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Contencioso Administrativo 2010 – 2011 1

Apontamentos

Capítulo I
O Contencioso Administrativo no Divã da História

1. Psicopatologia da vida quotidiana do Processo Administrativo. Da “infância difícil” do


Contencioso Administrativo aos modernos “traumas do Processo Administrativo
Os acontecimentos históricos que rodearam o surgimento e desenvolvimento do
Direito Administrativo permitem explicar muitos dos problemas com que ele actualmente
se defronta.
Ao olhar para a história do Direito Administrativo avultam desde logo, 2 principais
“experiencias traumáticas”:
i. A da sua ligação originária a um modelo de Contencioso dependente da
Administração
Este acontecimento decorre do surgimento do Contencioso
Administrativo, na Rev. Francesa, concebido como “privilégio de foro” da
Administração, destinado a garantir a defesa dos poderes públicos e não a
assegurar a protecção dos direitos dos particulares.
O princípio da separação de poderes, como foi concebido, levou à
criação de um “juiz doméstico”  atribuí-se aos órgãos da Administração
a tarefa de se julgarem a si próprios  consequência: o que se instaurou
foi um sistema assente na promiscuidade entre o poder administrativo e o
poder judicial.

ii. A das circunstâncias que estão na base da afirmação da sua própria


autonomia enquanto ramo de direito
Este acontecimento prende-se com as circunstâncias em que foi
afirmada a autonomia do Direito Administrativo.
Verifica-se aqui uma preocupação com a garantia da
Administração do que com a protecção dos particulares.
A “primeira sentença” do Direito Administrativo, consagrando a
autonomia enquanto ramo da ciência jurídica, data de 1873, foi proferida
pelo Tribunal de Conflitos francês.

 A afirmação da autonomia do Direito Administrativo


surge para justificar a necessidade de limitar a
responsabilidade da Administração perante uma criança
de 5 anos atropelada por um vagão de um serviço
público.

O Direito Administrativo é, na sua origem, um direito de criação jurisprudencial,


elaborado pelo Contencioso Administrativo. Contencioso este, surgido na Rev Francesa, e
marcado por uma espécie de “pecado original” de ligação da Administração à Justiça.
É possível distinguir 3 fases principais na evolução do Contencioso Administrativo
(3 fases que também podem ser associadas a 3 momentos distintos da evolução do
Estado):
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1) Fase do “pecado original”


Corresponde ao período do seu nascimento e que vai
apresentando distintas configurações até chegar ao sistema da “justiça
delegada”.

2) Fase do “baptismo” ou da plena jurisdicionalização do Contencioso


Administrativo
Prenunciada na transição dos séculos XIX para o XX, e cujo apogeu
vai ficar associado ao modelo de Estado Social.

3) Fase do “crisma” ou da “confirmação”


Fase caracterizada pela reafirmação da natureza jurisdicional do
Contencioso Administrativo, mas acompanhada agora pela acentuação da
respectiva dimensão subjectiva (destinada à protecção plena e efectiva
dos direitos dos particulares), que corresponde à actual situação da
Justiça Administrativa.
Pode ser dividida em 2 períodos:
i. O da Constitucionalização
Em que se generaliza a elevação a nível constitucional,
seja por acção do legislador constituinte, seja pela acção
da jurisprudência (nomeadamente constitucional)
ii. O da Europeização
Que decorre do surgimento de um Direito Europeu do
Contencioso Administrativo que, para além da sua
importância e eficácia próprias, se tem vindo a reflectir
também na aproximação da Justiça Administrativa dos
países membros, no sentido de aperfeiçoamento dos
meios processuais.

2. A fase do “pecado original” do Contencioso Administrativo. O Estado Liberal e o sistema


do administrador-juiz
O “pecado original” do Contencioso Administrativo, instituído com a Rev Francesa,
é o da promiscuidade entre as tarefas de administrar e de julgar, uma vez que a justiça
nasceu dentro da Administração.
Os tribunais judiciais estavam proibidos de interferir na esfera da Administração 
a justificar esta proibição, os revolucionários franceses invocavam o princípio da separação
de poderes, mas fazendo dele uma interpretação distorcida.

O resultado desta situação é paradoxal: em nome da separação de poderes entre a


Administração e o Justiça, o que verdadeiramente se realiza é a indiferenciação entre as
funções de administrar e de julgar  assim, o princípio da separação de poderes, fonte da
criação da justiça administrativa, nunca existiu enquanto tal.
O “pecado original” do Contencioso Administrativo foi a criação de um juiz
“doméstico” ou “de trazer por casa”.
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Para se perceber o que se passou na Rev. Francesa é necessário olhar para o


período do Antigo Regime. Há quatro realidades teórico-culturais que ajudam a explicar a
razão de ser da criação do “contencioso doméstico” para a Administração, com a Rev.
Francesa, que são:
i. A concepção do Estado e da separação de poderes
Na lógica da Rev. Francesa, o que está em causa é a criação de um
novo modelo de Estado e a separação de poderes é vista como um seu
elemento essencial.
Em França (e nos demais países continentais), aquilo que vai estar por
detrás de cada um dos poderes é a ideia de Estado. Um Estado “todo-
poderoso” que se “esconde” por detrás da Administração e vai obrigar à
criação de um contencioso “especial”, pois é “inconcebível” o seu
julgamento por um qualquer juiz.
A “lógica continental” deriva do conceito de Estado, «pensado por
Maquiavel, (…) [para] resolver o problema político da dispersão do poder,
típica da Idade Média, através da criação de uma entidade que
concentrava e unificava em si todos os poderes da sociedade, e que
encarnava na pessoa do príncipe». E que apresenta dois momentos
distintos:
1º. Máxima concentração e unificação do poder, que
corresponde à teorização do Estado ditatorial
2º. O Estado já se sente suficientemente “forte” para ir à
procura do Homem, para estabelecer uma organização
política que seja o garante da liberdade e dos direitos
individuais dos cidadãos, mediante o expediente técnico da
separação de poderes, que corresponde à teorização
liberal

O Estado Liberal surge como o resultado da conjugação


destes dois momentos da história do Estado.

Na verdade, o AR conhecia um Direito Administrativo, onde noções


como as de formas de exercícios do poder e de serviço público já tinham o seu
lugar. Daí que a Rev., se destrui tudo, começou também a tudo reconstruir,
estabelecendo novas estruturas administrativas, afirmando o reino da lei,
confirmando através de textos a separação das funções judiciárias das
administrativas e a interdição aos juízes de perturbar a Administração.
Foi Montesquieu quem integra e enquadra a separação de poderes no
âmbito estadual, considerando que “existem em qualquer Estado 3 espécies
de poderes: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que depende do
direito público e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil”.

ii. A reacção contra a actuação dos tribunais no AR


A criação de um contencioso especial para a Administração constitui
também uma reacção dos revolucionários franceses contra a actuação dos
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tribunais (“parlamentos”) na fase terminal do AR, [os quais] tiveram um


importante papel na luta contra a concentração do poder real.
O receio dos revolucionários franceses de que os tribunais pudessem
colocar entraves à actuação da Administração, que se encontrava agora “em
boas mãos”, encontrou clara explicitação no preâmbulo da legislação de
“separação de poderes” de 1789.
As razões do sentimento geral de desconfiança em relação ao poder
judicial eram, portanto, de natureza política e prendiam-se com o receio de
que ele pudesse perturbar a nobre missão, que cabia agora à Administração
Pública de apagar as distinções de classes, de costumes, e quase de
nacionalidades, que o poder real não tinha podido fazer desaparecer.

iii. A influência do modelo do Conselho do Rei


Quer a proibição aos tribunais comuns do julgamento de litígios
administrativos, quer a criação de órgãos administrativos especiais destinados
à realização dessa tarefa, já vinham dos tempos do AR.
O Contencioso Administrativo, muito mais do que uma invenção
liberal, determinada pelo princípio da separação de poderes, é uma herança
do AR. Desta forma, o Conselho de Estado instituído pelo liberalismo era o
imediato descendente do Conselho do Rei do AR, sendo mesmo similares as
razões que levaram ao seu aparecimento em cada uma dessas épocas. Pois, tal
como na sociedade do AR, a desconfiança em relação aos parlamentos levara à
criação do Conselho do Rei, também na França pós-revolucionária, o receio de
que os tribunais judiciais seguissem os exemplos dos parlamentos do AR, levou
à criação do Conselho de Estado como juiz privativo da Administração.

iv. A continuidade no funcionamento das instituições antes e depois da


revolução
Verifica-se no contencioso administrativo francês uma continuidade de
técnicas e instrumentos jurídicos de controlo da Administração, antes e depois
da Revolução.
No Contencioso Administrativo misturam-se velhas receitas
monárquicas com novos princípios e ideias liberais, não existindo neste
domínio ruptura, mas continuidade entre as instituições do Estado Absoluto e
do Estado Liberal.

O período do administrador-juiz vai durar muito tempo e assumir diferentes


configurações, que podem ser reconduzidas a 3 momentos principais da sua evolução:
a) 1789 a 1799 – o julgamento dos litígios é remetido para os próprios órgãos
da Administração activa, gerando-se a total confusão entre a função de
administrar e a função de julgar  dando origem a uma situação de
verdadeira isenção judicial da Administração
b) 1799 a 1872 – período denominado de sistema da justiça reservada. Era,
então, criado o Conselho de Estado (órgão da Administração consultiva
que, para além da missão de aconselhamento, ficava também incumbido
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da resolução dos litígios administrativos, mediante a emissão de


pareceres, sujeitos a homologação do Chefe de Estado). Surgiu, assim, um
corpo meio-administrativo, meio-judiciário, ao qual era atribuída também
a função de julgamento da Administração e que vai, progressivamente,
adquirindo uma maior autonomia no desempenho dessa tarefa.

c) 1872 em diante (…) – período conhecido pelo sistema da “justiça


delegada”, em que as decisões do Conselho de Estado se tornam
definitivas, por “delegação de poderes” do executivo, deixando de ser
meros pareceres sujeitos a homologação. Este período representa o
culminar do sistema do administrador-juiz, numa espécie de evolução de
continuidade do sistema da justiça reservada. Lei de 24 de Maio de 1872
 é permitido à justiça administrativa decidir soberanamente “em nome
do povo francês”, ou seja, encontra-se juridicamente delegada.

A passagem da “justiça reservada” para a “justiça delegada” representou uma


alteração importante do contencioso administrativo, na medida em que implicou uma
maior autonomia para o órgão fiscalizador, contudo continuou a vigorar o modelo do
administrador-juiz. Isto por 3 razões:
1) A justificação dos poderes decisórios do Conselho de Estado em matéria
de controlo da Administração é feita com base na “delegação de
competências”, e não na atribuição de “poderes próprios” de julgamento.
A delegação de poderes é um instituto típico da função administrativo,
pelo que a delegação de poderes decisórios de julgamento no Conselho
de Estado não significa a sua transformação em tribunal, nem sequer
implica uma transferência originária de competência, enquanto órgão
administrativo.

2) O Conselho de Estado continua a ter estatuto jurídico de órgão da


Administração, que desempenha simultaneamente funções de natureza
consultiva e de julgamento, e passa a desempenhar a tarefa fiscalizadora
com um maior grau de autonomia. Daí a não institucionalização de um
qualquer desdobramento funcional do Conselho de Estado, assim como a
ausência de reconhecimento aos seus titulares das garantias jurisdicionais
de independência e de inamovibilidade, próprias dos juízes.

3) As decisões do Conselho de Estado vão continuar a ser consideradas como


recursos de apelação das decisões dos ministros, de acordo com a lógica
do sistema do ministro-juiz. Assim, o particular lesado impugnava,
primeiro, a decisão administrativa e, só depois é que poderia recorrer
dessa decisão para a “segunda instância”, que era o Conselho de Estado
 mostra o aspecto sintomático da confusão entre a administração e
justiça, ao considerar o ministro como juiz de 1ª instância e o órgão
consultivo como tribunal de recurso.
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A justiça delegada era um sistema meio-administrativo, porque simultaneamente


ainda ligado à Administração, enquanto manifestação derradeira do sistema do
administrador-juiz, e dela autonomizado, em virtude da delegação do poder de julgar.
Neste sistema de justiça delegada, os meios contenciosos vão ser concebidos à
imagem e semelhança das garantias administrativas, pelo que o controlo jurisdicional vai
ser visto como a continuidade da actividade administrativa e realizar-se através de
recursos hierárquico jurisdicionalizado  isto explica que o principal meio processual do
contencioso administrativo tenha sido denominado de recurso (entre nos: recurso directo
de anulação).
Sistema da justiça delegada como:
 Sistema liberal – que era, procura atribuir a protecção dos direitos dos
particulares a uma entidade independente, deixando à iniciativa destes o
controlo da actividade administrativa
 Sistema administrativo – que era, configurando a Administração como
uma modalidade do poder do Estado, é levado a atribuir à Administração
uma posição especial no processo, ao mesmo tempo que limita os
poderes do juiz à anulação do acto.

Poder-se-ia dizer que o sistema de contencioso administrativo francês


tem uma “costela” liberal e uma “costela” autoritária, que decorrem do
entendimento do Estado saído da revolução.

A justiça delegada vai surgir em simultâneo com numerosas outras construções


doutrinárias e que se vão transformar em instituições e institutos do “modelo jurídico” do
Estado Liberal. Realidades estas que, mais tarde, ao serem repensadas e teorizadas vão
cristalizar nas grandes construções doutrinárias clássicas, de matriz positivista. Entre estas
realidades novas e que correspondem à matriz jurídico-política caracterizadora do Estado
Liberal, podem ser destacadas:
‒ A lógica da separação entre sociedade e Estado, em que a lei geral e
abstracta funcionava como elo de ligação, que definia os limites dos
direitos individuais em razão do interesse geral e, simultaneamente,
balizava a actuação da Administração Pública. Era a lei, tendo por
conteúdo exclusivamente a matéria dos direitos individuais, que
estabelecia um espaço de reserva, vedado à actuação da Administração
(princípio da reserva de lei), e que manifestava uma vontade estadual que
prevalecia sobre a vontade dos órgãos administrativos (princípio da
preferência de lei).

‒ A crença no valor da lei conduziu a uma desvalorização da figura dos


direitos subjectivos pela dogmática jurídico-administrativa do Estado de
direito. Única excepção a esta tendência de desvalorização era a que
respeitava aos DF. Verdadeiro dogma do liberalismo, os DF eram
praticamente a única modalidade de direitos subjectivos públicos
admitida. Os Direitos do Homem e do Cidadão eram objecto de
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enumeração e consagração constitucional, mas eram totalmente


esquecidos quando estava em causa a actuação da Administração pública.

Consequência: o particular não era visto como um sujeito


jurídico, titular de direitos e submetido a deveres, mas era antes
considerado como um mero “objecto” do poder público.

‒ A adopção de um modelo de organização administrativa concentrado e


centralizado. Na verdade, o Estado Liberal vai herdar do Estado Absoluto a
organização centralizada do poder. Com este modelo, a Administração
adquiria uma estrutura unificada e hierarquizada, em que as competências
dos diversos órgãos se encontravam escalonadas e encadeadas à
semelhança de uma pirâmide.

‒ A concepção de uma Administração como agressiva das posições dos


privados. O que, por paradoxal que pareça, era um corolário lógico da
ideia liberal de que a actividade administrativa deveria ser reduzida ao
mínimo, cabendo-lhe fundamentalmente garantir a segurança dos
particulares (tanto a nível interno como externo). Assim, o modelo da
Administração-poder, investida de imperium, aplicadora e executora da lei
através de actos típicos e unilaterais, susceptíveis de execução forçosa. Em
suma, trata-se da Administração-intervenção.

‒ A noção autoritária de acto administrativo, elaborado à imagem e


semelhança do acto de polícia. O acto administrativo vai procurar conciliar
uma vertente autoritária, de exercício de um poder do Estado, com uma
vertente e garantia dos cidadãos, decorrente do princípio da legalidade,
reproduzindo assim, a este nível, aquele compromisso que estava
subjacente ao conceito liberal de Estado  dupla função do conceito de
acto administrativo: enquanto acto de autoridade e instrumento de
garantia dos cidadãos.

Figura central do Direito Administrativo  acto administrativo:

 Começou por ser uma noção elaborada ao nível do contencioso,


destinada a delimitar o âmbito da função administrativa.
 Acto e contencioso administrativo encontram-se intimamente
ligados
 Principal função prática do conceito (ainda hoje) = é a de delimitar
os comportamentos da Administração que são susceptíveis de
recurso contencioso para fins de garantia dos particulares.
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Consequência: o acto administrativo é uma criação finalística da


ciência do Direito Administrativo, que tem por finalidade garantir
uma protecção jurídica eficaz do cidadão contra o poder público.

A passagem do Estado Liberal para o Estado Social teve como consequência a


necessidade de mudança de paradigma da ciência do Direito Administrativo. A mudança de
modelo de Estado representou o fim da “idade de ouro” do conceito clássico de acto
administrativo.
Contudo, mesmo tendo desaparecido o modelo liberal de Estado, desmoronado o
sistema jurídico em que assentava, perdido o seu paradigma teórico, o conceito autoritário
de acto administrativo vai ainda sobreviver durante algum tempo, num ambiente
completamente diferente.

Tal “sobrevivência” do acto administrativo verificou-se, em Portugal, em que a


concepção clássica, de matriz positivista e, em particular, a noção de acto definitivo e
executório, adoptada e teorizada por Marcello Caetano, no quadro de um regime político
autoritário, foi consagrada pela legislação administrativa e do contencioso administrativo,
tendo resistido mesmo para além da vigência da Constituição de 1976.
‒ Por um lado, não é difícil compreender que no quadro da Constituição de
’33, uma tal concepção autoritária tenha sobrevivido no Direito
Administrativo português e, em particular, na legislação sobre o
contencioso administrativo.

‒ Mas, por outro lado, no âmbito da vigência da Constituição de ’76, já se


torna mais difícil de encontrar uma explicação lógica para que a noção de
acto definitivo e executório só em ’89 seja afastada do texto constitucional
e, somente em 2004, com a entrada em vigor da reforma do Contencioso
Administrativo, seja retirada da legislação processual.

Síntese (parcial):
 O acto administrativo (agressivo ou “de polícia”)
 A organização administrativa concentrada e centralizada
 O contencioso administrativo semi-autónomo (“meio” administrativo e
“meio” jurisdicional)

Constituem instituições jurídico-administrativas típicas do Estado liberal.


Elas integram o modelo de Estado típico do liberalismo político,
concretizado em todos os países que adoptaram o sistema administrativo de
tipo francês, ou de administração executiva.

Se a noção de acto administrativo emergiu da jurisprudência, e foi por ela


conformada, da mesma forma a teoria do Contencioso Administrativo vai ser influenciada
pela doutrina do acto.
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Daí que a teoria clássica do Contencioso Administrativo se preocupa com a


anulação do acto administrativo, e que o principal meio processual – o recurso de anulação
– vá ser concebido como um processo feito a um acto. Neste modelo de contencioso tudo
vai gravitar em torno do acto administrativo; ele é simultaneamente pressuposto, objecto,
“parte” única, meio de prova, medida de sentença.
O sistema francês de Justiça Administrativa vai “ditar a moda” de uma certa forma
liberal de organização política.
Em traços sumaríssimos, vejamos como se realizou a importação desse modelo de
contencioso de “tipo francês” em Portugal:
‒ A introdução do modelo francês de justiça administrativa verificou-se
em 1832, através da célebre legislação de Mouzinho da Silveira

Proibia os tribunais comuns de julgarem a


Administração e que instituía os Conselhos de Perfeitura e o
Conselho de Estado.

‒ Depois, entre 1832 e 1933, verifica-se um período de “instabilidade”


quanto ao modelo de controlo jurisdicional da Administração,
verificando-se:
 Uma oscilação entre a atribuição da resolução dos litígios a
órgãos administrativos especiais ou a tribunais comuns
 Cíclica hesitação entre o sistema dos tribunais administrativos e
o sistema dos tribunais judiciais como modelo ideal

‒ Mais tarde, no âmbito da Constituição de ’33 (ou melhor de ’33 a ‘76),


mantém-se a lógica da “justiça delegada”, pois, não obstante a
denominação das entidades (STA e Auditorias Administrativas), os
tribunais administrativos são configurados como órgãos da
Administração, embora no exercício da função jurisdicional. Isto por 3
razões:
a) Os tribunais administrativos integravam-se na Administração
pública, mais exactamente, faziam parte da estrutura orgânica
da Presidência do Conselho de Ministros, não perdendo a
ligação umbilical à Administração, típica do sistema de
administrador-juiz

b) Os juízes dos tribunais administrativos dependiam


funcionalmente do Governo, tanto em matéria de exercício do
poder disciplinar como de progressão na carreira

c) A inexistência de mecanismos jurisdicionalizados de execução de


sentenças, que fazia com que o cumprimento das decisões dos
tribunais fosse considerado como uma “graça” da
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Administração, depende da sua exclusiva vontade, sem que


houvesse possibilidade de lhe impor tal comportamento.

3. A fase do “baptismo” do Contencioso Administrativo. O “milagre” da jurisdicionalização


do Contencioso Administrativo e o advento do Estado Social
A 2ª fase da evolução do Contencioso Administrativo foi concebida,
originariamente, como forma de “introspecção administrativa”  a Justiça Administrativa
vai-se libertando da ligação que mantinha com a Administração e adquirindo a natureza de
uma jurisdição autónoma.
A longa marcha no sentido da plena jurisdicionalização do Contencioso
Administrativo vai acompanhar historicamente a instauração do Estado Liberal para o
Social e consolidado com a efectivação do Estado Providência.
Tão importante foi esta transformação que, em França, chega mesmo a falar-se do
“milagre” da criação do Direito Administrativo.

Opinião do Prof. VPS = estamos perante não um, mas dois milagres:
1. O “milagre” não está tanto no facto de o Estado se ter de submeter ao
direito, mas sim no facto de uma instituição, que nasceu com o
objectivo de proteger a Administração do controlo dos tribunais, se ter
transformado num verdadeiro tribunal através da sua actuação, e de
ter dado simultaneamente origem ao Direito Administrativo, cujo fim
não é a defesa do Administração mas a garantia dos direitos dos
particulares.
+
2. Transformação, lenta e progressiva, de normas e instituições surgidas
para proteger a Administração em instrumentos de garantia dos
particulares perante o poder administrativo  transformação de um
“quase-tribunal” num verdadeiro tribunal

Em França, é graças ao prestígio alcançado pela actuação do Conselho


de Estado que o Contencioso Administrativo se vai progressivamente
autonomizando do poder administrativo.

Momento decisivo desta transição = passagem do sistema de justiça


reservada para o sistema do administrador-juiz, mediante a Lei de 24
de Maio de 1872.

A progressiva autonomização da jurisdição administrativa relativamente à


Administração vai tendo, progressivamente lugar, desde os finais do século XIX e ao longo
do século XX até chegar aos nossos dias, em resultado da actuação dos tribunais
administrativos e acompanhada por sucessivas reformas legislativas.
A superação dos traumas de infância do contencioso administrativo, nos demais
países europeus, foi, em regra, mais fácil do que em França que, por ter sido a matriz do
sistema, foi onde esses mesmos traumas mais se enquistaram, ao nível do inconsciente
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colectivo da dogmática e da jurisprudência administrativas. Senão, veja-se, em traços


muito largos:
‒ Em Portugal, a evolução é muito mais tardia do que nos restantes países
da mesma família, pelo que se pode afirmar que, entre nós, o “baptismo”
é simultâneo da “confirmação”. Isto porque a plena jurisdicionalização
dos tribunais dos tribunais administrativos só surge com a Constituição de
’76 e ela é realizada em simultâneo com o reconhecimento de direitos dos
particulares feitos valer no Contencioso Administrativo (art.º 268º CRP),
como é típico da fase da confirmação.

Esta fase vai, em regra, acompanhar historicamente o surgimento e a implantação


do Estado Social, integrando-se no modelo de mudanças jurídicas introduzidas por essa
nova forma estadual. Pois, a superação dos traumas de infância do Contencioso
Administrativo resulta do aprofundamento da noção de Estado de Direito, que vem
associada ao Estado Social, e que vai obrigar a que os litígios entre a Administração e os
particulares sejam julgados por verdadeiros tribunais.

Tendo em conta a instauração e o desenvolvimento do Estado Social, pode-se


afirmar que existe uma aproximação entre os sistemas administrativos britânico e
continental, mesmo se com percursos e institutos distintos.
Em particular, no que respeita ao Contencioso Administrativo, esta aproximação
não se fez sem alguns desencontros:
‒ Por um lado, nos sistemas de tipo francês, verificou-se o “baptismo” do
Contencioso Administrativo, com a transformação de órgãos
administrativos especiais em verdadeiros tribunais
‒ Por outro lado, no sistema britânico, em que o “pecado original” não tinha
existido, ao lado do controlo pelos tribunais administrativos surgiram,
agora, entidades administrativas especiais, encarregadas de fiscalizar a
Administração, ainda que a “última palavra” continue a caber aos tribunais.

Isto significa, que agora, em ambos os sistemas, são tribunais (autónomos e


independentes) a controlar a Administração:
 Tribunais especiais, que dão origem a uma jurisdição autónoma, no
sistema francês
 Tribunais comuns, no sistema britânico

Referências às transformações jurídicas trazidas pelo Estado Social:


‒ Principal mudança  tem a ver com o novo papel desempenhado pelos
poderes públicos na vida da sociedade e ao aumento quantitativo e
qualitativo das funções que eles são chamados a desempenhar

Consequência: Assim, assistiu-se a uma dupla dimensão do crescimento


das funções estaduais, que se verifica também ao nível das funções
tradicionais, mas que é, sobretudo, importante no que respeita ao
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surgimento de novas tarefas públicas nos domínios económicos e


sociais.

