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Fábio Coimbra1
Resumo
1. INTRODUÇÃO
1
diz respeito à obra de arte e a reprodução técnica – como se discutirá no primeiro –
tão menos a idéia de progresso e massificação da sociedade – conforme se dará no
segundo. O que se pretende, de fato, é somente dá um passo rumo a isso sem, no
entanto, esgotar todos os caminhos.
2. O ESPÍRITO DA MODERNIDADE
2
Esse termo designa a finalidade exclusiva da obra de arte no contexto medieval, que era de caráter
unicamente ritualístico.
3
Essa expressão está sendo tomada, aqui, no sentido kantiano para designar aquela coisa que é
absolutamente grande. E essa coisa grande, neste contexto, faz referência à Idade Média em sua
totalidade, que constitui então o locus, ou seja, o lugar propício à conservação da obra de arte,
enquanto livre da cobiça do capitalismo.
4
Walter Benjamin nasceu a 15 de Julho de 1892, em Berlin. Estudou filosofia em freiburgi-im-
Breisgau. Em 1919, morando em Berna (Suíça), escreveu sua tese de doutorado O conceito de
Crítica de Arte no Romantismo Alemão. Pensador na concretização de uma carreira
universitária, Benjamin iniciou em 1923 sua tese de livre- docência sobre A Origem do Drama
Barroco Alemão. Renunciou à carreira acadêmica devido ao fracasso de sua tese, passando o
resto da vida no exílio, sem dinheiro, trabalhando como crítico e jornalista.
Com a ascensão do nazismo na Alemanha, refugiou-se na Dinamarca, onde escreveu a Obra
de Arte na época de sua reprodutibilidade técnica. Em 1940, escreveu em Paris as Teses Sobre
o Conceito da História. Quando as tropas alemãs entram na cidade, Benjamin foge, mas
quando descobre que é impossível atravessar a fronteira franco-espanhola, suicida-se a 27 de
setembro em Port Bou, na Catalunha.
O culto foi a expressão original da integração da obra de arte no seu
contexto tradicional. Como sabemos, as obras de artes mais antigas
surgiram ao serviço de um ritual, primeiro mágico e depois religioso [...] em
outras palavras: o valor singular da obra de arte “autêntica” tem o seu
5
fundamento no ritual em que adquiriu seu valor de uso original e primeiro.
Benjamin foi um dos interlocutores de Adorno, G. Scholen e Brecht, que, alem de seus
amigos, eram críticos de seus trabalhos. (Cf. BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas II. Ed. 5.
Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho; José Carlos Martins Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 1995. P.
279).
5
Cf. BENJAMIN, Walter. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Trad. Maria Luz Moita; Maria
Amélia Cruz e Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’ Água Editores, 1992. P. 82.
torna claro se observamos o fundo religioso que persiste nas obras
6
intelectuais e artísticas desse período .
6
Cf. COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: História e grandes temas. São Paulo: Saraiva,
2006. P. 127
7
A pureza da obra de arte na Idade Média dizia a respeito ao fato de que lá a relação dela com
homem não tinha nenhuma mediação de interesse financeiro.
8
Cf. BENJAMIN, Walter. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Trad. Maria Luz Moita; Maria
Amélia Cruz e Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’ Água Editores, 1992. P. 83.
Outro ponto relevante que pode ser assinalado para fins de uma
compreensão mais aprofunda, é quando no pensamento de Benjamin lê-se
Mesmo na reprodução mais perfeita falta uma coisa: o aqui e agora da obra
de arte – sua existência única no lugar em que se encontra. [...]. O aqui e
agora do original constitui o conceito da sua autenticidade. [...]. Mas
enquanto o autêntico mantém a sua autoridade total relativamente à sua
reprodução manual que, regra geral, é considerada uma falsificação, isto
9
não sucede relativamente à reprodução técnica.
9
Cf. Id. Ibidem, P. 77-78
10
Cf. Id. Ibidem, P. 79.
11
Id. Ibidem, P. 76-77.
por um processo de aperfeiçoamento do qual, pode-se pensar, resultou a rapidez da
reprodução. Portanto, é importante salientar que essa conquista da sociedade de
massa, talvez, jamais teria sido alcançada se o conhecimento não tivesse evoluído e
o homem não tivesse mudado de mentalidade. O conhecimento, portanto, assume
um papel relevante no processo de transformação de uma sociedade, um povo ou
uma época. Tudo isso – atrelado ao mercado, onde a busca do lucro é a regra geral
e a competitividade aparece como força motriz que gera novas produções –
contribuiu consideravelmente para os avanços e conquistas, passíveis de percepção
no contexto da reprodutibilidade técnica da obra de arte.
