. Não é egoísta, é
amável, ético, feita com equanimidade e pelo bem de todos.

É importante lembrar que os cakras são uma forma de olhar a personalidade humana. Eles
são reais, e Satyananda Yoga trabalha com eles para evoluir nossa personalidade. Geral-
mente cada um de nós se especializa em um ou dois, mas muito pouca gente tem todos eles
em equilíbrio. Os cakras mais ativos em cada um de nós ajudam a determinar nosso estilo
pessoal. Devemos lembrar também que o sistema de cakras não é tão simples quanto parece.
Estamos lidando aqui apenas com os aspectos da personalidade, e as divisões entre os níveis
de guṇas são gradativas. Vou falar mais disso daqui a pouco.
Eu já falei que esses níveis são graduais e não estão divididos rigidamente entre si.
Falei também que cada um de nós já está nos níveis mais altos, já estamos iluminados. Por
milhares de anos, os adeptos espirituais nos têm dito, desde o seu nível de iluminação, que cada
um de nós já está no nível mais alto de consciência e que já somos espíritos puros. Mas, estamos
presos num nível inferior de consciência e distraídos nos dramas que não nos deixam perceber
quem realmente somos. Nós precisamos transcender esses dramas e assim poderemos voltar
para casa, para nossa verdadeira herança.

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Qual é essa herança? Nós já estamos iluminados e somos um com a consciência abso-
luta, bem-aventurança transcendental, segurança total, poder vasto para o bem, amor uni-
versal, onisciência, comunicação total com o espírito universal. Onisciência não quer dizer
saber tudo, mas conhecer o que o Todo realmente é. Quer dizer, você pode atingir esse nível de
consciência e não saber como funciona o motor de um carro.
Essas são as categorias que vamos usar para falar dos aspectos da evolução dos cakras
associados à evolução da personalidade nos diferentes níveis de guṇas. Ao invés dos três
níveis tamas, rajas e sattva, vamos usar oito níveis: tamas; tamas-rajas; rajas-tamas; rajas;
rajas-sattva; sattva-rajas; sattva e iluminado; destacando assim o aspecto gradual da evolu-
ção e proporcionando uma idéia desses diferentes níveis dos aspectos da personalidade dos
seis principais cakras.

«TEXTO.VI.»

A expressão dos aspectos dos cakras

Lembre-se de que cada cakra afeta nossa percepção das pessoas e do mundo, nossa memó-
ria, os padrões de pensamento, as emoções e o comportamento. Temos seis cakras princi-
pais e temos oito níveis de evolução em cada um dos aspectos da personalidade ligados a
cada cakra. Temos então 48 categorias. Ou seja, as categorias que estão ativas dentro de nós,
em determinado momento, vão influenciar a forma como percebemos o mundo, os aspectos
da memória que estão disponíveis para nós, a forma como estamos pensando e sentindo e
a forma como vamos nos comportar. Então aqui temos um modelo de personalidade hu-
mana e o trouxemos para essas diferentes dimensões. Vamos agora examinar cada uma de-
las.

Mūlādhāra-cakra ::: segurança

Mūlādhāra-cakra está ligado com a segurança, aquisição de dinheiro, posses materiais e


também está relacionado com o aspecto reprodutivo da sexualidade. Há um processo fisio-
lógico, mas não vamos entrar nessa área, vamos ficar apenas com os aspectos da personali-
dade e ver como eles se encaixam nos oito níveis.
Em mūlādhāra estamos lidando especialmente com o aspecto de segurança. O nível
mais tamas em mūlādhāra é a experiência de terror. Qual é o extremo da insegurança? Ou
qual é o nível mais tamas de segurança? Obviamente é o medo extremo. O termo terror quer
dizer um medo extremo e incontrolável, o tipo de coisa que acontece num ataque de pânico.
Esse é o extremo mais tamas de mūlādhāra.
Quando nos tornamos um pouquinho mais rajas (nível tamas-rajas), surge mais ação
e controle pessoal, não estamos mais completamente, inundados de terror. Temos então, o
que chamamos de ansiedade. Há ainda um medo, mas não nos sentimos desesperados.
No nível rajas-tamas há ainda mais ação e mais condição da pessoa fazer alguma coisa
em relação ao que esta acontecendo. A pessoa neste nível já consegue fazer alguma coisa
para lidar com o medo. Talvez se alcoolizando, usando drogas ou fazendo o que geralmente
acontece no mūlādhāra-cakra: acumular dinheiro e posses na esperança de se sentirem mais
seguras, mas nunca acontece porque a insegurança vem de um outro lugar. Não interessa o
quanto possa acumular em bens, a pessoa continua se sentindo insegura. Temos o exemplo
de diretores de companhias que são muito ricos e que acabam destruindo a companhia para
poderem fugir com alguns milhões de dólares só para eles. Isso é a avareza ou apego mate-
rial. Freud falou dessas pessoas e caracterizou sua personalidade como anal, cuja caracte-
rística é a retenção e ele diz também que essas pessoas estão sempre constipadas, elas se-
guram tudo, não conseguem deixar nada ir.

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O nível rajas é o nível onde a maioria das pessoas na sociedade ocidental está, princi-
palmente nos chamados países desenvolvidos. Também há alguns no nível rajas-tamas e
menos gente nos níveis extremos de tamas e sattva. Isso quer dizer que a qualidade predo-
minante nas pessoas é rajas. E, quando falamos de segurança, dinheiro e posses, as pessoas
rajas normalmente, se sentem seguras, elas conseguem fazer alguma coisa para atingir o
nível de segurança. E elas estão sempre procurando dinheiro para si próprias e para suas
famílias.
No nível rajas-sattva há maior influência de sattva. Como essas pessoas lidam com
segurança, dinheiro e posses? O que difere rajas de sattva é o sentido de nós, de coletividade.
Visualizando tamas, sou eu me protegendo de todos os outros que estão aí fora. Visualizando
rajas, sou eu tentando ver o que consigo pegar para mim deste mundo externo. O que há de
sentimento nestes dois níveis é a sensação de falta, de não ter e precisar buscar lá fora. Mas a
verdade é que a segurança total é o que eu já sou. E é só com a clareza de sattva que eu
consigo vivenciar isso. Em sattva os níveis de rajas e tamas, que podem ser chamados de
lixo mental, estão superados. Então, quando sattva começa a brilhar, a pessoa passa a sentir
essa segurança que já está dentro de si e começa também a desenvolver o sentido de nós ao
invés de eu, seja me sentido ameaçado pelo outro como em tamas ou vendo o outro como
sendo a fonte do que eu quero como em rajas.
Então, no nível rajas-sattva, em mūlādhāra, a pessoa demonstra generosidade. Neste
momento, uma coisa estranha começa a acontecer. Por exemplo, se eu quero uma coisa e
você a tem, se eu estou em tamas, eu vou bater na sua cabeça e tomá-la. Essa seria a atitude
tamas-rajas. Se eu estou em rajas, eu provavelmente faria um negócio com você de forma a
conseguir o que eu quero. Se eu estou em tamas e bato na sua cabeça, muitas coisas vão
decorrer desta ação: a polícia vai bater à minha porta, eu vou acabar sendo um hóspede do
governo num hotel que, com certeza, não é cinco estrelas. Então, em outras palavras, o nível
tamas leva a círculos viciosos em todos esses diferentes aspectos da personalidade. Em rajas
não temos esses círculos, é mais a questão dos jogos e acordos que fazemos ao lidar com os
outros.
Por outro lado, sattva leva a círculos virtuosos. Quando eu estou em sattva, em vez de
bater na sua cabeça e pegar o que eu quero, fazendo de você um inimigo, eu sou generoso
com você. Eu te dou coisas. A lei do karma entra de novo de uma forma positiva. Porque a
minha generosidade volta para mim, nós acabamos sendo amigos dando coisas um para o
outro. Quanto mais desenvolvemos e entramos em sattva, mais vamos criando círculos vir-
tuosos que nos fazem ficar cada vez melhor. E há um verso pequeno no capítulo 14 da Bha-
gavadgītā onde Kṛṣṇa diz que as pessoas em tamas descem, as pessoas em rajas ficam no meio
e as pessoas em sattva sobem. É um pensamento bem simples, e você pode achar que não há
nada demais nele, mas é um dos segredos mais maravilhosos e fundamentais da vida. Jesus
teve o mesmo pensamento com ainda menos palavras e disse: recebemos de acordo com o
que damos. Quer dizer que, se eu bater no seu nariz, eu vou levar o mesmo de volta e as
coisas vão piorar.
Quando se chega no nível sattva-rajas, a pessoa se sente muito mais segura interna-
mente. Começa a experimentar esta segurança que está dentro de si e vai obter posses, mas
as usa para beneficiar as outras pessoas. Um belo exemplo disso é o trabalho que está sendo
feito por estes dois saṃnyāsis que organizaram este seminário. Eles têm posses e coisas,
mas a vida deles está completamente dedicada a transmitir o Yoga para as pessoas. E eu sei
que há outros de vocês neste mesmo grupo que estão neste mesmo nível.
Agora chegamos em sattva. Este é o nível onde a pessoa está clara. A segurança aqui é
o que eu chamo de sentimento visceral, ou seja, a pessoa não está apenas se sentindo segura,
ela é a própria segurança. Acima deste nível entramos numa outra dimensão totalmente
diferente, o aspecto iluminado de mūlādhāra. Essa é a união com o absoluto. Jesus disse: Eu

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e meu Pai somos Um. Isso não é apenas um conceito intelectual, é a imersão total na Consci-
ência Absoluta. Então, se eu e meu Pai somos um, e não há ninguém mais, a segurança é
total. Quando a pessoa que tem essa experiência de iluminação volta deste nível, ela se torna
uma pessoa completamente diferente do que era antes. Há uma realização interna onde fi-
nalmente eu estou totalmente seguro. O corpo pode ser vulnerável, mas Eu não. E esse é o
ponto máximo da segurança. Vamos lidar com os outros cakras da mesma maneira.

«TEXTO.VII.»

Swādhisṭhāna-cakra ::: alegria e prazer

A qualidade deste cakra tem a ver com a alegria, com o aspecto de prazer ligado ao sexo e
com o bom humor. A depressão é o aspecto mais tamas do swādhisṭhāna-cakra. Os yogīs
dizem que, se alguma condição afeta um kośa, todos os outros também sentirão o efeito. Por
exemplo, se algum estímulo afeta o corpo físico, seus efeitos se expandem para todos os
outros kośas. Qualquer estímulo, positivo ou negativo, acaba afetando todos os outros kośas.
A depressão é um ótimo exemplo de uma condição que afeta todos os kośas. Há um
nível bem baixo de humor, total ausência de alegria e otimismo, muita tristeza e pessimismo.
A pessoa deprimida não vê qualquer esperança no futuro. Em casos mais graves, pode-se
chegar até mesmo ao suicídio. Mas, também há efeitos sobre o nível de energia ou vitalidade
do corpo. Todo o funcionamento do corpo se desacelera. Os movimentos se tornam vagaro-
sos, em alguns casos pode se observar agitação, mas isso também acaba levando a uma de-
saceleração das funções do corpo. A mente também é afetada. Na depressão temos dificul-
dade de raciocinar, tanto o pensamento quanto o comportamento ficam lentos. A pessoa
tem dificuldades de ter pensamentos elevados e experimenta um estado de grande isola-
mento espiritual, ou seja, até anandamaya-kośa é afetado. Mesmo a pessoa que sentia muito
próxima de Deus, sentir-se-á só e isolada com a depressão. Essas pessoas podem chegar a
pensar que são algum tipo de terríveis pecadores. Enfim, a depressão não é um bom lugar
para se estar. Eu mesmo estive lá há uns 38 anos atrás e posso falar de experiência própria.
Qualquer um de vocês que tiver realmente passado por uma depressão sabe de que eu estou
falando.
Quando há um pouco mais de rajas neste processo, a depressão dá lugar a uma tris-
teza profunda associada à inabilidade de experimentar alegria na vida. Quando houver mais
rajas, haverá também um pouco mais de ação. Nos estados tamas e tamas-rajas não existem
desejos sexuais. Este aspecto do swādhisṭhāna está encoberto. Quando se atinge o nível rajas-
tamas haverá ainda um pouco de tristeza associado com tamas, mas neste caso teremos de-
sejos sexuais. Pode ser que o sexo se torne uma compulsão como uma tentativa de encontrar
um pouco mais de alegria na vida. Mas lembre-se de que tamas é a inabilidade de reconhecer
as necessidades das outras pessoas. Então, neste caso, a atividade sexual tende a ser explo-
radora da outra pessoa.
O nível rajas é o nível médio onde a maioria das pessoas está, e a característica prin-
cipal é a tentativa de encontrar prazer no mundo externo. A atividade sexual aqui assume um
caráter de maior mutualidade. Mas, como já disse antes, em rajas não conseguimos perceber
a bem-aventurança que nós já somos. A consciência desta bem aventurança continua enco-
berta e então o único jeito de conseguir prazer e alegria é buscando no mundo exterior. Neste
nível de rajas já compartilhamos alguma coisa com o outro.
No nível rajas-sattva estão às pessoas que possuem senso de humor e geralmente são
alegres. Elas têm mais intimidade na vida sexual e conseguem compartilhar esta intimidade.
Têm amor e consideração pelas outras pessoas. Geralmente é uma boa maneira de se viver,
mas há muito mais do que isso. Neste nível o sattva começa a trazer alguma consciência da
alegria interior que já existe dentro da pessoa. Quando a qualidade sattva aumenta para o

136
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
nível sattva-rajas, a pessoa tende a permanecer sempre contente e feliz, mesmo sem prazer
sexual. Há um sentimento de prazer surgindo do interior. Assim vamos nos aproximando de
um nível onde a pessoa não precisa mais necessariamente do sexo. Apesar disso, neste es-
tágio pode ocorrer um alto nível de relação com muita intimidade, o que é muito agradável.
Isso ocorre porque neste nível não há nenhum bloqueio para o fluxo de intimidade. Duas
pessoas neste mesmo nível podem levar uma vida muito bela em relação a esta qualidade.
Quando chegamos no nível sattva, o que há é alegria efervescente. Essa pessoa é alegre
e, onde quer que ela esteja, contamina todos com sua alegria. A alegria simplesmente flui
dela para o mundo. Se uma pessoa assim chega a um lugar onde todos estão tristes, falando
de política, de corrupção, de coisas negativas, em minutos ela ilumina todo o lugar e os po-
líticos já não parecem tão maus.
Neste nível mais elevado pode surgir o que se chama de celibato espontâneo. A pessoa
já está preenchida interiormente com esse sentimento de êxtase, que é o que o ato sexual
proporciona. Ouvimos falar de monges e celibato, mas há apenas dois tipos de pessoas para
as quais o celibato é fácil. Para aqueles que não têm nenhum tipo de atividade acontecendo
no swādhisṭhāna-cakra, e para aqueles onde o cakra está plenamente ativo. Essas pessoas
que estão funcionando no nível superior de sattva não precisam compulsivamente do
mundo exterior. Qualquer um que não se encaixe nesses dois quadros não está apto ao celi-
bato. Não importa quantos votos façam, vai ser sempre um problema. Há exemplos disso em
todo o mundo. A pessoa que faz voto de celibato quando tem 16 ou 17 anos, estando no nível
rajas de swādhisṭhāna-cakra, está destinada ou ao fracasso ou a desenvolver uma série de
problemas e sentir culpa. Mas, para algumas pessoas, o celibato é apenas o fluxo natural da
vida.
Então, mais uma vez a cena muda, passamos através daquele véu e nos abrimos para
a experiência de iluminação. Isso é o que os yogīs chamam de ānanda ou o conceito cristão
de êxtase. É a sintonia com a experiência de bem-aventurança total. Quando uma pessoa tem
essa experiência, ela percebe que o prazer sexual é muito menor do que o prazer que ela
está experimentando agora. Geralmente não permanecemos neste estado elevado. Eu ima-
gino que, se permanecêssemos nele, não faríamos nada útil para o resto da vida. Ficaríamos
apenas nos extasiando. Vocês já devem ter notado a palavra ānanda adicionada ao nome de
alguns saṃnyāsins.

