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S entido, intensão, incorporação...

S entido, intensão, incorporação:


p r i m e i r a s rree f l e x õ e s s o b rree d i f e rree n t e s p r á t i c a s
i n t e rrcc u l t u r a i s n o t r a b a l h o d o a t o r

M atteo Bonfitto

S
e tomarmos como exemplos a utilização, posto aqui, refletir sobre processos interculturais
feita por Meyerhold, de alguns procedi- na atuação do intérprete significa examinar, en-
mentos de atuação do Teatro Kabuki du- tre outras coisas, os diferentes modos de apro-
rante o processo de construção da biome- priação dos materiais performativos utilizados
cânica, ou a formulação de princípios em diferentes casos, e suas implicações.
pré-expressivos por E. Barba, para citar dois dos Se pensarmos sobre a biomecânica, por
muitos casos ocorridos no assim chamado “Oci- exemplo, vemos que determinados procedimen-
dente” durante o século XX, podemos perceber tos extraídos do Teatro Kabuki, tais como aque-
um elo significativo entre eles, que é aquele da le relativo ao desenvolvimento das ações, segun-
presença de elementos e processos interculturais do o qual o percurso cinético de uma ação deve
na atuação do intérprete. O que nos interessa conter uma oposição entre o seu ponto de par-
aqui é buscar reconhecer, a partir da reflexão tida e aquele de chegada, foram assimilados sem
sobre tais processos, aspectos que podem ser sig- que haja nenhum vestígio formal que possa re-
nificativos, os quais podem contribuir, por sua meter à referência inicial. Ou seja, não reconhe-
vez, para o desenvolvimento do trabalho do ator cemos neste caso o código matriz, mas somente
contemporâneo. um dos procedimentos que o caracteriza. De
Como sabemos, diferentes formas tea- maneira semelhante, se pensarmos em Brecht,
trais, provenientes da Ásia, África... exerceram vemos que o “observar as próprias ações” assim
um papel fundamental no Ocidente, fornecen- como o ato de “demonstrá-las” também repre-
do estímulos e materiais para a experimentação sentam, como sabemos, procedimentos extraí-
e renovação das artes cênicas na Europa e nas dos de uma outra forma teatral asiática: a Ópe-
Américas. No que diz respeito ao escrito pro- ra de Pequim.1

Matteo Bonfitto é ator, pesquisador teatral e doutorando do Royal Holloway College de Londres.
1 Nos casos apenas citados, uma diferenciação foi reconhecida: entre ‘código’ e ‘procedimento interno ao
código’. Considero tal diferenciação útil, pois ela pode nos auxiliar no processo de exploração prática
de diferentes linguagens de atuação, sobretudo aquelas orientais. De fato, sendo tais linguagens extre-
mamente precisas, torna-se possível, de maneira mais objetiva, o reconhecimento mencionado acima.
Desta maneira, percebemos seja a existência de formas (katas, mudras, ...) seja a existência de procedi-
mentos que podem funcionar como transições, pontes, como preparação para a produção de formas.

