Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Onésimo Almeida
Paulo de Medeiros
Jerónimo Pizarro
[ARTIGOS / ARTICLES]
[DOCUMENTOS / DOCUMENTS]
[CRÍTICAS / REVIEWS]
Los 35 Sonetos de Fernando Pessoa traducidos por Jorge Wiesse ........................ 508
[The 35 Sonnets of Fernando Pessoa translated by Jorge Wiesse]
Madeleine Jordà Billinghurst
Jerónimo Pizarro
(em nome dos editores de Pessoa Plural)
Editor’s Note
While walking through the Lisbon Book Fair yesterday, once more I heard a
Portuguese expression that has always made an impression on me: “Não existe[s]”
(You don’t exist). This, said by a person who exists, but who “does not exist” simply
because of giving someone a surprise. The expression is sometimes followed, in
my memory, by another one that may be either tender or ferocious: “Se não
existisse[s], tinha[s] de ser inventado” (If you did not exist, you had to be invented).
Today, Pessoa Plural celebrates the birth, 130 years ago, of Fernando
Pessoa—on June 13th, 1888—by presenting 13 pieces and thus extending the 5000+
pages we already dedicated to Fernando Pessoa, which we would like to become
13000 or 130000 or more... It is the occasion to say “Pessoa does not exist!” But only
because he exists too much, because there are already people who pessoate (we are
missing that verb), i.e., people who go to Portugal because of Pessoa, who do
Pessoan promenades, who are introduced as Pessoanos and who talk of “his” or
“her” own Pessoa. That which Pessoa has made—the stunning work that lies in the
origin of “so much Pessoa”—surprises us at all times, being as singular as these
unique persons who, if did not exist, had to be invented.
This issue, the 13th of Pessoa Plural, opens with the triple poem of the “santos
lisboetas de Junho” (the “June Lisboner saints”) as Pessoa calls them, after crossing
out the first version “santos populares” (“popular saints”), presented by José
Barreto, who explains (and here we translate his words): Pessoa’s choice of the
generic title Praça da Figueira for this triple poem is mainly related to the fact,
perhaps forgotten nowadays, that this plaza in the center of Lisbon, with its
boisterous market, was for a long time the neuralgic point of the Lisbon June
festivities, the festivities of the “popular saints.” Barreto also defends that, in the
poem, Pessoa contests the mobilization and appropriation of the “Lisboner popular
saints” by the Estado Novo and the Catholic Church. As it is known, Pessoa
rhymes with Lisboa; we celebrate his and Lisbon’s birthdays together, and the
poet’s second name, “Antonio,” is due to the circumstance of his being born on
June 13th, the day of Saint Anthony, who, before taking the religious name, had
been baptized “Fernando”). These coincidences add to the number 13, which is
highlighted on the cover, with graphic design by Kaitlin Beall and inspiration from
the cover sketch for the journal Orpheu 3 (see FIGURE 1).
Without attempting to summarize the contents of this issue, we should note
that this “13” in part extends issue 12 (published in December 2017 and dedicated
to architect Fernando Távora), but now summons the estate of Alberto Serpa,
another great collector from the North of Portugal. Among many other pieces, this
issue also presents a dossier of Pessoa’s writings on detective literature and an
essay on Pessoa and Walter Benjamin. We include five reviews as well, covering
recent books and exhibits. We need to thank those who have managed the DOIs for
Jerónimo Pizarro
(on behalf of the editors of Pessoa Plural)
Palavras-chave
Fernando Pessoa, 13 de Junho, Festa Junina, Santos populares lisboetas, Santo António, São
João, São Pedro, Praça da Figueira, Estado Novo, Maçonaria, Censura, Alfredo Margarido,
Assento de baptismo de Fernando Pessoa.
Resumo
Apresenta-se o tríptico de poemas «Santo António», «S. João» e «S. Pedro», que Fernando
Pessoa escreveu em Junho de 1935, durante as festas dos três «santos populares» de Lisboa,
e que projectava publicar sob o título Praça da Figueira, mas deixou inéditos. O tríptico foi
publicado pela primeira vez em 1986, com um estudo introdutório de Alfredo Margarido,
que aqui é comentado. Com Praça da Figueira, Fernando Pessoa pretendia contestar a
apropriação dos tradicionais festejos populares para os fins religiosos e políticos da Igreja
católica e do seu aliado, o Estado Novo de Salazar. Para tal, o poeta enfatiza o cunho pagão
e dionisíaco das festas juninas e associa provocatoriamente S. João à Maçonaria, então a
inimiga principal do regime salazarista e da Igreja.
Keywords
Fernando Pessoa, June 13, June Festival, Popular Lisboner Saints, Saint Anthony, Saint
John, Saint Peter, Figueira Square, Portuguese Estado Novo, Freemasonry, Censorship,
Alfredo Margarido, Baptism certificate of Fernando Pessoa.
Abstract
The author presents the triptych of poems “Santo António,” “S. John” and “S. Pedro,”
which Fernando Pessoa wrote in June 1935, during the feasts of the three “popular saints”
of Lisbon, and which he planned to publish under the title Praça da Figueira but left
unpublished. The triptych was first published in 1986, with an introductory study by
Alfredo Margarido, which is discussed here. With Praça da Figueira, Fernando Pessoa
intended to challenge the appropriation of the traditional popular festivities for the
religious and political ends of the Catholic Church and its ally, Salazar’s Estado Novo. For
this, the poet emphasizes the pagan and Dionysian imprint of the June festivals and
associates St. John with Freemasonry, then the main enemy of the Salazar regime and the
Church.
1«Santo António, de Lisboa» e «No dia de Santo António», datáveis respectivamente de 1934 e 1935
(Pessoa, 1997: 107 e 153).
2BNP/E3, 133F-26r. Ver também os projectos editoriais 48B-90r, 63-31r e 48E-38r. Os quatro projectos
editoriais com referência à Praça da Figueira são reproduzidos no ANEXO 2.
Praça da Figueira, praça alegre, praça pagã, que até no nome sabe bem, no seu nome verde,
no seu nome sumarento. [...] A Praça da Figueira, que nunca deixa de estar em festa, tem as
suas festas oficiais em Junho, no mês dos Santos – nas noites de Santo Antonio, S. João e S.
Pedro. Nessas noites, noites em que o majarico é rei, não ha frutos na praça, ha corpos,
corpos saudaveis, corpos foliões – as melhores frutas da Praça... Em todas as mãos, o
majarico é o emblema da Hora, o enternecido vaso de majarico onde todos nós, no mês dos
Santos, plantamos no nosso coração lusiada um cravo de papel, um cravo onde as quadras
mais desageitadas ficam lindas... [...] Pois na Praça da Figueira, nas noites de Santo
Antonio, de S. João e de S. Pedro, o majarico é rei. Toda a noite, toda a santa noite, grupos
de foliões cirandam pela praça, uma cantiga nos labios, só cantiga, uma cantiga onde as
palavras são o menos, balões no alto dos paus, a opiá-los, a dar-lhes ilusão duma vida
caprichosa, duma vida colorida... Ha assobios, ha gritos, ha cantigas, ha uma cidade
endiabrada que esconde as chaves a S. Pedro – para não entrar no ceu por aquelas semanas
mais próximas.
(FERRO: 1921)
Dado que a primeira publicação, em 1986, de Praça da Figueira, embora sem o título
que Pessoa lhe deu, ficou associada à apresentação que Alfredo Margarido dela
fez, bastante terá de ser dito aqui a respeito desta última, tanto mais que nenhum
outro estudo foi até hoje dedicado àqueles três poemas, tirando o já citado trabalho
filológico de Luís Prista. Com efeito, Margarido escreveu para o livro Santo
António, S. João, S. Pedro uma longa introdução de 81 páginas, num total de 118 do
volume. Defende nela que Fernando Pessoa, nesse último ano de vida, recuperou
«a sua veemência anticatólica» e que o trio de poemas dos santos populares é
passível de uma «leitura tanto religiosa como política» (p. 10). Esclarece mais
adiante o que quer dizer: «Pessoa pretende separar os três santos da zona de
influência da Igreja católica, como daqueloutra já dominada pelo poder político do
Estado Novo» (p. 21). Podemos concordar, até certo ponto, com esta apreciação
geral (adiante se voltará ao assunto), ainda que discordemos de aspectos colaterais
da argumentação de Margarido, para não referir algumas teses insólitas contidas
na minuciosa análise literária que o mesmo faz dos três poemas. Entre essas teses,
destaque-se a de que a alegada preferência manifestada por Pessoa, nos seus
poemas, pelos dois santos «infantis» (Santo António e S. João), em detrimento do
«velho» S. Pedro, relevaria de «uma nítida construção pedófila», de «hesitantes»
fronteiras entre o físico e o intelectual, algo que, segundo o mesmo autor, teria já
encontrado as suas primeiras expressões na obra do poeta em «Antinous» e no
«Guardador de Rebanhos» de Caeiro (pp. 24-26). Visivelmente, Margarido não
tomou em conta na sua análise o que Pessoa escreveu na recensão que em Janeiro
de 1935 fez do livro Romaria, do franciscano Vasco Reis, o premiado na «primeira
categoria» de poesia do concurso literário do SPN em que Pessoa foi premiado na
«segunda categoria». Nesse texto publicado no Diário de Lisboa (Pessoa: 1935), em
3
Ver a este respeito BARRETO (2011).
4 «Reminiscencia (O Capitão, o Contramestre, o Mar)», datado de 9-6-1935 e publicado pela
primeira vez em PESSOA (2000: 205-207), mas sem o título, que não está no original do poema, mas
sim no projecto de Canções da Derrota (BNP/E3, 48E-38r). Pela leitura do poema, é possível identificá-
lo, sem margem para dúvida, como aquele a que Pessoa destinava o título «Reminiscencia (O
Capitão, o Contramestre, o Mar)».
Por isso o nosso vero Deus Manifesto é, não o Deus uno e trino, ou qualquer das Pessoas da
Trindade, mas um Cupido católico chamado o Menino Jesus. Por isso não curamos de Maria
Virgem, mas só de Maria Mãe. Por isso os nossos santos autênticos são um S. João Baptista
menino – isto é, de muito antes de ele ser Baptista – ou um Santo António concebido
irremediavelmente como um adolescente infantil, cuja função distintivo – a de consertar
bilhas – é um milagre-brinquedo. Quanto ao Diabo, nunca um português acreditou nele. A
emoção não permitiria. O Padre Vasco Reis – a quem Deus fez ser franciscano para fins
simbólicos – pertence portuguesmente a este catolicismo amoroso. [Ortografia actualizada]
É, pois, na pele de sociólogo crítico que Pessoa sublinha – aqui e no tríptico «Praça
da Figueira» – o carácter infantil ou adolescente dos dois santos lisboetas, e não por
devoção, especial simpatia ou inclinação pedófila (intelectual ou física) do poeta
pelos ditos. O seu fito é o de caracterizar o catolicismo português, sobre o qual
Pessoa projectava em Outubro de 1935 publicar no Diário de Lisboa três textos5: um,
intitulado «A Religião e os Meninos», de que não achámos rascunho no espólio,
mas cujo título permite facilmente adivinhar qual seria o seu tema; outro,
intitulado «Fátima», com uma análise das aparições da Cova da Iria e, por via dela,
da «religiosidade portuguesa» ou do «catolicismo típico» do povo português, mas
de que o autor nos deixou apenas um «preâmbulo» pleno de ironia; e ainda
«Marcha sobre Roma», um texto violentamente anticatólico, apenas começado.6
Naturalmente, estes dados seriam desconhecidos de Margarido ao tempo da
publicação do livro Santo António, S. João, S. Pedro, o que não o impediu, todavia,
de se aventurar em conjecturas sobre a pedofilia de Fernando Pessoa. Ora do ponto
de vista do poeta, se se pudesse falar de «pedofilia», essa seria a do «catolicismo
típico» do povo português.
Na introdução ao livro, Margarido começa por sustentar que a feitura do
triplo poema dos santos populares se situa numa fase de ruptura política de Pessoa
com o regime de Salazar, fase essa que ele data do início de Fevereiro de 1935. Em
defesa desta particular tese – que se baseia em alguma evidência factual, mas que,
em si mesma, já mereceria fortes reparos –, Margarido embrenha-se depois numa
série de juízos especulativos e indemonstrados sobre o posicionamento político do
poeta. Uma das suas premissas nucleares é a de que Pessoa, até aos primeiros
meses de 1935, teria sido «um adepto convicto da excelência do regime ditatorial,
sobretudo após a irrupção do prof. Oliveira Salazar, como ministro das Finanças
primeiro, como presidente do conselho de ministros a partir de 1932» (p. 11). Não
Olha, eu confesso
Que nunca escreveria
Este vago poema, em que me apresso
Só para me ver livre do teu nada,
Se não fosse para dar um cunho
A este livro da trilogia
(Santo Antonio, S. João, S. Pedro. —
De popular, que bem que sôa!)
Mas porque diabo de intuição errada
O título original «S. João do Verão» abreviado para «S. João» [BNP/E3, 63-21r, pormenor].
Em «S. João», Pessoa vai, de facto, mais longe que em «Santo António», opondo o
santo não só à Igreja, como também, mais claramente, ao Estado Novo. Para isso,
constrói todo o poema em torno da associação de S. João à primeira organização
maçónica, a Grande Loja de Londres, depois crismada Grande Loja de Inglaterra,
que foi realmente criada no dia 24 de Junho, no ano de 1717, e que adoptou S. João
Baptista como seu patrono. Pessoa explora este dado histórico, ficcionando S. João
como o secreto fundador da Maçonaria, em resultado de uma «partida» que o
santo, descido à terra disfarçado, teria feito à «Igreja constituída», para a arreliar e
se vingar dela. O poeta, comenta, agradado: «Eu a julgar-te até católico / E tu sais-
me maçon». E o poema termina com um abraço fraternal ao maçon S. João dado
pelo poeta, que declara ser templário. O intuito político provocatório deste poema
é evidente, se pensarmos que o Estado Novo tinha pouco antes mandado extinguir
a Maçonaria por meio de uma lei que Fernando Pessoa atacara publicamente num
artigo de grande retumbância. No termo dessa breve polémica, logo silenciada
pelo chefe do governo, Pessoa ficara sob vigilância redobrada da censura e
impedido de voltar a escrever sobre a Maçonaria (BARRETO: 2011). O poeta devia
estar perfeitamente ciente que a publicação do poema «S. João» não seria viável
nessas circunstâncias.
Em «S. Pedro», como se disse, não há vestígios da intentada separação dos
santos populares das zonas de influência da Igreja Católica e ao Estado Novo. Os
atributos da representação iconográfica de S. Pedro, as chaves e as barbas brancas,
são associados por Pessoa a aspectos que para ele são negativos. As chaves de S.
Pedro aludem a encarceramento, a «um céu claustral», à ausência de liberdade,
mas também ao Papado e à Igreja de Roma, que «as cruzou no seu brasão». As
barbas, ainda que possam ter «um ar terno», lembram as do Padre Eterno –
expressão utilizada deliberadamente, pelas suas reminiscências da verve
anticatólica de Guerra Junqueiro. Para o povo, diz Pessoa, S. Pedro é «quem lhe
não vem dar nada de novo». Se o povo celebra com alegria o dia de S. Pedro, é
porque tem fé, «Não em ti nem nas barbas tuas / Mas no que a alegria é».
Folha dobrada a meio que terá servido de invólucro dos originais dos poemas,
com o(s) título(s) «S. Antonio | S. João | S Pedro» [BNP/E3, 63-17r].
PRAÇA DA FIGUEIRA1
Ainda que escriptos sobre o thema popular dos tres Santos lisboetas de
Junho, estes poemas não são, nem pretendi que fossem, populares. Baseados
no obscuro sentimento pagão do nosso povo, pretendeu-se que o passassem
para outro nivel; que, sendo fieis à emoção simples do povo lisboeta, a
interpretassem, sem obscuridade desnecessaria, com as complexidades
naturaes da intelligencia.
Foram escriptos, todos os tres, no dia 9 de Junho de 1935.
Chronologicamente, pois, não ha nelles erro, salvo se houver qualquer coisa
de erro em toda ante-cipação.2
(Reflecti.
Os cravos de papel creio que são
Mais propriamente, aqui,
Do dia de S. João...
20 Mas não vou escangalhar o que escrevi.
Que tem um poeta com a precisão?)
Página com o início do poema «Santo Antonio» e, em cima, o final do mesmo [BNP/E3, 63-20r].
Cópia dactilografada das primeiras sete estrofes do poema «Santo Antonio» [BNP/E3, 63-27r].
Esqueço-te Santo.
Deslembro o teu indefinido encanto.
Segunda página do poema «S. João» e, por baixo, trecho a intercalar no topo da quinta página
[BNP/E3, 63-23v].
Olha, eu confesso
Que nunca escreveria
Este vago poema, em que me apresso
Só para me ver livre do teu nada,
70 Se não fosse para dar um cunho
A este livro da trilogia
(Santo Antonio, S. João, S. Pedro. –
Olha, acabei.
Que mais dizer-te, não sei.
90 Espera lá, olha.
Roma, fingindo que viceja,
Lentamente se desfolha.
Um gesto volvente e mudo
Teu ultimo gesto seja.
95 Se tens poder milagroso,
Se essas chaves abrem tudo,
Deixa esse ceu lastimoso.
Deixa de vez esse ceu,
Desce até à humanidade
100 E abre-lhe, enfim, no mudo gesto teu,
As portas da Justiça e da Verdade.
9-6-1935
Canções da Derrota
Canções da Derrota
Praça da Figueira
1. Santo Antonio.
2. S. João.
3. S. Pedro.
____________________________
N.º 20
Fernando – f.º leg.º
de Joaquim de Seabra Pessôa,
e de D. Maria Magdalena
Nogueira Pessôa – 1888.
Aos vinte e um dias do mez de julho do anno de mil oitocentos oitenta e oito n’esta
Egreja parochial de Nossa Senhora dos Martyres, em Lisbôa, baptizei
solemnemente um individuo do sexo masculino, a quem dei o nome de – Fernando
– que nasceu n’esta freguesia pelas tres horas e vinte minutos da tarde do dia trese
do proximo passado mes de junho, filho legitimo de Joaquim de Seabra Pessôa,
empregado publico, natural de Lisbôa, freguesia da Sé Patriarchal, e de Dona
Maria Magdalena Nogueira Pessôa, d’occupação domestica, natural de Angra do
Heroismo, recebidos na freguesia de Santos-o-Velho, em Lisbôa, e moradores
n’esta de Nossa Senhora dos Martyres no Largo de S. Carlos, numero quatro,
quarto andar. Neto paterno do General do exercito Joaquim Antonio de Araujo
Pessôa e de Dona Dionysia de Seabra Pessôa, e materno do Conselheiro Luiz
Antonio Nogueira e de Dona Magdalena Xavier Pinheiro Nogueira. Foram
padrinhos o General do exercito Claudio Bernardo Pereira de Chaby, casado,
membro da Real Academia das Sciencias de Lisbôa, e da Real Academia de
Historia de Madrid, morador na Calçada da Ajuda, freguesia de Nossa Senhora da
Ajuda, em Belem, d’este Patriarchado, e Dona Anna Luiza Pinheiro Nogueira,
solteira, thia materna do baptizado, moradora na rua Serpa Pinto, numero trinta e
oito, terceiro andar, d’esta freguesia. Para constar lavrei em duplicado este assento,
que, lido e conferido perante os padrinhos, com elles assigno. Era ut supra.
«S[ANTO] ANTONIO | Que se venera na Egreja de N[ossa] Senhora dos Martyres | Sua Eminencia
conc[ede] 40 dias d’Indulg[encia] a todas as pessoas que devotamente vizitarem esta imagem.»
1 Título geral baseado em BNP/E3, 133F-26r. Na edição Margarido (doravante M), este título
geral foi arbitrariamente excluído. Na edição Prista (doravante P), foi adoptado o título
geral. O texto manuscrito do preâmbulo, dos três poemas e da cópia dactilografada das
primeiras sete estrofes de «Santo Antonio», juntamente com as capilhas do conjunto,
encontra-se em BNP/E3, 63-17 a 27.
2 P leu ante-cipação, com hífen, uma grafia julgada propositada. M leu antecipação, sem hífen.
No manuscrito original (BNP/E3, 63-18v), parece estar ante-cipação, com hífen, mas duas
linhas acima, numa variante riscada, lê-se claramente anticipação, com dois ii e sem hífen.
[Santo Antonio]
Tít. O título de «Santo Antonio» não aparece no manuscrito, mas apenas na cópia
dactilografada das primeiras sete estrofes (BNP/E3, 63-27r).
12 Este verso do original manuscrito não foi retomado por Pessoa na versão dactilografada das
primeiras sete estrofes (BNP/E3, 63-27r). P recuperou-o do manuscrito, conjecturando tratar-
se de um lapso do poeta ao fazer a cópia, pois este verso rimaria com o verso seguinte
(passes / pegasses). Não é líquido que a exclusão do verso no dactiloscrito seja lapso,
podendo ser opção deliberada de Pessoa, como em outros pontos do dactiloscrito que
alteram a versão original manuscrita. Quanto à rima, há uma série de versos nestes três
poemas que também não rimam.
84 M leu: Na nora de uns burros. P leu: Na nora de erros d’uns burros. O verso na leitura de P, que
aqui se adoptou, parece, todavia, demasiado longo.
85 P leu a que se chama historia, conjecturando que houve atabalhoamento do poeta na inserção
do acrescento que se chama na entrelinha, que segundo P deveria localizar-se entre a e
historia. Note-se que este verso é um dos vários que, nos três poemas, não rimam. M omitiu
simplesmente as palavras que se chama.
[S. João]
3 Adoptou-se a leitura de P de um verso difícil de decifrar. M leu: Não seja quem seja o teu
Divino Annunciado.
9 Aqui tem de haver um ponto final, embora não esteja no original, porque sem ele o verso
seguinte adquire outro sentido.
52 P optou por fogueira a rimar perfeitamente com maneira. M leu fogueiras, no plural, que aqui
parece mais plausível, para concordância com o verbo.
74 No original está Céarense, com acento.
92 P leu arrojado. M leu assignado, que parece ser a leitura correcta.
[S. Pedro]
45 P leu: dandecissimos. M leu: dandies cinicos.
AMEAL, João (1935). «Mensagem – versos de Fernando Pessoa». Diário da Manhã, Lisboa, 25 de
Janeiro, p. 3.
BARRETO, José (2017). «A chamada ‘nota autobiográfica’ de Fernando Pessoa de 30 de Março de
1935». Pessoa Plural – Revista de Estudos Pessoanos, n. º 12 (Outono), pp. 503-520 [Doi:
10.7301/Z0RV0KXN].
____ (2013a). «O fascismo e o salazarismo vistos por Fernando Pessoa». Estudos Italianos em Portugal,
nº 8 (nova série), pp. 99-123.
____ (2013b). «O Nacionalismo Liberal de Fernando Pessoa», comunicação ao III Congresso
Internacional Fernando Pessoa (Lisboa, Casa Fernando Pessoa, 28-30 de Novembro)
[http://www.congressointernacionalfernandopessoa.com/comunicacoes/jose_barreto.pdf,
acesso em 25/5/2018].
____ (2011). «A história do artigo ‘Associações Secretas’», posfácio a Fernando Pessoa, Associações
Secretas e outros escritos, edição de José Barreto, Lisboa, Ática, pp. 237-284.
____ (2009). «Pessoa e Fátima. A propósito dos escritos pessoanos sobre catolicismo e política».
Jerónimo Pizarro (org.), Fernando Pessoa: O Guardador de Papéis, Alfragide: Texto Editora, pp.
219-281.
____ (2008). «Salazar and the New State in the writings of Fernando Pessoa». Portuguese Studies, vol.
24 (2), pp. 168-214.
CEREJEIRA, D. Manuel Gonçalves (1936). Obras Pastorais, vol. I (1928-1935), Lisboa: União Gráfica.
CRUZ, M. Braga (1998). O Estado Novo e a Igreja Católica, Lisboa: Bizâncio.
FERRO, António (1921). «A descoberta de Lisboa no ano de 1921. V – A Praça da Figueira». Ilustração
Portuguesa, Lisboa, II série, n.º 822, 19-11-1921, pp. 383-385.
LICHNOWSKY, Príncipe Felix (1946). Portugal: Recordações do ano de 1842, prefácio e notas de Castelo
Branco Chaves, Lisboa: Ática.
MARGARIDO, Alfredo (1986). «Introdução» a Fernando Pessoa, Santo António, São João, São Pedro
(Lisboa: A Regra do Jogo), pp. 9-90.
____ (1985). «Pessoa: na ‘situação’ ou na ‘oposição’?». JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, n° 177, 26 de
Novembro, p. 17.
____ (1984). «Nota curta para lembrar que Pessoa admirou Mussolini». JL – Jornal de Letras, Artes e
Ideias, n.º 85. Lisboa, 21 de Fevereiro.
MELO, Daniel (2013). Salazarismo e Cultura Popular (1933-1958), 2.ª ed, Lisboa: ICS.
MESQUITA, Alfredo (1903). Lisboa, Lisboa: Empreza da Historia de Portugal.
PESSOA, Fernando (2015). Sobre o Fascismo, a Ditadura Militar e Salazar. Edição de José Barreto.
Lisboa: Tinta-da-china (col. «Pessoa»).
____ (2014). Álvaro de Campos: Obra Completa. Edição de Jerónimo Pizarro e Antonio Cardiello.
Lisboa: Tinta-da-china (col. «Pessoa»).
____ (2000). Poemas de Fernando Pessoa 1934-1935. Edição de Luís Prista. Lisboa: INCM (Edição
Crítica de Fernando Pessoa, Série «Maior», vol. I, tomo V).
____ (1997). Quadras. Edição de Luís Prista. Lisboa: INCM (Edição Crítica de Fernando Pessoa, Série
«Maior», vol. I, tomo VI).
____ (1935). «A Romaria». Suplemento Literário do Diário de Lisboa, Lisboa, 4 de Janeiro, p. 5.
SIMPSON, Duncan (2014). A Igreja Católica e o Estado Novo Salazarista. Lisboa: Edições 70.
Palabras clave
Fernando Pessoa, Walter Benjamin, inconsciente óptico, cine, Álvaro de Campos, cuerpo
tecnológico.
Resumen
Este texto está dedicado a Fernando Pessoa y Walter Benjamin, dos autores que
comprendieron que la aparición de las cámaras fotográficas y cinematográficas planteaban
distorsiones radicales en la distinción de lo humano y lo maquínico, lo consciente y lo
inconsciente, el trabajo manual y el intelectual, lo interior y lo exterior, lo objetivo y lo
subjetivo.
Keywords
Abstract
This essay is dedicated to Fernando Pessoa and Walter Benjamin, two authors who
understood that the development of photographic and cinematographic cameras posed
radical distortions in the distinction between the human and the mechanical, the conscious
and the unconscious, the manual labor and the intellectual, the interior and the exterior, the
objective e and the subjective.
* Universidad de Buenos Aires; investigador del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y
Técnicas (CONICET).
Aguilar El inconsciente óptico en Benjamin y Pessoa
En La interpretación de los sueños (1899), Sigmund Freud logró unir en una idea, la
de los sueños, diferentes prácticas que generaban nuevos sentidos a través de un
montaje sorprendente. El uso científico de la fotografía ―que había dado
resultados tan importantes en el hospital de La Salpêtrière, donde estudió Freud,
tal como en los experimentos de Etienne-Jules Marey y Eadweard Muybridge ―, el
carácter anfibológico del sueño, combinación de fantasía literaria y teatro mental, y
las técnicas de interpretación de los signos eran sólo algunos de los elementos que
encontraban en el libro del médico vienés una articulación poderosa alrededor del
tema clásico de la narración de los sueños. Dado el carácter visual y teatral del
sueño, elegido por Freud como lugar por excelencia para demostrar la existencia
del inconsciente, no es casual que más tarde haya surgido el concepto de
inconsciente óptico. De hecho, Freud, para analizar el funcionamiento de la mente,
había recurrido a la expresión “aparato psíquico”, que tomaba prestado uno de los
términos de los “aparatos ópticos” (LAPLANCHE, 30), por entonces de moda. Si bien
las relaciones entre el cine y el psicoanálisis no fueron directas, no deja de ser
llamativo el hecho de que ambos hayan surgido en el mismo momento histórico.
La interpretación de los sueños se publicó en 1899 (aunque el editor la fechó de 1900)
y la primera función de cine de los hermanos Lumière sucedió en 1895. Además,
Freud y los Lumière son contemporáneos: Freud nació en 1856 y murió en 1939;
Auguste Lumière en 1862 y 1954, respectivamente; y su hermano Louis, vivió entre
1864 y 1948. Tanto que Jonathan Beller, en su libro Cinematic Mode of Production,
sostiene que “el inconsciente emerge del cine” y, de un modo más general, que “el
psicoanálisis es un síntoma del cine” (2012: 17, traducción mía, como las restantes).
Las analogías entre fotografía, cine, inconsciente y psicoanálisis fueron llevadas al
límite por Walter Benjamin a través de la expresión “inconsciente óptico”,
formulada en su célebre ensayo sobre la obra de arte en la época de su
reproductibilidad técnica (1989: 15). Pero el término no está tan vinculado al
mundo del sueño o al campo visual, como a los nuevos aparatos prostéticos y, en
particular, a la fotografía, que puede captar imágenes imposibles de percibir para
el ojo desnudo. En “Pequeña historia de la fotografía”, Benjamin define el
inconsciente óptico como una de las posibilidades que ofrece la cámara de captar
aspectos ocultos de la naturaleza (1989: 67). En este texto, hay una oscilación
constante de referencias al observador, el aparato y lo real que hace extraña la
aparición del concepto de inconsciente óptico, ya que este no siempre se relaciona
con lo que no es percibido. El aparato que opera seleccionando, desechando,
reprimiendo y desfigurando, es, justamente, lo que parece faltar en “Pequeña
historia de la fotografía”, en donde el inconsciente óptico es poshumano.
Como Walter Benjamin, Fernando Pessoa también comprendió que la
aparición de la cámara fotográfica planteaba distorsiones radicales en la distinción
de lo humano y lo maquínico, lo consciente y lo inconsciente, el trabajo manual y el
intelectual, lo interior y lo exterior, lo objetivo y lo subjetivo:
1 El texto termina con una especulación de Pessoa sobre la posibilidad de poder imprimir
fotográficamente las “imagens mentaes”, “por uma emissao que chamamos luminosa”. Ver anexo.
automática no reproduzca lugares comunes y prácticas que poco o nada tienen que
ver con el inconsciente. En todo caso, Benjamin indica una brecha cuando usa el
verbo experimentar: “por virtud de la cámara cinematográfica experimentamos el
inconsciente óptico” (énfasis mío). Esto sería posible porque en alguna medida o a
partir de un determinado momento la máquina ya no es exterior sino una parte de
nuestro cuerpo, de nuestra percepción y de nuestras ideas.
En su ensayo sobre la reproducción técnica, Benjamin utiliza el inconsciente
óptico para hablar de cómo la cámara capta las multitudes y hace una oposición
entre dos modos de acercarse a las aglomeraciones: el mago-pintor y el cirujano-
camarógrafo. Mientras el mago-pintor pone las manos sobre el cuerpo (se mantiene
en un nivel icónico), el cirujano-camarógrafo interviene en su interior (está en un
nivel indicial). A partir de la aparición de la cámara cinematográfica, el cuerpo es
percibido de un modo diferente y comienza a mirar lo que lo rodea también de
otros modos. El carácter prostético de la máquina obliga a no considerarla
separada del cuerpo y a comprender que cada mutación tecnológica es, también,
una mutación del cuerpo. Estas mutaciones pueden tener consecuencias
impredecibles: la presencia de la tecnología no es determinante sino condicionante
y entra en una relación de presuposición recíproca.
En un fragmento que quedó excluido de la versión definitiva de “La obra de
arte en la época de su reproductibilidad técnica”, Benjamin escribe que “la
producción cinematográfica cumple un papel decisivo en la eliminación de la
oposición entre trabajo manual y trabajo intelectual” (2012: 212). La observación
ataca una división de larga data y permite avanzar para el punto en el que la nueva
dimensión óptica del registro maquínico (pseudoobjetiva) se articula con la nueva
concepción de la mirada opaca que el arte puede revelar en su reverso
(pseudosubjetiva). En suma, la emergencia del concepto de inconsciente resulta
extremamente productiva en un momento en que se hace imposible sostener por
más tiempo la diferencia tradicional entre trabajo manual e intelectual,
subjetividad y objetividad. En este contexto, en el que intervendrá la ficción
imaginativa, es en el que Pessoa parece ponre en escena las innovaciones que trae
la cámara cinematográfico o el inconciente óptico. Finalmente, ese contexto tambiés
es un campo experimental.
Los textos de Pessoa sobre el cine fueron compilados en el libro Argumentos para
Filmes (2011), editado por Patricio Ferrari y Claudia J. Fischer, y recientemente
traducido al español: Argumentos para películas (2017). El libro contiene, además de
referencias sueltas al cine, siete argumentos para películas, cuatro de ellos en inglés
(“Note for a silly thriller. | or for a film”, “Note for a thriller, or film”, “Half plan of
play or film” y “The Three Floors”), uno en portugués y en inglés, pero con título
en inglés (“The multiple nobleman”), y otros dos en francés, sin título.
En los escritos de cine pessoano coexisten dos tipos de sistemas y ambos
están relacionados con el origen doble del cine: uno es narrativo y tiene su
genealogía en la novela decimonónica y en los espectáculos de entretenimiento que
se asocian al cine norteamericano; otro es vanguardista y surge de la poesía y de
las artes plásticas que se asocian al cine francés. Pessoa, quien detestaba el cine de
Hollywood, escribe los cuatro argumentos narrativos en inglés, apelando al thriller,
con personajes y situaciones dramáticas convencionales. Esos textos “são todos
datáveis da década de 20” ―nos informan Ferrrari y Fischer― “e parecem
constituir um esboço para um produto destinado a ser comercializado” (en PESSOA,
2011: 31). Los dos primeros guiones transcurren en un barco y narran un viaje de
Estados Unidos a Europa, y pueden leerse como una apropiación portuguesa o
europea de un negocio internacional que Pessoa consideraba inadmisible que
estuviera en manos de los norteamericanos. Esos guiones se pueden leer como
estrategias de reapropiación cultural en tiempos de la naciente cultura popular-
internacional del cine. Los dos escritos en francés tienen más bien un registro
poético, y están copados de asociaciones libres y saltos que hacen enigmático lo
que se quiere llevar a la pantalla. Redactados en dos columnas y con indicaciones
que oscilan entre lo confuso y lo sugerente, el crítico Patrick Quillier definió a estos
con el neologismo cinématoniriques (en PESSOA, 2007: 18-19; citado en PESSOA, 2011:
32). Quillier parece tener como referencia las películas vanguardistas. “The
multiple nobleman” es un boceto de lo que parece ser ―en palabras de Fernando
Guerreiro― una “comedia de equívocos” (PESSOA, 2011: 176), pero todas las
observaciones, como la de comparar el texto con uno de Max Linder, parecen
destinadas a hacer más cinematográfico de lo que es ese texto.
Los dos textos en francés podrían remitir al cine de vanguardia, si no fuera
porque están escritos hacia 1917, cuando sólo los futuristas italianos habían
publicado un manifiesto y realizado algún cine de ese tipo. Para esa fecha, los
futuristas italianos habían escrito “La cinematografia futurista”, texto publicado el
11 de septiembre de 1916 y firmado por Marinetti, Corra, Settimelli, Ginna, Balla y
Chiti (AA.VV. 2010: 223-26), sobre Vita futurista, de Arnaldo Ginna, una película
actualmente perdida. En la Lisboa de 1917, la información que pudiera tener
Pessoa al respecto no habrá muy abundante. Lo más verosímil es que le hayan
llegado noticias del manifiesto. En la lectura de Quillier que, de algún modo,
continúa Mello, los dos textos en francés serían ejemplos de un cine onírico, de
tonalidad “surrealizante” (en PESSOA, 2007: 18; cf. PESSOA, 2011: 32), con cambios
bruscos de escenario que recordarían a las rupturas de raccords de Un perro andaluz
(1929) de Buñuel y Dalí. Así, por ejemplo, se pasa de un balcón a una calle y de allí
a una playa con un mar calmo. Marcelo Cordeiro de Mello, en su por otra parte
excelente tesis, Fernando Pessoa et le Cinéma (2011), sostiene que:
[…] la suite illogique des actions et l'atmosphère de rêve de ces deux textes en français
peuvent être considérées pré-surréalistes. Trente ans avant le surgissement du Surrealisme
portugais et une décennie avant les principaux films surréalistes (tels que Un Chien Andalou,
de 1929), Pessoa développe une esthétique onirique assez proche de celle du mouvement
surgi à Paris.