Todas estas funções cabem à Administração, que deixa de ser concebida


como meramente agressiva dos direitos dos particulares, como tinha
sido no modelo de Estado Liberal, para passar a ser prestadora de bens
e serviços, num Estado Social que pode ser caracterizado como “Estado
de Administração”.

Algumas das principais características jurídicas do Estado Social:


‒ A natureza prestadora da Administração e o estabelecimento de
relações jurídicas duradouras entre os particulares e as autoridades
públicas
No Estado Social, as novas tarefas nos domínios económico e
social são realizadas pela Administração  adquirindo uma dimensão
prestadora de bens e serviços relativamente aos particulares.

Surge, então, um novo modelo que se pode caracterizar pela


bilateralidade das relações de prestação e pela dependência dos
indivíduos relativamente à Administração Prestadora. Assim, com o
Estado Social, o relacionamento entre a Administração e o particular
deixa de ser exclusivamente episódico e conflitual, para se tornar
permanente e de colaboração.

‒ O reconhecimento de posições subjectivas de vantagem aos


particulares nas relações administrativas
A nova lógica de entendimento da posição recíproca dos
particulares e das entidades públicas, no quadro de relações jurídicas,
frequentemente duradouras, obriga à consideração dos privados como
sujeitos de direito, titulares de posições jurídicas de vantagem perante a
Administração, uma vez que sem direitos próprios, o indivíduo seria um
mero súbdito e objecto da actividade estadual.
No Estado Social, para além dos DF e dos direitos das relações
jurídico-privadas, vai assistir-se à generalização do tratamento dos
particulares como sujeitos de direitos, a que são reconhecidas posições
substantivas de vantagem também nas suas relações com a
Administração.

‒ A nova concepção do princípio da legalidade e o entendimento do


poder discricionário como modo de realização do direito
No Estado Social o princípio da legalidade:
 Deixa de ter uma dimensão meramente negativa,
enquanto simples limite destinado a impedir a
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Administração de agredir a esfera privada dos


particulares (como no período do Estado Liberal),
 Passa a ter uma dimensão positiva, constituindo o
fundamento, o critério e o limite de toda a actuação
administrativa.

Com a passagem do Estado Liberal ao Social, a administração


pública deixa de ser concebida como meramente executiva, para
se tornar cada vez mais numa actividade prestadora e
constitutiva:

Estas mudanças no entendimento quer do princípio da


legalidade quer do papel da Administração vão ter como consequência
 reconciliação do poder discricionário com o direito

Consequência  A discricionariedade:
 Já não é vista como uma excepção à lei, uma realidade
marginal que deveria ser a todo o custo limitada, e se
possível eliminada,
 Mas sim como um instrumento normal e adequado de
realização do direito pela Administração Pública no
desempenho da sua tarefa de prossecução dos fins
estaduais

A Administração está, hoje em dia, sujeita:


 Vinculações resultantes de uma concreta lei
 Vinculações resultantes dos princípios constitucionais
o Princípio do respeito pelos direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos (art.º 266º,
n.º1 CRP)
o Princípio da igualdade, da proporcionalidade, da
justiça e da imparcialidade (art.º 266º, n.º2 CRP)

‒ Uma organização administrativa multifacetada e descentrada


A Administração unificada e hierarquizada do Estado Liberal deu
lugar à Administração descentralizada e desconcentrada do Estado
social.

 Da Administração como bloco unitário passou-se a uma


pluralidade de administrações
Tão relevante é este fenómeno que, desaparecia a
identidade entre a Administração e o Estado, e perante o
multiplicar de entidades públicas, parece já não fazer
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 14
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sentido falar em Administração no singular, só se devendo


utilizar tal expressão no plural.

 A organização administrativa do Estado Social também já


não apresenta as características de hierarquização e de
concentração de poderes, típicas do modelo anterior
A necessidade de prosseguir fins estaduais muito
díspares vai implicar a
‒ Necessidade de proceder à repartição de
competências decisórias entre os
diferentes órgãos administrativos
‒ Distribuição de poderes por entidades
distintas
‒ Abandono de estruturas hierárquicas
muito rígidas

Consequência: a Administração Pública deixou de


ter o seu “centro” no Governo

‒ A multiplicidade de formas de actuação e seu uso cada vez mais


crescente por parte da Administração
Em vez da intervenção esporádica e intermitente, característica
da uma Administração agressiva, assiste-se hoje à regularidade,
frequência e ao carácter duradouro do agir da Administração
prestadora.

Desta forma, o acto administrativo perdeu a sua posição de


“protagonista principal” para passar a ter de “contracenar” com outras
formas de actuação, cada vez mais frequentes e diversificadas.

‒ A transformação do acto administrativo, que deixa de ser meramente


agressivo, como na lógica da Administração agressiva, para passar a ser
predominantemente favorável ou constitutivo de direitos, como é
característico de uma Administração prestadora
O acto administrativo deixou de ser visto apenas como uma
agressão da esfera individual, para passar a ser igualmente um
instrumento de satisfação de interesses individuais.
Os problemas jurídicos novos colocados pelos actos da
Administração Prestadora dizem respeito:
 Já não à garantia do domínio individual através da não
intervenção administrativa
 Mas antes, à protecção dessa esfera individual por
intermédio da actuação das autoridades
administrativas, mediante o reconhecimento e
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 15
Apontamentos

atribuições de direitos ou pela satisfação de interesses


privados.

Em resultado de todas estas transformações ao nível das formas


de actuação da Administração Pública, o acto administrativo perdeu a
sua posição de quase exclusividade, ou de monopólio, no âmbito das
relações administrativas.

Todas estas transformações trouxeram consigo a crise da dogmática do Direito


Administrativo, pensada para a Administração Agressiva do Estado Liberal, e conduziram à
necessidade de procurar um Direito Administrativo adequado às novas exigências da
Administração Prestadora do Estado Social.

A reconstrução da dogmática, em termos adequados ao Estado Social, vai passar


pela busca de um novo centro para o Direito Administrativo. E aqui surgem 2 orientações
distintas (ainda que com pressupostos e finalidades comuns):
‒ A de considerar que se algum conceito, ou algum instituto, merece ocupar
o lugar dominante e também central do Direito Administrativo, ele é a
relação jurídica
Já que a RJ permite compreender todo o universo do
relacionamento entre a Administração e os particulares.
Tal é a posição actualmente maioritária na doutrina alemã

‒ A de entender que o tema central do Direito Administrativo é o problema


do procedimento
Daí a necessidade de deslocação do centro de gravidade da
actividade administrativa: do acto administrativo para o próprio iter
(caminho) de formação da decisão.
Posição da doutrina italiana – para esta corrente, o procedimento
deve ser visto como a nova realidade central do Direito Administrativo,
pois é ele que determina o actuar administrativo anterior e posterior à
decisão final.

Surgem assim duas correntes doutrinárias segundo as quais a RJ (doutrina


alemã) ou o procedimento administrativo (doutrina italiana) constituem
novos conceitos centrais do Direito Administrativo da actualidade,
ocupando a posição antes detida pelo acto administrativo.

Trata-se de duas vias alternativas de orientação dogmática administrativa


e que correspondem à opção por uma:
 Perspectiva subjectivista de entendimento do Direito
Administrativo – orientação alemã
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 16
Apontamentos

Assente na defesa e no alargamento dos direitos


subjectivos dos particulares como fundamento de um
relacionamento jurídico entre a Administração e o privado.

 Perspectiva objectivista do Direito Administrativo –
orientação italiana
Perspectiva mais preocupada com a forma óptima de
realização do interesse público através da participação dos
particulares.

Posição do Prof. VPS


‒ A alternativa dogmática que faz da RJ o novo centro do Direito
Administrativo é a solução teoricamente mais adequada à compreensão da
actual constelação de interesses em jogo, como também encontra
correspondência no ordenamento jurídico português.

‒ Da perspectiva dos princípios


A adopção da doutrina da RJ corresponde ao modo mais correcto
de conceber o relacionamento entre a Administração e os particulares
num Estado de Direito.
Pois, segundo ela, o privado encontra-se perante a Administração,
não como um objecto do poder administrativo, mas como um autónomo
sujeito jurídico, que ocupa no mundo do direito uma posição igual à da
Administração.

‒ Da perspectiva do direito vigente


A RJ administrativa encontra consagração no direito português, quer ao
nível do texto constitucional (ex: art.ºs 1º; 18º; 212º, n.º3; 266º CRP), quer
da legislação ordinária (ex: art.ºs 2º; 3º; 4º; 5º; 6º; 7º; 8º; 12º; 59º e 100º e
ss: 61 e ss; 124º; 158º e ss; 178º CPA)

‒ Na opinião do Prof. apesar de a RJ e o procedimento serem apresentados


como noções-chaves de 2 vias alternativas de renovação da dogmática do
Direito Administrativo, eles não constituem realidades ou conceitos, em si
mesmo, excludentes ou incompatíveis.

4. A fase da “confirmação” do Contencioso Administrativo. Tribunais administrativos e tutela


jurisdicional plena e efectiva dos particulares perante a Administração no Estado Pós-Social
Fase da confirmação ou do crisma corresponde do Contencioso Administrativo:
‒ Por um lado, à reafirmação da sua natureza plenamente institucionalizada,
em que o juiz não apenas goza de independência mas também de plenos
poderes em face da Administração
‒ Por outro lado, à consagração da sua dimensão subjectiva, destinada à
protecção integral e efectiva dos direitos dos particulares
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 17
Apontamentos

A afirmação desta dupla dimensão – jurisdicional e subjectiva – do


Contencioso Administrativo é realizada:
 Em 1º lugar, ao nível do Direito Constitucional, tendo como
fontes o legislador constituinte (Alemanha, Espanha,
Portugal) ou a jurisprudência (França, Reino Unido, Itália),
com a cumplicidade da doutrina
 Depois é retomada, ao nível do Direito Europeu, tanto por
força da acção conjugada de órgãos comunitários e de
outras instituições europeia, assim como em resultado da
integração horizontal das ordens jurídicas dos países
membros da UE

Estes dois fenómenos de constitucionalização e


europeização marcam uma ruptura com o passado, na
medida que correspondem à superação dos traumas da
infância difícil de uma Justiça Administrativa

Todas estas transformações da Justiça Administrativa fazem parte das mudanças


políticas e jurídicas que se vão efectivar com o modelo de Estado Pós-social.

4.1. O primeiro período: a constitucionalização do Contencioso Administrativo. Dimensão


real e simbólica da constitucionalização da Justiça Administrativa
O 1º período da fase da confirmação:
‒ Caracteriza-se pela consagração constitucional de um modelo de
Contencioso Administrativo realizado por verdadeiros tribunais e
destinado a garantir uma protecção integral e efectiva aos direitos dos
particulares.

A elevação ao nível constitucional da Justiça Administrativa, em simultâneo com a


sua caracterização em termos jurisdicionalizados e subjectivos, introduz uma nova
problemática de relacionação (um confronto) entre a Constituição e a realidade
constitucional.

Em França foi mais longo o “percurso terapêutico”, uma vez que a


jurisdicionalização plena do Contencioso Administrativo vai-se paulatinamente realizando
por acção do Conselho de Estado, ao longo do século XX, mas só vai terminar,
verdadeiramente, com o auxílio da jurisprudência constitucional.
Vai ser o Conselho Constitucional a reconhecer e a consagrar, ao nível da lei
fundamental, que o Contencioso Administrativo:
1. É tarefa de verdadeiros tribunais e não de órgãos dependentes da
Administração
2. Que os particulares gozam de direitos de acesso ao processo para a defesa
das suas posições subjectivas em face da Administração
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 18
Apontamentos

Se, durante este período, é decisiva a influência constitutiva da jurisprudência,


tanta da administrativa como da constitucional, não menos relevante é o surgimento de
reformas legislativas estruturantes do sistema francês do Contencioso Administrativo
francês.

A Alemanha foi pioneira na constitucionalização da Justiça Administrativa, que se


iniciou logo em ’49, através da Lei Fundamental de Bona, com o ressurgimento do Estado
(Social) de Direito do pós-guerra  excepção alemã

Na opinião do Prof. faz sentido associar a constitucionalização do Contencioso


Administrativo ao advento do Estado Pós-Social, por duas razões:
a. Em termos europeus, é no período do Estado Pós-social que se vai
generalizar a constitucionalização da Justiça Administrativa

b. A consagração de uma Justiça Administrativa, plenamente


jurisdicionalizada e subjectiva, faz parte da filosofia jurídica desse novo
modelo estadual, assente nomeadamente na valorização da dimensão
processual dos DF e na consagração de direitos subjectivos (de
procedimento e) de processo

Tal diacronia levava a que fosse necessário, até há pouco tempo atrás,
contrapor:
 Sistema administrativo francês  que tradicionalmente, se
preocupava com a discricionaridade da Administração.
Em França, a justiça administrativa tinha por função única
assegurar o respeito das leis pelas autoridades, ela foi concebida
como instrumento exclusivo de subordinação da Administração,
incluindo o governo, ao parlamento

 Sistema administrativo alemão  em que a protecção dos direitos


individuais tem precedência sobre a eficácia da Administração
A Alemanha do pós-totalitarismo, desejosa de colocar a tónica
na protecção do indivíduo contra o Estado todo-poderoso,
entendia o processo administrativo como um processo igual aos
outros.

Consequência: a Europa continental conhecia principalmente 2


sistemas de justiça administrativa

A Alemanha foi, portanto, a 1º país europeu a constitucionalizar um modelo de


Contencioso Administrativo jurisdicionalizado e subjectivo, em que:
‒ As jurisdições administrativas foram incorporadas formalmente no poder
judiciário
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 19
Apontamentos

‒ O processo perante as jurisdições administrativas foi concebido para


permitir aos indivíduos fazer valer os seus direitos subjectivos contra a
Administração.

A constitucionalização da Justiça Administrativa, de acordo com o modelo da


protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares, implica:
‒ Existência de meios processuais adequados (a título principal, cautelar e
executivo) à tutela de cada uma dessas posições de vantagem

Também aqui, a Alemanha se vai antecipar na concretização desse


modelo através da Lei dos Tribunais Administrativos de ’60.

 Consagra um princípio de não tipicidade ou de cláusula aberta em


matéria de meios processuais contra qualquer actuação ou
omissão administrativa, que afasta o princípio tradicional da
enumeração (que é corolário da garantia constitucional da
protecção judicial efectiva)

O sistema alemão de Contencioso Administrativo procura assegurar uma


protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares.

i. No que respeita à tutela principal  consagrada, a título exemplificativo,


numa panóplia de meios processuais que vai desde:
‒ As acções de condenação (de actos administrativos, de regulamentos ou
de outras formas de actuação)
‒ Às acções de anulação (de actos administrativos, de regulamento)
‒ Às acções de simples apreciação

ii. No que respeita às medidas provisórias ou providências cautelares


‒ Para além da regra geral da necessidade e adequação para acautelar
prejuízos avultados ou iminentes na perspectiva da relação controvertida
‒ Consagram diversas modalidades de medidas cautelares, nomeadamente
a regra geral do efeito suspensivo automático dos actos administrativos
impugnados

iii. No que respeita à execução das sentenças


‒ Para além da regulação de alguns aspectos especiais
‒ Existe uma remissão em bloco para as regras do processo executivo, do
CPC

Em Itália
‒ Por uma lado, já antecipava a confirmação, ao reafirmar a natureza
jurisdicional da Justiça Administrativa, ao mesmo tempo que remetia para
a sua componente subjectiva
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 20
Apontamentos

‒ Por outro lado, tal vertente subjectiva aparecia ainda associada à


repartição de jurisdições, na lógica tradicional do sistema italiano de
Justiça Administrativa, o que permita também interpretações mais
clássicas e de teor objectivista

Daí que vá ser tanta a acção criadora da jurisprudência (dos tribunais


administrativos e do TC), como a influência da doutrina, a mudar o
sentido da interpretação das disposições constitucionais, no sentido da
acentuação da sua dimensão subjectiva, bem como do afastamento do
modelo tradicional de Justiça Administrativa.

Em Espanha, a Constituição de ’78:


‒ Consagra a «inclusão da jurisdição do Contencioso Administrativo na
ordem do poder jurisdicional», assim confirmando o sistema (não só
jurisdicionalizado, mas também) de jurisdição única, mas elevado agora
ao nível da lei fundamental
‒ Garante a respectiva dimensão subjectiva, «por imposição do art.º 24º da
Constituição, que tornou claro, assim como obrigatório, que qualquer
recurso do contencioso administrativo é estritamente subjectivo e pleno,
e não objectivo e não pleno»

O centro deste novo paradigma contencioso é o direito fundamental à


tutela judicial efectiva que passa a dominar agora toda a economia da
jurisdição do Contencioso Administrativo

‒ A constitucionalização da Justiça Administrativa originou uma resposta


imediata do legislador que introduziu algumas alterações, as quais,
contudo, não foram consideradas suficientes pela doutrina e pela
jurisprudência, que desempenharam um papel muito activo na
implementação do modelo da lei fundamental

A CRP de ’76 consagra um modelo de Justiça Administrativa plenamente


jurisdicionalizado, em que os tribunais administrativos constituem uma jurisdição
autónoma dentro do poder judicial, e tendo por função primordial a protecção judicial
plena e efectiva dos direitos dos particulares (art.º 268º, n.ºs 4 e 5 CRP).

‒ Modelo constitucional de Justiça Administrativa que, contudo, até há nem


pouco tempo, não tinha encontrado adequada concretização legislativa
nem jurisprudencial

‒ A actual reforma (entrada em vigor: 2004), veio aplicar e concretizar o


modelo de Justiça Administrativa da lei fundamental, resolvendo a
questão constitucional da divergência entre texto e realidade
constitucional
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 21
Apontamentos

No Reino Unido, o Direito Administrativo não somente fez “prova de vida”, ao


longo do século XX, através do estabelecimento de regras e princípios próprios, como
acabou mesmo (anos 70) por adquirir dimensão constitucional, designadamente no
domínio do Contencioso Administrativo, em que o crescimento notável de processos
relativos ao controlo judicial das decisões de autoridades públicas levou à sua
consideração como parte integrante da Constituição material.

4.2. O segundo período: a europeização do Contencioso Administrativo. O Processo


Administrativo no divã da Europa
A mudança de paradigma do Contencioso Administrativo é também o resultado da sua
europeização.

Tem-se vindo a intensificar:


‒ Pelo surgimento de fontes europeias relevantes em matéria de Contencioso
Administrativo
‒ Pela convergência crescente das legislações nacionais, que é potenciada pela
integração jurídica (horizontal)
‒ Pelo comparatismo entre sistemas

O Direito Administrativo, que nasceu ligado à ideia de Estado (no liberalismo político),
tem vindo a perder esse nexo de conexão, em virtude das transformações dos modelos
políticos e da Administração, tanto a nível interno como externo.
i. Nível interno
Se nos primórdios se verificava a unidade do poder executivo, com a
transição para o Estado Social e, depois, para o Pós-social, verifica-se, em
virtude da proliferação de administrações públicas, o desaparecimento da
referência da Administração pública ao Estado.

ii. Nível externo


Não apenas se multiplicaram os fenómenos jurídico-administrativos ao
nível das organizações internacionais, como também, ao nível da UE, o Direito
Administrativo adquiriu uma outra dimensão, enquanto componente
essencial de uma ordem jurídica própria, que se imbrinca nos ordenamentos
dos Estados Membros.

Surge, portanto, uma função administrativa europeia, enquanto elemento essencial da


constituição material europeia, que vai implicar a integração das fontes e das instituições
administrativas europeias e dos Estados-membros, originando uma progressiva
comunitarização dos modelos administrativos nacionais.

Daí a necessidade de repensar o Direito Administrativo em função desta nova


pluralidade de referências nacionais e europeias, uma vez que a clássica ligação necessária ao
Estado perdeu terreno em termos organizativos e funcionais.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 22
Apontamentos

Se nos primórdios as questões europeias pareciam respeitar aos direitos comunitários


e constitucional, hoje em dia, elas tornaram-se no “pão nosso de cada dia” do Direito
Administrativo, seja:
‒ Porque as políticas públicas comunitárias correspondem à prossecução de
tarefas administrativas a nível europeu
‒ Por causa do cada vez maior integração administrativa, que faz com que a UE
se tenha tornado importante, hoje em dia, não só para o Direito Constitucional
mas também para o Direito Administrativo de cada um dos Estados-membros
da União

Síntese Provisória
Verifica-se, nos nossos dias, um fenómeno novo de europeização do Direito
Administrativo, na sua dupla vertente de:
 Criação de um Direito Administrativo ao nível europeu
 Convergência dos sistemas de Direito Administrativo dos Estados-
membros da União
O Prof. julga justificar que se passe a entender o Direito Administrativo como
Direito Europeu concretizado  aforismo que necessita de ser compreendido no
duplo sentido de:
a) Dependência administrativa do Direito Europeu
O Direito Europeu só se realiza através do Direito Administrativo –
2 motivos:
 Por um lado, as políticas públicas europeias correspondem
ao exercício da função administrativa
 Por outro lado, a concretização do Direito Europeu é
realizado por normas, instituições e formas de actuação de
Direito Administrativo, ao nível de cada um dos estados
que integram a União

b) Dependência europeia do Direito Administrativo


O Direito Administrativo é cada vez mais Direito Europeu:
 Quer pela multiplicidade de fontes europeias relevantes no
domínio jurídico-administrativo
 Quer pela convergência crescente dos ordenamentos
nacionais neste domínio, que tem conduzido a uma
aproximação crescente dos direitos administrativos dos
Estados-membros, na tripa perspectiva: substantiva,
procedimental e processual

Actualmente, temos um Direito Administrativo Europeu, criado tanto pela via


legislativa como jurisprudencial, contendo múltiplas regras substantivas com relevância
processual.
Contudo, não só de regras substantivas vive o Direito Administrativo Europeu, mas
também de regras de procedimento e de processo (têm vindo a autonomizar-se quer ao nível
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 23
Apontamentos

das fontes comunitárias, quer ao nível das fontes processuais dos Estados-membros)
administrativos.
Das regras comuns integrantes do Direito Processo Administrativo Europeu, fazem
parte as seguintes:
‒ Afirmação de uma dimensão europeia do direito à tutela judicial, pelo Tribunal
de Justiça, ao:
 Pôr em causa o efeito preclusivo do direito de acção contra as
autoridades públicas quando existia incompatibilidade entre Direito
Europeu e o Direito Estadual
 Conferir aos tribunais nacionais poderes de conhecimento oficioso
desses casos

‒ Consagração de um princípio de plenitude da competência do juiz nacional na


sua qualidade de juiz comunitário, que deve valer tanto para o pedidos
cautelares como para os principais, nos termos do qual os juízes devem gozar
de poderes de plena jurisdição e que vai mesmo ao ponto de possibilitar aos
tribunais a criação de novos meios processuais, quando eles não existam ou se
revelem insuficientes.

‒ Regime jurídico da tutela cautelar europeia, de fonte legislativa, em matéria de


contratos públicos
O legislador europeu pretendeu não apenas estabelecer regras
substantivas e procedimentais relativas a todos os contratos públicos como
também processuais.
Das directivas n.ºs 89/665/CEE e 92/13/CEE, e da sua transposição
para as ordens jurídicas nacionais, resultou a criação de um Direito Cautelar
Europeu em matéria de Contratos Públicos, caracterizado pela plenitude dos
poderes do juiz em julgamento das relações jurídicas pré-contratuais.

‒ Regime da responsabilidade civil extra-contratual dos poderes públicos, de


acordo com o princípio segundo o qual os Estados-membros são obrigados a
indemnizar os danos causados aos indivíduos pela violação do Direito
Comunitário, que lhes são imputáveis, a qual, se fundamenta nos princípios
(constitucionais) gerais da plena eficácia das normas comunitárias e da tutela
efectiva dos direitos dos particulares.

‒ O alargamento da impugnabilidade parece ser também uma das regras


emergentes do Processo Administrativo Europeu – razões:
 Por um lado, a extensão da noção de acto administrativo às actuações
de entidades privadas que colaboram no exercício da função
administrativa
 Por outro lado, a admissibilidade de impugnação de actos de
procedimento, apontam para a passagem do contencioso do acto para
o da relação jurídica.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 24
Apontamentos

Duas perspectivas:
‒ Da perspectiva da União para a dos Estados-membros
É forçoso concluir que o Contencioso Administrativo de cada um dos
países sofre efeitos modificadores profundos com o emergir e o afirmar, a
nível europeu, de um processo de uniformização das regras de tutela.

‒ Da perspectiva dos Estados para a da União


Os sistemas de contencioso administrativo tendem a aproximar-se e a
convergir, o que é, desde logo, o resultado de um sistema jurídico de múltiplas
fontes de níveis.