«TEXTO.VIII.»

Maṇipūra-cakra ::: poder

Vamos ver agora a qualidade do poder. O que é poder? Qual a definição de poder ou força na
física? É a capacidade de realizar trabalho. E o que são o poder e a força nas relações inter-
pessoais? É a mesma coisa, ou seja, a habilidade de conseguir que as coisas sejam feitas, a
habilidade de usar nossas ações para conseguir que as coisas aconteçam e, à medida que as
realizamos, isso aumenta nossa auto-estima. Embora nossa auto-estima possa vir de outras
formas, ela vem basicamente da capacidade para agir. Existem algumas pessoas que sim-
plesmente não conseguem andar. Existem pessoas que têm muita dificuldade até para sair
da cama e, quando conseguem, é difícil começar a fazer alguma coisa. Então essa pessoa
senta na poltrona, liga a TV e hoje em dia já nem precisa levantar para mudar o canal. Elas
vêem as louças sujas, baratas passeando pelas louças e aí isso faz com que se sintam ainda
pior, levando a energia mais para baixo. Pessoas assim, definitivamente precisam ser expos-
tas a algumas práticas de Yoga.
Quando aumentamos o rajas, a pessoa começa a se sentir culpada pela falta de ação e
nesse caso a baixa auto-estima é um problema. Por que as pessoas ficam bloqueadas em

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tamas? São os círculos viciosos. Temos a culpa, a baixa auto-estima e esses são os sentimen-
tos menos motivadores que podemos ter. Então ficamos bloqueados neste nível.
Quando temos mais rajas, há duas coisas que acontecem. Lembrem-se de que eu falei
de dois aspectos principais de tamas: falta de atividade, letargia, inércia e a incapacidade de
perceber as necessidades e direitos das outras pessoas. Poderá haver frustração quanto ao
primeiro aspecto de tamas, mas, se há muito rajas acontecendo junto com uma influência
muito forte de tamas, você vai ter uma dessas pessoas que gostam de mandar e passar por
cima dos outros. Tornam-se ditadores, tentando assumir o controle de tudo, mas sem nenhum
tipo de consideração pelos direitos das outras pessoas. Geralmente a única exceção é o pe-
queno grupo de amigos próximos. O último século produziu vários exemplos deste tipo de
pessoas. Eu poderia dizer que essas pessoas estão muito ativas no maṇipūra-cakra e pouco
ativas no anāhata-cakra (coração). São pessoas muito perigosas. E o último século nos deu
dois grandes exemplos: Hitler e Stalin.
No nível rajas tempos as pessoas que são ativas e conseguem fazer o trabalho. Eu uso
a palavra corajosos para defini-las. Elas vão e começam as coisas, tem iniciativa, fazem acon-
tecer. São as que chamamos de pró-ativas.
Vamos ver agora as pessoas com um pouco da energia de sattva. Quando falamos do
mūlādhāra nos referimos as pessoas que são generosas com seu dinheiro e posses. Aqui, em
maṇipūra, temos as pessoas que são generosas com seu tempo. Essas são as pessoas que se
tornam a coluna central de todos os aśrams, de grupos religiosos e de qualquer tipo de or-
ganização para ajuda comunitária.
A pessoa em rajas só vai lhe ajudar a fazer alguma coisa se receber algum retorno ou
benefício para si mesma. Nos níveis mais sattva, a pessoa ajuda simplesmente porque é a
coisa certa a fazer. No nível sattva-rajas estão às pessoas chamadas de karma-yogīs num
nível médio. Pois há um nível elevado de karma-yoga. Mas no nível médio a pessoa está ativa
na comunidade pelo bem das outras pessoas e não faz por ganância ou pensando nos bene-
fícios que pode receber, seja dinheiro, fama etc. Ela está ajudando simplesmente porque é o
que sente que deve fazer e, se ajuda com consciência e equanimidade, então está praticando
karma-yoga.
Quando chegamos ao nível sattva, acontece uma coisa interessante. No nível de
maṇipūra estamos lidando com a habilidade de conseguir que as coisas sejam feitas; e no
nível sattva, de que as coisas boas sejam feitas. Vocês que ensinam Yoga, estão fazendo uma
coisa boa para as outras pessoas. E, à medida que usamos nossas vidas desta forma, come-
çamos a perceber coisas interessantes, algumas pequenas coisas acontecem. Precisamos
que alguém faça um trabalho e neste mesmo instante, alguém entra pela porta. Você precisa
de 2.500 dólares, e alguém lhe dá exatamente essa quantia. Então, começamos a perceber
que essa coisa misteriosa que podemos chamar de Graça Divina está por toda parte, e con-
seguimos tudo o que precisamos. Não para nosso benefício pessoal, mas para que o trabalho
seja feito. Percebemos que apenas transitamos por esse trabalho que estamos fazendo,
como alguém sobre uma prancha de surf. Você primeiro rema tão rápido quanto consegue,
um trabalho duro, e depois sente que é simplesmente levado. Essa sensação da Graça Divina
estar lhe conduzindo pelo trabalho é um nível bastante sattva de maṇipūra. Onde eu morei
na Austrália havia uma pequena igreja com um cartaz que dizia deixe fluir, deixe Deus agir.
Isso não quer dizer que devemos ficar deitados e esperar que tudo aconteça por milagre.
Significa que, se você consegue deixar de lado o envolvimento do egoísmo no seu trabalho,
então a Graça Divina entrará e tomará este lugar. É o que o Senhor Kṛṣṇa chama de não-ação
na Bhagavadgītā.
Indo a um nível mais elevado, temos o que chamamos de milagre. Milagre é apenas a
Graça Divina canalizada através de uma pessoa que é tão pura e aberta que simplesmente
pode se tornar um instrumento. Essa é uma qualidade que muitos mestres possuem. São
Francisco disse: Senhor, fazei-me um instrumento de vossa paz. Vocês se lembram da história

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
em que Jesus estava caminhando, e uma mulher se aproximou, tocou as roupas dele e foi
curada? Ele simplesmente falou alguma coisa do tipo: Ó, alguém foi curado. Esse tipo espe-
cial de milagre não parece ser fruto de uma intenção, mas é o que acontece quando alguém
está na presença de um desses mestres. Jesus chegou a demonstrar alguns milagres, mas se
você conhece bem o evangelho poderá entender que ele fez isso por causa da missão que
ele tinha. No Yoga esses poderes são chamados de siddhis, e os mestres não os usam. Antes,
eles permitem serem usados pelo poder, se tornando um canal sem egoísmo.
Vejamos a qualidade de maṇipūra no nível de iluminação. Ao atravessarmos aquele
véu, unificamo-nos com o poder do Universo e percebemos que ele flui em cada um de nós.
Compreendemos ainda que, se desbloqueamos nossos canais, podemos ser usados como
instrumentos desse poder divino. O yoga trata de desbloquear esses canais.

«TEXTO.IX.»

Anāhata-cakra ::: amor e compaixão

Qual seria o nível mais tamas do anāhata-cakra? Alguns estão dizendo que é o ódio, mas o
ódio pode vir de qualquer dos cakras. Se você frustra os desejos de qualquer cakra, é prová-
vel que a pessoa vá odiar você. O nível de maior tamas do anāhata-cakra é a apatia ou indi-
ferença, é não se importar com ninguém. Se há alguém morrendo diante dos olhos de uma
pessoa neste nível, ela simplesmente desvia o olhar e segue o caminho.
No nível tamas-rajas, a pessoa começa a desenvolver a qualidade de cuidar dos outros,
mas num nível muito frágil. Ou seja, a pessoa ajuda enquanto vê a possibilidade de satisfazer
alguns desejos pessoais, depois disso o outro não vale mais nada. No nível rajas-tamas há
alguma preocupação com as pessoas e animais mais próximos, mas o tamas impede a pessoa
de chegar à intimidade. No nível rajas, observamos o que pode ser considerado amor condi-
cional.
De acordo com o que estamos falando aqui, cada um de nós já é amor transcendental,
mas esse amor está encoberto pelo lixo mental. A pessoa no nível rajas pode dar amor para
outra pessoa, mas quando faz isso sente que está perdendo alguma coisa. Por isso, precisa
conseguir alguma reposição do mundo exterior como um retorno para aquele amor que está
dando. É por isso que chamei de amor condicional. Eu te amo desde que você prometa me
amar, você vai ser sempre meu e nunca vai amar mais ninguém. Você vem para minha gaiola
e vai ficar lá. Esses são os casais 50%: eu te dou 50% e você me dá 50%. Na Austrália esse
tipo de casal é considerado um bom negócio. Eu acho que não deve ser tão bom assim por-
que as pessoas perdem muito tempo fazendo contas: eu te dei 51% de amor ontem, e você só
me deu 49% e, se você não me der 52% de amor hoje, eu vou me magoar.
Essa não pode ser uma relação feliz. E qual seria? A relação 100% x 100%, em que
você está pronto para dar tudo. Novamente uma coisa interessante começa a acontecer,
pois, quando você começa a dar dessa forma, isso começa a voltar para você. Não porque
você esteja solicitando, mas porque você está dando. E isso é o que acontece quando a qua-
lidade de sattva começa a entrar em nossas vidas. No nível rajas-sattva, você tem um cuidado
bastante óbvio com as outras pessoas. Profissões que envolvem cuidar dos outros atraem
pessoas neste nível. Enfermeiros, médicos, pessoas que trabalham para o bem dos outros,
seja recebendo dinheiro ou como voluntários.
Quando nos tornamos mais sattva, começamos a vivenciar o amor que realmente so-
mos. Muito daquele lixo mental já foi retirado e sentimos o amor que verdadeiramente so-
mos. Esse amor flui para as outros pessoas, flui para o mundo todo, não apenas para um
grupo próximo, mas para todas as pessoas, árvores e animais, para todo o planeta Terra.
Com relação ao nível sattva, essa pessoa simplesmente é amor. E assim somos todos
nós, mas a pessoa no nível sattva já retirou todas as barreiras que impedem esse amor, e o

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amor flui através dela e os outros então, conseguem sentir isso. Eu me lembro de um acon-
tecimento estranho. Um mestre espiritual da Índia que não está relacionado com meu guru
ou nosso grupo, veio morar em minha casa por um mês. Seu nome era Puja, e ele era uma
pessoa maravilhosa. Na manhã seguinte à sua chegada, eu estava sentado lendo o jornal
quando comecei a sentir esse amor dentro de mim e foi surpreendente. Comecei a amar
tudo que estava vendo, consegui ver uma beleza plena em cada objeto. E alguns momentos
depois ele entrou e disse bom dia. Então eu percebi que aquele amor era como uma onda
que estava vindo dele, fluindo dele. Eu acredito que ele não estava pensando há, eu vou man-
dar amor para esse homem. Ele simplesmente era amor. Assim como uma flor não pensa há,
vem vindo alguém, vou jogar um pouco de perfume. O perfume apenas flui naturalmente. E
era isso que estava acontecendo com esse homem. Foi um bom mês.
Então, mais uma vez rompemos o último véu e nos tornamos conscientes do Amor do
Universo. Que todo Universo é um oceano de amor e nos dissolvemos nesse amor como um
grão de açúcar se dissolve na água. Quando saímos desse estado, passamos por uma fase de
consciência e percebemos que realmente tudo está baseado nesse amor, tudo está certo, que
aparentemente este mundo é uma tragédia terrível, mas tudo está baseado num plano di-
vino que tem como substrato o amor.

«TEXTO.X.»

Viśuddhi-cakra ::: comunicação

O nível tamas do viśuddhi-cakra é o isolamento. Há como que uma parede de vidro sepa-
rando a pessoa. Ela sente realmente, muita dificuldade em comunicar com o outro. Onde eu
mais vi isso foi na forma da esquizofrenia. Quando estamos com pessoas que têm alguma
forma de esquizofrenia, conseguimos perceber o que os psiquiatras chamam de parede de
vidro. Essas pessoas são muito isoladas das outras. Eu vi isso também em casos de veteranos
de guerra do Vietnã.
No nível tamas-rajas, as pessoas terão contatos limitados geralmente com aqueles com
quem não sentirão nenhum tipo de medo. No nível rajas-tamas, lembrem-se de que rajas é
ação, essas pessoas vão conseguir se comunicar. Mas o tamas é negativo, o que torna a co-
municação sempre negativa, por exemplo, na forma de reclamações. Se você diz que lindo
dia, a pessoa responde, é mas tem uma nuvem lá e a qualquer momento vai chover, e as roupas
que eu lavei não vão secar. Se uma pessoa assim é muito forte no viśuddhi-cakra, ela vai para
todos os lados reclamando de alguma coisa.
No nível rajas encontramos a forma mais comum de comunicação entre as pessoas.
Provavelmente não vamos encontrar ninguém neste nível discutindo sobre a teoria da rela-
tividade de Einstein ou sobre a evolução da personalidade individual. Mas, nesse nível as
pessoas se comunicam adequadamente entre si. Quando se tem mais sattva, lembrem-se de
que essa é à força de transcendência dos bloqueios, temos aquelas pessoas que se comuni-
cam facilmente. Se essa comunicação é através da fala, chamamos essa pessoa de eloqüente.
Mas, as pessoas nesse nível vão se comunicar bem em todos os diferentes canais como as
palavras, as ações, a linguagem corporal involuntária, as emoções, telepatia, etc. Todos esses
canais se tornam coerentes, todos estão dizendo a mesma coisa.
Nos níveis mais baixos, temos a pessoa dizendo uma coisa com a boca e outra com o
corpo. É o exemplo daquela mulher que chega para o psiquiatra, e ele pergunta: como vai
sua vida conjugal? Ela responde: vai bem, muito boa enquanto balança a cabeça e tira a ali-
ança. Nesse exemplo as palavras estão dizendo uma coisa, e a linguagem corporal outra. Por
isso, quando você é um psiquiatra, não dá tanta importância às palavras, você nota que a
aliança está sendo tirada do dedo e então faz outras perguntas.

