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08/01/2019 Renato Lessa e o “Presidencialismo de Assombração” – DAGOBAH

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Renato Lessa e o “Presidencialismo de Assombração”


por Augusto de Franco
07/01/2019, 11:53

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Bolsonaro inaugura o presidencialismo de assombração, diz
Renato Lessa

Folha de S. Paulo, 05/01/2019


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08/01/2019 Renato Lessa e o “Presidencialismo de Assombração” – DAGOBAH

Para autor, novo governo se estrutura a partir de uma linguagem, dotada de formas
próprias de classificação das coisas, com quatro núcleos: rejeição ao contraditório,
horror à mediação, atitude antiglobalista e desprezo pela liberdade política e cultural
experimentada pelo país nos últimos 30 anos.

Comoventes os esforços da cobertura televisiva da posse de Jair Messias Bolsonaro.


Fez-se de tudo para isolar nas falas neopresidenciais resíduos civilizatórios mínimos.

Houve mesmo quem destacasse como sinal de alento positivo o juramento do


empossado, de compromisso com a salvaguarda da Constituição, em esquecimento de
que se trata de texto de leitura e declinação compulsórias, segundo as regras do ritual
de entronização. Em ato performático complementar e, no mínimo, ambíguo, o vice-
presidente, ao tomar posse, declamou a mesma peça como quem dirigia à tropa uma
ordem unida.

Cada um escuta o que quer. Nada a fazer a respeito. Há quem enfatize, ao ouvir o
empossado, a vocalização dos lugares comuns de respeito à Constituição e de
“governar para todos”. Mas em época de hipervalorização do “novo”, parece mais
apropriado destacar o inaudito: a plena vigência de uma ideologia de combate ao “viés
ideológico”. Supor que se trate de má-fé, pelo evidente contraditório da expressão,
talvez seja conceder aos defensores da novidade generosa hipótese de natureza
cognitiva.

Parece haver entre eles crença inamovível de que só há “viés ideológico” nas palavras e
nos atos dos “inimigos da pátria”. Uma vez denunciado e afastado esse viés, a verdade
e a realidade emergiriam de forma límpida, para que o Brasil “se reencontre consigo
mesmo”, tal como posto pelo novo chanceler.

Descreve-se, assim, o trajeto da consciência alienada, a que busca fora dos termos da
realidade o significado de todas as coisas. O reencontro com a pátria repõe natureza
objetiva da realidade, com o consequente imperativo de um governo de técnicos.

Cada um escuta o que quer; assim é se lhe parece. Tal como nos ensinou o sábio
Pirandello. Mas nada do que se diz, em princípio, pode ser tomado como
inconsequente.

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Se digo que “amo a humanidade”, desse ato genérico de fala nada pode ser
diretamente inferido em termos práticos. É um daqueles sentimentos oceânicos, cujas
consequências são indeterminadas. Mas, se envio a meu vizinho uma ameaça de
morte, compreendo que seja prudente que vá à polícia dar parte da ameaça.

Esse é o limite do relativismo: o arco de consequências “expectáveis” —como bem


dizem os portugueses— de nossos atos de fala. Em termos diretos, há atos de fala com
relação aos quais é imperativo que se vasculhe o âmbito de suas consequências
possíveis.

Sem a intenção de estabelecer qualquer analogia entre regimes políticos, é o caso de


lembrar de Victor Klemperer, um professor alemão de literatura românica, e de sua
obra-prima a respeito da linguagem praticada pelos donos do poder na Alemanha
entre 1933 e 1945 (“A Língua do Terceiro Reich”, de 1947, foi publicada entre nós em
2009 pela editora Contraponto).

Judeu e exilado em seu próprio país, Klemperer observou de modo fino a medida em
que o vocabulário e a linguagem dos nazistas configuravam uma experiência com a
realidade do mundo. A análise da linguagem torna-se, dessa forma, essencial à
compreensão do experimento histórico e cultural.

