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"Depende de nós praticarmos atos nobres ou vis; e se é isso que se entende por ser bom ou
mal, então depende de nós sermos virtuosos ou viciosos."
Aristóteles.
Em seu livro Ética à Nicômaco, Aristóteles estabelece um tratado das virtudes humanas. As
virtudes se dividem em intelectuais ou dianoéticas e as virtudes morais, que podem ser
aprendidas através do hábito.
A AMIZADE
A amizade é, pois uma virtude extremamente necessária à vida. Mesmo que possuamos diversos
bens, riqueza, saúde, poder, ainda assim, não será suficiente para nossa realização plena, pois
nos falta a essencial e indispensável amizade. Na ética aristotélica, quanto mais influência e
poder manipular um homem mais necessidade ele terá de ter amigos. A justiça e a amizade
possuem os mesmos fins, mas considera-se a amizade superior a justiça, pois a justiça é
utilizada para contornar nossos atos em relação ao próximo que não conhecemos. Com os
nossos amigos não precisamos de justiça, pois a natureza da amizade nos é completa, como
mais autêntica forma de justiça.
De acordo com a proporção da faixa etária de cada indivíduo, a amizade apresentará uma função
específica. Para os jovens ela ajuda a evitar o erro, para os mais velhos serve de amparo para as
suas necessidades e suprime as atividades que declinam com o passar dos anos, porque dois que
andam juntos são mais capazes de agir e pensar.
Sua utilidade se estende ainda mais, ela mantém cidades unidas, pois assegura a unanimidade e
repele o faccionismo. Por conta disso, afirma Aristóteles:
A amizade não é apenas necessária, mas também nobre, pois louvamos os homens que amam os
seus amigos e considera-se que uma das coisas mais nobres é ter muitos amigos. Ademais
pensamos que a bondade e a amizade encontram-se na mesma pessoa.[2]
A condição necessária e basilar para se formar uma amizade se dá pelo conhecimento de uma a
outra pessoa que desejam entre si reciprocamente o bem. Assim como a condição específica
para ser objeto de amor é ter um caráter bom, agradável e útil.
Acrescenta Aristóteles que deve existir mais de uma forma de amizade, neste sentido apresenta
três espécies de objetos de amor: o que é bom, ou o agradável, ou útil.
Destes três objetos nascem três espécies de amizade. Encontra-se em situação de superioridade
aquela que é motivada pelo bem, pois é duradoura. Enquanto a agradável está relacionada aos
jovens e a terceira parece existir principalmente entre as pessoas idosas, pois nesta idade
buscam não o agradável, mas o útil. Nestes tipos de amizades as pessoas buscam seus próprios
interesses para terem alguém que lhes proporcionem prazer ou alguma utilidade. Não ama o
amigo por ele mesmo, mas na medida em que ele pode proporcionar algum bem, utiliza a
amizade para conseguir outra coisa, de modo que o amigo é tido como um meio; não como um
fim. O verdadeiro amigo quer as coisas para as pessoas a quem ele ama, o amigo por acidente as
quer para si.
Segundo Aristóteles, o requisito essencial para a amizade é "a consciência, a qual só é possível
se duas pessoas são agradáveis e gostem das mesmas coisas". Entretanto, se a ausência é
demorada parece provocar o esquecimento da amizade.
A amizade perfeita é aquela que existe entre homens que são bons e semelhantes na virtude, ou
seja, há a reciprocidade de caráter e de objetivos, conseqüentemente portará a tendência de ser
perene. Sua exigência peculiar resume-se em tempo e intimidade e a verdadeira amizade é
invulnerável a calúnia.
Há uma outra espécie de amizade que envolve a desigualdade entre as partes, por exemplo, a
amizade entre pai e filho, entre velho e jovem, entre marido e mulher, e em geral a amizade
entre quem manda e quem obedece. Como tornar proporcional a amizade entre os desiguais?
Já que a igualdade é característica essencial da amizade e que ela exerce os mesmos atos
também na justiça, aquele que for melhor para com o outro deverá receber mais amor, para que
assim estabeleça-se a proporção.
Por outro lado, ser amado é algo bom em si mesmo, e por isso parece ser melhor ser amado que
receber honras, conseqüentemente a amizade parece ser desejável por si mesma. Mas a natureza
da amizade consiste muito mais em amar do que ser amado, por exemplo, o amor de uma mãe
pelo seu filho. É dessa maneira que pessoas desiguais podem ser amigas, sendo possível a
igualdade entre eles. Desta forma, a amizade que se forma entre contrários visa à utilidade.