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Quando desenvolvemos mais sattva, todos esses níveis estão dizendo a mesma coisa.
Outro detalhe é que a comunicação neste nível não fere os outros. Esse estágio é a facilidade
de dizer a coisa certa. No nível sattva, consegue-se a congruência total em todos os canais de
comunicação. Alguém neste ponto pode influenciar milhões de outras pessoas. Esperamos
que neste caso os outros cakras também estejam desenvolvidos. Hitler é novamente um
exemplo de alguém com um alto nível de comunicação, mas os outros cakras não estavam
tão desenvolvidos.
Quando chegamos ao nível iluminado, sintonizamo-nos com a comunicação total do
cosmos. Os yogīs, há milhares de anos atrás, já sabiam o que os cientistas estão descobrindo
agora: que todos os átomos do universo estão em constante comunicação em todos os ní-
veis.

«TEXTO.XI.»

Ājñā-cakra ::: intuição e sabedoria

Ājñā-cakra está relacionado com o intelecto e o pensamento. Nos níveis mais elevados, com
intuição e sabedoria. No nível tamas, a pessoa simplesmente não consegue pensar. No nível
tamas-rajas, a pessoa finge que não consegue pensar, mas poderia pensar um pouco melhor.
Mas, como já tentou pensar várias vezes e falhou, sente-se agora embaraçada com isso. No
nível rajas–tamas temos mais rajas e com isso a habilidade para pensar, mas devido à pre-
sença de tamas, o pensamento busca tirar vantagem oportunista.
No nível rajas encontramos a competência intelectual. A pessoa é lógica o suficiente
para tocar a vida. Quando começa o nível rajas-sattva, temos o processo de pensamento se
tornando mais claro e, desde que não haja nenhum comprometimento físico, ou seja, com
um cérebro normal, você pode chamar uma pessoa neste nível de inteligente.
No nível sattva-rajas, temos a pessoa que pensa muito claramente. Mas há ainda outra
coisa acontecendo, não é apenas o nível lógico que funciona bem, a pessoa começa a se sin-
tonizar com a sabedoria que vem de cima. Se vocês não acreditam que existe muita informa-
ção lá em cima, acreditem, porque há. Algumas pessoas têm a habilidade de abrir o canal e
receber essa informação de cima. São chamados de gênios, de pessoas criativas com pensa-
mento original. Pensamos que a idéia original ou criativa é da pessoa, mas provavelmente
está vindo lá de cima. Essa idéia pode ser aplicada a esse conhecimento que vocês estão
recebendo agora.
No nível sattva, temos intuição e pré-cognição, e isso é algo muito comum. Algumas
vezes temos um sonho hoje de uma experiência em uma situação, e ela não vai acontecer
neste nível de consciência pelos próximos 3 ou 4 meses e, quando acontece é exatamente a
mesma coisa. Você até sabe quais são as palavras que virão depois. Até os cheiros e os ba-
rulhos em volta são os mesmos. Então você começa a se perguntar em que tempo está real-
mente vivendo?
No nível mais elevado, temos o que chamamos de onisciência. A palavra quer dizer co-
nhecer tudo, mas não é exatamente isso, você não conhece tudo. O sentido aqui é perceber
todo o sentido da existência, tudo se abre para você e de repente você consegue saber o que
toda essa existência significa. Todas as perguntas sobre Deus e a existência são respondidas
em um segundo. Depois, quando você volta deste estado, pensa ó meu Deus, eu preciso es-
crever alguma coisa sobre isso. Mas, você não consegue escrever uma única palavra, porque
a experiência é multidimensional, e a escrita envolve apenas uma dimensão, falar é outra
dimensão. Você não consegue falar, não pode compartilhar sua experiência com mais nin-
guém. O que se pode fazer é ensinar Yoga a outras pessoas para que elas tenham a experi-
ência por si mesmas.

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Durante o dia subimos e descemos em cada grupo, mas cada um de nós tem um nível
mais ou menos estável ao longo da vida. O nosso nível mais alto, mais estável é o que per-
manece. As experiências positivas ou negativas e algumas drogas podem nos levar a algum
outro nível por um momento, mas depois voltamos ao nosso nível normal.

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Sinais Mágicos

Frater ON120
Fernando Liguori

Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.

N a Tradição Esotérica Oriental existe um termo sânscrito chamado mudrā que signi-
fica gesto, marca ou sinal. Existem mudrās de mãos, cabeça e corpo. As mais conhe-
cidas entre os ocultistas são as mudrās de mãos.86 Aqui, o termo se aplica a sinais ou
gestos corporais que devem ser assumidos durante a prática meditativa ou a execu-
ção dos rituais. Ao assumir uma mudrā, o magista torna seu corpo um poderoso hieróglifo
mágico. De certo ponto de vista, um ritual pode ser descrito como uma escrita mágica onde
o magista se torna a incorporação da Palavra ou Logos Criador. Por essa razão, um livro de
magia contendo instruções sobre a execução cerimonial de rituais é sempre chamado de
grimório. Esotericamente, uma mudrā não se trata apenas de um gesto corporal; antes disso,
trata-se de um estado de consciência. O sinal mágico assumido pelo corpo deixa uma marca
ou impressão na matéria astral protoplasmática do aethyr. Quando o magista assume o sinal
mágico seu corpo astral toma àquela forma.
No Ritual do Pentagrama da Sociedade de Estudos Thelêmicos há quatro deidades ou
neteres (princípios) evocados nas quatro direções do espaço: Ishtar, Ashtaroth, Babalon e
Isa (Ísis). Os neteres são deidades complexas, estruturalmente similares aos humanos, mas
muito além da condição humana. Dessa forma, agem como pontes entre os mundos. Os an-
tigos egípcios diziam que o ankh é um símbolo que sintetisa e ao mesmo tempo é designado
a cada um dos neteres.

A palavra ankh é traduzida como vida e é formada pela junção de duas palavras: an-ka. An é
a natureza visível, ka é a natureza invisível por trás. Na tradição thelêmica, compreendemos
esse conceito na forma de dois neteres, Nuit e Hadit. Outros significados para a palavra an
incluem tabuleta de escrita, pela qual a palavra é feita carne; artista ou artesão; fazer bonito
ou ser bonito, gracioso ou nobre; roda ou fonte de onde brota a vida; retorno ou retornar;
preparado ou preparar, olhar. An é um princípio de dualidade. A dança indiana tem uma
mudrā de cabeça chamada o olhar (dṛṣṭi-mudrā) e é executada quando a dançarina incor-
pora o princípio da Śakti. Ela foca o olhar (ekāgrāta) de maneira hipnótica. O mito grego da
Medusa que transforma os homens em pedra é uma corrupção dessa antiga prática espiri-

86 Para um estudo sobre as mudrās veja MEDITAÇÃO EM TEORIA & PRÁTICA (Vol. I).

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tual, transmitida de forma amorfa, sem o princípio do divino feminino. Nas lendas do perí-
odo clássico, o divino feminino ou a Deusa era retratada nos mitos que continham lendas de
monstros e criaturas malignas.
O ankh ou a cruz-tau é a primeira mudrā ou sinal mágico executada no Ritual do Pen-
tagrama. Nesse momento, o magista se coloca no centro do universo e incorpora os três
mundos ou estados de consciência: céu, terra e submundo. A partir desse ponto vamos es-
tudar as mudrās executadas no Ritual do Pentagrama. Esses sinais ou gestos são utilizados
para exteriorizar a cada etapa do ritual sua passagem elemental e servem como canal para
que o magista incorpore a força invocada pela assunção da forma divina na mudrā. Mas as
conexões mágicas vão além disso. Através de uma ou mais mudrās é possível concentrar a
força mágica para o desenvolvimento espiritual. Em outras palavras, a execução da mudrā
armazena a força mágica no corpo, magnetizando sua estrutura psíco-fisiológica. A prática
destas mudrās ou sinais mágicos constitui um yoga onde ocorre a união entre a individuali-
dade do magista e o princípio dinâmico dos neteres.

Sinal do Ankh

Essa mudrā ativa os cakras da coroa (Kether), do coração (Tiphereth) e dos pés (Malkuth)
para estabilidade e resistência. Coloque-se de pé com os praços esticados na altura dos om-
bros, palmas das mãos para cima. Mantenha-se ereto e una os dois calcanhares, deixando as
pontas dos dedos dos pés separadas em ângulo de 45°.
Essa mudrā tipifica e incorpora a unidades dos mundos ou estados de consciência: céu
e terra, espírito e matéria, eterno e temporal. É a marca ou sinal da Vida, abrangendo todos
os mundos e criaturas. O círculo do céu ou espaço em toda sua extensão de consciência. A
cruz constitui a conexão entre os mundos, o eterno e temporal espaço-tempo-matéria. Use
essa mudrā para adquirir estabilidade, força e resistência. Em sua execução, reconheça o
universo como um campo vivo de consciência em movimento, o continuum no qual não
existe dualidade como a percebemos.
O saṅkālpa para essa mudrā é: não existe parte de mim que não seja dos deuses.

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O Duplo Sinal de Hórus: Entrante e Silêncio 1

O Sinal do Entrante é uma mudrā que ativa os cakras da coroa (Kether), do terceiro olho
(Daath) e do coração (Tiphereth) para projeção de força ou viagem astral. O Sinal do Silêncio
ativa os cakras da coroa e do coração para práticas meditativas, retração de força, proteção
e defesa psíquica.

O duplo Sinal de Hórus consiste do Sinal do Entrante e do Sinal do Silêncio. Na maioria dos
casos, o segundo faz-se logo após o primeiro. Mas há rituais da SETh onde o Sinal de Tifon é
executado após o Sinal de Silêncio.

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Coloque-se de pé. Os pés permanecem unidos. Inpire e eleve ambas as palmas das
mãos na frente do rosto, inclinando a cabeça levemente para trás. Na expiração, projete o
pé esquerdo um passo a frente na medida em que eleva as mãos unidas também a frente, na
altura de seus olhos. As palmas das mãos devem estar voltadas para cima, como se estives-
sem carregando um livro aberto, tomando a forma de um «V». O olhar deve estar fixo
(ekāgrāta) no horizonte, passando entre as mãos. Nesse momento ocorre a projeção da
energia vital através do terceiro olho, o ājñā-cakra ou região de Daath, por onde se projeta
a consciência. Este é o Sinal do Entrante, o primeiro Sinal de Hórus. Quando o executar, pro-
jete a Vontade na forma de raios de luz através do ājñā-cakra.
O segundo Sinal de Hórus, o Sinal do Silêncio, faz-se logo em seguida o Sinal do En-
trante. Retorne o pé esquerdo que estava um passo a frente encaixando o calcanhar es-
querdo no calcanhar direito em um ângulo de 90°. Traga o dedo indicador da mão direita
nos lábios e mantenha o braço esquerdo ao longo do corpo. Essa é a mudrā de Hoor-paar-
Kraat. Ao executá-la, imagine a força projetada através do ājñā-cakra retornando a sua fonte
e sendo distribuída harmonicamente por todo o corpo de luz, formando uma esfera prote-
tora de energia condensada.
Ao executar o duplo Sinal de Hórus, o magista se identifica com a Palavra ou Logos,
vibrando no aethyr a semente primordial do Logos na forma de fagulhas de luz projetadas
pelo ājñā-cakra. Essa projeção acontece através do Sinal do Entrante, muitas vezes utilizado
para entrar na câmara da iniciação. O Sinal do Silêncio retrai a energia projetada, conden-
sando um campo de força através da aura do magista. O circuito é fechado ao colocar o dedo
indicador nos lábios. Essa mudrā não exige saṅkālpa, pois a vibração projetada é silênciosa.

Mudrā do Ar: O Sinal de Ishtar a Rainha da Noite M

Essa mudrā associa-se ao Elemento Ar e a direção Norte. Ela ativa os cakras da coroa
(Kether), coração (Tiphereth), plexo solar e abdome (Netzach e Hod) e os pés (Malkunth).
Ela também ativa os marmas das palmas das mãos. Sua execução confere tranquilidade in-

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terior, mente focada e força de vontade. É uma mudrā utilizada para invocar as forças divi-
nas de lei e justiça (amor é a lei, amor sob vontade) e conhecimento da Verdadeira Vontade
(Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei). Essa mudrā é idêntica a imagem iconográfica da
Ishtar babilônica, a Rainha da Noite.
Coloque-se de pé. Mantenha-se ereto e una os dois calcanhares, deixando as pontas
dos dedos dos pés separadas em ângulo de 45°. Eleve os braços pelas laterais do corpo em
um ângulo de 45°, formando um «W» com o corpo representando a Mulher de Aquário, Nuit-
Babalon ou Ishtar. As palmas das mãos devem estar voltadas para frente.
Essa mudrā tipifica e incorpora a corrente-vontade magicamente dirigida com profi-
ciência. O aperfeiçoamento deste poder, a corrente-vontade, produz o que nos tantras tibe-
tanos é conhecido como vajra. Na iconografia budista tântrica, este poder é demonstrado
nas imagens de deidades em coito sexual.
A mudrā de Ishtar produz o desenvolvimento espiritual da vontade, assistindo no
equilíbrio das dualidades da mente, o que confere persistência e determinação no caminho.
Dominar o Elemento Ar é ter controle sobre as flutuações da mente. Da mesma maneira que
os Quatro Poderes da Esfinge, os Quatro Elementos não operam separadamente, mas são
interdependentes. Por exemplo, não é possível conhecer sem ousar e não é possível exercitar
a vontade sem praticar o silêncio.
O saṅkālpa dessa mudrā é: como o fogo que estende suas labaredas ao vento, estendo
meus domínios ao Ar e como o fogo sem forma, essa é a imagem do vazio. Como o relâmpago,
que é o fogo no movimento, choro em voz alta.