Outro aspecto que aqui não pode ser esquecido, é que na modernidade e
suas massas, a obra de arte também se torna um meio através do qual muitos
artistas buscaram sobreviver. Foi nesse contexto que a idéia de obra de arte passou
a ser uma controvérsia nesse tipo de sociedade (massa). Nessa sociedade, a beleza
da obra de arte já não podia mais ser contemplada e nem sentida. É como se ela (a
obra de arte) tivesse perdido a sua capacidade de atingir a sensibilidade do sujeito.
É como se esse não reconhecesse mais a grandeza daquela. Na modernidade
houve, portanto, uma inversão na finalidade da obra de arte, se comparada com o
período medieval. Se nessa, ela visava levar o sujeito ao encontro do divino, nesta,
ela pretendia levá-lo ao mercado. A razão disso decorre do fato de que na sociedade
de massa, ela foi feita para atingir exclusivamente o mercado e beneficiar o
capitalismo. Para isso, muitos meios de reprodução foram idealizados e, de fato,
praticados, como por exemplo, a fotografia12. Nesse sentido Benjamin refere que “o
12
Qual o conteúdo da mensagem fotográfica? O que transmite a fotografia? Por definição, a
própria cena, o literalmente real. do objeto á sua imagem há, na verdade, uma redução: de
proporção, de perspectiva e de cor. No entanto essa redução não é, em momento algum, uma
transformação (no sentido matemático do termo) para passar do real à sua fotografia, não é
absolutamente necessário dividir em unidade e transformar essa unidade em signos
substancialmente diferentes do objeto cuja leitura; ente esse objeto e sua imagem não é
absolutamente necessário interpor um relais, isto é, um código; é bem verdade que a imagem
não é o real, mas é, pelo menos, o seu analogon perfeito, e é precisamente esta perfeição
analógica que, para o senso comum, define a fotografia. [...]. A fotografia considerando-se com
um análogo mecânico do real, traz uma mensagem primeira que, de certo modo, preenche
plenamente uma substância e não deixa lugar ao desenvolvimento de uma mensagem
segunda. Em suma, de todas as estruturas de informação, a fotografia seria a única a ser
primeiro meio de reprodução verdadeiramente revolucionário foi a fotografia” 13. Com
base nele, (Benjamin) poder-se-ia ainda dizer que as primeiras fotografias,
provavelmente, foram de rostos humanos, o que, supostamente, deixava as pessoas
fascinadas por verem à sua frente sua própria face, o que – para a época –
certamente deve ter sido uma coisa de arrastar multidão. No texto intitulado
“Pequena história da fotografia”, ele escreve que “o rosto humano era envolvido por
14
um silencio em que repousava o olhar” . Quanto fascínio, arrepio e emoção não
devem ter sentido aquele povo! O aperfeiçoamento da fotografia inaugura, portanto,
na reprodutibilidade e na própria sociedade de massa, uma espécie de cultura
voltada para o consumo das imagens. Nessa perspectiva, a fotografia enquanto fator
de reprodução, também contribui em demasia para a perda da aura da obra de arte
na medida em que não possibilita determinar a sua autenticidade. Alem da
fotografia, outros meios de reprodução também foram idealizados na modernidade,
como por exemplo, o cinema e o teatro, dentre outros, que aqui não serão
analisados minuciosamente.
exclusivamente constituída por uma mensagem “denotada” que esgotaria totalmente seu ser
[...]. (Cf. BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Trad. Léa Novaes. Rio de
Janeiro: Nova fronteira, 1990. P. 12, 13, 14).
13
Cf. BENJAMIN, Walter. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Trad. Maria Luz Moita; Maria
Amélia Cruz e Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’ Água Editores, 1992. P. 83.
14
Id. Ibidem. P. 120.