Em França
A europeização veio dar um contributo decisivo para a superação de múltiplos
resquícios dos históricos traumas de infância difícil do Contencioso Administrativa
De entre os princípios fundamentais do Processo Administrativo, construídos pela
jurisprudência a partir do Direito Europeu, ou tendo por fundamento a conjugação de regras
constitucionais com europeias, são de destacar as seguintes:
‒ O Direito de acesso à Justiça Administrativa
Na ausência de previsão na lei fundamental, foi criado pela
jurisprudência constitucional, sob pressão do Direito Europeu, e tendo em
conta as necessidades crescentes de protecção judiciária

‒ Como corolário deste direito de acesso à justiça, a jurisprudência francesa


(constitucional e administrativa) vai também reconhecer o direito a um
processo equitativo, com base no Direito Europeu
Direito fundamental a um processo equitativo que o Tribunal Europeu
[dos Direitos do Homem] define de forma tão ampla quanto possível,
concebendo-o como a síntese de 3 direitos particulares:
 Direito a um juiz (ou seja, direito de acesso a um tribunal)
 Direito a um julgamento (emitido nos termos do art.º 6º)
 Direito à execução desse julgamento

‒ De matriz europeia é também o direito ao julgamento por um tribunal


independente e imparcial, do qual resultaram numerosas consequências para
a ordem jurídica francesa:
1º. Desse DF europeu resultou a necessidade de consagração genérica
do princípio da inamovibilidade dos juízes administrativos, a qual só
era reconhecida aos membros do Conselho de Estado

2º. Esse DF europeu teve consequências organizatórias, ao considerar-


se que a independência dos juízes em face do Estado tem
necessidade de interposição, entre o juiz e o Estado, de um órgão
encarregado de assegurar essa independência.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 25
Apontamentos

3º. O direito à imparcialidade teve consequências nas regras


processuais, já que dele resulta o afastamento de algumas
confusões francesas quanto ao estatuto dos juízes administrativos

A europeização do Contencioso Administrativo francês não se esgota na afirmação de


grandes princípios gerais, de natureza infra-estrutural. Pois, vai também dar origem a grandes
transformações do Processo Administrativo, por via legislativa, das quais se destacam:
‒ A atribuição de poderes de injunção em procedimentos cautelares aos
tribunais administrativos

‒ A regulação dos direitos dos cidadãos nas relações de procedimento


administrativo, nomeadamente com a consagração do dever de
fundamentação das decisões administrativas

‒ O Código de Justiça Administrativa

‒ O regime da tutela cautelar e urgente, que foi depois integrado no Código de


Justiça Administrativa (que entrou em vigor a 01/01/2001)

Síntese
A europeização do Contencioso Administrativo francês implicou a superação dos
últimos resquícios das experiencias traumáticas da juventude, contribuindo para a implantação
de um sistema jurisdicionalizado e vocacionado para a protecção plena e efectiva dos direitos
dos particulares.

Na Alemanha,
Tinha-se antecipado na constitucionalização e na efectivação de um Contencioso
Administrativo destinado à protecção dos direitos dos particulares, a europeização não
obrigou a alterações de filosofia nem a grandes mudanças de sistema.

Só que, como europeização não é sinónimo de “germanização”, a integração do


sistema alemão de Contencioso Administrativo com o dos demais parceiros europeus, tem
levado aquele a dar alguns (pequenos) passos em sentido contrário, de modo a convergir com
os dos seus congéneres.

Reforma de 96/97 – objecto de grande contestação pela doutrina; criticou-se


1º. O espírito da reforma que não procedeu à uniformização e compatibilização
da multiplicidade de processos especiais

2º. Algumas das soluções pontuais, por introduzirem imitações aos direitos dos
particulares, nomeadamente
‒ A regra que estabeleceu um prazo máximo de 2 anos para a
impugnação de normas regulamentares
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 26
Apontamentos

‒ A que alargou a possibilidade de criar excepções à regra geral do


efeito suspensivo automático da acção de anulação, que agora não
cabe mais apenas à Federação, mas também aos Estados, mediante a
consagração de uma espécie de cláusula aberta para os Estados

Pode-se considerar que, na Alemanha, se assiste a um choque entre a europeização e a


constitucionalização, naquilo que respeita à protecção dos direitos dos particulares,
designadamente em sede de tutela cautelar.

Em Itália,
A reforma de 2000 da Justiça Administrativa é decisiva como instrumento de
constitucionalização, mas também, simultaneamente, como forma de realização da
europeização do sistema. A ideia de europeização constitui um “mote” para a reforma da
justiça administrativa.
As principais transformações introduzidas pela reforma de 2000, e que são
determinadas pela europeização, são, designadamente, 3:
‒ O alargamento do âmbito da jurisdição administrativa mediante a superação
da clássica distinção entre direito subjectivo e interesse legítimo
O alargamento da jurisdição administrativa para as questões relativas
ao uso da função administrativa é feita em nome da convergência europeia,
mesmo contrariando disposições constitucionais.

‒ A criação de um regime específico de responsabilidade civil extracontratual da


Administração
Constituí também uma influência da europeização, a criação de uma
novidade da reforma, que é a atribuição ao juiz administrativo, no âmbito da
sua jurisdição geral de legalidade, de todas as questões relativas ao eventual
ressarcimento do dano, inclusive através da reintegração específica, e dos
direitos patrimoniais consequentes.

‒ Aperfeiçoamento da tutela cautelar


As normas sobre processo cautelar encontram-se entre as mais
importantes do texto normativo. Elas não se limitam a receber as
contribuições da jurisprudência e da doutrina sobre a matéria, indicam
também soluções que têm em conta a nova conformação do Processo
Administrativo e oferecem as mesmas oportunidades que o Processo Civil,
assim como respondem às solicitações postas a nível comunitário que tinham
advertido para a inadequação da simples suspensão da eficácia dos actos
administrativos.
Assim, a reforma não se limita a prever a suspensão do acto, mas
confere ao juiz a faculdade de adoptar medidas cautelares.

Em Espanha,
A reforma do Contencioso Administrativo de 1998 é considerada, simultaneamente,
como a realização de um imperativo constitucional e de uma exigência europeia.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 27
Apontamentos

A principal transformação do Contencioso Administrativo espanhol, ao nível dos meios


principais, consistiu na superação da tradição e restrita concepção do recurso contencioso
administrativo como uma revisão judicial de actos administrativos prévios.
Em síntese, a reforma espanhola de ’98 foi decisiva do ponto de vista da
constitucionalização e da europeização da Justiça Administrativa, estabelecendo um sistema
destinado a garantir a protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares.

No Reino Unido,
Nos nossos dias verifica-se uma influência decisiva do Direito Europeu no Direito
Administrativo. Na verdade, o Direito Administrativo britânico tem vindo a passar por
mudanças especiais por causa da influência europeia.
Já antes se referiu que o sistema britânico que, nos primórdios, ainda podia ser
caracterizado pela inexistência de Direito Administrativo, com as transformações inerentes à
passagem de um modelo de organização política Liberal para outro Social, transformou-se
radicalmente e adoptou o Direito Administrativo.
Um dos domínios em que é notória a influencia tanto da constitucionalização como da
europeização é no que respeita à organização do sistema de garantias dos particulares,
nomeadamente da compatibilização das garantias administrativas com as judiciais.
Ao nível dos meios processuais, também é notória a influência do Direito Europeu:
‒ Por um lado, o direito de acesso a um julgamento equitativo por tribunal
independente e imparcial, obriga a estender os meios processuais do
Contencioso Administrativo a todas as actuações administrativas, afastando
históricas imunidades dos actos da Coroa

‒ Por outro lado, o Direito Cautelar Europeu impõe a existência de meios


urgentes e provisórios necessários e adequados para acautelar os direitos dos
particulares em face de toda e qualquer actuação administrativa, o que implica
também um alargamento da tutela cautelar

Em particular, no que toca à justiça cautelar, para o Reino Unido, foi decisiva a
jurisprudência do Tribunal de Justiça da EU, cujos efeitos se repercutiram imediatamente no
respectivo ordenamento nacional.

Em Portugal,
Até 2004, vivia-se numa situação de défice de constitucionalização e de défice de
europeização.
A influência europeia no Processo Administrativo era muito reduzida, ainda que, aqui
ou ali, surgissem situações de interferência pontual.
Em síntese
Ao chegar ao fim deste périplo europeu duas consequências se impõem:
1º. A do surgimento de um Direito do Processo Administrativo Europeu
ou comum (que decorre tanto do sistema jurídico da UE como do
regime da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), de fonte
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 28
Apontamentos

legislativa ou jurisprudencial, cuja importância e âmbito material


são cada vez maiores

2º. A da convergência crescente dos sistemas de Contencioso


Administrativo nacionais, abolindo históricas fronteiras entre
países, como as que separavam modelos mais francófilos ou mais
germanófilos, ou sistemas de matriz britânica dos de matriz
francesa

4.3. Brevíssimo “diagnóstico” do Direito Administrativo no Estado Pós-Social


Todas estas transformações do Contencioso Administrativo surgem numa altura
em que se começa a falar na crise do Estado-Providência e se produz a passagem para o
Estado Pós-social.

Sintomas de doença do Estado Providência


a. As limitações e insuficiências das políticas baseadas no expansionismo da
procura, que tinham criado uma ilusão de imparcialidade e de
inevitabilidade do desenvolvimento económico

b. A ineficiência económica, em numerosos domínios, da intervenção de um


Estado que cresceu gigantescamente, e se tornou omnipresente, à
imagem de um polvo de mil tentáculos

O acréscimo de Estado nem sempre veio ligado ao aumento do bem-estar


individual, mas antes a um desmesurado crescimento da burocracia, que
tornou a Administração num aparelho pesado e de funcionamento
moroso

c. A emergência da questão ecológica vai obrigar a encarar a protecção do


ambiente como um problema da sociedade necessitado de solução
política.

O que implica a consideração da dimensão axiológica e da dimensão


jurídica da problemática ambiental a 2 níveis:
 Do direito ao ambiente como direito do Homem, integrando a
denominada 3ª geração dos DF
 Da protecção do ambiente como problema do Estado, que leva
mesmo alguns autores a caracterizar o actual Estado Pós-Social
como “Estado do Ambiente”

d. O constante aumento das contribuições dos indivíduos para o Estado (seja


no plano da fiscalidade, seja no domínio da Segurança Social), que, em
muitos casos, parece ser mais do que proporcional às prestações dele
recebidas.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 29
Apontamentos

Consequência: gera sentimentos de desconfiança e de incerteza, ou


mesmo de insatisfação dos privados, o que se traduz num deficit de
legitimação dos poderes públicos
 Obriga à colocação do problema de saber se não existem limites
relativamente ao grau de socialização tolerável de um certo n.º de
bens e serviços

e. O risco da menor imparcialidade do Estado que, tendo abandonado a sua


posição clássica de separação e de superioridade relativamente à
sociedade, perdeu o seu distanciamento perante ela.

f. O alheamento dos cidadãos em face dos fenómenos políticos, o qual é,


por vezes, acompanhado do surgimento de novas preocupações político-
sociais, que fogem aos cânones políticos habituais, como a defesa do
meio ambiente, da qualidade de vida, da democracia electrónica, entre
tantas outras

Estes e outros sintomas permitem um diagnóstico de crise do Estado


Social, que é comungado à direita e à esquerda, por correntes filosóficas.

Neste contexto algo paradoxal, se alguns falam do desaparecimento do


“Estado” e da necessidade de encontrar diferentes formas de organização
política, outros procuram reconduzir as transformações verificadas a um
novo modelo estadual.
Opinião do Prof.  entende que a crise do Estado social constitui a face
visível de um processo de transformação e de revitalização dos
fenómenos políticos. O que desapareceu não foi, sem mais, o Estado, mas
um certo modo de o entender.

A crise do Estado Social não podia deixar de ter consequências ao nível da


Administração, tanto em sentido:
a) Objectivo (no respeitante às tarefas que correspondem à satisfação das
necessidades públicas)
O Estado pós-social introduz uma alteração lógica da actividade
administrativa, que deixou de estar orientada unicamente em função da
resolução pontual de questões concretas para se tornar conformadora da
realidade social.

Surge, assim, uma nova dimensão ou um novo âmbito da actividade


administrativa.
Na verdade, aquilo que caracteriza a Administração Pública de hoje:
 Mais do que cada um dos seus actos isolados
 É a dimensão social dessa actividade, são os efeitos que
ela produz relativamente à sociedade no seu conjunto
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 30
Apontamentos

Esta dimensão infra-estrutual da Administração


manifesta-se quando a Administração actua:
1. Através de actos genéricos
2. De forma individual, uma vez que esses actos, na
grande maioria dos casos, não afectam
unicamente os seus imediatos destinatários, mas
produzem efeitos que vão muito para além das
pessoas por eles directamente visadas

Esta dimensão infra-estutural conduz:


 À proliferação de actuações administrativas de
carácter geral, ou de medidas individuais de
alcance não limitado aos imediatos destinatários
 Ao surgimento de formas de actuação de carácter
misto, que combinam aspectos genéricos com
individuais, e que só muito dificilmente se
enquadram nos esquemas tradicionais.

Assim, a actividade administrativa, mais do que instrumento de


definição autoritária do direito aplicável, vai-se tornar num mecanismo de
composição de interesses (públicos e privados), que se manifestam no
procedimento, e que os órgãos decisores devem regular, de maneira a
tomar a decisão mais adequada e que melhor salvaguarde os direitos
subjectivos e os interesses em presença. (*)

b) Subjectivo (no que se refere às formas de organização e de gestão da


pluralidade de administrações [públicas e privadas] que realizam tal
função)
Esta nova lógica (*– referida no ponto anterior) implica múltiplas
transformações da Administração Pública, em sentido subjectivo ou
organizatório.
Pois, quando, por exemplo, se insiste na substituição do paradigma
burocrático da administração pelo paradigma administrativo-empresarial
ou se utilizam novas expressões como “Administração pós-moderna”,
“acção administrativa orientada para os resultados”, ou em “reinvenção
do governo”, tudo isto se traduz também na emergência de um novo
paradigma do Estado que hoje tende a ser denominado paradigma do
Estado regulador.
A administração infra-estrutural implica:
 Para além da reestruturação das administrações da mudança
das respectivas técnicas de gestão
 Uma nova lógica organizatória de colaboração entre
entidades públicas e privadas no exercício da função
administrativa
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 31
Apontamentos

Assiste-se a uma mudança de compreensão das funções e papéis do Estado, que


valoriza mais a função do que a forma como é realizada.

O exercício de tarefas públicas por privados não significa sempre uma verdadeira
retirada do Estado, mas tão-somente a escolha de uma forma outra de prossecução de
tarefas públicas.

Razão = porque o Estado permanece responsável, mas a tarefa pode ser


prosseguida e executada com mais efectividade, eficiência e economicidade se se
adoptarem novos padrões de organização.

A redução da dimensão do Estado não significa, contudo, um aumento


correspectivo do sector privado (razões):
 Por um lado, na maior parte das vezes existe apenas uma simples
redistribuição de funções no interior do sector público, em vez de
um verdadeiro abandono de sectores por parte da Administração
pública
 Por outro lado, mesmo quando se trata de uma privatização
substancial, em que as funções são efectivamente transferidas
para os privados, verifica-se o seu condicionamento através de
regras de direito público

Consequência: podemos continuar a afirmar que, ainda, estamos


no quadro da função administrativa

Tudo isto implica profundas alterações da própria noção de Administração


Pública, que passa a ser constituída por sujeitos cujo relevo jurídico está mais na
substância da sua acção, do que na respectiva natureza jurídica de direito público ou de
direito privado.

A nova Administração pública Infra-estrutural, Prospectiva ou Prefigurativa, pode


ser caracterizada, essencialmente, pelas seguintes notas:
a) Multilateralidade
A multilateralidade afigura-se ser a característica mais marcante
da Administração do Estado Pós-social.
As decisões administrativas (típicas da Administração prospectiva)
não dizem respeito a um relacionamento meramente bilateral entre os
privados e os órgãos decisores, mas correspondem a um relacionamento
multipolar, uma vez que produzem efeitos susceptíveis de afectar um
grande n.º de sujeitos.

b) Alargamento da protecção jurídica subjectiva

c) Durabilidade das RJ
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 32
Apontamentos

O carácter duradouro das relações administrativas é outras das


características que se vai intensificar com a Administração Infra-estrutural
do Estado Pós-Social.
No quadro de uma Administração prospectiva que, em vez de
uma actuação pontual e singularizada, multiplica os momentos de
exteriorização da sua vontade, ainda para mais, resultantes, em regra, de
procedimentos em que a decisão é tomada com a participação dos
interessados, o relacionamento entre os privado e a as autoridades
administrativas prolonga-se cada vez mais no tempo, adquirindo
durabilidade e estabilidade.

d) Esbatimento da diferenciação entre formas de actuação genéricas e


individuais
Este esbatimento decorre da natureza multilateral das decisões
administrativas, que é típica da Administração Infra-estrutural.

No que respeita às formas de actuação


‒ A administração Infra-estrutural manteve a tendência para a respectiva
diversidade e alternatividade (regulamentos, actos administrativos,
contratos públicos, actuações informais, técnicas, de direito privado,
operações materiais), mas a multilateralidade, que agora as caracteriza,
vai fazer surgir uma nova categoria, que é a do acto administrativo com
eficácia múltipla

A Administração Prospectiva vai ficar associada ao acto administrativo


com eficácia em relação a 3ºs.

Característicos é, portanto, o surgimento de actos cujos efeitos não se


limitem a atingir um indivíduo numa situação concreta, mas que são uma
consequência das relações complexas do Estado planificador e dirigente
da actualidade.

Capítulo II

O Contencioso Administrativo no Divã da Constituição

1. O contencioso administrativo como “direito constitucional concretizado”. Dependência


constitucional do direito administrativo e dependência administrativo do direito
constitucional
Uma das questões mais necessitadas de psicanálise é a da relação difícil entre Administração e
Constituição, entre direito administrativo e direito constitucional. Actualmente estas 2
realidades estão interligadas e em situação de dependência recíproca – é necessário
compreender o alcance e medida desse relacionamento complexo.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 33
Apontamentos

Dizer que o direito administrativo depende do direito constitucional apenas porque a


constituição está no topo do ordenamento jurídico é insuficiente.

“Direito administrativo como direito constitucional concretizado” – analise:


o Desde de sempre, na doutrina administrativa houve referências á constituição, e na
jurisprudência se dava relevo á supremacia das normas constitucionais
o Praticamente até 1958, o único juiz que decidia nos domínios regidos pela constituição
era o juiz administrativo. Os materiais de base do nosso direito público: o regime do
poder politico, o serviço publico, a hierarquia das normas, a responsabilidade publica,
os princípios gerais do direito – pré-existiam não somente á sua constitucionalização,
mas também aos próprios textos constitucionais, aos quais eles forneceram grande
parte do respectivo conteúdo.
o A questão é:
1) A possibilidade da administração actuar tendo por fundamento a realização da
constituição
2) A lei fundamental servir de padrão para a aferição da validade e para o controlo da
actuação administrativa
o Do que se trata, não é mais, portanto, de uma mera questão formal de subordinação
da administração à constituição, mas sim do problema material de realização
continuada e permanente das normas fundamentais através do direito administrativo.
o Torna-se indispensável a “cooperação frutuosa entre doutrina constitucional e
doutrina administrativa

Em que medida é que o direito administrativo se deve enraizar no direito constitucional? Em


que medida é que ele reage sobre o direito constitucional?
o No domínio processual, existe uma relação de dependência constitucional do
contencioso administrativo, que faz dele direito constitucional concretizado.
o As modernas constituições de estado de direito não estabelecem apenas as opções
fundamentais em matéria de organização, funcionamento, procedimento, ou actuação
da administração pública, mas passaram a incluir também regras quanto à natureza e á
organização dos tribunais competentes para o julgamento dos litígios administrativos,
quanto aos DF dos cidadãos em matéria de processo, quanto à função e estrutura dos
processos, quanto aos poderes do juiz.
o Todas estas questões do processo administrativo foram promovidas à categoria de
princípios e regras fundamentais

A dependência do processo administrativo relativamente à constituição é tão forte que a


mudança de paradigma – com a passagem de um modelo em que o tribunal dependia da
administração e o contencioso era objectivo e limitado, para outro modelo em que o tribunal é
independente e o contencioso é subjectivo e de plena jurisdição – só se pôde realizar com
auxilio do direito constitucional, fenómeno que ocorreu com a implantação do estado pós-
social.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 34
Apontamentos

Os princípios do estado de direito (proporcionalidade, não retroactividade, confiança e


segurança) e os princípios constitucionais (legalidade, imparcialidade, justiça) forçam a
reconstrução do direito administrativo à luz do direito constitucional  a partir da
constitucionalização do direito administrativo seria correcto dizer que “ o direito
administrativo passa e o direito constitucional fica”.

Nestes termos, a medida da dependência constitucional do direito administrativo aumentou


de uma forma extraordinária, uma vez que qualquer caso de direito administrativo é hoje um
caso de direito constitucional, e os tribunais administrativos têm na interpretação da
Constituição um quinhão tão grande como o do tribunal constitucional.

Mas, se há uma dependência constitucional do direito administrativo, a afirmação inversa


também é verdade =
“Dependência administrativa do direito constitucional “:
o Isto é evidente no contencioso administrativo, enquanto domínio privilegiado de
realização dos DF. Estes DF consubstanciam-se em regras substantivas, procedimentais
e processuais, pelo que a sua concretização não é possível sem que existam meios
contenciosos adequados, de forma a assegurar a sua tutela plena e efectiva.
o A garantia de um processo por um tribunal independente e imparcial, destinado a
proteger as posições jurídicas subjectivas dos particulares, e nomeadamente as que
estão consagradas na lei fundamental, constitui assim, simultaneamente, uma
condição de realização e uma dimensão essencial dos DF

Em síntese, a constituição depende do processo administrativo porque:


1) Os DF do domínio processual – para além da sua relevância própria, enquanto
DF autónomos, e da sua importância instrumental, enquanto garantes da
protecção judicial de todos os direitos das relações jurídicas administrativas
(independentemente de terem ou não assento constitucional) – são também
uma condição essencial da realização de todos os demais DF (pois, esta
dimensão processual integra o respectivo conteúdo jurídico-material).
2) A efectividade da constituição dependa da existência e do adequado
funcionamento dos tribunais encarregados de fiscalizar a administração.
3) A efectividade da constituição depende ainda do contencioso administrativo,
na medida em que as regras e os princípios fundamentais relativos à
administração pública (organização, funcionamento, procedimento e
actuação) constituem também parte integrante da constituição material,
cabendo aos tribunais garantir a respectiva aplicação.

2. A constituição portuguesa do processo administrativo


A constituição portuguesa estabelece um contencioso administrativo integralmente
jurisdicionalizado e destinado à tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares nas
relações jurídicas administrativas (202º ss + 268nº4e5 CRP)

A CRP de ‘76, assim como as posteriores revisões constitucionais, inserem-se, assim, no


movimento de constitucionalização do contencioso administrativo – que, a partir dos anos 70
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 35
Apontamentos

do século XX se caracteriza pela elevação ao nível constitucional da garantia de controlo


jurisdicional da administração, assim como pela consagração de DF em matéria de processo
administrativo – de entre esses avulta o direito de acesso à justiça.

Direito de acesso à justiça:


o É instrumento de efectividade dos DF
o É um direito processual fundamental porque é a concretização do direito subjectivo
que está em jogo, e não somente dos DF.

Torna-se necessário analisar o modo com a nossa constituição trata do contencioso


administrativo, pois a justiça administrativa tem evoluído, desde o texto originário de 76 até a
sua situação actual, tanto através das sucessivas revisões constitucionais, como através da
jurisprudência do tribunal constitucional e tribunais administrativos.

2.1 O compromisso originário da Constituição de 76 em matéria de contencioso e a prática


constitucional até à revisão Constitucional de 82
O texto originário da Constituição de ‘76 apresentava um compromisso entre 2 visões
antagónicas d contencioso administrativo e de acto administrativo. A uniformização jurídica de
tais princípios em “estado de tensão” implicava a abertura do texto constitucional, que
remetia parte da sua concretização para o domínio da constituição material.
Estava-se, pois, também, aqui, perante um “compromisso dinâmico”, susceptível de evoluir ou
de se desenvolver em virtude da prática e de futuras revisões constitucionais.

Na sequência da constituição, surge um diploma importante – DL 256-A/77 de 17 de Junho –


que vai procurar adequar a realidade legislativa à nova ordem constitucional, adoptando uma
perspectiva minimalista, de regular apenas alguns aspectos da actuação e controlo da
administração.

A fundamentação dos actos administrativos corresponde a uma exigência de transparência


típica de uma administração de um estado de direito democrático que se traduz em:
- Actuar bem
- Dever de fundamentação (explicar razoes da sua actuação)

Aspectos relevantes (medida de higiene administrativa):


1. Aspecto pedagógico: obriga a administração a “descer do pedestal” e explicar razões dos
seus actos
2. Efeito indirecto de obrigar a uma maior correcção (jurídica e de mérito) das decisões
administrativas
3. É importante do ponto de vista de protecção dos particulares, pois permite-lhes
averiguar a legalidade dos actos administrativos

O dever de fundamentar é também “direito constitucional concretizado” na medida em que:


- Constitui garantia dos particulares
- Facilita protecção jurídica subjectiva, i.e. forma de realização dos DF pela via do processo
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 36
Apontamentos

Por tudo isto, se pode considerar que o modelo do contencioso administrativo, constante do
texto originário da CRP de 76, encontrou uma realização minimalista através do DL, que, em
face da nova ordem constitucional não foi suficiente para dar cumprimento às exigências da lei
fundamental.