Mudrā da Terra: O Sinal de Ashtaroth ou Baphomet L

Essa mudrā associa-se ao Elemento Terra e a direção Leste. Ela ativa os cakras da região da
cabeça (Chokmah, Binah e Daath), as mãos (marmas) e os pés (Malkuth). Sua execução con-
fere ao magista a capacidade de transcender o tempo e espaço, melhorando sua proficiência
na projeção astral. Pratica-se essa mudrā para transcendência dos princípios duais macho e

147
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
fêmea, projeção da força mágica e abertura dos canais de comunicação entre o magista e
entidades praeter-humanas.
A imagem dessa mudrā é idêntica a descrição de Baphomet feita por Éliphas Lévi
(1810-1875). Coloque-se de pé. Mantenha-se ereto e una os dois calcanhares, deixando as
pontas dos dedos dos pés separadas em ângulo de 45°. Eleve o braço direito em 45° apon-
tando os dedos indicador e médio para cima. Afaste o braço esquerdo 20° do tronco, apon-
tando os dedos indicador e médio para baixo.
Todos os princípios de dualidade estão latentes na figura andrógena de Baphomet e
têm origem na creatrix primordial e sua divina criança. As posições das mãos e braços indi-
cam solve et coagula – separe e junte novamente. A dualidade ainda também simboliza o dois
(Chokmah) e o três (Binah). Caos & Cosmos, a Besta & Babalon. Éliphas Lévi desenhou duas
luas, a crescente e a minguante, dos dois lados da imagem de Baphomet em sua concepção
do Atu XV do Tarot: O Diabo. Isso demonstra que a figura monstruosa de Baphomet é um
véu para a Luz Astral, a substância mágica.
A mudrā de Baphomet ou Ashtaroth transmite o poder necessário para transcender o
tempo e espaço. Por essa razão, ela aumenta o alcance da projeção astral, além de harmoni-
zar as dualidades internas. Baphomet representa a Esfinge da Natureza no qual todos os
elementos são combinados, tipificando o Deus Oculto ou Sagrado Anjo Guardião. Como a
harmonia das vozes de seus membros. Baphomet ainda tipifica uma Ordem Mágica ou Fra-
ternidade Ocultista. Quando o pentagrama é invertido, o espírito desce na matéria para des-
pertar a alma adormecida. A reputação sinistra conferida popularmnente ao pentagrama
invertido nasceu da visão turva ou equivocada acerca do impressionante poder do deus Set
ou da serpente Apófis. Apófis destrói a ilusão da falsa identidade, quer dizer, a Verdadeira
Vontade transcende o Ego na Lila (brincadeira) da encarnação. Toda matéria é um véu para
o infinito, todas as formas ocultam o vazio sem forma.
O saṅkālpa dessa mudrā é: na morada sinistra e trevosa Ashtaroth permanece sinuosa
e nua, oculta nos mistérios das profundezas, encantadora e sedutora, expondo a beleza da
forma como um portal para o mundo sem forma.

Mudrā da Água: O Sinal de Ísis da Lua ou das Es-


trelas N

Essa mudrā associa-se ao Elemento Água e a dire-


ção Oeste. Ela ativa os cakras da coroa (Kether), co-
ração (Tiphereth), sexual (Yesod) e também ativa
os marmas das palmas das mãos. É uma mudrā uti-
lizada para invocar a corrente lunar. Ela aumenta o
poder de atração e magnetismo. Também é utili-
zada para sublimar a energia sexual dando-lhe di-
reção.
É uma mudrā idêntica na forma, mas não ne-
cessariamente no significado da Marca da Besta nos
Sinais de N.O.X. Coloque-se de pé. Mantenha-se
ereto e una os dois calcanhares, deixando as pontas
dos dedos dos pés separadas em ângulo de 45°. Ins-
pire e eleve os dois braços acima dos ombros for-
mando um arco de 180°. As palmas das mãos de-
vem estar de frente uma para outra e a cabeça leve-
mente inclinada para trás. As pernas se separam e
permanecem levemente dobradas. As pontas dos
dedos dos pés devem seguir a linha dos joelhos.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
A imagem dessa mudrā pode ser melhor compreendida como duas luas crescentes unidas,
uma para cima e a outra para baixo. A dualidade lunar aqui significa receber de cima (do
céu) e distribuir embaixo (na terra). Como Ísis conecta-se com a corrente aquosa do Ele-
mento Água, a natureza de seu magnetismo é fluída como o Azoth, a luz mercurial ou essên-
cia demonstrada no Atu II do Tarot: A Sacerdotisa da Estrela de Prata.
Em um primeiro momento ou em certo nível, a força magnética é um princípio lunar
de atração que une ou conecta todas as coisas na criação. Qalquer forma criada nessa luz é
móvel e passível de mudança. A ressonância mórfica é descrita como o poder dinâmico desse
magnetismo, uma influência sutil pela qual os padrões de eventos/comportamentos podem
facilitar ocorrências subsequentes de padrões similares. A ressonância mórfica é o meca-
nismo pelo qual opera a assim chamada magia animista. O animismo é definido como a alma
de plantas, objetos inanimados e fenômenos naturais e usualmente é atribuído a crenças so-
brenaturais. Em outras palavras, recionalistas em geral descartam a existência real do ani-
mismo. O método científico secular não admite a existência da alma de qualquer coisa. Ísis,
no entanto, é a Alma da Natureza.
A mudrā de Ísis é utilizada para comandar os poderes do Elemento Água. Trata-se de
um elemento criativo e tem uma função vivificante. Da mesma maneira que a água é o sol-
vente universal, sua contra parte sutil é o elemento de purificação universal. A Descida da
Lua é uma operação que requer a participação das polaridades macho e fêmea, quer dizer,
a presença física real do sacerdote e sacerdotisa para que produza um melhor efeito. A fun-
ção do sacerdote é prover todo o poder que a sacerdotisa precisa e é a função da sacerdotisa
receber este poder do sacerdote para então transmiti-lo a todos os planos.
Existem muitas maneiras de evocar a corrente lunar. A Lua é o mecanismo pelo qual
todas as influências celestiais podem ser aterradas no plano dos discos. A mudrā de Ísis é um
mecanismo pelo qual a corrente lunar pode ser aterrada. Espelhos mágicos ou vasilhames
de água também podem ser utilizados como mecanismos para aterrar as energias da Lua,
mas nada será tão poderoso quanto o sangue mensal da lua expelido pela sacerdotisa. A ma-
gia sexual, através do trabalho de polaridade, é uma antiga prática espiritual relacionada a
Lua e a união sexual entre o sacerdote e a sacerdotisa é a suprema Mudrā das Estrelas. Como
tal, trata-se da combinação perfeita entre forças distintas que, quando unidas e dirigidas,
conduzem a verdadeira descoberta da alma. A finalidade primordial da magia sexual é a
produção da Criança Mágica. Em um entendimento mais profundo, o objetivo dessa união
de polaridades é obter o Conhecimento & a Conversação com o Sagrado Anjo Guardião que
sintetiza em um símbolo a metáfora da união mística com a alma. Desde os tempos antigos
essa metáfora tem sido transmitida através da união conjugal ou relacionamento entre duas
pessoas. Toda união morosa representa, em certa medida, a união com o Sagrado Anjo Guar-
dião. A união conjugal, portanto, constitui um sādhanā de transcendência e união com a es-
sência ou com o divino no interior de cada um.
O saṅkālpa dessa mudrā é: qua a suprema sacerdotisa, governante dos trabalhos da
água, purifique-nos com seus ritos, espargindo-nos com água lustral de seu oceano infinito.

Mudrā do Fogo: Hórus, Harpócrates e Tifon O

Essa mudrā associa-se ao Elemento Fogo e a direção Sul. Ela ativa os cakras da coroa
(Kether), coração (Tiphereth) e pés (Malkuth). Ela também invoca e coloca em operação
cakras fora do corpo, o circuito cósmico de força. Essa mudrā é utilizada para estabelecer
maestria sobre os três mundos ou três estados de consciência e eliminar as contradições
interiores que limitam a expressão da Verdadeira Vontade. É utilizada também para defesa
e proteção psíquica. A execução dessa mudrā abre e estabiliza o canal de comunicação com
entidades praeter-humanas.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Essa mudrā pode ser referida como Sinal Triplo de Tifon ou apenas a Mudrā de Tifon.
Ela é identica a mudrā recebida por Crowley enquanto esteve no Cairo em 1904, através da
mediunidade de sua esposa na época, Rose. A Mudrā de Tifon foi um elemento chave no ri-
tual executado por ele e Rose para celebrar e inaugurar o Equinócio dos Deuses. 1904
marca, portanto, o início do calendário thelêmico. No antigo Egito, Set-Tifon era aquele que
Abria o Ano, primeiro antes de todos os deuses.

Execute o Sinal de Horus e em seguida o Sinal de Tifon. Após executar o Sinal do Silêncio ou
Harpócrates, una os calcanhares e separe as pontas dos dedos dos pés em ângulo de 45°.
Eleve os dois braços esticados acima dos ombros, fazendo com que o corpo assuma a forma
de um «V». As palmas das mãos devem estar de frente uma para outra.
Ao executar o Sinal do Entrante o magista se identifica com a fonte de toda Criação
além do Não-Nascido. Ao executar o Sinal do Silêncio o magista recolhe a força projetada
pelo Sinal do Entrante formando uma cápsula áurica de proteção ao redor de si mesmo. O
Sinal de Tifon destrói todos os impedimentos a livre expressão da Verdadeira Vontade, a
liberação do espírito de sua confinação na matéria. O sinal em forma de «V» era atribuído
pelos egípcios ao deus Set e sua mãe, Nuit na forma de Ta-Urt. Este netere se coloca como
guardião do mais íntimo santuário dos deuses.
A estrela de Set-Tifon, conhecida nos tempos antigos como Thuban polaris ou Alfa
Draconis, simboliza o portal por onde os deuses se manifestam. A abertura desse portal pode
ser equiparada a experiência tântrica da abertura do Olho de Śiva que destrói o universo
manifesto. Set-Tifon é o assassino do Ego, da falsa identidade.
O XII Atu do Tarot, O Pendurado, é demonstrado de cabeça abaixo, executando o Sinal
de Tifon. A conexão jaz no sacrifício em relação a Grande Obra que provê a descoberta do
Deus Oculto.
O saṅkālpa dessa mudrā é: e quando todos os fantasmas terem desaparecido, tu verás
àquele fogo sagrado sem forma adormecido, o fogo cujas labaredas brilham através do centro
oculto do universo. Ecute a voz do fogo.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
As Mudrās do Espírito: O Senhor do Umbral

Existem mais duas mudrās importantes a serem consideradas nesse ensaio. O espírito é de-
signado como o Quinto Elemento na atribuição do Pentagrammaton, permeando e unindo
os Quatro Elementos. O umbral é o Véu do Santuário, qabalisticamente representado como
o limite que separa as quatro esferas elementais (Malkuth, Yedod, Hod e Netzach) de Tiphe-
reth no centro da Árvore da Vida.
A primeira Mudrā do Espírito é o Sinal de Ba. Ela ativa os cakras da coroa (Kether),
coração (Tiphereth) e os marmas das mãos. É utilizada para consagrações e a emissão e
recepção de prāṇa. Coloque-se de pé. Mantenha-se ereto e una os dois calcanhares, deixando
as pontas dos dedos dos pés separadas em ângulo de 45°. Inspire e eleve os dois braços na
frente do corpo, ligeiramente dobrados. As mãos ficam na direção do rosto, palmas voltadas
para fora.
A segunda Mudrā do Espírito é o Sinal da Caveira de Ossos Cruzados. Ela ativa os cakras
da coroa (Kether), coração (Tiphereth) e pés (Malkuth). É utilizada para invocar a morte do
desejo para que a força espiritual (mezla) desça de Kether a Malkuth sem restrições. Após a
execução do Sinal de Ba, cruze os braços sobre o peito, direito sobre o esquerdo e incline a
cabeça levemente para frente.
O Sinal de Ba é demonstrado em inúmeros hieróglifos e está presente também em
sarcófagos e tábuas funerárias no antigo Egito. A palavra ba tem muitos significados, como
fala primordial por exemplo. Mas o significado mais adequando para nós neste ensaio é
aquele que tem alma (coração, substância) e o lugar (ou morada). Nos hieróglifos egípcios o
ba ou a alma é usualmente acompanhado com o báculo do conhecimento e a ave fênix da
ressurreição. Um significado especial para palavra ba é morada do lótus. Existem certas mo-
radas na anatomia oculta conhecidas como marmas, a confluência de duas ou mais nāḍīs ou
torrentes de energia. Um marma é, portanto, uma conexão entre o mundo dos espíritos e a
matéria. Ao assumir o Sinal de Ba, os marmas das palmas das mãos são acionados, fazendo
com que a força cósmica (mezla) flua por eles.

151
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Enquanto o Sinal de Ba representa aforça
cósmica que flui, o Sinal da Caveira de Ossos Cru-
zados representa o fluxo interno da energia, se-
lando ou contendo-a dentro do corpo. O saṅkālpa
dessa mudrā é o mantra auṃ-ha, o mantra delibe-
rado por Aiwass em O Livro da Lei (III:75).

Mudrās da Torre de Set

Essa mudrā ativa os cakras do coração (Tiphe-


reth) e da Coroa (Kether). A incorporação da uni-
dade consciência, Hadit.

152
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
O Ritual do Pentagrama
Do Colegiado da Luz Hermética
Frater ON120
Fernando Liguori

Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.

O Ritual do Pentagrama tem sido o exercício espiritual mais praticado na tradição


moderna da magia como um método de preparação para o magista e o local de
trabalho. Para executá-lo de maneira apropriada você precisará praticar algumas
mudrās como o Sinal do Ankh e os dois Sinais de Hórus: do Entrante e do Silêncio.
O Ritual do Pentagrama raramente é utilizado para banir qualquer coisa per si. Mas é melhor
você decorar os dois traçados do pentagrama, primeiro invocando e abrindo e no fim fe-
chando e retraindo antes de começar a trabalhar com eles. A utilização fundamental dos as-
sim chamados rituais de banimento é um retorno ao estado normal de consciência. Ao aden-
trar em uma operação mágica, o magista altera seu estado de consciência para que esta te-
nha uma amplitude maior. No fim da operação ele precisa voltar ao estado de consciência
ordinário. Os rituais de banimento têm essa finalidade, trazer o magista de volta ao estado
de vigília. Invocando ou banindo, o Ritual do Pentagrama exercerá uma proteção natural ao
magista, fortificando a aura e o corpo de luz, além de criar um equilíbrio energético por
conta da geometria de luz projetada pelo ritual na estrutura psíquica.