(MELLO, 2011: 68)
2En los argumentos escritos en francés, además, llama la atención el uso de la primera persona que,
en el cine, se encuentra obturada.
Não sei se serei eu, se o Alvaro de Campos, se ambos, quem terá opiniões sobre o cinema.
Alguma receberá — pode contar com isso.
Enviarei, na mesma occasião, qualquer escripto. Deverei dizer a segunda vez o que
excusava de ter dicto a primeira — que podem sempre contar commigo, ou dizendo melhor
e com fabrico de termo plural, commigos?
(PESSOA, 2011: 101)
No sé si seré yo, si Álvaro de Campos, o ambos, quienes tendrán opiniones sobre el cine.
Alguna recibirá; cuente con ello.
En la misma ocasión, enviaré cualquier escrito. ¿La segunda vez tendré que decir lo que
dejé de decir la primera: que siempre pueden contar conmigo, o, mejor dicho y con un
término plural fabricado, conmigos?
(PESSOA, 2017: 105)
4 Véase este pasaje: “Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto, | Rasgar-me todo, abrir-
me completamente, tornar-me passento | A todos os perfumes de ólios e calores e carvões | Desta
flora estupenda, negra, artificial e insaciável! || Fraternidade com todas as dinâmicas! | Promíscua
fúria de ser parte-agente | Do rodar férreo e cosmopolita | Dos comboios estrénuos,” (PESSOA,
2014a: 49). En la traducción de Eloísa Álvarez, “¡Que, al menos, todo esto me penetrara físicamente,
| rasgarme todo, abrirme completamente, y que me empapara | de todos los aromas de grasas,
calores, y carbones | de esta flora magnífica, negra, artificial e insaciable! || ¡Fraternidad con todas
las dinámicas! | ¡Promiscua furia de ser una parte-agente | del rodar férreo y cosmopolita | de los
esforzados trenes,” (PESSOA, 2016b: 65).
5Habría una tercera etapa ―desde la cronología histórica― o primera etapa ―según la biografía
del heterónimo― que es la de “Opiário”, poema “antiguo” de Álvaro de Campos, en el que Pessoa
practica un “duplo poder de despersonalização” (PESSOA, 2016a: 648).
Ahora bien, ¿cómo resuelve Pessoa la aporía del inconsciente óptico? ¿Cómo hace
para evitar inclinarse por uno de los elementos (el observador, el aparato
tecnológico, lo real) y dar con la clave de funcionamiento?
Cuando Benjamin se refirió al cirujano-camarógrafo y a la disolución del
antagonismo entre el trabajo manual e intelectual (BENJAMIN, 2012: 212), avanzaba
en una dirección que no era ajena a la que habían planteado las vanguardias
artísticas desde su aparición: el propio cuerpo humano, con las innovaciones
tecnológicas, atravesaba un umbral y se transformaba. Desde las tecnologías de
transporte (el cuerpo-tren) hasta las de reproducción (el cuerpo-cámara, el
“hombre de la cámara”), el cuerpo era penetrado por la máquina (ARMSTRONG
1989: 2).6 Para Fernando Pessoa, la relación indiscernible entre prótesis y cuerpo no
podía ser indiferente y esta relación se manifiesta en la invención de Álvaro de
Campos en dos planos. Primero, desde la teorización de las sensaciones ―que
eran, desde la antigüedad, el dato más importante de la conciencia del cuerpo
propio― analizadas como una prótesis. Segundo, en la falta de mediación entre la
percepción corporal y el mundo: tanto el cuerpo como el mundo se transforman en
máquinas. La máquina deja de ser visible o corporal y pasa a ser imaginación de
sensaciones en funcionamiento.
Es en ese “conmigos”, en esa relación, en ese devenir Campos, Pessoa
avanza en una resolución original con relación a las otras vanguardias. Pessoa no
pretende una celebración futurista de las máquinas ni una disolución de la
subjetividad en un mundo maquínico. Álvaro de Campos es el inconsciente óptico
de un momento histórico determinado y Fernando Pessoa él mismo ―el de
“Autopsicografía”― es su conciente óptico. La estrategia de los heterónimos es
opuesta a la de la escritura automática, más allá de que él la haya practicado y se
haya interesado por el esoterismo. Por eso, los guiones en francés no pueden
interpretarse como una especie de proto-surrealismo. Si la escritura automática es
una expresión que anula la intervención de la conciencia, el heterónimo desdobla al
sujeto y permite ―en este caso― la “mistificación continuada” de la delegación de
6El cuerpo está sujeto a modificaciones y recorridos externos e internos y borrando a menudo esa
diferencia, porque tal como dice Tim Armstrong en su libro Modernism, technology and the body (A
cultural study), “en el periodo moderno, el cuerpo es re-energizado, re-formado, sujeto a nuevos
modos de producción, representación y mercantilización [...] el cuerpo puede ser penetrado por una
serie de aparatos: el estetoscopio, oftalmoscopio, laringoscopio, speculum, luz de alta intensidad,
rayos X [...] deviene un “mecanismo contingente, finito” (ARMSTRONG, 1998: 2-3).
El poeta no pasea por la calle sino que la calle pasea a través de él. La calle,
con su multitud, se instala en su cuerpo y habla, actuá en ese “cinematographo
pequeno”, proyecta sus imágenes que a la vez son proyectadas en un
“kaleisdoscopio”. Pessoa delegó la experiencia física del cine en un ente imaginario
(el heterónimo Álvaro de Campos) y, de esa manera, pudo experimentar con el
interludio más desafiante de su entorno: el momento en que las mutaciones
tecnológicas transforman el cuerpo mismo y producen una dimensión novedosa
que Pessoa intentó reelaborar en conexión con la heteronimia y que Walter
Benjamin denominó inconsciente óptico.
impossivel (se a expressão pode empregar-se) seria o demonstrar-lhe a elle que não
é Jesus Christo, ou o que quer que seja que se julga. Suponhamo-nos empenhados
(por um propósito que devia valer-nos o internamento ao lado d’elle) em provar a
um doido que se julga bule que ele não é com effeito um bule. Pegamos
ingenuamente num bule e pomol-o defronte d’elle; feito isto, perguntamos-lhe:
“Isto é que é um bule; ora veja bem – o senhor parece-se com isto?” Elle responder-
nos-ha, ou “isso não é um bule; eu é que sou um verdadeiro bule”; ou “sim senhor:
sou perfeitamente egual a esse bule”. A este argumento, o que objectaremos, que
valha, quer para elle, quer até para nós como racionadores? Não poderemos
objectar nada. O que, no fundo, queremos fazer é negar a objectividade das
impressões d’elle. As impressões d’elle, porém, são d’elle, que não nossas; elle é
que as sente, e legitimamente não pode acceitar – como nós não acceitariamos se
elle quizesse converter-nos ao seu ponto de vista – uma critica das suas impressões
vinda inteiramente do exterior, isto é, vinda de quem as não sente e não pode
portanto legitimamente critical-as. Só se estivessemos dentro d’elle, dentro do
espirito d’elle, é que poderiamos criticar as suas impressões, que seriam tambem as
nossas; mas é possivel que então, com esta critica dentro de si, elle não se julgasse
já bule – ou (quem sabe?) se julgasse muito mais bule do que d’antes.
Posto, assim, e assim assente, que a certeza tem um character puramente
subjectivo, desde logo reparamos que nenhuma certeza pode verdeiramente
prevalecer objectivamnte sobre outra. Numa sociedade, ou agrupamento, onde
haja um numero a de pessoas e haja 1 com uma certeza e a-1 com outra, nada prova
que a “verdade” ou objectividade esteja mais do lado do 1 do que do lado do a-1,
poisque a-1 subjectividades não sommam objectividade, pela mesma razão que
quatro cavallos não sommam um elephante. O mais que pode concluir-se de haver
a-1 certezas de um lado e 1 do outro é que há a-1 pessoas subjectivamente, ou
mentalmente, parecidas – pelo menos em relação ao assumpto sobre que estão em
certeza –, e 1 pessoa que se não parece com essas. Redunda tudo, em ultima
analyse, numa questão de similhança e dissimelhança temperamental ou mental, e
isto nada adeanta quanto á “verdade” objectiva do assumpto sobre que se dá a
divergencia de “certezas”.
Uma objecção desde logo occorre. O criterio da objectividade (dir-se-ha) é a
mesma objectividade; basta que encontremos um processo de verificação liberto de
elementos subjectivos para que, pelo menos em certo modo, a objectividade de um
phenomeno se possa determinar. É esse o genero de investigação a que chamamos
scientifica. Faz-se ella de trez modos – por observação directa, por calculo, e por
observação indirecta (que consiste no emprego de aparelhos especiaes) .
Quanto mais examinarmos esta objecção, mais profundamente verificaremos
que em nenhum poncto ela colhe. A observação directa, evidentemente, deixa-nos
Bibliografía
AA. VV. (2010). El universo futurista: 1909-1936. Buenos Aires: Fundación Proa.
ARMSTRONG, Tim (1998). Modernism, Technology and the Body: a cultural study. Cambridge:
Cambridge University Press.
BELLER, Jonathan (2012). Cinematic Mode of Production. Hanover: Darmouth College Press.
BENJAMIN, Walter (2012): “La obra de arte en la época de su reproducción mecánica”. Escritos
franceses. Buenos Aires. Amorrortu.
_____ (1989). Discursos interrumpidos I. Buenos Aires: Taurus.
KRAUSS, Rosalind (1993). The Optical Unconscious. Cambridge: MIT Press.
LAPLANCE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand (1996). Diccionario de psicoanálisis. Buenos Aires: Paidós.
MELLO, Marcelo Cordeiro de (2011). Fernando Pessoa et le Cinéma. Mémoire pour l’obtention du
diplôme de Master. Paris: Université de Paris IV – Sorbonne.
PESSOA, Fernando (2017). Argumentos para películas. Traducción de Guillermo López Gallego.
Madrid: La Umbría y la Solana. Director de la “Colección de autores portugueses”, Antonio
Sáez Delgado.
_____ (2016a). Eu Sou Uma Antologia: 136 autores fictícios. Edição de Jerónimo Pizarro e Patricio
Ferrari. Lisboa: Tinta-da-china (col. “Pessoa”) [1a ed., 2013].
_____ (2016b). Obra completa de Álvaro de Campos. Traducción de Eloísa Álvarez. Edición de
Jerónimo Pizarro y Antonio Cardiello. Valencia: Pre-Textos.
_____ (2014a). Obra Completa de Álvaro de Campos. Edición de Jerónimo Pizarro y António
Cardiello; colaboración de Jorge Uribe y Filipa Freitas. Lisboa: Tinta-da-china (col.
“Pessoa”).
_____ (2014b). Libro del desasosiego. Traducción, prefacio y notas de Antonio Sáez Delgado. Edición
de Jerónimo Pizarro. Valencia: Pre-Textos.
_____ (2013). Livro do Desassossego. Edición de Jerónimo Pizarro. Lisboa: Tinta-da-china (col.
“Pessoa”).
_____ (2011). Argumentos para Filmes. Edición, introducción y traducción de Patricio Ferrari y
Claudia J. Fischer. Epílogo de Fernando Guerreiro. Lisboa: Ática (col. “Obras de Fernando
Pessoa | nova série”).
_____ (2007). Courts-Métrages. Quatre arguments pour le cinématographe. Reunidos, presentados y
traducidos por Patrick Quillier. Paris: Chandeigne.
_____ (2000). Heróstrato, e a busca da imortalidade. Edición de Richard Zenith; traducción de
Manuela Rocha. Lisboa: Assírio & Alvim.
_____ (1968). Textos Filosóficos. Establecidos y prologados por António de Pina Coelho. Lisboa:
Edições Ática. 2 vols.
_____ (2006). Obras de Jean Seul de Méluret. Edição crítica de Rita Patrício y Jerónimo Pizarro,
Lisboa: Imprensa Nacional-Casa de Moeda.
SÁ-CARNEIRO, Mário. Em Ouro e Alma. Correspondência com Fernando Pessoa. Lisboa: Tinta-da-china
(col. “Sá-Carneiro”).
TICHI, Cecelia (1987). Shifting Gears: technology, literature, culture in modernist America. Chapel Hill:
University of North Carolina Press.
Palavras-chave
Resumo
O prolífico escritor e filósofo Raul Leal (1886-1964) enviou centenas de cartas a algumas das
mais destacadas personalidades do seu tempo. Estas cartas são importantes não apenas
para compreender o movimento modernista português, mas também dão um testemunho
da evolução do génio especulativo deste autor. O rascunho desta carta ao Presidente do
Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar aqui apresentado é um contributo para
o estudo das relações e pensamento de um homem singular que, apesar das dificuldades
materiais e da incompreensão dos seus contemporâneos, optou por trilhar um caminho
individual dedicado ao Espírito.
Keywords
Abstract
The prolific writer and philosopher Raul Leal (1886-1964) sent hundreds of letters to some
of the most distinguished personalities of his time. Not only are these letters important for
the understanding of the Portuguese modernist movement, but they also provide a
testimony of this author’s speculative genius evolution. The draft of this letter to the
President of the Council of Ministers, António de Oliveira Salazar presented here is a
contribution to the study of the personal interactions and thought of a peculiar individual
who, despite serious financial problems and the lack of recognition and understanding
shown by his contemporaries, chose to tread an individual path, devoted to the Spirit.
* Universidade Nova de Lisboa, Centre for English, Translation and Anglo-Portuguese Studies
(CETAPS).
Almeida «Salvé Salazar!»
Das cartas de Raul Leal já trazidas a público, para além das que têm como
destinatários os seus companheiros de Orpheu, como Fernando Pessoa, Mário de
Sá-Carneiro ou José de Almada Negreiros, e da Presença, como José Régio, João
Gaspar Simões, Alberto de Serpa e Mário Saa, avultam aquelas que trocou com
outros intelectuais portugueses de diversos quadrantes, como António Pedro,
Jorge de Sena ou Álvaro Ribeiro, mas também estrangeiros, como Gabriele
d’Annunzio, Filippo Tommaso Marinetti ou Aleister Crowley.
Contudo, a sua produção epistolar não se restringiria ao campo intelectual e
artístico, pois também escreveu a detentores dos mais altos cargos políticos
nacionais como Oliveira Salazar e Craveiro Lopes, personalidades a quem não se
coibia de dirigir com recomendações ou pedidos, fiado naquilo que julgava ser o
seu estatuto de grande figura histórica.
São centenas de cartas que nos permitem não apenas compreender o papel
desempenhado pelo autor nas atividades do movimento modernista, mas também
lançar uma luz sobre o caráter heterodoxo do seu pensamento, singular no
panorama filosófico português.
Pese embora o facto de nunca ter ocupado qualquer cargo político ao longo
da sua vida, Raul Leal começou a revelar uma marcada propensão para o combate
ideológico no ambiente tradicionalista e reacionário coimbrão. Com efeito,
enquanto frequentava o Curso de Direito, foi um dos Intransigentes que na
sequência da Greve Académica de 1907, se recusaram a matricular nos exames na
Universidade de Coimbra enquanto os alunos expulsos após o desfecho dos
processos disciplinares não fossem amnistiados. Por essa altura, despontaram
igualmente em si tendências anárquicas determinantes para a sua recusa futura de
enfileirar em partidos políticos e para a opção por um percurso individual.
Assim, numa primeira fase, defendeu a restauração da monarquia assente
na instituição prévia de um regime ditatorial. O objetivo era equilibrar as finanças
e desfazer os erros crassos dos políticos da Primeira República, incapazes de
modificar o ambiente de constante instabilidade e crispação em que se vivia. No
entanto, o seu monarquismo não se moldava nem à Causa Monárquica de Alfredo
Pimenta ou de Ayres d’Ornellas, lugar-tenente de D. Manuel II, cujo órgão oficial
era o Diário Nacional (1916-1919), nem ao Integralismo Lusitano, de António
Sardinha, Alberto de Monsaraz, Hipólito Raposo ou Luís de Almeida Braga, cujo
órgão oficial era a Nação Portuguesa – Revista de Filosofia e Política (1914-1916). Por
conseguinte, a sua atividade doutrinária foi levada a cabo, entre outros, em jornais
monárquicos independentes como O Liberal (1917-1918), O Tempo (1922), A Palavra
(1922), Correio da Noite (1924-1926), A Reacção (1925) e, finalmente, no panfleto O
Rebelde (1927), de que era o único redator e editor.
No que respeita ao pensamento político, Raul Leal e Fernando Pessoa
coincidiam em pelo menos um ponto, nomeadamente no desprezo intelectual a
que votavam Afonso Costa, líder do Partido Democrático. Este facto levou o
1 Para uma visão mais detalhada da polémica originada por este manifesto, cf. ALMEIDA (2015) e
(2017b).
2 Todas as citações referentes às cartas de Raul Leal a Mário Saa e Oliveira Salazar apresentadas no
Jornal de Letras, Artes e Ideias dizem respeito a esta referência bibliográfica, indicando-se apenas o
número da página respetiva.
Guilherme Filipe, pela Ordem dos Advogados, entre outras que a eventual
publicação futura da sua correspondência virá por certo a dar testemunho.
Contudo, à revelação das démarches inerentes a mais uma tentativa abortada
de publicar Sindicalismo Personalista, esta carta enviada a Mário Saa acrescenta uma
informação relevante, pois ficamos a saber que a carta de Raul Leal cuja cópia a
acompanhava, não foi o único contacto epistolar com o Presidente do Conselho,
mas antes que no início dos anos 50, este lhe teria escrito pelo menos cinco cartas.
Assim, conforme explicou ao autor de A Invasão dos Judeus, Raul Leal, que
não conhecia pessoalmente o estadista3, decidiu escrever-lhe em 1950 uma carta
“verdadeiramente histórica” (p. 8), a pedir que intercedesse pela publicação de
Sindicalismo Personalista, que entregou com uma cópia do livro ao seu secretário
particular, José Luciano Sollari Alegro. O autor transcreveu a frase final dessa carta
para dar testemunho a Mário Saa da sua contundência: “Se apesar do que acabo de
expor, o Eminente Estadista que é o doutor Oliveira Salazar, não deferir a minha
petição, a História o julgará. Porque se V. Exa. é uma alta Figura Histórica, eu
também sou” (p. 8).
Na sequência desse pedido, Sollari Alegro recomendou-lhe que contactasse
o Secretariado Nacional de Informação, apresentando uma proposta para edição
do livro, o que este viria a fazer. No entanto, António Tavares de Almeida, chefe
dos Serviços de Imprensa do S.N.I. terá recusado editar a obra, respondendo nos
seguintes termos: “É uma obra extraordinária, muito pessoal, mesmo
excessivamente pessoal e muito ousada. Ainda que não contrarie os princípios do
Estado Novo vai desmedidamente além deles e nestas condições também seria
demasiada ousadia, da parte do Secretariado, editá-la, não podendo nós tomar esta
responsabilidade” (p. 8). A explicação fornecida por parte do alto funcionário deste
organismo público vinha, portanto, na linha da apresentada pela Portugália do
Porto para não avançar com a edição.
Todavia, o teor da resposta indispôs Raul Leal que afirmou ter escrito nova
carta a Salazar na qual pedia uma audiência para discutirem a publicação do livro,
e para combinarem “uma longa campanha jornalística e oral contra o comunismo”
(p. 8) – carta essa a que o ditador não se dignou responder – e ainda outras duas
“bastante agressivas e em que dizia verdades duras” (p. 9).
Finalmente, passado um ano, escreveu a carta cuja cópia envia a Mário Saa,
datada de 5 de maio de 1952. Nesta, acusava Salazar de ter pronunciado um
discurso vazio e de não ter sido capaz de reconhecer o seu génio quando lhe
enviou o texto de Sindicalismo Personalista (Plano de Salvação do Mundo) para que o
Presidente do Conselho intercedesse pela sua publicação junto do Secretariado
4 A mãe de Raul Leal, D. Adelaide Christina Repetto-Dinelli (Rio de Janeiro, 21-5-1850 – Lisboa, 23-
1-1923), era filha de Francesco Carlo Dinelli e Emanuella Repetto. Pelo lado materno, era sobrinha
do secretário de estado do Papa Gregório XVI, Cardeal Luigi Lambruschini, a quem o autor
dedicaria o seu primeiro e único livro poético Antéchrist et la Gloire du Saint-Esprit (1920). Ainda no
Brasil, D. Adelaide contraiu matrimónio com o engenheiro civil Alfredo Casimiro de Vasconcelos e
Silva, filho do General de divisão e Comandante da primeira divisão militar, Carlos Benvenuto
Casimiro, 1º Visconde de Sagres. O título de Visconde foi transmitido em vida do seu titular ao
filho Alfredo Casimiro, mas este viria a falecer na cidade de Madrid em dezembro de 1879, ainda
antes do pai, deixando uma filha Elvira Christina de Vasconcelos e Silva, meia-irmã de Raul Leal.
Na sequência da morte do filho, seria o General Visconde de Sagres a acolher a viúva e a neta na
sua casa em Lisboa, na rua de S. José. Dois anos mais tarde, em 18-12-1881, D. Adelaide casaria em
segundas núpcias com Alfredo de Oliveira de Sousa Leal, abastado negociante da nossa praça, de
quem teve mais três filhos: Carlos, Raul e Elisa.
5António de Oliveira Salazar nasceu em Vimieiro, concelho de Santa Comba Dão, em 28 de abril de
1889 e faleceu em Lisboa, em 27 de julho de 1970.
6Todas as referências à carta dizem respeito à transcrição do rascunho da mesma apresentado neste
artigo. O critério adotado foi o de manter a caligrafia original de Raul Leal na transcrição da carta.
Para além disso, uma vez que se trata de um rascunho, como sucede com outros existentes, por
exemplo, na colecção de manuscritos de Alberto de Serpa vendida à Biblioteca Pública Municipal
do Porto, assinalámos os segmentos riscados e as passagens sobrepostas, expurgados
posteriormente das cartas enviadas. Este aspeto evidencia a importância atribuída pelo autor à
correspondência com os seus interlocutores e o cuidado que punha na sua produção, ciente do seu
valor testemunhal futuro.
Baseado nessa premissa, era natural, então, que na carta aqui apresentada,
confessasse a Salazar a sua desilusão face ao recém-eleito Presidente democrata
John F. Kennedy que tomara posse três meses antes, a 20 de janeiro de 1961 e face à
posição americana contrária às políticas coloniais portuguesas, expressa nas
Nações Unidas. Assim, manifestando o seu apoio às políticas salazaristas,
transcreve os três últimos parágrafos do seu texto “Carta aberta a Kennedy”,
publicado no semanário monárquico O Debate no dia 8 de abril de 1961 e recolhido
mais tarde por Pinharanda Gomes no volume O Sentido Esotérico da História (1970).
Raul Leal remata esta carta ao político de Santa Comba Dão, reiterando a
sua estima através da fórmula instituída para este efeito: “De Vossa Excelencia
eterno e profundo admirador”, mas complementa-a com um elogio significativo:
“Com a mais alta consideração Etica e Intelectual me subscrevo”, exaltando as
virtudes que aprecia no estadista: o rigor e a competência aliadas à valia
intelectual, por um lado, a retidão e dignidade do seu comportamento, pelo outro,
virtudes essas que o autor de Sindicalismo Personalista não vislumbrava na maioria
dos políticos seus contemporâneos.
Por seu turno, Salazar apreciou o gesto, enviando um cartão aparentemente
escrito pelo próprio punho para a morada de Raul Leal na Rua dos Condes de
Monsanto, 4 – 5º Dto., à Praça da Figueira, que transcrevemos: “Doutor António de
Oliveira Salazar | Presidente do Conselho de Ministros | agradeço muito
reconhecidamente a amabilidade de V. Exª”. O carimbo no sobrescrito apresenta a
data de 29-5-1961 – 20h, ou seja, praticamente um mês após o envio original.
Fig. 1. Envelope (Coleção Fernando Távora). Fig. 2. Cartão de visita (Coleção Fernando Távora).
28/4/61
Salvé Salazar!
7 Segue-se a chave de símbolos das edições da INCM e da Tinta-da-china: † palavra ilegível; <>
segmento riscado; <substituído> /substituto\; [↑ ] [↓ ] acrescento na entrelinha superior / inferior.
Fig. 3. Carta de Raul Leal a António de Oliveira Salazar [28-4-61]; rosto da folha.
Fig. 4. Carta de Raul Leal a António de Oliveira Salazar [28-4-61]; verso da folha.
Bibliografia
ALMEIDA, António (2017). “O Bando Sinistro: ato inaugural do “especulador de Política” de Orpheu”,
in Pessoa Plural – A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.º 12, Outono, pp. 522-546 [Doi:
10.7301/Z0WM1BMX].
_____ (2015). “’Brandindo o cutelo da Maldição’ – Em torno do manifesto O Bando Sinistro de Raul
Leal”, in Pessoa Plural – A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.º 8, Outono; pp. 564-601 [Doi:
10.7301/Z02V2DBH].
BARREIRA, Cecília (1981). Nacionalismo e Modernismo – De Homem Cristo Filho a Almada Negreiros.
Lisboa: Assírio & Alvim.
LEAL, Raul (1996). “Duas cartas de Raul Leal (Henoch) a Mário de Sá-Carneiro e ao heterónimo”, in
Mário Cesariny de Vasconcelos, O Virgem-Negra – Fernando Pessoa explicado às Criancinhas
Naturais e Estrangeiras por M. C. V. Lisboa: Assírio e Alvim, pp. 95-114. 2ª edição revista e
aumentada, Col. Peninsulares Especial, n.º 31. [A Mário de Sá-Carneiro, Sevilha, 27 e 28 de
janeiro de 1916; e a Fernando Pessoa, Toledo, dezembro de 1916.]
_____ (1987). “Duas cartas inéditas de Raul Leal (1886-1964)”, apresentação de José-Augusto
França, in Colóquio-Letras, n.º 95, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, janeiro-fevereiro,
pp. 74-79. [A António Pedro, Lisboa, 12 de fevereiro de 1936; e a Adolfo Casais Monteiro,
Lisboa, 24 de março de 1936.]
_____ (1981). “Duas cartas inéditas de Raul Leal (a Mário Saa e Oliveira Salazar)”, apresentação de
João Palma-Ferreira, in Jornal de Letras, Artes e Ideias, dir. José Carlos Vasconcelos, Ano I, n.º
12, Lisboa, 4 de agosto, pp. 8-9. [A Mário Saa, Lisboa, 12 de julho de 1954; e a Oliveira
Salazar, Lisboa, 5 de maio de 1952.]
_____ (1962b). “Portugal perante muçulmanos, hindus e pretos”, in A Cooperação – Revista Mensal
de Cultura, Informação e Divulgação das Actividades Económicas Nacionais, dir. José da Silva
Baptista, Ano VI, n.º 76, Lisboa, agosto, pp. 24 e 40.
_____ (1962a). “O sentido esotérico da História”, in Diário da Manhã, dir. Barradas de Oliveira,
Ano XXXII, n.º 11102, Lisboa, Página Encontro, 28 de maio, pp. 9-10. [Publicação com
variantes em “Messianismo Lusitano”, in O Debate – Semanário de Crítica e Actualidade, dir.
Jacinto Ferreira, Ano XII, n.º 590, Lisboa, 7 de julho, p. 2.]
_____ (1961).“Carta aberta ao Presidente Kennedy”, in O Debate – Semanário de Crítica e
Actualidade, dir. Jacinto Ferreira, Ano XI, n.º 525, Lisboa, 8 de abril, p. 8.
_____ (1960b). Sindicalismo Personalista – Plano de Salvação do Mundo. Lisboa: Verbo.
_____ (1960a). “Defesa de um colonialismo racional – Criação dos portugueses”, in Tempo Presente –
Revista Portuguesa de Cultura, dir. Fernando Guedes, Ano I, n.º 11, Lisboa, março, pp. 28-35.
_____ (1924b).“A ruína de um povo”, in Correio da Noite, dir. José Duarte Costa, Ano I, n.º 128,
Lisboa, 29 de setembro, p. 1.
_____ (1924a). “Momento grave”, in Correio da Noite, dir. José Duarte Costa, Ano I, n.º 1, Lisboa, 2
de maio, p. 2.
LEAL, Raul, Fernando Pessoa, Álvaro Maia, et alli. (1989). Sodoma Divinizada: Uma Polémica Iniciada
por Fernando Pessoa a Propósito de António Botto, e Também por Ele Terminada, com Ajuda de
Álvaro Maia e Pedro Teotónio Pereira (da Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa), organização,
introdução e cronologia de Aníbal Fernandes. Lisboa: Hiena Editora. Coleção Memória do
Abismo n.º 23.
GOMES, Pinharanda (2000). “Raul Leal: a vertigem da utopia absoluta”, in História do Pensamento
Filosófico Português, vol. V, tomo 1. Lisboa: Caminho, pp. 263-272.
PESSOA, Fernando (2009). Sensacionismo e Outros Ismos. Edição crítica de Jerónimo Pizarro. Lisboa:
Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
Keywords
Fernando Pessoa, Hubert Dudley Jennings, correspondence, letters, Luís Miguel Nogueira
Rosa (Michael), Eve Rosa, Henriqueta Madalena Nogueira Rosa Dias (Teca), Col. Francisco
Caetano Dias (Chico), João Maria Nogueira Rosa (John), Eileen Anderson Rosa.
Abstract
We present here thirteen previously unpublished letters from the Hubert Jennings Papers,
including twelve letters signed by members of Fernando Pessoa’s extended family, plus one
letter drafted by Hubert Jennings himself. This correspondence covers a period of time of
almost three years, dating from 10 February 1967 to 15 January 1970. Chronologically
situated in between the two previously known letters sent from Michael and Teca
(published in Pessoa Plural 8), these new documents greatly enrich our understanding of the
relationship between Hubert and the Pessoa family, their joined efforts to secure a grant
from the Calouste Gulbenkian Foundation, and the early inventory of Pessoa’s archive.
Palavras-chave
Fernando Pessoa, Hubert Dudley Jennings, correspondência, cartas, Luís Miguel Nogueira
Rosa (Michael), Eve Rosa, Henriqueta Madalena Nogueira Rosa Dias (Teca), Coronel
Francisco Caetano Dias (Chico), João Maria Nogueira Rosa (John), Eileen Anderson Rosa.
Resumo
Apresentam-se aqui trezes cartas inéditas do arquivo de Hubert Jennings, incluindo doze
cartas assinadas por membros da família de Fernando Pessoa, além de um rascunho de
carta do próprio Hubert Jennings. Essa correspondência cobre um período de quase três
anos, de 10 de Fevereiro de 1967 a 15 de Janeiro de 1970. Cronologicamente situadas entre
as duas cartas conhecidas de Michael e Teca (publicadas em Pessoa Plural 8), estes novos
documentos muito enriquecem o nosso entendimento da relação entre Hubert e a família
Pessoa, dos seus esforços conjuntos para assegurar uma bolsa de estudos da Fundação
Calouste Gulbenkian e do primeiro inventário do arquivo pessoano.
I. INTRODUCTION
Since the discovery of the Hubert Jennings Papers in 2015 and their donation by
the Jennings family to Brown University, there has been a conscious effort to
reevaluate the once-underrated contribution Hubert D. Jennings made to Pessoan
studies. To date, this recent effort comprises: 1) a special issue of Pessoa Plural, later
adapted and printed as the book People of the Archive (PITTELLA, ed., 2015 & 2016);
2) an international colloquium also titled People of the Archive,a held at Brown
University on October 7 and 8, 2016; 3) the edition of Fernando Pessoa, The Poet with
Many Faces (JENNINGS, 2018), the first English biography of Pessoa, which remained
unpublished for more than forty years. These initiatives are still far from
exhaustive, for the value of the Jennings archive lies not only in its relationship
with the Fernando Pessoa estate but also in itself, as a source of historical
documents (such as a memoir of World War I and a diary from 1968 Portugal) and
of Jennings’s own creative writing, comprising numerous original poems and short
stories. The scope of Hubert Jennings’s work reveals a scholar and literary critic,
translator and poet, writer of biography and autobiography.
As is bound to happen with new archives, it takes time for researchers to
assess the importance of papers that at first sight may seem unremarkable. Such is
the case with a series of letters that Jennings received from the following members
of Pessoa’s extended family:
• Luís Miguel Nogueira Rosa (aka “Michael” or “Lhi”), Pessoa’s half-
brother;
• Eve Rosa, Michael’s wife;
• Henriqueta Madalena Nogueira Rosa Dias (aka “Teca”), Pessoa’s
half-sister;
• Col. Francisco Caetano Dias (aka “Chico”), Teca’s husband;
• João Maria Nogueira Rosa (aka “John”), Pessoa’s half-brother; and
• Eileen Anderson Rosa, John’s wife.
The sheer fact that all these people corresponded with Jennings is, in itself,
remarkable. That he, in turn, established with each one of them a relationship that
went beyond scholarly interest, frequently coming across as heartfelt friendship,
underscores something very special about this man.
The first evidence we have of a relationship between Jennings and the
Pessoa family comes from two letters discovered in the archive, both of which
were transcribed and annotated for the above-mentioned issue of Pessoa Plural: one
written by Michael, dated 20 November 1966, and the other by Teca, dated 17 May
1970. Here we present thirteen more previously unpublished letters, all written
aA preliminary version of this paper, without the critical edition of the letters, was read by Susan
Brown at the People of the Archive International Colloquium, in memoriam Hubert Jennings, which was
organized by Carlos Pittella.
between the dates of the two already edited.b These documents include eleven
letters addressed to Hubert: three from Michael, one from Eve, one from Michael
and Eve, three from Teca, one from Chico, one from John, and one from Eileen and
John. In addition, there is one recommendation letter signed by Chico and directed,
not to Hubert, but to the Gulbenkian Foundation; and—mirabile dictu!—one long
letter draft addressed to Michael from Jennings, dated 7 September 1967.
As annexes, we also include two documents from the Gulbenkian
Foundation: the first dated 18 September 1968, certifying for unspecified ends that
Hubert was given a grant from March 1968 to February 1969 (ANNEX 1); and the
second dated 20 July 1972, with the Foundation pledging to buy a few dozen
copies of Hubert’s book on Pessoa (i.e., The Poet with Many Faces), after its being
published (ANNEX 2).
While going through the letters, one should keep in mind the pivotal
importance of the initial visit to Portugal in the summer of 1966, when Hubert
Jennings (and his wife Irene) met Michael, Eve, Teca and Chico for the first time.
Hubert’s book on the history of Durban High School—with its two chapters on
Pessoa—had just been published (JENNINGS, 1966), so the Portuguese poet was still
very much on his mind. So much so that the idea of writing a full-length study of
Pessoa was broached on that first visit.c Jennings was seventy years old, with
another twenty-five still ahead of him. Whether he intuited it then or not, he would
go on to dedicate many of those remaining years to an impassioned quest to
uncover and disseminate as much about Pessoa as he could get his hands on.
Besides revealing other precious pieces of information, these additional letters and
documents shed some light on that transitional period before Hubert arrived in
Portugal on March 1st, 1968, to begin his eighteen-month identity as a resident of
Lisbon and a researcher in the Pessoa archives.
The first letter written to Jennings from the Pessoa family after his
summer visit to Portugal is Michael’s letter of 20 November 1966 (published in
BROWN, 2015). Even though it is discussed at length in n.o 8 of Pessoa Plural, its
contents should be highlighted here, as this initial letter helps frame the
correspondence that followed. There are seven main points:
1) Michael encloses new copies of English poems of Pessoa and explains the
provenance of the English poems previously sent;
bThe paper presented by Susan Margaret Brown at People of the Archive International Colloquium
mentioned ten of the thirteen letters in this dossier, excluding only the ones from John, Eileen and
Eve, which were later located among the Jennings papers.
cHubert wrote in his diary about the incipient book idea, which occurred during the 1966 trip:
“While I was there, Michael suggested that I should write a book in English on his brother and be
paid £1000 for it and the others agreed. I said I would try when I was capable of doing so and
would do my best to become so. So the matter remained” (in SCHWARTZ, 2015: 71).
d This may be the first explicit reference to the core of The Poet with Many Faces (JENNINGS, 2018).