2.2 A evolução do modelo constitucional de contencioso administrativo na revisão


constitucional de 82 e a primeira reforma do contencioso administrativo (84/85)
A revisão constitucional de ‘82 veio alterar o compromisso originário do contencioso
administrativo, acentuando a sua vertente de protecção jurídica. A CRP (268ºnº3) continua a
consagrar uma garantia de recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra
quaisquer actos definitivos e executórios, mas acrescenta 2 outros elementos:
1. Diz respeito a quaisquer actos, independentemente da sua forma
2. Serve para obter reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido –
esta referência tem subjacente uma dimensão subjectiva do contencioso, fazendo
pender para o lado da protecção dos direitos individuais o compromisso originário em
que assentava a justiça administrativa.

Ao nível da noção de acto administrativo, o compromisso constitucional também se modificou:


o Se por um lado, ainda se mantém a noção de acto definitivo e executório, por outro
lado, adopta-se uma concepção material de acto administrativo, ao permitir a
impugnação de decisões individuais e concretas.
o Concepção democratizada de acto administrativo que se manifesta igualmente no
alargamento dos DF dos indivíduos perante a administração, que a revisão
constitucional de 82 vai consagrar (como é o caso do direito à notificação e à
fundamentação das decisões administrativas - 268ºnº2)
o O dever de fundamentação traduz (como já se disse) a relação de interdependência
recíproca entre direito constitucional e direito administrativo, pois este dever legal
foi estabelecido pelo legislador ordinário como forma de realização das garantias
constitucionais perante a administração. Contudo, posteriormente, ele vai transitar
para o texto constitucional, em resultado desse tratamento legislativo, como um
direito autónomo.

Revisão de 85/86:
o Ocorreu reforma muita importante através de 2 diplomas:
1. Estatuto dos tribunais administrativas e fiscais (ETAF) DL 129/84 de 27 Abril
2. Lei de processo dos tribunais administrativos (LEPTA) DL 267/85 de 16 Kulho
- Tratou-se de uma reforma de fundo, tendo como objectivo adequar a regulação da justiça
administrativa às opções constitucionais de plena jurisdicionalização e de protecção jurídica
subjectiva

o Estabeleceu-se a possibilidade de recurso contencioso contra actos administrativos


independentemente da forma (art.25ºnº2 LEPTA)
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 37
Apontamentos

o A organização do recurso se anulação como um verdadeiro processo de partes, em


que o particular e administração possuem igual possibilidade de intervir no processo
(princípio do contraditório)
o Possibilidade de impugnação contenciosa dos regulamentos administrativos (63º e ss
LEPTA)
o Criação de um novo meio principal - a acção para o reconhecimento de direitos ou
interesses legalmente protegidos (69º e ss LEPTA)
o Criação da intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões (82º e ss
LEPTA)
o Intimação para um comportamento (86º e ss LEPTA)

Crítica: a reforme de 84/85 foi insuficiente, ficando a meio caminho, já que, em resultado da
deficiência técnica legislativa adoptada, não procedeu à revogação global da legislação
reguladora do contencioso administrativo, mantendo em vigor numerosas disposições
contidas em diplomas elaborados no quadro da anterior ordem constitucional.
Esta situação era geradora de:
a. Dúvidas: pois nem sempre se sabia exactamente quais as normas dos diplomas
anteriores q tinham sido revogadas ou que se encontravam em vigor
b. Dificuldades: obrigando o interprete e o aplicador do direito a saltitar de diploma em
diploma para encontrar a regra processual aplicável
c. Incongruências: pois nem sempre é possível a compatibilização de diplomas
elaborados no âmbito de ordens constitucionais diferentes

2.3 A transformação do modelo constitucional de justiça administrativa na revisão


constitucional de 89 e a “indiferença” da “realidade” constitucional
A revisão de 89 implicou uma radical transformação do compromisso constitucional acerca do
modelo de contencioso administrativo, uma vez mais, no sentido da acentuação da respectiva
jurisdicionalização e subjectivação.
Estabeleceu-se que os tribunais administrativos e fiscais constituem jurisdição própria =
consumação da institucionalização plena da justiça administrativa (actualmente não se
confunde administrar com julgar)

Esta institucionalização vem associada ao reconhecimento de que ela tem por objecto dirimir
os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, que é decisivo:
a. Do ponto de vista substantivo, pois o particular deixou de ser entendido como um
administrado (mero objecto do poder), para passar a ser um sujeito do direito que
estabelece relações com a administrativa
b. Do pondo de vista processual, pois a doutrina clássica via o contencioso como uma
realidade objectiva e limitada á verificação da legalidade, enquanto que agora o
particular e a administração passam a ser considerados como sujeitos processuais,
num processo de partes, que tem como principal objectivo a protecção dos direitos
individuais.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 38
Apontamentos

Outra questão decisiva é o desdobramento da garantia constitucional de acesso à justiça


administrativa em 2 DF:
1. Recurso de anulação (268ºnº4 CRP)
2. Outros meios processuais (268ºnº5 CRP)

Resultando deles  princípio constitucional de protecção jurisdicional plena e efectiva dos


particulares
Consequências:
a) Alargamento do universo dos actos administrativos susceptíveis de impugnação
contenciosa
b) Alteração do compromisso constitucional originário da constituição conduzindo, em
simultâneo, tanto à subjectivação do recurso contencioso como á transformação do
acto administrativo. Agora, nos termos as constituição passam a ser recorríveis, desde
que sejam lesivos dos direitos dos particulares:
- Actos praticados no termo de um procedimento + actos preliminares ou intermédios
- Actos praticados por superior hierárquico + subalternos
- Actos de conteúdo regulador de uma situação jurídica + actos de natureza prestadora
ou conformadora

Mas, a garantia de recurso contencioso era ainda completada com um DF de acesso à justiça
administrativa, independentemente do meio processual (principal, acessório ou
complementar) que estivesse em causa.
Razões:
a) O contencioso não se esgotava no recurso de anulação
b) Qualquer direito particular necessitado de tutela, no âmbito de uma relação jurídica
administrativa, deveria encontrar um meio processual adequado para o fazer valer

Conclusão: a ligação dos 2 DF tornava inequívoca a consagração do princípio da tutela plena e


efectiva dos direitos dos particulares, que é a matriz do modelo constitucional de contencioso
administrativo, de natureza subjectiva, destinado a garantir em 1ª linha, os direitos dos
particulares nas relações jurídicas administrativas.

Tais transformações do compromisso constitucional relativo ao contencioso não logravam


encontrar a necessária realização na prática constitucional.
Uma tal ausência de concretização das opções constitucionais, designadamente, que
permitisse alterar o regime jurídico dos diferentes meios processuais e/ou criar novos meios
destinados a assegurar a plena e efectiva dos direitos dos particulares, assim como
possibilitasse o alargamento do universo dos actos impugnáveis a fim de os compatibilizar com
a noção de acto lesivo, constituía uma grave omissão do legislador, numa matéria fundamental
para a realização do estado de direito  o contencioso em vez de “direito constitucional
concretizado” era ainda “ direito constitucional por concretizar”

A Lei 83/95 de 31 de Agosto veio regular o DF de acção popular, dando alguma concretização
constitucional, desenvolvendo uma vertente objectiva do acesso á justiça, particularmente
relevante no domínio do contencioso administrativo.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 39
Apontamentos

Problema: parece existir alguma confusão entre acção popular, acção colectiva e acção para
defesa dos interesses individuais.
Na opinião do Prof. VPS, uma coisa é a acção para defesa dos interesses próprios, de
indivíduos ou de associações, outra coisa é a acção popular, destinada em 1ª linha á defesa da
legalidade e do interesse público, mas que pode ainda ser igualmente utilizada para defesa de
interesses homogéneos de pessoas ou grupos de pessoas, quando se esteja perante interesses
privados indissociáveis, cuja individualização seja (teórica ou praticamente) impossível.
Entendida neste sentido, a acção popular representa uma forma de alargamento da
legitimidade, que acresce á protecção jurídica subjectiva, desenvolvendo a vertente objectiva
do contencioso administrativo.

Esta lei da acção popular veio então regular um aspecto importante da vertente objectiva do
contencioso administrativo, concretizando a lei fundamental (CRP), contudo, não põe termo
aos défices de realização da constituição através da lei. Pois continuava a necessidade de dar
cumprimento às disposições constitucionais que estabeleciam um sistema de justiça
administrativa, que tem como prioridade a realização plena e efectiva dos direitos dos
particulares nas relações administrativas.

Principais disfunções na organização da justiça administrativa:


a) Confusão da competência para decidir litígios administrativos em 1ª e 2ª instância, no
mesmo órgão jurisdicional, em vez de ser exclusivamente o tribunal de recurso –
gerava acumulação excessiva de processos no STJ
b) Ausência de tribunais especializados em função da matéria

Em síntese: nem a lei da acção popular, nem as alterações ao ETAF foram capazes de diminuir
o fosso existente entre o modelo constitucional do contencioso administrativo e a sua
realização legislativa
=
Corresponde a inconstitucionalidade por omissão do legislador
=
Contencioso é ainda “ direito constitucional por realizar”

A tarefa de realização da constituição dirige-se:


o Em 1º lugar, ao próprio legislador, o qual, ao não concretizar as disposições
constitucionais relativas ao contencioso, incorre em inconstitucionalidade por omissão
o Mas também cabe aos tribunais e demais aplicadores, sobretudo quando existe um
sistema de fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das leis.

2.4 A “revolução coperniciana” da justiça administrativa na revisão constitucional de ‘97 e a


“agravada” inconstitucionalidade por omissão do legislador do contencioso administrativo
A revisão de 97 veio introduzir outra alteração ao compromisso constitucional em matéria de
contencioso administrativo, uma vez mais no sentido da sua integral jurisdicionalização e
subjectivização.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 40
Apontamentos

O legislador constituinte vem reafirmar as grandes opções de 1989 que foram:


o Jurisdição administrativa especial no âmbito do poder judicial (209º CRP)
o Relações jurídicas administrativas como objecto do contencioso (211ºnº3)
o Impugnabilidade do acto lesivo (268ºnº4)

MAS, o legislador constituinte vem também regular de um modo novo a garantia


constitucional de acesso à justiça administrativa.
Esta reformulação passa essencialmente pelos seguintes vectores:
o Colocação no centro do processo administrativo do princípio da protecção plena e
efectiva dos direitos dos particulares
o Consagração de um sistema de plena jurisdição, em que o juiz goza de todos os
poderes necessários e adequados á protecção dos direitos dos particulares,
independentemente dos meios processuais que estiverem em causa, ou de se tratar
de tutela principal, cautelar ou executiva
o Inclusão expressa do DF de impugnação de normas no conteúdo da garantia
constitucional

Trata-se aqui de uma alteração material do entendimento de DF de acesso à justiça


administrativa.
++++
Para o legislador constituinte a protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares é
garantida através de sentenças cujos efeitos vão da simples apreciação e reconhecimento de
direitos, à condenação da administração, passando pela impugnação dos actos administrativos,
assim como das adequadas medidas cautelares.
Aquilo que esta aqui em causa não são os meios processuais, mas os efeitos das sentenças
(impugnação, reconhecimento de direitos, determinação pratica de actos administrativos
legalmente devidos…)
- Isto significava a superação de todos os “complexos de infância difícil” do contencioso
administrativo, que se tinha agora transformado num contencioso pleno e subjectivo, em que
os efeitos das sentenças dos tribunais administrativos não se defrontam com qualquer
limitação “natural” ou “congénita”, antes devem ter por critério e medida (a plenitude e
efectividade de) os direitos dos particulares necessitados de tutela.

Tais opções do legislador constituinte, constantes de um DF de acesso à justiça administrativa,


de natureza. Análoga aos direitos, liberdades e garantias, gozavam desde logo de
aplicabilidade imediata (art.º 18ºCRP).
MAS, a aplicabilidade directa das normas constitucionais em matéria de acesso á justiça não
dispensava a necessária intervenção do legislador, de modo a concretizar o modelo de
contencioso administrativo da lei fundamental. Pois, se em face do texto da revisão
constitucional de ‘89 se deveria considerar uma inconstitucionalidade por omissão de
realização das normas fundamentais em matéria de justiça administrativa, então agora o
desfasamento do legislador ordinário em relação à lei fundamental já levava um atraso de
duas revisões constitucionais, pelo que era preciso uma reforma urgente.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 41
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2.5 Reforma do processo administrativo


Chegava-se assim, ao final do século XX, numa situação juridicamente insustentável de
discrepância entre o texto e a pratica constitucional no que respeitava ao contencioso
administrativo. Estava em causa a efectividade da constituição, num domínio essencial do
estado de direito, uma vez que o contencioso administrativo, que deveria ser “direito
constitucional concretizado” era ainda “por concretizar”.

Iniciou-se em 2000 um procedimento legislativo longo e atribulado, que iria conduzir à actual
reforma do processo administrativo.

Vamos analisar alguns dos aspectos desse procedimento:


1ª Fase – “impulso da reforma”
o Diferentemente do que seria de esperar, não se deu com a nomeação de uma
comissão, com um mandato para elaborar um projecto de forma, num prazo pré-
determinado
o Deu-se sim, com a apresentação pública de 3 anteprojectos, previamente elaborados,
que foram apresentados para discussão pública.
o Tratou-se de uma espécie de “falsa partida”, pois puseram-se á discussão
anteprojectos de diplomas que, afinal não eram para valer. Serviram de simples
pretexto para o inicio do procedimento
o Os anteprojectos adoptaram uma perspectiva minimalista de reforma do contencioso
administrativo, que não corresponde a alterações de fundo, nem no que se refere á
organização dos tribunais administrativos, nem no que respeita á natureza, á
interligação ou aspectos essenciais de regime jurídico dos meios processuais que hoje
temos.

2ª Fase - “fase da instrução”


o Seguiu-se um período de discussão publica (deste Fevereiro a Novembro de 2000), que
teve lugar em todas as faculdades de direito das universidades publicas e na UCP, que
teve a participação de todos os interessados na justiça administrativa (magistrados,
advogados, professores..)
o Este debate contribuiu bastante para o “diagnóstico da crise”e para o inicio dos
trabalhos da reforma
o O debate valeu muito a pena e dele surgiu a resolução de muitos problemas do direito
português
o Estava inicialmente prevista uma espécie de audiência dos interessados antes da
decisão final, que acabou por se transformar numa instrução com a participação dos
sujeitos interessados
o É de salientar a relevância dos estudos efectuados, com auxílio de ciências não
jurídicas (sociologia, economia, gestão) para apoio do legislador.

3ª Fase – “fase da pré-decisão”


o Tarefa de preparação dos textos legais de que foi encarregado o Gabinete de Politica
Legislativa e de Planeamento (GPLP), por despacho ministerial, que fixava a estratégia
e orientações politicas para a reforma do contencioso administrativo (preambulo)
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 42
Apontamentos

o Há algumas divergências doutrinais em relação á validade do despacho ministerial


(acima referido) entre Paulo Otero, Mário Torres e VPS (para mais desenvolvimentos
ver pag. 223º e ss)
o Esta fase (á semelhança da anterior) foi globalmente positiva que se verificou nos
projectos legislativos agora apresentados relativamente á sua versão originária

4ª Fase- “fase da decisão”


o Aprovação pela Assembleia de República

Tal como então se afirmou, a actual reforma do contencioso administrativo (elaborada na


sequencia de numerosas tentativas reformadoras falhadas) que foi iniciada em 2000, aprovada
em 2001, promulgada em 2002 e que se destinava a entrar em vigor em 2003, mas cuja
vigência foi adiada para Janeiro 2004, foi longamente preparada e discutida, tanto no que
respeita á justeza material, como á praticabilidade das soluções acolhidas.

Independentemente das críticas legítimas que podem ser feitas, tento ao procedimento como
ao conteúdo material de muitas das suas opções, não resta qualquer dúvida de que o balanço
global da reforma é claramente positivo e representa um significativo progresso relativamente
á situação vigente, que não era mais sustentável.

É, pois, chegada a hora de aplicar o novo contencioso administrativo.

3. “Relatório clínico” da reforma e “diagnostico provisório” das perspectivas de evolução


futura do processo administrativo
A reforma, ao regular as grandes questões infra-estruturais do contencioso administrativo (da
organização dos tribunais administrativos e fiscais e do âmbito de jurisdição administrativa),
bem como ao estabelecer o regime jurídico dos meios processuais em matéria principal,
cautelar e executiva, adquire a relevância e a natureza de uma “lei fundamental” ou de uma
“constituição” da justiça administrativa
= Daí a sua dependência, por um lado da constituição (e da Europa) – colocando-se a questão
de saber se as soluções estão mais próximas do “óptimo” ou do “mínimo constitucional” e
europeu, por outro lado, da realidade quotidiana da justiça administrativa, o que obriga a
considerar o problema da respectiva vigência.

A reforma nasceu a partir do diagnóstico, feito pela doutrina com a colaboração da


jurisprudência, de uma situação insustentável do contencioso administrativo português,
decorrente da não superação dos traumas muito profundos de uma infância difícil, cujos
efeitos se prolongaram no tempo quase até aos nossos dias, a que acrescem sintomas mais
recentes de “défice de constituição” e de “défice de Europa”.

A terapia encontrada passa pela tentativa de afastar os traumas passados e pela


constitucionalização e europeização do processo administrativo.
Feita esta análise das escolhas legislativas, tudo depende agora do modo como a reforma vai
ser aplicada e executada na vida quotidiana dos tribunais administrativos (e fiscais)
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 43
Apontamentos

1) O “óptimo constitucional e europeu” está no código de processo dos tribunais


administrativos, nomeadamente no que respeita à realização do princípio da
protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares
2) Próximo do “mínimo constitucional e europeu” está o estatuto dos tribunais
administrativos e fiscais, nomeadamente no que toca ao alargamento do âmbito da
jurisdição administração

Problemas da reforma: continua a verificar-se um défice de especialização:


- No que respeita á criação de tribunais especializados em razão da matéria (9ºnº4
ETAF)
- No que respeita á formação dos magistrados (72º E 73º ETAF)
- Diminuta autonomização da carreira dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais
em relação á dos judiciais (60º)

A reforma ficou ainda por fazer em alguns aspectos:


o Responsabilidade civil extracontratual da administração pública (fazia parte do pacote
da reforma, mas não foi aprovado)
o É preciso alargar a aplicação do código do processo dos tribunais administrativos ao
âmbito da justiça tributária, que é parte integrante da jurisdição administração e fiscal.
Pois, se é de reiterar a especialização dos tribunais tributários do domínio da jurisdição
administrativa e fiscal – Especialização esta que, num futuro próximo deveria alargar-
se a outros sectores (ex: urbanismo e ambiente)
o É tempo de começar a preparar o futuro, acompanhando a aplicação criadora de novas
regras processuais pela jurisprudência, procedendo aos reajustamentos dessas normas
que venham a ser exigidos pela prática, efectuando a longo prazo, revisões legislativas
sempre que necessário, de modo a evitar que, no futuro, se volte a verificar a
“paragem do contencioso administrativo no tempo”
o É necessário compatibilizar as novas normas processuais com o disposto no código do
procedimento administrativo, nomeadamente no que respeita às formas de actuação
administrativa

A importância destas matérias em questão obriga à ponderação e discussão de diferentes


alternativas, em função de circunstâncias presentes e de juízos de “ abertura ao futuro” e não
dos “ traumas do passado”, de forma a evitar reformas precipitadas, minimalistas e
meramente “cosméticas”.
Talvez agora seja possível adoptar um procedimento legislativo desde o início – com nomeação
de uma comissão representativa com um mandato temporal definido, a discussão publica dos
anteprojectos, a aproveitamento dos contributos da discussão nos textos finais etc..

Capítulo III
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 44
Apontamentos

“Eros e Thanatos”: A Dicotomia

Acção Comum / Acção Especial

1. Todo o processo administrativo se tornou de plena jurisdição. Meios processuais e


poderes do juiz no novo Contencioso Administrativo
DF a uma tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares (art.º 268º, n.º 4
CRP)

 Pedra angular do Processo Administrativo


 Trata-se de um DF dos particulares e de um princípio fundamental de
organização do Contencioso Administrativo
 Revisão constitucional de ’97 – representou uma verdadeira “revolução
coperniciana” no modo como se encontra formulada a garantia
constitucional de acesso à Justiça Administrativa, uma vez que agora
passam a ser os diferentes meios processuais que “giram” à volta do
princípio da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares e não ao
contrário.

A consagração deste modelo constitucional de Contencioso


Administrativo reveste-se de uma grande importância:
‒ Teórica  pois do que se trata é de superar definitivamente os
velhos traumas da infância difícil do contencioso administrativo
‒ Prática  para assegurar esse DF de acesso à justiça
administrativa, é necessário um processo administrativo que
faça corresponder a cada direito do particular um adequado
meio de defesa em juízo, independentemente de estar em causa
uma tutela cautelar, um processo declarativo, ou um processo
executivo.

O modelo de Justiça Administrativa, constitucionalmente consagrado, permitia ao


legislador ordinário alguma discricionariedade na escolha de alternativas compatíveis com
as opções fundamentais.

Podemos considerar que se colocam, basicamente, duas alternativas ao


legislador, na sua tarefa de actualização do processo administrativo:
i. A de criar tantos meios processuais quanto os efeitos das sentenças
(acções de simples apreciação, constitutivas e de condenação) [à
semelhança do modelo alemão]
ii. A de unificar todos os meios processuais, independentemente dos
pedidos ou dos efeitos das sentenças [mais próximo do direito italiano,
espanhol e mesmo francês]

Entre nós o CPA regulou os seguintes meios processuais:


‒ A acção declarativa comum (art.ºs 37º e ss)
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 45
Apontamentos

‒ A acção administrativa especial (art.ºs 46º e ss)


‒ Os processos urgentes: do contencioso eleitoral (art.º 97º e ss), do
contencioso pré-contratual (art.ºs 100ºe ss) e das intimações – para a
prestação de informações e a consulta de processos ou a passagem de
certidões (art.ºs 104º e ss), para a passagem de certidões (art.ºs 104º e
ss), para a protecção de direitos, liberdade e garantias (art.ºs 109º e ss)
‒ Os processos cautelares (art.ºs 112º e ss)
‒ E o processo executivo (art.º 157º e ss)

Assim, o método adoptado pelo legislador português parece estar mais próximo
do segundo modelo, ainda que, no que respeita aos meios principais, se tenha optado por
consagrar uma dicotomia de meios processuais: acção administrativa comum vs acção
administrativa especial.

Consequência desta dicotomia:


‒ No interior do género meio processual, ou dentro de cada um dos
meios processuais referidos, podem existir tantas espécies de efeitos
das sentenças quanto os pedidos susceptíveis de ser formulados

Cada meio processual é uma espécie de “acção-quadro”, na qual cabem as mais


distintas sub-acções, qualificadas em razão das modalidades de sentenças.

Princípio da Tutela efectiva


Art.º 2º CPA  consagra o princípio, estabelecendo que ele corresponde ao
direito a obter, atempadamente, uma decisão judicial favorável, tanto no que respeita à
tutela declarativa, como à cautelar ou à executiva (n.º1).
+
Art.º 7º CPA  explicita ainda que o conteúdo do princípio implica o direito a uma
justiça material, que se pronuncie sobre o mérito das pretensões formuladas, não se
limitando a uma mera apreciação formal do litígio.

A formulação sobre este princípio só fica completa mediante a enumeração dos


efeitos da sentença correspondentes, independentemente dos meios processuais que
estejam em causa (art.º 2º, n.º2 CPA)

‒ Estabelece uma enumeração exemplificativa dos poderes de pronúncia


judicial integrantes do princípio da tutela efectiva  lógica: progressivo
aumento de intensidade de tais poderes
‒ Assim, os poderes referidos nas:
 Als. a), b) e c) = correspondem a sentenças de simples apreciação
 Als. d) e h) = correspondem a sentenças constitutivas (de actos e
de regulamentos administrativos)
 Als. e), f), i), j), l) = configuráveis como sentenças de condenação
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 46
Apontamentos

Esta arrumação não corresponde à dos meios processuais


consagrados na reforma do Contencioso Administrativo (questão
vista do ponto de vista dos meios processuais):
 Als. a), b), c), e), f), g) = correspondem à acção administrativa
comum
 Als. d), h), i), j) = correspondem à acção administrativa especial
 Al. l) = corresponde aos processos urgentes
 Al. m) = corresponde aos meios cautelares

Em síntese,
‒ Por um lado, a amplitude dos poderes de pronúncia dos tribunais
administrativos já não se distingue mais da de qualquer outro tribunal

Consequência:
Supera-se os complexos da infância difícil, de uma pretensa limitação por
natureza à mera anulação

‒ Por outro lado, os dois principais meios processuais do CPA (acção


administrativa comum e especial) tanto podem dar origem a sentenças de
simples apreciação, como de anulação ou de condenação, já que a
qualificação dos efeitos da sentença fica dependente do pedido.

Questão: Saber qual é o critério de distinção entre a acção administrativa comum


e a especial.
‒ Da comparação dos art.ºs 37º e 46º do CPA resulta que o critério foi o de
considerar que:
 Pertencem à acção administrativa comum todos os litígios
administrativos não especialmente regulados,
 Integrando a acção administrativa especial, os processos
relativos a actos e a regulamentos administrativos.

É o mesmo que dizer, que o critério corresponde a um tratamento


processual diferente do acto e do regulamento administrativo (duas
formas de actuação administrativa).

‒ Opinião do Prof. VPS


 Tal delimitação do âmbito de aplicação da acção administrativa
comum da especial merece sérias reservas, já que no seu entender
não é justificada por verdadeiras razões de natureza processual,
antes tem por base pré-conceitos de natureza substantiva, com
origem nos traumas da infância difícil do Direito Administrativo.