A Evocação de Śakti-Babalon

No curso do ritual, quatro neteres são alocados nas quatro direções do espaço. Na invocação
eles devem ser visualizados voltados para dentro; no banimento ou fechamento eles devem
ser visualizados para fora, quando atuarão como guardiões. Ishtar é o neter do Ar no Norte;
Babalon é o neter do Fogo no Sul; Ashtaroth é o neter da Terra no Leste; Isa é o neter da Água
no Oeste. Cada netere deve ser visualizado em sua forma alada, como usualmente demons-
trado nos sarcófagos egípcios, refletindo as qualidades dos elementos.
Cada netere alocado nos quadrantes será melhor visualizado quando estiver refle-
tindo seu Elemento correspondente. Dessa maneira, o Ar brilha dourado no Norte, o Fogo
crepita escarlate no Sul, a Terra resplandece esmeralda (durante o dia) e pratiada (à noite)
no Leste, a Água flui na cor safira-azulada no Oeste. Na invocação, o magista deve sentir as
forças e as qualidades de cada Elemento inundando sua psique, vivificando toda sua esfera
de sensações. Os elementais – silfos, salamandras, gnomos e ondinas – são vistos pelo ma-
gista como forças da natureza, visíveis ao olhar clarividente.
Os neteres podem ser considerados as quatro faces de Śakti-Babalon, o poder ou prin-
cípio feminino divino que se manifesta através da Natureza. Cada um deles opera como me-
diador e reflete sob sua perspectiva cada Elemento e direção. Os neteres são mais facilmente
visualizados nas características egípcias, nus da cintura para cima, vestidos em longas saias,
itilizando braceletes, tornozeleiras e outras joias e ornamentos como colares e anéis. Eles
podem ser visualizados com longas asas. Se você tem maestria na arte da visualização, tavez
queira dar mais detalhes aos neteres. Neste caso, eles podem ser visualizados com caracte-
rísticas astrológicas e querúbicas: Babalon sobre um Leão no Sul, Ashtaroth sobre um Touro
no Leste, Isa sobre uma Águia no Oeste, voando sobre o mar e Ishtar flutuando no ar com
suas asas no Norte.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
O Ritual Menor do Pentagrama

Círculo Mágico e orientação espacial para o


Ritual Menor do Pentagrama da SETh.
Estágio 1: Cubo do Espaço
No centro do Círculo Mágico, de frente para o Norte-Aquário-Nuit.
Execute o Sinal do Ankh.
Realize o Sinal do Cubo do Espaço: Eleve os dois braços pela lateral do corpo. Una as
mãos em cima da cabeça e vá descendo-as vagarosamente até a altura do tórax como em
um gesto de oração. Enquanto realiza este procedimento, vibre Iao.
Ainda, de frente para o Norte Estelar, mantenha as mãos unidas na altura do tórax. Os
braços formam um ângulo de 45º graus. Vibre: Sabbaoth.
Cruze os braços sobre o tórax, palmas abertas, pontas dos dedos tocando os ombros, ca-
beça erguida. Visualize a kuṇḍalinī como a serpente ou khuit subindo da base da coluna,
do mūlādhāra-cakra ao ājñā-cakra. Enquanto o faz, inspire e vibre silênciosamente o
mantra AUṂNG.
Visualize a Corrente Ofidiana da kuṇḍalinī sendo projetada ao realizar o Sinal de Hórus,
em direção ao Norte, enquanto vibra silênciosamente o mantra HA!
Faça o Sinal do Silêncio.
Estágio 2: Traçando os pentagramas
Com a Baqueta, trace o pentagrama em fogo brilhante e vibre: Ho-lo-ko.

Gire no sentido anti-horário até o Leste e trace o pentagrama como anteriormente. Vibre:
Bi-ka-el.
Gire no sentido anti-horário até o Sul e trace o pentagrama como anteriormente. Vibre:
Ia-mal-peray-ji.
Gire no sentido anti-horário até o Oeste e trace o pentagrama como anteriormente. Vibre:
Be-li-or.
Gire no sentido anti-horário até o Norte.
Estágio 3: Instalação das guardianias
Com o braços abertos, diga: Na minha frente Ishtar, atrás de mim Babalon, a minha direita
Ashtaroth e a minha esquerda Isa. Ao meu redor flamejam os pentagramas incandescentes
e acima e abaixo de mim imperam os sagrados hexagramas.

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Estágio 4: Cubo do Espaço
Repita todo Estágio 1.
Notas
Estágio 1: O Norte é o quadrante de Ishtar, atribuído a Aquário. Para os thelemitas, repre-
senta Nuit, o complemento de Hadit. O Arcano Maior relevante é o Atu XVII, A Estrela.
IAO soma 81 (9 x 9), um número associado ao Sol (Teth) e a Lua (Yesod), a Luz Her-
mética em movimento e feitiçaria. SABAO soma 70 (Ayin), o Olho no Triângulo. A imagem
de Baphomet desenhada por Éliphas Lévi é um símbolo cognato, a Esfinge da Natureza e
representa a Ciência Oculta. AUṂ soma 111; HA soma 6. Multiplicando 111 por 6 obtém-se
666. Nos termos da fisiologia oculta, 666 representa a Serpente de Fogo circundando o crâ-
nio, saltando de sua morada no mūlādhāra-cakra através da suṣumnā-nāḍī até o alto pela
base da nuca. Isso une o cakras de Yesod com o marma Qoph atrás da cabeça, abrindo os
portais do cakra Daath. A kuṇḍalinī é visualizada subindo através da suṣumnā ou o Pilar
Central da Árvore enquanto magnetiza os cakras de Yesod e Daath via o marma Qoph. A
projeção da Vontade, a partir daí na execução do Sinal do Entrate ocorre através do ājñā-
cakra. O ājñā é um espelho do mūlādhāra-cakra. Isso encerra o mistério da produção ilusória
do universo fenomênico que ocorre a partir de baixo e por dentro, não a partir de cima e
por fora.
Ha é a última palavra de Liber AL vel Legis. Na execução do ritual ela não é vibrada em
voz alta, mas através de um sussurro audível apenas ao próprio magista quando ele executa
o Sinal do Entrante.
O Estágio 1 termina com o Sinal do Silêncio.
Estágio 2: Para traçar os pentagramas, use a adaga ou a espada para banir e a baqueta
para invocar. Na falta das armas mágicas, o dedo polegar em figa representa a baqueta e os
dois dedos indicador e médio esticados representam a adaga. Ao finalizar o traçado dos pen-
tagramas no aethyr, o magista deve manter o braço esticado até seguir ao próximo qua-
drante, formando um círculo de luz ao seu redor. As palavras de poder vibradas no centro
do pentagrama estão na língua angelical ou enochiana:

HOLQ Maat como o princípio de vida entre os dois pilares


IA MALPRJI O Fogo Sagrado ou a Flama mais Íntima
BIKAL A Palavra do Aeon
BLIOR Amor é a lei, amor sob vontade

O quadrante Norte representa o Elemento Ar, Aquário, o Dragão do Espaço ou Nuit.


Ao finalizar o traçado do pentagrama, o magista circunda no sentido anti-horário, mas
a invocação dos elementos permanece no sentido horário. Dessa maneira uma corrente du-
pla de energia entra em operação.
O quadrante Leste representa o Elemento Terra, Touro e Astaroth. É o quadrante onde
a Besta se ergue e o Arcano Maior relevante é o Atu V, O Hierofante.
O quadrante Sul representa o Elemento Fogo, Leão e Babalon. É a estação de Hadit, o
Deus Oculto ou Sagrado Anjo Guardião nas profundezas do submundo. O Arcano Maior re-
levante é o Atu XI, Luxúria.
O quadrante Oeste representa o Elemento Água, Escorpião e Isa (Ísis). É a estação da
Mulher Escarlate ou a alma Elemental da Natureza. O Arcano Maior relevante é o Atu XIII,
Morte.
Estágio 3. O magista vibra os nomes das três guardiãs elementais, visualizando-as nos
seus respectivos quadrantes. No banimento, elas devem ser visualizadas com a face para
fora do círculo mágico, na invocação elas devem ser visualizadas com a face para dentro do
círculo.

155
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Estágio 4. O magista finaliza o ritual realizando novamente o Sinal do Cubo no Espaço.
Ele forma a quadratura do círculo invocando as seis direções do espaço, a pedra cúbica dos
filósofos. Iao e Sabao são os nomes gnósticos da divina influência (mezla) que vem de cima,
quer dizer, Kether. O magista é Hadit, no centro de tudo. As estrelas de Nuit definem os li-
mites da operação.

Ishtar no Portal do Norte. Ashtaroth no Portal do Leste.

O Portal do Inferno no Sul. Babalon no Portal do Oeste.


Imagens por por Rhys Trussler.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Notícias da Linha de Frente

Curso de Meditação

O curso de meditação da SETh ainda está com as inscrições


abertas. Sua participação no curso requer algumas condi-
ções:

1. Caso você seja aluno direto de Frater ON120 na


A∴A∴, sua participação no curso está liberada sem
ônus algum.
2. Caso você seja membro do Colegiado da Luz Hermé-
tica, sua participação no curso está liberada sem
ônus algum.
3. Caso você tenha adquirido as obras de Frater
ON120, sua participação no curso está liberada sem
ônus algum.
4. Caso você não se enquadre nas três condições
acima, será necessário pagar uma taxa de R$93 para
participar do curso.

Para fazer seu cadastro ou para se inscrever como ouvinte no curso, entre em contato com
o editor do Corrente 93.

Robes de qualidade

A Sociedade de Estudos Thelêmicos disponibiliza


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Ordo Templi Orientis e outras organizações the-
lêmicas.

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 Robe do Neófito: R$230.
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Os robes são em alta qualidade, de brim e
bordados bem detalhados.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Safira Estrela: A Magia Sexual de Aleister Crowley

Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.

M
ais curioso do que possa parecer, uma análise acurada do RITUAL SAFIRA ESTRELA
ou LIBER XXXVI87 – publicado pela primeira vez em 1913 em O LIVRO DAS MENTI-
RAS, também conhecido como LIBER CCCXXXIII – ainda não foi produzida. Seu Ar-
cano continua oculto para muitos thelemitas. A publicação dessa instrução ofi-
cial da A∴A∴ provocou uma reviravolta na jornada espiritual de Aleister Crowley (1875-
1947): ele foi admitido ao IX° Grau da Ordo Templi Orientis, O.T.O. Este evento iria definir
seu caminho daquele momento em diante. Para um magista isso não se trata de mera coin-
cidência. Crowley considerava cada livro seu publicado um talismã mágico de poder e por
conta disso ele levava em consideração as melhores conjunções astrológicas para a publica-
ção de seus livros. Nós podemos dizer com segurança que O LIVRO DAS MENTIRAS encantou
Theodor Reuss. Eu discorri bastante sobre esses eventos no primeiro volume das CRÔNICAS
DA O.T.O. e ao leitor eu recomendo estudo.88

87 36 = 62 = a expressão perfeita do hexagrama. 6 = Tiphereth-Sol, assim, 6x6 significa o Sol multiplicado por si
mesmo. O simbolismo do número seis tem uma conexão poética com este ritual.
88 RITUAIS, DOCUMENTOS & A MAGIA SEXUAL DA O.T.O. (Vol. I), Fernando Liguori.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Por volta de 2001 a O.T.O. promoveu no Brasil o I° ENOTO, Encontro Nacional da Ordo
Templi Orientis na cidade de Parati, Rio de Janeiro. Na época eu usava o nome mágico de
Khaled Khan 777, como I° Grau da Ordem. Na véspera da viagem, eu me encontrava na sede
do Oásis Quetzalcoatl, hoje uma Loja estabelecida da Ordem, conversando com alguns ir-
mãos, todos sentados em cadeiras formando um círculo na frente do altar da MISSA GNÓSTICA.
Nessa ocasião, uma irmã perguntou: O que o Crowley quis dizer com a frase «estando o adepto
armado com sua vara mágica e munido com sua rosa mística» no LIBER XXXVI? Um irmão mais
antigo prontamente respondeu: Isso está além do seu grau! Me lembro que pensei na hora:
E do seu também.... Nós continuamos a conversa e eu comecei a discorrer sobre o simbolismo
sexual contido nesse ritual e o significado da fórmula mágica ARARITA. Este irmão mais
antigo se levantou, andou pela sala, subiu as escadas e quando voltou, cinco minutos depois,
ele disse: Meu anjo me disse que vocês não estão nem um pouco preparados para falar sobre
esse assunto. Bem, desde que a relação do Adepto com seu Anjo só diz respeito a ele mesmo,
depois do ocorrido passei a não levar em consideração as ponderações desse irmão.
Desde então eu venho praticando a fórmula mágica do RITUAL SAFIRA ESTRELA. Quem
primeiro me instruiu nesse ritual foi Frater S.S., na época um Zelator da A∴A∴ e meu Supe-
rior na Ordem. Durante muitos anos este ritual foi peça chave no meu entendimento das
fórmulas mágicas thelêmicas, principalmente o sistema de magia sexual proposto por
Crowley. O presente livro é, assim, uma crônica concisa acerca de LIBER XXXVI que nasce
desse trabalho de publicação do RITUAIS, DOCUMENTOS & A MAGIA SEXUAL DA O.T.O.
Quando procuramos compreender o simbolismo do RITUAL SAFIRA ESTRELA, talvez a
pergunta mais óbvia que se levante é: por que safira? A safira é uma pedra preciosa que,
como seu irmão, o rubi, é uma espécie de coríndon. A safira é uma pedra consagrada a esfera
de Binah na Árvore da Vida, a Mãe Negra. Binah é identificada como um grande mar negro,
um menstruum ou fluído de possibilidades. A safira, dessa maneira, trata-se de uma pedra
de água preciosa.89 Essa é a primeira pista do ritual. Tanto o rubi quanto a safira têm um
asterismo em seu corpo que provoca no olho de quem vê um efeito que se parece com uma
estrela de seis raios. Por conta disso, existe nesses dois rituais thelêmicos, o RUBI ESTRELA e
SAFIRA ESTRELA, o simbolismo do hexagrama. No RUBI ESTRELA, os pentagramas são invoca-
dos para produzir no centro-coração o hexagrama. Mas no SAFIRA ESTRELA é diferente.
A segunda pergunta óbvia acerca desse ritual é: para que serve o SAFIRA ESTRELA? Ele
é considerado um ritual do hexagrama. Genericamente, a informação que todos transmitem
é que Crowley o escreveu para suplantar o Ritual Menor do Hexagrama, da mesma maneira
que fez com o RUBI ESTRELA, formulado para suplantar o Ritual Menor do Pentagrama. Dessa
forma, considera-se que o SAFIRA ESTRELA esteja para o RUBI ESTRELA como o Ritual Menor
do Hexagrama está para o Ritual Menor do Pentagrama. Mas diferente do pentagrama, que
é um símbolo utilizado para manipular, unir e encarnar as forças elementais, o hexagrama
é um símbolo que une o micro com o macrocosmo. Dessa maneira é seguro dizer que o ritual
do pentagrama atua no eixo horizontal da encruzilhada vibracional e o ritual do hexagrama
no eixo vertical: e na coluna flameja o esplendor de seis raios.90
No RITUAL SAFIRA ESTRELA, dessa maneira, é possível ver a ascensão do magista e a
materialização do divino, encerrando o processo da dualidade, quando o Adepto encarna a
Luz mais Oculta. Isso pode ser inferido como o trabalho do Sagrado Anjo Guardião operando
em Tiphereth – e este é o simbolismo transmitido pelo hexagrama cujo número é seis – ca-
minhando em direção ao Macroprosopus nas Supernas, onde cessa toda dualidade produ-
zindo a singularidade, velada na fórmula ARARITA. Sobre o hexagrama, Crowley escreveu:
mas o Hexagrama é em sua maior parte um detalhe da Fórmula da Rosa e da Cruz.91

89 LIBER AL, III:66. Considere, nesse contexto, que 66 é um número associado ao reino das Qliphoth, associado ao
Abismo.
90 Veja LIBER REGULI, LIBER XXV e o Ritual Menor do Pentagrama.
91 Aleister Crowley, LIBER ALEPH, cap. 108.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
O RITUAL SAFIRA ESTRELA, em uma primeira análise, consiste do alinhamento entre o
micro e o macro ou a reconciliação dos opostos que produz, através do casamento místico,
algo novo. Mas para entender a relevância desse processo, nós teremos de dissecar o RITUAL
SAFIRA ESTRELA.