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Observando outros casos, no entanto, tais tico, tal treinamento é profundamente imbuí-
como o espetáculo Ricardo II, dirigido por do de elementos que constituem a identidade
Ariane Mnouchkine (1982-1983), vemos que de cada cultura. Nesse sentido, diante dos casos
em várias passagens os atores buscam executar mencionados e das considerações feitas, algumas
não somente procedimentos, mas seqüências re- perguntas poderiam ser levantadas.
conhecíveis de códigos do Kabuki. Mesmo con- Até que ponto podemos falar de “apro-
siderando o fato de, no texto espetacular de priação” ou de “diferentes níveis de apropriação”
Ricardo II, tais códigos terem sido colocados em de linguagens teatrais provenientes de diversas
relação com outros, provenientes de outras for- culturas?
mas teatrais, aqueles pertencentes ao Kabuki No caso de Ricardo II, mencionado ante-
prevaleceram como canal principal de atuação riormente, quando um ator do Théâtre du So-
em vários momentos do espetáculo. leil executava um jo-ha-kyu, estava ele realmen-
Se pensarmos, por outro lado, no proces- te colocando em prática tal princípio?2
so de criação de Mahabharata dirigido por Peter Como dito no início deste escrito, o ob-
Brook (1985), vemos que a prática do Katha- jetivo aqui é aquele de refletir sobre a utilização
kali, forma teatral tradicional indiana, experien- de materiais interculturais no trabalho do ator,
ciada pelos atores, não teve como objetivo aque- e suas implicações. Nesse sentido, a partir tam-
le de reproduzir os códigos pertencentes a tal bém das questões colocadas acima, várias consi-
linguagem teatral, mas sim aquele de “treino derações podem ser feitas. Nesse escrito uma
perceptivo”, de “abertura sensível” para a cons- hipótese será desenvolvida, a qual será compos-
trução de novos materiais de atuação. ta por alguns “desdobramentos”. A função de
A partir dos casos mencionados, podemos tais desdobramentos é aquela de produzir per-
reconhecer diferentes modos de utilização de cepções que podem, por um lado, nos auxiliar
materiais provenientes de diversas culturas. Nes- a compreender alguns aspectos envolvidos nas
se sentido, é interessante notar que em Meyer- práticas teatrais interculturais e, por outro, esti-
hold e Brecht a atenção não foi dirigida para os mular a experimentação prática a partir da uti-
aspectos imediatamente mais perceptíveis das lização de materiais provenientes de diferentes
referidas linguagens, mas sim para aqueles que culturas.
as dinamizam. Já em Mnouchkine vemos uma
busca, mesmo que híbrida, de reprodução de
códigos de atuação. Diversamente, em Brook Primeir
Primeiroo desdobramento:
podemos reconhecer uma busca de captação, a significado vs. sentido
partir da prática de uma linguagem teatral in-
diana, de diferentes qualidades expressivas. O primeiro desdobramento que será examina-
Como sabemos, as manifestações cultu- do aqui envolve uma diferenciação: aquela en-
rais são catalisadoras de valores, percepções, ló- tre “significado” e “sentido”. Sem recorrer aos
gicas... No caso dos teatros orientais, os atores meandros produzidos em muitos debates filo-
são submetidos a um treinamento rigoroso que sóficos, podemos dizer que a diferença aponta-
se inicia em torno dos seis anos de idade e dura da acima pode nos ajudar a reconhecer alguns
muitos anos. Mesmo sendo absolutamente prá- aspectos presentes em vários processos de atua-

2 Jo-ha-kyu é um modelo rítmico composto por três fases: Jo (início); Ha (desenvolvimento); e Kyu (clí-
max). Tal modelo, criado por Zeami Motokiyo (1363-1443), é baseado, entre outros fatores, na obser-
vação dos fenômenos naturais.