 A denominação de acção administrativa especial é infeliz, por duas


razões de natureza circunstancial:
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 47
Apontamentos

i. O regime da cumulação de pedidos (art.ºs 4º e 5º CPA)


Admite-se a admissibilidade generalizada de
cumulação de pedidos no processo administrativo.

Consequência = a dita acção administrativa


especial vai passar a ser, na prática, comum e a dita
acção comum vai passar ser, na prática, a especial.

ii. A dificuldade terminológica criada por sucessivas


especialidades de meios processuais

O problema dos poderes de pronúncia do judicial pode ainda ser apreciado de


outra perspectiva:
‒ Saber se o Contencioso Administrativo se ocupa apenas de questões de
legalidade ou também do mérito das decisões administrativas

O art.º 3º CPA, estabelece:


1. A regra geral de que os tribunais julgam apenas do
cumprimento do direito por parte da Administração, não se
debruçando, em princípio, sobre questões de mérito ou de
oportunidade – art.º 3º, n.º1 CPA

2. A regra segundo a qual os tribunais podem fixar sanções


pecuniárias compulsórias (art.º 3º, n.º2 CPA), não apenas no
domínio do processo executivo (art.º 169º) mas igualmente
no processo declarativo (art.º 66º, n.º3) e no cautelar (art.º
127º, n.º2)
‒ Para tornar o Contencioso Administrativo permite-se
mesmo a antecipação das referidas sanções para o
processo declarativo
‒ Trata-se de uma excepção parcial à regra anterior  o
tribunal está a debruçar-se (ainda que de forma limitada)
sobre uma questão de oportunidade, que é da
determinação do momento do cumprimento da sentença
(ainda em fase declarativa)

3. A regra segundo a qual, o processo executivo, é ainda


possível ao juiz emitir sentenças substantivas, desde que
esteja em causa o exercício de poderes vinculados (art.º 3º,
n.º3 CPA)
‒ Obriga a repensar a linha divisória entre
Administração e Justiça

Em síntese,
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 48
Apontamentos

Trata-se de alterações muito importantes da natureza dos poderes do juiz


administrativo e que significam que o processo administrativo já não corresponde mais
ao tradicional contencioso de mera legalidade.

Intimamente relacionada com a questão dos poderes do juiz, é a da


admissibilidade de todos os meios de prova no Contencioso Administrativo.

‒ Só quando se considerava existir continuidade entre administrar e julgar,


é que fazia sentido assimilar as acções administrativas aos recursos
jurisdicionais, não admitindo meios probatórios que não fossem de
natureza documental.

‒ O “acesso directo aos factos”, independentemente da sua mediação pelo


acto administrativo, possibilitado pela admissibilidade de todos os meios
probatórios no Contencioso Administrativo, representa assim uma
importante manifestação da transformação do “processo ao acto” em
juízo sobre a relação jurídica administrativa, da passagem de um
contencioso de mera anulação para outro de plena jurisdição.

A abertura dos tribunais administrativos ao conhecimento directo dos factos


trazidos a juízo, mediante a consagração de um princípio geral de admissibilidade de
utilização de todos os meios de prova necessários e adequados ao julgamento dos litígios,
constitui a superação de mais um dos tramas da infância difícil.

2. Regras comuns a todos os meios processuais sobre os elementos do processo


O legislador estabeleceu disposições gerais aplicáveis a todos os meios
processuais relativas a elementos, pressupostos e formas de processo.
Interesse-nos analisar os elementos do processo administrativo que são as
realidades constitutivas essenciais, sem as quais não chega a haver sequer processo.

2.1. Sujeitos (de um processo de partes)


Os processos do contencioso administrativo são de partes, assim superando os
traumas de infância da doutrina do processo ao acto. Pois,
De acordo com a lógica clássica (nascida do modelo francês), o contencioso
administrativo por natureza era de tipo objectivo, destinado à mera verificação da
legalidade de uma actuação administrativa  a integralidade gravitava em torno do acto
administrativo.

Consequência:
 Nem o particular nem a Administração era considerados como partes,
antes estavam em juízo para colaborar com o tribunal na defesa da
legalidade e do interesse público.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 49
Apontamentos

 Não se admitia que eles pudessem actuar para a defesa de direitos ou


interesses próprios

Em suma, de acordo com a concepção clássica do Direito Administrativo, o


particular não era um sujeito, mas um mero objecto do poder soberano. Não lhe sendo
reconhecidos direitos subjectivos perante a Administração, pelo que a sua posição no
processo era a de um ministério público, efectuando a repressão de uma infracção e não
a de uma parte em sentido material.

A ideia de que o particular não estava em juízo para proteger os seus próprios
direitos, lesados por uma actuação administrativa ilegal, mas sim movido por um impulso
altruísta de defesa da ilegalidade e do interesse público era, em si mesma, um
contrasenso.

Consequência:
 A CRP de ’76 impôs o tratamento do indivíduo como sujeito nas relações
administrativas e a sua consideração como parte no Contencioso
Administrativo (art.ºs 20º, n.º1 e 268º, n.ºs 4 e 5)

 Reforma de ‘84/’85 deu largos passos no sentido da transformação do


Contencioso Administrativo num processo de partes

Contudo, não era apenas ao particular que a doutrina clássica negava o estatuto
de parte no Contencioso Administrativo. Também a Administração estava em juízo como
autoridade recorrida, para auxiliar o tribunal na tarefa de estabelecimento da legalidade e
do interesse público.

Razão de ser: este facto decorria do pecado original de promiscuidade


entre Administração e Justiça.

Esta promiscuidade entre Administração e Justiça, que justificava a negação da


qualidade de parte às autoridades públicas, só foi verdadeiramente afastada, entre nós,
pela CRP ’76, que integrou o Contencioso Administrativo no Poder Judicial.
Apesar da Reforma de ’84-’85 ter equiparado as intervenções processuais dos
particulares e das autoridades púbicas enquanto partes, o legislador continuava a referir-
se à Administração chamando-lhe “autoridade recorrida”.

Num contencioso plenamente jurisdicionalizado e de natureza subjectiva, tanto o


particular como a Administração são partes que, perante um juiz, defendem as suas
posições.

Agora, o Código consagra expressamente tanto:


 A regra de que particulares e Administração são parte(s) no(s) processo(s)
administrativo(s),
 Como também o princípio da igualdade efectiva da sua participação
processual (art.º 6º). Este princípio refere-se:
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 50
Apontamentos

‒ Às possibilidades de intervenção no processo


‒ À própria possibilidade de qualquer dos sujeitos processuais vir a
ser sancionado pelo tribunal.

A igualdade processual dos sujeitos é completada pelas regras do art.º 8º


CPA, que estabelece o:
‒ Princípio da cooperação  cooperação das partes e respectivos
mandatários com os magistrados a fim de obter a pronta e
adequada resolução dos litígios (n.º1)
‒ Princípio da BF processual  para evitar diligências e dilações
inúteis (n.º2)

Âmbito da cooperação das partes – art.º 8º, n.º3 CPA


 Disposição que não tem nada que ver com qualquer pretensa posição de
“autoridade recorrida”, nem deve ser entendida como sucedâneo do ónus
de contestação, nem sequer se traduz numa situação de desigualdade,
relativamente ao particular
 Disposição que tem que ver com a necessidade de facultar ao tribunal
elementos de prova, que tanto podem ser favoráveis à Administração
como aos particulares

A ideia de que o processo administrativo é de parte encontra-se também


subjacente às regras comuns de legitimidade, constantes dos art.ºs 9º e ss do CPA.

De acordo com os cânones clássicos, a legitimidade constituía o critério de acesso


ao juiz e esta era determinada em razão do interesse (directo, pessoal e legítimo) dos
particulares no afastamento do acto administrativo da ordem jurídica.
Tirando o carácter directo do interesse, os requisitos de pessoal e legítimo não se
referem apenas à relação processual, mas apontam, sobretudo, para a relação jurídica
material.

Consequência: dava origem a um paradoxo da concepção clássica do Contencioso


Administrativo.

‒ Por um lado, recusava-se que o particular fizesse valer um direito no


recurso ou falava-se num direito à legalidade, concebido em termos
objectivos
‒ Por outro lado, os requisitos que a jurisprudência e a doutrina exigiam
para a determinação do interesse processual apontavam para a sua
substancialização


Radicalmente diferente é o regime jurídico estabelecido pelo CPA:
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 51
Apontamentos

‒ Determina que a legitimidade decorre da alegação da posição de parte na


relação material controvertida (art.º 9º e ss CPA).
‒ O critério agora é o da atribuição de legitimidade, na relação processual,
em razão da posição dos sujeitos e da alegação de direitos e deveres
recíprocos, na relação jurídica substantiva.

Isto corresponde a adoptar uma noção adequada da legitimidade no


Contencioso Administrativo, destinada a assegurar a ligação entre a
relação material substantiva e a relação processual, fazendo com que os
participantes no processo sejam os sujeitos efectivas da relação material.

‒ No respeita à legitimidade activa (art.º 9º, n.º1 CPA):


 O autor é parte legítima em razão dos direitos subjectivos, ou das
posições de vantagem, de que alegadamente é titular na relação
jurídica administrativa, o que vale para todos os meios
processuais e para todos os pedidos.

[?] Problema da qualificação das posições jurídicas substantivas dos particulares


perante a Administração
‒ Opinião do Prof. VPS:
Já não se justifica mais a distinção clássica entre direitos subjectivos,
interesses difusos e interesses legítimos.
Na sua perspectiva, não só considera inaceitáveis, num Estado de
Direito, os pressupostos (passados) que negavam ao particular a
qualidade de sujeito nas relações administrativas, como também não lhe
parece fazer sentido continuar a distinguir entre direitos subjectivos de 1ª
categoria e direitos de segunda, antes todas as posições substantivas de
vantagem dos privados perante a Administração devem ser entendidas
como direitos substantivos. Assim, a concepção que trata de forma
unitária as posições jurídicas dos indivíduos em face da Administração
parece-lhe ser a mais adequada.
A pretensa distinção das categorias de direito subjectivo, de interesse
legítimo e de interesse difuso assenta numa distinção de ordem formal,
que é a que decorre da utilização pela ordem jurídica de diferentes
técnicas de atribuição de posições de vantagem, ainda que conduzindo a
resultados idênticos.

Sujeitos activos do Contencioso Administrativo são também o actor público e o


acto popular (art.º 9º, n.º2 CPA). Pois, num Estado de Direito, o Contencioso
Administrativo, desempenha:
‒ Função subjectiva: de protecção plena e efectiva dos direitos dos
particulares
‒ Função objectiva: de tutela da legalidade e do interesse público
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 52
Apontamentos

No direito português, o Contencioso Administrativo desempenha:


 Uma função predominantemente subjectiva, realizada mediante a
intervenção dos sujeitos privados, que actuam para a protecção
dos respectivos direitos subjectivos (art.º 9º, n.º1 CPA)
 Mas também desempenha uma função objectiva, a qual, para
além de resultar directamente da acção para a defesa de direitos,
é realizada, de forma imediata, pela intervenção do actor público
e do actor popular (art.º 9º, n.º2 CPA).

Consequência:
 Ao lado dos sujeitos privados, que actuam na defesa de
interesses próprios, é também preciso considerar como
sujeitos processuais o actor público e o actor popular,
que actuam na defesa da legalidade e do interesse
público.

Acção Pública:
‒ Constitui, actualmente, o principal poder de intervenção processual do
MP, na sequência da reforma do Contencioso Administrativo, que
revalorizou o respectivo papel do sujeito processual em detrimento da
sua intervenção como “auxiliar do juiz”.
‒ No que refere à acção popular estabelece-se que tanto o actor público
como o actor popular, agem para defesa da legalidade e do interesse
público (art.º 9º, n.º2 CPA – “independentemente de terem interesse na
demanda”), prosseguindo a tutela objectiva de bens e valores
constitucionalmente protegidos.
‒ Duas situações:
1. Legitimidade para a defesa de interesses próprios, que tem lugar
sempre que o autor alegue uma posição jurídica subjectiva de
vantagem no âmbito de uma RJ
Neste caso, o Contencioso Administrativo desempenha
uma função predominantemente subjectiva, de protecção dos
direitos dos particulares.

2. Legitimidade dos indivíduos, das p.c., das autarquias locais e do


MP, para a defesa da legalidade e do interesse público, no
exercício da acção pública ou da acção popular
Neste segundo caso (acção popular e acção pública), o
Contencioso Administrativo adquire uma função
predominantemente objectiva, de tutela da legalidade e do
interesse público – a qual, num Estado de Direito, é também uma
função essencial da Justiça Administrativa.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 53
Apontamentos

Originalidade do Contencioso Administrativo  possibilidade de


prossecução directa da tutela objectiva da legalidade e do
interesse público mediante a actuação processual do actor público
e do actor popular.

Se a função predominante do contencioso pode variar, consoante


os sujeitos e, sobretudo, os interesses (públicos ou privados) que
prosseguem, o que nunca muda é a posição de parte que
qualquer desses sujeitos ocupa no processo.

‒ Legitimidade Passiva
Critério – é o da relação material controvertida, considerando-se
como partes as entidades públicas, mas também os indivíduos ou p.c.
privadas, sujeitos às obrigações e deveres simétricos dos direitos
subjectivos alegados pelo autor (art.º 10º, n.º1 CPA)
Nota: a Autoridade Administrativa é sempre parte, e não uma
qualquer “autoridade recorrida” = passo considerável da parte do
legislador: trata a Administração nos termos do princípio da igualdade das
partes

Outras transformações relevantes da Administração Pública no moderno Estado


Pós-social, há que referir:
1. A multiplicidade e diversidade de natureza dos entes que exercem a
função administrativa, quer daqueles que se integram na própria
estrutura da Administração pública, quer dos privados que como ela
colaboram (v.g. concessionários)
Daqui resulta que da Administração como bloco unitário
passou-se a uma pluralidade de administrações, podendo mesmo
afirmar que a Administração Pública já não existe mais, apenas existem
as administrações públicas, entre as quais se desenvolvem relações,
conflitos, acordos, controvérsias.

2. A multiplicidade de competências decisórias autónomas e o


consequente descentramento da actividade administrativa, que deixou
de gravitar em torno do Governo

3. A suspensão do “dogma” da impermeabilidade da pessoa jurídica,


decorrente da complexidade da estrutura administrativas e das novas
exigências jurídicas do princípio da legalidade, que obrigam a atribuir
importância crescente às RJ inter-orgâncias e intra-orgânicas.

4. O afastamento da teoria das “relações especiais do poder”, decorrente


do moderno entendimento do princípio da legalidade e do regime
jurídico dos DF.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 54
Apontamentos

Consequência: levar à consideração de que tudo o que sucede no


interior de uma p.c. também possui natureza jurídica.

Todas estas transformações da Administração Pública, entre outras


consequências, vieram mostrar a necessidade da dogmática jurídica repensar os conceitos
de p.c. pública e de órgão. Verificou-se, assim, uma tendência para autonomizar o papel
das autoridades administrativas enquanto sujeitos de relações jurídicas, enquadradas pela
doutrina de formas muito diversas:
‒ Orientação, mais radical, de matriz italiana  a via a seguir passaria pela
denominada “desubjectivização” da organização administrativa, o que
implica o abandono dos conceitos tradicionais das autoridades públicas
sob a nova denominação de “serviços”, que passariam a ser os únicos
sujeitos administrativos.

‒ Orientação, mais generalizada, de origem alemã  é necessário


relativizar o conceito de p.c. e atentar antes na noção de capacidade
jurídica, de que são dotados os órgãos públicos, e que faz deles os
efectivos sujeitos das RJ administrativas.

‒ Entre nós = mesmo se a doutrina não tem colocado muito a questão


nestes termos, o ordenamento jurídico parece acompanhar esta
tendência, que parte do entendimento das autoridades administrativas
como sujeitos de direito, susceptíveis da titularidade de posições jurídicas
activas e passivas.

Por tudo isto, eis a posição defendida pelo Prof. VPS:


‒ É possível concluir que, na nossa ordem jurídica, também se relativiza a
ideia da personalidade jurídica das entidades públicas, e se dá primazia à
actuação dos seus órgãos, fazendo das autoridades administrativas
sujeitos funcionais de RJ, dotados de capacidade jurídica própria, e
admitindo-se, portanto, a existência de relações inter-orgânicas.
‒ O Prof. tem vindo a considerar que os sujeitos das relações
administrativas, para além das p.c., também podem ser os órgãos
administrativos.

Posição adoptada pelo legislador (posição próxima da do Processo Civil):


i. Considera que a p.c. como sujeito passivo das relações processuais, ainda
que tenha estabelecido uma excepção relativamente ao Estado

 Considerando que os respectivos actos são de imputar aos


respectivos ministérios em que se integrem os órgãos em causa
(art.º 10º, n.ºs 2 e 3).
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 55
Apontamentos

Significado: sempre que esteja em causa a p.c. Estado, se


autonomiza o ministério como efectivo sujeito da RJ, quer esteja
em causa a actuação de órgãos dele directamente dependentes,
quer não.

Opinião do Prof. VPS relativamente a esta solução:


 Solução que aponta no sentido correcto, de autonomização
das autoridades administrativas como sujeitos processuais,
 Solução que pode ser justificada com base no argumento
(“tradicional”) de se considerar que os ministérios
prosseguem atribuições diferenciadas, mas que peca.

Já que, nos nossos dias, é “artificial” a


construção segundo a qual as p.c. prosseguem
atribuições e os órgãos possuem competências, pois,
na maior parte dos casos, as duas realidades são
indissociáveis, pelo que a solução que o Prof. julga
mais adequada teria sido a de fazer das autoridades
administrativas os efectivos sujeitos das relações
processuais, relativamente aos seus próprios
comportamentos e, bem entendido, na medida das
respectivas competências decisórias.

ii. Opinião do Prof. relativamente à solução legislativa adoptada:


 Não foi a solução mais adequada, do ponto de vista teórico.
 Ela é suficientemente “aberta” para permitir resolver alguns dos
problemas de “crise de identidade” dos sujeitos administrativos,
dado que, na prática, consagra a possibilidade de tanto as p.c.
como os órgãos administrativos serem sujeitos processuais.

Em síntese  Questão da legitimidade passiva


A reforma parece ter consagrado uma solução “clássica”, de preferência pela p.c.
como sujeito processual, o que não se afigura ter sido a solução teoricamente mais
adequada.
Fê-lo, contudo, de uma forma “aberta”, através de normas que, na prática,
permitem a intervenção processual das autoridades responsáveis pelos comportamentos
administrativos litigados, o que possibilita olhar para o problema de forma
descomplexada, considerando estas como os efectivos sujeitos das relações de
Contencioso Administrativo.

A problemática dos sujeitos do Contencioso Administrativo necessita de ser


entendida no quadro das RJ multilaterais, de modo a permitir o chamamento a juízo e
todos os titulares da relação material controvertida, fazendo coincidir a relação
processual com a substantiva.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 56
Apontamentos

O legislador da reforma do Contencioso Administrativo parece ter tido consciência


da necessidade de fazer dos intervenientes das relações multilaterais também sujeitos
processuais – nomeadamente no:
i. Art.º 12º (coligação)
Prevê-se a possibilidade de litisconsórcio voluntário (activo e passivo),
‒ Quer em caso de coligação de autores contra um ou vários
demandados, tratando-se de uma única e da mesma causa de
pedir e de pedidos distintos numa relação de prejudicialidade
ou de dependência (art.º 12º, n.º1, al. a))
‒ Quer no caso de se tratar de distintas causa de pedir, mas os
pedidos suscitados possuírem idênticos fundamentos e facto e
de direito (art.º 12º, n.º1, al. b))

Em ambos os casos, verifica-se a abertura do processo aos


sujeitos da RJ multilateral, permitindo-se que eles intervenham
no Contencioso Administrativo para a protecção conjunta dos
respectivos direitos.

Coligação que se pode verificar também no contencioso


impugnatório, que não é mais “processo ao acto”, mas sim um processo
que tem por objecto a RJ multilateral administrativa (art.º 12º, n.º2)

ii. Art.º 48º (processos em massa)


Trata-se de processos envolvendo uma multiplicidade de sujeitos, mas
que dizem respeito à mesma RJ material, ou a ligações similares, e em que
estão em causa idênticos fundamentos de facto e de direito, para os quais
se prevê a possibilidade de que, “ouvidas as partes, (…) seja dado
andamento a apenas um ou alguns deles, que este último caso são
apensados num único processo, e se suspenda a tramitação dos demais”
(n.º1 do referido art.º).
Protecção conjunta dos sujeitos intervenientes nos processos de
massa (n.º5)

iii. Art.º 57º (contra-interessados)


Menos feliz – porque mais marcada pelos traumas de infância – parece
ao Prof. ser a solução encontrada para os casos de litisconsórcio
necessário passivo, no caso da acção administrativa especial, em que os
sujeitos processuais são tradicionalmente designados de contra-
interessados (art.º 57º CPA).

2.2. Objecto do processo


Elemento essencial  saber em que consiste o objecto do processo.

Questão amplamente discutida pela doutrina, porquê?


Contencioso Administrativo 2010 – 2011 57
Apontamentos

‒ Trata-se de assegurar a ligação entre a RJ material e a RJ processual,


determinando quais os aspectos da RJ substantiva, existente entre as
partes, que foram trazidos a juízo.

Na dogmática do Processo Civil, assente que objecto do processo é o direito


subjectivo feito valer em juízo, muito controvertida tem sido a questão de saber:
‒ Se tal objecto é determinado por tudo aquilo que for trazido a tribunal,
independentemente das pretensões dos particulares  teoria
processualista
‒ Se o que revela são as pretensões do autor, em vez dos factos trazidos a
juízo, como sustenta a doutrina substancialista.
‒ Se é necessário conciliar as duas dimensões, como argumentam as
concepções eclécticas

Da perspectiva do Prof. VPS  uma noção adequada do objecto do


processo deve proceder a uma ligação do pedido e da causa de pedir,
considerando-os como dois aspectos do direito substantivo invocado.
(pedido e causa de pedir apresentam-se como verso e reverso da mesma
medalha).

No Contencioso Administrativo, a orientação tradicional olhava para o objecto do


processo de uma perspectiva dualista:
‒ Consoante se tratasse do contencioso de anulação, que se entendia ter
por objecto o acto administrativo
‒ Ou conforme se tratasse do contencioso das acções, em que se admitia
que, à semelhança do Processo Civil, os direitos subjectivos alegados
pudessem constituir o objecto do litígio

A reforma do Contencioso Administrativo pôs termo a esta orientação tradicional:


‒ Afastando a dicotomia que separava o contencioso de anulação do
contencioso de plena jurisdição
‒ Conferindo ao juiz administrativo, independentemente dos meios
processuais em causa, a plenitude dos poderes necessários à tutela plena
e efectiva dos direitos dos particulares.

Consequência = dava, assim, cumprimento ao modelo constitucional de


um Contencioso Administrativo plenamente jurisdicionalizado e
subjectivizado (art.º 212º, n.º3 CRP)

Assim, o legislador português ao consagrar um modelo de Justiça Administrativa


destinado à protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares (art.ºs 268º, n.º4 CRP
e 2º CPA), afastou definitivamente os “fantasmas” do “contencioso feito ao acto”,
colocando os direitos dos particulares no centro do processo.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 58
Apontamentos

2.2.1. Pedido
A noção de pedido, para a doutrina processualista, compreende o efeito
pretendido pelo autor e o direito que esse efeito visa defender

Estando em causa a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo


autor e do conteúdo e objecto do direito a tutela, torna-se necessário distinguir entre:
‒ “Pedido imediato” – é o efeito pretendido pelo autor
‒ “Pedido mediato” – que é o direito que esse efeito visa tutelar

Diferente era a posição tradicional da doutrina do Contencioso Administrativo:


‒ Por um lado, hiperbolizava o pedido (de anulação do acto administrativo)
‒ Por outro lado, só se preocupava com a sua vertente imediata.

Só que esta visão tradicional acerco do objecto do processo é incompatível com o


modelo constitucional de Justiça Administrativa que:
‒ Por um lado, consagra a posição substantiva do particular como sujeito
titular de direitos nas RJ administrativas (v.g. art.º 212º, n.º3 CRP)
‒ Por outro lado, estabelece um princípio de protecção plena e efectiva dos
direitos dos particulares através do contencioso administrativo (art.º
268º, n.º4 CRP)

Por isso, agora, haverá sempre que considerar o pedido no Contencioso


Administrativo tanto na sua vertente imediata como mediata, tanto no que respeita
aos efeitos pretendidos pelas partes como às posições jurídicas subjectivas que tais
efeitos visam proteger.
A reforma do Contencioso Administrativo obriga a olhar para o problema do
pedido de uma forma renovada, tanto no que respeita:
‒ Ao pedido imediato
Uma vez que os efeitos pretendidos pelas partes, independentemente
do meio processual utilizado, não sofrem qualquer limitação, podendo ser
solicitados de modo isolado ou em acumulação.

‒ Ao pedido mediato
Já que todos os direitos das relações administrativas são susceptíveis
de ser trazidos a juízo e de constituir objecto do processo administrativo.
O que significa que todos os direitos das relações administrativas (e
fiscais) são susceptíveis de protecção jurídica.

Tendo em conta que o Processo Administrativo desempenha


primacialmente uma função de natureza subjectiva, mas desempenha
também, entre nós, a título complementar, uma função objectiva de
forma directa é necessário equacionar a questão do pedido de modo
diferente, consoante esteja em causa uma:
 Acção para defesa de direitos dos particulares
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 59
Apontamentos

Quando se está perante uma acção para defesa de


direitos (que corresponde à função primacial do Contencioso
Administrativo) é necessário considerar o pedido tanto na sua
vertente imediata como mediata, ligando os efeitos
pretendidos ao(s) direito(s) que se visa proteger.

