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de ensino
Susana Gonçalves *
Síntese: Este artigo tem por objetivo identificar os processos cognitivos que intervêm no
ato de leitura e na compreensão do texto e extrapolar da investigação algumas estratégias
para o ensino da leitura e compreensão de texto, aplicáveis ao ensino básico. Depois de
identificar as diferenças entre bons leitores e leitores principiantes e de apresentar algumas
práticas comuns aos professores eficazes no ensino da leitura, serão apresentadas
estratégias práticas que podem ser ensinadas às crianças para melhorarem o nível de
compreensão do texto escrito.
1. Introdução
A leitura põe em jogo duas atividades cognitivas: a identificação dos signos que compõem a
linguagem escrita (esta atividade pressupõe que o leitor faça a correspondência entre
grafemas e fonemas) e a compreensão do significado da linguagem escrita (o que pressupõe
um ato de interpretação por parte do leitor). É nesta segunda componente do processo de
leitura que nos vamos centrar, mantendo em mente, todavia, a ideia de que a compreensão
de um texto depende sempre da descodificação da escrita, ou seja, de saber ler no sentido
literal.
De acordo com estas perspectivas (cujas fontes históricas se centram nas obras de Barttlet
e Piaget), o conhecimento organiza-se em esquemas cognitivos que nos permitem
descrever e explicar o mundo. São os esquemas aquilo que nos permite reconhecer
estímulos, estabelecer conexões entre eles e tomar decisões acerca do que fazer na sua
presença.
Estes esquemas podem estar adormecidos ou activados, quer dizer, podemos requisitá-los
apenas quando os necessitamos e para tal basta ir ao grande armazém que é a memória.
Este armazém tem uma secção de arquivo (memória de longo prazo) e uma secção activa
(memória de trabalho): identificar objectos, reconhecer problemas, tomar decisões,
executar actos, pressupõe trazer da memória de longo prazo para a memória de trabalho
todos os conhecimentos relevantes (conectados) para a questão com que nos
confrontamos. Cumprida a missão, estes conhecimentos regressam ao arquivo, muitas
vezes modificados, devido às novas aquisições derivadas da experiência e da reflexão.
Compreender um texto consiste num processo gradual durante o qual o leitor procura uma
configuração de esquemas que representem adequadamente cada uma das passagens que
vai lendo. Estas passagens sugerem ao leitor interpretações possíveis que vão sendo
avaliadas e reavaliadas em função das frases seguintes, até que uma interpretação
consistente seja, por fim, encontrada (Rumelhart, 1980). À medida que o leitor lê, são
trazidos à consciência (à memória de trabalho) os conhecimentos do repertório de
informação do sujeito que são relevantes para entender o que está escrito e para fazer o
trabalho de interpretação: construir um significado para o texto. O acto de interpretação
corresponde à procura de uma «formulação coerente» do conteúdo do texto, sendo que
esta coerência é obtida a partir de correspondências entre dados presentes na mensagem e
dados presentes na memória, nos esquemas (Anderson, 1978).
Devido a esta dimensão ideossincrática, alguns autores defendem que o texto não possui
significado interno (e. g., Collins et al., 1980; Spiro, 1980; Ausubel et al., 1978; Noizet, 1980):
o significado é construído pelo receptor, quando compreende (interpreta) uma mensagem.
Numa mensagem nunca estão explicitadas todas as ideias do autor. Este tem intenções
acerca das quais o leitor tem que fazer algumas inferências, baseando-se no seu
conhecimento prévio. Este processo «inferencial» ajuda o leitor a clarificar detalhes não
mencionados no texto, lendo nas entrelinhas.