In the next letter, dated 25 April 1967 (see LETTER #2), again from Michael,
written again roughly two and a half months after his previous one, we learn for
the first time of Hubert’s interest in obtaining a grant from the Gulbenkian
Foundation, and we must infer that he had inquired about it in his former letter.
Michael refers to his “breakdown” due to exhaustion: “only within the last week
has the doctor allowed me to do anything”; and, in his last paragraph, he warns:
“Don’t do what I did and overwork.” On Hubert’s translation of “Plenilunio,”
Michael first congratulates him on his work and then comments, “I agree that it is
not quite what Fernando said but I feel that it gives, in English, what Fernando was
driving at.” We sense in this comment not only a sensitivity to poetry on Michael’s
part, but also a sense of genuine dialogue growing between these two men, as if
they were comrades in a common cause.
The next letter, dated 24 June 24 1967, is from Teca (see LETTER #3). It has
been approximately one year since Jennings’s first visit to Lisbon, so she begins
with surprise at his “marvellous” Portuguese and adds that “we admire your
courage and perseverance.” She indicates that the family is willing to pay 15 contos
to help support him during his time in Portugal, and she is hopeful that he can get
further financial assistance from the Gulbenkian. She adds, in this respect, that she
has given her husband’s name as a reference, although they have not yet heard
anything back from the Foundation. She ends with the following sentiment: “we
too remember with pleasure your visit to Portugal in your wife’s company, & will
be looking forward to your return.”
A wonderfully warm feeling pervades Michael’s entire letter of 30 August
1967, beginning with his high spirits on hearing that Jennings has received an
application from the Gulbenkian; Michael expresses joyful anticipation of their
seeing one another again (see LETTER #4). The letter makes it clear that the entire
Pessoa family believes that he, Hubert Jennings, is the man to do the job, and
Michael assures Hubert that Chico will go see somebody at the Gulbenkian and let
them know that “you want to undertake the job and that in our opinion you are
the man to do it.” Again, Michael comments on Hubert’s Portuguese (this time
indirectly, by quoting his brother-in-law Chico who is so impressed with Hubert’s
Portuguese) and ends the letter with these words: “I sincerely hope that you will
pull off this scholarship as Eve and I would very much like to see you again here.”
Hubert’s letter—or draft of letter—to Michael, dated 7 September 1967, is
written in response to the letter of August 30th. It is full of interesting comments
that allow us to witness first-hand Hubert’s various language gifts: his critical
acumen, his humor, his sensitivity to poetic nuance, his scholarly precision and
intellectual curiosity, and his imaginative response to things (see LETTER #5). Here
is his response to Michael’s comment in the previous letter about mastering the
Portuguese language:
Then, in reference to the letter of recommendation Alex Severino has sent to the
Gulbenkian on his behalf, Hubert gently mocks the formality of the Portuguese
language with the following words:
Reading the beginning of Severino’s letter it seems to our cold English ideas more suitable
for an address to a prince in the Middle Ages than for one even of such eminence as Dr.
Braga de Oliveira undoubtedly is. “Apraz-nos a honra de vir à presença de V. Excelência, a fim
de apresentar-lhe...” etc. It is difficult for a foreigner to know how far he can descend from
this high style to write a plain, cordial, friendly letter.
Such wit on display seems typical of Hubert’s epistolary voice. Just as the topic
shifts, so does his voice. At that time, Hubert was at work translating into English
Pessoa’s longest poem, the Ode Marítima, attributed to Álvaro de Campos. In his
letter to Michael we discern the enthusiastic receptivity of the translator’s voice in
his excited depiction of the language, along with his impassioned effort to
understand that language as thoroughly as possible. Further on in the same
paragraph, the voice shifts again, and we hear the analytical precision of a literary
critic in Hubert’s analysis of the speaker’s metamorphosis. It is a remarkable
paragraph:
I am at present translating your brother’s Maritime Ode. What a work! There is no doubt
that turning a work into another language makes one consider it far more deeply than a
casual reading through and I am astonished at the depth of imagination. But some of the
most expressive words—interjections like arre, vai, eia, for instance—are virtually
untranslatable. Of course, we have an exact translation for Merda! which occurs in the Ode
and elsewhere, but would an English published print it—even in these days? I am
collecting too quite a sea vocabulary from your formidable brother’s apparent knowledge
of everything under the sun—gaveas, enxarcias, cordagem, cordame, poleame, conveses,
tombadilhos, proa, ré, amuradas, marinheiros, mareantes, marujos, tripulantes, quilhas, remos,
âncoras, amarras, and what not! What are gajeiros, by the way? Obviously some form of
seaman, but my dictionaries are silent on the subject. And what is missanga? Fernando
speaks of ships laden with “ouro, missanga, madeiras cheirosas, setas.” The others, of course,
are perfectly plain, but I can’t find ‘missanga’ or any word like it in Portuguese, Spanish or
French dictionaries. While disentangling all this I find your Protean brother leading my
imagination [in] a dance by being in turn: (1) The quiet watcher—the engineer Álvaro de
Campos, or merely himself (2) the victim of the pirates, and having his eyes gouged out
and danced on by them. (3) A pirate himself and doing the eye-gouging himself. (4) A cup
of leeches, being carried voluptuously to death—um copo cheio de sanguessugas. (5) A worm
that gnaws the bulwarks and licks up blood and tar—um bicho que cravasse dentes nas
amuradas etc. (6) The pirates’ woman—a mulher-todas-as-mulheres que foram violadas etc. This
is as far as I’ve got, but glancing through the rest, there seem to be at least two other
metamorphoses: (7) The child, looking out on the river “Das janelas do meu quarto dando
[para] o rio de noite.” (8) Himself again, the clerk who writes the letters—Dear sirs—
Sadly, this is the end of the page and the letter stops there; we can only hope
that the continuation is found one day. There is too much to unpack in this dense
passage, and we have added footnotes to some of the questions raised by Hubert
(regarding “gajeiros” and “missanga,” for example) in the edited letter, which is
found in the section that follows this introduction. It should be noted here, though,
the pertinence of the epithet “your Protean brother,” used by Hubert; as Proteus is
“a minor sea god who had the power of prophecy but would assume different
shapes to avoid answering questions” (Merriam Webster Dictionary), this is an
expression that summarizes the very title Hubert would give to his biography of
Pessoa: The Poet with Many Faces (JENNINGS, 2018).
The following two documents—a recommendation letter to the Gulbenkian
Foundation and a note from Teca—were sent together to Hubert (see LETTERS #6 &
#7). The short handwritten note from Teca, dated 1 November 1967, reports that
her husband’s intention to meet with a representative from the Gulbenkian has
been delayed due to his ill health, and that he (Chico) has written a document to
the head of the Literary Department and a copy is being sent by Teca to Hubert.
She alludes to Chico’s falling ill in September and two weeks later going to the
hospital where he was still recovering—believed to be “out of danger” but still in
the hospital. The recommendation letter sent to Gulbenkian, dated 20 September
1967, was signed by Chico on behalf of the whole Pessoa family; it was titled
“Conceito em que é tido o professor jubilado Mr. Hubert Dudley Jennings, B.A.”
(The repute in which is considered the retired professor Mr. Hubert Dudley Jennings,
B.A.):
o professor Jennings, ao passar umas férias em Lisboa, contactou com alguns elementos
literários e com a família e verificou o patrimônio literário em manuscritos do Poeta,
ficando de tal forma entusiasmado que pensou fazer “algo” para dar conhecimento nos
meios literários predominantes de língua inglesa. […] Começou a estudar português, e
traduzir poemas para inglês, mas sente-se, honestamente, ainda pouco proficiente na língua
portuguesa, para fazer uma obra perfeita e por isso o seu interesse em fazer uma estadia em
Portugal para se aperfeiçoar e ter uma ambiência que lhe permita melhor efectuar o seu
trabalho. [...] A família [...] dará todo o seu apoio possível e facultará todos os elementos do
património artístico deixado pelo Poeta. [...] A família [...] considera o professor Jennings
com idoneidade professional, honesto, um amigo do Portugal que só pretende enaltecer e
aproximar culturalmente o nosso País com o seu.
The next letter, dated 27 December 1967, is from Chico himself and it begins:
“Ex . e Presado Amigo” (see LETTER #8). It makes clear that Chico is no longer in
mo
the hospital and that he has heard positive news from the Gulbenkian, stating that
“o assunto está bem encaminhado” (the matter is well taken care of).
In the next two letters we hear John, the third half-sibling of Pessoa: the first
document, dated 9 March 1968, is co-signed by John and his wife Eileen, while the
second comes from John alone, being dated July 27 in the same year (see LETTERS
#9 & #10). The letter by Eileen and John is a response to news Hubert and Irene
sent from Botswana, where they had visited their son Christopher Jennings, as well
as their daughter Bridget and son-in-law George Winstanley.e The letter comments
on the contemporary political events, by acknowledging “that Botswana is blazing
a new trail—perhaps the only trail so far—towards a true multi-racial, or rather, bi-
racial, society.” Then, the sentences quickly turn from political to sensorial, with
Eileen and John contrasting their current severe winter with the abundant greenery
and enviable produce in Botswana: “Your description of your daughter’s house at
Gaberones becoming buried in flowering creepers with lots of paw-paws, avocado,
pears etc etc. makes one’s mouth water, the more so now when we are going
through as severe a winter as never had for years.” The letter goes on to mention
that Chico is still recovering in Lisbon, that they forgot to ask Hubert to autograph
a copy of The D.H.S. Story and, in conclusion, that they would like to meet again,
whether in England or in South Africa. The note from John that follows the
previous letter is as brief as interesting: besides claiming that “the keyboard gives
me inspiration,” and complaining of “how tiresome English is having only one
word for the two meanings” (as “copies” stands for both the Portuguese “cópias”
and “exemplares”), it mentions a talk John would give in Cardiff:
Thank you so much for your letter and for your monograph on Fernando’s adolescence and
the D.T. poem. The former will be of great use for my talk in Cardiff, and I might use the
latter too, but I haven’t quite made up my mind.
The University of Wales in Cardiff was Hubert’s old school, from where he
would later receive his MA degree at the age of 80; it was also one of the
institutions where F.E.G. Quintanilha lectured—and Hubert Jennings would later
write that he wanted to dedicate The Poet with Many Faces to Quintanilha. This
makes one wonder if Quintanilha was involved in organizing John’s talk in
Cardiff.f
eChristopher Jennings had been promoted to deputy director of the Geological Survey in Botswana
in 1966, the year of the country’s independence (cf. HART, 2016: 109). George Winstanley, a
Cambridge graduate, was among the British colonial officers who worked on the transition of the
Bechuanaland Protectorate into the Republic of Botswana (idem, 99).
fQuintanilha met with Pessoa’s family on at least two occasions, in March 1968, as reported by
Hubert in his diary from Portugal (cf. SCHWARTZ, 2015: 84-85). In 1971, he would publish 60 poems
of Fernando Pessoa in English translation, together with a pioneering essay on the life and work of
the Portuguese poet (see PESSOA, 1971).
The next word Jennings receives from the family is a short handwritten note
from Teca dated 17 January 1969 (see LETTER #11). It is basically a thank you note
for the “four tins of marvelous gooseberry jam” and a note of congratulations:
If I remember correctly you have now an increase of two new members in your family—
two new babies! Hoping that this event has brought joy & happiness to you both—Our
congratulations!
Teca ends the note by writing, “With our very kindest regards to both | Yours very
sincerely, Henriqueta R. Dias “
Then, on 15 January 1970, it is Eve (Michael’s wife) who writes a note to
Irene and Hubert, titled “Happy New Year!” (see LETTER #12). Eve thanks them for
”Irene’s letter—your kind Christmas Wishes & the lovely Calendar.” She then
explains that Michael has been ill with the Hong Kong (“Mao”) Influenza, and that
their weather has been “frightful—gales of 100 kilometres an hour & rain—rain &
rain for days.” Then, very interestingly, she reports on the auction (on the previous
day) in which a painting of Pessoa by Almada Negreiros had been sold for the
astonishing price of a good apartment in Lisbon:
By the way—you may remember the Painting in the cafe near the Rossio of Fernando—
done by Negreiros years ago—just after Fernando died—well, it was sold by auction
yesterday as the cafe is sold—& it fetched about 18 thousand pounds (£18.000.)! by I believe
a portugueseman3—with a name which sounded Russian! Quite a lot of money we
thought—interesting for us.
The last letter in this dossier, signed by Eve and Michael, is also dated 15
January 1970—and was likely posted together with Eve’s note just described. It
should be noted that these last two documents are already different from all the
others, insofar as the time frame has shifted: Eve and Michael are now writing
many months after Jennings has returned home from his eighteen-month stay in
Lisbon. After thanking Irene for the calendar and telling Hubert that “it is great
news that you Hubert have made a start on the book on Fernando and are quite
pleased with what you have done,” Eve and Michael spend the rest of the letter
providing an update on the evolving situation of the archives (see LETTER #13).
They report that a Dr. Ferreira, Head of Libraries and Archives, had been
instructed by the Minister of Education to find out if Pessoa’s papers were for sale.
He had called Teca but she had wanted Michael to represent the family. Michael
then had spoken with him and considered him “quite a nice chap,” as the letter
attests. The family, who was “considering selling the manuscripts,” was told that
Pessoa’s papers were a national heritage and could not leave the country. After Dr.
Ferreira’s visit, a series of other meetings ensue, including with Jacinto do Prado
Coelho, Armando Nobre de Gusmão and “two girls, trained librarians,” who
“came with Gusmão and started on the work” of cataloguing all the papers left by
Pessoa. This important account gives many more details about this earliest effort at
making an inventory, including that the family
had to ensure that no papers were missing so we chased Eduardo [Freitas da Costa], that
cousin of mine for some papers we knew he had. After a bit of chasing he sent the papers
and with them a bundle which he said a printer had given him a long time ago. When the
bundle was open it was found that they were the manuscripts which were missing and
every one said had been lost.
Finally, the letter provides an update on the status of the acquisition of the
papers: Eve and Michael report having written inquiries to both the Gulbenkian
and the Minister (of Education) as to their possible interest in acquiring the papers.
The Gulbenkian replied a month ago confirming an interest and asking on what
conditions the deal could be made. Right after replying to the Gulbenkian, they
finally received acknowledgement of the Minister’s receipt of his letter, saying that
they were considering the matter. The letter ends with this comment as to why it
took so long for the Minister to write:
I now realize why because only today there has been a Government re-shuffle and a new
Minister of Education has been appointed. This is all the news, I will keep you posted.
Love from us both. Yours, Eve and Michael.
In conclusion, we may suggest three things. First, the overall tone in nearly
each letter helps us appreciate just how important that summer visit in 1966 was.
The indelible impression Hubert Dudley Jennings made when he met with the
Pessoa family that summer seems to have made all the difference in facilitating
what he would go on to do in the years ahead. Secondly, of all the letters, the
exchange between Michael and Hubert is perhaps the most poignant. One cannot
help but be moved by their genuine admiration for one another, as comrades
fulfilling a joyful yet difficult obligation. In this sense, their letters read like an
ongoing dialogue between two friends who not only enjoy sharing insights and
information, but feel a need to better understand Pessoa so as to make him known
to a larger population. Finally, we are reminded of Pessoa’s letter to an English
editor where he virtually begs for a careful reading of his poems, explaining that
nobody he knows is equipped to offer him the kind of intelligent criticism he needs
and wants. If only Fate had allowed for the lives of Fernando Pessoa and Hubert
Jennings to intersect in real time, Jennings might very well have been precisely the
kind of sympathetic critic Pessoa needed and longed for. Real time aside, we
believe Hubert was that very person.
&
&
&
&
&
&
&
&
&
&GH!"##"$%&'$()&*"%%(+&-+)./0IJ&/((%"&K(#"&.K&L<6"$#M%&:+K4N&
&
2'I99' 9%!!%$-' 4$%' 54$!' ).' !"%' /+0%$!' 1%&&#&2-' 345%$-7' K"#*"' 4$%' "%9(' 0:' a$)K&' b&#C%$-#!:' ;#0$4$:G'
J"#9%'-+5%$-*$#5!'9%!!%$-'$%.%$'!)'.))!&)!%-7'-+5%$-*$#5!'&+,0%$-'5)#&!'!)'!$4&-*$#5!#)&'&)!%-7'K"#*"'
4$%' 5$%-%&!%(' #&' !"%' *$#!#*49' 4554$4!+-' !"4!' .)99)K-' !"%' -%*!#)&' ).' 9%!!%$-G' I99' 9%!!%$-' 4$%' %(#!%(' #&'
*"$)&)9)2#*49')$(%$').'!"%#$'*),5)-#!#)&'(4!%G'
&
O>&-$()&P.7:+"/&#(&L<6"$#&
NO'6%0G'NPQR'
&
?+4'(4'?%5+09#*47';)!%'eO7'N)7'
cG'3%($)'()'B-!)$#97'
3)$!+249G'
'
NO '6%0$+4$:7'NPQRG'
!"
'
8%4$'=$G'1%&&#&2-7'
%$:' ,4&:' !"4&T-' .)$' :)+$' 9%!!%$' ).' NP!"' 14&+4$:' 4&(N' ,:' 45)9)2#%-' )&*%'
424#&'.)$'&)!'$%59:#&2'-))&%$G'
`'"4C%'$%4('!"$)+2"':)+$'!$4&-94!#)&-').'6%$&4&()L-'5)%,-e'4&('.#&('!"%,'
C%$:' 2))(G' ' `' ,+-!i' *)&2$4!+94!%' :)+' )&' :)+$' T&)K9%(2%' ).' 3)$!+2+%-%' 4-'
6%$&4&()L-' 3)$!+2+%-%' #-' &)!' 54$!#*+94$9:' %4-:G' ' `&' )&%' )$' !K)' *4-%-' `' "4C%'
-*$#009%('4&'49!%$&4!#C%'!)':)+$'C%$-#)&'K"#*"'`'-+0,#!'!)':)+'#&'499'"+,#9#!:G'
{)+$'#(%4'!"4!'4'0#)2$45":').'6%$&4&()'-")+9('-")K'"#-',4&:Y-#(%(&%--"'#-'
40-)9+!%9:' $#2"!' 4-' !"4!' #-' )&%' ).' !"%' C%$:' .4-*#&4!#&2' !"#&2-' 40)+!' 6%$&4&()L-q'
2%&#+-G' ' {)+' 4$%' D+#!%' $#2"!' !"4!' ,)-!' K$#!%$-' T%%5' $%.%$$#&2' !)' c#,r%-7S' 0+!' 9#T%'
:)+$' a$4Z#9#4&' .$#%&(' `' ()' &)!' !"#&T' ,+*"' ).' c#,r%-' K")' 49K4:-' 2#C%-' ,%' !"%'
#,5$%--#)&'!"4!'"%'!"#&T-'!"4!'"%7'c#,r%-7'#-'4'C%$:'*9%C%$'4&('0$#99#4&!'.%99)KG'
`'K$)!%'!)'1)"&'-),%'!#,%'42)'!%99#&2'"#,'K"4!':)+'K%$%'()#&2'4&('`'"%4$('
.$),' t"#,u' $%*%&!9:' -4:#&2' ")K' #&!%$%-!%(Q' "%' K4-' 4&(R' K#-"%(' :)+' 499' !"%' 0%-!G''
BC%'4&('`').!%&'!49T').'!"%'C%$:'59%4-4&!'!#,%'K%'"4('K#!"':)+$'K#.%'4&(':)+$'-%9.U'
4&('")5%'!"4!'K%'K#99',%%!'424#&G'
J#!"'0%-!'K#-"%-'!)':)+$'K#.%'4&(':)+$'-%9.'.$),'0)!"').'+-7'
{)+$-'C%$:'-#&*%$%9:7'
'
'
"'E"%' 0#)2$45":' ).' 3%--)4' 0:' 1%&&#&2-' #-' !#!9%(' 2")3%34$& !"##$%5& 6-"& !$",& 70,-& 8%39& 2%/"#d' !")+2"'
*),59%!%('#&'!"%'%4$9:'NPRO-7'#!'K4-')&9:'5+09#-"%('#&'eONU7'K#!"'!"%'%(#!#)&'0:'F4$9)-'3#!!%994G'
&
?+4'(4'?%5+09#*47';)!%'eO7'N)7'
cG'3%($)'()'B-!)$#9G'
'
eS!"'I5$#97'NPQRG'
'
8%4$'=$G'1%&&#&2-7'
=4&:'!"4&T-'.)$':)+$'9%!!%$').'Ni!"'=4$*"'4&(')&*%'424#&',:'45)9)2#%-'.)$'
!"%'(%94:'#&'$%59:#&2G''E"%'.4*!').'!"%',4!!%$'#-'!"4!'`'"4C%'0%%&',)$%N'!"4&'+-+499:'
0+-:')C%$'!"%'94-!'.%K',)&!"-'K#!"'!"%'$%-+9!'!"4!'`'"4('4'-9#2"!'0$%4T()K&'(+%'!)'
&%$C)+-' %M"4+-!#)&G' ' h&9:' K#!"#&' !"%' 94-!' K%%T' "4-' !"%' ()*!)$' 499)K%(' ,%' !)' ()'
4&:!"#&2G' ' I-' 9+*T' K)+9(' "4C%' #!' `' K4-' 2)#&2' !)' -5%4T' !)' ,:' -#-!%$' 4&(' "%$'
"+-04&(' 40)+!' !"%' 5)--#0#9#!:' ).' 2%!!#&2' 4' 2$4&!' .$),' !"%' W+90%&T#4&' `&-!#!+!%'
K"%&',:'0$)!"%$Y#&Y94K'"4('!)'9%4C%'.)$'I&2)94')&'0+-#&%--'K"#*"'K#99'T%%5'"#,'
4K4:' .)$' 40)+!' 4' ,)&!"G' ' `' ()' &)!' T&)K' !"%' *"4&*%-' ).' 2%!!#&2' 4' 2$4&!' 0+!' #!' #-'
K)$!"' !$:#&2G' ' E"%' .#$-!' !"#&2' !"%:' K#99' 4-T' #-' K"4!' 4,)+&!G' ' /4C%' :)+' 4&:' #(%4'
40)+!' !"%' -+,' K"#*"' K)+9(' 0%' &%%(%(' !)' ()' !"%' !"#&2' 5$)5%$9:we' ' `.' :)+' *)+9('
2#C%',%'4'9%4('K%'*)+9('-)+&('!"%,')+!G'
{)+' -%%,' !)' "4C%' 0%%&' C%$:' 0+-:' )&' !"%' 0#)2$45":' %!*G' ' 8)&x!i' ()' K"4!' `'
(#('4&(')C%$K)$TG'';%!',%'*)&2$4!+94!%q':)+')&'!"%'!$4&-94!#)&').'x39%	+&#)LGV''`'
42$%%'!"4!'#!'#-'&)!'D+#!%'K"4!'6%$&4&()'-4#('0+!'`'.%%9'!"4!'#!'2#C%-7'#&'B&29#-"7'K"4!'
6%$&4&()'K4-'($#C#&2'4!G'
J#!"',:'0%-!'K#-"%-'!)':)+$'K#.%'4&(':)+$-%9.'.$),'BC%'4&(',%7'
{)+$-'C%$:'-#&*%$%9:7'
'
'
&
'1%&&#&2-' !$4&-94!%-' 54$!' ).' j39%	+&#)k' #&' "#-' 5$%.4*%' !)' 6-"& !$",& 70,-& 8%39& 2%/"#7' *)&-#(%$#&2' #!'
V
j9)C%9:' 0+!' 49,)-!' +&!$4&-94!409%k' @1B>>`>Wc7' eONUf' eAd' 3#!!%994' &)!%-' !"4!' j!"%' +&!$4&-94!40#9#!:' #-'
54$!9:'(+%'!)'%M!%&-#C%'+-%').'499#!%$4!#)&'0:'!"%'5)%!k'@04"=AG'6)$'j39%	+&#)7k'-%%'3BcchI'@NPNRAG'
'
Z>&-$()&@"7+&#(&L<6"$#&
eR'1+&G'NPQR'
&
IC%&#(4'(4'?%5+09#*4'Ä'qU'Ä'qÅ'('
;#-0)&'
eR '1+&%'NPQRG'
!"
'
8%4$'=$G'1%&&#&2-7'
6#$-!').'499'`',+-!'9%!':)+'T&)K'")K'C%$:'-+$5$#-%('K%'K%$%'!)'$%*%#C%':)+$'
9%!!%$' K$#!!%&' #&' 3)$!+2+%-%GN' ' `!' #-' ()K&$#2"!' ,4$C%99)+-v' ' J%' 4(,#$%' :)+$'
*)+$42%'g'5%$-%C%$4&*%G'
J%')&9:'$%*%#C%(':)+$'9%!!%$'9)&2'4.!%$'#!-'4$$#C49'0%*4+-%'K%'K%$%'+5'&)$!"G''
hK#&2' !)' ,:' "+-04&(L-' %M*%%(#&29:' 0+-:' 9#.%7' %-5%*#499:' (+$#&2' !"%-%' 94-!' -#M'
,)&!"-7' "%' "4-&L!' 0%%&' 409%' !)' 4&-K%$' :)+$' 9%!!%$' #&' (+%' *)+$-%7' .)$' K"#*"' 4'
!")+-4&(' 45)9)2#%-G' ' E"#-' "4-' 0%%&' 5$%:#&2e' )&' "#-' ,#&(' g' K)$$:#&2' "#,' C%$:'
,+*"7'-)'`'(%*#(%('!)'()'#!',:-%9.G'
J%'"4C%'&)!'"%4$('.$),'W+90%&T#4&':%!'g'D+#!%'42$%%'!)'"4C#&2'2#C%&',:'
"+-04&(L-'&4,%'.)$'$%.%$%&*%-G'';%!L-'")5%':)+'K#99'$%*%#C%'4'.4C)+$409%'4&-K%$'!)'
:)+$'$%D+%-!G''I-'"4-'0%%&',%&!#)&%('0%.)$%'K%'K#99'K#99#&29:'"%95'K#!"'!"%'-+,'
).'NSGOOOÇOO'@NS'*)&!)-AG' t5G'eu'E"#-'"4-'0%%&'42$%%('!)'0:',:'!K)'0$)!"%$-'g',:-%9.G''
`L,' 4.$4#(' !"#-' 49)&%' K#99' &)!' -)9C%' :)+$' .#&4&*#49' 5$)09%,-7' -)' #!' #-' ).' +!!%$'
#,5)$!4&*%'@#&'!"%'&4,%').'!"%'%M54&-%').'2%&#+-A'!"4!'-),%')!"%$'#(%&!#!:'-")+9('
4&-K%$'!"%'*499G'
E"4&T' :)+' C%$:' ,+*"' .)$' :)+$' T#&(' K)$(-' g' K%' !))' $%,%,0%$' K#!"'
59%4-+$%':)+$'C#-#!'!)'3)$!+249'#&':)+$'K#.%L-'*),54&:7'g'K#99'0%'9))T#&2'.)$K4$('
!)':)+$'$%!+$&G'
~#&(%-!'$%24$(-'!)':)+'g'=$-G'1%&&#&2-'.$),',:'"+-04&('g',:-%9.G'
c#&*%$%9:':)+$-'
'
' ''
&
Fig. 3. First page of letter from Teca to Hubert, 27 Jun. 1967 [BDR, 405233_001]
Fig. 4. Second page of letter from Teca to Hubert, 27 Jun. 1967 [BDR, 405233_002]
&
W>&-$()&P.7:+"/&#(&L<6"$#&
iO'I+2G'NPQR'
&
?+4'(4'?%5+09#*47';)!%'eO7'N)'
cG'3%($)'()'B-!)$#97'
3)$!+249G'
'
iO 'I+2+-!7'NPQRG'
!"
'
8%4$'=$G'1%&&#&2-7'
=4&:' !"4&T-' .)$N' :)+$' 9%!!%$-' ).' 1+&%' Q!"' 4&(' I+2+-!' NN!"' 4&(' ,:' ,)-!'
"+,09%'45)9)2#%-7'4-'+-+49'.)$'&)!'$%59:#&2'!)'!"%'.#$-!'9%!!%$G''E"%'.4*!').'!"%',4!!%$'
#-'!"4!'`'"4C%'0%%&'#99'K"#*"'5+!',%')+!').'*),,#--#)&'.)$'4'K"#9%'4&('-#&*%'!"%&'
"4C%'0%%&',)$%'!"4&'+-+499:'0+-:G'
E"%' &%K-' !"4!' !"%' W+90%&T#4&' 6)+&(4!#)&' "4C%' -%&!' :)+' 4&' 4559#*4!#)&'
.)$,'.)$'4'-*")94$-"#5'.)$'.)$%#2&e'-!+(%&!-'-)+&(-'C%$:'%&*)+$42#&2G''{)+$'#(%4').'
4'9%!!%$'.$),'!"%i'.4,#9:'-+55)$!#&2':)+$q'4559#*4!#)&'#-'2))('4&('`'"4C%'(#-*+--%('
#!' K#!"' BC%7' ,:' -#-!%$' 4&(' F"#*)G' ' E+$&#&2' !"%' ,4!!%$' )C%$' K%' *4,%' !)' !"%'
*)&*9+-#)&' !"4!' !"%' 0%-!' !"#&2' !)' ()' .#$-!' #-' .)$' F"#*)' !)' -%%' !"%' ,4&' 4!' !"%'
6)+&(4!#)&' K")' K#99' "4&(9%' !"%' 4559#*4!#)&G' ' /%' "4-' "4(' 4&' #&!$)(+*!#)&' !)' "#,'
!"$)+2"'4',+!+49S'.$#%&(G''b&.)$!+&4!%9:'!"%'*"45'#-'4K4:')&'")9#(4:'4&(',4:'&)!'
0%'04*T'.)$'4'K%%T')$'!K)G''F"#*)'K#99'-%%'"#,'4&('!%99'"#,'")K'59%4-%('tK%'4$%u'
!"4!':)+'K4&!'!)'+&(%$!4T%'!"%'V)0'4&('!"4!'#&')+$')5#&#)&':)+'4$%'!"%',4&'!)'()'
#!G' ' /%' K#99' !"%&' 4-T' "#,' #.' !"%:' K#99' K4&!' )+$' C#%K-' #&' 4' 9%!!%$' )$' K"%!"%$' !"%'
,4!!%$'"4('0%!!%$'0%'9%.!')&'4'5%$-)&49'04-#-G''I-'-))&'4-'`'T&)K'!"%')+!*),%'`'K#99'
K$#!%':)+G'
F"#*)'!)9(',%'!"4!'"%'"4('$%*%#C%('4'9%!!%$'.$),':)+'#&'3)$!+2+%-%'4&('"%'
K4-'C%$:'-+$5$#-%('")K'K%99':)+'"4(',4-!%$%('!"%'94&2+42+%GQ'
`' -#&*%$%9:' ")5%' !"4!' :)+' K#99' 5+99' )..' !"#-' -*")94$-"#5' 4-' BC%' 4&(' `' K)+9('
C%$:',+*"'9#T%'!)'-%%':)+'424#&'"%$%G'
J#!"'0%-!'K#-"%-'.$),'0)!"').'+-'!)':)+$'K#.%'4&(':)+$'-%9.7R'
:)+$-'C%$:'-#&*%$%9:7'
'
'
8 Lambert Road,
Durban, Sep. 7, 1967.
My dear Michael,
Many thanks for your letter of August 30. Sorry you have been ill and had
so much work to make up. If the weather in Lisbon was anything as hot as it was
when we were last there in the summer, it must have been hard going.
I have sent off my application to the Gulbenkian with two good
recommendations—the other one being from Dr. Severino—and with the family
support so kindly promised by all of you, and voiced by your brother-in-law’s
good presence and influence, I think I can hope for a successful outcome.
Severino’s letterk was addressed personally to Doutor J. Braga, Diretor Adjunto do
Serviço Internacional, Fundação Gulbenkian.1 Is that the same person as you have
in mind? You must thank Chico for his kindness on my behalf and also for his
remarks on my first attempts to write a Portuguese letter. I am learning
Portuguese the hard way—through your brother, who seems to use every word in
the dictionary, plus a few that are in neither of the two dictionaries I possess. But,
of course, letter-writing is a separate art no matter what language one uses.
Reading the beginning of Severino’s letter it seems to our cold English2 ideas more
suitable for an address to a prince in the Middle Ages than for one even of such
eminence as Dr. Braga de Oliveira undoubtedly is. “Apraz-nos a honra de vir à
presença de V. Excelência, a fim de apresentar-lhe...”3 etc. It is difficult for a foreigner
to know how far he can descend from this high style to write a plain, cordial,
friendly letter.
I am at present translating your brother’s Maritime Ode.l What a work!
There is no doubt that turning a work into another language makes one consider it
k Severino’s letter is not part of the Hubert Jennings Papers. “Severino” is Alexandrino E. Severino,
a professor at UT Austin in 1968 (and later at Vanderbilt University). We have a few letters from
Severino to Hubert among the Hubert Jennings Papers (dated 1968, 1984 and 1989), but the
friendship between them began as early as 1965, when Severino wrote to the headmaster of Durban
High School, who asked Jennings to reply—thus beginning a correspondence that chronicles the
early research on Pessoa’s life in Durban. Severino would publish eight letters written by Jennings
in 1965 as an appendix to his thesis (SEVERINO, 1970: 121-136). Severino and Jennings would also
collaborate on a paper for the First International Symposium on Fernando Pessoa, which took place
in 1977 at Brown University; however, the paper would only be published in 2013, in Pessoa Plural
n.o 4 (see SEVERINO & JENNINGS, 2013).
lThe translation prepared by Jennings was published in Pessoa Plural n.o 8, with an introduction by
Filipa de Freitas (2015).
far more deeply than a casual reading through and I am astonished at the depth of
imagination. But some of the most expressive words—interjections like arre, vai,
eia, for instance—are virtually untranslatable. Of course, we have an exact
translation for Merda! which occurs4 in the Ode and elsewhere, but would an
English published print it—even in these days? I am collecting too quite a sea
vocabulary from your formidable brother’s apparent knowledge of everything
under the sun—gaveas, enxarcias, cordagem, cordame, poleame, conveses, tombadilhos,
proa, ré,5 amuradas, marinheiros, mareantes, marujos, tripulantes, quilhas, remos,
âncoras,6 amarras, and what not! What are gajeiros,m by the way?7 Obviously some
form of seaman, but my dictionaries are silent on the subject. And what is
missanga?8 Fernando speaks of ships laden with “ouro, missanga,n madeiras cheirosas,
setas.”o The others, of course, are perfectly plain, but I can’t find ‘missanga’ or any
word like it in Portuguese, Spanish or French dictionaries. While disentangling all
this I find your Protean brother leading my imagination [in] a dance by being in
turn: (1) The quiet watcher—the engineer Álvaro9 de Campos, or merely himself
(2) the victim of the pirates, and having his eyes gouged out and danced on by
them. (3) A pirate himself and doing the eye-gouging himself.10 (4) A cup of
leeches, being carried voluptuously to death—um copo cheio de sanguessugas. (5) A
worm that gnaws the bulwarks and licks up blood and tar—um bicho que cravasse
dentes11 nas amuradas etc. (6) The pirates’ woman—a mulher-todas-as-mulheres que
foram violadas etc. This is as far as I’ve got, but glancing through the rest, there
seem to be at least two other metamorphoses:12 (7) The child, looking out on the
river “Das13 janelas do meu quarto dando [para] o rio de noite.”p (8) Himself again, the
clerk who writes the letters—Dear sirs—Messieurs—Amigos e Snrs, which he says is
human and clear, even beautiful. It is an amazing tour de force and I can well
believe that the games he played with you and the rest of the family, which you
told me about, must have been something out of this world! Is it really true that he
wrote this thing at one sitting without a single erasure? □
m Pessoa actually spelled it gageiros (with a g), but the orthography had been modernized in the
edition Jennings used as source for his translation (PESSOA, 1965); Jennings would translate the term
as “bosun” (cf. FREITAS, 2015: 173), which the Merriam Webster dictionary defines as “a ship’s
officer in charge of equipment and the crew; variant spelling of boatswain.”
nJennings would leave a question mark in lieu of the “missanga” in his English rendering of the
Ode (in FREITAS, 2015: 173); a possible translation is “colorful glass bead(s).”
o This is part of line 317 of “Ode Marítima” (PESSOA, 2014: 83).
p This line 678 of “Ode Marítima” (PESSOA, 2014: 97).