 Acção pública ou popular


Os sujeitos actuam para a defesa da legalidade e do
interesse público (art.º 9º, n.º2 C.ProcessoAdm.), pelo que,
nessas hipóteses, só há que considerar a vertente do pedido
imediato. Pois, nessas hipóteses circunscritas é que o
Contencioso Administrativo desempenha directamente uma
função objectiva.

2.2.2. Causa de pedir


Esta noção é também uma daquelas questões muito marcadas pelos traumas da
infância difícil do Contencioso Administrativo, que praticamente só tem sido discutida
a propósito da impugnação de actos administrativos.

De acordo com a concepção do “processo do acto”, segunda a qual a função do


contencioso é a da mera tutela da legalidade e do interesse público, não estando em
causa posições subjectivas dos particulares, a causa de pedir deveria ser:
‒ A apreciação integral da actuação administrativa trazida a juízo, de modo
a permitir uma consideração objectiva da legalidade ou ilegalidade do
acto em face de todas as possíveis normas aplicáveis e no que respeita a
todas as possíveis fontes de invalidade

Se tal deveria ter sido a solução teórica coerente com os pressupostos


objectivistas, todavia, a doutrina clássica do Contencioso Administrativo tendia antes a
considerar que o que relevava para a determinação da causa de pedir eram as
alegações do autor referentes ao acto administrativo, nomeadamente quanto a saber
qual o tipo de invalidade de que o acto enferma.

Em abstracto, a orientação a tomar quanto à causa de pedir deve depender da


função e da natureza do Contencioso Administrativo. Assim, uma orientação
objectivista da justiça administrativa implica:
‒ A consideração da validade ou invalidade do acto administrativo como
causa de pedir, independentemente das alegações dos particulares
relativas aos seus interesses materiais lesados.

Um Contencioso Administrativo virado primacialmente para a protecção jurídica


subjectiva, pelo contrário, configura a causa de pedir na sua ligação com os direitos
dos particulares.
Não é o acto administrativo, na sua globalidade, que constitui o objecto do
processo, mas sim o acto enquanto lesivo de direitos dos particulares.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 60
Apontamentos

Assim, a causa de pedir:


‒ Não é a ilegalidade absoluta ou abstracta do acto administrativo
impugnado,
‒ Mas uma ilegalidade relativa, quer dizer, relacionada com o direito
subjectivo lesado, tendo sempre de se verificar uma relação ou uma
conexão de ilegalidade entre a ilegalidade da actuação administrativa e o
direito subjectivo violado

A reforma, na sequência do modelo constitucional, instituiu:


‒ Um Contencioso Administrativo de matriz primacialmente subjectiva,
destinado à protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares
‒ E mesmo se, complementarmente, consagrou a possibilidade de tutela
directa da legalidade e do interesse público, fê-lo no quadro de um
contencioso de natureza subjectiva, estruturalmente organizado como
um processo de partes, através dos mecanismos da acção pública e da
acção popular (art.º 9º, n.º2 C.Processo.Adm.)

Resultado: a causa de pedir, no âmbito de um sistema em que todos os


meios processuais são de plena jurisdição, deve ser sempre entendida,
não em termos absolutos ou abstractos, mas de forma conexa com as
pretensões formuladas pelas partes

Art.º 95º C.Processo.Adm.:


‒ N.º1
 Regra que corresponde à consagração de um princípio geral de
contraditório no Contencioso Administrativo, ainda que
temperado pela consagração de poderes inquisitórios do juiz
 Para além de ter o alcance de determinar que o objecto do
processo é configurado essencialmente pelas alegações das
partes, devendo a causa de pedir ser determinada em razão das
pretensões dos sujeitos

‒ [?] Saber se este princípio geral é, ou não, posto em causa pelo estatuído
no n.º2 (do mesmo art.º), que parece consagrar uma norma especial para
os processos impugnatórios de actos administrativos
 É explicável como mais uma manifestação do velho trauma de só
atribuir importância à questão da causa de pedir quando estão
em causa actos administrativos

‒ Art.º 95º, n.º2 pode-se decompor em duas partes distintas


 1ª parte:
O objectivo da norma é que o julgador aprecie a integralidade
do(s) direito(s) alegado(s) pelo particular, procurando evitar que o
juiz conheça apenas da 1ª ilegalidade apreciada, ou que tome
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 61
Apontamentos

apenas conhecimento parcial das ilegalidades da RJ litigada, a


pretexto do falso argumento de que isso, só por si, bastaria para
inquinar a validade da actuação administrativa.

Ao determinar o dever de conhecimento da integralidade da RJ


trazida a juízo, previne-se o surgimento de:
 Verdadeiros “círculos viciosos”,
 Sucessivas e infrutíferas apreciações jurisdicionais
(gravemente lesivas dos direitos dos particulares e
atentatória do bom funcionamento da Justiça
administrativa)

Consequência da determinação deste dever  consagra-se


uma acrescida protecção dos direitos dos particulares, tornando
efectivo os meios processuais
CONCLUSÃO: a disposição contida na 1ª parte do art.º 95º,
n.º2
 Não só não constitui excepção alguma à regra geral
constante do n.º1,
 Como também muito menos tem que ver com algum
alargamento do objecto do processo para além das
pretensões das partes
 Antes consagra o entendimento da causa de pedir em
conexão com os direitos dos particulares

 2ª parte
[?] Problema = saber qual a amplitude deste dever do juiz,
nomeadamente quanto a saber se ele se encontra limitado pelos
factos trazidos pelas alegações das partes ou se, pelo contrário,
pode ir além destes, transformando o juiz numa verdadeira parte
processual
 Questão complexa que se prende:
o Por um lado, com as concepções globais de
teoria do processo e com as opções do
legislador quanto ao objecto do Contencioso
Adm.
o Por outro lado, com as concepções
substantivas respeitantes à noção de direito
subjectivo público e de RJ administrativa

 Perspectiva do Prof. VPS:


(1) O juiz pode qualificar diferentemente os factos
alegados pelas partes;
(2) Com a reforma, a causa de pedir deixa de estar
“espartilhada” pelo expediente dos vícios do acto
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 62
Apontamentos

administrativo, permitindo-se o acesso directo do juiz


aos comportamentos da Administração na medida da
lesão dos direitos alegados pelos particulares.

Isto significa que:


o A norma em apreço introduz um alargamento
dos poderes de juiz, no que respeita ao
conhecimento do objecto do processo, ao
desligar a causa de pedir do mecanismo dos
vícios do acto administrativo, possibilitando a
apreciação directa dos direitos dos particulares
e dos factos causadores da respectiva lesão

Os vícios do acto administrativo constituíram (quando surgiram em França) um


expediente técnico-jurídico destinado a alargar o âmbito do contencioso
administrativo.

‒ Os vícios constituíam um expediente para aceder ao acto administrativo,


tendo como pretexto as alegações dos particulares dotados de
legitimidade processual, num controlo da actuação administrativa
concebido em termos limitados e objectivistas.

‒ Eram uma “pequena fresta” aberta sobre os direitos dos particulares e os


factos que os lesavam, mas não era uma “porta de entrada” para o
controlo plena da legalidade da actuação administrativa nem para a
protecção efectiva dos direitos dos particulares.

Quando recebidos no direito português, também desempenham essa função


(processual) de abertura do Contencioso Administrativo.
Do ponto de vista processual:
‒ Os vícios do acto administrativo eram vistos, pela doutrina e
jurisprudência, como uma forma de introduzir em juízo a causa de pedir,
num contencioso concebido em termos objectivos.

Agora, a causa de pedir não está mais condicionada pela técnica dos vícios, nem
tem que respeitar exclusivamente ao acto administrativo impugnado, sendo
delimitada apenas em razão dos direitos alegados pelos particulares.

Na opinião do Prof. o afastamento de uma visão restritiva da causa de pedir,


correspondente à técnica de acto administrativo1, não se deve:
‒ Confundir com a adopção de uma concepção objectivista quanto ao
problema do objecto do processo, entendendo que a causa de pedir é a

1 Está em causa a identificação de ilegalidades diversas daquelas que foram identificadas pelo autor.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 63
Apontamentos

ilegalidade do acto jurídico, desligada da respectiva conexão com as


posições jurídicas dos particulares

Consequência: o Prof. não acompanha as considerações de Vieira de


Andrade, para quem “a questão principal a resolver no processo é, em
qualquer caso, nos termos da lei, a da ilegalidade do acto impugnado e
não necessariamente a da lesão de um direito substantivo do particular,
que nem pode existir no caso”.

Daqui resulta a interpretação, segunda a qual, nos


termos do art.º 95º, n.º2, o juiz tem de conhecer de todos os
vícios invocados pelo autor e, além disso, deve averiguar
oficiosamente a existência de ilegalidades do acto impugnado,
em derrogação do princípio da limitação do juiz pela causa de
pedir, o que constituiria um aspecto claramente objectivista do
modelo legal, que se soma à possibilidade de o MP invocar
vícios não invocados pelo autor (VA).

Solução incompatível tanto com as regras e os


princípios constitucionais relativos à natureza e função do
poder judicial, em geral, e do Contencioso Adm., em especial,
como também não está de acordo com as disposições
estabelecidas no Código Processo – opinião do Prof. VPS

Na opinião do Prof. o alargamento da causa de pedir em conexão com as


pretensões das partes não deve significar
‒ Esquecer a RJ material
‒ Nem os direito subjectivos dos particulares que constituem o objecto do
processo, sempre que está em causa a acção para a defesa de interesses
próprios

Desta forma, não faz sentido discutir abstractamente a questão da maior


ou menor extensão com que se pretenda configurar a pretensão
anulatória que é deduzida no processo de impugnação de actos
administrativos, como se ela fosse separável da RJ material trazida a juízo.

O que está em causa é uma actuação administrativa lesiva dos direitos e


não, sem mais, o acto administrativo, através da construção de uma
pretensão anulatória.

PROBLEMA  tem a ver com a noção de direito subjectivo público de que


se parta.
 Posição de Mário Aroso de Almeida
Parte do direito processual para o direito substantivo, sendo
de natureza subjectivista, acaba por reconduzir as posições
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 64
Apontamentos

subjectivas dos particulares à ilegalidade da actuação


administrativa.

Daí a consideração de que o direito subjectivo do particular


perante actuações administrativas consiste numa pretensão
anulatória, dirigida à eliminação do acto impugnado da ordem
jurídica e, com ela, a cessação da situação de perturbação por
ele causada.

Opinião do Prof. = esta construção de uma pretensão


anulatória, ou de um direito subjectivo à anulação, não lhe
parece teoricamente adequada nem conforma com o direito
português, tanto do ponto de vista substantivo como da
perspectiva processual. Razões:
i. Esta construção assenta na confusão entre a RJ
substantiva e a processual, entre o direito de acção e o
direito subjectivo de que o particular é titular, no âmbito
de uma concreta RJ administrativa

ii. Confunde a titularidade do direito com a sua lesão, em


virtude de uma actuação administrativa, ou com o
respectivo exercício judicial, pois só considera o
surgimento do direito a partir da verificação do facto
lesivo, quando não atende apenas ao momento do
reconhecimento da existência de um direito do
particular pelo tribunal

iii. É uma figura que não só é incapaz de abranger o


universo das posições jurídicas substantivas dos
particulares perante a Administração, como também
obriga a distinguir a os direitos subjectivos públicos em
razão, não da posição jurídica do respectivo titular, mas
do facto de se estar, ou não, perante um acto
administrativo.

Consequência: cria-se, assim, uma categoria especial de


direitos subjectivos fundada:
o Não nas situações jurídicas dos respectivos
titulares
o Mas nas actuações do sujeito oponente na RJ
material, já que o conteúdo do direito
corresponderia ao acto administrativo, o que é
um contrasenso.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 65
Apontamentos

Do ponto de vista processual:


 A concepção do direito à anulação do acto
administrativo, assumindo uma natureza formalmente
subjectivista, acaba por conduzir, paradoxalmente, ao
resultado objectivista de considerar a causa de pedir
como relativa à validade do acto administrativo

Tal entendimento da causa de pedir desligada dos


direitos dos particulares equivale a fazer do juiz uma
parte no processo, o que se afigura ser manifestamente
inconstitucional, para além de ser incompatível com as
disposições contidas no C.Processo.Adm.

Ao adoptar esta posição subjectiva/objectiva da cauda de


pedir, do que se trata é, no fundo, de estender ao
próprio juiz o poder que, até aqui, só era reconhecido ao
MP, de identificar causas de invalidade não invocadas
pelo impugnante.

Art.º 95º, n.º2 CPA


‒ Não constitui nenhuma excepção à regra do n.º1, segundo o qual o
tribunal conhece apenas das questões suscitadas pelas partes,
‒ Mas deve antes ser entendido como a particularização dessa regra para
os processos impugnatórios, tendo em conta as mudanças operadas pela
reforma da Justiça Administrativa, que transformaram a natureza
daqueles processos, da “mera anulação” para a “plena jurisdição”

SÍNTESE
O problema do objecto do processo no Contencioso Administrativo, a partir do
momento em que todo o contencioso se tornou de plena jurisdição, deve ser
considerado de maneira diferenciada:
‒ Não em razão do meio processual (recurso vs acção) ou das formas de
actuação administrativa (acto e regulamento vs contrato ou actuação
informal)
‒ Mas sim em razão da função desempenhada pelo meio processual,
distinguindo consoante esteja em causa uma:
a. Acção para defesa de direitos ou interesses próprios
O objecto do processo é constituído pelos direitos subjectivos
alegados pelos particulares numa concreta RJ administrativa.
Sendo possível a formulação de todos os pedidos (imediatos)
necessários e adequados, assim como a respectiva cumulação,
para a tutela das posições subjectivas em questão, e sendo a
causa de pedir configurada em razão das alegações das partes
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 66
Apontamentos

b. Acção pública ou de uma acção popular


Acção que se destina à tutela directa da legalidade e do
interesse público, mas por intermédio de um processo de partes.
O objecto do processo é igualmente delimitado pelas
alegações dos sujeitos, só que elas configuram uma mera
pretensão processual, que não corresponde a nenhuma posição
jurídica substantiva do actor público e do actor popular.
É admissível a formulação de qualquer pedido e a respectiva
cumulação, sendo a causa de pedir também delimitada em razão
das alegações dos sujeitos processuais, de modo a obter a tutela
completa e eficaz dos interesses em questão, num processo
estruturado em termos de partes e regido basicamente pelo
princípio do contraditório.

Capítulo IV

A Acção Administrativa Dita Especial como Acção Comum do Novo Processo Administrativo

1. A acção administrativa “especial” e suas modalidades


A acção administrativa especial é um meio processual principal do Contencioso
Administrativo, através do qual são tuteláveis alguns dos mais importantes direitos subjectivos
das relações jurídicas administrativas.
Do ponto de vista processual
‒ Consiste numa acção com um vasto âmbito de aplicação, que permite a
formulação de uma grande variedade de pedidos e que, por sua vez, dá origem a
uma correspondente diversidade de efeitos das sentenças.

De acordo com o art.º 46º, n.º2 CPA, constituem pedidos principais da acção
administrativa especial:
a) A anulação de um acto administrativo ou a declaração da sua inexistência
b) A condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido
c) A declaração de ilegalidade de normas regulamentares ilegais
d) A declaração de ilegalidade pela não emissão de regulamentos

A acção administrativa especial possui um âmbito de aplicação correspondente:


‒ Ao recurso de anulação, mas só que entendido em termos muito amplos2, de
modo a compreender:

2Este entendimento “amplo” do recurso de anulação como um processo de plena jurisdição, destinado à tutela
plena e efectiva dos direitos dos particulares, já era pelo Prof. defendida antes da presente reforma do Contencioso
Administrativo
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 67
Apontamentos

1) As sentenças de anulação e de declaração de nulidade de actos


administrativos, agora no quadro da integralidade da relação jurídica
trazida a juízo e permitindo a cumulação com outros pedidos (processo
declarativo) – art.ºs 24º e ss da anterior LEPTA

2) A eficácia ultra-constitutiva das sentenças, englobando a proibição de


refazer a acto anulado e o dever de reconstituição da situação hipotética
que existiria se ele não tivesse sido praticado, a cargo da Administração –
art.ºs 95º e ss da LEPTA e art.ºs 5º e ss do DL n.º 256-A/77

3) A anulação de actos administrativos omitidos, que antes se efectuava


através da anulação dos denominados actos tácitos de indeferimento, mas
que, agora, é substituída pela possibilidade de reagir contra a própria
omissão e obter a condenação da Administração à prática do
comportamento devido – anteriores art.ºs 32º, 33º, 51º da LEPTA

4) As novas possibilidades de condenação da Administração em relação a


actos de conteúdo negativo

‒ À acção para reconhecimentos de direitos, na medida em que esta pudesse dizer


respeito ao universo dos actos administrativos, complementando os demais meios
processuais, designadamente:
1) Às situações de alternatividade entre o recurso de anulação e a acção para
reconhecimento de direitos

2) Às situações em que poderia existir uma relação de “supletividade” da


acção de reconhecimento em relação ao recurso de anulação

‒ Ao contencioso dos regulamentos, que agora se amplia mediante:


1) A possibilidade de impugnação de regulamentos, substituindo e unificando
os 2 meios processuais antes existentes, mas indo para além deles, na
medida da possibilidade de cumulação de pedidos

2) As novas possibilidade de reacção contra a omissão ilegal de regulamentos


devidos (antes inexistente)

2. Da impugnação de actos administrativos


2.1. Âmbito de aplicação
A acção de impugnação de actos administrativos é uma subespécie da acção
administrativa especial.
O recurso de anulação, que tinha tido historicamente uma grande importância, era, de
há muito, uma realidade em crise de identidade.
Crise de identidade do recurso de anulação que levou à enunciação da tese segundo a
qual o recurso de anulação não é um recurso, nem é (somente) de anulação. Isto podia-se
desdobrar em 2 enunciados:
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 68
Apontamentos

1) O recurso de anulação não é um recurso


O recurso de anulação não era um recurso, mas uma acção chamada
recurso. Era uma acção, pois se tratava de uma relação jurídica administrativa,
na sequência da prática de um acto pela Administração, e não de uma
apreciação jurisdicional de 2ª instância, versando sobre uma decisão judicial.

2) O recurso de anulação não é (apenas) de anulação


Pois, as sentenças ditas de anulação produziam efeitos relativamente
às partes [que] não se esgotavam no efeito demolitório. Daí a necessidade de
considerar que as sentenças ditas de anulação podiam também possuir, para
além desse efeito cassatório, outros efeitos de natureza conformativa e
repristinatória.

A reforma do Contencioso Administrativo optou por pôr termo ao recurso de


anulação.
O desaparecimento do recurso de anulação e a sua substituição por uma acção de
impugnação de actos administrativos, em que se possibilita a apreciação da integralidade da
relação jurídica administrativa, a propósito da impugnação de um acto administrativo lesivo,
resulta muito claramente do mecanismo da cumulação de pedidos.

A reforma do Contencioso Administrativo consagra a admissibilidade generalizada da


cumulação de pedidos, de acordo com a regra de que todas as cumulações são possíveis desde
que a relação jurídica seja a mesma, ou similar (art.ºs 4º e 47º CPA)

Art.ºs 4º, n.º1 e 47º, n.º1 CPA


‒ Cláusula geral de admissibilidade de cumulação de pedidos materialmente
conexos

Cláusula que é acompanhada de uma enumeração exemplificativa de pedidos


cumuláveis com o de anulação do acto administrativo, nomeadamente:
 O de condenação na prática de acto devido (art.ºs 4º, n.º2, al. c) e 47º,
n.º1, al. a))
 O de condenação da Administração na reconstituição da situação
actual hipotética existente não fora a prática do acto impugnado
(art.ºs 4º, n.º2, al. a) e 47º, n.º1, al. b))
 O de impugnação do contrato subsequente (art.ºs 4º, n.º2, al. d) e 47º,
n.º 1, al. c)) ou relativa à execução das respectivas cláusulas (art.º 47º,
n.º1, al. d))
 O de reconhecimento de uma situação jurídica subjectiva (art.º 4º,
n.º2, al. f))

‒ Cumulação de pedidos pode verificar-se tanto:


 Em identidade de nível como numa relação de alternatividade ou ainda de
subsidiaridade, que pode verificar-se desde logo no momento da
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 69
Apontamentos

propositura da acção como em momento posterior (art.ºs 28º e 61º CPA e


art.º 48º), que pode dizer respeito a pedidos de vários sujeitos processuais
dando origem a situações de litisconsórcio e de coligação de partes, que
tanto pode ser real como aparente

Distinção:
 Cumulação real de pedidos
Critério – saber se cada um dos pedidos possui uma expressão
económica própria
 Cumulação aparente de pedidos
Critério – saber se a cada um dos pedidos possui a mesma e única
utilidade própria, isto é, a um mesmo bem em sentido económico
A preferência do Contencioso Administrativo pela acumulação
aparente de pedidos é explicável, na opinião do Prof. VPS, por razões
mais profundas, que se prendem com os traumas da infância difícil do
Contencioso Administrativo.

Para além das questões de cumulação de pedidos há que distinguir 2 situações


jurídicas, que se encontram subjacentes às acções de impugnação de actos administrativos, a
saber:
‒ Os casos em que é trazido a juízo um acto administrativo que se encontra
suspenso, seja por vontade da Administração, seja em virtude de uma providência
cautelar.
Situação, esta, em que o direito do particular é tutelado através do pedido
de anulação do acto administrativo

‒ Os casos em que o acto administrativo trazido a juízo se encontra em execução ou


já foi integralmente executado
Nesta situação, a tutela dos direitos lesados do particular não é susceptível
de ser alcançada somente através do pedido de anulação do acto administrativo,
antes necessita de ser acompanhada de pedidos de condenação da Administração
(sendo certo que todos estes pedidos se encontrariam numa situação de
dependência do pedido principal, pelo que existiria aqui uma situação de
cumulação aparente)

Ao tempo do recurso de anulação, a doutrina dominante considerava que o único


pedido admissível era o de anulação do acto administrativo, pelo que os efeitos das sentenças
dele decorrentes eram de natureza meramente constitutiva, ou de anulação.

Era sobretudo através do processo declarativo de execução de sentenças que o juiz


administrativo poderia ir além da anulação, determinando a actuação administrativa futura
que decorria do incumprimento do dever de executar, concebido como um abstracto dever
legal.

Opinião do Prof. VPS


Contencioso Administrativo 2010 – 2011 70
Apontamentos

Há muito que defendia a necessidade de adoptar um conteúdo mais amplo para as


sentenças do recurso de anulação, de modo a compreender:
‒ Efeito anulatório
‒ Efeito repristinatório (a fim de obrigar a Administração, por efeito da sentença, a
reconstituir a situação actual hipotética em que o particular se encontraria antes
da prática do acto ilegal)
‒ Efeito conformativo (de modo a permitir condicionar o comportamento da
Administração, designadamente, condenando-a a não refazer o acto anulado)
Objectivo
 Adequar o conteúdo da sentença aos efeitos jurídicos por ela produzidos,
mediante a integração na própria sentença daqueles efeitos principais
que, até agora, têm sido considerados acidentais

Abandonando o paradigma clássico, mediante a substituição do modelo de recurso


pelo da acção de plena jurisdição, a reforma do Contencioso Administrativo estabelece:
‒ Que todos os pedidos necessários à tutela dos direitos das relações
administrativas são admissíveis no processo declarativo, pelo que, mesmo na
modalidade da (sub)acção de impugnação, da acção administrativa especial, é
sempre possível, designadamente, a cumulação (aparente) do pedido de
anulação do acto administrativo com o pedido de condenação ao
restabelecimento da situação anterior (art.ºs 4º, n.º2 al. a) e 47º, n.º2, al. b))

É o reconhecimento da insuficiência dos simples pedidos anulatórios e das


consequentes sentenças constitutivas, que está na base de muitas transformações do
Contencioso Administrativo.

Entre nós é inquestionável que o recurso de anulação morreu, uma vez que a acção
administrativa especial, sempre que estiver em causa o afastamento de um acto
administrativo (que não tenha sido suspenso), passará a ter como pedido normal, apresentado
pelo particular, o resultante da cumulação (aparente) do pedido de anulação com o de
restabelecimento da situação anterior, ou outros pedidos de condenação da Administração,
bem como eventuais pedidos de reconhecimento de direitos.

Contudo, continua-se a prever a possibilidade de só se pedir a anulação, na fase


declarativa, ficando a condenação da Administração para o processo executivo (art.º 47º, n.º3
CPA).