Vários estudos (cf., Anderson, 1978; Causinille-Marméche e Mathieu, 1988; Dole et al.,
1991) mostram que a diferença entre bons e maus leitores não resulta de diferentes
capacidades de processamento da informação, mas de diferenças na qualidade e
organização dos conhecimentos prévios e nos processos cognitivos e metacognitivos
postos em jogo durante a leitura. Da análise das diferenças entre os dois tipos de leitores,
sintetizadas no quadro 1, podemos concluir que os conhecimentos do leitor e a forma
como estes estão organizados têm uma importância fundamental para a compreensão da
leitura. Podemos ainda rever aquelas velhas crenças que nos dizem que os leitores são bons
ou maus devido às suas capacidades ou aptidões cognitivas. Com efeito, a investigação
mostra que esta não é a norma. Indivíduos com capacidades idênticas podem ler de modo
qualitativamente diferente, consoante aquilo que já sabem de antemão e o modo como
sabem.
Quadro 1
No final da leitura, os bons leitores têm consciência de até que ponto conseguiram obter
um quadro de representação coeso sobre o texto, ou seja, até que ponto compreenderam as
suas ideias principais e, caso verifiquem que não compreenderam, ou que existem lacunas,
empenham-se de novo na leitura do texto para clarificar o seu significado.
Por fim, os bons leitores são mais capazes de determinar as ideias importantes do texto,
não apenas em função das intenções do autor, mas igualmente em função dos seus
próprios objectivos de leitura, tendo o discernimento para perceber quais as partes do texto
que se relacionam com esses objectivos.
Trata-se de uma actividade mais geral que a anterior. A sumariação implica que o leitor
sintetize grandes unidades de texto, condensando as ideias principais e recriando um novo
texto coeso e coerente com o original. A função desta estratégia é clarificar as ideias
principais do texto e as suas interacções.
Muitos autores defendem que esta estratégia é o centro vital da compreensão. Ela está
presente na leitura de quaisquer textos, dos mais simples aos mais complexos, tanto em
adultos como em crianças. A inferência permite chegar a uma compreensão mais
aprofundada do que a mera compreensão literal do texto. Compreender um texto implica
inferir sobre o que se lê (título, tema, objectivos, enquadramento do texto...), a partir
daquilo que se sabe (Anderson e Pearson, 1985; Dole et al., 1991; Andre, 1991; Gagné,
1981). A inferência permite dar coerência ao que se lê, extrair novas informações a partir
do que está escrito, evocar informações que devem ser adicionadas ao texto e completá-lo
(Van de Velve, 1989).
Ao ler num jornal um artigo de opinião, fazemos inferências acerca das razões pelas quais o
autor escreveu o artigo, porque o publicou naquele jornal e não noutro, porque defendeu
certos argumentos, porque evocou uns factos e deixou outros omissos... Fazemos tais
inferências a partir de conhecimentos e crenças que entendemos serem relevantes (p. ex.,
aquilo que sabemos acerca do autor, do jornal e do tema abordado).
Estes conhecimentos são filtrados pelos valores, opiniões e emoções: ao ler podemos
sentir-nos irritados, revoltados, divertidos, comovidos, apaziguados,... Sabe-se que os bons
leitores avaliam e respondem afectivamente àquilo que lêem, de um modo tanto mais
intenso quanto maior o seu interesse sobre o assunto lido (Pressley et al., 1997). Ou seja,
fazem uma leitura emocionalmente activa na qual não se limitam a memorizar
automaticamente a informação, mas antes a interpelam a partir de uma posição crítica.
• Saber o que fazer e como fazer quando se descobrem falhas na compreensão – este
é um aspecto capital no desenvolvimento da mestria na leitura e uma das diferenças mais
acentuadas entre leitores de baixo e de alto nível de mestria.
Seguindo a síntese apresentada por Dole et al. (1991) podemos dizer que os bons leitores
são mais capazes de: gerir a energia e o tempo que gastam para resolver problemas de
leitura; utilizar os recursos disponíveis (por exemplo, repetir a leitura de uma passagem
anterior para compreender melhor outra que se segue); e adaptar as estratégias que utilizam,
de um modo flexível, às diferentes circunstâncias.
Em contrapartida, e de acordo com Garner (1988), verifica-se que os leitores mais novos
ou inexperientes têm pouca consciência da necessidade de encontrar sentido para o texto;
encaram a leitura mais como um processo de decomposição do que de atribuição ou
procura de significado; têm dificuldade em identificar os momentos em que não estão a
perceber o texto; e têm dificuldade em encontrar estratégias compensatórias (tal como reler
o texto, estudar com mais detalhe os segmentos difíceis ou sumariar) quando não
compreendem o que lêem.