3. CRÍTICA DE BAUDELAIRE15 À MODERNIDADE
15
Escritor francês, nasceu em Paris no ano 1821 e morreu em 1867, aos 46 anos. Publicou
antes de 1848, o período chamado dandy, os salões de 1845, 1846 e outros textos. Mas foi no
período da maturidade, entre 1852 e 1863, que ele mais produziu os textos que marcaram
época. Teremos na prosa baudelaireana, mesmo considerando a estética interna da poesia e
na poesia em prosa, os antológicos escritores Sobre Edgar Allan Poe, a Exposição Universal
de 1855, os caricaturistas franceses e estrangeiros, ambos de 1857, o Salão de 1859, a arte
filosófica publicada em 1869, as experiências com drogas e suas reflexões em textos, o
Richard Wagner e Tannhäuser em Paris de 1861, os escritores sobre Delacroix de 1863 e as
conclusões esparsas na obra “Meu coração posto a nu”, de 1862-1864, onde afirma “Eu
encontrei a definição do Belo, - de meu Belo. É qualquer coisa de ardente e de triste, qualquer
coisa de um pouco vago, deixando margem à conjetura. Eu vou, se me permitirem, aplicar
minhas idéias a um objeto sensível, ao objeto, por exemplo, o mais interessante na sociedade:
um rosto de mulher”. (cf. BAUDELAIRE, Charles. Obras estéticas. Trad. Edilson Darci Heldt.
Petrópolis: Vozes, 1993.).
16
Na sociedade contemporânea, lixão além de se tornar morada de muitos, se tornou também o local
de onde esses muitos passaram a retirar seus alimentos, quer aproveitando o resto de comida
proveniente das fartas mesas dos capitalistas, aos quais o progresso beneficiou diretamente, quer
extraindo elementos para serem vendidos a preço de miséria, o que também não resolveu a situação,
pelo contrário, de algum modo contribui para uma linearidade no terrível estado de miséria. Portanto,
o progresso e a técnica, prerrogativas exclusivas da modernidade, trouxeram para a sociedade os
dois gumes da espada. Simultaneamente trouxeram a felicidade (de uns poucos) e a infelicidade (de
muitos); a fortuna e a maldição; a vida e morte.
quantitativo considerável de transeuntes passou a se movimentar pelas ruas
superlotando-as, portanto. Desse modo, se conclui que na sociedade capitalista já
não é mais possível andar tranquilamente pelas ruas das cidades, de modo especial,
17
as ruas comerciais. Essa drástica realidade que tirou a tranqüilidade se instalou,
sobretudo, pelo fato de que na sociedade de massa, são os objetos da indústria que
passam a dominar. Ou seja, nessa sociedade é a indústria quem dita as regras do
jogo, que é sempre lucrar.
Essa poesia não é nenhuma arte nacional e familiar; pelo contrário, o olhar
alegórico a perpassar a cidade é o olhar de estranhamento. É o olhar do
flâneur, cuja forma de vida envolve com um halo reconciliador a
19
desconsolada forma de vida vindoura do homem da cidade.
17
Como exemplo pode ser citada a Rua Grande de São Luis – Ma e a Rua 25 de Março, no centro de
São Paulo.
18
Cf. KOTHE, Flávio (Org.). Walter Benjamin: Sociologia. Ed. 2. São Paulo: Ática, 1991. P. 38.
19
Cf. Id. Ibidem. P. 39.
O poeta, portanto, possui posicionamento e ponto de vista diferente
daqueles que são assumidos pelas massas, no que diz respeito à cidade. Enquanto
o poeta vê a cidade com um olhar não só de estranhamento, mas também de
desconfiança, a massa, por sua vez, vê-la com grande encanto admiração e
fascinação. É nesse cenário que vem à tona uma daquelas imagens pela qual
Baudelaire expressa o seu pensamento em relação à modernidade: trata-se do
flâneur. É com este que arte definitivamente se dirige para o mercado e se
transforma em mercadoria. Sendo Assim, arte na modernidade, diferentemente, da
tradição, se torna uma forma de ganhar dinheiro. O flâneur na poesia baudelaireana
é justamente a pretensão que se tem de se dirigir ao mercado, para a compra, o
consumo. “Com o flâneur, a intelectualidade parte para o mercado” 20. Ou seja, esse
fenômeno não arrasta somente as massas, que na sua maioria, isto é na
generalidade, é passível de ser movida por qualquer sinal de fascinação, com muita
facilidade, mas atinge também, os intelectuais, num choque inevitável. Nesse
sentido,
20
Cf. Id. Ibidem. P. 39.