Fig. 6. Draft of letter from Hubert to Michael, 7 Sep. 1967 [BDR, 421298]
'
T>&-$()&D:.7(&#(&#:"&`</6"Ka.+K&-(<K4+#.(K&
eO'c%5G'NPQR'
'
;$3/"0,$&"=&<("&O&,04$&$&*)$+"##$)&P(>0'%4$&
8)I&U(>"),&R(4'"9&V"3303A5&WI.I'
'
3%94'.4,<9#4'()'.49%*#()'3)%!4'6%$&4&()'3%--)4'
)%!4'6%$&4&()'3%--)4
'
NG' I' .4,<9#4' *),5)-!4' (%' ()#-' #$,H)-7' +,' $%-#(#&()' %,' `&294!%$$4' )+!$)' %,'
;#-0)47'%'4'#$,H7',+9"%$'()'-#2&4!^$#)7'-H)N')-'"%$(%#$)-'9%249,%&!%'"40#9#!4()-'(4'
)0$4' 9#!%$^$#4' Ä' 5)%-#4' %' 5$)-4' ()' $%.%$#()' 3)%!47' %-!4&()' %,' -%+' 5)(%$' )-'
,4&+-*$#!)-'%'0#09#)!%*4G'
eG' b,4'2$4&(%'54$!%'(4'3)%-#4'%'492+,4'%,'3$)-4'%-!^'5+09#*4(47'4!$4C[-'(4'
B(#!)$#49' p!#*47' "4C%&()' 4#&(4' 5)$' 5+09#*4$' ,4#-' ,4&+-*$#!)-G' ' /^' 5+09#*4]r%-'
%(#!4(4-'&)'a$4-#97'%'!$4(+]r%-'%,'%-54&")9'%,'B-54&"47'I$2%&!#&4'%'=[M#*)d'%,'
.$4&*X-7' &4' 6$4&]4d' %,' 49%,H)7' &4' I9%,4&"4d' %,' #!49#4&)7' &4' `!^9#47' %' *)&!$4!)'
%.%*!+4()'Ñ9!#,4,%&!%'*),'4'F"%*)-9)C^D+#4G''E4,0[,'&)-'BGbGIG'.)#'5+09#*4(4e'
+,4'4&!)9)2#4'(%'5)%!4-',)(%$&)-7'*),'4'#&*9+-H)'(%'492+,4-'5)%-#4-'!$4(+Z#(4-7'
%!*G7'%!*GG'
iG' h' 5$).%--)$' 1%&&#&2-7' 4)' -%$' #&*+,0#()' Ä' 54$4' 4' *),%,)$4]H)' ()'
*%&!%&^$#)'(4'a):L-i'/#2"'c*"))9'(%'8+$04&'@)&(%')'3)%!4'*+$-)+A'Ä'(%'+,'9#C$)'
-)0$%' 4' "#-!\$#4' (%--4' %-*)947' &)' D+49' $%49]4' )-' 49+&)-' D+%' !#C%$4,' ,4#)$'
$%9%CÖ&*#47' *)&-!4!)+' 4' ()' 49+&)' 6%$&4&()' I&!\&#)' >)2+%#$4' 3%--)47' %&!%4()' ()'
F)&-+9' W%$49' (%' 3)$!+2497' %,' 3$%!\$#47' )' *45#!H)' (%' =4$' %' W+%$$47' 1)H)' =#2+%9'
?)-47' D+%7' *),)' 49+&)' (#-!#&!)7' -%' (#-!#&2+#47' )0!%&()' )' 5$[,#)' 9#!%$^$#)' (%'
j|+%%&'#*!)$#4'=%,)$#49'3$#Z%kGq'
`&C%-!#24&()' 5)#-' 5$).+&(4,%&!%' 4' C#(4' 9#!%$^$#4' (%--%' 49+&)7' !),)+'
*)&"%*#,%&!)' (4' 5$)V%*]H)' #&!%$&4*#)&497' *)&*9+#&()' D+%7' -%' )' 5)%!4' ;+#-' (%'
F4,r%-',4$*)+'+,4'[5)*4'(%'%-59%&()$'(%'3)$!+2497')'5)%!4'6%$&4&()'3%--)4'%$4'
)'-<,0)9)'(%')+!$4'[5)*4'(%'$%&4-*#,%&!)'5)$!+2+X-G'
3)$[,'C%$#.#*)+'D+%')'3)%!4'D+%'*)&-#(%$)+'#&!%$&4*#)&49'5%94-'5+09#*4]r%-'
!$4(+Z#(4-' &)' %-!$4&2%#$)' %' *#!4()' %,' ?%C#-!4-' 9#!%$^$#4-7' %' &H)' )0-!4&!%' 4' -+4'
.)$,4]H)' #&29%-47' &H)' !%,' !#()' 4' ,%-,4' 5$)V%*]H)' &4' *),+&#(4(%' (4' 9<&2+4'
#&29%-4G'
qG' h' 5$).%--)$' 1%&&#&2-7' 4)' 54--4$' +,4-' .[$#4-' %,' ;#-0)47' *)&!4*!)+' *),'
492+&-' %9%,%&!)-' 9#!%$^$#)-' %' *),' 4' .4,<9#4' %' C%$#.#*)+' )' 54!$#,\&#)' t5G'eu' 9#!%$^$#)7'
%,',4&+-*$#!)-'()'3)%!47'.#*4&()'(%'!49'.)$,4'%&!+-#4-,4()7'D+%'5%&-)+'(%'.4Z%$'
j492)k' 54$4' (4$' *)&"%*#,%&!)' &)-' ,%#)-' 9#!%$^$#)-' 5$%(),#&4&!%-' (4' 9<&2+4'
#&29%-4G'
Pessoa Plural: 13 (P./Spring 2018) 110
Brown & Pittella Letters from Pessoa's Family
SG' F),%])+'4'%-!+(4$'5)$!+2+X-7'%'!$4(+Z#$'5)%,4-'54$4'#&29X-7',4-'-%&!%Y-%7'
")&%-!4,%&!%7'4#&(4'5)+*)'5$).#*#%&!%'&4'9<&2+4'5)$!+2+%-47'54$4'.4Z%$'+,4')0$4'
5%$.%#!4' %' 5)$' #--)' )' -%+' #&!%$%--%' %,' .4Z%$' +,4' %-!4(#4' %,' 3)$!+249' 54$4' -%'
45%$.%#])4$'%'!%$'+,4'4,0#X&*#4'D+%'9"%'5%$,#!4',%9")$'%.%*!+4$')'-%+'!$4049")G'
QG' I' .4,<9#47' $%*)&"%*%&()' !)()' %--%' #&!%$%--%' %' 4' $%9%CÖ&*#4' &4' %M54&-H)'
9#!%$^$#4' &)-' ,%#)-' 9#!%$^$#)-' #&29%-%-7' %' $%5%$*+--H)' 54!$#\!#*4' (4$^' !)()' )' -%+'
45)#)'5)--<C%9'%'.4*+9!4$^'!)()-')-'%9%,%&!)-'()'54!$#,\&#)'4$!<-!#*)'(%#M4()'5%9)'
3)%!4G'
' >H)' )0-!4&!%' !4#-' ,%#)-7' %-!%-' -%$H)' 9#,#!4()-' Ü-' &%*%--#(4(%-' ()' 5$).G'
1%&&#&2-7' 54$4' 4' -+4' %-!4(#4' %' %-!+()-' %,' 3)$!+2497' %' *),)' !4,0[,' )-' -%+-'
$%*+$-)-'-%$H)'9#,#!4()-7'5)$'#--)')',%-,)'-%'(#$#2#+'Ü'6+&(4]H)'W+90%&T#4&7'*),'
4-'*$%(%&*#4#-'D+%'%&C#)+'%'594&)'(%'!$4049")'54$4')0!%$')-',%#)-'.#&4&*%#$)-'D+%'
9"%'(X%,S'5)--#0#9#(4(%-'(%'$%49#Z4$')'-%+'!$4049")G'
RG' I'.4,<9#47'49[,'()-',%#)-'$%!$)Y#&(#*4()-7Q'5$%-*#&(%'(%'D+4#-D+%$'(#$%#!)-'
)+'54$!%',4!%$#49'D+%'5)--4,'4(C#$'(4'5+09#*4]H)'()'$%.%$#()'!$4049")G'
UG' I' .4,<9#4' %' %-5%*#49,%&!%' )' -#2&4!^$#)' *),)' 2%-!)$' (4-' 5+09#*4]r%-7'
*)&-#(%$4')'5$).%--)$'1%&&#&2-'*),'#()&%#(4(%'5$).#--#)&497'")&%-!)7'+,'4,#2)'(%'
3)$!+2497'D+%'-\'5$%!%&(%'%&49!%*%$'%'45$)M#,4$'*+9!+$49,%&!%')'&)--)'34<-'*),')'
-%+G'
'
;#-0)47'eO'(%'c%!%,0$)'(%'NPQR' ' '
h'$%5$%-%&!4&!%'(4'.4,<9#4'()'3)%!4'6%$&4&()'
3%--)4'' ' ' '
'
'
Fig. 7. First page of letter from Chico to the Gulbenkian Foundation, 20 Sep. 1967 [BDR, 421299_002]
Fig. 8. Second page of letter from Chico to the Gulbenkian Foundation, 20 Sep. 1967 [BDR, 421299_003]
'
U>&-$()&@"7+&#(&L<6"$#&
N'>)CG'NPQR'
&
;#-0)&'Ä'N'Ä'NN'Ä'NPQR'Ä'
'
8%4$'=$G'1%&&#&2-7'
c)',4&:'!"#&2-'"4C%'"455%&%('-#&*%'`'94-!'K$)!%'!)':)+'!"4!'`'"4$(9:'T&)K'
")K' !)' -!4$!G' ' `&' !"%' .#$-!' 594*%' `' ")5%' ,:' 0$)!"%$' =#*"4%9' "4-' K$#!!%&' !)' :)+' !)'
%M594#&'!"4!',:'"+-04&('K4-'.)$*%('!)'(%94:',%%!#&2')&%').'!"%'8#$%*!)$-').'!"%'
W+90%&T#4&'6)+&(4!#)&'!"$)+2"'#99'"%49!"G''6#&499:'4.!%$'-%C%$49'4!!%,5!-'"%'-5)T%'
!)')&%').'!"%,7'K")'"455%&-'!)'0%'4'.$#%&(').')+$'.4,#9:7'g'K4-'4(C#-%('!)'4(($%--'
!)'!"%'/%4(').'!"%';#!%$4$:'8%54$!,%&!'!"%'.)99)K#&2'()*+,%&!').'K"#*"'K%'-%&('
:)+'4'*)5:GD'
c#&*%' !"%&' K%' "4C%' "4(' &)' &%K-' ).' 4&:' 5$)*%%(#&2-' .$),' !"%' W+90%&T#4&'
6)+&(4!#)&'g' +&.)$!+&4!%9:' ,:' "+-04&(' .%99' -%$#)+-9:' #99' )&' eO!"' c%5!G$'g' 4.!%$' 4'
C%$:'4&M#)+-'.)$!"!'4!'"),%'K4-'-%&!'!)'4'")-5#!49'K"%$%'"%'#-'-!#99G''3$%-%&!9:'
"%'#-'$%*)C%$#&2'-9)K9:'g'K%'0%9#%C%')+!').'(4&2%$'0+!'#!'K#99'0%'4'-9)K'*4-%'g'K%'
()'&)!'T&)K':%!'K"%&'"%'K#99'0%'409%'!)'2)'"),%G'
J#!"' )+$' T#&(%-!' $%24$(-' g' ")5#&2' 0)!"' :)+' g' =$-G' 1%&&#&2-' 4$%' #&' 2))('
"%49!"'
{)+$-'-#&*%$%9:'
'
'
D 'E"%'()*+,%&!'E%*4'$%.%$-'!)'#-'!"%'5$%C#)+-'9%!!%$').'!"#-'()--#%$'@;BEEB?'sQAG'
$ '>)!%'!"#-'K4-'!"%'-4,%'(4:'#&'K"#*"'F"#*)'K$)!%'!"%'9%!!%$'!)'!"%'W+90%&T#4&'6)+&(4!#)&G'
&
_>&-$()&D:.7(&#(&L<6"$#&
eR'8%*G'NPQR'
&
F)9G'6G'F4%!4&)'8#4-'
'''''ICG'(4'?%5+09#*47'qU'Ä'qG)'8G)'
;`cahI'Ä'' ' ' eRYm``YNPQR'
'
BM,)'c$G'3$).G'8$G'/+0%$!'8G'1%&&#&2-'
8b?aI>'Ä'
'
BM,)'%'3$%-4()'I,#2)f'
'
h-' *+,5$#,%&!)-' %' (%' ,#&"4N' ,+9"%$' 54$4' -#' %' -+4' B-5)-47' C%&")7' (%'
$%2$%--)' ()' /)-5#!49' 54$4e' *4-4d' %-*$%C)Y9"%7' &H)' -\' 54$4' ,)-!$4$' D+%' %-!)+' 0%,'
,%9")$7' *),)' (%-%V4$' D+%' !#C%--%' 54--4()' +,' 6%9#Z' >4!49' %' (%-%V)-' (%' a),' I&)'
>)C)7' *),i' 4#&(4' )' 5$4Z%$' (%' !%$' 42)$4' ,%-,)' $%*%0#()' +,4' *),+&#*4]H)7' %,'
$%-5)-!4'Ü',#&"4'*4$!4'54$4'4'6+&(4]H)'W+90%&T#4&7'%&C#4&()Y,%'*\5#4'(4'*4$!4'
D+%' 9"%' .)#' %&C#4(4' %,' Ni' ()' *)$$%&!%7-'%' .+#' #&.)$,4()' D+%' )' 4--+&!)' %-!^' 0%,'
%&*4,#&"4()7' -\' .49!4&()' 42)$4' +,4' *)&.#$,4]H)7' (#Z%,' %9%-7' 4*X$*4' (%'
5$)5\-#!)-'D+%7'(%'$%-!)7')'#&!%$%--4()'V^',4&#.%-!4$47',4-'D+%'4'6+&(4]H)'2)-!4$#4'
(%',4#-'4*%&!+4()-G'''
34$%*%'4--#,7'D+%'%-!4$^'&)'-%+'.#&49'54$4')0!%$')')0V%*!#C)'(%-%V4()7'5)#-'(%'
&\-'@4'.4,<9#4A'(4$^'!)(4-'4-'.4*#9#(4(%-'*),)'V^'%,'4&!%$#)$%-'*4$!4-'!%,)-'(#!)7'%'
42+4$(47',4-'42)$4'4-'-+4-'&)!#*#4-G'
B-5%$)'D+%7'54$4')'4&)'NPQU7'!%&"4'4'C)--4'C#-#!47'*),'C)!)-'(%'0)4'-4+(%G'
F$%#4Y,%'*),'!)(4'4'%-!#,4'%'4-',#&"4-'*)$(#4#-'-4+(4]r%-'
'
'
'
-'E"%' 9%!!%$' $%.%$$%(' !)' 0:' F"#*)' #-' &)!' 54$!' ).' !"%' /+0%$!' 1%&&#&2-' 345%$-7' !")+2"' !"%' 4$*"#C%'
#&*9+(%-'!K)'9%!!%$-'.$),'!"%'W+90%&T#4&'6)+&(4!#)&f'4'*%$!#.#*4!%'.$),'NU'c%5G'NPQU'$%24$(#&2'!"%'
2$4&!'$%*%#C%('0:'/+0%$!'@-%%'I>>Bm'NAd'4&('4'9%!!%$'(4!%('eO'1+9:'NPRe7'*)&*%$&#&2'/+0%$!L-'0))T'
)&'3%--)4l#G%G'6-"&!$",&70,-&8%39&2%/"#'@-%%'I>>Bm'eAG'
Fig. 10. Letter from Chico to Hubert, 27 Dec. 1967 [BDR, 421300]
'
S>&-$()&E./""K&\&](:K&#(&=$"K"&\&L<6"$#&
P'=4$G'NPQU'
&
&
'
=4$*"'P7'LQUG'
'
8%4$'`$%&%'g'/+0%$!7'
J"4!'4'59%4-4&!'-+$5$#-%'!)'2%!':)+$'9%!!%$').'8%*G'ee'.$),'W40%$)&%-d!'4&('
,:' 45)9)2#%-' .)$' "4C#&2' (%94:%(' -)' 9)&2' #&' %M5$%--#&2' ,:' !"4&T-' 4&(' 59%4-+$%7'
0+!'`'"4C%'0%%&'!%$$#09:'0+-:G'
`!'K4-'C%$:7'C%$:'#&!%$%-!#&2'!)'9%4$&N').'")K'K%99'F"$#-!)5"%$'4&('W%)$2%'
4$%'2%!!#&2')&'+&(%$'!"%'&%K'$%2#,%'#&'a)!-K4&4'@!"4!'K4-'a%*"+4&494&(7+'K4-&L!'
#!wAG''6)$'#!'0%4$-')+!'!"%'C#%K-')55$%--%('#&'!"%'@0%!!%$A'545%$-'"%$%7'!"4!'a)!-K4&4'
#-' 094Z#&2' 4' &%K' !$4#9l5%$"45-' !"%' )&9:' !$4#9' t5G' eu' -)' .4$l!)K4$(-' 4' !$+%' ,+9!#Y
$4*#497' )$' $4!"%$7' 0#Y$4*#497' -)*#%!:G' ' `' ")5%' !"%:' 4$%7' .)$' #!' #-' )&%' ).' !"%' *$#!#*49'
5$)09%,-' ).' !"#-' (4:' 4&(' 42%7' 4&(' 4' -)9+!#)&' ,+-!' 0%' .)+&(' .)$' #!7' #.' *),59%!%'
*"4)-' #-' &)!' !)' %&-+%G' ' `' "4C%' #$="' -:,54!":' K#!"' 0)!"' !"%' cG' I.$#*4&' C#%K' 4&('
K#!"'!"%'#&!%99%*!+49'bG~G'C#%K7'0+!'&%#!"%$'#-'$#2"!G''c),%K"%$%'#&'!"%',#((9%'!"%'
$#2"!'-)9+!#)&',+-!'9#%7'0+!'K"%$%w'
a+!' 9%!' +-' !+$&' !)' 9%--' 5$).)+&(' -+0V%*!-G' ' {)+$' (%-*$#5!#)&' ).' :)+$'
(4+2"!%$L-'")+-%'4!'W40%$)&%-'0%*),#&2'0+$#%('#&'.9)K%$#&2'*$%%5%$-'K#!"'9)!-').'
54KY54K-7' 4C)*4()7' 5%4$-' %!*' %!*G' ,4T%-' )&%x-e' ,)+!"' K4!%$G' ' J%' 9)C%' 499' !")-%'
2)$2%)+-' .$+#!-7' !"%' ,)$%' t5G' iu' -)' &)K' K"%&' K%' 4$%' 2)#&2' !"$)+2"' 4-' -%C%$%' 4'
K#&!%$'4-'&%C%$'"4('.)$':%4$-G''`!'"4-'0%%&'0#!!%$9:'*)9('4&('-%%,-'!)'"4C%'2)&%')&'
#&!%$,#&409:G' ' jE$4(#!#)&49k' m,4-%-e' 4$%' .#&%' 4&(' (4&(:' .)$' 4' .%K' (4:-7' 0+!' )&%'
2%!-'4'0#!'!#$%(').'!"%,'#.'!"%:'2)')&'!#99'!"%'0%2#&&#&2').'=4$*"v'
`-'!"%$%'4&:'*"4&*%').':)+$'*),#&2')C%$'"%$%'424#&'#&'!"%'&%4$'.+!+$%w''J%'
K)+9('-)'9#T%'!)'-%%':)+'424#&G'
E"%'&%K-'.$),';#-0)&'*)&!#&+%-'2))(G''F"#*)'-%%,-'!)'0%'K%99')&'!"%',%&(7'
0+!'"%'#-'.#&(#&2'#!'4'0#!').'4&'+5"#99'.#2"!G''/%L-'&)!'4-':)+&2'4-'"%'K4-7'4&('"%'"4('
4'5$%!!:'04('!#,%G'
t5G'qu''
`'"4C%'T#*T%(',:-%9.7'%C%$'-#&*%'K%',%!'"%$%7'.)$'&)!'"4C#&2'4-T%(':)+7'4-'`'
"4(' ,%4&!' !)7' !)' 4+!)2$45"' !"%' *)5:' ).' !"%' RIUISI& S,$)9q' :)+' -)' T#&(9:' -%&!' ,%G''
a+!'!"4!'K#99'&)K'"4C%'!)'K4#!'!#99'K%'&%M!',%%!'424#&7'K"#*"'`'")5%'K#99'0%'-))&G''
J)+9(':)+'-4:'cG'I.$#*4'K4-'4'&#*%'594*%'.)$'4'")9#(4:'@K"4!'4'(4,&Y.))9'D+%-!#)&7'
! 'E"%'*45#!49').'a)!-K4&47'K"#*"'K)+9('*"4&2%'#!-'&4,%'!)'jW40)$)&%k'#&'NPQPG'
+'B-!409#-"%('#&'NUUS7'!"%'a$#!#-"'5$)!%*!)$4!%').'a%*"+4&494&('0%*4,%'!"%'#&(%5%&(%&!'?%5+09#*').'
a)!-K4&4'#&'NPQQG'
`' T&)K' #!' #-vA' 4&(' #.' -)7' #&' K"4!' ,)&!"' ).' !"%' :%4$l&)!' !))' ")!' 4&(' &)!' !))'
*$)K(%(w'
J#!"'0%-!'K#-"%-'.$),''
'
'
'4&('
' '
{)+$-'%C%$7'
' '
Figs. 11 & 12. Letter from Eileen & John to Irene & Hubert, 9 Mar. 1968 [BDR, 421304_001 & _002]
Figs. 13 & 14. Letter from Eileen & John to Irene & Hubert, 9 Mar. 1968 [BDR, 421304_003 & _004]
&
OR>&-$()&](:K&#(&L<6"$#&
eR'1+9G'NPQU'
&
&
'
1+9:'eR7'NPQUG'
'
=:'(%4$'/+0%$!7N'
39%4-%' %M*+-%' !:5%-*$#5!e' 0+!7' 9#T%' 6%$&4&()7' `' .#&(' !"%' T%:0)4$(' 2#C%-' ,%'
#&-5#$4!#)&7'4&('#!',4T%-'#!'-)',+*"'%4-#%$'.)$'!"%'$%*#5#%&!'!))v'
E"4&T':)+'-)',+*"'.)$':)+$'9%!!%$'4&('.)$':)+$',)&)2$45"')&'6%$&4&()L-'
4()9%-*%&*%' 4&(' !"%' 8GEG' 5)%,GC'' E"%' .)$,%$' K#99' 0%' ).' 2$%4!' +-%' .)$' ,:' !49T' #&'
F4$(#..7'4&('`',#2"!'+-%'!"%'94!!%$'!))7'0+!'`'"4C%&L!'D+#!%',4(%'+5',:',#&(G'
I-' !"%' *)5#%-' @#G%G' j%M%,594$%-k' &)!' j*)5#4-kd' ")K' !#$%-),%' B&29#-"' #-'
"4C#&2')&9:')&%'K)$('.)$'!"%'!K)',%4&#&2-A').'!"%-%'!K)'545%$-'K"#*"':)+'-%&!'
,%7'4$%')$#2#&49-7'4&('4-'#!')**+$-'!)',%'!"4!':)+',#2"!'&)!'"4C%'*)5#%-7'`'"4C%'"4('
!"%,'5")!)-!4!%(7i'4&('$%!+$&'"%$%K#!"':)+$'*)5#%-G'
B#9%%&'4&('`'2$%4!9:'%&V):%('-%%#&2'`$%&%'4&(':)+7'4&('`'4,')&9:'-)$$:'!"4!'
!"%'*+#-#&%'4!'!"%'4#$5)$!'$%-!4+$4&!'#-'&)!').'!"%'0%-!G'
I24#&',4&:'!"4&T-'.)$':)+$'!")+2"!.+9'"%95'4&('K#!"'K4$,%-!'$%24$(-7'
{)+$-'%C%$q'
'
'
'
C'6)$'!$4&-*$#5!#)&'4&('*),,%&!4$:').'!"%'j8GEGk'5)%,7'-%%'3`EEB;;I'g'3`oI??h'@eONRf'PqYNOeA'4&('
aI??BEh'@eONRf'QOQYQNqAG'
Fig. 15. Letter from John to Hubert, 27 Jul. 1968 [BDR, 421304_012]
&
OO>&-$()&@"7+&#(&=$"K"&\&L<6"$#&
NR'14&G'NPQP'
&
;#-0)&7'NR'Ä'N'Ä'QP'Ä'
'
=:'(%4$'=$G'g'=$-G'1%&&#&2-7'
J%' $%*%#C%(7' !K)' (4:-' 42)7' :)+$' 54$*%9' K#!"' .)+$' !#&-' ).' ,4$C%99)+-'
2))-%0%$$:'V4,G''E"4&T':)+'C%$:7'C%$:',+*"G''/)K'T#&(').':)+'!)'$%,%,0%$',:'
5$%.%$%&*%'.)$'!"#-'T#&(').'V4,'g'&)!'"4C#&2'!4-!%('#!'.)$'-)',4&:':%4$-7':)+'*4&'
K%99'#,42#&%'")K'`'$%9#-"'#!G'
`.'`'$%,%,0%$'*)$$%*!9:7':)+'"4C%7'&)K7'4&'#&*$%4-%').'!K)'&%KN',%,0%$-'#&'
:)+$' .4,#9:lEK)' &%K' 040#%-v' ' /)5#&2' !"4!' !"#-' %C%&!' "4-' 0$)+2"!' V):' g'
"455#&%--'!)':)+'0)!"lh+$'*)&2$4!+94!#)&-v'
J#!"')+$'C%$:'T#&(%-!'$%24$(-'!)'0)!"'
{)+$-'C%$:'-#&*%$%9:'
'
&
Fig. 16. Letter from Teca to Irene & Hubert, 17 Jan. 1969 [BDR, 421301]
&
OY>&-$()&E8"&#(&=$"K"&\&L<6"$#&
NS'14&G'NPRO'
&
jU%**9&Y"7&Z"%)vk'
NS G NG RO G'
' ' ' '
'
8%4$'`$%&%'g'/+0%$!7N'
'
1+-!' 4' .%K' 9#&%-' .$),' ,%' !)' -4:' !"4&T-' .)$' `$%&%L-' 9%!!%$l:)+$' T#&('
F"$#-!,4-' J#-"%-' g' !"%' 9)C%9:' F49%&(4$G' ' /)K' `' '$1"' !")-%' cG' I.$#*4&' *49%&(4$-G''
=#*"4%9' "4-' !)9(' :)+' !"%' &%K-l/%' "#,-%9.' "4-' 0%%&' C%$:' D+%%$' K#!"' !"%' =4ye'
`&.9+%&Z4Kl"%' #-' -!#99' &)!' $%499:' K%99l0+!' -9)K9:' #,5$)C#&2G' ' h+$' K%4!"%$' #-'
.$#2"!.+9l249%-' ).' NOO' T#9),%!$%-' 4&' ")+$' g' $4#&l$4#&' g' $4#&' .)$' (4:-G' ' ?)99' )&'
-+,,%$v''a:'!"%'K4:l:)+',4:'$%,%,0%$'!"%'34#&!#&2'#&'!"%'*4.%'&%4$'!"%'?)--#)'
).'6%$&4&()l()&%'0:'>%2$%#$)-i':%4$-'42)lV+-!' t5G'eu'4.!%$'6%$&4&()'(#%(MlK%997'
#!'K4-'-)9('0:'4+*!#)&':%-!%$(4:'4-'!"%'*4.%'#-'-)9(lg'#!'.%!*"%('40)+!'NU'!")+-4&('
5)+&(-' @nNUGOOOGAv' 0:' `' 0%9#%C%' 4' 5)$!+2+%-%,4&qlK#!"' 4' &4,%' K"#*"' -)+&(%('
?+--#4&v:''|+#!%'4'9)!').',)&%:'K%'!")+2"!l#&!%$%-!#&2'.)$'+-G&
J%99'`',+-!'4K4:'&)Kl")5%'!)'K$#!%'94!%$')&lBM*+-%'!"#-')(('545%$'0+!'
()'&)!'K4&!'!)'#&*$%4-%'!"%'K%#2"!'.)$'5)-!G'
' ;)C%'!)':)+'0)!"G'
8)'&)!'K)$T'!))'"4$(G'
{)+$-'
'
t5-Gu'`'"4('!"%'.9+lC%$:'&4-!:l'
0+!'2)!'0%!!%$'D+#*T%$'!"4&'=#*"4%9G'
K'E"%'&#*T&4,%'j=4)k'K4-'2#C%&'!)'!"%'/)&2'~)&2'`&.9+%&Z47'.#$-!'$%*)2&#Z%('#&'NPQU'#&'c)+!"%4-!'
I-#4'4&('(%%,%('$%-5)&-#09%'.)$'%5#(%,#*-'4$)+&('!"%'K)$9(l#&*9+(#&2'4&')+!0$%4T'#&'B+$)5%'#&'
!"%'K#&!%$').'NPQPYNPRO7'%M4*!9:'K"%&'!"#-'9%!!%$'K4-'K$#!!%&'@-%%'=bcB;7'NPQPd'>F8F7'NPROAG'
M'1)-[' (%' I9,4(4' >%2$%#$)-' @NUPiYNPROAG' j`&' NPSq7' I9,4(4' >%2$%#$)-' ,4(%' !"#-' 5!"#$"#%& '()& $*+&
!"#$%&'()*+%&,'-.'/01'"1231&/'%4'5)/6)*%'73*&8+%,'-"%/01"'%4'594"1+%'73*&8+%'8)+'/01)'%:)1"'%4'
!"%'$%-!4+$4&!d'#&'NPQq7'I9,4(4'>%2$%#$)-',4(%'4',#$$)$%('C%$-#)&').'!"%'54#&!#&2'.)$'!"%'F49)+-!%'
W+90%&T#4&' 6)+&(4!#)&Gk' @F4$9)-' 3#!!%994' #&' 1B>>`>Wc7' eONUf' UN7' .))!&)!%AG' I' $%5$)(+*!#)&' ).' !"%'
54#&!#&2'#-'4C4#9409%'4!'!"%'a$)K&'8#2#!49'?%5)-#!)$:'@a8?7'qOSeOSd'-%%'>BW?B`?hc7'NPSqAG'
:'E"4!'K)+9('0%'!"%'4&!#D+4$#4&'1)4D+#,'=#!&#!ZT:7'K")'0)+2"!'!"%'54#&!#&2'.)$'jNiOO'*)&!)-k'4!'
!"%'NPRO'4+*!#)&7'!"%'5$#*%').'4'2))('454$!,%&!'#&';#-0)&'4!'!"%'!#,%d'#&'!"%'-4,%':%4$7'=#!&#!ZT:'
K)+9('-%99'!"%'4$!K)$T'!)'!"%'04&T%$'1)$2%'(%'a$#!)7'K")'#&'!+$&'K)+9('2#C%'#!'!)'!"%'*#!:').';#-0)&'
@-%%'?E3N7'NPROAG'J%'!"4&T'1)-['a4$$%!)'.)$'499'!"%'5%$!#&%&!'#&.)$,4!#)&'#&'!"#-'.))!&)!%G'
Figs. 17 & 18. Letter from Eve to Irene & Hubert, 15 Jan. 1970 [BDR, 421303]
z The “book on Fernando” was The Poet with Many Faces (JENNINGS, 2018).
aaThis is probably Dr. Fernando Bandeira Ferreira, archeologist and, from 1960 to 1976, inspector at
the Inspecção Geral das Bibliotecas e Arquivos (IGBA); though the letter presents him as “head of
Libraries and Archives,” he may also have been assistant director, second only to the general
inspector Dr. Luís Silveira. Once more we thank José Barreto for these pieces of information.
bbAccording to SANTOS et al. (1988: 200), Prof. Jacinto do Prado Coelho was the appointed advisor of
the initial inventory of Pessoa’s papers. For Jennings’s acquaintanceship with Prado Coelho, see
SCHWARTZ (2015: 56ff.) and BROWN (2015: 251-252).
ccSANTOS et al. (1988: 199-200) identify Gusmão as Dr. Armando Nobre de Gusmão, who was
inspector of libraries and archives (likely reporting to Dr. Ferreira) and served as liaison officer
on Teca and I saw them as well. They said that they had10 been instructed by the
Minister to call on us. They brought a letter from the Ministry11 which said that as
Fernando’s papers were national heritagedd and under Regulation so and so the
Authorities had to catalogue12 the papers and asked Teca if they could send a
couple of people to do the work at her house. In the end two girls, trained
librarians13 came with Gusmão and started on the work. ee Every thing they
catalogue14 is sealed and no one now is allowed to touch any of the papers. When
they have finished they will give a copy of the catalogue and the papers are then
free but we are responsible to see that nothing is taken away.
Once these people started we had to ensure that no papers were missing so
we chased Eduardo, that cousin of mine for some papers we knew he had. After a
bit of chasing15 he sent the papers and with them a bundle which he said a printer16
had given to him a long time ago.ff When the bundle was open it was found that
they were the manuscripts which were missing and every one said had been lost.
This is great news. As far as I can see there is nothing missing now.gg
I have written t o Gulbenkian and the Minister and have asked them if they
are interested in acquiring the papers. I had a reply about four weeks ago17 from
Gulbenkian saying that they were interested and asking on what conditions the
deal could be made. I have just replied. From the Minister I have just received a
letter acknowledging18 mine and saying that the Minister is19 considering the
matter. I now realise20 why because only today there has been a Government re-
shuffle and a new Minister of Education has been appointed.hh
between the archivists inventorying the Pessoa papers and the Direcção Geral do Ensino Superior e
das Belas Artes.
ddSANTOS et al. (1988: 200) mention that the inventory of Pessoa’s papers began after a 12 Nov. 1969
edict from the Direcção Geral do Ensino Superior e das Belas Artes, which had followed a 31 Oct.
1969 dispatch from the Minister of Education (then José Hermano Saraiva); however, those two
documents have not been located to date. Moreover, the “letter from the Ministry” referred to by
Eve and Michael may have been a different document altogether, another paper yet to be found. On
14 Sep. 2009, the Ministry of Culture published a decree designating Fernando Pessoa’s literary
estate as “national treasure” (Diário da República, 1a série, n.o 178, decree n.o 21/2009).
ee Beginning work on 14 Nov. 1969, Maria Laura Nobre dos Santos and Alexandrina Cruz were the
first two archivists to formally catalogue Pessoa’s papers at the family home, being later joined by
Rosa Maria Montenegro e Lídia Pimentel (BROWN, 2015: 264).
ffThe story about the papers kept by Eduardo Freitas da Costa (which included the poems of
Pessoa’s Fausto) is corroborated by SANTOS et al. (1988: 200); for a fuller account of the meandering
life of Fausto’s papers after Pessoa’s death, see the afterword by Pittella (in PESSOA, 2018: 379-388).
ggIt is now known that many papers were, in fact, lost or misplaced; it suffices to mention the series
of poems of Álvaro de Campos for which we only have the witness of Ática’s edition, since several
documents given to the editors were never returned to the Pessoa estate (see PESSOA, 2014: 329-349).
hhIn fact, on the exact day Eve and Michael wrote this letter, José Veiga Simão had been appointed
as the new Minister of Education of Portugal, substituting José Hermano Saraiva, who had ordered
the inventorying of Pessoa’s papers. Simão would serve as Minister until 25 Apr. 1974.
