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1 Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, com financiamento CAPES.
Mestre em Direito pela UFMG, tornou-se bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo.
2 IANNI, Octávio. Tendências do Pensamento Brasileiro. Tempo Social, São Paulo, v. 2, n. 12,
3 IANNI, Octávio. Tendências do Pensamento Brasileiro. Tempo Social, São Paulo, v. 2, n. 12,
p.55 , dez. 2000.
4 IANNI, Octávio. Tendências do Pensamento Brasileiro. Tempo Social, São Paulo, v. 2, n. 12,
Laura de Mello e Souza aponta para o fato de que Faoro, enviesado pela tarefa de
explicar um país cuja sociedade civil se via sufocada pela centralização estatal, explicou o
Brasil colonial por lentes desfocadas, dirigido por uma concepção de que, em todas os
contextos sócio-políticos, o Estado (perfeitamente transposto da metrópole Portuguesa)
teria antecedido a sociedade e os poderes locais.9
8 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. São Paulo: Biblioteca Azul, 2000, p. 633.
9 SOUZA, Laura de Mello e. O Sol e a Sombra: Política e Administração na América Portuguesa
do Século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 33.
10 IANNI, Octávio. Tendências do Pensamento Brasileiro. Tempo Social, São Paulo, v. 2, n. 12,
Para Faoro, no entanto, esse é o momento de um Estado absoluto: o rei pode tudo.
E se o “sol” do monarca pode tudo, o mesmo se poderá dizer de seus agentes, suas
sombras. Não haverá proteções, estatutos ou legislações a proteger os direitos individuais
e civis dos cidadãos contra o arbítrio e o despotismo dos funcionários que agem por
delegação da Coroa.15
Assim é que Raimundo Faoro dirá que a sociedade colonial brasileira era
efetivamente pré-capitalista, isto é, praticava um capitalismo comercial, ou, ainda, um
capitalismo politicamente orientado. Nesse tipo de prática pré-capitalista, as classes sociais
todas se subordinam ao mando do estamento. Essa posição subalterna caracteriza, de
modo geral, o período colonial e, dirá Faoro, se prolonga “até os dias mais recentes” 22.
Faoro aponta para o fato do atavismo dessa condição colonial: mesmo o Brasil
industrializado não consegue realizar a emancipação das classes sociais. A ascensão social,
para uma posição independente da mediação e clientela do Estado, sempre acaba
desorientada pela ação do estamento. A burguesia, os proprietários e comerciantes, os
industriais e empreendedores, buscam não a possessão de mais bens e de mais ferramentas
para produzir: buscam o afidalgamento. Em vez de buscarem a sua própria emancipação,
pretendem se camuflar mais, domínio político adentro.23
Do ponto de vista de sua interpretação geral do Brasil, Faoro aponta que esse pré-
capitalismo colonial nunca deixou a sociedade brasileira. A economia do país ainda
funcionaria a partir do patrimonialismo estatal, que incentiva apenas dois setores: a
especulação financeira e as atividades econômicas que florescem apenas sob a benção do
domínio político; de um lado, o lucro proveniente do jogo e da aventura e, de outro, a
auferição de riquezas por meio da relação de clientela com o poder político, “o, para
satisfazer imperativos ditados pelo quadro administrativo, com seu componente civil e
militar”25.
Isto, aliás, é tema de outro texto seu, intitulado “Existe um pensamento político
brasileiro?”. Nele, Faoro aduz que o pensamento liberal não teria, por diversas razões,
florescido adequadamente no Brasil. Ausente o pensamento político liberal, a expressar
certas aspirações dentro do contexto social e econômico do país, em especial no período
colonial, estagnou-se o movimento político. 27
Para Faoro, o pensamento político de matriz liberal seria uma etapa necessária para
a democratização do país. Sem que ele tenha ocorrido, também não foi possível ocorrer a
A ausência desse pensamento liberal teria ocorrido mesmo pela força da dominação
estamental e do capitalismo politicamente orientado. De uma primeira fase de
patrimonialismo pessoal, concentrado nas figuras dos agentes públicos que operavam por
delegação da coroa, desenvolve-se um patrimonialismo estatal que dá espaço, então, ao
capitalismo politicamente orientado. Ao contrário do feudalismo, esse capitalismo
politicamente orientado sobrevive ao capitalismo de feições industriais.
estruturas do Antigo Regime também foram questionadas com os trabalhos de Charles R. Boxer, A.J.