Amor é a lei, amor sob vontade.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Em Nome da Besta: O Melhor do Jornal Corrente 93

Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.

O livro EM NOME DA BESTA (Vol. I) é uma coleção de ensaios publicados no Primeiro


Volume do JORNAL CORRENTE 93, um projeto do Outer College Brasil, linha da A∴A∴
transmitida por Frater ON120 e Colegiado da Luz Hermética através da SETh, ór-
gão oficial de divulgação dos trabalhos desses dois Colegiados Thelêmicos.
Este livro contém a essência de um ano de trabalho construindo os onze primeiros
números do JORNAL CORRENTE 93. O leitor encontrará nessa obra os temas mais relevantes
da cultura thelêmica: Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião, aspectos
ocultos da iniciação de Adepto Menor e Adepto Maior na A∴A∴, as Fórmulas Mágicas de Ini-
ciação de Abrahadabra (418) e Babalon (156), a espiritualidade feminina thelêmica, a fun-
ção da Mulher Escarlate, Verdadeira Vontade, história da vida de personagens importantes
e celebrados, magia sexual thelêmica, Tarot e Qabalah, Alta Magia etc., uma introdução pro-
funda no universo mágico de Aleister Crowley e uma imersão no sistema de iniciação da
Astrum Argentum (A∴A∴) e Ordo Templi Orientis (O.T.O.), organizações espirituais chefia-
das por Crowley, as quais ele utilizava como veículo para difusão da Lei de Thelema.

161
Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Estes ensaios também contam a história da evolução de minha compressão sobre os
Arcanos iniciáticos de Thelema. Até 2014 E.V. eu acreditava veementemente que o Sagrado
Anjo Guardião era uma parte de minha consciência ou a Chispa Divina do Espírito. Mas de-
vido algumas experiências que aconteceram em 2014 e 2015 E.V. eu fui levado a uma con-
clusão muito distinta: o Sagrado Anjo Guardião não é uma parte de minha consciência, o Eu
Superior, mas uma criatura espiritual objetiva. Essas experiências me conduziram a uma
pesquisa mais profunda na obra de Crowley em busca de respostas e eu as encontrei.
No ocultismo moderno, inúmeros autores têm utilizado o termo Eu Superior em co-
nexão com o Sagrado Anjo Guardião, o que dificulta a compreensão de ambos.
Àqueles que afirmam que o Sagrado Anjo Guardião é o Eu Superior, reforçam o enten-
dimento equivocado de que o Anjo representa simbolicamente uma parte silente de nós que
permanece oculta, esperando o momento ou evento correto para despertar. Quer dizer, o
Anjo representa a Chispa Divina no interior de cada homem e de cada mulher e ter acesso a
essa Chispa Divina através do Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião
é uma metáfora para a conquista da consciência cósmica solar. Mas não é nada disso!
O termo Sagrado Anjo Guardião não teria sido conhecido e utilizado na magia mo-
derna se não fosse por Aleister Crowley. O material de peso e relativamente significante
sobre o tema tem sido produzido por thelemitas que aprenderam diretamente com Crowley
ou com seus discípulos mais íntimos. Ele decidiu utilizar o termo Sagrado Anjo Guardião
para se distinguir dos ocultistas de sua época que usavam termos como Eu Superior, Adonai,
daimon, augoeides ou Verdadeiro Eu indiscriminadamente e, às vezes, negligentemente.
Crowley deplorava o ocultismo aguado dos teósofos que diziam que quando a huma-
nidade alcançasse o Eu Superior ela se tornaria imortal. Ele também acreditava que a filo-
sofia promulgada pela Ordem Hermética da Aurora Dourada, da qual ele fez parte, também
falhava nesse mesmo ponto. Quando um Neófito desta Ordem, Crowley estudou o docu-
mento intitulado Z1: O ENTRANTE NO UMBRAL. Nessa instrução ele aprendeu que o objetivo
mais importante da iniciação era levar o Neófito ao Conhecimento de seu Eu Superior.92 Ele
lamentou que essa superstição levava os membros da Ordem a agirem como idiotas na ini-
ciação, fazendo com que muitos deles falhassem completamente em realizar o verdadeiro
objetivo iniciático da Grande Obra. Isso o levou a revolta.
Crowley teve a ideia de utilizar toda estrutura da Ordem Hermética da Aurora Dou-
rada em seu sistema, no entanto, ele percebeu que teria de gastar muito tempo e energia
explicando os erros de seus antecessores. Mas para evitar isso bastaria construir um sistema
genuinamente original, no entanto, ele não estava em condições para isso. Assim, ele decidiu
fazer mudanças na estrutura original da Ordem. Um dos pontos foi este: usar o termo Sa-
grado Anjo Guardião – e seu obscuro conceito – ao invés de usar o termo Eu Superior para
vestir o ponto de vista que ele defendia. No entanto, ao utilizar o termo Sagrado Anjo Guar-
dião parece que ele não levou suas considerações históricas e culturais que envolviam o
ponto de vista da tradição grega, neoplatônica e cristã-primitiva acerca do daimon. O que
Crowley fez de verdade foi pegar emprestado o termo Sagrado Anjo Guardião da tradução
de Mathers do LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELEIN, O MAGO, fazendo também uma má
utilização dele.
No entanto, em nenhum lugar do LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELEIN, O MAGO
existe a expressão Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião. Essa expres-
são foi cunhada por Crowley. Isso não significa que o conceito por trás da frase não esteja
no livro. A ideia de Conhecimento dos Anjos Sagrados está presente no livro, no sentido de
conhecimento de que eles existem. O termo conversação também é encontrado no livro e
implica em estabelecer um diálogo com os Anjos. O próprio Abramelin relata o seu contato

92 Israel Regardie, AURORA DOURADA. Madras, 2008.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
com os Anjos e como gozava de sua companhia. Crowley se inspirou nas palavras de McGra-
gor Mathers que em sua introdução do LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELEIN, O MAGO diz:
através dessa arte sagrada é possível obter o conhecimento e a conversação com o Anjo Guar-
dião.
Portanto, quando Crowley decidiu usar o termo Sagrado Anjo Guardião, ele o fez pen-
sando em expressar suas ideias e concepções sobre o Eu Superior. Quando ele optou por
utilizar esse nome, Crowley não concebia uma entidade objetiva independente da consciên-
cia humana. Ele só veio a mudar de ideia sobre isso no fim de sua vida. Contudo, a Magia de
Abramelin trata da experiência com uma entidade independente, o Anjo que pode auxiliar
o magista a executar com eficiência sua Verdadeira Vontade ou objetivo por trás da encar-
nação. Na fraseologia do LIVRO DA MAGIA SAGRADA DE ABRAMELEIN, a obtenção do auxílio de
um Anjo para auxiliar o magista a seguir a Vontade de Deus ao invés dos ditames dos demô-
nios malignos. Portanto, a visão de Crowley sobre o Sagrado Anjo Guardião é completa-
mente distinta da visão da Magia de Abramelin. A visão de Crowley implica um objetivo
subjetivo concernente ao Eu Superior enquanto que a visão de Abranelin implica no contato
com uma entidade objetiva, independente da consciência humana.
Assim, infelizmente nós temos de agradecer a Aleister Crowley por ter fomentado
essa confusão e ter levado muitos thelemitas e outros praticantes da magia moderna a cair
nesse mesmo erro por confundir o Sagrado Anjo Guardião com o Eu Superior. Isso irá deixar
muitos seguidores de Aleister Crowley que pensam que não existem falhas em seus escritos
furiosos. Mas é uma ignorância medonha pensar que Crowley não errava e que todos os seus
escritos, desde o dia que começou a escrever até sua morte, são pérolas que refletem todo e
qualquer ângulo da verdade absoluta. Como qualquer um de nós, o pensamento de Crowley
sobre muitos temas evolui, se transformou. Este aqui é um caso notório: no início ele pen-
sava que o Sagrado Anjo Guardião era o Eu Superior, mas depois mudou de ideia. No en-
tanto, inúmeros thelemitas e comentadores famosos muitas vezes citam Crowley fora do
contexto ou mesmo não entendem o que ele queria transmitir.
Em 1901 Crowley publicou uma coleção de poemas conhecida como A ALMA DE OSÍRIS.
Um dos poemas dessa coleção chamava-se O ATANOR e incluía a seguinte linha: O Anjo de
meu desejo espiritual. Quando esse poema foi reimpresso em suas OBRAS COMPLETAS alguns
anos depois, ele adicionou uma nota a essa linha explicando que o Anjo se refere ao Gênio
de Sócrates, o Sagrado Anjo Guardião de Abramelin e o Eu Superior dos teósofos. No início de
sua carreira ela reunia termos como Eu Superior, Verdadeiro Eu etc. sobre a alcunha de Sa-
grado Anjo Guardião. Mas isso se parece mais como uma abreviação do que com um erro,
pois quando ele diz que o Sagrado Anjo Guardião é apenas uma parte de nossa consciência,
a Chispa Divina que vem de Eu Sou, ele tentava aproximar o termo ao conceito grego de
mikro kosmos que com referência na Árvore da Vida, se encontra dentro de cada um de nós
e representa o foco de nossas aspirações mais sinceras.
No período da Abadia de Thelema, Crowley ainda acreditava que o sagrado Anjo Guar-
dião era o Eu Superior. Foi nessa época que ele escreveu seu comentário mais popular sobre
O LIVRO DA LEI. Em seu livro MAGIA CERIMONIAL, Israel Regardie, que por um tempo foi amigo
e secretário de Crowley, disse: Crowley sempre colocava ênfase no significado do termo Sa-
grado Anjo Guardião. Em seu comentário sobre O LIVRO DA LEI, publicado com o nome de A LEI
É PARA TODOS, não existem equívocos. O Eu Superior é o Sagrado Anjo Guardião, é isso! Não
existe ambiguidade ou qualquer outra interpretação. É um fato claro que se apresenta.
Por volta de 1929, quando apareceu sua magna obra, o MAGIA EM TEORIA & PRÁTICA,
sua visão sobre o assunto permanecia a mesma. Nas linhas que abrem o Capítulo 1 ele diz:
Existe uma única definição geral do propósito de qualquer Ritual Mágico: é a união do Micro-
cosmo com o Macrocosmo. O Supremo e Completo Ritual é, portanto, a Invocação do Sagrado
Anjo Guardião; ou na linguagem do misticismo, União com Deus. Embora profundo, quando
levamos toda a obra em consideração, Crowley acreditava que o sucesso com o Sagrado Anjo