E"#-'#-'499'!"%'&%K-G''`'K#99'T%%5':)+'5)-!%(G'';)C%'.$),'+-'0)!"G'
{)+$-7'
'
&
Fig. 19. Letter from Eve & Michael to Irene & Hubert, 15 Jan. 1970 [BDR, 421302]
&
5KK"b&O>&D([0&('&D"$#.'.7+#"&'$()&#:"&`</6"Ka.+K&-(<K4+#.(K&
NU'c%5G'NPQU'
&
&
&
&
&
!)$/I' ' BYiSáQU'
YI$&
;#-0)47'NU'(%'c%!%,0$)'(%'NPQU'
'
;J\6:2:;.RM&
'
34$4')-'(%C#()-'%.%#!)-'-%'4!%-!4'D+%'4)'c%&")$'/+0%$!'8+(9%:'1%&&#&2-7'(%'
&4*#)&49#(4(%' -+9Y4.$#*4&47' .)#' 4!$#0+<(4' 5)$' %-!%' c%$C#])' `&!%$&4*#)&49' +,4' 0)9-4'
(%'%-!+()7'(%'=4$])'(%'NPQU'4'6%C%$%#$)'(%'NPQP'@#&*9+-#C%A7'4'.#,'(%'%,'3)$!+249'
9%C4$'4'%.%#!)'#&C%-!#24]r%-'54$4'4'5$%54$4]H)'(%'+,'9#C$)'-)0$%'6%$&4&()'3%--)4G'
?)24Y-%7' 4' D+%,' (%' (#$%#!)7' 9"%' -%V4,' *)&*%(#(4-' !)(4-' 4-' .4*#9#(4(%-'
&%*%--^$#4-'54$4'D+%'-%'5)--4'9%C4$'4'0),'!%$,)')-'-%+-'!$4049")-G'
'
'
'''''''' '
'
Fig. 20. Copy of certificate from the Gulbenkian Foundation, 18 Sep. 1968 [no call number to date]
&
5KK"b&Y>&!"##"$&'$()&#:"&`</6"Ka.+K&-(<K4+#.(K&#(&L<6"$#&]"KK.KQ%&
eO'1+9G'NPRe'
&
&
&
3$)*ÅG'aG%GBYiSáQU' ' ' ' ' ' ''';#-0)47'eO'(%'1+9")'(%'NPRe'
'
'
BM,ÅG'c%&")$7'
'
I*+-4,)-'4'$%*%5]H)'(4'*4$!4'(%'G'BMàG'(%'NN'(%'6%C%$%#$)'.#&()7'D+%'&)-'
,%$%*%+' 4' ,%9")$' 4!%&]H)' %' Ü' D+49' )' %M*%--)' (%' %M5%(#%&!%' %&!$%!4&!)' C%$#.#*4()'
&%-!%'c%$C#])'-\'")V%'&)-'5%$,#!%'$%-5)&(%$G'
84()' )' #&!%$%--%' (4' )0$4' %940)$4(4' 5)$' G' BMàG' -)0$%' )' 5)%!4' 6%$&4&()'
3%--)47'4'6+&(4]H)'(%-%V4$#4'(%9%'4(D+#$#$'492+,4-'(%Z%&4-'(%'%M%,594$%-7'(%5)#-'
(%'5+09#*4(4G'';4,%&!4,)-')-'5$)09%,4-'*),'D+%'4'G'BMàG'!%,'(%54$4()'54$4'4'
%(#]H)7',4-7'4'%-!%'$%-5%#!)7').%$%*%Y-%Y&)-'5%$2+&!4$Y9"%'-%'!%$^'V^'*)&!4*!4()7'54$4'
)' %.%#!)7' *),' )' %(#!)$' &)$!%Y4,%$#*4&)' E"%)()$%' 3+$(:G' ' @E"%' c49!' a)M7' ?)M0+$:7'
F)&&%*!#*+!' OQRUiAG' ' 8#$#2%' %9%' +,4' .#$,4' %,' D+%' -%' *)&.%$%' %-5%*#49' 4!%&]H)' Ü'
*+9!+$4' %' Ü' 5$)09%,^!#*4' 5)$!+2+%-4-' %' 4.#2+$4Y-%Y&)-' D+%' +,4' *)&-+9!4' D+%' 9"%'
.)--%'.%#!4'5)(%$#47',+#!)'5$)CÜC%9,%&!%7'*)9"%$'0)&-'$%-+9!4()-G'
I5$)C%#!4,)-' )' %&-%V)' 54$4' 45$%-%&!4$' 4' G' BMàG' )-' &)--)-' ,%9")$%-'
*+,5$#,%&!)-G'
'
I'F/B6B'8B'?B3I?E`âäh'
'
BM,ÅG'c%&")$'
8$G'/+0%$!'8+(9%:'1%&&#&2-'
U';4,0%$!'?)4('
8+$04&'
.2\:;.&RM&S^_&
'
Fig. 21. Letter from the Gulbenkian Foundation to Hubert Jennings, 20 Jul. 1972 [BDR, 405171_173]
1. [BDR, 405231]
FROM: Luis Miguel Nogueira Rosa (aka “Michael”)
TO: Hubert D. Jennings
DESCRIPTION: one leaf of smooth wove paper, typed in black ink and signed in blue ink on the recto,
with the verso left blank. Unpublished.
NOTES:
1 any [and]
2 peoms [poems]
3 I mus<y>/t\
4 Fernando’<d>/s\
5 Simoes [Simões] we added the missing tilde in all occurrences of the surname.
6 in<e>/t\erested
7 he was a[nd]
8 your self ] Michael spells “your self” as two words in this letter, but as a single word elsewhere.
2. [BDR, 405232]
FROM: Luis Miguel Nogueira Rosa (aka “Michael”)
TO: Hubert D. Jennings
DESCRIPTION: one leaf of ribbed paper, with two horizontal creases (from being folded into an
envelope), typed and hand-amended in black ink and signed in blue ink on the recto, with the verso
left blank. Unpublished.
NOTES:
1 I have [↑ been] more ] handwritten addition in black ink.
2 properly.[?]
3 Don[‘]t
4 con<r>/g\ratulate
3. [BDR, 405233]
FROM: Henriqueta Madalena Nogueira Rosa Dias (aka “Teca”)
TO: Hubert D. Jennings
4. [BDR, 405234]
FROM: Luis Miguel Nogueira Rosa (aka “Michael”)
TO: Hubert D. Jennings
DESCRIPTION: one leaf of smooth wove paper, torn on the upper right corner and with two
horizontal creases (from being folded into an envelope), typed and signed in black on the recto,
with the verso left blank. Unpublished.
NOTES:
1 four
2 foreig<h>/n\
3 tha [the]
4 you[r]
5 mutua<k>/l\
6 languague
7 your self ] we preserve the idiosyncratic spelling.
5. [BDR, 421298]
FROM: Hubert D. Jennings
TO: Luis Miguel Nogueira Rosa (aka “Michael”)
DESCRIPTION: fragment of grid paper with blue lines, somewhat irregular on the left margin (likely
having been torn from a bigger piece of paper) and missing a section of the lower right corner; the
piece displays, on the recto, an unsigned but dated draft of a letter typed in black ink, with the
verso left blank. Differently from the previous letters in this dossier (which we know to have been
sent, since they were received and archived by Hubert), we cannot know if the drafted letter was
ever sent by Hubert, nor if the posted version would have been longer or different in any way.
Unpublished.
NOTES:
1 Servico [Serviço] Internacional.[,] Fundacao [Fundação] Gulbenkian. ] Hubert’s typewriter
likely didn’t have cedilla or tilde.
2 Englis[↑h]
3 vir a [à] presenca [presença] de V. Exc[elênc]ia, a fim de apresentar-lhe..[.] we render all
Portuguese citations in italics.
4 <*b>/o\ccurs
5 re [ré]
6 ancoras [âncoras]
7 way.[?]
8 micanga [missanga] we made this editorial change in all occurrences of the word.
9 Alvaro [Álvaro] Pessoa himself generally did not accent “Alvaro”; we add the acute stress, as it is
common practice nowadays.
10 himself[.]
11 dentos [dentes]
7. [BDR, 421299_001]
FROM: Henriqueta Madalena Nogueira Rosa Dias (aka “Teca”)
TO: Hubert D. Jennings
DESCRIPTION: one leaf of ribbed paper, with one horizontal crease (from being folded in half),
handwritten and signed in blue ink on the recto, with the verso left blank. Unpublished.
8. [BDR, 421300]
FROM: Col. Francisco Caetano Dias (aka “Chico”)
TO: Hubert D. Jennings
DESCRIPTION: one leaf of lined paper (with gray lines), creased in the middle (horizontally) as well
as slightly to the left of the middle (vertically), handwritten and signed in black ink on the recto,
with the verso left blank. Unpublished.
NOTES:
1 m[inha] abbreviated twice in the first paragraph of the letter.
2 p[ara] idem.
3 como
IV. BIBLIOGRAPHY
BARRETO, José (2017). “A Última Paixão de Fernando Pessoa.” Pessoa Plural—A Journal of Fernando
Pessoa Studies, n.o 12. Brown University, Warwick University and Universidad de los Andes,
Fall, pp. 596-641 [Doi: 10.7301/Z0QJ7FJ9].
BROWN, Susan Margaret (2015). “From Michael and Teca: two unpublished letters to Hubert
Jennings.” Pessoa Plural—A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.o 8. Brown University,
Warwick University and Universidad de los Andes, Fall, pp. 249-264 [Doi:
10.7301/Z0D21VTZ].
FREITAS, Filipa de (2015). “Naval Ode Translations: reading the poet's dispositions.” Pessoa Plural—A
Journal of Fernando Pessoa Studies, n.o 8 (Special Jennings Issue). Brown University, Warwick
University and Universidad de los Andes, Fall, pp. 128-190 [Doi: 10.7301/Z04M92S2].
HART, Matthew (2016). From the Kalahari to the Arctic: a family journey and an epic diamond chase.
Vancouver: Figure 1.
JENNINGS, Hubert Dudley (2018). Fernando Pessoa, The Poet with Many Faces: a biography and
anthology. Edited by Carlos Pittella; with a foreword by George Monteiro and an afterword
by Filipa de Freitas. Providence: Gávea-Brown.
____ (1986). Fernando Pessoa in Durban. Durban: Durban Corporation.
____ (1984). Os Dois Exílios. Porto: Centro de Estudos Pessoanos & Fundação Engenheiro
António de Almeida.
____ (1966). The D.H.S. Story: 1866-1966. Durban: The Durban High School and Old Boys’
Memorial Trust.
MUSEL, Robert (1969). “’Mao’ Flu Toll Under Forecasts.” The Desert Sun, n.o 254, Palm Springs, May
28, p. 21.
NCDC—National Communicable Disease Center (1970). “INFLUENZA—Worldwide 1969-1970.”
Morbidity and Mortality—weekly report, vol. 19, n.o 10, for week ending Mar. 14, 1970.
Atlanta: U.S. Department of Health, Education, and Welfare. Date of release: Mar. 20, 1970,
pp. 105-107.
NEGREIROS, José de Almada (1954). Retrato de Fernando Pessoa [Reproduction extant in the Hubert
Jennings Papers and available at the Brown Digital Repository (BDR: 405205), Brown
University Library: https://repository.library.brown.edu/studio/item/bdr:405205/, retrieved
30 May 2018].
PESSOA, Fernando (2018). Fausto. Edited by Carlos Pittella; with the collaboration of Filipa de
Freitas. Lisbon: Tinta-da-china (col. “Pessoa”).
____ (2014). Álvaro de Campos – Obra Completa. Edição de Jerónimo Pizarro e Antonio Cardiello;
colaboração de Jorge Uribe e Filipa Freitas. Lisboa: Tinta-da-china.
____ (1971). Sixty Portuguese Poems. Introduction, selection, English translation of the poems and
notes by F.E.G. Quintanilha. Cardiff: University of Wales Press.
____ (1966). Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Texts established and prefaced by Georg
Rudolf Lind and Jacinto do Prado Coelho. Lisbon: Ática.
____ (1965). Obra Poética – vol. único. Organização, introdução e notas por Maria Aliete Galhoz,
2.a ed. Rio de Janeiro: Aguilar.
____ (1917). “Episodios – A Mumia” and “Ficções do Interludio (Plenilunio, Saudade dada,
Pierrot bebado, Minuete invisivel, Hiemal).” Portugal Futurista, n.o 1. Lisbon: Livraria
Brazileira de Monteiro & C.a; Faro: Hava- neza Tavares Bello & Filhos, pp. 21-23.
PITTELLA, Carlos [ed.] (2016) People of the Archive: the contribution of Hubert Jennings to Pessoan studies
(a printed edition of Pessoa Plural—A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.o 8). Providence:
Gávea-Brown.
Palavras-chave
Raul Leal, João Gaspar Simões, Alberto de Telles Machado, Alberto de Serpa, segundo
modernismo, cartas.
Resumo
Keywords
Raul Leal, João Gaspar Simões, Alberto de Telles Machado, Alberto de Serpa, second
modernism, correspondence.
Abstract
1 Conforme refere José BARRETO (2016: 694): “A forma de Utra é o aportuguesamento mais comum
de van Hurtere [reprodução literal da pronúncia de Hoertre, em língua neerlandesa], apelido de
flamengos povoadores do Faial”.
2 Recebeu também colaborações de Teixeira de Pascoais, Luís Guedes de Oliveira, José Régio,
Aquilino Ribeiro, Vergílio Correia, Tomás da Fonseca, Visconde de Villa-Moura, Joaquim de
Almeara, Alfredo Brochado, José Bruges d’Oliveira, João Carlos (gravuras), Raúl Brandão, José de
Azevedo, Manuel Lopes d’Almeida, Alexandre d’Aragão, Celestino Gomes, Fausto dos Santos
Júnior, Alberto de Serpa, José Crespo, Diogo de Macedo (desenho e prosa), Antão de Morais
Gomes, António Ferreira Monteiro, Álvaro Cebreiro (desenho), Eu. Correa-Calderón, Ramón
Cabanillas, G. Lópes Abente, Antonio Noriega Varela, Cláudio Basto, Mily Possoz (gravura),
Américo Durão, João Neto, Mário de Castro, Eva Aggerholm (desenho), Augusto Casimiro.
3Conforme informa José BARRETO, “Existe uma foto de Fernando Pessoa com Utra Machado na Rua
Augusta, ambos de gabardine, chapéu e papillon” (2016: 695).
4Nas outras cartas ou rascunhos aqui apresentados figuram outras referências negativas a Lisboa –
por parte quer de Raul Leal, quer de João Gaspar Simões – em relação à mesquinhez do seu
ambiente cultural, como veremos a seguir.
Coimbra para quem não esteja núma phase de “montée” vers Dieu en-Soi, pode ser que
Romantise isto e Decadentise d’uma maneira media e burg[u]ezmente chata o Eu, mas para
mim que com as Mãos Promethaicas do Instincto abraço Deus no seu ambiente tão cheio de
Passado e de Alem, concentra-me o meu esforço para dentro de mim e não me disperso
tanto como n’essa Lisbôa que tanta honra tem na sua fama de pseudo-grande-cidade.
5Acrescenta Simões: “se é que alguma vez chegara a estar vivo como escritor, que, aliás, não era
escritor que Raul Leal pretendia ser, mas profeta, nada mais, nada menos, que Henoch!” (SIMÕES,
1974: 137).
7O filme americano, cujo título original é Flesh and Fantasy, dirigido pelo realizador francês Julien
Duvivier e com Charles Boyer e Barbara Stanwyck como atores principais, estreara-se
mundialmente em 1943.
8Além de o fazer na carta a Alberto de Serpa, Leal cita orgulhosamente a atitude de Pessoa em sua
defesa na carta a João Gaspar Simões de 23 e 24 de julho de 1950, para desmentir as motivações que
Simões atribuirá à posição de Pessoa, como se verá em breve.
A Presença vai sair breve com novo formato e novas esperanças... Quere você dar-nos
colaboração para ela? Contamos que de futuro fique a sair de dois em dois meses, devendo
o primeiro número aparecer ainda êste mês. A sua colaboração poderia destinar-se ao
número de Janeiro. Se puder ser, preferimos que nos mande um trecho completo – não
fragmentos – o qual pode ser relativamente grande, pois a Presença sai agora em formato de
livro – livro grande – mas com mais páginas.
Realmente há desinteligencias na Presença. Houve que suspender, pelo menos por agora, a
sua publicação. Oxalá que a loucura que vai pelo mundo – esse ódio ao individualismo,
como você muito bem diz – não acabe de vez com os últimos luzeiros do espírito. A
Presença parece ter suspendido a sua publicação no momento mais trágico da história do
espirito humano: essa suspensão é sintomática.
Possuíam Goethe e Fernando Pessoa o segredo da Verdade Primeira? [...] Que a não
possuía Goethe, Fausto o comprova, vendendo a sua alma ao diabo. Que Fernando Pessoa a
não possuía, a sua obra de poeta o diz, obra essa em si mesma “caminho alquimico”,
transmutação da personalidade em outras personalidades, através das quais, de
espiritualização em espiritualização, alcançaria um dia a fusão com o Ente Supremo, com o
Absoluto.
(SIMÕES, 1949: 4)
E antes disto, para justificar o facto de Fernando Pessoa ser, para a maioria
das pessoas que lidava com ele, um modesto “correspondente estrangeiro”,
ignorando eles de que se tratava de “o maior poeta português que ainda viera ao
Mundo nesta pátria de poetas de Antero e João de Deus para cá”, o crítico
explicara:
Por que não fixaram os lisboetas o nome de Fernando Pessoa? Pela razão
extraordináriamente simples de que o nome de Fernando Pessoa não comparecia nestes
desregramentos voluntários da sua personalidade naturalmente “desponderada”. Não foi
Fernando Pessoa quem escreveu a Ode Triunfal do primeiro numero do Orpheu, tão pouco
foi ele quem assinou o Ultimatum ou quem dirigiu a explosiva carta ao director de A Capital –,
o autor de todas estas irritantíssimas mistificações fora um tal Alvaro de Campos,
engenheiro naval formado em Glasgow, que, segundo a opinião do seu íntimo amigo
Fernando Pessoa, costumava embriagar-se de quando em vez...
E, assim, se descobre parte do véu que esconde o enigma da obscuridade paradoxal deste
formidável mistificador que foi o modesto “correspondente estrangeiro” da praça de
Lisboa.
(SIMÕES, 1949: 4)
Raul Leal não aceita esta interpretação da heteronímia, neste caso aplicada à
figura de Álvaro de Campos. Sobretudo, não admite a teoria segundo a qual a
referida mistificação se explica pela eventual necessidade de Fernando Pessoa de
se esconder detrás de outra personalidade, de se ocultar utilizando o nome do
engenheiro naval quando queria tomar atitudes pessoais fortes ou escrever de
forma mais agressiva. Esse “ser franzino” – escreve Leal citando implicitamente e
Pessoa Plural: 13 (P./Spring 2018) 156
Martines Raul Leal e o segundo modernismo
ironicamente o artigo em que Simões por duas vezes apelidara Pessoa de tal forma
– não precisava “esconder-se cobardemente por detraz de pseudonimos – que então
seriam verdadeiros pseudonimos – quando pretendia mostrar arrogancia e
agressividade”. A prova era – lembra mais uma vez Leal – o “arrojo intelectual – se
não fisico – verdadeiramente espantoso” demonstrado atravez do manifesto
publicado em sua defesa e “assinado por Fernando Pessoa, propriamente Fernando
Pessoa, não, é claro, por Alvaro de Campos”. Portanto, explica o autor de Sodoma
divinizada:
A razão por que as Odes orfaicas e o Ultimatum têm a assinatura de Alvaro de Campos é
profundamente psicologica, não sendo por cobardia moral nem para mistificar o publico que
Fernando Pessoa assinou essas obras com esse nome que não era o dele mas que também não
era um simples pseudonimo.
Raul Leal explica Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis como
sendo “tres personalidades distintas entre si e de Fernando Pessoa que as criou [...]
todas tres descendentes diretas de Fernando Pessoa que nelas vive certos aspetos
psiquicos, assim personificados, dele proprio que era um ser complexo,
contraditorio”. E voltando aos escritos assinados pelo engenheiro naval formado
em Glasgow, esclarece:
persiste em Fernando Pessoa muito de mero talento de assimilador, muito de mero gosto da
mistificação, muito de mero virtuosismo literário, para que esse seu gongorismo intelectual
e verbal algumas vezes não desvirtue a sua obra, atingindo-a quer no seu poder de
comunicação, quer na sua verdadeira qualidade poética e humana (RÉGIO, 1994: 248).
Alguns dos seus patrões – vivia Fernando Pessoa, como é sabido, da profissão que a si
próprio se deu de “correspondente estrangeiro em casas comerciais” –, alguns daqueles que
lhe davam as suas cartas estrangeiras a redigir ignoravam completamente que aquele
senhor franzino, de óculos de aro de ouro, bigode à americana e modos tímidos, escrevia
versos e era em verdade apreciado, numa roda de gente moça, dentro e fora de Lisboa,
como o maior poeta português que ainda viera ao Mundo nesta pátria de poetas de Antero
e João de Deus para cá. [...] É certo que entre os seus patrões alguns houve, mais ilustrados
e perspicazes, que se deram conta de que alguma coisa de anormal havia no modesto
“correspondente estrangeiro” que a certas horas vinha sentar-se em frente da máquina de
escrever onde rápidamente passava a inglês ou a francês a minuta da carta que encontrara
em cima da mesa. Tinha acontecido já que de Londres ou Liverpool perguntassem,
surpreendidos, quem era o autor das cartas comerciais escritas em inglês isabeliano que de
Lisboa lhes eram dirigidas.
(SIMÕES, 1949: 4)
Que na Grã Bretanha afirmavam que os poemas inglezes de Fernando Pessoa tinham o
estilo do tempo de Isabel e, portanto, quinhentista, sei-o bem, e Alleister Crowley que já
citei, afirmava-o igualmente, mas que as cartas comerciaes fossem escritas com o mesmo
purismo classico, no mesmo estilo isabeliano, é que não posso crêr visto Fernando Pessoa
possuir em portuguez varios estilos, cada um deles adaptado áquilo de que queria tratar, e
á maneira como pretendia tratar de qualquer assunto, sendo muito escrupuloso – como
Grande Artista que era – na escolha do estilo apropriado e não sendo, pois, crivel que em
inglez procedesse de modo diferente a ponto de escrever cartas comerciaes em puro estilo
classico. Isso é, com certeza, fantasia e se não o fosse, seria um contrasenso.
Mas Raul Leal deixa para o fim da sua carta a Alberto de Serpa a denúncia
do “maior absurdo do artigo”, que diz respeito à já citada interpretação da
despersonalização pessoana como “caminho alquímico” em que, num percurso de
progressiva espiritualização, Fernando Pessoa procuraria alcançar a “fusão com o
Ente Supremo, com o Absoluto”. O autor da Liberdade transcendente vira do avesso
a exegese simoniana afirmando que esse caminho “não é nada espiritualisador,
aperfeiçoador, sublimador, purificante como devia ser se fosse, na verdade,
alquimico”. Ao contrário, a transmutação de personalidade em personalidade
representa uma queda, sendo Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis
“personalidades muito mais terrenas, menos sublimadas do que a de Fernando
Pessoa enquanto que propriamente Fernando Pessoa”. É uma involução que tem um
significado dramaticamente humano, é uma fuga “da vida espiritual para a vida de
sensações terrenas de que a natureza humana não pode prescindir, por mais asceta
que se queira ser”. O “Grande Drama Humano de Fernando Pessoa”, explica Leal,
é a constante e angustiante tensão entre a tendência espiritualista – não
perfeitamente alcançada, porque as personalidades humanas, ainda “imperfeitas,
impuras, por muito altas que sejam [...] apenas entram no limiar do Espirito puro”
– e a descida para a vida terrena,
num movimento assim oscilante cheio de angustia, cheio de ancias sempre terrivelmente
insatisfeitas por só encontrarem imperfeições quer no seu Mundo de Espirito que ainda não
é Vertigem de Além, quer no Mundo terrestre onde tantas vezes se precipitam
desvairadamente para só se conspurcarem com as suas impurezas.
Para Leal, o que torna ainda maior o drama humano de Fernando Pessoa é
que o “erotismo estupendo”, através do qual ele “vivia a vida terrestre de
sensações convulsivas, torrenciaes, espasmodicas – as que genialmente exprimia
Pessoa Plural: 13 (P./Spring 2018) 159
Martines Raul Leal e o segundo modernismo
nas Odes de Alvaro de Campos, feitas dum masoquismo terrivel e despedaçador”,
esse erotismo era só mental, não era “exteriormente carnalisado” e, portanto, não
podia satisfazê-lo “não tanto pelo que tem de impuro, mas sobretudo pelo que tem
de irreal”. Fernando Pessoa vivia assim – na interpretação de Raul Leal – “num
horrivel retraimento masturbador que o enchia de perene angustia”, condenado a
permanecer “um ser intermédio, vivendo convulsivamente entre o Espírito e a
Carne, sempre dentro dele proprio, num hermetismo fechado que lhe era
extremamente doloroso”, porque o seu “furor intimo” era “sempre terrivelmente
comprimido sem nunca se libertar na vertigem dos sentidos, no delirio da carne”.
Num artigo escrito em novembro de 1961 publicado no Diário da Manhã a 9
de dezembro do mesmo ano, intitulado “A monadologia discriminatória de
Fernando Pessoa”, Raul Leal defende a mesma ideia, sublinhando também a
diferença entre a atitude do seu Grande Amigo e a sua própria, a de quem
procurava atingir através da Luxúria uma fusão mística com o Absoluto, como
explicara em Sodoma divinizada:
Por isso ele [Fernando Pessoa] separa completamente a vida carnal da vida espiritual, não
admitindo a sua fusão, não admitindo, pois, a espiritualizadora sublimação da carnalidade
pura que eu defendo, concebendo uma verdadeira Carne-Espírito ou Vida Carnal
Divinizada como alta expressão do Furor ou Fogo aniquilantemente Criativo,
diabòlicamente Divino, de que falo nas minhas obras theometafísicas e nos meus poemas
profundamente místicos ou ascéticos.
(LEAL, 1970: 34)
numa interpretação sexual. Isto dá azo a que se possam escrever, a titulo de obras de
sciencia (que por vezes, de facto, são), livros absolutamente obscenos, e que se possam
“interpretar” (em geral sem razão nenhuma critica) artistas e escriptores passados e
presentes num sentido degradante e Brazileira do Chiado [cf. supra] – assim ministrando
masturbações psychicas á vasta rede de onanismos de que parece formar-se a mentalidade
civilizacional contemporanea.
Que Fernando Pessoa, concebendo o amor físico entre os sexos diferentes como uma brutal
realidade – uma “obscenidade” –, aceitava o amor físico entre o mesmo sexo como uma
serena e bela abstracção. Longe de mim insinuar, contudo, que no poeta de O Menino da Sua
Mãe houvesse claras provas de homossexualidade. Se homossexualidade havia, era apenas
platónica. Mas o que nele se manifestava, por certo, era uma sexualidade anormal.
(SIMÕES, 1991: 452)
É conhecido o grande amor que desde criança o prendeu a sua mãe. E não se ignora como
esse amor foi parcialmente frustrado pelo “intruso” e os outros “meninos da sua mãe”.
Muito bem pode ser que a frustração sexual do poeta de Antinous se filie nessa fixação
infantil da sua líbido numa imagem pura de mais para consentir a satisfação normal plena
do instinto da espécie. E então aí o temos perante as inibições que se pintam na sua obra e
na sua vida sempre que o instinto sexual entra em causa. Não amou qualquer monstro
Fernando Pessoa? É verdade. Mas também é certo que rigorosamente não amou ninguém.
Não teria, porém, sofrido qualquer desvio o seu instinto sexual? A bela, serena e lacrimosa
dor de Adriano perante o cadáver de Antinous não funcionará como elemento
por que procura o meu querido Amigo uma razão subtilmente psicologica, a meu vêr
injustificada, ou psicopatologica que ainda menos se pode justificar, da seriedade com que o
Fernando me defendeu no seu admiravel manifesto, se, de facto, a razão é clara sem ser
necessario ir-se buscar subtilezas de psicanalise, por vezes apenas conspurcadora, para a
explicar?
Sendo êsse artista um homem superior pela sensibilidade, pela inteligência e pela
imaginação, a literatura viva que êle produza será superior; inacessível, portanto, às
condições do tempo e do espaço. E é apenas por isto que os autos de Gil Vicente são
espantosamente vivos, e as comédias de Sá de Miranda irremediávelmente mortas; que
todos os livros de Judith Teixeira não valem uma canção escolhida de António Bôtto; que os
Sonetos de Camões são maravilhosos, e os de António Ferreira massadores; que um
pequeno prefácio de Fernando Pessoa diz mais que um grande artigo de Fidelino de
Figueiredo; que há mais fôrça íntima em catorze versos de Antero que num poemeto de
Junqueiro; e que é mais belo um adágio popular do que uma frase de literato.
(RÉGIO, 1927a: 2).
10É Sá-Carneiro quem o diz: “O que diz do Leal, curioso e certo, creio. É muita pena que o
rapazinho seja um pouco Orfeu de mais” (SÁ-CARNEIRO, 2015: 413).
1 Escrita a tinta preta nas duas faces de uma folha de papel de carta. É também disponível o
envelope que continha a carta, em cujo rosto se lê o endereço do destinatário: “Ex.mo Senhor | Dr.
Raul Leal | Ao cuidado do | Exmo Senhor Fernando Pessôa | Apartado 147 | Lisbôa”; no canto inferior
esquerdo figuram os dois selos, parcialmente cobertos pelo carimbo postal. No verso do envelope
lê-se o endereço do remetente: “Remette: | A de Telles Machado | 8 Ladeira do Seminario |
Coimbra”.
2 O “S” inicial de “Soi” sobreposto a um “s” minúsculo.
Alberto
Fig. 1a. Carta de Alberto de Telles Machado a Raul Leal de 11 de abril de 1924. Rosto.
Fig. 1b. Carta de Alberto de Telles Machado a Raul Leal de 11 de abril de 1924. Verso.
Não digo isso por querer á viva força colaborar na Pres. ou noutra revista
pois hoje só me interessa verd. concluir e espalhar no mundo2 a 3obra que ha de
iluminar o Fut. criando uma nova humanid. Mas é que já estou farto de esgrimir
com inimigos invesiveis. Que apareçam enfim4 á luz do dia atacando-me5 viol. de
frente como eu costumo atacar, em vez de me6 anavalharem constantemente7 pelas
costas para desaparecerem logo em seguida em alçapões sem me darem tempo a8
vêr donde vem a navalha. Hão9 de dizer depois que tenho a mania a pers.ção
quando de facto as pers.ões se acumulam a cada passo10 duma forma evidente ainda
que se empreguem nelas11 processos tenebraes, reles, cobardes e não claros como a
luz não só criadora mas tambem das [†]. E passar a vida a esgrimir com sombras
está-se tornando uma enorme chatisse!
1Fragmento de um rascunho de carta escrito por Raul Leal, a lápis, nas duas faces de uma lauda. O
documento apresenta uma única intervenção a tinta preta, resultado de uma revisão posterior.
Elementos presentes numa carta a ele dirigida por João Gaspar Simões, que traz o carimbo postal de
“23.12.36” e que se transcreve a seguir (a alusão de Simões a campanhas de calúnia de que Raul
Leal lamentava ser alvo, também referidas neste documento, e a menção acerca de possível
colaboração para a Presença) fazem supor que este diretor da revista coimbrã pudesse ser o
destinatário da carta preparada por Leal e que esta possa ser colocada cronologicamente logo antes
dessa epístola enviada por Simões a 23 de dezembro de 1936. Trata-se, contudo, de uma conjetura,
sendo possível que os mesmos temas fossem tratados na preparação de uma carta dirigida a outro
presencista – José Régio, por exemplo – em outro momento.
2 “e espalhar no mundo” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
3 Riscado entre “a” e “obra”, “minha”.
4 “enfim” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
5 “atacando-me” acrescentado na entrelinha superior, acima de “combatendo-me”, riscado.
6 “em vez de me” acrescentado na entrelinha superior, acima de “não passando mais a vida a”.
7 “constantemente” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
8 “a” sobreposto a “de”.
9O autor escreve inicialmente: “Passar a vida a esgrimir com sombras está-se tornando uma enorme
chatisse! E hão de dizer depois que tenho a mania a pers.ção quando de facto as pers.ões se acumulam
[↑ a cada passo] duma forma evidente ainda que se empreguem [↑ nelas] processos tenebraes, reles,
cobardes e não claros como a luz não só criadora mas tambem das [†].” (a parte final da frase não se
consegue ler por estar muito apagada, encontrando-se na margem inferior da página).
Posteriormente, o autor resolve inverter a ordem das duas frases escrevendo “2” no início da que
escrevera em primeiro lugar (“Passar a vida”) e “1” onde começa a segunda (“E hão de”); também
corrige o início das duas proposições, acrescentando “E” antes de “passar”, cuja inicial minúscula é
sobreposta á maiúscula, e riscando “E” antes de “Hão”, cuja inicial maiúscula é sobreposta á
minúscula. Ao mesmo tempo, traça duas linhas que ajudam a perceber a nova sequência das frases.
10 “a cada passo” acrescentado na entrelinha superior.
11 “nelas” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
12O autor escreve “Trata-se apenas”, depois risca “Trata-se” e acrescenta na entrelinha superior
“No aborrec. que sinto com isso trata-se”, acompanhado por sinal de inserção.
13 “poderoso” acrescentado na entrelinha superior, a tinta preta.
14 “do Além” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
15 “satisfazêl-a” substitui “realisal-a” por riscado e acrescento na entrelinha superior.
Não é esta ainda a carta que lhe quero escrever. Não quero, porém, deixar
passar mais um dia sem lhe responder. A sua carta deixou-me perplexo. Nunca eu
tive conhecimento de nenhuma espécie de calúnia posta a correr sôbre você, meu
caro Raul Leal. E não tome o meu silêncio e o facto de lhe não ter mandado a
Presença senão pelo que de facto se passou: perdi a sua direcção – pois estive três
meses fora de Lisboa e não sei onde me foram parar várias cartas recebidas nesse
entretanto. A sua carta recebida nas vésperas de partida de tal modo se sumiu –
carta, não – postal – que não mais lhe pus a vista em cima. Não tendo maneira de
saber para onde lhe mandar a Presença tive de praticar êste acto inqualificável de
lhe não enviar o número da revista em2 que você tão generosamente quizera dar-
nos a alegria de colaborar3. Não, meu caro Raul Leal, eu não conheço nenhuma
espécie de campanha contra si. E que conhecesse – em Lisboa tudo é possivel – eu
seria o primeiro a repudiá-la. Os homens que admiro estão acima de torpezas
mesquinhas ou sórdidas tipo Brasileira do Chiado. Mesmo quando admiro
sinceramente ponho a minha admiração acima das fraquezas humanas. Não tenho
o Raul Leal, além disso, por superior a todas as misérias que nos cercam. Dentro de
dias vou mandar-lhe o meu livro que deve aparecer dentro de pouco4. Estimo que
a sua fé no trabalho o não abandone nunca. Sem ela como viver neste país?
Até breve, meu querido Amigo. Perdoe a brevidade desta carta que não
tinha por fim senão manifestar-lhe a minha muito grande consideração e a minha
profunda estima.
Seu Camarada e admirador
João Gaspar Simões
1 Escrita a tinta preta em ambas as faces duma folha de papel de carta. É também presente na
Coleção Fernando Távora o envelope original, em cujo rosto figura o endereço do destinatário, a
tinta preta, “Ex.mo Senhor | Dr. Raul Leal | Rua Gonçalves Crêspo, 3 – 3.º Esq. | Lisboa”,
parcialmente coberto pelo carimbo postal, em que se lê a data de “23 DEZ 36”, embora o número
“6” não seja totalmente visível por se sobrepor ao “m” de “Ex.mo”. Na parte superior do rosto do
envelope figura também o selo postal. Na parte inferior, lê-se a assinatura, a lápis, do remetente,
“João Gaspar Simões”. Na parte superior do verso do envelope figura o endereço do remetente, a
tinta preta, “João Gaspar Simões | R. Joaq. Ant.º de Aguiar 7 / 4.º D.”, também parcialmente coberto
pelo carimbo postal. Aqui também se lê a data “23.12.36”, esta vez de forma mais clara.