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ção provenientes de diferentes culturas. Se to- fenômeno teatral. Mesmo durante a última fase
marmos como exemplo os processos de atuação da investigação prática dirigida por Stanislavski,
que ainda prevalecem entre as culturas teatrais aquela do “método das ações físicas”, onde o
ocidentais, ou seja, aqueles em que um texto “como” passa a ser um aspecto significativo de
dramático realista é utilizado como matriz do sua prática teatral, as diferenças mencionadas
fenômeno teatral, alguns elementos podem ser acima se mantêm, uma vez que o “como” do
detectados. Em tal caso, os aspectos que defi- último Stanislavski ainda está ancorado aos ou-
nem a situação e as relações entre as persona- tros elementos do sistema, os quais constituem
gens podem ser suficientes para o início de uma a rede semântica que orienta o ator. No caso do
exploração prática. Mas o que é importante no- Teatro Nô, os limites da atuação são determi-
tar aqui, é que nesse caso a execução do ator será nados pela longa prática de seus códigos. Como
guiada por uma rede semântica fornecida pelo apontado no “Modelo de Kata”,3 tal processo
texto, que contém, por sua vez, sistemas refe- não é menos complexo do que aquele guiado
renciais os quais controlam e determinam os li- por uma rede semântica. Talvez o contrário pos-
mites da experimentação prática. sa ser dito, uma vez que as katas são formas que
Já no caso de um ator do Teatro Nô, por não remetem a um significado. De fato, a pe-
exemplo, a execução das katas não estará, na dagogia teatral aplicada não somente no Japão,
maioria dos casos, apoiada a uma situação espe- mas também em outros países asiáticos, todos
cífica. De fato, nesta forma teatral as ações não extremamente codificados, não envolve a expli-
são sustentadas por circunstâncias psicológicas cação de significados referentes aos próprios có-
precisas, mas por circunstâncias genéricas im- digos. Estes, na maioria dos casos, não veicu-
buídas de valores de caráter metafísico, as quais lam significados preestabelecidos. Tal aspecto, a
são definidas através da existência de um ponto meu ver, representa um ponto fundamental,
de partida e de um ponto de chegada. Tais cir- que pode contribuir de maneira significativa
cunstâncias, portanto, não oferecem detalhes para o conhecimento de diferentes processos de
psicológicos que possam representar etapas do atuação, provenientes de culturas teatrais dife-
percurso entre esses dois pontos mencionados. rentes. De fato, é exatamente a partir de tal as-
Dessa forma, nesse caso são os elementos que pecto, ou seja, a presença ou ausência de uma
envolvem a execução das katas, e não uma rede rede semântica preestabelecida que serve como
semântica preestabelecida, que funciona como parâmetro de execução prática para o ator, que
parâmetro para o ator. examinaremos a distinção escolhida como nú-
Enquanto Stanislavski nos coloca a neces- cleo desse primeiro desdobramento, aquela en-
sidade de entrarmos nas circunstâncias forne- tre “significado” e “sentido”.
cidas pelo texto dramático, Zeami nos fala da Cabe esclarecer que a distinção que será
importância da flor (hara), elemento que repre- feita aqui tem um caráter puramente pragmáti-
senta a expressão de qualidades específicas de co. Ou seja, ela não contém nenhuma preten-
atuação, tais como “autenticidade”, “presença” são filosófica. Dessa forma, a utilização de tal
e “organicidade”, entre outras. Nesse sentido, diferenciação representa a elaboração de um
podemos dizer que enquanto o artista russo fo- ajuste conceitual a fim de fornecer um instru-
caliza primeiramente a dimensão do “que”, o mento que pode auxiliar o ator a lidar pratica-
fundador do Teatro Nô privilegia aquela do mente com diferentes processos e materiais
“como”, ou seja, os aspectos performativos do interculturais.

3 Ver Bonfitto, 2002, p. 87-95.

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A partir das considerações feitas acima, espectador mantenha-se ativa. Já no caso do