2.2. Pressupostos processuais


Pressupostos processuais específicos da acção administrativa especial, na modalidade
de anulação, de acordo com o Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), são os
seguintes:
a) Acto administrativo impugnável (art.ºs 51º a 54º)
b) Legitimidade (art.ºs 55º a 57º)
c) Oportunidade (art.º 58º)
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 71
Apontamentos

2.2.1. O acto administrativo impugnável


Acto e processo administrativo encontram-se indissociavelmente ligados.
Em termos muito sintéticos (e esquemáticos), a interligação (historicamente) existente
entre os modelos de Estado, a concepção de Administração Pública e o conceito de acto
administrativo, pode ser reconduzida a 3 momentos principais:
a) O do Estado Liberal, correspondente a uma lógica de Administração Agressiva
e tendo como forma de actuação característica o acto de autoridade ou de
polícia.
b) O do Estado Social, caracterizado pela Administração Prestadora e pela
generalização dos actos administrativos favoráveis, virados para a atribuição
de benefícios materiais ou constitutivos de direitos para os particulares
A Administração Prestadora trouxe consigo uma certa crise do acto
administrativo que:
‒ Por um lado, deixou de ser o centro do Direito Administrativo, dada a
utilização cada vez mais generalizada de outras formas de actuação
administrativa (ex: os planos e outros regulamentos, os contratos, as
actuações técnicas e informais ou as operações materiais)

‒ Por outro lado, o próprio conceito de acto administrativo se transforma,


perdendo aquelas características autoritárias que tinham estado na sua
origem, já que a maior parte dos actos da Administração Prestadora do
Estado Social não são mais nem definitivos (v.g. os actos de
procedimento, as decisões previas e provisórias, os actos dos
subalternos, as decisões concertadas e particulares) nem executórios
(v.g. os actos favoráveis cuja susceptibilidade de execução coactiva
contra a vontade dos beneficiários é um contrasenso)

c) O do Estado Pós-Social, com a nova dimensão da Administração Infra-


estrutural e dos consequentes actos administrativos com eficácia múltipla, que
se integram em relações jurídicas multilaterais.
Outra dimensão importante das formas de actuação administrativa é o da
perda da sua dimensão subjectiva ou estatutária  consequência da nova
lógica da Administração infra-estrutural, assente na colaboração entre
entidade públicas e privadas para o exercício da função administrativa.
Assim, na nossa ordem jurídica, verifica-se como que um alargamento da
noção tradicional de acto administrativo, já que:
‒ Por um lado, cabem no âmbito da jurisdição administrativa as
actuações unilaterais de órgãos de outros poderes estaduais (art.º 4º,
n.º1, al. c))

‒ Por outro lado, também são de considerar como tal as actuações de


particulares colaborando com a Administração no exercício da função
administrativa (art.º 4º, n.º2, al. d))
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 72
Apontamentos

O CPA adoptou uma noção ampla e aberta de acto administrativo, que compreende
toda e qualquer decisão destinada à produção de efeitos jurídicos numa situação individual e
concreta (art.º 120º).
Pelo que, entre nós, tanto as actuações agressivas como as prestadoras ou as infra-
estruturais, tanto as decisões de carácter regulador como as actuações de conteúdo mais
marcadamente material, os actos de procedimento como as decisões finais, as actuações
internas bem como as externas, são consideradas pela lei como actos administrativos.

Os actos administrativos impugnáveis tornaram-se, hoje em dia, numa realidade de


contornos mais amplos, que compreende não apenas as decisões administrativas finais e
perfeitas, criadoras de efeitos jurídicos novos, como também aqueloutras actuações
administrativas imediatamente lesivas de direitos dos particulares.

Justificação para este fenómeno:


‒ A crise das concepções restritivas de acto administrativo teve consequências
contenciosas, abrindo o Processo Administrativo à multiplicidade e à
diversidade das novas espécies de actuações administrativas

A impugnabilidade não é, portanto, uma questão de natureza, nem uma característica


substantiva dos actos administrativos, ou de uma específica e delimitada categoria deles.
Impugnáveis são todos os actos administrativos que, em razão da sua situação, sejam
susceptíveis de provocar uma lesão ou de afectar imediatamente posições subjectivas de
particulares.

Se se atentar na noção de acto administrativo, pressuposta e adoptada pelo legislador


da reforma do contencioso, pode-se dizer que ela apresenta, em relação às concepções
tradicionais, 2 tipos de transformações, que se podem distinguir entre:
‒ Externas, na medida em que são determinadas pelas opções globais em
matéria de processo, mas que não podem deixar de se reflectir em tal noção

‒ Internas, uma vez que resultam da própria modificação da noção de acto, em


si mesma, resultando da mudança de pressupostos e de condições da
respectiva apreciação contenciosa

Das transformações externas tem-se vindo a tratar apenas aquelas opções da justiça
administrativa que mais directamente se prendem com a (evolução da) noção de acto
administrativo, permito-me realçar as seguintes:
a) A abertura do Processo Administrativo ao controlo da relação jurídica e do
procedimento (art.º 212º, n.º3 CRP)
Abertura à relação jurídica material que se traduziu, entre outras
coisas:
 No princípio de que a todo o direito do particular deve
corresponder uma tutela judicial adequada – e efectiva;
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 73
Apontamentos

 Na norma que, para salvaguarda dos direitos da relação jurídica


administrativa, permite mesmo a apreciação, a título incidental, de
um acto administrativo que se tornou a ideia de um pretenso efeito
convalidatório (substantivo) dos actos cuja anulação já não é mais
possível pelo decurso do prazo;

 Na disposição que, ao estabelecera impugnabilidade dos actos


procedimentais (art.º 51º do Código), atribui relevância jurídica
autónoma às relações estabelecidas no decurso de um
procedimento administrativo

b) O abandono do clássico recurso de anulação e sua substituição por uma acção


administrativa especial, em que o juiz administrativo goza de poderes de plena
jurisdição
Isto implica a substituição de um conceito restritivo de acto
administrativo, por uma noção ampla de acto administrativo, susceptível de
compreender também as actuações da Administração Prestadora e Infra-
estrutural, no âmbito de um contencioso em que os meios processuais são
diversificados em razão dos pedidos, mas em que também os próprios pedidos
podem ser cumulados, de modo a permitir uma tutela plena e efectiva dos
direitos dos particulares nas relações jurídicas administrativas (art.ºs 4º e 47º
CPA)

c) A delimitação do Contencioso Administrativo em razão da função


administrativa, e já não do poder administrativo
A evolução dos módulos de Estado e de Administração, assim como a
concomitante transformação do Contencioso Administrativo, nos Estados de
Direito, implicou o alargamento do âmbito da justiça administrativa, que deixou de
incidir apenas sobre os actos de autoridade, para se ocupar também dos actos da
função administrativa, que deixou de apreciar somente as relações de poder para
passar a controlar todas as relações jurídicas administrativas

Mais importante do que estas transformações externas, são as próprias


transformações internas do conceito de acto administrativo, das quais se podem destacar as
seguintes:
a) O alargamento da impugnabilidade dos actos administrativos, que passa a ser
determinada em razão da eficácia externa e da lesão dos direitos dos
particulares (art.º 51º, n.º 1 CPA)
Relativamente à susceptibilidade de lesão d direitos deve dizer-se:
1º. Ela consiste num pressuposto processual relativo ao acto
administrativo e não à legitimidade das partes, pois:
 Uma coisa é afirmar que um acto administrativo está
em condições de produzir uma lesão em posições
substantivas dos particulares,
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 74
Apontamentos

 Outra coisa diferente é a alegação pelo particular da


titularidade de um direito, que foi lesado por um acto
administrativo ilegal

2º. Há que esclarecer que, ao estabelecer um DF de impugnação


de actos administrativos susceptíveis de lesar os direitos dos
particulares (art.º 268º, n.º4 CRP), a CRP está a consagrar um
modelo de Justiça Administrativa de matriz
predominantemente subjectiva, que tem por função e
natureza principais a protecção dos direitos dos particulares.

O Prof. VPS julga correcta a solução material adoptada pelo legislador


em matéria de impugnabilidade (art.º 51, n.º1 CPA), ao referir-se a
actos com eficácia externa e a actos lesivos, o que é de entender à luz
da CRP.

Pelo que o critério de impugnabilidade depende da função e da


natureza da acção de impugnação, havendo que distinguir consoante:
1) Se trata de uma acção para a tutela de um direito do
particular m face da Administração, caso em que o meio
processual de impugnação assume uma função
predominantemente subjectiva e, nesse caso o critério da
impugnabilidade é determinado pela lesão dos direitos dos
particulares

2) Ou se trata de uma acção para a defesa da legalidade e do


interesse público, em que a função do meio processual é
predominantemente objectiva e, então, a recorribilidade
depende da eficácia externa do acto administrativo

b) A extensão da impugnabilidade decorrente da possibilidade de apreciação dos


actos procedimentais
O que implica a relevância jurídica autónoma do procedimento e o
abandono de uma qualquer ideia de definitividade horizontal dos actos
administrativos como critério de impugnabilidade.
Assim, os actos de procedimento são susceptíveis de impugnação
autónoma (art.º 51º, n.º1 CPA), o que significa a continuação da transformação
de um Contencioso Administrativo outrora exclusivamente centrado no acto
administrativo, num processo que passa a alargar o seu objecto às relações
jurídicas administrativas, designadamente as que têm lugar no decurso do
procedimento.

c) A possibilidade de controlo judicial imediato dos actos dos subalternos


Trata-se de retirar todas as consequências do DF de impugnação
contenciosa de actos administrativos (art.º 268º, n.º4 CRP), desde que lesivos
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 75
Apontamentos

dos particulares, o qual, conforme o Prof. tem defendido, feriu de


inconstitucionalidade as disposições legais que estabelecem o recurso
hierárquico necessário.
Art.º 51º, n.º1 CPA
 Orientação do legislador no sentido de determinar a
impugnabilidade dos actos administrativos em razão da
eficácia externa e da lesão dos direitos dos particulares,
afastando assim expressamente toda e qualquer exigência de
recurso hierárquico necessário

Antes da reforma, o Prof. sempre defendeu a inconstitucionalidade da


regra do recurso hierárquico necessário, com base nos seguintes argumentos,
por entender que ela configurava a violação:
i. Do princípio constitucional da plenitude da tutela dos direitos
dos particulares (art.º 268º, n.º 4 CRP), pois a inadmissibilidade
de recurso contencioso, quando não tenha existido
previamente o recurso hierárquico necessário, equivale, para
todos os efeitos, a uma verdadeira negação

ii. Do princípio constitucional da separação entre a Administração


e a Justiça (art.ºs 114º, 205º e ss, 266º e ss CRP), por fazer
precludir o direito de acesso ao tribunal em resultado da não
utilização de uma garantia administrativa

iii. Do princípio constitucional da desconcentração administrativa


(art.º 267º, n.º2 CRP), que implica a imediata recorribilidade
dos actos dos subalternos sempre que lesivos, sem prejuízo da
lógica do modelo hierárquico de organização administrativa,
pois o superior continua a dispor da competência revogatória
(art.º 142º CPA)

iv. Do princípio da efectividade da tutela (art.º 268º, n.º4 CRP),


em razão do efeito preclusivo da impugnabilidade da decisão
administrativa, no caso de não ter havido interposição prévia
de recurso hierárquico, no prazo de 30 dias (art.º 168º, n.º2
CPA), reduzindo assim drasticamente o prazo de impugnação
de actos administrativos

Na opinião do Prof. VPS, o legislador da reforma veio afastar, de modo


expresso e inequívoco, a necessidade de recurso hierárquico como condição
de acesso à justiça administrativa.

De acordo com o Prof. VPS, o Código de Processo afasta inequívoca e


definitivamente a necessidade de recurso hierárquico, como pressuposto de
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 76
Apontamentos

impugnação contenciosa dos actos administrativos, através das seguintes


disposições:
‒ Consagração da impugnabilidade contenciosa de qualquer acto
administrativo que seja susceptível de lesar direitos ou
interesses legalmente protegidos dos particulares ou que seja
dotado de eficácia externa (art.º 51º, n.º1 CPA)
Os actos dos subalternos, da mesma maneira como os
actos dos superiores hierárquicos, são susceptíveis de
preencher as referidas condições e, como tal, de ser
autonomamente impugnados, pelo que, ao não haver no CPA
qualquer referência à necessidade de prévia interposição de
uma garantia administrativa para o uso de meios contenciosos,
ela deve ser considerada como afastada pela legislação
contenciosa.

‒ Atribuição de efeito suspensivo do prazo de impugnação


contenciosa do acto administrativo à utilização de garantias
administrativas (art.º 59º, n.º4)
O que significa conferir uma maior eficácia à utilização
de garantias administrativas, dado que o particular, que decida
optar previamente por essa via, sabe agora que o prazo para a
impugnação contenciosa só voltará a correr depois da decisão
do seu pedido de reapreciação do acto administrativo.
Assim, na perspectiva do particular, passa a poder valer
a pena solicitar previamente uma “segunda opinião” por parte
da Administração, não vendo precludido o sue direito de
impugnação contenciosa pelo decurso do prazo.

‒ Estabelecimento da regra segundo a qual, mesmo nos casos


em que o particular utilizou previamente uma garantia
administrativa e beneficiou da consequente suspensão do
prazo de impugnação contenciosa, isso não impede a
possibilidade de imediata impugnação contenciosa do actos
administrativo (art.º 59º, n.º 5 CPA)
O que significa o afastamento inequívoco da
necessidade de recurso hierárquico, bem como de qualquer
outra garantia administrativa, já que doravante é sempre
possível ao particular aceder de imediato à via contenciosa,
independentemente de ter ou não feito uso dessa via graciosa.
Assim, não só o particular tem agora sempre a
possibilidade de escolher entre utilizar previamente uma
garantia graciosa ou de aceder desde logo ao tribunal, como
também, mesmo naqueles casos em que decidiu fazer uso
prévio da via administrativa, tal em nada obsta, nem
condiciona, a faculdade de suscitar a imediata a poder optar
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 77
Apontamentos

por proceder à impugnação contenciosa do acto


administrativo, assim como requerer as providências
cautelares que entender adequadas.

d) A sindicabilidade de actos administrativos que, sendo jurídicos, não são


necessariamente de definição de direito
Enquanto forma de actuação da Administração, o acto administrativo é
uma decisão destinada à satisfação de necessidades colectivas.
A Administração não utiliza o direito como um fim em si mesmo, que
lhe caiba definir no caso concreto, como é tarefa da Justiça, antes utiliza o
direito como um meio para a satisfação dessas mesmas necessidades
colectivas.
A superação do modelo tradicional de equiparação do acto
administrativo à sentença decorre, entre outras coisas, do regime de
impugnação dos actos meramente conformativos (art.º 53º do Código), que
amplia a admissibilidade de impugnação desses actos.
Mas a superação da ideia de definição do direito, enquanto resquício
histórico da assimilação do acto administrativo à sentença, manifesta-se ainda
noutras disposições da reforma do contencioso, designadamente quando se
admite a impugnabilidade dos actos de execução.

e) A delimitação do âmbito da impugnabilidade em razão da eficácia e já não da


executoriedade dos actos administrativos
Verifica-se aqui a superação da concepção autoritária de acto
administrativo, abandonando a ideia de executoriedade, que não pode ser
mais considerada como característica dos actos administrativos
O legislador da reforma propõe mesmo a possibilidade de impugnação
de actos ineficazes ainda que lesivos (art.º 54º PCTA), se bem que em termos
limitados. O que, mais uma vez, vem realçar a importância da lesão dos
direitos dos particulares como chave do acesso ao juiz administrativo, num
contencioso de natureza subjectivista, como é o nosso.

2.2.2 Outros pressupostos processuais: legitimidade e oportunidade


O código contém também disposições referentes aos pressupostos processuais específicos do
contencioso administrativo, e comuns a todos os meios processuais: legitimidade (9º e ss
CPTA) + patrocínio judiciário (11º ss CPTA) + competência do tribunal (13º ss CPTA).

Legitimidade:
- Constitui o elo de ligação entre a relação jurídica substantiva e a processual, destinando-se a
trazer a juízo os titulares da relação material controvertida, a fim de dar sentido útil às
decisões dos tribunais.
- O Código mantém a subsecção II (Da legitimidade) a propósito da acção administrativa
especial qualificada em razão do pedido de impugnação, onde se estabelece um regime
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 78
Apontamentos

“especial”, onde se encontram regras relativas á “legitimidade activa” (55º) e aos “contra-
interessados” (57º)

Actores processuais do art. 55º CPTA:


1. Sujeitos privados: esta em causa o exercício de acção por privados, que actuam para
defesa de interesses próprios, mediante a alegação da titularidade de posições
subjectivas de vantagem e que podem ser:
a) Indivíduos (55ºnº1 a) CPTA) – que possuem um “interesse directo e actual” na
demanda, o qual resulta da alegação da titularidade de um direito subjectivo
público (de acordo com a doutrina da norma de protecção à luz dos DF)
b) Pessoas colectivas privadas (55ºnº2 b) CPTA) – que são entidades ficcionadas para
efeitos jurídicos, mas que são dotadas de direitos e de deveres como se fossem
indivíduos. As pessoas colectivas são uma realidade instrumental para a realização
de interesses das pessoas humanas, encontrando-se submetidas ao princípio da
especialidade, i.e. apenas gozam de direitos e estão submetidas aos deveres
compatíveis com a sua natureza (12º nº2 CRP)

2. Sujeito público (55º, n.º2 b) CPTA) – incluem-se aqui tanto as pessoas colectivas
públicas, como órgãos administrativos. Sendo que o legislador faz referência expressa
às relações jurídicas interpessoais e inter-orgânicas.

3. Actor popular – a lei parece considerar aqui duas modalidades de acção popular:
o A genérica (55ºnº1f) CPTA – remete para o art.º9º, n.º2 – que engloba
particulares e p.c., de forma objectiva, para defesa da legalidade e do
interesse público, independentemente de possuírem interesse directo na
demanda.
o De âmbito autárquico (55ºnº2 CPTA) – segundo o qual “ qualquer eleitor, no
gozo dos seus direitos civis e políticos, é permitido impugnar as deliberações
adoptadas por órgãos das autarquias locais sedeadas na circunscrição onde se
encontre recenseado “.

Justifica-se manter tal dualidade de regimes de acção popular? Ou deve entender-se que a
denominada acção popular correctiva, foi absolvida pela acção genérica, que tem maior
amplitude e é susceptível de tutelar os mesmos bens?
O Prof. VPS entende que a acção popular correctiva caducou em face da acção popular
genérica, já que esta ultima é mais ampla e forçosamente absorve a anterior. Da perspectiva
dos sujeitos, a previsão de “qualquer pessoa” da acção popular genérica abrange
forçosamente “qualquer eleitor” da acção autárquica.

4. MP – é titular do direito de acção pública no contencioso administrativo, cabendo-lhe


actuar a título institucional, para defesa da legalidade e do interesse público.

Referente à legitimidade é também o art. 57º CPTA (contra-interessados), que qualifica como
sujeitos processuais os particulares dotados de “legitimo interesse” na manutenção do acto
administrativo ou, dito de outra forma, que são “directamente prejudicados do pedido de
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 79
Apontamentos

impugnação”. Estes particulares são verdadeiros sujeitos de relações jurídicas administrativas


multilaterais (para ver mais pág. 372)

Oportunidade do pedido:
- Pressuposto processual específico da modalidade de impugnação da acção administrativa
especial
- O art.º58ºCPTA estabelece os prazos de impugnação do acto administrativo:
o Prazo de 3 meses para acção para defesa de interesses próprios ou acção popular
o Prazo de 1 ano para acção pública

O art. 58º, n.º4 – prevê a possibilidade de alargamento do prazo de impugnação até 1 ano, se
existirem motivos relevantes, caso se demonstre, com respeito pelo princípio do contraditório,
que, no caso concreto, a apresentação da petição não era exigível a cidadão normalmente
diligente, designadamente por:
- Erro induzido pela própria administração (58º, n.º4, al. a))
- Dificuldades na identificação do acto, ou problemas de qualificação da conduta
administrativa como acto ou norma (art.º 58º, n.º4, al. b))
- Situação de justo impedimento

O art.º 59º, n.º1 estabelece a contagem dos prazos, que só corre “ a partir da data da
notificação, ainda que o acto tenha sido objecto de publicação obrigatória” = representa a
garantia do 268ºnº3 CRP, que consagra o DF à notificação dos actos administrativos
O art.º 59º, n.º2 diz que a ausência de notificação não impede a impugnação, se a execução do
acto for desencadeada sem que a notificação tenha tido lugar. Da mesma maneira, quando
esteja em causa uma relação multilateral, com múltiplos interessados, se estabelece (59ºnº3)
que, em relação aos particulares que não sejam destinatários imediatos dessa actuação
administrativa, o prazo começa a correr “a partir do seguinte facto que primeiro se verifique”:
a. Notificação
b. Publicação
c. Conhecimento do acto ou da sua execução

O art.º 38º CPTA não impede o tribunal de conhecer, a título incidental, da legalidade de um
acto administrativo, em acção administrativa comum, ainda que ela não possa “ser utilizada
para obter o efeito que resultaria da anulação do acto impugnável (nº2)

3. Da condenação à prática de acto devido


3.1. Âmbito de aplicação
A consagração de uma acção de condenação da Administração à prática de acto
administrativo devido (art.ºs 66º e ss do CPA), enquanto modalidade de acção administrativa
especial, constitui uma das principais manifestações da mudança de paradigma, que ao passar
de mera anulação para a plena jurisdição, deixa de estar limitado na sua tarefa de julgamento.
A admissibilidade de sentenças de condenação da Administração:
‒ Não é contrária a nenhum dos princípios de Justiça Administrativa (por isso
não há razão para invocar o princípio de separação de poderes)
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 80
Apontamentos

‒ É a forma mais adequada, num Contencioso Administrativo de plena


jurisdição, para reagir contra comportamentos administrativos que, por
acção ou omissão, lesam direitos dos particulares decorrentes da negação de
actos legalmente devidos.

Entre nós, tradicionalmente, de acordo com o figurino francês, o Contencioso


Administrativo tinha como centro o recurso directo de anulação, pelo que a condenação da
Administração só era admitida, enquanto tal, de forma limitada, no domínio das acções e, de
forma encapotada, no âmbito do contencioso de anulação, através da ficção do acto tácito de
indeferimento.

Em alternativa ao modelo francês do “acto fingido” vai surgir, na Alemanha, a acção de


condenação da Administração, em resultado:
‒ Por um lado, de uma das 1ªs manifestações do fenómeno da europeização do
Contencioso Administrativo, que levou a que, na Alemanha do pós-guerra, nas
zonas de ocupação militar americana inglesa, o restabelecimento da justiça
administrativa tenha conduzido a um essencial alargamento da protecção
jurisdicional que implicou, entre outras coisas, o surgimento de meios
processuais de natureza condenatória;

‒ Por outro lado, por influência doutrinária de Walter Jellinek que, já no início do
século XX, tinha chamado a atenção para a completa inutilidade da anulação
dos actos negativos e, por consequência, também da inércia.

Em Portugal,
É a Constituição de ’76 que vai obrigar o Contencioso Administrativo a “deitar-se no
divã da psicanálise”, para enfrentar problemas “velhos” e “novos” e encontrar a respectiva
“cura” através da introdução de um contencioso de plena jurisdição.
Reforma de ’84-’85
‒ O legislador vai adoptar, ao lado do recurso directo de anulação e das
tradicionais acções (em matéria de responsabilidade civil e de contratos
administrativos), um novo meio processual:
 A acção para o reconhecimento de direitos e interesses legalmente
protegidos (art.º 69º LEPTA)
Esta acção, destinada a assegurar a tutela efectiva dos direitos
dos particulares nas relações jurídicas administrativas, não poderia ser
considerada como de aplicação meramente supletiva ou subsidiária,
sobretudo se interpretada à luz dos preceitos constitucionais, mas
antes se colocava numa relação de complementaridade com os demais
meios processuais.
O que permitia “abrir brechas” na lógica do contencioso de
mera anulação e possibilitar a condenação da Administração na prática
de actos devidos, nomeadamente em caso de omissão ilegal, em que o
particular poderia optar por intentar, desde logo, a acção para
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 81
Apontamentos

reconhecimento de direitos ou utilizar a via tradicional de anulação do


indeferimento tácito.

Revisão de ‘97
‒ Vai estabelecer de forma expressa que a possibilidade de determinação prática
de actos administrativos legalmente devidos é uma componente essencial do
princípio de tutela jurisdicional plena e efectiva dos direitos dos particulares
em face da Administração, o qual constitui o novo centro do Contencioso
Administrativo (art.º 268º, n.º4 CRP)

Possuindo natureza de DF, a disposição em causa era imediatamente aplicável


(art.º 18º, n.º1 CRP), o que tanto podia ser interpretado no sentido de se:
 Considerar que se estava, desde logo, perante um novo meio
processual de natureza condenatória, criado directamente pelo
legislador constituinte

 Entender que uma coisa era o direito de obtido através de


qualquer dos meios processuais então existentes (nomeadamente
da acção de reconhecimento de direitos), outra coisa era a criação
de um novo meio processual de natureza condenatória que
estava dependente da (necessária) intervenção do legislador
ordinário da reforma do Contencioso Administrativo.

Existem 2 modalidades de acção administrativa especial de condenação à prática de


acto devido, consoante esteja em causa a necessidade de obter a prática de um acto
administrativo ilegalmente omitido ou recusado (art.º 66º, n.º 1 CPA). Modalidades, estas, de
acção que correspondem aos 2 pedidos principais que podem ser suscitados através deste
mecanismo processual:
‒ O de condenação na emissão de acto administrativo omitido
‒ O de condenação na produção de acto administrativo (de conteúdo) favorável
ao particular, em substituição do acto desfavorável anteriormente praticado

Importa não cair no erro clássico do Contencioso Administrativo de confundir


o pedido apenas com a sua dimensão de pedido imediato (o efeito pretendido
pelo autor), esquecendo a vertente do pedido mediato (o direito subjectivo
que se pretende tutelar através desse efeito), nem muito menos de tomar
aquele (seja apenas o pedido imediato, seja também o pedido mediato) pela
integralidade do objecto do processo3, esquecendo a causa de pedir (o acto ou
facto que constitui a razão jurídica da actuação em juízo).