21
Cf. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-106X2005000100003&script=sci_arttext
Acesso em: 18-06-2010
Outra personagem poética criada por Baudelaire é o dândi22. Segundo ele,
o dândi é caracterizado por ser.
O homem rico, ociosos, e que, mesmo eterno entediado, não tem outra
ocupação senão a de correr atrás da felicidade; o homem educado no luxo
e acostumado desde a sua juventude à observância dos outros homens,
aquele, enfim, que não tem outra profissão senão a da elegância sempre
gozará em todos os tempo de uma fisionomia distinta, inteiramente à
23
parte.
O Dândi não visa o amor como objetivo especial. [...]. O Dândi não aspira
ao dinheiro como a uma coisa essencial; um crédito infinito ser-lhe-ia
insuficiente; ele deixa essa grosseira paixão para os mortais vulgares. O
dandismo não é sequer, como muitas pessoas de pouca reflexão parecem
acreditar, um gosto imoderado pelo vestir bem e pela elegância material.
Essas coisas são para o perfeito Dândi apenas um símbolo da
22
O dandismo baudelaireano está não apenas na raiz de toda a fundamentação estética do que
produziu o autor, mas até mesmo na origem e na justificação de sua conduta humana e social.
Recorra-se ao próprio poeta para que se entenda melhor essa instigante e paradoxal postura diante
da vida e da arte. O que seria exatamente esse dândi e qual sua função mais significativa? Para
Baudelaire, a natureza estaria corrompida pela própria natureza [...]. Essa visão de natureza desde
sempre e necessariamente corrupta faz-se ainda mais nítida numa passagem do „Éloge du
maquillage‟, em L‟ art romantique, na qual Baudelaire sustenta que “la nature n‟ ensegner rien,
ou presque rien, C‟est elle contraint l‟homme à dormir, à boire, à manger, et à se garantir, tant
bien que mal, contre lês hostilités de l‟atmosphère. C‟est elle aussi qui pousse l‟ homme à tuer
son semblable, à Le manger, à Le sequestrer, à Le torture.” [...] o dandismo baudelaireano nada
mais é que uma manifestação do espírito, um processo da vida interior cujas raízes e implicações são
bem mais fundas do que se possa imaginar. [...] O artifício do dandismo corrigiria assim a imperfeição
natural, e esse é o desiderato único de toda a civilização. (Cf. BAUDELAIRE, Charles. As Flores do
Mal. Ed. 4. trad. Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. P. 55-56.).
23
Cf. BAUDELAIRE, Charles. Obras estéticas. Trad. Edilson Darci Heldt. Petrópolis: Vozes, 1993.
P.239.
superioridade aristocrática de seu espírito. [...]. Mas um Dândi nunca pode
24
ser um homem vulgar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dessa realidade foi, então, que surgiu Baudelaire, que procurou,
por meio da poesia, fazer a denuncia de todo aquele sistema subversivo. Marcada
pelo lirismo, a poesia baudelaireana versava então, sobre temas referentes aos
acontecimentos da época, tal como as barricadas, por exemplo.
A partir de ambos, tanto Benjamin, quanto Baudelaire procurou-se traçar
um roteiro capaz de desenhar, em miniaturas, o rosto da modernidade. Descobriu-se
que esse rosto é constituído de dois aspectos que se entrelaçam constituindo um
todo. Em benjamim, uma dessas faces diz respeito ao capital, que formou, então, o
espírito da modernidade, dada a reprodutibilidade técnica. Já em Baudelaire, a outra
face diz respeito ao progresso e a técnica. Capitalismo, técnica e progresso mantêm,
a partir, da modernidade uma relação dialética, no sentido de que um se tornou uma
condição necessária para o outro.
REFERÊNCIAS
BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Trad. Léa Novaes. Rio
de Janeiro: Nova fronteira, 1990.
BENJAMIN, Walter. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Trad. Maria Luz
Moita; Maria Amélia Cruz e Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’ Água Editores, 1992.
_________. Obras escolhidas II. Ed. 5. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho; José
Carlos Martins Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 1995.
_________. Obras estéticas. Trad. Edilson Darci Heldt. Petrópolis: Vozes, 1993.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-106X2005000100003&script=sci_arttext
Acesso em: 18-06-2010
KOTHE, Flávio (Org.). Walter Benjamin: Sociologia. Ed. 2. São Paulo: Ática, 1991.