portanto, chamarei de “sentido” o efeito de um “significado”, a atuação do ator estará apoiada
processo de conexão entre as dimensões inte- por uma rede semântica que o orienta, e que
rior e exterior do ator, desencadeado a partir da orienta, por sua vez, também o espectador.5
execução de suas ações. Porém, o que particula-
riza tal processo e ao mesmo tempo o diferen-
cia daquele que produz significado, é que no Segundo desdobramento:
caso de um processo de instauração de sentido intenção vs. intensão
uma característica prevalece sobre as outras: nes-
te caso, tal processo não prevê a possibilidade Falar, portanto, sobre os processos de instaura-
de tradução. Em outras palavras, não é possível ção de sentido na atuação, implica em falar so-
“descrever” ou “explicar” os efeitos da instaura- bre o modus operandi do ator em diferentes ní-
ção de sentido, e tal limite envolveria tanto o veis. Dessa forma, é exatamente nesse ponto que
produtor (ator) quanto o receptor (espectador). outro desdobramento pode surgir, o qual envol-
O que seria possível dizer nesse momento é que ve um outro aspecto, não menos complexo que
um dos modos de produção do processo em aqueles examinados no desdobramento ante-
questão envolve especificamente e primeira- rior: a intencionalidade. Esse segundo desdobra-
mente a relação entre o ator, através da globa- mento deve ser considerado neste escrito, na
lidade de seus processos perceptivos, e os mate- medida em que ele representa um fator dife-
riais de atuação. É a partir de tal relação, que renciador no desdobramento anterior. Em ou-
não é regida por uma rede semântica predeter- tras palavras, quando um ator é guiado por uma
minada, que o sentido pode ser produzido. De rede semântica, torna-se praticamente inevitá-
qualquer forma, mesmo diante dos efeitos des- vel o estabelecimento de objetivos psicológicos
se processo dinâmico que não pode ser traduzi- predeterminados. Desse modo, as suas ações se-
do, a conexão entre as dimensões interior e ex- rão controladas, entre outros fatores, por uma
terior, fator fundamental nesse caso, deve ser intencionalidade que opera como instrumento,
vivenciada pelos dois pólos, ator e espectador, o qual tem como função a realização dos obje-
que dessa forma, interagem.4 É em função de tivos mencionados. Já no caso do ator Nô, por
tal conexão que uma “ressonância” (qualidade exemplo, que não é guiado e controlado por
de presença, dilatação, bios...) pode ser produ- uma rede semântica, não podemos falar sobre
zida pelo ator, fazendo com que a atenção do intencionalidade da mesma maneira. É a partir

4 Alguns aspectos relativos à conexão entre as dimensões interior e exterior do intérprete foram examina-
dos anteriormente por mim em O ator compositor. Em tal obra, a conexão em questão foi considerada
como um aspecto fundamental do processo de produção das ‘ações físicas’. Nesse sentido, poderíamos
dizer que os processos de instauração de sentido envolvem a produção de ações físicas. No entanto,
diversamente dos casos examinados na referida obra, neste escrito um outro reconhecimento é feito:
ações físicas podem ser produzidas a partir de um processo de instauração de sentido, e não somente de
significado. Conseqüentemente, as ações físicas podem produzir não somente significados, mas tam-
bém sentido. Dessa forma, alarga-se aqui o horizonte examinado precedentemente.
5 Diferentes formas teatrais orientais são associadas neste escrito ao processo de instauração de sentido.
Em função disso, cabe esclarecer que a escolha exclusiva de referências provenientes de culturas não-
ocidentais é fruto do tema analisado aqui, ou seja, os processos interculturais na atuação. Portanto, se a
temática fosse abordada a partir de um outro ponto de vista, diferentes manifestações cênicas ociden-
tais, tais como o ‘teatro-dança’ ou o ‘teatro-físico’ seriam analisadas.