2 “em” sobreposto a “a”.
3Deve tratar-se do número n.º 48, de julho de 1936, em que aparecera o primeiro capítulo do livro
em preparação Fernando Pessoa, precursor do Quinto Império, “Na glória de Deus”, última colaboração
de Raul Leal na Presença.
4Provavelmente, o livro a que Simões se refere é o romance Vida conjugal, segunda parte do ciclo
Uma História de Província, publicado em 1936.
Fig. 3a. Carta de João Gaspar Simões a Raul Leal de 23 de dezembro de 1936. Rosto.
Fig. 3b. Carta de João Gaspar Simões a Raul Leal de 23 de dezembro de 1936. Verso.
Fig. 3c. Envelope da carta de João Gaspar Simões a Raul Leal de 23 de dezembro de 1936. Rosto.
Fig. 3d. Envelope da carta de João Gaspar Simões a Raul Leal de 23 de dezembro de 1938. Verso.
Perdôe-me só agora lhe escrever. Muito e muito obrigado pelo seu livro,
“Novos Temas”,2 que me deu um intenso prazer intelectual. O seu subtilissimo
espirito critico, bem integrado em sua forma e substancia no génio portuguez, maravilha-
me sempre, desejando eu nunca perder as suas manifestações admiraveis3.
O João Gaspar Simões faz com a inteligencia o que os poetas portuguezes
dos ultimos 50 ou 60 anos fazem quasi sempre continuamente atravez da emoção.4
Eles procuram arrancar, com maior ou menor força, com maior ou menor
exaltação, com maior ou menor sofrimento, do intimo mais oculto do
subconsciente para as erguer ao dominio da expressão emotiva5 as vagas incertas
dum confuso, ontologicamente indefenivel – indefenivel por natureza, não apenas para
nós – oceano animico onde se debatem indecisamente os mais desencontrados
fantasmas do ser6 que formam o substrato movel, cheio de labyrinthicos fluxos e
refluxos, da nossa vida psychica, presentimento longinquo da vida vertiginica do
Além. É sempre atravez da emoção, mais ou menos pura, que os poetas
portuguezes dos ultimos anos, só muito débilmente presentidos7 nesse processus
mental tambem8 pelos antigos, arrancam assim do subconsciente para os seus
poemas maravilhosamente subjetivistas essas9 vagas confusas e obscuramente10
1Rascunho de carta escrito a tinta preta nas duas faces de uma lauda. O documento não é datado,
contudo a referência à receção do livro Novos Temas, de João Gaspar Simões, permite uma datação
aproximada, tendo sido publicado esse livro em 1938.
2 ““Novos Temas”,” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
3Leal escreve “as suas admiraveis”, depois risca “admiraveis” e acrescenta a seguir “manifestações
admiraveis”.
4 O autor escreve “continuamente.”, depois acrescenta “atravez da emoção.”; o “a” inicial de
“atravez” é sobreposto ao ponto escrito na linha depois de “continuamente”; o resto do acrescento é
escrito na entrelinha superior.
5 O autor acrescenta, na entrelinha superior, “para o dominio da expressão emotiva”, depois
sobrepõe “as” a “o” e continua escrevendo “erguer ao” abaixo do anterior acrescento, com um sinal
que indica o lugar de inserção.
6 Leal escreve “fantasmas da alma”, depois sobrepõe “o” ao “a” final de “da”, risca “alma” e
acrescenta “ser” na entrelinha superior”.
7O autor escreve “que os poetas portuguezes dos ultimos anos e muitos dos antigos”, depois risca
“e muitos dos antigos”, acrescenta uma vírgula depois de “anos” e escreve na entrelinha superior
“só muito débilmente presen-“ acabando esta palavra na linha inferior, onde continua a frase.
8 “tambem” acrescentado na entrelinha superior.
9 Depois de “essas” aparece riscado um início de palavra, provavelmente “fan”.
10 “obscuramente” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
R. L.
11O autor escreve “do noss”, depois risca o possessivo incompleto e acrescenta, na entrelinha
superior, “oceano”, continuando a escrever na linha.
12 “intimo, abysmico” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
13O autor escreve “tão subtil como o operar dum escalpelo”; depois risca “o” e acrescenta “um” na
entrelinha superior, risca “dum” e acrescenta “nervoso” na entrelinha superior, acompanhado por
sinal de inserção, finalmente acrescenta “de” na entrelinha superior da linha seguinte,
acompanhado por sinal de inserção.
14 Riscado, entre “do” e “subconsciente”, “nosso”.
15Riscada uma vírgula depois de “subconsciente” e acrescentado, na entrelinha superior da linha
seguinte, “humano,”, acompanhado por sinal de inserção.
16 “obscuro” acrescentado na entrelinha superior.
17 O autor risca uma vírgula escrita depois de “arrancar” e acrescenta, na entrelinha superior da
linha seguinte, “dos seus dominios ocultos,”, acompanhado por sinal de inserção.
18 O autor escreve “dar-lhes expressão, tornando-as”, depois risca “tornando-as” e continua
escrevendo, na linha seguinte, “iluminando-as”.
19A partir de “continuamente” até “sublimadas,” o autor escreve, por falta de espaço, na margem
esquerda, na vertical ascendente.
20O autor escreve “os poetas nossos, espelho”, depois acrescenta por baixo “cuja obra maravilhosa é
um”, com o “c” inicial de “cuja” a sobrepor-se à vírgula escrita depois de “nossos” e um traço curvo
a indicar o lugar de inserção do acrescento.
21 Daqui até ao fim da carta, o autor continua, por falta de espaço, na margem superior da página.
Fig. 4a. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [1938]. Rosto.
Fig. 4b. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [1938]. Verso.
Lisboa, 28/11/939.
Gostei muito de saber noticias suas. Infelizmente vejo que a sua situação
material não é boa. E mais infelizmente ainda lhe tenho a dizer que são poucas as
probabilidades de se arranjar qualquer colaboração para o Brasil. A única revista
onde tenho publicado artigos pagos é a Revista do Brasil, publicação mensal, onde,
ate agora, só apareceram ainda dois artigos meus. Vários escritores portugueses
têm colaborado nesta revista e para ela vou ver se é possivel mandar algum artigo
seu. Quem tem servido de intermediario para ela é o poeta Alberto de Serpa, a
quem vou escrever. Mas, como lhe dizia, as vantagens desta colaboração são
pequenissimas, pois só de ano a ano eles publicam os artigos. Quere dizer: só de
ano a ano daqui se podem receber uns 100.00! Quando o Diario de Lisboa suspendeu
o Suplemento literário escrevi para o Brasil – para o José Lins do Rêgo – pedindo-
lhe que me conseguisse uma colaboração regular e paga num jornal de lá. Foi isto
em Setembro. Até hoje espero resposta a essa carta que para maior brevidade
expedi de avião! Por aqui pode ver, Raul Leal, como eu sou considerado pelas
empresas jornalisticas do Brasil. De vez em quando um jornal que se intitula D.
Casmurro recorta artigos meus e de outros escritores portugueses dos jornais ou
revistas onde foram publicados e insere-os com o subtitulo pomposamente abusivo
(Especial para D. Casmurro). Como vê, os brasileiros são bem nossos filhos – nêles
refinaram os nossos próprios defeitos. Para êles a literatura continua a ser uma
mania de uns sujeitos maníacos que é legítimo explorar. Exactamente como cá se
diz que não é roubo roubar o Estado, lá e cá não se considera roubo roubar os
escritores. Temos de ser roubados e fazer outra coisa se não queremos morrer de
fome.
Também não são boas as notícias que lhe posso dar da Imprensa Nacional.
No momento presente e até que seja publicada uma reorganização em que eu ouço
falar há, pelo menos, cinco anos, que tantos são os anos que tenho de casa, é
expressamente proibido admitir pessoal. Nem eu nem o Salazar poderão, pois,
auxiliar o seu amigo emquanto êsse decreto não fôr revogado ou emquanto a
1 Escrita a tinta preta em ambas as faces de duas folhas de papel de carta. É também presente na
coleção o envelope que continha a carta. No rosto, figura o endereço do destinatário, a tinta
preta, “Ex.mo Senhor | Dr. Raul Leal | Rua Luciano Cordeiro, 85 r/c | Lisboa”, parcialmente
coberto pelo carimbo postal; no canto superior direito figura o selo. No verso do envelope
figura apenas o carimbo postal.
Fig. 5a. Carta de João Gaspar Simões a Raul Leal de 28 de novembro de 1939.
Rosto da primeira folha.
Fig. 5b. Carta de João Gaspar Simões a Raul Leal de 28 de novembro de 1939.
Verso da primeira folha.
Fig. 5c. Carta de João Gaspar Simões a Raul Leal de 28 de novembro de 1939.
Rosto da segunda folha.
Fig. 5d. Carta de João Gaspar Simões a Raul Leal de 28 de novembro de 1939.
Verso da segunda folha.
Fig. 5e. Envelope da carta de João Gaspar Simões a Raul Leal de 28 de novembro de 1939.
Rosto.
Fig. 5f. Envelope da carta de João Gaspar Simões a Raul Leal de 28 de novembro de 1939.
Verso.
Lisboa, 18/6/940
1 Escrita a tinta preta no rosto de duas folhas de papel de carta que têm, no canto superior esquerdo,
a marca estampada “Imprensa Nacional | de Lisboa | Biblioteca | N.º................”. A mesma marca
aparece no canto superior esquerdo do rosto do envelope que continha a carta, em cuja parte
superior são também visíveis o carimbo postal e o selo; por baixo figura, a tinta preta, o endereço do
destinatário: “Dr. Raul Leal | Rua das Salgadeiras, 40, 2º | Lisboa”; ao lado da indicação da cidade
lê-se a assinatura do remetente, a lápis, “João Gaspar Simões”. No verso do envelope figura apenas
a marca do carimbo postal.
Fig. 6a. Carta de João Gaspar Simões a Raul Leal de 18 de junho de 1940. Rosto
Fig. 6b. Carta de João Gaspar Simões a Raul Leal de 18 de junho de 1940. Verso.
Fig. 6c. Envelope da carta de João Gaspar Simões a Raul Leal de 18 de junho de 1940. Rosto.
Fig. 6d. Envelope da carta de João Gaspar Simões a Raul Leal de 18 de junho de 1940. Verso.
---------------------------------------------------------------
A transmutação da personalidade, então verdadeiramente sublimada, esp.al
de Fern. Pessoa enq. que Fern. P. nas outras personalid.s representa,
evidentemente, uma queda e de modo algum uma progressiva sublimação esp.dora.
Alv. de Campos, Caeiro e Ric. Reis são, sem duvida, pers.dades muito mais terrenas,
menos sublimadas do que a de F. P. enq. que2 propriamente F. P. ...
---------------------------------------------------------------
F. P. era dum arrojo intelal – se não fisico – verd. espantoso – como prova o
manifesto em minha defeza, assinado por F. P., não, é claro, por Alv. de Campos –
não se dispondo, pois, nunca, por principio algum, a esconder-se cobardemente
por detraz de pseudonimos – que então seriam verdadeiros pseudon. – quando
pretendia mostrar arrogancia e agressividade. A razão por que as Odes orfaicas e o
Ultimatum têm a assinatura de Alv. de Campos é prof. psicol., não sendo por
cobardia moral nem para mistificar o publico que F. P. assinou essas obras com
esse nome que não era o dele mas que também não era um simples pseud.imo. Alv. de
Campos, Caeiro e Ric. R. são tres person.dades dists. entre si e de F. P. que as criou,
tendo cada uma um3 carater proprio, bem pessoal apesar de estarem intimamente
ligadas por isso que Caeiro é o mestre sensacionista dos outros, tambem
sensacionistas a seu modo, e sendo, afinal, todas tres descends. dirétas de F. P. que
nelas vive certos aspetos psiqs., assim pers.icados, dele proprio (a aversão que F. P.
tinha por vezes ao esp. especul. e metaf. – fuga, evasão desse esp. por ancia oculta
de vida –, a qual o levava então, nesses momentos, a ser Caeiro) que era um ser
complexo, contradit., com varias facetas psicols. opostas, ainda que a dominante seja
a carateristicamente, puramente esp.ista, aquela que, por ser dom.ante, surgia
precisamente como sendo de F. P., propriamente F. P. Quando nos seus escritos ele
vive a alma de Alv. de Campos, tal como a caraterisou – e é esse o caso das Odes e
do Ultimatum – evidentemente tem que4 os assinar com esse5 seu heteron. e não
com o seu nome proprio que, nesse caso, seria descabido. A razão 6do emprego de
1 Escrito a tinta preta em ambas as faces de duas folhas de papel de carta e de uma lauda mais
estreita de papel de cópia. Os três suportes mostram, no canto superior direito do rosto, o número
de página, autógrafo, de “1” a “3”. O rosto da primeira folha apresenta na margem superior,
imediatamente à esquerda do número “1”, a indicação não autógrafa, a tinta azul, “Sobre F. P.”.
2 “que” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
3 O autor escreve “uma”, depois risca o “a” final e continua a escrever “carater”.
4 “que” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
5 O autor escreve “com seu”, depois risca “seu” e acrescenta “esse na entrelinha superior.
6 O autor escreve “A razão não é”, depois risca “não é” e continua escrevendo “do emprego”.
Fig. 7a. Apontamentos de Raul Leal [elaborados a partir de uma carta a Alberto de Serpa de
1 de dezembro de 1949]. Rosto da primeira folha.
Fig. 7b. Apontamentos de Raul Leal [elaborados a partir de uma carta a Alberto de Serpa de
1 de dezembro de 1949]. Verso da primeira folha.
Fig. 7c. Apontamentos de Raul Leal [elaborados a partir de uma carta a Alberto de Serpa de
1 de dezembro de 1949]. Rosto da segunda folha.
Fig. 7d. Apontamentos de Raul Leal [elaborados a partir de uma carta a Alberto de Serpa de
1 de dezembro de 1949]. Verso da segunda folha.
1Escrita a tinta preta em ambas as faces de dez folhas de papel de carta. A partir da segunda folha,
os rostos mostram, no canto superior direito, a numeração progressiva, autógrafa, de “2” a “10”.
11Início da porção textual que Raul Leal copia – com várias alterações – no segundo trecho do
documento transcrito anteriormente.
12 Fim da porção textual reproduzida, com várias alterações, no segundo trecho do documento
transcrito anteriormente, com a exceção da parte final, posta entre parênteses, que é tirada de outro
segmento textual desta carta.
13 “errada” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
14Início da porção textual que Raul Leal copia – ou melhor, sintetiza – na parte final, posta entre
parênteses, do segundo trecho do documento transcrito antes desta carta.
2
S/C Rua do Amparo, 24,
4.º E.
Lisboa
1 Rascunho de carta escrito a tinta preta nas quatro páginas de um bifólio de papel pautado e em
ambas as faces de seis folhas de papel de carta. Quer o bifólio, quer as seis folhas apresentam, no
canto superior direito da primeira página, o número progressivo, autógrafo, de “1” a “7”. Na
margem superior da primeira página do bifólio aparece, em posição central, a indicação escrita a
lápis, não autógrafa, “Sobre F.P.”. No canto superior direito do anverso da folha “7” (última página
do documento) aparece a indicação não autógrafa, escrita a esferográfica azul, “Capitulos sobre
F.P.”. O rascunho é acompanhado por uma nota de meta-arquivo, escrita por Fernando Távora: “O
original desta carta – aqui um rascunho – vem transcrito na revista PERSONA 7 pág. 54-57. O texto
é semelhante tendo aquele original um P.S. a mais. ...Mas eu creio – não será assim? – que o meu
‘rascunho’ é bem o original do original... Desculpe-me o Dr. Aucíndio possuidor do... 2.º original!
10/11/82. Curiosamente estive esta noite a falar, pelo telefone, com o Dr. Arnaldo Saraiva sobre esta
carta...”. O “possuidor do.. 2.º original” a que se refere Fernando Távora é o Dr. Aucíndio
Rodrigues da Silva, ilustre bibliófilo que facultou a publicação da carta no n.º 7 da revista Persona
(agosto de 1982), órgão do Centro de Estudos Pessoanos fundado e dirigido por Arnaldo Saraiva.
As poucas variantes textuais que esta publicação apresenta em relação ao rascunho que aqui se
transcreve, são assinaladas em nota de rodapé, precedidas pela abreviação Pers. De resto, a revista
comunica ter procedido à atualização da ortografia e à correção dela “em meia dúzia de casos”,
enquanto a presente transcrição mantém a grafia original. Não se consideram aqui as variantes
ortográficas, mas sim as variantes no uso de itálicos ou de maiúsculas/minúsculas.
2 Pers. Antes da morada, a carta enviada apresenta a data “23 e 24 de Julho | 1950”.
3O autor escreve “provavelmente” logo depois do travessão; posteriormente, acrescenta “e portant”
na entrelinha superior, risca este acrescento e escreve, na entrelinha inferior, “portanto,”; uma linha
curva liga o acrescento riscado na entrelinha superior à versão final escrita na entrelinha inferior.
4 “por” sobrescrito por cima de um travessão, anteriormente escrito.
disposição para continuar a sua carta. De facto, a frase é continuada na margem superior da página
(na vertical ascendente) onde o autor escreve: “impulso espontaneamente nobre que lhe veio então,
na verdade, do subconsciente, reconheceu que era necessario, absolutamente necessario, empregar
todo o seu grande prestigio de Intelectual e Artista <na defesa seria do>[↑ defendendo com
seriedade o] Homem que tinha sido conspurcado, pro-”; a frase é acabada na primeira página do
bifólio, ocupando o espaço que ficara vazio à esquerda do endereço e do início da carta: “curando [↑
<afinal>,] com a maior gravidade que o caso, só o caso requeria, erguer bem alto Aquele que a canalha
tão vilmente insultara. A razão da atitude [↑ nobilissima] do Fernando para comigo foi apenas esta,
sendo inutil procurar-se subtis razões psicanaliticas.” Posteriormente, como se tivesse de repente
encontrado mais folhas para continuar a sua carta, o autor riscou o que escrevera na margem
superior da quarta página do bifólio e no espaço disponível da primeira página, e prosseguiu a sua
escrita numa folha nova, passando a limpo o que acabara de escrever.
18 Riscada uma vírgula depois de “De facto”.
19 Pers. “Fêmea”.
20 Pers. “impuro, de metafisicamente”.
21 “tudo e muito mais” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
a escrita, risca o “a” final de “duma” e sobrepõe “genero” a “intel”, e continua a acrescentar “de
inteligencia”, sempre na entrelinha superior, acabando, por falta de espaço, na entrelinha inferior,
onde escreve “mesmo anormal,” ligado ao resto do acrescento por um traço curvo.
41 “Pois foi assim como passo a expôr-lhe.” acrescentado na entrelinha superior.
42O autor escreve “O nosso Ferreira Gomes ha muito que não ia a Cascaes,”, depois risca “ha muito
que” e acrescenta na entrelinha superior “havia muito tempo,”, com um sinal a indicar a inserção
depois de “Cascaes,”.
43 “em” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
44 “para” sobreposto a “a”.
45 “aquele” sobreposto a “o”.
46 Pers. “da pseudo-tragédia”.
47“impregnado de fluido magnético ou de od” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado
por sinal de inserção; “impregnado” aparece escrito por cima de outra palavra, que não
conseguimos decifrar.
48 “ou è” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
49 “provocar” substitui por sobreposição o anterior verbo “gerar”.
50 “diabolica” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
51 “Entretanto” sobreposto a “Então” (leitura conjeturada).
52 “mas inevitaveis” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
53“como amigo do pretenso suicida” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal
de inserção.
54 “para prestar declarações,” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de
inserção.
55“dos incomodos que lhe causara o mago-mistificador” acrescentado na entrelinha superior,
acompanhado por sinal de inserção.
56 “em resposta á dele” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
57 “subitamente” substitui “inesperadamente” por riscado e acrescento na entrelinha superior.
58 “mais ou menos” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
59 “para sempre” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
60 Pers. “na ocasião”.
61 Pers. “muitas vezes”.
62 “ou 36” acrescentado na entrelinha inferior.
63 “– ainda que não certo –” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de
inserção.
64“apesar de me encontrar muito melhor,” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por
sinal de inserção.
65 “julgava” substitui “supunha” por sobreposição.
66O autor escreve “até agora, em que está”, depois risca “em” e acrescenta, na entrelinha superior,
“até aos tempos presentes em”, acompanhado por sinal de inserção.
67O autor escreve “e lendaria que não se”, depois acrescenta “com” entre “lendaria” e “que” e
adiciona o “m” final ao pronome relativo
68 Pers. “não se deixou cegar – cegar pela sua vaidade”.
69 “o” substitui o artigo indefinido “um” por riscado e acrescento na sequência da escrita.
70 Pers. “mas restrita que”.
71 “ou do Tarot” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
72 “representativo” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
73 “Pratica,” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de inserção.
74 A desinênca “dora” de “Espiritualisadora” sobreposta à anterior desinencia “nte” de
“Espiritualisante”.
75 “se ainda publicar livros,” acrescentado na entrelinha superior, acompanhado por sinal de
inserção.
76 “deles” substitui “dos meus livros” por riscado e acrescento na entrelinha superior.
Material ou Materialisada78 que S. João, do79 Além, o atribuiu á Besta (dizem que o
Apocalypse é apócrifo, sendo obra dum monge medieval que viveu muitos séculos
depois de ter morrido S. João Evangelista. É esta uma das muitas interpretações
empiricas dos factos ocultos. Na realidade a famosa e formosissima80 Aguia de
Patmos, discipulo-amante do Verbo Incarnado,81 muitos seculos depois de ter subido ao
Seio Espiritual de Deus ou do Seu Verbo Divino, transmitiu a um medium medieval,
e82 com estylo sombriamente83 medievo apropriado, a Grande Profecia que é, pois, d’Ele,
não apócrifa,84 conhecida por Apocalypse, palavra grega que significa mesmo
profecia. Essa é que é a Verdade, não sendo, portanto, efectivamente85 apocrifo este
formidavel Documento Astral. A comunicação d’Ele,86 do Além87, ainda Lhe dá mais
Valor Oculto88. Tudo isto Eu afirmo porque o Sei!).
Agora, um conselho dum grande amigo seu e admirador. Se não crê
convictamente nos factos ocultos, é melhor não tratar deles e89 muito menos fazer
blague com eles pois isso pode ser perigosissimo para si e para a sua existencia, na
Terra ou no Astral. Se é muito perigoso mas então90 necessario por vezes91 fazer uma
Revolução no Mundo que transcende da Vida, criando-se novas forças astraes
redentoras – foi esse perigo tremendo que se concretisou no Calvario e em todas as
minhas cruentas provações que têm fundamentalmente uma origem astral, conforme
Raul Leal
Fig. 8a. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [julho de 1950].
Quarta e primeira página do primeiro bifólio.
Fig. 8b. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [julho de 1950].
Segunda e terceira página do primeiro bifólio.
Fig. 8c. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [julho de 1950].
Rosto da segunda folha.
Fig. 8d. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [julho de 1950].
Verso da segunda folha.
Fig. 8e. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [julho de 1950].
Rosto da terceira folha.
Fig. 8f. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [julho de 1950].
Verso da terceira folha.
Fig. 8g. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [julho de 1950].
Rosto da quarta folha.
Fig. 8h. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [julho de 1950].
Verso da quarta folha.
Fig. 8i. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [julho de 1950].
Rosto da quinta folha.
Fig. 8j. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [julho de 1950].
Verso da quinta folha.
Fig. 8k. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [julho de 1950].
Rosto da sexta folha.
Fig. 8l. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [julho de 1950].
Verso da sexta folha.
Fig. 8m. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [julho de 1950].
Rosto da sétima folha.
Fig. 8n. Rascunho de carta de Raul Leal a João Gaspar Simões [julho de 1950].
Verso da sétima folha.
BARRETO, José (2016). “Os destinatários dos panfletos pessoanos de 1923”, Pessoa Plural – A Journal
of Fernando Pessoa Studies, n.º 10, Outono, pp. 628-703.
LEAL, Raul (1970). O sentido esotérico da história (Coordenação, prefácio e notas de Pinharanda
Gomes). Lisboa: Livraria Portugal.
_____ (1959a). “As tendências orfaicas e o saudosismo”, Tempo Presente, n.º 5, setembro, pp. 17-24.
_____ (1959b). “As tendências orfaicas e o saudosismo. II”, Tempo Presente, n.º 7, novembro, pp.
39-48.
MARTINES, Enrico (2017). “José Régio, Raul Leal e a Presença: marcas epistolares de um diálogo
modernista”, Pessoa Plural – A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.º 12, Outono, pp. 82-133.
PEREIRA, José Maria dos Reis (1925). As correntes e as individualidades da moderna poesia portuguesa.
Coimbra: edição do autor.
PESSOA, Fernando (1998). Cartas entre Fernando Pessoa e os directores da presença. Edição e estudo de
Enrico Martines. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
RÉGIO, José (1994). “Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro”, Crítica e ensaio/2. Lisboa: Círculo de
Leitores, pp. 247-250
_____ (1927a). “Literatura viva”, Presença, n.º 1, Coimbra, 10 de março, pp. 1-2.
_____ (1927b). “Classicismo e modernismo”, Presença, n.º 2, Coimbra, 28 de março, pp. 1-2.
SÁ-CARNEIRO, Mário de (2015). Em ouro e alma – correspondência com Fernando Pessoa. Edição crítica
de Ricardo Vasconcelos e Jerónimo Pizarro. Lisboa: Tinta-da-china.
SIMÕES, João Gaspar (1991). Vida e obra de Fernando Pessoa. História de uma geração. Lisboa: Dom
Quixote. 6ª edição.
_____ (1977). José Régio e a história do movimento da “Presença”: autobiografia. Porto: Brasília.
_____ (1974). Retratos de poetas que conheci: autobiografia. Porto: Brasília.
_____ (1949). “No aniversário da morte de Fernando Pessoa”, Diário Popular, Lisboa, 30 de
novembro de 1949, pp. 4-5.
Palavras-chave
Resumo
Keywords
* Universidade do Minho, Instituto de Letras e Ciências Humanas.
** Universidad de los Andes, Departamento de Humanidades y Literatura; Universidade de Lisboa,
Centro de Estudos de Teatro.
Vizcaíno & Pizarro Novos Poemas e Documentos Inéditos
Abstract
Alberto de Serpa was an extraordinary collector. During his lifetime he put together a
considerable estate, a “personal archive” as he called it, made of letters, rare manuscripts,
photographs, typographical proofs and many other documents. The Municipal Public
Library of Oporto (Biblioteca Pública Municipal do Porto) keeps some 5884 documents of
his archive, which were acquired in a 1988 auction. Among the thousands of documents
one may find eleven autographs of Fernando Pessoa, besides an extra paper cutting signed
by Álvaro de Campos, sent by António Botto to Serpa as a token of friendship. We intend to
describe these few documents that Serpa “simply left there” in his great archive.
Considering several letters written by several contemporaries, such as Luís de Montalvor,
Branquinho da Fonseca, João Gaspar Simões, Silva Tavares, among others, it becomes
evident that Serpa was interested in acquiring autographs of Fernando Pessoa even before
the work of the famous Lisbon poet started to be published. Many other letters still, from
other correspondents, mention Pessoa and reveal curious details about the Poet.
Por ali passam as gerações, os vultos, de elevada ou reduzida estatura, que ergueram ou
ajudaram a dar corpo e feição aos movimentos literários a partir do século XIX. Herculano,
Garrett, Eça, Camilo, Antero, Castilho, João de Deus, Junqueiro, Cesário, Oliveira Martins,
têm aqui o seu lugar. E Bocage e a Marquesa de Alorna, um pouco mais atrás. E Eugénio de
Castro, Gomes Leal, Raul Brandão, Pascoaes, Afonso Duarte. E o primeiro modernismo,
com os seus chefes de fila – Pessoa, Sá-Carneiro, Almada. E todos os presencistas. E os neo-
realistas. E os surrealistas. E os “Cadernos de Poesia”. E a “Árvore”. E a “Távola Redonda”.
Escritores, poetas, músicos, pintores, actores, dramaturgos, filósofos, políticos, nacionais e
estrangeiros [...] desfilam aqui, no diálogo interpessoal e em larga manifestação da
curiosidade intelectual e dos rasgados interesses culturais do detentor deste prodigioso
acervo.
(FERREIRA, 1988: 7-8)
Poesia dactilografada, com emendas manuscritas, cremos que inédita, porquanto não
consta da Obra Poética de Fernando Pessoa, dada a lume em 1983, pela Aguilar, do Rio de
Janeiro.
Tem dois versos dactilografados, riscados e substituídos por outros, do punho do Poeta;
com uma estrofe completa recusada, porquanto, embora integralmente legível, foi riscada a
tinta, com traço diagonal serpenteante; por baixo da data, inteiramente manuscrita, tem
uma outra estrofe cujo primeiro verso, riscado, é o seguinte: “Aguia cuja asa aberta”; o
primeiro não riscado, mas ainda assim com palavras substituídas, está como segue: “Seu
vulto augusto é cheio de signaes”. Não está assinado, como grande parte dos autógrafos do
autor, mas sem qualquer dúvida de sua autoria.
Poesia dactilografada sobre meia folha de papel almaço azul, com uma emenda que, a
nosso ver, lhe garante a autenticidade de ter sido executada pelo próprio Fernando Pessoa.
Foi pela primeira vez publicada por João Gaspar Simões na sua História da Poesia Portuguesa
do Século XX e das suas mãos deve ter passado para as do poeta Alberto de Serpa, seu
íntimo amigo.
Poesia sem título e cujo primeiro verso fica transcrito, dactilografada sobre meia folha de
papel almaço azul em tudo semelhante ao que se descreve em seguida, com a mesma data,
executada na mesma máquina e que por essas razões, não duvidamos em atribuir a
Fernando Pessoa. Acresce ainda o facto de parte do quarto verso da segunda quadra estar
riscado e ter sido acrescentado um, manuscrito, à penúltima.
Poesia inédita, não integrada no Obra Poética de Fernando Pessoa, dada a lume no Rio de
Janeiro em 1983, pela Editora Nova Aguilar.
Título e data vêm ao alto de uma folha manuscrita por Fernando Pessoa em ambas as faces.
Não assinada.
São os dois sonetos cujo primeiro verso de cada um transcrevemos, pela primeira vez
publicados na revista “Centauro” e que na Obra Poética de Fernando Pessoa, Aguilar, Rio de
Janeiro, 19832, vêm estampados a págs. 61: “Aconteceu-me do alto do infinito“ e “Não sou
eu quem descrevo. Eu sou a tela.” Estes sonetos, no autógrafo de que nos ocupamos,
revelam ligeiras diferenças e algumas emendas do punho do Poeta, relativamente à última
obra citada.
Tem ainda esta folha uma outra poesia, que julgamos inédita, sem título e também com
emendas. É dela o primeiro verso que a seguir se transcreve: “É sempre bello o rio egual
que corre”.
Carta destinada a Alberto de Serpa, dactilografada mas assinada pela sua mão. “O muito
que tenho tido que fazer tem me até agora impedido de lhe escrever, quer agradecendo o
envio do seu livro Varanda, quer dizendo qualquer coisa, que de facto qualquer coisa seja,
sobre elle”, o que promete fazer nos próximos dias.
Interessante carta de António Botto para Alberto de Serpa, que assim começa: “Querido
Alberto de Serpa: – cheguei cansado e contente de o ouvir ser meu amigo. [...] Por agora vai
o pedacinho estupendo do nosso Alvaro de Campos”. Este “pedacinho” é um fragmento de
papel manuscrito a lápis e assinado “Alvaro de Campos”, medindo 5 × 9,8 cm., com sete
linhas, inédito, colado na 3.ª página da carta e cujas três primeiras linhas transcrevemos,
reservando para o seu autor para as restantes uma invulgar liberdade de linguagem: “Ora
porra! | Então a imprensa portugueza | é que é a imprensa portugueza?”
Realejo.
Com que ancia tão raiva Com que ancia tam raiva
10 Quero aquelle outr’ora! Quero aquelle outrora!
E eu era feliz?... Não sei... E eu era feliz? Não sei:
Fui-o outr’ora agora. Fui-o outrora agora.
[Athena]
O poema foi publicado, sem título, na página 83, no número 3 da revista Athena, em
Dezembro de 1924.
NOTAS
6 Não [← ? Nem]
Note-se que no exemplar da Athena conservado por Pessoa existe uma variante
possível: «? Nem» (PESSOA & VAZ, 1924-1925). Veja-se o fac-símile:
Para o estudo deste poema, talvez seja interessante reproduzir todos os textos
existentes no bifólio onde se encontra o testemunho manuscrito (Fig. 5; cf. Pessoa,
2009: 411-412 e 635):
Symbolismo
Re[garding] Beaunier
Para bem comprehender o symbolismo é preciso perceber o que elle é como phenomeno
literario, no encadeamento da historia literaria. D’onde nasce? Quasi que não nos dizem.
Quasi que o teem definido apenas como opposição, em relação áquillo1 contra o qual elle se
levanta, reagindo.
– Meros fios: o individualismo dos romanticos – o individualismo dos symbolistas; □
– O Symbolismo chegou muito cedo para aquillo a que veiu, para o que se dispoz fazer. A
ideação literaria não estava ainda adaptada á desintegração que o S[ymbolismo] lhe impoz.
(Impondo-lh’a, o S[ymbolismo] começa2 a creal-a) – Só agora chegamos á ideação precisa
para poder supportar sem desequilibrio essa desintegração...
Entre duas idéas ha sempre um caminho. O que pode ser é muito tortuoso e extranho. Entre
dois pontos o classicismo tira a recta. O romantismo a curva.
As poesias de Gustave Kahn não estão de accordo, absolutamente, com as suas theorias.
[2]
12/5/1913.
Realejo
[3]
Complexidade 12/5/123
[4]
Ó que dôr □
10 A gente sente-a e quere-a e não se importa
E embala em nossos braços a tristeza
Como mãe *sinto uma creança morta.
Realejo.
Com que ancia tam raiva Com que ansia tão raiva
10 Quero aquelle outrora! Quero aquelle outr’ora!
E eu era feliz? Não sei: E eu era feliz? Não sei:
Fui-o outr’ora agora. Fui-o outr’ora agora.
«Realejo» terá existido em duas versões muito semelhantes, mas terá prevalecido a
que foi publicada em vida do poeta.
Balladas de uma outra Terra, alliadas Balladas de uma outra terra, alliadas
Ás saudades das fadas amadas por Ás saudades das fadas, amadas por
[ gnomos idos, [ gnomos idos,
Retinem lividas ainda aos ouvidos Retinem lividas ainda aos ouvidos
Dos luares das altas noites aladas... Dos luares das altas noites aladas...
5 Pelos canaes barcas erradas Pelos canaes barcas erradas
Segredam-se rumos descridos... Segredam-se rumos descridos...
[BPMP, M-SER-934]
Ver a descrição anterior desta folha.
[Portugal Futurista]
Poema publicado em 1917, no número único da revista Portugal Futurista, no final da página
23. O título do poema passa a ser apenas Hiemal, ao contrário do título que consta da versão
manuscrita (espólio Serpa), em que aparece como título: A. (ou Hiemal).
Figs. 4 e 5. «Pobre aria velha» | «Pobre velha musica» (BNP/E3, 40-30 e 30a; bifólio).
Passos da Cruz encima a página, datada de 25-7-1914. Trata-se de 2 dos 14 sonetos, o V e VI,
que o poeta publicou sob esse título, em 1916, no n.º 1 e único de Centauro, revista
trimestral de literatura, dirigida por Luís de Montalvor, um dos companheiros de Orpheu
que, editado no ano intermédio [1915], deixou marca indelével no modernismo português.
No verso, nas duas metades da folha dobrada, pelo punho de Pessoa e de terceiro não
identificado, um poema e um soneto com os primeiros versos “Só, incessante, um som de
flauta chora,” e “Floriram por engano as rosas bravas”, de Camilo Pessanha. Publicados em
Novidades, o primeiro com o título “Ao longe os barcos de flores”, a 28-4-1900 e o segundo a
12-10-1899, foram também publicados, ainda que em versão diferente, nesse n.º de
Centauro.