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Guardião se tratava de conquistar o contato ou alcançar o Eu Superior, quer dizer, alcançar
a Consciência Solar. Nesse mesmo livro, o MAGIA EM TEORIA & PRÁTICA, Crowley publicou um
ritual poderoso que ele construiu – ou restaurou – na Abadia de Thelema conhecido como
LIBER SAMEKH, que ele dizia ser o ritual para se obter o Conhecimento & Conversação com o
Sagrado Anjo Guardião. O objetivo deste ritual, portanto, é colocar o Adepto em contato com
o Eu Superior e não invocar o Sagrado Anjo Guardião ou daimon como entidade objetiva a
parte da consciência humana.
No entanto, Crowley deu um salto quântico no fim de sua vida. Não se sabe ao certo
quando aconteceu, mas ele percebeu que o Eu Superior não era o Sagrado Anjo Guardião,
pois se tratava de duas aspirações espirituais distintas. É possível que Crowley tenha per-
cebido isso quando se devotou com mais atenção ao seu próprio Sagrado Anjo Guardião,
Aiwass, questionando se ele era o seu Eu Superior ou uma entidade objetiva a parte.
Embora ambíguo em muitas passagens sobre essa questão, é possível notar que
quando ele escreveu o EQUINÓCIO DOS DEUSES Crowley já acreditava que Aiwass como seu
Sagrado Anjo Guardião era uma entidade objetiva e não seu Eu Superior. É nesse livro que
ele levanta a questão da autoria de O LIVRO DA LEI com a indagação: quem escreveu essas
palavras?
Ele responde dizendo: Eu mesmo as escrevi, é claro, com tinta no papel, no sentido ma-
terial; no entanto não eram minhas palavras, a menos que consideremos Aiwaz como uma
parte de meu subconsciente. Neste caso, minha consciência sendo completamente ignorante
da Verdade do Livro e hostil a maior parte da ética e filosofia dele, Aiwaz seria uma parte
severamente suprimida de mim. Essa teoria deveria implicar que eu sou, embora inconsciente
disso, possuidor de toda sorte de conhecimento e poder sobrenatural. O que Crowley não con-
seguiu perceber é que aceitando a condução e inspiração de seu Sagrado Anjo Guardião, ele
lhe dotou com extraordinário poder criativo e discriminação intelectual, o que os romanos
da antiguidade chamavam de o despertar do gênio. Como afirmei no Capítulo 2 de meu livro
CORRENTE 93: A CORRENTE SOLAR DO NOVO AEON, os romanos acreditavam que o contato com
esta entidade, o Gênio, dotava o homem com capacidade além da mente humana condicio-
nada. Essa capacidade além da mente humana condicionada nós chamamos de Verdadeira
Vontade. Aiwass como seu Sagrado Anjo Guardião atuou, dessa maneira, como um mensa-
geiro intermediário que possibilitou Crowley a alcançar a condição dos deuses, exatamente
como os antigos gregos previam.
Já em MAGICK WITHOUT TEARS, pouco antes de sua morte, Crowley escreveu: Nós pode-
mos concluir que o Augoeides, o Gênio de Sócrates e o Sagrado Anjo Guardião de Abranelin são
idênticos. Mas não podemos incluir aqui o Eu Superior, pois o Anjo é um indivíduo objetivo com
seu próprio universo, da mesma maneira que o homem. Ele não é uma mera abstração, seleção
ou exaltação das qualidades inerentes em uma pessoa como o Eu Superior parece ser. Ele con-
tinua: Ele [o Anjo] é algo mais do que um homem, possivelmente um ser que já passou pelo
estágio de humanidade. E sua relação peculiarmente íntima com o seu cliente é o da amizade,
da comunidade. De fraternidade, ou paternidade. Ele não é, deixe-me dizer com ênfase, uma
mera abstração de si mesmo, e é por isso que tenho insistido antes fortemente que o termo Eu
Superior implica uma heresia condenável e uma ilusão perigosa. E se assim não fosse, não ha-
veria nenhum ponto em A MAGIA SAGRADA DE ABRAMELIN, O MAGO.
No mesmo livro, MAGICK WITHOUT TEARS, Crowley diz mais: lembre-se disso, acima de
qualquer coisa: ele [o Anjo] é objetivo, não subjetivo, ou eu não gastaria boa magia nele. No
entanto, mesmo chegando a essa conclusão no fim de sua vida, Crowley não esclareceu o
papel do Anjo nas duas Árvores da Vida, a interna e a externa.
E embora ele tenha percebido que o Sagrado Anjo Guardião não era o Eu Superior, ele
ainda não considerou a própria dualidade do Anjo ou a possibilidade de um Anjo subjetivo
de tipo inferior ou daimon que, neste caso, muito provavelmente era Aiwass.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
O importante aqui, chegando no fim de nossa jornada nessa apresentação é conside-
rar o fato de que a mesma pessoa que disse que o Sagrado Anjo Guardião é o Eu Superior
trata-se da mesma pessoa que disse que não: Aleister Crowley.
E os thelemitas se dão conta disso? Não! Eles continuam citando os primeiros escritos
de Crowley quando ele fazia confusão entre os termos e conceitos, como se sua obra fosse
um evangelho sagrado. Se o próprio Crowley mudou seu ponto de vista, por que não os the-
lemitas? Preguiça para se esforçarem e compreenderem direito a tradição!
Embora nós possamos dizer acertadamente que o Eu Superior não é o Sagrado Anjo
Guardião, ainda sim os teósofos e a Ordem Hermética da Aurora Dourada não estavam com-
pletamente errados. O Eu Superior é a Chispa Divina presente em cada um de nós e ao en-
trarmos em contato com ele conquistamos a Consciência Solar. Assim, nasce outra indaga-
ção: se existem três complexos distintos, o Eu Superior e o Sagrado Anjo Guardião micro-
cósmico e macrocósmico, qual a relação entre eles? A resposta é simples: o Eu Superior é a
ponte natural ou conexão entre eles.
Karl Germer (1885-1962), o sucessor natural de Crowley tanto na A∴A∴ quanto na
O.T.O., em uma instrução a Jane Wolfe (1875-1958) datada de 17 de janeiro de 1951 E.V.,
disse: Adonai é um estado que somente pode ser conquistado através do Sagrado Anjo Guar-
dião como um intermediário. Aqui Germer se refere a Adonai – que ele menciona apenas
como «65» – como o Eu Superior. Nessa mesma instrução ele diz: O mais importante que
você precisa saber sobre o Sagrado Anjo Guardião é (1) ele não é o Eu Superior, mas uma
entidade separada e distinta de nós mesmos; (2) é uma entidade que opera em altos planos de
existência. Aleister Crowley analisou a questão inúmeras vezes e em uma carta enviada a mim
ele disse que sempre sentiu a interferência do Sagrado Anjo Guardião vinda de fora de sua
individualidade. Note que essa instrução de Germer a Jane Wolfe é datada de 1951, bem an-
tes da publicação de MAGICK WITHOUT TEARS. Isso significa que Crowley já disseminava essa
ideia anteriormente a publicação do livro, o que nos leva a perceber que sua compreensão
acerca do Sagrado Anjo Guardião passou por profundas mudanças no curso de sua carreira
iniciática.
Sobre a evolução na compreensão do Sagrado Anjo Guardião, em uma instrução envi-
ada a Phyllis Seckler (1917-2004) datada de 7 de julho de 1952 E.V., Germer escreveu: Na
medida em que você progride na datilografia de LIBER 418, descobrirá que a compreensão do
Sagrado Anjo Guardião cresce mais e mais. [...] Sua visão e conclusões sobre ele hoje não serão
as mesmas que você terá no futuro. Você acha mesmo que a compreensão de Aleister Crowley
sobre o assunto quando ele tinha 50 anos era a mesma compreensão quando ele tinha 70?
«Empenhe-se sempre por mais! e se tu és verdadeiramente meu - e não duvides disso, e se tu
estás sempre prazeroso! - morte é a coroa de tudo.»93 E na mesma instrução a Jane Wolfe de
1951 Germer escreveu: Eu resolvi esse problema em minha mente há vinte anos atrás ou mais.
No início eu fazia muitas perguntas a Aleister Crowley sobre o Sagrado Anjo Guardião, mas eu
quase nunca compreendia suas respostas. Você deve procurar compreender o assunto de den-
tro para fora; cada um de nós «cresce no bosque dos horrores». A solução vem por si mesma
no fim das aspirações [...].
Karl Germer não escreveu nenhum livro, no entanto, suas instruções pessoais na
forma de cartas enviada a seus alunos e correspondentes são uma fonte rica de ensinamen-
tos thelêmicos e demonstram de forma muito clara que ele tinha uma compreensão acerca
dos LIVROS SAGRADOS DE THELEMA que poucos possuíam. Sua maior contribuição sobre o tema
Sagrado Anjo Guardião é, quem sabe, seus apontamentos sobre a importância de desde cedo
na caminhada thelêmica aprender a escutar o Sagrado Anjo Guardião. Ele cita as vezes que

93Aqui Germer citou LIBER AL, II:72. A referêncoia ao LIBER 418 se tratava da cópia datilografada do manuscrito
que Phyllis Seckler estava produzindo e que posteriormente foi publicada por Germer.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Crowley não escutou seu Sagrado Anjo Guardião quando deveria e fala também de sua pró-
pria experiência: embora ele tenha entrado em contato com seu Anjo ainda em 1927, ele só
foi escutá-lo por volta de 1946. Em suas explicações sobre o assunto, Germer diz que ele não
compreendia as mensagens de seu Anjo pelo fato de não ter desenvolvido a capacidade de
escutá-lo. Dessa maneira, Germer insistia que cada um de nós deve desenvolver as faculda-
des ideais que nos possibilitam escutar o Anjo, caso contrário continuaremos o ignorando,
mesmo sabendo de sua existência.
Em suas instruções a Jane Wolfe Germer cita que o Anjo pode utilizar de vários artifí-
cios para chamar nossa atenção e que nós devemos estar atentos para os seus sinais nas
coisas mais triviais do dia-a-dia.
EM NOME DA BESTA chega em um momento muito especial. Estamos entrando no Equi-
nócio de Áries – Outono – e um novo ciclo se renova na era thelêmica do Novo Aeon. Nas
edições do JORNAL CORRENTE 93 eu venho me empenhando em publicar um outro livro que
estou escrevendo, o CORRENTE 93, cujo objetivo é explicar a experiência central da mística
thelêmica: o Conhecimento & Converesação com o Sagrado Anjo Guardião. Essa coletânea
de ensaios nasce no meio desse movimento espiritual e sua intenção é esclarecer muitos
pontos obscuros da Filosofia de Thelema, tanto nos Arcanos da O.T.O. quando nos Mistérios
da A∴A∴.

Amor é a lei, amor sob vontade.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
A Lança & o Graal

A magia sexual de Aleister Crowley opera através de


duas forças conhecidas como Caos e Babalon. Caos é a
Força ou Energia Criadora Paterna primordial represen-
tada pelo Falo no homem. Ele é idendificado ao astro Sol
como o Senhor na Missa Gnóstica. Babalon é a Força ou
Energia Materna geratrix primordial representada pe-
los símbolos do Útero, a Vulva, a Mulher e a Terra. No
sistema thelêmico de magia sexual, a Mulher é o veículo
que nutre a Palavra do Genitor com seu Poder Gerador.
Através da União de Caos e Babalon, nasce a Criança Má-
gica Baphomet.

Nós estamos entrando no Equinócio de Primavera de


2016 e.v. O ano 2012 e.v. foi muito importante para mui-
tos iniciados, pois marcou o início de uma reificação na
Terra das forças espirituais do Novo Aeon. No entanto,
o resgate espiritual dessas forças dentro de cada um de
nós depende da aplicação de certas chaves ou fórmulas
mágicas. Uma dessas fórmulas, conhecida como Corrente Ofidiana, tem sido considerada
das mais eficazes no estabelecimento das forças do Novo Aeon na consciência humana.

O livro A Lança & o Graal cumpre o objetivo de agregar em uma só publicação os textos
acerca do sistema de magia sexual proposto por Aleister Crowley previamente publicados
nas edições do Jornal Corrente 93 da Sociedade de Estudos Thelêmicos.

Curso Cakra Sadhana

Entre os Ocultistas nos últimos cinquenta anos tem ha-


vido uma tentativa em estabelecer uma equivalência
entre as Sephiroth da Árvore da Vida e os cakras da
cultura tântrica. Se a Árvore da Vida contém tudo em
nosso Universo, tanto acima quanto abaixo, deve ha-
ver algum lugar nela que os represente. Uma vez que
tenha se aceitado que existe uma equivalência entre as
Sephiroth e os cakras, logo nasce a indagação acerca
da relação entre os vinte e dois Caminhos – os Atus de
Tahuti – e as Sephiroth ou zonas de poder. Estes Cami-
nhos, entretanto, foram relacionados às nāḍīs dos en-
sinamentos tântricos. Nāḍī é um termo sânscrito que
significa torrente ou fluxo, quer dizer, aquilo que flui
livremente. Este é o nome dado aos canais por onde
circula o prāṇa ou energia vital. Eles conectam os
cakras e levam energia as diversas partes do corpo psí-
quico e sua contraparte física. Os cakras são casas de
energia e literalmente a palavra significa roda.
No entanto, toda a doutrina do Tantra acerca da
estrutura psíquica «cakras, nāḍīs, kuṇḍalinī» e a maneira correta de manipulá-la envolve o
conceito de Śakti, a Deusa. Śakti é uma palavra sânscrita que significa poder, mas para todos

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
os efeitos, em estado potencial. Existe uma parábola nos tantras que diz que no Infinito, an-
tes da criação, a Deusa dividiu-se em dois estados conhecidos como Mente e Corpo. A essên-
cia da Deusa repousa eternamente no ājñā-cakra, de onde ela começa a se projetar para
baixo, vibrando «spandana» em direção a terra na busca por seu Corpo. Nesse processo, a
Śakti cria diferentes estados de realização, os cakras, começando pelo viśuddhi, atribuído ao
Espírito, o anāhata, atribuído ao Elemento Ar, o maṇipūra, atribuído ao Elemento Fogo, o
swādhisṭhāna, atribuído ao Elemento Água e o mūlādhāra, atribuído ao Elemento Terra. Ao
fazer de sua morada o mūlādhāra-cakra, o processo de criação se encerra e a Śakti se recolhe
em sono profundo. É neste estado que ela é conhecida como kuṇḍalinī-śakti. Uma possível
tradução desse termo que se enquadra na descrição do tema é poder recolhido e na Tradição
Esotérica Ocidental ela é identificada apenas pelo nome de Serpente de Fogo ou Fogo Ser-
pentino. Quando aprendemos a manipular essa força em nosso interior, fazendo-a acordar
de seu sono no fosso da terra, é o momento de aprendermos com ela em um processo de
ascensão a fim de redescobrirmos o paraíso perdido. Este trabalho consiste em erguê-la do
mūlādhāra-cakra aos cakras superiores através de um sistemático programa de treina-
mento.
Nos dias de Aleister Crowley (1875-1947) muito pouco material sobre o tema cakras
havia sido traduzido do sânscrito para o inglês. Fora as especulações teosóficas, pouquíssi-
mos ocultistas no Ocidente produziram material de peso realmente relevante. Por anos a
maior fonte de pesquisas sobre os cakras utilizada pelos ocultistas da Tradição Ocidental foi
o livro Os Chakras de W.C. Leadbeater (1854-1934), considerado um grande clarividente.
No entanto, seu livro tem muito pouco ou quase nada a oferecer quando comparado aos
próprios śāstras do tantrismo ou obras de mestres tântricos de calibre como Swāmi
Satyānanda Saraswatī, fundador da Bihar School of Yoga, a organização mais tradicional da
Índia em ensino superior de Yoga e Tantra.
Por volta de 1920, o autor mais celebrado sobre Tantra no Ocidente foi Sir John Wo-
odroffe (1865-1936). Ele foi o responsável por apresentar ao Ocidente, através de inúmeras
traduções e material próprio o profundo, vasto e rico oceano de conhecimento contido nos
tantras, principalmente a Tradição Kaula e suas práticas obscuras de despertar da kuṇḍa-
linī-śakti e a manipulação dos cakras. Mas por incrível que pareça, Crowley parece ter dado
pouca atenção à obra de Woodroffe, seja por despeito ou falta de conhecimento.
Mas existe um problema ao tentar estabelecer uma equivalência entre a doutrina dos
cakras contida nos tantras e a Árvore da Vida. Inúmeras interpretações equivocadas foram
difundidas amplamente pela Sociedade Teosófica e a Ordem Hermética da Aurora Dourada,
estabelecendo um desserviço a Tradição Esotérica Ocidental. Um exame acurado sobre as
teorias estabelecidas por essas organizações revela verdadeiras anomalias e uma falta de
compreensão absurda sobre os cakras.
Nos dias de hoje existe muito material a disposição, no entanto, a grande maioria dos
livros escritos no Ocidente sobre o tema cakras ainda continua perpetuando as desinforma-
ções disseminadas por essas duas organizações. Por outro lado, o Oriente vem produzindo
material seguro nessa área e as escrituras que nos dias de Crowley quase eram impossíveis
de serem encontradas, agora abundam em traduções, o que nos permite ter um vislumbre
mais amplo do assunto. Portanto, eu sempre aconselho aos meus alunos da A∴A∴ a procu-
rarem a fonte original desses estudos, ou seja, os śāstras do tantrismo.
Ao elaborar o sistema de iniciação da A∴A∴, Aleister Crowley se debruçou ampla-
mente sobre o Yoga, produzindo pérolas do misticismo thelêmico nas instruções da Ordem.
No entanto, parece que ele deu pouca atenção à doutrina dos cakras, deixando a cargo da
Ordo Templi Orientis, O.T.O., a produção do material necessário à instrução dos membros.
Os primeiros Graus da O.T.O. operam enfaticamente com os ṣaṭ-cakras, mas infelizmente até
os dias de hoje estamos a espera que a Ordem nos apresente instruções precisas sobre como

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manipular e direcionar as energias dos cakras. Até lá, ofereço esse pequeno opúsculo de
meditação a comunidade de thelemitas do Brasil.