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de tal constatação que a inclusão desse segundo é aquela de “fazer discriminação de granulação
desdobramento pode ser justificada, a qual surge fina de modo indefinido”. Ou seja, o processo
como desenvolvimento necessário do primeiro. intensional surge na medida em que articula-
Esse segundo desdobramento, além de ções profundas são desencadeadas no corpo-
conter a intencionalidade como núcleo a ser mente do sujeito.
examinado, tem como eixo uma outra diferen- Como colocado anteriormente, o segundo
ciação: aquela entre “intenção” e “intensão”. desdobramento examinado aqui é considerado
Conforme descrito por Dennett, a intenciona- como o resultado ou uma implicação do primei-
lidade é um conceito rotineiramente mal-enten- ro. De fato, pensar sobre os processos inten-
dido. No sentido comum, a intencionalidade sionais nos ajuda a compreender, por sua vez, os
seria uma espécie de gerador voluntário e cons- processos de instauração de sentido. Como já foi
ciente de ações. Já no sentido filosófico, inten- dito, instaurar um sentido tem como resultado a
cionalidade é apenas relacionalidade. Em outras produção de signos não traduzíveis ou que ofe-
palavras, “algo que exiba intencionalidade con- recem uma zona bastante restrita de decodifica-
tém uma representação de alguma outra coisa” ção. Desse modo, os processos intensionais ad-
(Dennett, 1997, p. 39). Ainda segundo Den- quirem um valor específico, na medida em que
nett, os fenômenos intencionais são dotados de nos fazem perceber um caminho, nos mostram
flechas metafóricas, apontadas para uma outra a existência de possibilidades que podem estar
coisa, o que confirmaria a etimologia do termo, envolvidas no processo de instauração de sentido.
cunhada pelos filósofos medievais – intendere
arcum in – ou seja, exatamente o ato de apon-
tar uma flecha para algo. Te rrceir
ceir
ceiroo desdobramento:
Considerando assim intencionalidade incorporação ( embodiment)
como “relacionalidade”, somos levados a perce-
ber que não podemos falar sobre tal conceito A referência feita acima, relativa à relação cor-
sem levar em conta os “sistemas intencionais”. po-mente do sujeito/intérprete, representa um
Como aponta Dennett, se pensarmos sobre os ulterior e conclusivo desdobramento nesse es-
símbolos de uma língua, cada termo ou predi- crito. Nesse caso, o núcleo a ser examinado são
cado possui uma extensão (a coisa ou conjunto os processos de incorporação (embodiment).
de coisas a que se refere o termo) e uma intensão Como sabemos, se partirmos de Husserl até as
(a maneira particular pela qual esta coisa, ou elaborações mais recentes das ciências cogni-
conjunto de coisas, é selecionada e determina- tivas, passando por Heidegger, David Levin,
da). Nesse sentido, se considerarmos o ser hu- Sartre, Merleau-Ponty, Foucault etc., veremos
mano como um sistema intencional, veremos que o corpo, assim como os chamados “proces-
que um novo dado emerge, que é aquele da sos de incorporação”, foram e continuam a ser
“opacidade referencial”. um foco de reflexão em muitos estudos. De
O conceito de intensão abre um território qualquer forma, o que nos interessa aqui não é
que pode ser extremamente importante para o analisar as implicações filosóficas do conceito de
entendimento de alguns processos perceptivos incorporação, mas reconhecê-lo como um ins-
e subjetivos do ser humano, os quais podem ser trumento, o qual pode ser importante, assim
explorados, conseqüentemente, pelo intérprete. como os outros aspectos já examinados, a fim
A importância de tal conceito se dá, portanto, de nos auxiliar a perceber aspectos ligados ao
na medida em que nos faz perceber a existência nosso objeto, ou seja, os processos de atuação
de diferentes níveis de articulação pessoal no que contêm elementos interculturais.
sujeito. De fato, ainda segundo Dennett a “in- Como dito anteriormente, os aspectos e
tensão” envolve uma capacidade específica, que implicações que serão apontados aqui, relativos

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ao conceito de incorporação, serão funcionais Exploração de materiais interculturais