Russell-Wood, Francisco Bethencourt, Antonio Manuel Hespanha e outros. De um lado, Portugal passava
a não ser visto mais isoladamente e sim inserido em um complexo ultramarino, marcado por uma teia de
relações sociais que o dotavam de amplos tentáculos imperiais que precisavam ser harmonizados; do outro,
sua estrutura política absolutista foi relativizada, demonstrando a existência de um corpo administrativo
Em texto intitulado “Antigo regime nos trópicos? Um debate sobre o modelo
político do império colonial português”33, Hespanha recoloca a questão a partir de suas
pesquisas sobre a administração colonial exercida pelo Império Português, em especial
aquela exercida sobre o Brasil, embora o texto trate, também, de outras colônias que
fizeram parte daquele corpulento Império. Hespanha se contrapõe, em seu texto, à
narrativa de uma relação centralizadora da metrópole portuguesa na ação dirigida às suas
colônias. Para Hespanha, essa é uma narrativa e uma mitificação do real processo de relação
política entre Côrte e colonos, que, em parte, obteve aderência pelas vantagens políticas e
retóricas que oferece:
auxiliar e de um poder corporativo e polissinodal.” Cf. CAETANO, Antonio Filipe Pereira. O renascer de
um debate: administração, poder e política colonial. Topoi, São Paulo, v. 18, n. 10, p.77-79, dez. 2009.
33 HESPANHA, António Manuel. Antigo Regime nos Trópicos?: Um debate sobre o modelo
político do império colonial português. In: FRAGOSO, José; GOUVêA, Maria de Fátima. Na Trama
das Redes: política e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2010. p. 43-94.
34 HESPANHA, Antigo Regime nos Trópicos?... cit. p. 52.
35 HESPANHA, Antigo Regime nos Trópicos?... cit. p. 52.
espaços políticos bem definidos e bem delimitados, e na qual está pressuposto um
“processo de submissão e exploração”36.
Antes mesmo de tecer os motivos pelos quais não se convence da existência desse
projeto de dominação da metrópole portuguesa sobre seus territórios coloniais, Hespanha
propõe que seja devidamente caracterizado o Estado português constituído no início da
Época Moderna. Esse Estado gozou de uma estrutura que perdurou ao menos até meados
do século XVII. Nessa configuração, o Estado monárquico português não será descrito a
partir de categorias como Estado centralizado, Estado absoluto ou mesmo pela ideia de
Império.37 Hespanha propõe que se entenda a organização política portuguesa desse longo
período a partir da noção de monarquia corporativa.38
obedecer às normas religiosas, porque era o “vigário” (o substituto) de Deus na Terra. Tinha que obedecer
ao direito, porque este não era, como vimos, apenas o resultado da sua vontade. Tinha que obedecer a
normas morais, porque os poderes que lhe tinham sido conferidos o tinham sido para que ele realizasse o
bem comum. E, finalmente, tinha que se comportar com um pai dos seus súbditos, tratando-os com amor
e solicitude, como os pais tratam os filhos. E isto não era apenas poesia. Muitas entidades controlavam o
cumprimento destes deveres do ofício de reinar”. Cf. HESPANHA, António Manuel. As estruturas
políticas em Portugal na Época Moderna. 2001. Disponível em:
<https://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/amh_MA_3843.pdf>. Acesso em: 03 dez. 2018.
40 "Também o direito do rei (a lei) não era o único direito. Ao lado dela, vigorava o direito da Igreja
(direito canónico); o direito dos concelhos (usos e costumes locais, posturas das câmaras); ou os usos da
vida, longamente estabelecidos e sobre que houvesse consenso, que os juristas consideravam como de
obediência obrigatória, tanto ou mais do que a lei do rei.” Cf. HESPANHA, António Manuel. As
estruturas políticas em Portugal na Época Moderna. 2001. Disponível em:
<https://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/amh_MA_3843.pdf>. Acesso em: 03 dez. 2018.