Os Mistérios de Babalon têm sido guardados a Sete Chaves, pois Sete são suas Chaves ou as
Chaves de seu Palácio. Das divindades que configuram no panteão thelêmico, Babalon é a
mais arredia: não é mencionada em O Livro da Lei; embora ali se fale da sacerdotisa como
sendo a Mulher Escarlate.
Babalon é um aspecto particular de Nuit. O verso 22 do primeiro capítulo d’O Livro da
Lei nos fala que no futuro o Profeta conheceria o nome secreto de Nuit. Este nome secreto é
a pronúncia correta de Babalon que ele recebeu enquanto trabalhava com o 12° Aethyr. An-
tes disto, ele utilizava a forma bíblica Babylon. Babalon soma 156 e para Crowley esta nu-
meração representa a copulação ou samādhi constante com toda a coisa vivente. Ele ainda
A considerava como sendo equivalente (e não mero complemento) ao deus Pã e essa não é
uma ideia isolada; ela também registra presença nos escritos de Parsons.
O termo Mulher Escarlate é encontrado em O Livro das Revelações ou Apocalipse: a
mulher vestida com púrpura e escarlate, e adornada de ouro [...] tinha na mão um cálice cheio
de abominações; são as impurezas de sua prostituição (Apocalipse – Capítulo 17).
Essa menção à Mulher Escarlate levou Crowley ao nome de Babilônia, que ele retificou
para Babalon (o Portal do Sol), conforme lemos no parágrafo em epígrafe. Em complemento
a essa inter-relação, no Capítulo 49 de O Livro das Mentiras, Crowley descreve quais seriam
as Sete Cabeças da Besta sobre a prostituta estaria montada:

Sete são as cabeças da Besta sobre a qual Ela monta. A cabeça de um Anjo; a cabeça de
um Santo; a cabeça de um Poeta; a cabeça de uma Mulher Adúltera; a cabeça de um
Homem de Valor; a cabeça de um Sátiro e a cabeça de um Leão-Serpente.

Para os thelemitas, de um modo geral, Babalon configura uma energia de cunho sexual e de
caráter mágico. Babalon é um Arcano Arcanorum muito profundo que o próprio Crowley, no
11° Capítulo de Magick, diz que os mistérios Dela só seriam transmitidos particularmente a
seus diletos pupilos.
Ela sempre foi conhecida, embora por outros nomes: Grande Mãe, Diana, Ishtar, Kālī,
Lilith, Inana, Deméter, Ísis, Afrodite e Hécate; mas independentemente do nome que A
chamarmos, ela sempre será a expressão livre e irrestrita de nossa própria natureza sexual-
mágica.
Babalon em O Livro de Thoth, Atu XI: Luxúria, é a abundante Fonte de Vida do Uni-
verso. Este arcano corresponde ao caminho entre Chesed e Geburah, fonte das energias da
Corrente 93, insinuando uma das faces do Novo Aeon que é a capacidade de trazer à tona

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instintos primitivos para serem incorporados, de forma consciente, à nossa estrutura psí-
quica. Conforme O Livro de Thoth ressalta: Existe nesta carta uma embriaguez ou êxtase – a
Volúpia, que é outro nome que se dá a esse arcano.
Um dos Arcanos que envolve Babalon é sua força libertadora do cárcere sexual pre-
dominante no Velho Aeon. Nas palavras de Crowley: A Mulher Escarlate, a Grande Puta, ba-
sicamente representa um conceito feminino: o conceito de liberdade sexual e de ação e poder
da mulher, oprimida no Aeon de Osíris e soberana do Aeon de Ísis. A característica de liberdade
não é feminista e sim de igualdade ao homem. Isto é muito importante e deve ser compreen-
dido sem que reste quaisquer dúvidas. A mulher tem os mesmos direitos dos homens, mesmo
em relação ao sexo.
Eu venho insistindo na similaridade entre a tradição de Thelema e o Tantra. O Culto
de Śakti-Babalon na fórmula da Mulher Escarlate ilustra o fato. Embora o Tantra seja muitas
vezes confundido com sexo no Ocidente, a fórmula da Mulher Escarlate não tem apenas co-
notações sexuais – embora elas existam, como demonstrado acima. Antes – assim como na
cultura tântrica – a fórmula se refere a uma atitude diferente em relação ao mundo, a vida,
ao dia-a-dia.
Tradicionalmente, a Mulher Escarlate é ilustrada na forma de uma prostituta que sim-
bolicamente permite tudo e todos em si mesma. A contraimagem da Mulher Escarlate é a
mulher casta que se fecha e não permite nenhum tipo de contato íntimo com nada ao seu
redor. Nos Comentário d’O Livro da Lei (III:55), Crowley observa que O inimigo é esse fecha-
mento em relação as coisas. Fechar a Porta é uma prevenção quanto a Operação da Mudança,
i.e. o Amor [...]. Este «fechamento» é hediondo, a imagem da morte. É o oposto do Ir, que é Deus.
Como a imagem da Operação de Mudança, a prostituta abraça a tudo e todos sem distinção,
na medida em que a mulher casta é a imagem da estagnação e separação entre todas as
coisas. Nesse caminho, a mulher casta também é a imagem do ego que se recusa a ceder sua
suposta realeza clamando ser o Rei da Montanha. O Rei da Montanha é o que nós chamamos
de Sagrado Anjo Guardião e o ego, seu ministro no mundo, embora ele pense ser o próprio
Rei. Da mesma maneira que a mulher casta se fecha para não ter relações íntimas com os
outros, o ego se fecha em si mesmo para não ceder lugar ao verdadeiro Rei, o Sagrado Anjo
Guardião.
A fórmula da Mulher Escarlate ou o Culto de Śakti-babalon é a fórmula tântrica, quer
dizer, aceitar o mundo como ele é, sem recusar nada, crescendo a partir da assimilação de
todas as coisas. No Velho Aeon a mulher casta era exaltada, pois a castidade era tida como
uma virtude. No Novo Aeon a prostituta é exaltada em virtude, pois ela é um símbolo de
crescimento e mudança. É o apego ao Velho Aeon que macula sua imagem, associando sen-
sualidade e promiscuidade a uma atitude pecaminosa. No Livro das Mentiras (cap. 4),
Crowley diz: [...] é um conselho para aceitar todas as impressões, é a fórmula da Mulher Es-
carlate; mas não se deve permitir dominar-se por impressão alguma, apenas frutificar-se;
como o artista que, vendo um objeto, não o reverencia, mas produz uma obra-prima a partir
dele. Este processo é mostrado como um aspecto da Grande Obra.
Em Liber A’ash (28) é dito: Todas as coisas são sagradas a mim. E no Comentário Dje-
ridensis (I:51) Crowley observa: Eu insisto para que você tome cuidado com o orgulho de es-
pírito, do pensamento a respeito de qualquer coisa como sendo pecaminosa ou impura. Faça
com que todas as coisa lhe sirvam na sua Magia [causando mudança em conformidade com
sua Vontade] como armas. Portanto, o Culto de Śakti-babalon é a fórmula do abraço ao
mundo, aceitando tudo sem distinção de impuro ou profano. Os Eremitas de Thelema não
desistem ou se afastam do mundo ou vêm as coisas como mundanas ou não-espirituais. Ao
contrario, cada Thelemita se encontra imerso no Céu, como uma Estrela entre as Estrelas.
No AL vel Legis (II:24) encontramos: Eis aí! estes são graves mistérios. Pois existem, além
disso, meus amigos que são eremitas. Atualmente não pense encontrá-los na floresta ou sobre
a montanha; mas em camas de púrpura, acariciados por suntuosas bestas de mulheres com

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grossos membros, e fogo e luz em seus olhos, e volumes de cabelos flamejantes sobre eles; lá
vós devereis encontrá-los. Vós devereis vê-los no governo, em exércitos vitoriosos, em todo
modo o prazer; e deverão estar neles um prazer um milhão de vezes maior do que isto. Acau-
telai-vos a fim de que algum não force um outro; Rei contra Rei! Amai-vos uns aos outros com
corações ardentes; sobre os homens submissos, desprezai-os na feroz luxúria de vosso orgulho,
no dia de vossa cólera.»
No Novo Aeon não consideramos o Mundo como uma prisão ou um vale de lágrimas,
mas um Templo onde o sacramento da Vida pode ser promulgado; o corpo não é conside-
rado corrupto e impuro, mas um Ornamento puro para expressão da Energia; o sexo não é
considerado pecaminoso, mas um misterioso canal de poder e a imagem da natureza exta-
siante de todas as Experiências de Vida, Amor, Luz e Liberdade. Existência é puro prazer (AL
II:9).
Devido ao estilo de vida tóxico da atual civilização globalizada, tem sido cada vez mais
difícil para as mulheres terem acesso a vox-babalonis, o empoderamento da Śakti-Babalon.
Aliado a isso, o sistema thelêmico têm dado pouca ou quase nenhuma atenção aos Mistérios
de Babalon. Esse projeto, Śakti-Babalon: Magia Tāntrika Thelêmica, é uma tentativa de cor-
rigir essa ponta solta. No Colegiado da Luz Hermética, cada associada a partir do Grau de
Neófito empreende um sādhanā que culmina no Grau de Filósofo. Trata-se da construção do
Templum-Babalonis. Nesse processo, a subida na Árvore da Vida pelas mulheres é distinta
da subida dos homens, que têm de construir o Santuário da Besta. Neste curso, Frater ON120
e sua Mulher Escarlate, Soror Miah, apresentam alguns dos Mistérios de Babalon contidos
no Templum-Babalonis. A intenção neste curso é oferecer um programa através do qual cada
mulher possa invocar o poder da Deusa Babalon e entroná-la no Palácio da Alma.

Colegiado da Luz Hermética

O Colegiado da Luz Hermética é a Ordem Externa da


SETh, Sociedade de Estudos Thelêmicos. Representa o
Seis primeiros Graus da Ordem. A SETh foi estabelecida
a Serviço da A∴A∴, constituindo um Colegiado Iniciático
formulado para prover treinamento aos Candidatos que
aspiram Iniciação na A∴A∴. O trabalho é individual, mas
é dada a opção de trabalho coletivo e a formação de Gru-
pos de Estudo, Santuários e Templos.

HOMEMDATERRA
Colegiado da Luz Hermética

Probacionista 0°=0⌷

O Probacionista é qualquer pessoa adulta, livre, acima de


21 anos que tenha concordado em executar uma prática
espiritual diária e sistemática pelo período de um ano,
mantendo um diário mágico detalhado sobre a prática.
Os Sinais do Probacionista são os de Hórus e Hoor-paar-
Kraat. O Probacionista se encontra no Umbral da Ordem e após um ano de período proba-
tório ele pode requerer admissão ao Primeiro Grau de Neófito. Sendo admitido, ele assina o
Juramento.

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Sociedade de Estudos Thelêmicos Corrente 93 No. 11
Neófito 1°=10

O Neófito é um Iniciado do Primeiro Grau do Colegiado da Luz Hermética. Este Grau repre-
senta Malkuth na Árvore da Vida e o Elemento Terra. O Sinal de Neófito é o Sinal da Besta
ou Baphomet.

Currículo do Neófito:

1. Formulação, construção e consagração do Pantáculo da Terra.


2. Ritual Maior do Pentagrama da Terra.
3. Assunção de forma divina da deidade egípcia da Terra.
4. Ritual da Saída do Umbral.
5. Ascensão nos planos obtendo a visão do Espírito da Terra.
6. Pathworking: Caminho 32 (Tav).
7. Scrying no Aethyrs 30 (TEX).

Zelador 2°=9⌷

O Zelador é um Iniciado do Segundo Grau do Colegiado da Luz Hermética. Este Grau corres-
ponde a Yesod na Árvore da Vida e o Elemento Ar. O Sinal de Zelador é o Sinal de Lilith-
Astaroth.

Currículo do Zelador:

1. Formulação, construção e consagração da Adaga do Ar.


2. Ritual Maior do Pentagrama do Ar.
3. Assunção de forma divina da deidade egípcia do Ar.
4. Ritual do Khu Perfeito.
5. Ascensão nos planos obtendo a visão do Espírito do Ar.
6. Pathworking: Caminho 31 (Shin) e 30 (Resh).
7. Scrying nos Aethyrs 29 (RII) e 28 (BAG).

Prático 3°=8⌷

O Prático é um Iniciado do Terceiro Grau do Colegiado da Luz Hermética. Este Grau corres-
ponde Hod na Árvore da Vida e o Elemento Água. O Sinal do Prático é o Sinal de Ísis a Mãe
das Estrelas.

Currículo do Prático:

1. Formulação, construção e consagração do Cálice da Água.


2. Ritual Maior do Pentagrama da Água.
3. Assunção de forma divina da deidade egípcia da Água.
4. Ascensão nos planos obtendo a visão do Espírito da Água.
5. Pathworking: Caminho 29 (Qoph), 28 (Tzaddi) e 27 (pé).
6. Scrying nos Aethyrs 27 (ZAA) e 26 (DES).

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Filósofo 4°=7⌷

O Filósofo é um Iniciado do Quarto Grau do Colegiado da Luz Hermética. Este Grau equivale
Netzach na Árvore da Vida e o Elemento Fogo. O Sinal de Filósofo é o Sinal de Tifon.

Currículo do Filósofo:

1. Devoção a alguma deidade - iṣtā-devatā (bhakti-yoga).


2. Formulação, construção e consagração da Baqueta do Fogo.
3. Ritual Maior do Pentagrama do Fogo.
4. Assunção de forma divina da deidade egípcia do Fogo.
5. Ascensão nos planos obtendo a visão do Espírito do Fogo.
6. Scrying nos Aethyr 25 (UTI).

Dominus Liminis (Senhor do Umbral)

O Dominus Liminis é um Iniciado do Quinto Grau do Colegiado da Luz Hermética que está
no período probatório para entrar na Segunda Ordem R.R. et A.C. Este Grau corresponde ao
Caminho de Pé na Árvore da Vida, conhecido na Ordem como O Portal. O Sinal do Dominus
Liminis é o Sinal da Caveira de Ossos Cruzados.

Currículo do Dominus Liminis:

1. Formulação, construção e consagração de um talismã planetário.


2. Ritual Supremo de Invocação do Pentagrama.
3. Ascensão nos planos da Estrela que regula o Sol (signo ascendente).
4. Ritual Enochiano do Elixir da Vida
5. Pathworking: Caminho 26 (Ayin), 25 (Samekh) e 24 (Nun).
6. Scrying no Aethyrs 24 (NIA).

Admissão ao Colegiado da Luz Hermética.

Caso tenha interesse em participar da Ordem, envie uma carta em PDF seguindo as instru-
ções:

1. Faça um breve relato sobre sua busca espiritual. Estudos, práticas e a relevância
desse processo na magia e no ocultismo.
2. Faça uma lista de vinte livros que já estudou na área da magia e ocultismo em geral;
cite os mais relevantes em sua iniciação e faça uma breve resenha do livro mais im-
portante para você.
3. Na carta, coloque todos os seus dados: endereço (físico e eletrônico), data de nasci-
mento, afiliação, profissão, telefone e anexe uma cópia de seu CPF, RG e compro-
vante de residência.

Toda a comunicação da Ordem se dá através de documentos em PDF via e-mail e por correio
convencional.

Após o envio de sua aplicação de afiliação, a Ordem irá notificá-lo em cinco ou dez dias, após
a avaliação de seu pedido. Se ele atender os nossos requisitos, você será admitido ao período
probatório, devendo manter uma prática espiritual sistemática por um período de um ano,
com entradas diárias no diário mágico.

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Sua aplicação de afiliação pode ser enviada por e-mail, em PDF. Caso queira enviar carta via
correios, escreva para:

a Secretária,
Av. Barão do Rio Branco, 3652/14, Passos
Juiz de Fora – MG
36025 020
srikulacara@gmail.com

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