Podemos dizer que amar assemelha-se à atividade, e ser amado à passividade: amar e ter
várias formas de sentimentos amistosos são atributos dos homens mais ativos.[3]
1. A amizade x benevolência
Por uma extensão da palavra amizade, poderíamos dizer que a benevolência é a amizade
inativa, não obstante, quando se prolonga e chega ao ponto da intimidade, ela passa a ser
amizade verdadeira. Mas não se trata da amizade baseada na utilidade ou no prazer, pois a
benevolência não se manifesta em tais condições.[4]
A reta razão
A reta razão é justamente o caráter deliberativo da alma que nos dirige as virtudes, que nada
mais são que o meio-termo entre os extremos. Para explicar a natureza da reta razão, Aristóteles
inicia o livro VI afirmando que a alma se divide em duas partes: uma racional e outra não
racional.
A racional se divide em outras duas partes: a científica[5], que contempla as coisas imutáveis,
não sendo esta objeto de deliberação: e a calculativa, que se ocupa das coisas mutáveis, sendo
objeto de deliberação. A virtude da primeira será a sabedoria filosófica e a da segunda a
sabedoria prática.
Dentre as três coisas que controlam a ação e a verdade na alma temos: a sensação, o pensamento
e o desejo. A primeira não é princípio de qualquer ação refletida, mas o desejo está ligado à reta
razão. Assim, a escolha só será boa se o desejo for guiado pelo reto raciocínio.
O caráter deliberativo encontra-se na inteligência prática, pois nos responde se o nosso desejo é
bom ou não. Se for bom, a escolha deverá ser feita, pois houve concordância entre a razão e o
desejo (a razão aprovou o desejo). Mas quando a razão conclui que tal desejo nos prejudica,
então não deveremos escolher, pois embora o tenhamos desejado, a razão o rejeitou como algo
prejudicial. Nesse sentido, só será lícito conhecermos uma coisa que desejamos, depois que o
raciocínio a examinar declarando-a boa.
O alcance da verdade na alma somente será encontrado através de cinco disposições: a arte (no
sentido geral do conhecimento técnico), o conhecimento científico, a sabedoria prática, a
sabedoria filosófica e a razão intuitiva.
O discernimento deve ser uma capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito aos
bens humanos. Ela é, portanto, a capacidade de pensar sobre as coisas de ordem prática, sobre a
conduta do próprio homem e de agir conforme o raciocínio. Nesse sentido, o prazer e a dor
podem interferir nos juízos de ordem prática.
Podemos dizer que a sabedoria filosófica é a união da inteligência e da ciência (que demonstram
as coisas invariáveis) , segundo Aristóteles, ela é a mais perfeita forma de conhecimento…
Enquanto a sabedoria prática se relaciona com as ações humanas, que são objetos de
deliberação, às coisas particulares e variáveis que tenham uma finalidade específica dentro do
mundo da ação. Portanto afirma Aristóteles:
E não é menos evidente que a escolha não será acertada sem a sabedoria prática, como
também não sem a virtude, pois uma (a sabedoria prática) determina o fim e a outra nos leva a
praticar ações que conduzem a esse fim[6].
Na verdade, o ideal seria possuir as duas, mas não sendo isso possível a sabedoria prática é
preferível à outra, pois diz respeito à ação de nossa realidade imediata, prática indispensável ao
caráter deliberativo e iminente.
CONCLUSÃO
Na verdade, não há teoria da vontade racional em Aristóteles, mas o que ele instituiu foi o
conceito do desejo deliberado, ou seja, a filosofia do agir. A estreita ligação entre desejo e
virtude faz com que se possa justificar uma das expressões com que se quis caracterizar
globalmente a Ética Nicomaqueia: eudonismo racional.
A finalidade ultima desse eudonismo é a contemplação, Livro X. Por conta disso, não se pode
conciliar plenamente a unidade da virtude com a multiplicidade das virtudes, porque cada uma é
ao mesmo tempo o seu fim em si e meio para atingir a contemplação. Por outro lado, e ainda
diferentemente de Platão, não se pode separar a vida ativa e a vida contemplativa. Participando
do prazer eterno o filósofo, ao contemplar obedece à sua natureza racional, cumprindo, o mais
completamente possível ao homem, o seu dever de ser feliz.
Mas a ética aristotélica passa ainda por outro pólo, a vida humana baseada nas relações
intersubjetivas da amizade, como condição necessária e indispensável para uma vida feliz,
devendo acompanhar todo o agir moral.
A importância de sua filosofia adquiriu influência no pensamento cristão. Como no caso de São
Tomás de Aquino que no seu pensamento teológico, aproveita a sistematização do Estagirita.
Bem como, no ocidente, do período clássico até o século XVIII e permanece até os nossos dias.
BIBLIOGRAFIA
[5] O conhecimento científico é um juízo das coisas universais e necessárias. Aristóteles, Ética a
Nicômaco, Martin Claret, p. 133