Visão tradicional do objecto, distingue:

3
Uma noção adequada de objecto do processo deve proceder a uma ligação do pedido e da causa de pedir,
considerando-os como 2 aspectos do direito substantivo invocado. Pedido e causa de pedir apresentam-se como
verso e reverso da mesma medalha.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 82
Apontamentos

‒ Pedido imediato da acção de condenação  é o que se destina a obter a


condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo,
de um acto que tenha sido ilegalmente omitido ou recusado
‒ Acto devido  é aquele que, na perspectiva do autor, deveria ter sido emitido
e não foi, quer tenha havido uma pura omissão, quer tenha sido praticado um
acto que não satisfaça a sua pretensão

Consequência: sobrevaloriza o pedido imediato relativamente ao mediato e à


causa de pedir

O CPA valoriza o pedido mediato sobre o imediato, adoptando uma concepção ampla
de objecto do processo (que abrange ainda a consideração da causa de pedir). Pois, se
estabelece que tanto quando se:
‒ Está perante um caso de omissão ilegal
‒ Trata de um caso de acto de conteúdo negativo

(nestes dois casos) O objecto do processo é a pretensão do interessado e não o


acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente
da pronúncia condenatória (art.º 22º, n.º2 CPA). O que significa 2 coisas:
1) Que o objecto do processo não é nunca o acto administrativo (mesmo
quando a Administração tinha antes praticado um acto desfavorável
para o particular), mas sim o direito do particular a uma determinada
conduta da Administração (correspondente a uma vinculação legal de
agir, ou de actuar de uma determinada maneira)

2) Que o objecto do processo corresponde à pretensão do interessado.


Assim, a condenação na prática do acto devido (pedido imediato)
decorre do direito subjectivo do particular (pedido mediato), que foi
lesado pela omissão ou pela actuação ilegais da Administração (cauda
de pedir), pelo que o objecto do processo é o direito subjectivo do
particular no quadro da concreta relação jurídica administrativa
(substantiva).

Art.º 71, n.º1 CPA


‒ Deste art.º resulta a ideia de que o que está em causa na acção de condenação
é o próprio direito da relação jurídica substantiva e não um qualquer acto
existente, ou que devesse ter existido.

Isto porque, de acordo com essa disposição:


 Tanto nos casos em que a Administração se tenha recusado a apreciar
o pedido do particular, mediante um acto administrativo de rejeição
liminar
 Como naqueles em que tenha omitido a prática do acto administrativo
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 83
Apontamentos

O tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão competente,


anulando ou declarando nulo ou inexistente o eventual acto de
deferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do
interessado, impondo a prática do acto devido.

No quadro na nova lógica da passagem do “juízo sobre o acto” para o “juízo sobre a
relação administrativa”, determinada pela reforma do Contencioso Administrativo, o art.º 70º
CPA prevê a possibilidade de integrar no objecto do processo também:
‒ Pedidos relativos não apenas a actos de indeferimento (n.º1)
‒ Pedidos de deferimento parcial (n.º3)

Isto significa que:


 Os poderes de pronúncia do juiz devem ir tão longe quanto o exigirem
os direitos dos particulares necessitados de tutela, no âmbito da
relação jurídica administrativa em causa
 O objecto do processo não se limita aos factos ou comportamentos
anteriores à abertura do processo, mas deve abarcar também os actos
administrativos (total ou parcialmente) desfavoráveis, praticados na
pendência da acção

O que se pretende é que o objecto do processo das acções de condenação


corresponda à concreta relação jurídica material, tal como se configura no momento em que a
decisão vai ser proferida, para que não se verifique um desfasamento entre aquilo que está em
juízo e a relação material, susceptível de por em causa o efeito útil da sentença.

A acção de condenação e a acção de anulação são 2 espécies de pedidos que


correspondem à mesma acção (administrativa especial)

O legislador resolveu a questão do conflito de pedidos, dando prevalência ao pedido


de condenação sobre o de anulação.

Ao estabelecer que o particular, que apresentou um pedido de anulação em vez do de


condenação, deve ser convidado a fazer o pedido adequado, o Código considera que aquilo
que é objecto de apreciação jurisdicional, em todas as situações em que a Administração se
encontra vinculada a actuar de um modo favorável ao particular, não é o acto administrativo,
ou a falta dele, mas sim o próprio direito do particular a essa conduta devida  solução mais
acertada – razões:
‒ Por um lado, estabelece o dever do tribunal indicar ao autor qual o pedido
adequado para a tutela dos interesses em jogo
‒ Por outro lado, é respeitadora do princípio do pedido

O pedido de condenação pode ter lugar:


‒ Sempre que o particular é titular de um direito a uma determinada conduta
administrativa
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 84
Apontamentos

‒ Quando a Administração não actuou, quando a isso era legalmente obrigada,


ou não praticou um acto administrativo favorável ao particular, conforme era
devido

Em qualquer dos casos, é sempre necessário que tenha havido a preterição de


uma vinculação legal, sendo que a medida da condenação corresponde ao
âmbito da vinculação da Administração, que o mesmo é dizer, ao conteúdo do
direito do particular.

As sentenças de condenação à prática de acto devido não podem limitar-se a cominar


a prática de um acto administrativo, antes devem determinar, em concreto, qual o âmbito e o
limite das vinculações legais (art.º 71º, n.º2 CPA).

Em termos esquemático, pode-se considerar que existem 2 principais modalidades de


sentenças (quanto ao conteúdo) resultantes do pedido de condenação à prática do acto
devido:
a) Aquelas que cominam à prática de um acto administrativo cujo conteúdo é,
desde logo, determinado pela sentença, já que corresponde ao exercício de
poderes vinculados tanto quanto à oportunidade como quanto ao modo de
exercício

b) Aquelas que cominam à prática de um acto administrativo, cujo conteúdo é


relativamente indeterminado, na medida em que estão em causa as escolhas
que são da responsabilidade da Administração, mas em que o tribunal deve
indicar a forma correcta de exercício do poder discricionário, no caso concreto,
estabelecendo o alcance e os limites das vinculações legais, assim como
fornecendo orientações quanto aos parâmetros e critérios de decisão

3.2. Pressupostos processuais


Pressupostos processuais específicos da acção administrativa especial, sempre que
estejam em causa pedidos de condenação, são os seguintes:
1. Existência de uma omissão de decisão, por parte da Administração, ou prática de
acto administrativo de conteúdo negativo – art.º 67º CPA
Este art.º que regula os pressupostos processuais relativos ao comportamento
da Administração, distingue 3 hipóteses, consoante:
‒ Não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente
estabelecido, embora tendo sido apresentado requerimento que
constitua o órgão competente no dever de decidir (al. a))
‒ Tenha sido recusada a prática do acto devido (al. b))
‒ Tenha sido recusada a apreciação e requerimento dirigido à prática do
acto (al. c))

Estas 3 hipóteses podem ser reconduzidas a 2 situações (modalidades


do pedido de condenação), a saber:
i. A existência de uma omissão administrativa (al. a)
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 85
Apontamentos

Para ser juridicamente relevante, implica que tenha


havido um pedido do particular, apresentado ao órgão
competente e com o dever legal de decidir, não tendo havido
qualquer decisão dentro do prazo legalmente estabelecido.
Nestes casos, a regra era a de considerar tacitamente
indeferidas tais pretensões, a fim de permitir a sua impugnação
(art.º 118º CPA)

Agora esta ficção legal torna-se desnecessária – razão:


 Permite-se ao particular que solicite a
condenação da Administração na prática do acto
devido, assim obtendo a satisfação directa da sua
pretensão.

[?] Saber se o pedido de condenação também pode ter


lugar nos casos em que a lei determina que a omissão
administrativa equivale ao deferimento tácito da pretensão do
particular (art.º 108º CPA).
O Prof. não considera que o deferimento tácito seja um
acto administrativo, nem lhe parece que,

OU

ii. A existência de um acto de conteúdo negativo

Tanto a recusa da prática de um acto favorável (al. b)), como a


recusa liminar da Administração a pronunciar-se (al. b)),
conduzem ao memo resultado = denegação do pedido
apresentado pelo particular

2. Legitimidade das partes – art.º 68º CPA


Este art.º estabelece regras de legitimidade específicas para a acção
administrativa especial, quando estão em causa pedidos de condenação, as quais
se justificam em razão da natureza do pedido.
De acordo com o art.º 68º CPA partes legítimas para apresentar pedidos de
condenação podem ser:
a) Sujeitos privados
Os indivíduos (art.º 68º, n.º1, al. a)) e as p.c. (n.º1, al.b)), que
aleguem a titularidade de um direito susceptível de ser satisfeito com a
emissão de um acto administrativo.

b) Sujeitos públicos
As p.c. e os órgãos administrativos. De referir que a disposição em
causa (n.º1, al. b)) apenas menciona as p.c. públicas, mas não se vê
qualquer sentido útil em admitir pedidos de condenação no domínio das
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 86
Apontamentos

relações inter-subjectivas e, ao mesmo tempo, excluí-los do âmbito das


inter-orgânicas.
Interpretada esta disposição (art.º 68º, n.º1, al. b)) à luz da regra
geral da legitimidade passiva (do art.º 10º), e dando prevalência a factores
de ordem material sobre os de natureza formal, é de alargar a
admissibilidade dos pedidos de condenação também às relações jurídicas
inter-orgânicas.

c) Ministério Público
O legislador parece ter consagrado aqui o alargamento da
legitimidade para a apresentação de pedidos de condenação também no
que respeita à defesa da legitimidade e do interesse público.
O legislador parece ter sentido a necessidade de fixar alguns
limites, ao estabelecer, na al. c) do n.º1 do art.º 68º CPA, que o MP só
pode formular pedidos de condenação quando o dever de praticar o acto
resulte directamente da lei e esteja em causa a ofensa d DF, de um
interesse público especialmente relevante ou de qualquer dos bens
referidos no n.º2 do art.º 9º.
Problema
 Compatibilização do pressuposto processual da
legitimidade do MP com o dos pressupostos relativos ao
comportamento da Administração
Perspectiva do Prof. VPS
 A melhor forma de compatibilizar os pressupostos
processuais de legitimidade com os relativos ao
comportamento da Administração é a de
considerar que só é admissível a intervenção do
MP (o mesmo vale para o actor popular), quando
tenha sido emitido um acto administrativo de
conteúdo negativo, mas já não quando se esteja
perante uma qualquer omissão administrativa

Se as 2 modalidades do pedido de condenação dependem, a 1ª, de


um comportamento omissivo da Administração, o qual implica o prévio
pedido do particular, e a 2ª, de um acto administrativo de conteúdo
negativo, daqui parece resultar, de forma inequívoca, que o alargamento
da legitimidade ao MP e ao autor popular, (também) intencionado pelo
legislador, apenas pode ter lugar quando se está perante um acto
administrativo de conteúdo negativo.

d) Actor popular
De acordo com o art.º 68º, n.º1, al. d), que remete para o art.º 9º,
n.º2 CPA, também o actor popular goza de legitimidade para a
apresentação de pedidos de condenação à prática de actos administrativos
devidos.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 87
Apontamentos

Na opinião do Prof. VPS esta consagração não era justificada. Pois,


afigura-se-lhe inadequada a opção legislativa de alargar ao actor popular,
que actua para defesa da legalidade e do interesse público,
independentemente de possuir interesses directos na demanda, a
legitimidade para intervir no âmbito de pedidos vocacionados para a tutela
de direitos subjectivos
Problemas:
1º. Problema de conciliação das regras de legitimidade do
actor público e do actor popular (e de ambas com o regime
geral), designadamente quanto a saber se a intervenção do
actor popular está ou não sujeita limites respeitantes à
relevância dos interesses que, em concreto, lhe cabe
defender.
Perspectiva do Prof. VPS
 A melhor forma de conciliar as disposições
atributivas de legitimidade ao actor público e ao
actor popular passa por unificar as condições de
tutela objectiva da legalidade e do interesse
público estendendo também ao actor popular as
limitações que o legislador consagrou para a acção
pública

O que significa, tal como antes se referiu a


propósito do actor público, que a intervenção do
actor popular só deve ter lugar quando o dever de
praticar o acto resulte directamente da lei e esteja
em causa a tutela de DF, ou de um interesse
público especialmente relevante (art.º 68º, n.º1,
al. c) CPA)

2º. Problema de “concordância” – Saber se o actor popular


goza de legitimidade para pedir o condenação da
Administração, tanto relativamente a acções como a
omissões
 O actor popular só é parte legítima quando se
esteja perante um acto administrativo de
conteúdo negativo, e não quando se trate de uma
qualquer omissão administrativa

3. Oportunidade do pedido – Art.º 69º CPA


O pedido de condenação à prática de acto administrativo devido encontra-se
sujeito a prazo, o qual é diferente, consoante:
‒ Se esteja perante uma omissão (prazo: 1 ano)
‒ Se trate de um acto de conteúdo negativo (prazo: 3 meses)
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 88
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Os prazos são idênticos aos que vigoram para o pedido de anulação em acção
administrativa especial (art.º 58º CPA) e os motivos da sua consagração prendem-
se igualmente com razões de segurança e de estabilidade.
Neste caso, também são aplicáveis, as considerações feitas, quando a tratar-se
de um prazo com efeitos meramente processuais, cujo decurso não implica
qualquer efeito sanador da invalidade, da mesma maneira como se justifica aplicar
aqui, analogicamente, o regime jurídico do art.º 38º, n.ºs 1 e 2 CPA.

4. Da impugnação de normas regulamentares


4.1. Âmbito de aplicação
A existência de um contencioso das normas administrativas, de alcance genérico, é
uma das marcas distintivas do direito português recente.
A criação de mecanismos processuais para controlar a validade dos regulamentos e
proteger os direitos dos indivíduos, por eles afectados, é o corolário necessário da proliferação
de normas jurídicas emanada dos órgãos administrativos.
Questão
‒ Saber o que deve entender-se por regulamentos administrativos, para efeitos
processuais
Na opinião do Prof. VPS:
 A solução a encontrar depende tanto da noção que se tenha de
norma jurídica, como das concretas soluções legislativas de casa
país relativamente às formas de actuação administrativa.

 No nosso ordenamento jurídico, só os actos administrativos têm


de gozar simultaneamente de individualidade e de conretude, ao
passe que todas as disposições unilaterais que sejam só gerais,
ou só abstractas, para além das que possuam ambas as
características, são de considerar como regulamentos
administrativos.

A impugnação de normas administrativas, regulada nos art.ºs 72º e ss CPA, é aplicável


a todas as actuações jurídicas gerais e abstractas ou que possuam apenas uma dessas
características, emanadas de autoridades públicas ou de particulares que com elas elaborem,
no exercício da função administrativa. Ficando, por conseguinte, excluídos desta previsão
normativa:
‒ Os actos (materialmente) administrativos (individuais e concretos), mesmo
que contidos em diploma legislativo ou regulamentar
‒ As normas jurídicas emitidas no âmbito da função legislativa

Antes da reforma, era possível reagir contenciosamente contra regulamentos


administrativos mediante 3 formas distintas:
a) Via incidental
Neste caso, o regulamento era apreciado apenas indirectamente, como
incidente da questão principal, pois o que estava em causa era o recurso directo de
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 89
Apontamentos

anulação de um acto administrativo cuja ilegalidade era consequente da aplicação de


regulamento inválido.
Daqui o resultando a anulação do acto administrativo, que vinha acompanhada
de não aplicação do regulamento ao caso concreto

b) Um meio processual genérico  A declaração de ilegalidade de normas


administrativas (art.º 66º e ss LEPTA, DL n.º 267/85 de 16 de Julho).
Tratava-se de um meio utilizável contra qualquer norma regulamentar,
independentemente do órgão ou da entidade de que fosse proveniente, mas na
condição de se tratar de norma exequível por si mesma, ou de ter sido, já antes,
julgada ilegal (a título incidental) em 3 casos concretos

c) Um meio processual especial  a impugnação de normas


Este meio processual tinha um âmbito de aplicação limitado, pois respeitava
apenas aos regulamentos provenientes da denominada administração local comum,
mas, em contrapartida, não estava sujeito às condições estabelecidas para a via
anterior, verificando-se uma espécie de assimilação processual dos regulamentos aos
actos administrativos.

Assim, antes da reforma o contencioso dos regulamentos administrativos era marcado


pela ideia de dualidade de meios processuais.

A comparação entre o antes e o depois da reforma do Contencioso Administrativo das


normas jurídicas permite destacar as seguintes orientações do novo regime:
a) Uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar
Surge, assim, uma subespécie da acção administrativa especial,
qualificada em razão do pedido de impugnação de normas jurídicas, para além
de se manter a possibilidade de apreciação incidental dos regulamentos, a
propósito do pedido principal de anulação dos actos administrativos, no
âmbito da mesma acção especial.

b) Estabelecimento de um regime jurídico uniforme


Se, antes, a via da declaração de ilegalidade dependia sempre da
verificação, em alternativa, das condições referidas, de aplicabilidade imediata
ou da existência de 3 casos de desaplicação, de agora em diante, verifica-se
que as condições de apreciação das normas jurídicas dependem também da
legitimidade, pois o legislador distingue 3 regras diferentes:
1) A regra geral é a de que a declaração de ilegalidade depende
da existência de 3 casos concretos em que a aplicação da
norma tenha sido recusada por qualquer tribunal, com
fundamento na sua ilegalidade (art.º 73º, n.º1 CPA)
2) No que se refere à acção pública, o MP pode pedir a
declaração de ilegalidade, mesmo quando não se verifiquem
os 3 casos concretos de desaplicação.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 90
Apontamentos

Consequência: o MP vê ampliada a sua intervenção

3) No que se refere à acção para defesa de direitos (assim como


na acção popular) a declaração de ilegalidade também pode
ter lugar quando se trate de norma jurídica imediatamente
exequível, embora, nessa hipótese, ela produza efeitos apenas
no caso concreto (art.º 73º, n.º2 CPA)

A contraposição particular e actor popular, para um lado, e actor público, para outro
lado, no que respeita às condições de que depende a impugnação de regulamentos, resulta
estranha – razão:
‒ Ela equivale a fazer do MP o principal responsável pela impugnação de normas
jurídicas, enquanto que a intervenção do actor popular e do particular fica
condicionada à existência de 3 casos concretos de não aplicação, de acordo
com o regime geral, ou, de acordo com o regime especial, tratar-se de normas
exequíveis por si mesmas, situação em que a sentença possui alcance limitado.

Em abono da solução encontrada pelo legislador poder-se-ia dizer que está


aqui em causa um regulamento, que é uma norma geral e abstracta, pelo que
o maior alcance da intervenção processual do MP se justificaria em razão da
dimensão objectiva da via jurídica em questão.

[?] Questão controversa


Assimilar o actor popular ao particular, para efeitos de impugnação de regulamentos,
submetendo a sua intervenção a condicionalismos mais apertados, e depois admitir ainda que
o actor popular possa vir a solicitar a intervenção do MP, podendo mesmo vir a constituir-se
como assistente.
Razões que levam a concluir que estamos perante uma questão controversa:
‒ Não se vislumbra a razão de ser do tratamento diferenciado dos actores
público e popular

‒ Não faz qualquer sentido que o actor popular, que actua para defesa da
legalidade e do interesse público, sem possuir interesse próprio na demanda,
se possa constituir assistente do órgão do Estado, que actua para defesa da
legalidade e do interesse público, mas já o particular, lesado nos seus direitos
pela norma jurídica, não o possa fazer.

Da perspectiva dos interesses em jogo, dir-se-ia que o legislador trocou os papeis do


actor popular e dos particulares, já que a intervenção como assistente do 1º aparenta ser
supérflua e a dos 2ºs necessária.

Consequência: obriga a uma interpretação correctiva do art.º 72º, n.º3 CPA, no sentido
de considerar alargada, também ao particular, a possibilidade de se poder constituir
como assistente do MP nos processos em questão.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 91
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É de estranhar o tratamento desfavorável do particular no contencioso de impugnação


de normas jurídicas. Não se nega a forte componente objectiva do contencioso relativo a
regulamento, mas não se compreende que seja esquecida a sua dimensão subjectiva, já que os
regulamentos são formas e actuação administrativa susceptíveis de produzir efeitos lesivos na
esfera jurídica dos particulares, os quais, quando se trata de norma exequível por si mesma,
são idênticos aos produzidos por um acto administrativo.

A criação de uma nova categoria de sentença de declaração de ilegalidade concreta de


normas jurídicas gerais e/ou abstractas (art.º 73º, n.º2 CPA)
Sentido útil: está-se perante uma declaração de ilegalidade sui generis, com
efeitos idênticos aos da não aplicação da norma

Desta forma, pode-se considerar que a impugnação de normas apresenta duas


modalidades, já que se admitem dois tipos de pedidos:
 O pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória
 O pedido de declaração de ilegalidade no caso concreto
Do ponto de vista lógico, uma norma jurídica ou é legal ou não é, e se for considerada
ilegal, isso é de tal maneira grave que não pode deixar de projectar-se na respectiva eficácia,
pelo que, tratando-se de norma geral e/ou abstracta, tal juízo de ilegalidade deve valer para
todos os destinatários da ordem jurídica.
O que não faz qualquer sentido, é que um processo destinado a apreciar a legalidade
de um regulamento, a título principal, tenha como resultado, verificada a existência dessa
invalidade, uma declaração de ilegalidade de uma norma geral e/ou abstracta, mas que só vale
para aquele caso concreto.

4.2 Pressupostos processuais


No que respeita aos pressupostos processuais específicos do pedido de impugnação de
normas jurídicas há que considerar:
1) A questão da legitimidade e a questão da procedibilidade dos regulamentos, que agora
passam a estar ligadas.
‒ Da perspectiva dos sujeitos, encontra-se consagrada a legitimidade dos titulares de
posições jurídicas subjectivas
‒ Do ponto de vista da procedibilidade dos regulamentos existem regras diferenciadas,
consoante o autor da acção:
o Acção pública – são impugnáveis todos os regulamentos, sejam ou não exequíveis por
si mesmos e tenham ou não havido previa decisão judicial de não aplicação em 3 casos
concretos (73ºnº1 e 3)
o Acção para defesa de interesses próprios ou acção popular – exige-se que tenha
havido antes 3 sentenças de desaplicação no caso concreto (73ºnº1)
o Regulamento imediatamente exequível – neste caso, a declaração de ilegalidade só
produz efeitos concretos (73ºnº2)

2) A questão do interesse, que não tem de ser actual podendo apenas ser futuro, já que a
impugnação de normas está aberta a “ quem seja prejudicado pela aplicação da norma ou
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 92
Apontamentos

possa previsivelmente vir a sê-lo em momento próximo” (73ºnº1). Desta forma alarga-se o
âmbito de impugnação de normas jurídicas ao dispensar o carácter directo do interesse como
condição de legitimidade.

3) A oportunidade do pedido de impugnação que não se encontra sujeito a prazo, podendo a


declaração de ilegalidade ser “pedida a todo o tempo” (74º)

5. Da declaração de ilegalidade por omissão


A existência de um mecanismo processual destinado a reagir contra omissões de regulamentos
é uma originalidade da reforma do contencioso administrativo.

Surgiu assim, a possibilidade de, em acção administração especial, se suscitar um pedido de


apreciação da ilegalidade por omissão de normas regulamentares devidas, quer esse dever de
regulamentar (omitido) resulte, de forma directa, da referencia expressa de uma concreta lei,
quer decorra de forma indirecta, de uma remissão implícita para o poder regulamentar em
virtude da incompletude ou inexequibilidade do acto legislativo em questão (77ºnº1 Código.
Processo Administrativo).
Da mesma maneira, como se podem verificar omissão do dever de regulamentar tanto em
regulamentos de execução (visam completar e desenvolver uma lei), como em regulamentos
autónomos e independentes (administração possuiu maior margem de conformação
normativa, mas sempre ligada a uma lei de habilitação).

Uma coisa é a vinculação quanto à emissão da norma, outra é a discricionariedade quanto ao


conteúdo, pelo que se deve considerar que, mesmo os regulamentos autónomos ou
independentes, contanto que a sua emissão corresponda ao cumprimento de um dever legal,
se destinam a dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação.

Verificada a existência do dever de regulamentar e julgada a ilegalidade decorrente da


omissão do respectivo cumprimento, a sentença tem como efeito dar disso conhecimento á
entidade competente, fixando prazo, não inferior a 6 meses, para que a omissão seja suprida
(77ºnº2). Esta sentença pelos tribunais administrativos, vai mais longe que as sentenças
congéneres do TC, em matéria de fiscalização da inconstitucionalidade por omissão de actos
legislativos (283ºnº2 CRP).
Mário Aroso de Almeida entende que esta sentença parece estar mais próxima de uma
sentença de condenação do que uma sentença meramente declarativa ou de simples
apreciação.
Na opinião do Prof. VPS nada impedia que se tivesse antes estabelecido a possibilidade de
condenação da administração na produção da norma regulamentar devida  importa
distinguir duas hipóteses distintas:
1. Situação em que se verifica a existência de um dever legal de emissão de regulamento,
mesmo se a lei conferia á autoridade dotada de poder regulamentar uma ampla
margem de discricionariedade na conformação do conteúdo. Neste caso o tribunal
limitava-se á condenação da emissão do regulamento, cabendo à administração a
escolha do conteúdo.
Contencioso Administrativo 2010 – 2011 93
Apontamentos

2. Situação em que não existe apenas o dever legal de emitir o regulamento, mas
também a obrigatoriedade dele possuir determinado conteúdo, pré-determinado pelo
legislador.
* Esta condenação da emissão de regulamento pode ser acompanhada de sanção pecuniária
compulsória.

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