Em termos filosóficos, a relação entre linguagem e formas de vida viria a ser


consagrada pelo filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein em suas “Investigações
Filosóficas”, publicadas postumamente em 1953.

Como disse, não parto de qualquer analogia entre regimes políticos. O que aqui
iniciamos, há menos de uma semana e a crer nos mantras de celebração de novidades,
é um inédito experimento de presidencialismo de assombração. Algo que começa a ser
estruturado como linguagem, dotada de formas próprias de classificação das coisas.

A meu juízo, e de modo não exaustivo, a linguagem do presidencialismo de


assombração comporta quatro núcleos, dos quais o primeiro aparece como premissa
maior. São eles, pela ordem: o Paradigma da Ponta da Praia (PPP); o Paradigma do
Horror à Mediação (PHM); o Paradigma Patriótico (PP); e o Paradigma
Antimodernismo (PAM).

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O PPP —elemento antigo, implícito e estruturante da visão de mundo presidencial—


foi apresentado ao país de modo brutal a poucos dias da eleição de outubro passado.
Trata-se de alusão a lugar de “desova” de cadáveres de opositores políticos à ditadura e
expressão corrente entre os tipos mais duros dos porões daquele regime.

O então candidato prometeu a seguidores enviar a esquerda “para a Ponta da Praia”,


facultando, é verdade, as menos incanceláveis alternativas da prisão e do exílio. O PPP
é elemento cognitivo e operacional de uma visão eliminacionista da política, pela qual
o corpo político é percebido como unitário, mantidas as rígidas distinções entre cores:
verde-amarelo e vermelho; rosa e azul.

A figura do “inimigo da pátria” retorna, indicando o não pertencimento da esquerda e


dos desajustados ao conjunto da nação. Nossa extrema direita, embora cognitivamente
preparada para tal, parece não odiar o imigrante. Mas rejeita o estranho, que começa a
ser configurado na forma de um inimigo objetivo, o operador do tal “viés ideológico”.

O PHM, Paradigma de Horror à Mediação, foi reiterado, durante a diplomação dos


eleitos, por meio de exortação ao poder popular. Elemento cultural estruturante da
campanha, fez-se acompanhar de uma celebração dos valores e dos instintos pré-
políticos.

O componente de abstração necessário à política desfaz-se em prol de um elogio da


autenticidade. Os modos de expressão devem relevar de substâncias verdadeiras e
impulsos autênticos, livres da ação de mecanismos de contenção.

É compreensível, nessa chave, o horror ao “politicamente correto”, o que indica o


quanto do combate cultural incide sobre o campo da verdade. Libertos das restrição do
“correto”, podemos nos sentir livres para dar vazão aos termos de nossos preconceitos
e, se calhar, passarmos ao ato.

O tratamento conferido à imprensa durante a posse presidencial só pode ser entendido


à luz do PHM, assim como os atos de hostilidade a veículos específicos e de elogio aos
aplicativos de comunicação instintiva e imediata.

O PHM traz consigo a repulsa da representação e a necessária identificação com um


Chefe, por vezes teologicamente descrito. Enquanto o vínculo —botânico ou não— com

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a divindade pode ser facilmente debitado na ordem da alucinação, o desconforto com a


representação possui âncora material.

Com efeito, se o Chefe pode ser eleito diretamente, pela expressão majoritária do voto,
a representação é, dado o princípio da proporcionalidade, fragmentada. Disto resulta
que, a despeito dos déficits representativos do sistema, a representação política é um
limite físico interposto à vontade do Chefe que encarna a vontade geral.

O recurso a “bancadas temáticas” nada tem de “moderno”: é tão somente o delírio do


regresso a um mundo anterior à emergência do sistema partidário, sustentado na
pretensão de definir quais são os “temas” verdadeiros a levar em conta, de modo não
partidário e sem “viés ideológico”.

O antiglobalismo, inscrito no PP (Paradigma Patriótico), é mais que doutrina aplicável


ao campo das relações internacionais. Ele decorre de uma oposição moral entre o
local/nacional e o global, pela qual os valores positivos encontram-se no primeiro par.
É, ainda, a crença básica e propiciadora de todas as guerras conhecidas.