• Tal como o bom leitor tem em mente uma ideia acerca da forma como construir o
significado do texto, o professor também tem alguma ideia acerca de como apoiar o aluno
nesse trabalho. O professor pode alterar as suas acções, consoante os objectivos, exigências
dos textos e tarefas de leitura, respostas dos alunos e contingências situacionais do ensino
(Dole et al., 1991).
• Os elementos do texto vistos como mais importantes são melhor recordados. Para
que o aluno identifique as ideias principais com facilidade, o professor pode orientá-lo,
ensinando fórmulas de apoio à leitura, como: sublinhados, tomar notas, fazer esquemas e
sumários, organizar mapas de conceitos ou relacionar as ideias do texto com ideias afins.
6. Conclusões
Se os benefícios da leitura são evidentes para a maioria dos leitores experientes, que vêem
nessa actividade um modo de comunicar e aprender, o mesmo não se pode dizer das
crianças, no início da aprendizagem da leitura. A proximidade funcional entre a língua
escrita e a oral não é evidente para uma criança no início da vida escolar. Aparentemente, a
leitura tem muito pouco a ver com o ser criança3. Claro que os argumentos apresentados
são facciosos e facilmente contestáveis. Mas, se essa contestação for fácil e imediata no
plano de um discurso, será ela assim tão facilmente interiorizada e aceite pelas crianças? A
resposta é sim, mas devagarinho (e estrategicamente!). A leitura pode tornar-se uma das
actividades mais gratificantes para a criança (muitos casos de leitores compulsivos com 6, 8
ou 10 anos o comprovam) mas tal só acontece quando a criança percebe (e para tal precisa
de ajuda) que a leitura pode ajudá-la a cumprir objectivos cognitivos, lúdicos, afectivos e
sociais).
A escola é o grande iniciador à leitura para a maioria das crianças. Deverá, por isso, garantir
que esta actividade seja aprendida num registo de forte significação pessoal. Para isso, a
leitura não pode ser apresentada como uma actividade mecânica, mas como uma actividade
construtiva e empenhada do aluno, como algo a ser compreendido por referência àquilo
que a criança já sabe e àquilo que quer saber para alcançar os seus objectivos. Só quando a
criança conseguir estabelecer estes vínculos e perceber o valor e utilidade instrumental da
leitura é que poderá empenhar-se na leitura de modo tão completo que assegure que o acto
de ler é um verdadeiro acto de aprendizagem.
Bibliografia
Dole, J., Duffy, G., Roehler, L. e Pearson, P. D. (1991): «Moving from the Old to the New:
Research on Reading Comprehension Instruction», in Review of Educacional Research. 91, 2,
pp. 239-264.
Gagné, E. (1985): The Cognitive Psychology of School Learning. Boston: Little, Brown and
Company.
Garner, R. (1988): Metacognition and Reading Comprehension. Nova Jersey: Ablex Publishing
Corporation.
Notas
3 Ler pode ser uma actividade enfadonha para uma criança, devido aos obstáculos à
compreensão:
• O texto escrito não usa os mesmos vocábulos, regras e organização
• O autor não está presente, pelo que é difícil perceber (no nível concreto com que a
criança funciona) que houve alguém que escreveu o texto e que esse alguém tem
objectivos, valores e intenções, que permanecem por detrás do que escreveu.
• Um texto escrito não tem vertente afectiva evidente. Quando nos aborrece podemos pô-
lo de lado. Fecha-se o livro, põe-se na prateleira e estamos certos de que não reivinda a
nossa atenção.
• Os livros falam de coisas que podemos desconhecer, que não nos interessam, que já
sabemos, com as quais discordamos – e não se interessam pelo que pensamos acerca do
que dizem.
• Os livros obrigam a estar parados fisicamente, e logo fazem isso à criança, que tanto gosta
de explorar o mundo através das suas correrias...