41 ”A regra mais geral de conflitos no seio desta ordem jurídica pluralista não é, assim, uma regra
formal e sistemática que hierarquize as diversas fontes do direito, mas antes o arbítrio do juiz na apreciação
dos casos concretos ("arbitrium iudex relinquitur quod in iure definitum non est", fica ao arbítrio do juiz
Para além desses dois fatores, a monarquia corporativa, enquanto forma política
limitadora do poder real, contava com a existência de obrigações morais e afetivas, que
efetivamente tolhiam os poderes do rei. Por fim, Hespanha estatui que os oficias régios
eram detentores de jurisdictio, atribuição que protegia o exercício de suas funções até mesmo
contra ordens reais.42
O primeiro traço que corrobora essa limitação do poder real de mando sobre as
colônias seria a própria ausência de um status jurídico que unificasse as populações
coloniais. Os povos que viviam nos territórios do império gozavam de diversos estatutos
pessoais, o que formava uma rede plural de vínculos jurídicos e políticos; isto, por sua vez,
atrapalhava a eventual ação da coroa e de seus representantes locais para submeter a
sociedade colonial: não havia regras uniformes para fazê-los.
aquilo que não está definido pelo direito)” - Cf. HESPANHA, António Manuel. Direito Comum e Direito
Colonial. Panóptica, Vitória, v. 3, n. 1, p.95-116, dez. 2006.
42 HESPANHA, Antigo Regime nos Trópicos?... cit. p. 46.
43 HESPANHA, Antigo Regime nos Trópicos?... cit. p. 73.
44 HESPANHA, Antigo Regime nos Trópicos?... cit. p. 57.
diferentes graus e tópicos, tornada ainda mais confusa pela prática difusa e
constante do casuísmo, uma característica típica do processo de decisão dos
tribunais de Antigo Regime também nas colônias.49 Longe de um cristalino
império da lei, o que podemos extrair das fontes é uma humilde e confusa colcha
de retalhos de situações jurídicas e soluções jurídicas ad hoc, que a historiografia
tradicional muitas vezes descreve como abuso, ignorância jurídica e confusão,
assim replicando a mesma crítica formulada contra o direito dos rústicos (ius
rusticorum).45
Hespanha destaca também, no quadro que monta para demonstrar seu argumento,
o papel dos tribunais superiores ultramarinos, que tinham prerrogativa até mesmo de tolher
o poder central; detinham, de modo geral, “prerrogativas similares àquelas usufruídas pelos
tribunais supremos da metrópole”51. A acompanhar esse quadro de diferenciação
periférica, anote-se que os ofícios de justiça (notários, escrivães, dentre outros) estavam, a
partir do início do século XVIII, disponíveis para compra pelas elites brasílicas. Isso daria
uma clareza da autonomia com que os “súditos” estariam a praticar o autogoverno, vez
que, sob os cuidados destes ofícios, estariam documentos como os regimentos régios de
doação, as concessões de sesmarias, constituições de morgados, dentre outros afeitos à
distribuição de terras ultramarinas52. A finalizar esse quadro de diferenciação política
periférica, Hespanha põe relevo nas câmaras municipais, que desempenhavam quase o
mesmo papel que as câmaras localizadas no território português.53
Considerações Finais
Como se vê, são muitas as diferenças entre a caracterização feita por António
Manuel Hespanha e aquela elaborada por Faoro; a começar pela própria contextualização
do Estado Português que, para Faoro, era do tipo absolutista e centralizador. Hespanha,
estudioso do Estado Monárquico Português, há muito tem tentado desfazer a imagem de
monarquia centralizadora no período do Antigo Regime luso, representando-a como uma
monarquia de tipo corporativo, em que o poder real é profundamente diluído pelo
pluralismo jurídico e político.
REFERÊNCIAS