O “globalismo”—ou universalismo— exige abstração; implica suplementação


imaginativa capaz de vislumbrar uma humanidade comum, para além de imperativos
pragmáticos. É esse núcleo do globalismo/universalismo que parece estar sob foco, já
que se está a configurar uma outra modalidade um tanto escalena, composta por
curiosa associação global de países antiglobalistas.

Mas o ponto essencial é de outra natureza. O antiglobalismo do chanceler Ernesto


Araújo, em nada heterodoxo com relação ao que reza o PPP, indica a primazia do local:
da família, do “oikos”, da cena doméstica, das associações primárias e verdadeiras,
conducentes à nossa reunião no âmbito da pátria. São esses núcleos identitários
“naturais” que nos distinguiriam e que, portanto, são incanceláveis.

Jean-Paul Sartre, em novela luminosa, “A Infância de um Chefe”, descreveu o processo


de “cura” de um jovem desenraizado —que nada sabia de si, de suas vontades e do
mundo em geral—, por meio de sua conversão à família, à terra, à pátria. Um elemento
essencial e ativo do processo foi representado pelo antissemitismo: a repulsa aos
judeus foi condição necessária à descoberta de si do personagem Lucien Fleurier como
um sujeito enraizado.
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O que ali se manifesta é o estereótipo, generalizado a partir dos processos de


emancipação do judeus, do judeu como “desenraizado”, como incapaz de dissolver-se
na massa do “volk”, como estranho ao pertencimento nacional. Foi essa a perspectiva
que esteve presente na condenação do também capitão Dreyfuss e que constitui um
dos elementos mais fundos do antissemitismo moderno e contemporâneo.

A estrutura cognitiva do argumento antiglobalista é antissemita, ainda que seus


propugnadores digam —e creiam— que não o são. O argumento exige bodes
expiatórios, matéria, para dizer o mínimo, não estranha ao campo do antissemitismo.

Por fim, há o aspecto antimodernista do experimento do Presidencialismo de


Assombração. Com efeito, o PAM —Paradigma Antimodernista—, ao reintroduzir a
dimensão teológica no campo político, tal como evidencia a associação entre a eleição
presidencial e atos providenciais, vincula-nos a uma experiência de mundo inimiga do
duplo, da ironia, da cultura do absurdo e das vantagens cognitivas do espírito de
contradição.

Ainda que tenha havido modernistas sisudos, a estética do humor e da distorção foram
fundamentais no espírito do modernismo, sob cuja égide temos vivido, de algum
modo, há cerca de um século.

Por diferentes caminhos, o espírito modernista configurou nossa experiência de país.


Por vezes com ímpeto renovador reduzido, tal como o fizeram notar Mário de
Andrade, em revisão crítica do movimento feita nos anos 1940, e Antonio Candido
quando mencionou a “rotinização do modernismo”.

Mesmo com tais reservas, é contra tal pano de fundo que o PAM, tal como Nêmesis,
pretende reinventar o país e, de modo mais direto, desfazer os efeitos dos últimos 30
anos, se calhar, os de maior liberdade política e cultural vividos pelo país.

O Presidencialismo de Assombração é o elemento operador do governo civil-militar


ora implantado, decorrente da eleição de 2018.

Possui —ou assim quer nos fazer crer— reservas de ímpeto, ancoradas em valores
potencialmente letais ao modo pelo qual praticamos a democracia. Contém, dessa

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forma, elementos de inovação, que exigirão energias interpretativas renovadas. Não é


brincadeira, a coisa.

*Renato Lessa é professor associado de filosofia política da PUC-Rio e pesquisador


associado do Centro Roland Mousnier, da Universidade de Paris 4-Sorbonne.

Democracy Unschool é um ambiente de livre investigação-aprendizagem


sobre democracia, composto por vários itinerários. O primeiro itinerário é
um programa de introdução à democracia chamado SEM DOUTRINA. Para
saber mais clique aqui

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