Incorporado no Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea, a 19 de novembro do ano
corrente [2015], na Coleção Leonor Pombal, por doação de Albertine Frognier Santos, é
parte integrante de Poesie et graphologie: étude sur le graphisme de poètes portugais modernes et
contemporaines, reunindo para além deste manuscrito de Fernando Pessoa, mais três
dezenas de originais de vários autores de que podem ser exemplo Mário de Sá-Carneiro,
Teixeira de Pascoais, António Boto, José Régio, Miguel Torga, Sofia de Melo Breyner
Andresen, Natália Correia, David Mourão-Ferreira, Eugénio de Andrade, Ana Hatherly,
Herberto Hélder, Rui Belo, Rui Cinatti ou António Ramos Rosa.
(BNP, 2015)
[1]
[2]
Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela
E occulta mão colara alguem em mim. E occulta mão colara alguem em mim.
Puz a alma no nexo de perdel-a Puz a alma no nexo de perdê-la
E o meu principio floresceu em Fim. E o meu principio floresceu em Fim.
―
5 Que importa o tedio que dentro em mim gela Que importa o tédio que dentro em mim gela,
E o leve outomno, e as galas, e o marfim, E o leve outomno, e as galas, e o marfim,
E a congruencia da alma que se vela E a congruencia da alma que se vela
Com os sonhados pallios de setim? Com os sonhados pallios de setim?
―
Disperso... E a hora como um leque fecha-se... Disperso... E a hora como um leque fecha-se...
10 Minha alma é um arco tendo ao fundo o mar... Minha alma é um arco tendo ao fundo o mar...
O tedio? A magua? A vida? O sonho? Deixa-se...O tédio? A mágua? A vida? O sonho? Deixa-se...
[Centauro]
Poemas publicado em 1916, no número único da revista Centauro, nas páginas 72 e 73.
No mesmo autógrafo encontra-se ainda um outro soneto, inédito, que não chegou
a fazer parte do conjunto integrado na revista de Montalvor:
[BPMP, M-SER-933]
Ver a descrição anterior. Em anexo incluímos uns versos escritos depois do verso 5, isto é,
onde inicialmente terminava o poema. O soneto foi retomado no verso 6, com uma tinta
preta acastanhada.
Este não foi o único poema excluído do conjunto e contemplado como sendo parte
de «Passos da Cruz». Na sua tese de doutoramento «Pequenos infinitos em Pessoa:
uma aventura filológico-literária pelos sonetos de Fernando Pessoa», Carlos Pittella
(2012: 145 e 224) deu a conhecer os dois poemas seguintes:
P. da Cruz 3/6/1914
V
Uma folha de papel manuscrita a tinta preta. Poema datado e numerado como sendo parte
do ciclo «Passos da Cruz».
NOTAS
7 porque ha [↑ o haver] variantes alternativas.
8 (Pallido [↓ Que vago] o aspecto do teu <rosto> rosto terno!)
9 <louro> [↑ pedra e] louco ] sobre um traço cortado, indicando hesitação.
Contribuem estas achegas para uma futura reedição crítica do conjunto «Passos da
Cruz», sendo que já se conhece a localização de todos os testemunhos manuscritos
dos catorze poemas, salvo do soneto IX, «Meu coração é um portico partido». Pode
afirmar-se que o ciclo foi composto entre 28 de Novembro de 1913 e o ano de 1916,
excepto o soneto tardio de 1930, pois parece assinalar o início de um novo ciclo
com o mesmo nome. Inserem-se abaixo, em fac-símile, os sonetos X e XI,
reproduzindo o autógrafo do espólio Alberto de Serpa e duas páginas da revista
Centauro. Estes poemas, tal como «Realejo» e «Hiemal», são fundamentais para
estudar a poesia ortónima anterior e contemporânea à criação dos heterónimos.
18Jorge Nemésio, baseando-se na anterioridade dos dois primeiros planos deste livro em relação aos de Portugal,
considera que “foi a partir de Legendas que Fernando Pessoa elaborou pouco a pouco Portugal ate publicar
Mensagem”. A Obra Poetica de Fernando Pessoa, Bahia, Portuguesa Editora, 1958, p. 30. Cf. também a existência de
uma folha manuscrita com o plano de um Livro de Legendas, Catálogo da Colecção de Manuscritos reunida pelo Poeta
Alberto de Serpa, Porto, 1988, p. 152.
(PESSOA, 1993: XLVII)
Porém, Pessoa, dotado dum alto poder de sensibilidade, imaginação e intuição não podia
deixar de realçar a contribuição de todos esses e outros poetas e inspirados (místicos,
bardos e trovadores) para o desvendar das origens do Universo e para a génese anímica de
Portugal. E, de valorizar assim, no fundo, a alma popular, o povo, com os seus romances, as
suas orações e canções, as histórias contadas aos deuses possíveis, e que os invocaram e os
creavam, ou seja, que faziam com que o Um e as suas múltiplas hierarquias fossem
recebidos pela terra física. A legenda significava também isto: o que foi narrado, falado,
suscita efeitos transformantes nos intervenientes de tal acto mágico. Para Fernando Pessoa,
as legendas, ainda que baseadas em factos, heroicos ou espirituais, eram mais míticas e
elaboradas que as lendas, e provinham de duas fontes: a popular e a da “determinação
inteligente de quem as forma”. E, por isso, para além da Mensagem escreveu um livro de
Legendas de que nos restam apenas fragmentos. Personagens como Aquiles e Ulisses,
Alexandre e Carlos Magno; Buda, Jesus Cristo e Apolónio de Tiana; Rei Artur, Galaaz,
Lancelot, Tristão e Isolda e Merlim, faziam parte. Num dos textos introdutórios diz: “o
produzir comtemplação é o fim supremo de toda a arte” (1).
(1) É na bibllioteca de Alberto Serpa que se encontra o manuscrito com o plano geral da obra.
(PESSOA, 1998: 92-93)
Livro de Legendas.
4 Veja-se PITTELLA (2017), «Juliano Apóstata: um poema em três arquivos».
15-1-1920.
[BPMP, M-SER-928]
Pertencente ao espólio de Alberto de Serpa, à guarda da Biblioteca Pública Municipal do
Porto. Metade de uma folha com linhas azuis, acinzentada, com um vinco de dobra vertical,
a meio da folha em relação ao textodatilografado.Verso da folha em branco, com marcação
da cota [M-SER-928]. Carimbo da Biblioteca no rosto da folha, no canto superior direito.
NOTAS
Nem no grito [...] Pessoa concebe a libertação senão como “música” que sem falar nos
arrastra para a sua sonora e equívoca revelação. Não é crível que esse grito continuamente
diferido e jamais realmente pronunciado, seja apenas o grito de amor recusado à criança
ultra-sensível, “monstro de ternura humana”, condenada a passar a vida entre uma
piedade demente por si mesma e um ódio surdo a tudo e a todos, com indefinida viagem
de ida e volta entre uma e outro.
(LOURENÇO, [1973] 2000: 129)
De 15 de Janeiro de 1920, são um poema inédito, cujo incipit é «A dor que me enche
a alma e faz que em vão» (Fig. 23 e 24), e um poema édito, em três partes, chamado
«Madrugadas» (Figs. 25 a 30). Como se verifica nos fac-símiles, estes poemas e
outros afins (Figs. 31 a 34) foram dactilografados no mesmo tipo de suportes
materiais.
15-1-1920.
[M-SER-931]
Pertencente ao espólio de Alberto de Serpa, à guarda da Biblioteca Pública Municipal do
Porto. Metade de uma folha com linhas azuis, acinzentada, com um vinco de dobra vertical,
a meio da folha em relação ao texto datilografado. Carimbo da Biblioteca no canto superior
direito. Verso da folha em branco, com marcação da cota [M-SER-931]. Inédito.
NOTAS
1 en<x>/c\he
8 amar<g>o
9 Fel da desgraça. <(Vil da desgraça).> ] a variante foi riscada.
Fig. 23. «A dor que me enche a alma e faz que em vão» (BPMP, M-SER-931).
Fig. 24. «A dor que me enche a alma e faz que em vão» (BPMP, M-SER-931).
No canto inferior esquerdo figura a cota.
Fig. 25. «Em toda a noite o somno não veiu. Agora» (BNP/E3, 117-44r).
Fig. 26. «Em toda a noite o somno não veiu. Agora» (BNP/E3, 117-44v).
Fig. 27. «Manhã dos outros, ó sol que dás confiança» (BNP/E3, 117-35r).
Fig. 28. «Manhã dos outros, ó sol que dás confiança» (BNP/E3, 117-35v).
Fig. 31. «A dor, que me tortura sem que eu tenha» (BNP/E3, 58A-3v).
Fig. 32. «A dor, que me tortura sem que eu tenha» (BNP/E3, 58A-3v).
Fig. 34. «A dor, que me tortura sem que eu tenha» (BNP/E3, 44-18v).
Contudo, até aos últimos instantes de presença terrena, o seu espírito manteve-se num
quási permanente estado de possibilidade de criação, aberto e atento para os mais ciciados
ou longínquos apelos da Poesia.
Suponho que exemplifica e suficientemente confirma êste esbôço de definição, o que passo
a contar: – Uma tarde, em 1926, encontrei-o numa rua da Baixa; tinha acabado de apear-se
dum eléctrico e disse-me o seguinte: – Durante o trajecto, na plataforma, aconteceu-me esta
poesia; quere ouvir? – E recitou-me o poemeto que vou ler [...]:
Dizem?
Esquecem.
Não dizem?
Dissessem.
Fazem?
Fatal.
Não fazem?
Igual.5
Porquê6
Esperar?7
― Tudo é8
Sonhar.
Era assim, Fernando Pessoa: ― mais poeta na plataforma dum eléctrico, do que a maioria
daqueles que afirmam que a Poesia, para dar-se, necessita de ambiente especial.
(QUEIROZ, 1936: 18-19)
Segundo Carlos Queiroz, Pessoa teria produzido este poemeto em 1926, não
fazendo qualquer referência ao mês e ao dia, apenas mencionando que fora durante
a tarde. Não sabemos se, na altura, Pessoa passara estas palavras para o papel ou se
se limitara a recitá-las de cabeça, registando-as mais tarde. O que sabemos é que do
poema existem pelo menos mais dois testemunhos (daí as notas de cotejo), e que
um se encontra assinado e outro datado, não de 1926, mas de DEZ. 1927 / JAN. 1928
(Figs. 35 a 38). Transcrevemos o primeiro, localizado no espólio Serpa:
5 Manuscrito & M-SER-930: Egual.
6 Manuscrito & M-SER-930: Por quê.
7 Manuscrito & M-SER-930: Sperar?
8 Manuscrito & M-SER-930: Tudo é
Dizem?
Esquecem.
Não dizem?
Dissessem.
5 Fazem?
Fatal.
Não fazem?
Egual.
Por quê
10 Sperar?
Tudo é
Sonhar.
DEZ.27/JAN.28
e valeu a
pena!
[M-SER-930]
Pertencente ao espólio de Alberto de Serpa, à guarda da Biblioteca Pública Municipal do
Porto. Uma folha de papel liso amarelecido e com algumas manchas. Um pronunciado
vinco de dobra horizontal, a meio da folha. No rosto da folha, no canto superior direito, o
carimbo da Biblioteca. Verso da folha em branco, com marcação da cota [M-SER-930]. No
canto inferior esquerdo, a lápis, «Cancioneiro?».
Este poema foi publicado primeiro em 1936, por Carlos Queiroz, e depois
em Poesias (1942), por João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor. Anos mais tarde, e
não tendo entrado numa edição da Imprensa Nacional-Casa da Moeda por não ter
sido publicado com uma data, ficou entre os poemas não-datados do volume Poesia
1931-1935 e não datada (PESSOA, 2006: 545). Este poema tem sido mal editado.
Identificam-se vários problemas: a ausência de uma data, a não-atribuição de cota
por parte dos editores, a constante referência à Homenagem de 1936, além da não-
inventariação do testemunho manuscrito existente no Martinho da Arcada (Fig.
38).
Se estudarmos o manuscrito, o quarto verso deve ser, pela rima e pela
paleografia, «Dissessem» e não «Disseram», como figura em quase todas as edições
de textos de Fernando Pessoa. Urge fazer esta correcção, tal como Cleonice
Berardinelli recomendou oralmente em diversos seminários:
Dizem?
Esquecem.
Não dizem?
Disseram. Dissessem.
Figs. 39 e 40. Ver o número 58, «Tudo» (Dizem? Esquecem) (BNP/E3, 48-31).
Ási vezes, em sonhos distraídos1, que me surgem das esquinas2 do pensamento eii da
emoção, visiono amores. Uma vez me encontro desenrolando um enredoiii de uma paixão
correspondida por uma tuberculosa genio, que havia escrito o seu livro imortal na
esperança de não sei quê, sempre, assentada3, áiv janela da casa caiada. Outras vezes é a4
marqueza, que morav na quinta alta, que,5 quando me conheceu residente perto6 de ali onde
eu nunca estaria, me atraivi a si sem querervii; o nosso amor desenvolve-se sem historiaviii, e
haix uma grande conclusão7. Outrax vezes8 aindaxi o romantismo deixa as tuberculosas9 e a
aristocracia, e há10 uma grande simplicidade nos desejos sonhados: ela foi encontrada entre
a vida como uma flor entre11 ervas altas, colhi-a12 para o meu lar limpo e lindo, e a nossa
9O confronto de 94-81 e 94-84 (Figs. 42 e 43) encontra-se no segundo tomo do Livro do Desasocego
(PESSOA, 2010: II, 1029).
[M-SER-929]
Pertencente ao espólio de Alberto de Serpa, à guarda da Biblioteca Pública Municipal do
Porto. Uma folha de papel liso amarelecido e com manchas. Um pronunciado vinco de
dobra horizontal, a meio da folha e outro na vertical, menos visível. Verso da folha em
branco, com marcação da cota [M-SER-929]. No topo da folha, escrito a lápis «― Inédito
―»; no canto superior direito «3», a lápiz azul e sublinhado, à esquerda do carimbo da
Biblioteca. Assinatura em dois tempos (ver nota 27), manuscrita. Texto inserido em algumas
edições do Livro do Dessassocego; mas não em todas nem na edição crítica de 2010.
NOTAS
1 distra<i>/í\dos
2 e<d>/s\quinas
3 <*oio>/assen\tada
4 <na>/a\
5 que[→,]
6 p<r>/e\rto
7 conclu[↑s]ão
8 Outra vezes ] no original.
9 tuberc<o>/u\losas
10 há ] desta vez, com acento.
11 ent<e>/r\e
12 colhi<a>/-\a
13 até ] com duplo acento, nas letras «t» e «e».
14 sinceridades , ] no original.
15 complexos , ] no original.
16 <desjo> [↑ regresso] emenda manuscrita a tinta preta esverdeada.
17 mente de dentro ] no original.
18 mesma [→ coisa] emenda manuscrita a tinta preta esverdeada.
19 cont<ra>/ar\ ] emenda manuscrita a tinta azul.
20 vezes[→,]
21 pr<i>/í\ncipes ] acento acrescentado à mão.
22 acord<o>/a\[↑do]
23 baix<a>/o\
24 nudez , ] no original.
i BNP/E3, 94-81r: Ás
ii BNP/E3, 94-81r: [↑ e]
iii BNP/E3, 94-81r: enrêdo
iv BNP/E3, 94-81r: <e>/à\
v BNP/E3, 94-81r: móra
vi BNP/E3, 94-81r: <que metrai> me atrai
vii BNP/E3, 94-81r: q uerer
viii BNP/E3, 94-81r: história
ix BNP/E3, 94-81r: há
x BNP/E3, 94-81r: Outras
xi BNP/E3, 94-81r: ai<l>/n\da
xii BNP/E3, 94-81r: af<f>ago
xiii BNP/E3, 94-81r: enrêdos
xiv BNP/E3, 94-81r: distração
xv BNP/E3, 94-81r: pesadêlo
xvi BNP/E3, 94-81r: disperto
xvii BNP/E3, 94-81r: [↑d]o
xviii BNP/E3, 94-81r: a|mesma
xix BNP/E3, 94-81r: fras<i>/e\ada
xx BNP/E3, 94-81r: ridícula
xxi BNP/E3, 94-81r: às
xxii BNP/E3, 94-81r: Às
xxiii BNP/E3, 94-81r: prince<s>/z\as
xxiv BNP/E3, 94-81r: tôdo
xxv BNP/E3, 94-81r: riu
xxvi BNP/E3, 94-81r: vêr
xxvii BNP/E3, 94-81r: d<e>/a\
Vítima, como diz e prova a história, de difamação indizível, de invejas mesquinhas, por
parte daqueles a quem a sua grandeza fazia sombra, vem Afonso de Albuquerque, o
segundo vice-rei da Índia, “a maior figura da história de Portugal no Oriente” [Dicionário da
História de Portugal – Dirigido por Joel Serrão (Porto: Iniciativas Editoriais, 1979), Vol. I, p.
74.], a cair na desgraça do Rei D. Manuel e a morrer nessa situação. Ele, que foi a justiça em
pessoa, que tinha o condão de se fazer temer, respeitar e amar de amigos e adversários (só
assim poderia ter construído o império que construiu), só viu, nos últimos anos de vida, “a
injustiça e a sorte.”
Dum estoicismo lendário, dum espírito de fidelidade a toda a prova ao seu Rei e senhor, e
de um desprendimento de asceta das coisas do mundo, é indiferente à “vida e à morte.”
Mais poderoso e mais rico, na realidade, do que o Rei a quem servia, fácil lhe teria sido
fazer-se proclamar rei do Oriente, mas não o fez [...]
(CIRURGIÃO, 1990: 140-141)
Affonso de Albuquerque.
10-7-1934.
[BPMP, M-SER-927]
Pertencente ao espólio de Alberto de Serpa, à guarda da Biblioteca Pública Municipal do
Porto. Folha lisa, amarelecida com um vinco de dobra horizontal, a meio da folha.
Datilografada e manuscrita a tinta preta, com correcções. Verso da folha em branco, com
marcação da cota [M-SER-927]. Canto superior esquerdo ligeiramente rasgado, com marca
de agrafo ou clip. Carimbo da Biblioteca no rosto da folha, no canto superior direito.
NOTAS
AFFONSO DE ALBUQUERQUE
1 de Junho de 1929.
14 Essa colecção não se encontra hoje no espólio de Alberto de Serpa.
15 Alberto de Serpa não publicou nenhum livro nos anos de 1929 e 1930.
Na segunda carta, enviada cerca de dez meses antes de falecer, Pessoa agradece a
oferta do livro de Alberto de Serpa, Varanda (que hoje faz parte da biblioteca
particular, cf. SERPA, 1934), e desculpa-se por não ter ainda feito uma crítica ao
livro, pedida por Serpa.
[BPMP, M-SER-936]
Carta datilografada, a tinta preta, numa folha de papel lisa. Tem três emendas manuscritas
a caneta azul. Carta assinada pelo punho do poeta também a tinta azul. Apresenta um
vinco de dobra na horizontal, a meio da folha. O verso da folha está em branco. Pertence ao
Espólio de Alberto de Serpa, à guarda da Biblioteca Pública Municipal do Porto, com a cota
«M-SER-936”. Em bom estado de conservação.
NOTAS
1 tem me<,> até ] emenda manuscrita a tinta azul.
2 lhe<s> ] emenda manuscrita a tinta azul.
3 a<->/p\[→ -]preço, ] emenda manuscrita a tinta azul.
Ora porra !
Então a imprensa portugueza
é que é a imprensa portugueza?
Então é esta merda que temos
que beber com os olhos?
Filhos da puta ! Não, que nem
ha puta que os parisse.
Alvaro de Campos.
10 de Junho de 1947
Dia de Camões
Querido Alberto Serpa: cheguei cansado e contente de o ouvir ser meu amigo. O livro
seguirá em breve. O livro e o resto da promessa. Por agora vai o pedacinho estupendo do
nosso Alvaro de Campos. Escreva-me depois desta, mas na volta do correio a dizer-me se
gostou de ouvir o seu velho amigo. Abraça-o com ternura e alma o seu
[BPMP, M-SER-937]
Carta manuscrita, a tinta preta, num bifólio amarelado de folhas lisas de papel de amaço, com
marca d’água. Apresenta dois vincos de dobra na horizontal: um na parte superior e outro a meio
da folha. Apresenta um corte ligeiramente irregular em algumas das extremidades. A segunda e a
quarta folhas estão em branco. Pertence ao Espólio de Alberto de Serpa, à guarda da Biblioteca
Pública Municipal do Porto, com a cota «M-SER-937». Em bom estado de conservação.
À primeira vista, não deixa de ser estranho que, perante a dimensão tanto
qualitativa como quantitativa do espólio, somente se encontrem aí dez autógrafos
de Fernando Pessoa e «um fragmento de papel manuscrito a lápis e assinado
Alvaro de Campos», oferecido por António Botto a Alberto de Serpa.
Considerando apenas o epistolário deste imenso espólio (porventura um
dos mais completos no registo das correspondências portuguesas), encontra-se um
volume impressionante de cartas dirigidas não só ao poeta do Porto, como também
cartas de terceiros. Um olhar mais detalhado sobre a correspondência enviada a
Alberto de Serpa prova que muitos conhecidos, amigos ou apenas contemporâneos
de Fernando Pessoa se corresponderam com o escritor portuense. Nesta extensa e
variada correspondência, as referências ao poeta de Mensagem são recorrentes.
Procedendo ao cotejo das cartas enviadas ao multifacetado poeta portuense,
selecionamos aquelas (na sua grande maioria, inéditas) que se referem direta ou
indiretamente a Fernando Pessoa, com o intuito de melhor percebermos a ligação
Serpa-Pessoa.
Para além da carta supramencionada, a correspondência de António Botto
contabiliza um «conjunto de 160 cartas, bilhetes e pequenos bilhetes e 20 postais,
todos dirigidos ao Poeta Alberto de Serpa» (FERREIRA, 1988: 30), tendo esta troca
epistolar ocorrido entre Janeiro de 1930 e Setembro de 1954. Uma semana após a
morte de Fernando Pessoa, em carta dirigida a Serpa, datada de «8-12-35»,
confidenciava António Botto:
Hoje, – confesso-lhe, sem vaidade –, sinto que não perdia nada se ainda esperasse mais
algum tempo. O que ainda lhe falta de experiência viva, só se desculpa por ser um livro da
adolescência. Não diga que sou exigente... Mais exigente do que eu, foi o Cesário Verde,
que não chegou a ver o seu livro publicado, – e era o poeta que nós sabemos. Pregunte ao
Fernando Pessoa quanto lhe custou consentir que lhe publicassem a “Mensagem”...
16O livro consta da biblioteca particular de Fernando Pessoa. No espólio serpiano está depositado o
original dactilografado «que serviu na tipografia», oferecido por Carlos Queiroz ao poeta do Porto.
Quanto à colaboração póstuma do Fernando Pessoa, falarei nisso ao João, logo que saia.
Não sei se o cunhado estará disposto a dispensar qualquer inédito, mas experimenta-se. Por
hoje, mando-lhe a copia das palavras que êle escreveu sôbre o meu “Desaparecido”,
pouquissimos dias antes de morrer, as quais se destinavam a ser publicadas no nº 4 do
“Sudoeste”, que não chegou a sair, como sabe.
Creio que foi a sua última composição em prosa. (Em verso, ouvi falar numa poesia que
ditou ou escreveu pouco antes de morrer, mas ainda não consegui averiguar o facto).
Se achar interessante a publicação dessa pequena nota crítica, publique-a.17 Por mim, com a
maior franqueza lhe confesso que não faço grande empenho nisso, porquanto a destinava a
prefácio de uma segunda edição do “Desaparecido”. Mas não vejo inconveniente em que o
seja, depois de publicada na Revista, – ou na “Presença”.
No caso de ser publicada, parece-me conveniente explicar o destino que o Poeta lhe dava,
quando a escreveu.
Seja ou não seja publicada, peço-lhe encarecidamente a devolução dessa cópia.
17No número 2 da Revista de Portugal, apareceu, em 1938, na secção «Jornal» (p. 339), uma crítica de
Pessoa ao livro do jovem poeta Carlos Queiroz, com o título «Uma opinião de Pessoa. | Entre os
papéis de Fernando Pessoa foram encontradas estas linhas sôbre o Desaparecido de Carlos Queiroz.
Destinadas ao número 4 da revista Sudoeste, que Almada Negreiros dirigiu e que infelizmente
acabou, aqui as publicamos com prazer, como um dos últimos escritos do grande poeta: | A beleza
do livro começa pelo livro. A edição é lindíssima. A beleza do livro continua pelo livro fora: os poemas são
admiráveis».
18Existe, no entanto, pelo menos uma carta de José Régio dirigida a Mário Saa, com local e data
«Coimbra | Terça-feira | 1928», na qual Régio faz referência a Fernando Pessoa: «Meu caro Mario
Saa: | Muito obrigado pela sua carta, pelas suas palavras verdadeiramente de amigo... por tudo!
Incluindo, e principalmente, a sua colaboração. Quando ela chegou, a Presença estava já distribuída
e quasi composta: motivo porque não pude publicar tudo o que era seu [...] A minha vontade e
mesmo o interêsse do jornal são enrodilhados em tantas coisas!... Uma delas é a preocupação de dar
à folha uma certa apresentação gráfica. Também o quadro bibliográfico em que eu lhe falara, e para
o qual lhe pedira uma Tábua das suas obras, não poude sair: Eu queria publica-lo bastante
completo, e o Fernando Pessoa, que tem muitas preocupações, não chegou a tempo: De modo que o
ensaio bibliográfico está adiado para o próximo número da Presença». Espólio Alberto de Serpa,
cota Nº INN. 45E.
19Não foram incluídas no «Catálogo da preciosa colecção de manuscritos reunida pelo poeta
Alberto de Serpa», elaborado por Manuel Ferreira, reputado livreiro-alfarrabista do Porto que
tratou do leilão do espólio serpiano, em 1988, adquirido depois pela BPMP. Ao que tudo indica, as
cartas que José Régio escreveu ao amigo Alberto de Serpa ficaram na posse do destinatário, que
viria a falecer em 1992, aos oitenta e cinco anos. O acervo epistolar passou para as mãos dos
descendentes de Alberto de Serpa e, em 2005, a pedido da família, foi posto à venda novamente por
intermédio da Livraria Manuel Ferreira. Contudo, o negócio não seguiu e, em 2008, haveria um
novo leilão. As câmaras de Vila do Conde e Portalegre acabariam por comprar, em conjunto, este
espólio. Vejam-se algumas notícias a este respeito (QUEIRÓS, 2008a & 2008b).
P. S. Não vejo possibilidades de arranjar inéditos de Pessoa. Há muito que não trabalho
com o Montalvor na catalogação dos seus papéis. Seria preciso pedir à família. Para isso, só
estando em Lisboa. Talvez em Setembro.
(M-SER-1249 [47])
Quanto a Fernando Pessoa, acho bem esta nota. É justa... As informações que te posso dar
são as seguintes. A família de Pessoa convocou os amigos do Fernando êste inverno e
Não sei como arranjar-te a colaboração de Pessoa. Não é o Gomes Ferreira (Ferreira Gomes)
digo, quem está encarregado dos papeis de Pessoa. É bom fazeres mesmo uma rectificação
no proximo numero da revista. Quem está encarregado com o Montalvor e eu dos papeis
de Pessoa é um seu cunhado, cujo nome me não ocorre: Capitão qualquer coisa. Mas como
nada temos tratado das coisas de Pessoa – por descuido do Montalvor – não tenho coragem
para ir pedir ao Capitão qualquer colaboração de Pessoa. Tens de esperar para o outro
número.
(M-SER-1249 [57])
Dois meses mais tarde, em carta datada de «15/2/938», Gaspar Simões volta
a reforçar a ideia:
Sobre o Montalvor, afigura-se-me não dever contar com ele – melhor: é bom não estares à
espera dos poemas.
Montalvor anda todo absorvido pela Historia da Expansão Portuguesa, que lhe está a dar um
grande prejuízo. Não vejo maneira de o ver interessar-se pela catalogação dos papeis de
Pessoa. Ora, sem essa catalogação, não é possível arranjar a colaboração que pedes.
(M-SER-1249 [70])
Sem notícias tuas há muito estava disposto a escrever-te quando recebi a tua carta. Cheguei
a julgar que te tivesses esquecido de mim... Calculo que a Presença te tenha dado muita
massada. O primeiro numero tem coisas boas, mas tem alguns senãos. A capa é um pavor.
É preciso modificar isso. Vou escrever ao Régio sobre o assunto. O Roberto Araujo está a
estudar uma capa que não nos envergonhe.
Mando-te aqui um ramalhete de poesias magnificas de Pessoa, que é bom virem todas na
proxima Presença. Estamos a trabalhar na edição; é provável que a Presença possa editar o
Caeiro e o Alvaro de Campos. Estamos a estudar o assunto, pois o Montalvor propõe-se
editar o Cancioneiro. Dentro de pouco te darei notícias sôbre isso.
(M-SER-1249 [111])
Não lhe respondi imediatamente à sua carta por me encontrar fora de Lisboa. O pretexto
que a ditou já era do meu conhecimento por intermédio do Vitorino Nemésio. O vosso
assunto é meu tambem pelo inegualavel prazer de se tratar do Fernando Pessoa.
A sua colaboração a inserir na “Revista de Portugal” interessa-me igualmente. Tudo que
sirva a eternidade do Fernando me é obrigado por dever e por amor! Mas – o que eu disse
ao Vitorino, por carta, repito-o agora, novamente, ao meu Prezado Amigo.
Como deve saber, eu e o João Gaspar Simões temos a incumbencia de coligir a obra do
Fernando Pessoa, na posse de pessoa de família do Poeta.
As nossas vidas, de trabalho constante, de tempo tomado por obrigações oficiais, têm
impedido, com tristeza nossa, de tomarmos contacto devido e urgente com a obra do
Fernando. Um material literário abundantíssimo, de vária espécie, grande parte escrito em
20Ver carta datada de 15 de Setembro de 1937, aqui transcrita, enviada por Gaspar Simões a Alberto
de Serpa. Nela, Gaspar Simões descreve como se fez essa escolha.
Uma carta enviada por Montalvor a Serpa com indicação «Lisboa, 9-3-941»,
que transcrevemos parcialmente, menciona, pela primeira vez no acervo por nós
cotejado, o número 3 da revista Orpheu. Em resposta a uma indagação de Alberto
de Serpa a esse respeito, a resposta de Luís de Montalvor é categórica:
Fala-me o meu prezado amigo de umas provas de página do 3º número do Orfeu. Posso
informa-lo de que não possuo nada respeitante a esse projectado número da n/ revista.
Estava tudo de posse do Fernando e não sei o destino que ele lhe deu. Nem mesmo no
espólio literário dele, que eu e o Gaspar Simões inventariamos – encontrei nada referente a
essa publicação. Se as tivesse, estariam ao seu incondicional dispor. Lastimo não poder
servi-lo como desejaria21. Sôbre o “Cancioneiro” devo dizer-lhe que já esta concluída a sua
selecção, esperando publica-lo por todo o mês de Maio. Já não é sem tempo. Espero que me
releve tão longa estupada – a desta carta sem fim, que, espero, me desculpará, à sua lúcida
inteligência, das faltas cometidas.
(M-SER-763 [4])
21 «desajaria» no original.
Há alguns anos, Alberto de Serpa adquiriu uma colecção de quatro cadernos desse número,
que então pude ver, mas que o seu actual possuidor manteve até hoje na sombra dos seus
arquivos, situação que parecia dever perpetuar-se, visto não ser conhecida outra colecção
dessas folhas. [...]
Como está implícito desde as primeiras linhas, conhece-se agora outro exemplar destes
quatro cadernos de “Orpheu 3” além do que possui Alberto de Serpa. Acabo de o descobrir,
não pela mão do acaso, mas de um raciocínio muito simples: o de que, se existia um jogo de
tais folhas nas mãos de outra pessoa, havia noventa e nove probabilidades contra uma de
que também existisse entre as de Fernando Pessoa – e muitas probabilidades também de
que este não se tivesse perdido. [...] O meu cálculo verificou-se certo, e nem sequer gastei
muito tempo a comprová-lo: no meio de revistas ainda por arrumar, no alto de uma estante,
não tardaram a surgir as preciosas folhas.
(MONTEIRO, 1953: 7-8)
22A este respeito, ver opinião do arquitecto Fernando Távora: «Os documentos que pertenceram a
F[ernando] P[essoa] foram certamente retirados por J. Gaspar Simões da casa do poeta quando teve
acesso à sua obra [↑ inédita] para a publicação das poesias ou da biografia», em PIZARRO (2017: 336).
23Apesar do nome ser grafado com «ph» – Orpheu – Luís de Montalvor usava quase sempre a grafia
atualizada quando se referia à revista.
A história, já a contei na introdução que em 1984 escrevi para a edição de Orpheu 3 pela
Ática. Nessa história entra Alberto de Serpa, que, como me disse, comprou em mil
novecentos e quarenta e tal num alfarrabista portuense um exemplar da Dispersão, o qual
tinha dentro dele três cadernos impressos que logo suspeitou serem do Orpheu 3; entra um
advogado lisboeta conhecido de Almada Negreiros, que tinha outro caderno, por sinal o
primeiro; entra Gaspar Simões, que na Vida e Obra de Fernando Pessoa garantiu a existência
do impublicado Orpheu 3; entra Casais Monteiro, que viu os cadernos, com duas falhas, que
Pessoa guardara, e editou em 1953 (Lisboa; Inquérito) os Poemas Inéditos Destinados ao n.º 3
de “Orpheu”; entram José Augusto Seabra ou as Edições Nova Renascença, que em 1984
editaram as “provas de página”, fac-similadas, do Orpheu 3; e entro eu e as Edições Ática,
que nesse mesmo ano fizemos a edição tipográfica do texto.
(SARAIVA, 2015: 415)
Os excertos das cartas que a seguir se reproduzem mostram que o papel de Gaspar
Simões nesta história do Orpheu 3 foi mais ativo do que terá pensado Arnaldo
Saraiva. Numa carta enviada a Serpa, com a data de «3/1/940», há uma primeira e
breve menção às «folhas do Orpheu». Praticamente dois anos mais tarde, em duas
cartas para Alberto de Serpa, uma com local e data «Lisboa, 28 Dez. 1943», e a
outra de «Lisboa, 14 de Janeiro 1944», Gaspar Simões menciona «as provas do 3º
número de Orpheu» e «provas de Orpheu», respetivamente: (1) «Ainda não
encontrei o Montalvor para lhe falar nas folhas do Orpheu. Mas nos papéis do
Pessoa não encontrei nada» (M-SER-1249 [112]); (2) «queria apenas pedir-te me
digas se é possivel emprestares-me a Passagem das Horas, de Alvaro de Campos,
que suponho terás em teu poder junto com as provas do 3º número de Orpheu.
Estamos a organizar o volume de Alvaro de Campos e aparece-nos entre os
inéditos o original da Passagem das Horas, que nos parece fragmentado ou
incompleto. Cotejando com as provas, poderiamos tirar as dúvidas que nos
entraram» (M-SER-1249 [230]); e (3) «É pena que não tenhas nas provas de Orpheu
a Passagem das Horas24. Tal como o original se apresenta tenho as minha duvidas
sôbre a sua integridade. Mas irá assim mesmo, que remedio?» (M-SER-1249 [230]).
Gaspar Simões voltará a questionar Serpa sobre as provas de Orpheu 3
alguns anos mais tarde, pedindo informações mais detalhadas, certamente por
24O poema «A Passagem das Horas» seria publicado nesse mesmo ano no volume Poesias de Álvaro
de Campos, editado por João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor (Lisboa: Ática, 1944).
/ 7 de Novembro 1949
S C
Alvaro de Campos:
Outra gralha, a pag. 221:
em vez de “a sombra que espera nas viélas – “
deverá ler-se, como o Alvaro de Campos escreveu e o Fernando Pessoa me confirmou.
“O sombra que espera nas viélas – “
=
Se mais alguma coisa encontrar e outras que porventura me ocorram logo lhas
transmitirei.25 E se duvidas tiver, tambem lhe peço que m’as pregunte.