ao nosso discurso, os quais visam contribuir
Processo intensional Instauração de sentido
para a construção, antes de tudo, de um saber
pragmático relativo ao trabalho do ator. Nesse INCORPORAÇÃO (EMBODIMENT)
sentido, o que nos interessa enfatizar em rela-
ção ao conceito em questão é, antes de tudo, Se considerarmos a pedagogia teatral pra-
aquele de superar a lógica de oposição entre as ticada nos países asiáticos, vemos um processo
dimensões interior e exterior do ser humano, e que poderia ser representado pelo quadro for-
conseqüentemente do ator. Para tal fim, utili- mulado acima. De fato, os atores orientais, não
zarei a noção de “ação incorporada” (embodied sendo guiados por uma rede semântica, devem
action). Tal noção adquire um valor particular buscar articulações subjetivas profundas a par-
neste discurso, na medida em que aborda de tir dos elementos que envolvem a execução dos
maneira dinâmica o processo de incorporação. códigos da própria linguagem. Dessa forma, em
Dessa forma, dois pontos podem ser enfatiza- vez de terem como objetivo a ilustração de sig-
dos: a partir do primeiro, vemos que a cogni- nificados fornecidos a priori, buscarão a ins-
ção depende dos diferentes tipos de experiência tauração de sentido, a fim de produzir as quali-
que são produzidas pelas capacidades sensoriais dades de atuação requeridas pela linguagem
e motoras do corpo; e segundo, vemos que as teatral da qual são intérpretes e futuros criado-
capacidades sensoriais e motoras individuais são res, uma vez atingida a maturidade artística.
elas mesmas intrinsecamente ligadas aos contex- Sendo assim, para que a incorporação de mate-
tos biológico, psicológico e cultural do sujeito. riais interculturais, provenientes dos países asiá-
No que diz respeito à “ação”, podemos perce- ticos, por exemplo, seja possível, caberá ao ator
ber, por sua vez, que os processos motores e sen- com uma formação teatral ocidental concretizar
soriais, percepção e ação, são inseparáveis nos um deslocamento. Ele deverá explorar proces-
processos cognitivos. sos intensionais, e não somente aqueles inten-
Esse terceiro desdobramento representa, cionais; e, a partir de tal exploração, ele deverá
portanto, mais que um ulterior desdobramen- buscar instaurar sentidos e não somente produ-
to. Ele contém, na verdade, os desdobramentos zir significados.
anteriores. Nesse sentido, ele foi explorado de Cabe ainda um último esclarecimento.
maneira indutiva nesse escrito. Vários detalhes relativos ao percurso de incor-
Em outras palavras, para buscarmos com- poração proposto aqui não foram examinados
preender os casos descritos no início, os quais neste escrito, como por exemplo, aqueles que
envolvem diferentes modos de utilização de dizem respeito aos processos intensionais. A ra-
materiais provenientes de culturas teatrais diver- zão pela qual tais dados não foram incluídos é
sas, devemos necessariamente considerar os pro- simples. Muitas informações ainda estão em fase
cessos de incorporação. Nesse sentido, a contri- de elaboração e verificação. Da mesma forma,
buição feita aqui não se limita somente a tal os aspectos relativos ao “como” o deslocamento
constatação, mas propõe um percurso específi- mencionado acima pode ser explorado pelo ator
co, o qual pode ser explorado a fim de buscar ocidental estão ainda em fase de estudo. De
realizar o processo de incorporação. Ou seja, de qualquer forma, mesmo sem fornecer os deta-
acordo com a hipótese aqui levantada, um dos lhes do percurso proposto aqui, creio que a ex-
percursos possíveis para produzir incorporação posição de tal elaboração pode servir de estímu-
seria aquele em que dois diferentes processos lo, seja para outras elaborações teóricas, seja para
estariam interligados: aquele relativo à instau- futuras experimentações práticas. Ao meu ver,
ração de sentido e aquele intensional. o trabalho com materiais interculturais eviden-

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cia de maneira mais objetiva a necessidade de ção do ator contemporâneo. Intensão e sentido
exploração de processos intensionais e de ins- podem, se associados, gerar novas formas e qua-
tauração de sentido. Porém, é importante enfa- lidades de incorporação.
tizar que tal constatação representa somente Por fim, tendo como base a breve refle-
uma etapa, um trampolim para novas experi- xão desenvolvida neste escrito, uma outra ques-
mentações práticas. De fato, a exploração do tão poderia ser levantada:
percurso proposto aqui pode, ao meu ver, levar Seria possível pensarmos na existência de
a um alargamento das possibilidades de atua- um ator intercultural?

Referências bibliográficas

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