25 Tudo aponta para que se trate do livro Poemas de Alberto Caeiro (Lisboa: Ática, 1946).
Se é possivel que este seu velho amigo tenha publicado algum livro que possa hoje
considerar-se muito raro, êsse é “Luz Poeirenta”. De facto, só por acaso se encontra um
exemplar nos alfarrabistas. Imagine, portanto, o cuidado com que conservo o único volume
que me resta mas que apesar de tudo – por tratar-se do meu caro amigo – não hesito um
segundo em confiar-lhe.
Uma nota que talvez lhe interesse: – a revisão tipografica de “Luz Poeirenta”, quis o nosso
querido Fernando encarregar-se dela, tal o seu interesse pela obra que acompanhou passo a
passo, dia a dia, nos nossos encontros de permanente camaradagem tanto no café “A
Brasileira”, do Rossio, como em minha casa e em casa dêle que, por sinal, se resumia a um
26Silva Tavares recebeu, pelo menos, uma carta de Fernando Pessoa manuscrita numa folha de
papel timbrado da LEITARIA ALEMTEJANA|DE|MANUEL ANTONIO SENGO, datada de «16/XII/1916». Está
fac-símilada em QUADROS (1960: 141).
21 de Outubro de 1948
(M-SER-1234 [4])
28 «sensasionista», no original.
– 31-8-57.
Al poeta
Alberto de Serpa
Oporto.
Querido poeta amigo: He recibido sus libros con verdadera alegría y crea que me siento
feliz al haber entablado relaciones con usted. Y por varias causas: Por mi admiración hacia
su obra y por mi amor a Portugal y, sobretodo, a sus poetas. Hace años que trato de estar
cada vez más íntimamente ligado con la poesía portuguesa, pero no como un estudioso,
sino como uno más entre los que viven y hacen su mundo. No puedo decir que he tenido
demasiada suerte. He hecho amigos. Conservo algunos. Perdi otros. He intentado colaborar
en la creación de una auténtica revista hispano-lusa o luso-hispánica. En aquellos
momentos dejó de publicarse la revista que yo dirigía y que pudo convertirse en lo que yo
deseaba. Luego quise repetir en Portugal. Lo que empezaba se hundió. Bien. No he cejado.
Sigo en mis trece. Sé que mi mayor obstáculo es el particularismo que tenemos unhos
ibéricos. ¿ Qué le hemos de hacer?
Ahora, me llegan sus bellos libros, como contestación a mi envío, cuando estoy empeñado
en la traducción de teinta poemas de Pessoa, o como él diria de Alberto Caeiro. Espero que
su ayuda me sea preciosa, no sólo para este intento, sino también para otros posteriores,
relacionados con el mismo Pessoa, del que pienso traducir más obra, y con otros poetas
modernos portugueses hacia los que me guían idénticos propósitos. ¡Puede comprender
como le agradezco la ayuda que me ofrece! Si yo puedo hacer algo que le sea útil o grato,
puede disponer de mí como guste.
He aquí algunas de mis dudas: en el poema I de “Guardador de rebanhos” se lee (versos 49
y 50):
Aunque comprendo el sentido del segundo verso (del 50) le pido por favor que me indique
con exactitud otra frase portuguesa que yo pueda ver con más claridad y que equivalga a
este verso.
Es el único tropezón lingüistico que he tenido con Caeiro. El resto de los poemas va
traducido con toda fidelidad, si bien el castellano exige a veces una mayor concreción
expresiva por ser más duro que el portugués y, a mi jucío, admitir menos ciertas
delectaciones verbales. En fin, me hallo casi al cabo de la traducción y le agradeceré que me
solucione esta duda o cualquier otra que pudiera surgir. Perdone que tome tan al pie de la
letra su amable ofrecimento.
Como mi intención es publicar un libro de traducciones de cada uno de los heterónimos y,
naturalmente, de F. Pessoa sin heterónimo alguno, le diré los libros con que cuento y le
ruego que me indique cuales otros libros – o estudios en revista – pueden ser me útiles, con
indicación de la mejor manera de adquirirlos: librería, editorial, etc. Esto es más interesante
para mi, en cuanto que quiero hacer un estudio sobre Pessoa y publicarlo aparte como
volumen independiente. Todo esto iría más deprisa de lo que va, si pudiésemos hacer
renacer la revista “Deucalión “, que yo dirigí y de la que le envío unos ejemplares aparte.
Puede que consigamos esto o algo parecido.
(M-SER-311)
29Alberto de Serpa correspondeu-se com José Luís Cano. Existem, no espólio serpiano, oito cartas e
dois postais de Madrid, datados entre 1947 e 1952. «Escritas em papel timbrado de ‘Adonais –
Coleccion de Poesia’ e ‘Insula’, revista literária, falam de José Régio, Miguel Torga, Casais Monteiro,
Eugénio de Andrade, Campos de Figueiredo, etc. Trata, entre outros assuntos, da edição de
‘Poemas de Oporto’, de Alberto de Serpa [...] na colecção ‘Adonais’ e da ‘Antologia Poética’ de
Miguel Torga a publicar na mesma colecção de poesia» (FERREIRA, 1988: 38).
, 23-1-958
Meu prezado Amigo e camarada
Só hoje me foi entregue na “República” a sua carta e hoje mesmo lhe respondo.
Nada tem de que me ficar grato pela apreciação por mim feita acerca do seu último livro de
versos.
Fiz apenas justiça. O meu prezado Amigo continua a ser um grande, um admirável Poeta.
Não se encosta aos seus triunfos literários. Mantem-os. E oxalá os mantenha por muito
tempo.
Cabe-me agora a vez de lhe ficar grato pelo seu pedido. Muito e muito obrigado. O certo,
porém, é que 1915 vai longe. Houve, efectivamente, naquela altura e durante alguns anos
que se seguiram, um indivíduo que então escreveu e assinou ou com o nome de Alfredo
Pedro Guisado, numa revista literária que ficou célebre ou com o pseudónimo de Pedro de
Menezes em vários livros, algumas palavras rimadas. Tinham-me dito os companheiros do
grupo que ajudara a fundar – como essa época se vai afastando! – que ele era poeta e, na
ingenuidade dos seus, nessa ocasião, verdes anos, chegou a acreditar. O tempo que não
descansa um momento na sua viagem, foi passando e, após a vinda de novas gerações, tudo
se modificou.
Não se modificou, é verdade, aquele vento fresco que produziu a referida revista e que veio
afastar o bafiento ambiente em que a nossa Literatura vivia, mas modificaram-se as
apreciações e a maneira de ver e de profundar o valor de cada um dos seus colaboradores.
Notei – creia que o digo sem azedume – que enquanto os nomes de todos os meus
companheiros naquele grupo, em toda a parte e por qualquer motivo, se continuavam a
citar com uma persistência bem merecida, o meu humilde nome ficava sempre incluido
num elucidativo “etc” ou num constante e – porque não o dizer? – tambem merecido
esquecimento. O silêncio sôbre o meu nome passou a ser o meu camarada de sempre.
Desde que tal aconteceu, percebi que a “alcunha” de poeta que os meus companheiros no
aludido grupo me tinham dado, fôra apenas ditada pela boa amizade que nos ligava e
nunca porque eu pudesse, de algum modo, ser colocado entre aqueles que devem ser
considerados como tal.
Resolvi então, não deixar de rimar palavras porque isso estava e está ainda no meu feitio e
com elas tenho forrado algumas das minhas gavetas, mas nunca mais tive o atrevimento de
colocar essas palavras em contacto com o público. Ainda bem que os mencionados meus
livros se esgotaram, não havendo assim também possibilidade de poderem ser lidos e pena
foi que dois ou três seleccionadores de poemas – não se sabe bem porquê – se tivessem
lembrado de ir buscar alguns vestígios daqueles meus desajeitados versos para os incluirem
em diferentes Antologias. Não em todas ultimamente aparecidas porque, como é natural,
há ainda quem saiba seleccionar com o maior cuidado.
Perguntará, com razão, o meu caro camarada, como decerto já muitos o hão-de ter feito, que
motivos levaram o jornal em que colaboro a encarregar-me de apreciar a obra dos outros,
eu que não tenho categoria para escrever a minha. Que motivos? As costumadas coisas
incompreensíveis da nossa terra.
Ora nestas condições – falo-lhe com toda a sinceridade – manuscritos meus ao lado dos dos
meus velhos amigos e companheiros daquele “Orfeu” que tanto tem dado que falar e que
escrever e que, certamente, - pelo que compreendo agora – só por engano foram meus
companheiros e apenas por acaso me envolveram na honra de pertencer a tão famoso
grupo, não são de desejar e muito menos podem valorizar para o futuro, uma colecção tão
importante como a do meu prezado Amigo. Deixaria de ser, sómente, bem escolhido trigo
(M-SER-512)
These new findings underscore the close collaboration between the mentors of Orpheu,
Fernando Pessoa and Mário de Sá-Carneiro, and Alfredo Guisado, who accompanied the
project of production of a cultural magazine from an early stage and throughout the
lengthy preparatory period leading to its fulfillment. Thus, they establish Guisado as one of
the original and leading actors of the making of Orpheu and of its reputation. […] These
documents also help to reconstitute the extent of Guisado’s intervention I the reception of
Orpheu abroad, which he facilitated through his contacts in the Spanish press, earned
through the merits of his previously published wors, thus also clarifying a misconception
that Guisado as a minor writer of the Orpheu group at the time: […] he was one of the first
Portuguese modernists to establish himself as a poet.
(SILVA, 2017: 330-331)
O que dizer dos «new findings» de 2017? Ou melhor, que mais dizer? Fica aberta a
discussão.
BLANCO, José (2008). Pessoana; vol. I, bibliografia passiva, selectiva e temática (referida a 31 de
Dezembro de 2004); vol. II, índices. Lisboa: Assírio & Alvim.
BNP (2015). «BNP integra, por doação, novo autógrafo de Fernando Pessoa». Notícia, 30-11-2015
[http://www.bnportugal.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=1109:noticia-
bnp-integra-por-doacao-novo-autografo-de-fernando-pessoa-nov-
2015&catid=165:2015&Itemid=1129&lang=en, acesso em 3 Jun. 2018].
CIRURGIÃO, António (1990). O «olhar esfíngico» da Mensagem de Pessoa e a Concordância. Lisboa:
Ministério da Educação; Instituto de Cultura e Língua Portuguesa.
DIX, Steffen (2017). «O Orpheu ou o “momento histórico” da modernidade / modernização
sociocultural em Portugal». Pessoa Plural—A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.o 11,
Primavera, pp. 23-43 [Doi: 10.7301/Z0HQ3X42].
FERRARI, Patricio (2015). «Bridging Archives: Twenty-Five Unpublished English Poems by Fernando
Pessoa». Pessoa Plural—A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.o 8, Outono, pp. 365-431 [Doi:
10.7301/Z01V5C64].
____ (2010). «Anotações» | «Annotations». Biblioteca Digital de Fernando Pessoa. Lisboa: Casa
Fernando Pessoa [http://bibliotecaparticular.casafernandopessoa.pt/index/anotacoes.htm,
acesso em 3 Jun. 2018].
FERREIRA, Manuel (1988). «Catálogo da preciosa colecção de manuscritos reunida pelo poeta
Alberto de Serpa». Porto: s.n. [Catálogo de um leilão que teve lugar em Vila Nova de Gaia].
FUNDACION JUAN MARCH (1981). Homenaje a Pessoa. Madrid, Junho [programa disponível em
https://recursos.march.es/culturales/documentos/conciertos/cc686.pdf?v=96526376, acesso
em 3 Jun. 2018].
HOURCADE, Pierre (2016). A Mais Incerta das Certezas – Itinerário Poético de Fernando Pessoa. Edição e
tradução de Fernando Carmino Marques. Lisboa: Tinta-da-china (col. «Pessoa»).
LOURENÇO, Eduardo (2000). Pessoa Revisitado. Leitura Estruturante do Drama em Gente. Lisboa:
Gradiva. [1.ª ed., Porto: Inova, 1973.]
MARTINHO, Fernando J. B. (1983). Pessoa e a Moderna Poesia Portuguesa (do «Orpheu» a 1960). Lisboa:
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa; Ministério da Educação. Biblioteca Breve, vol. 82
[http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes/estudos-literarios-critica-
literaria/103-103/file.html, acesso em 3 de Junho de 2018].
____ (1982). «Fernando Pessoa e Alberto Serpa». Diário de Lisboa, n.º 20973, suplemento literário
Ler Escrever, n.° 80, 7 de Out., pp. 1 & 3. [Fundação Mário Soares: http://casacomum.org/cc/
visualizador?pasta=06838.188.29457#!27, acesso em 3 Jun. 2018].
MONTEIRO, Adolfo Casais (1953). Poemas Inéditos Destinados ao n.º 3 de ‘Orpheu’. Lisboa: Editorial
Inquérito.
PESSOA, Fernando (2018). Fausto. Edição de Carlos Pittella; colaboração de Filipa de Freitas. Lisboa:
Tinta-da-china (col. «Pessoa»).
____ (2017). Teatro Estático. Edição de Filipa de Freitas e Patricio Ferrari; colaboração de Claudia
J. Fischer. Lisboa: Tinta-da-china (col. «Pessoa»).
____ (2016). Eu Sou Uma Antologia: 136 autores fictícios. Edição de Jerónimo Pizarro e Patricio
Ferrari. Lisboa: Tinta-da-china. 1.ª edição de bolso (col. «Pessoa»).
____ (2016). Alberto Caeiro – Obra Completa. Edição de Jerónimo Pizarro e Patricio Ferrari.
Lisboa: Tinta-da-china (col. «Pessoa»).
____ (2014). Álvaro de Campos – Obra Completa. Edição de Jerónimo Pizarro e Antonio
Cardiello; colaboração de Jorge Uribe e Filipa Freitas. Lisboa: Tinta-da-china (col. «Pessoa»).
____ (2006). Poesia 1931-1935 e Não Datada. Edição de Manuela Parreira da Silva, Ana Maria
Freitas e Madalena Dine. Lisboa: Assírio & Alvim.
Palavras-chave
Raul Leal, A Visão de Dois Artistas, Mário Eloy, Alberto Cardoso, Astralédia, Ultrafuturismo,
Paracletianismo.
Resumo
Keywords
Raul Leal, The Vision of Two Artists, Mário Eloy, Alberto Cardoso, Astraledia, Ultrafuturism,
Paracletianism.
Abstract
The document hereby presented is the full form of the ultrafuturistic manifesto The Vision of
Two Artists and the Luxurious Folly of God by Raul Leal, Fernando Pessoa’s customary
associate in some of the most important cultural manifestations and controversies of the
Portuguese modernist movement. The aforementioned manifesto is a hallmark in lealian
thought, as it represents the first official apparition of Paracletianism, Religion of the Holy
Ghost or Divine Paraclete conceived by Raul Leal from 1917 onwards.
* Universidade Nova de Lisboa, Centre for English, Translation and Anglo-Portuguese Studies
(CETAPS).
Almeida A Visão de Dois Artistas
Toda a arte deve ter uma unção formidavelmente divina e
astral em louca e luxuriosa Vertigem-Besta!...
Raul Leal, A Visão de Dois Artistas e a
Luxuriosa Loucura de Deus
A Pinharanda Gomes
Passado pouco mais de meio século sobre a morte de Raul Leal (1886-1964), assiste-
se, com a efeméride dos centenários de Orpheu e Portugal Futurista, à lenta
reabilitação desta singular personalidade votada durante largos anos ao quase
esquecimento no panorama literário português.
Com efeito, o autor de Antéchrist et la Gloire du Saint-Esprit começa agora a
disfrutar de um pouco mais da merecida visibilidade, com artigos e ensaios
dedicados à sua obra em revistas e com a publicação de alguns inéditos. Nesse
sentido, o intuito do presente artigo é o de apresentar o texto integral do manifesto
A Visão de Dois Artistas e a Luxuriosa Loucura de Deus1, na sequência do estudo
incluído no número anterior de Pessoa Plural – A Journal of Fernando Pessoa Studies
(ALMEIDA, 2017).
Nos primeiros anos do século XX, a mudança de mentalidades em termos
artísticos pela qual os jovens pintores e escultores portugueses ansiavam e os fazia
rumar a Paris para se inscrever nas Academias Livres do Montparnasse, tardava a
fazer-se repercutir em Portugal. Na sequência do primeiro impulso dado pela
“Exposição dos Livres” (1911), tentativa ainda algo incipiente de ultrapassar a
tradição oitocentista, seriam numa primeira fase a “I Exposição dos Humoristas”
(1912) e a “II Exposição dos Humoristas” (1913) em Lisboa e a “Exposição dos
Humoristas e Modernistas” (1915) no Porto, as responsáveis pela reunião de
artistas em princípio de carreira como José de Almada Negreiros, Emmérico
Nunes, Jorge Barradas, António Soares, Cristiano Cruz, Armando Basto, Stuart
Carvalhais ou Canto da Maia, para apenas citar os mais destacados. Estes
expositores pretendiam agitar as águas para impor as tendências modernizantes
face ao naturalismo do Grupo de Leão que dominava simbolicamente o panorama
artístico português.
Sempre vigilante no que respeita à sucessão das correntes artísticas em
Portugal e no estrangeiro, Raul Leal desempenhou ao longo da sua vida o papel de
1 Na transcrição do manuscrito, optei por manter a sua grafia original, utilizando o itálico para os
vocábulos / expressões de sublinhado simples e o negrito para os de sublinhado duplo. Embora o
manuscrito apresente vários segmentos riscados e passagens acrescentadas, geralmente por
sobreposição, apenas através do confronto com o impresso do manifesto se poderá aferir de modo
cabal a existência de variantes. Contudo, se cotejarmos o manuscrito com o impresso mutilado e
incompleto apresentado em ALMEIDA (2017: 147), verifica-se que o autor terá burilado o texto desde
a sua produção em março de 1924, tendo em vista a publicação futura, fazendo alguns acrescentos
manuscritos a caneta na margem do próprio impresso.
agitador cultural, emprestando sempre um cunho original aos seus escritos, como
sucedeu nos textos que consagrou aos artistas modernos Santa-Rita Pintor, Alberto
Cardoso, Mário Eloy, Mário Cesariny de Vasconcelos, Artur Bual e Pablo Picasso.
Esta prática contínua de intervenção no campo artístico-literário por parte
do autor começou a tomar forma com a sua colaboração em Orpheu 2 com “Atelier –
Novela Vertígica”, momento em que embarcou definitivamente na revolução
artística encetada pelos modernistas, somando preocupações estéticas às filosóficas
e políticas, como tinha sucedido até então.
Assim, a par de uma fornada de jovens que se procurava estabelecer no
panorama da crítica de arte portuguesa como João Dias-Sancho, Vítor Falcão, Ruy
Vaz, Afonso de Bragança ou Mário Domingues, entre outros, iniciou a sua
atividade crítica e doutrinária alicerçada no desejo de revisão dos valores em arte,
com o texto “L’Abstractionnisme Futuriste – Divagation Outrephilosophique-
Vertige à propos de l’œuvre géniale de Santa Rita Pintor, ‘Abstraction Congénitale
Intuitive (Matière-Force)’, la suprême réalisation du Futurisme”, apologia da obra
pictórica do companheiro Santa-Rita Pintor incluída em Portugal Futurista
(novembro de 1917). A contribuição de Raul Leal para o número único desta
revista foi concebida a partir de meados desse ano, uma vez que, por ainda
permanecer exilado em Espanha, o autor não participou na Conferência Futurista
no Teatro República, em 14 de abril de 1917, na qual seriam entronizados Almada
Negreiros e Santa-Rita Pintor como figuras máximas do futurismo português.
Porém, esta forma distinta de encarar a arte teria o seu apogeu com a
“Questão dos Novos e dos Velhos na Sociedade Nacional de Belas-Artes” (1921-
1922), na qual um conjunto de jovens artistas liderados por José Pacheko tentou
alterar os estatutos com o objetivo de ocupar cargos diretivos, influenciando desse
modo o rumo da agremiação da Barata Salgueiro, o que lhes foi negado. Raul Leal
assumiu um papel ativo na polémica e, como era seu apanágio, tomou o partido
dos novos: em primeiro lugar, tecendo considerações sobre o assunto no Diário de
Lisboa com o artigo “O Passado e o Futuro – Os velhos e os novos” (LEAL, 1921),
depois com a sua presença em 14 de dezembro no banquete oferecido a João Vaz,
do Grupo do Leão, apoiante da entrada dos novos na Direção da S.N.B.A. (DIÁRIO
DE LISBOA, 1921a e ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA, 1921d) e, finalmente, com a
conferência “A Derrocada da Técnica” (LEAL, 1922: 60-63) pronunciada a 18 desse
mês no Comício Intelectual do Chiado Terrasse presidido por Gualdino Gomes e
no qual intervieram ainda José Pacheko, Almada Negreiros, António Ferro, Leal da
Câmara, Mário Domingues e José Esaguy (DIÁRIO DE LISBOA, 1921b e ILUSTRAÇÃO
PORTUGUESA, 1921c).
Finda a “Questão dos Novos e dos Velhos na S.N.B.A.”, com a manutenção
do poder nas mãos dos últimos, Raul Leal embarcou em nova polémica em
fevereiro de 1923, desta feita ao protagonizar um escândalo com a publicação do
opúsculo Sodoma Divinisada em defesa de António Botto e do seu livro Canções,
combinação que não deixa porém de ser rara. Em geral, a subtileza analytica
pertence ás naturezas superficiaes como a dos francezes e a da mulher. Apesar de
Alberto Cardoso não ser um espirito especulativo, não possue porém a
superficialidade conveniente – se não indispensavel – a um espirito subtilmente
analytico. É só por isso que ele não disseca a côr e a luz á maneira dos
impressionistas francezes. Mas o que essa côr e essa luz teem nele é muito mais
força interior, muito mais animismo essencial. O Génio portuguez não deixa de
surgir poderósamente na visão artistica do pintor Alberto Cardoso que
festivamente se engrinalda de luminosas flôres animicas, espirituaes… [5r]
O moço pintor Mario Eloy, então profundo psicologo, procura viver ainda
mais de dentro os seres e as cousas que exprime nas telas. As suas figuras tambem
não se desenrolam numa visão exterior pois são antes vividas interiormente,
essencialmente pela alma do artista. É nessa alma, como sonho intimo dela, sua
intima criação, que o mundo de fantasmas que constitue a Vida, se desenvolve
lentamente em todo o seu interiorismo, em sua essencia animica. E para o artista as
cousas que na alma dele envolvem os seres, formando ambiente, são como que o
prolongamento deles, a irradiação vibrante de toda a sua natureza essencial, a aura
vaga emanada do seu espírito, por vezes tornado carne. Deste modo, Mario Eloy
mostra que sem a tecnica futurista se pode tambem evocar a bela conceção do
homem-ambiente. Segundo essa conceção dos mais avançados pintores italianos, o
ambiente, o Infinito forma as cousas e os seres, integrando-se, essencialisando-se
neles que por seu lado criam da mesma forma o ambiente que os envolve e com
que identificam assim. É sobretudo esse segundo aspeto que Mario Eloy acentua
nos seus quadros, aliás duma tecnica, não digo antiga, mas ainda um tanto
passadista em relação á tecnica do futurismo. O ambiente para ele é mais uma
emanação das figuras do que criador delas e entretanto presente-se, tambem ainda
que incertamente, e com menos puder essa ultima criação. Aliás, em o artista se
desenvolvendo, decerto compreenderá em absoluto que o ambiente é tão criado, é
tão expelido pelas almas como formador criativo delas. Tudo se cria mutuamente,
todos nós uns aos outros nos criamos, sendo todos os seres e cousas que nos
envolvem, o nosso [6r] mundo de impressões por nós concebidas e sendo pois cada
um de nós um mundo de impressões desenroladas na conceção criadora dos
outros seres ou fantasmas de seres. A relatividade criadora é pois mutua. E é isso
que o futurismo procura acentuar duma forma direta. Mario Eloy só
longiquamente evoca esse processus relativista por isso que a sua tecnica, como
disse já, não se inspira na escola futurista, tão clarividente; entretanto, concebendo
tambem o homem-ambiente do futurismo, toma a direção dessa escola, restando-
lhe abandonar por completo os processos um tanto passadistas que ainda
emprega. E então conseguirá exprimir admiravelmente arte futurista portugueza.
labyrinticamente uns com os outros. Ora puros individuaes são puros eus, puros
seres que por surgirem puros, como qualquer cousa de absoluto, surgem em si.
Surgindo em si, sendo qualquer cousa de em si, concentram-se puramente em si
proprios, são uns puros Concentrarem-se em si proprios a ponto de a si proprios se
sentirem. Se eles se sentem, se teem sentir é que são de natureza animica. E como
são tão puramente individuaes como puramente universaes – como são distintos e
indistintos, sendo cada elemento um eu separado dos outros e simultaneamente
surgido nos outros – a sua natureza de seres animicos é contraditoria e incerta pois
se enquanto distintos, são bem seres, enquanto indistintos não o são
verdadeiramente: o ser surge em si e pois em separado de tudo. Deste modo trata-
se antes de fantasmas, sendo certo que o fantasma para nós tanto tem de ser rial e
animico ser rial como de quimera. Assim a natureza incerta dos elementos que
constituem o Infinito, é uma natureza fantasmica. Somos pois um mundo de
fantasmas, uns nos outros. Óra para Mario Eloy os elementos da Existencia são só
individuaes distintos, ainda que com ambiente proprio continuado de certo modo
com eles, não se tratando pois, segundo o artista, de elementos que sejam tão
distintos como indistintos. O ambiente de cada elemento, de cada ser e continuado
com ele, é ainda para o pintor um ambiente particular, não é o ambiente formado
por toda a infinidade de seres fantasmicos a surgirem labyrinticamente uns nos
outros e só assim incertamente, indecisamente distintos uns dos outros. E a verdade
é que os fantasmas da Existencia são só aspetos distintos e indistintos da mesma
substancia metafisica ou theometafisica. Isso é que Mario Eloy ainda não vê tambem,
mas póde vêr. [9r]
Para o artista os seres com o seu ambiente proprio particular são diferentes e
não teem relação nenhuma uns com os outros. Ora quando a sua visão se
profundar ainda mais, ele marcará bem na sua arte a relação metafisica essencial
que ha entre os seres, fantasmicos aspetos varios da mesma substancia. A
Existencia que é o Infinito, é com efeito só uma e portanto atravez da diferença de
seres deve surgir uma Identidade essencial. Eles são diferentes mas pertencem ao
mesmo, sendo pois só indecisamente diferentes. Mario Eloy vê só a diversidade e
não a identidade fundamental das cousas atravez dessa diversidade, assim incerta.
Mas virá tempo em que atingirá a substancia una da Existencia.
E a Existencia, o Ser Universal, sendo puramente em si, sendo pois um puro
Concentrar-se em si proprio, a ponto de ser Sentir-se, está tão puramente
concentrado no seu existir que com este se identifica a ponto de não ser mais do
que ele. Deste modo, no fundo, só ha o existir de Existencia, o existir de Ser e não
este propriamente. Tratando-se mesmo, em ultima analyse, dum Existir todo
Abstração, dum Existir em Si e não já propriamente dum existir de Existencia ou
de Ser, trata-se, no fundo, dum Existir que não sendo de Ser, de Existencia, é vazio
desta, é pois essencialmente Inexistencia ou Vacuo. Mas é pelo facto da Existencia
ser puramente em si, estar puramente concentrada no seu existir a ponto de o ser,
não sendo mais do que ele, reduzindo-se pois só a ele e tornando-se assim vazia de
si propria, é por esse facto que ela se esvazia. Ora Existencia puramente em si é
Existencia pura, absoluta e portanto é o seu purismo que a aniquila. Deste modo, o
aniquilamento da Existencia no Existir todo Abstração, no Existir puro, vazio dela,
deriva do purismo excessivo de tal Existencia. Portanto, em conclusão: [10r] ha
Inexistencia, ha Vacuo no Existir por haver puramente, excessivamente Existencia.
Trata-se pois de qualquer cousa de incerto que tendo tão puramente de Existencia
como de Inexistencia ou Vacuo, é um verdadeiro Vacuo-Animico ou Vacuo-
Fantasma em Vertigem. Eu me explico: a Existencia (que é só Existir), sendo em si,
é como tenho dito, um puro Concentrar-se em si propria a ponto de ser Sentir-se,
facto animico, por natureza. E portanto se no Existir a que a Existencia, no fundo,
se reduz, excedendo-se, transcendendo-se a si propria, ha animismo suposto no
facto dela ou do Existir ser em si, ser puro Sentir-se, é que o Vacuo essencial desse
Existir se impregna de tal animismo, tornando-se pois Vacuo-Animico ou antes
Vacuo-Fantasma visto a palavra fantasma já conter de si o conceito de existencia
animica e de quimera ou irrialidade, enfim, inexistencia. Ora como esse Vacuo-
Fantasma que é o Existir, possue uma natureza contraditoria, incerta, indecisa,
sendo tão Existencia pura, animica como Inexistencia, a sua natureza é bem
essencialmente vertigica. Com efeito o que é contraditorio e incerto não só causa
vertigem quando o pensamos mas é tambem essencialmente Vertigem! Esta é um
conceito que exprime bem a incerteza metafisica, essencial da natureza
contraditoria do Existir. Tal natureza, como contraditoria, é incerta, indefinivel, é
pois bem vertigica: o que é indefenivel, é confuso, e o que é confuso, embrulhado é
bem essencialmente vertigico; a Vertigem exprime bem o que ha de embrulhado,
de contraditorio, de confuso no Existir que é pois um Vacuo-Fantasma em
Vertigem. E se os elementos fantasmicos do Existir-Infinito são contraditoriamente,
embrulhadamente eles proprios e uns os outros é que a sua natureza é também
vertigica.
Óra é facil de vêr como os fantasmas vertigicos do Existir são supostos [11r]
metafisicamente, isto é, por razão metafisica na propria natureza essencial do
Vacuo-Fantasma em Vertigem. Este, por razão metafisica, é que os supõe. Se não
vejamos.
Se no Existir ha animismo, se ele é puro Sentir-se, é que é puro sentir-se
tudo que é, sendo pois sentir-se Vacuo-Fantasma em Vertigem. Ora é o purismo de
Existencia ou antes, o purismo de Existir que torna este, Vacuo fantasmico, e se
portanto ele, sentindo-se (ou sendo Sentir-se), se sente Existir puro, infinito, se
sente enfim essencialmente Infinito, sem duvida a sua substancia enche-se, por
esse motivo, de prazer e orgulho: o sentimento de Infinito em nós, isto é, no Existir
que nós somos, a sensação de sermos Infinito dá-nos com efeito puro prazer e
orgulho. Acresce a isso que se o Existir é em si, se é pois um puro Concentrar-se ou
um puro Estar em contacto consigo proprio é que, no fundo, é puro Criar-se a si
proprio. Com efeito só se está em puro contacto consigo, com o seu existir quando
se chega ao ponto de ele ser o puro agente interior desse existir. Então é que tal
contacto é puro. Existir que não é puro Surgir por si proprio, por sua propria
iniciativa, não está em absoluto contacto consigo. Para estar bem em contacto
consigo, com o seu movimento, com a sua propria acão interior de existir, precisa
acompanhar tão de perto essa ação que chegue a identificar-se com ela, surgindo
pois como proprio agente intimo dela. Deste modo se o Existir é Existir por
iniciativa propria é que é puro Criar-se; e como é tambem puro Sentir-se, é um
Criar-se duma forma sentida, animica. Sendo um Criar-se é um criar-se tudo que é,
é enfim um criar-se a si proprio Infinito ou um criar em si proprio Infinito, enfim
um criar Infinito. E se o Existir é puro, puro é tambem o seu puder criativo que é
assim omnipotente, divino. Ora se o Existir [12r] é um sentir-se tudo que é, sem
duvida é um sentir-se esse puder criativo, divino, sem duvida é um sentir-se Deus.
Mais um motivo de prazer e orgulho delirante.
E o puder criador do Existir é-lhe tão essencial que é sua essencia pura,
absoluta e essa essencia divina do Existir-Infinito que nós somos, só será pura,
absoluta se surgir em si. Surgindo em si no Existir, surge como puro individual,
puro eu, pura Pessoa separada de tudo e pois distinta do Existir de que aliás é a
propria essencia. E é por ser puramente a essencia dele que é qualquer cousa de
puro, de em si, de pessoal, distinguindo-se portanto de tudo, distinguindo-se do
proprio Existir: óra ser puramente a essencia do Existir, pertencer-lhe em absoluto
o mesmo é que não se distinguir dele e como atravez dessa indistinção ha
contraditoriamente a distinção a que acabo de referir-me, Deus ou o puder criador
do Existir que nós somos é tão distinto como indistinto desse Existir, é tão distinto
de nós. Óra o puder criador é o que ha de mais alto no Existir, e portanto enquanto
distinto de nós, é-nos puramente superior, humilhando-nos dolorosamente, e enche-
nos ao mesmo tempo de orgulho e prazer enquanto indistinto do Existir que nós
somos. Assim a propria natureza desse Existir supõe, cria o orgulho, o prazer, a
humilhação e a dôr. Tambem estes dois ultimos factos são gerados no sentimento
que temos da nossa natureza de Vacuo. Somos Vacuo por sermos excessivamente
Existencia mas isto não impede que o sejamos. Sentindo-nos Vacuo sofremos
horrivelmente e sentimos em nós uma humilhação tremenda que assim se dá
atravez do nosso orgulho e prazer. [13r] E esse sofrimento gera uma riação anciosa,
dando-se em nós a ancia pura de existir, ancia que é iternamente satisfeita – o
Existir-Puder, Existir-Deus (Bem) é iterno – e iternamente insatisfeita – iterno é
tambem o Vacuo, o aniquilamento do Existir ou Mal –, surgindo assim uma
situação contraditoria, incerta, vertigica como sempre.
Óra essa contradição essencial de tudo no Existir, vertigificando tudo, torna
tal Existir absolutamente louco e assim a loucura é tambem suposta nele. E como o
puder criador que ele possue é que cria tudo que ele é, tudo que nele é
metafisicamente suposto (Prazer, Orgulho, Dôr, Humilhação, Ancia, Vertigem,
Vacuo, Bem, Mal, Animismo, Loucura), Deus que é esse puder, é que cria assim
tambem a Loucura e sendo-a pois Ele é todo o Existir, tudo que o constitue atravez
de ser indecisamente, vertigicamente distinto. A Loucura é pois de Deus como o
Prazer, a Dôr, o Vacuo, o Bem, o Mal, a Ancia, o Orgulho, a Humilhação, a
Vertigem, e o animismo criador.
E em Deus podemos distinguir a ação criadora do essencial puder criador
dessa ação e se esta é propriamente o Verbo, o puder essencial d’Ele é a Sua
essencia, o Seu Espirito, o Seu Espirito Santo. Ora o puder criador do Existir é o que
impõe este puramente, fazendo-o exceder o Ser, a Existencia, é enfim o que o torna
Vacuo-Fantasma em Vertigem. E visto ser no seu puder criador que o Existir se
impõe dessa forma pura, excessiva a ponto de surgir como Vacuo fantasmico; visto
ser em tal puder que surge assim a natureza de Vacuo fantasmico possuida pelo
Existir, essa natureza pertence bem ao puder criador do Existir, isto é, do Espirito
Santo. O Vacuo-Fantasma em Vertigem, excesso de Existir-Puder em que este se
exprime puramente, absolutamente, excessivamente, é bem o Espirito Santo de
Deus, o Seu puro, excessivo Puder anímico, Puder criador, essencial. E como é ele
que supõe todos os outros aspetos do Existir, nele contidos, o Espirito Santo que o
é como acabo de dizer, é que [14r] supõe em Si Proprio tudo. Portanto Loucura,
Vertigem, Ancia, Prazer e tudo o mais são a propria essencia de Deus, o Seu
proprio Espirito Divino. E isso tudo é que surge confundido e distinto, sendo certo
que o purismo de cada um desses elementos puros, em si e pois animicos ou
fantasmicos, é que o torna todos labyrinticamente e distinto de todos.
Com efeito se o purismo é que os torna em si e pois distintos uns dos outros,
o mesmo purismo os torna indistintos. Rialmente é o purismo de Existencia que a
torna Vacuo e dando-lhe simultaneamente Prazer, Dôr, Orgulho, Humilhação, etc;
o Prazer puro, abstrato, toma o Vacuo da Abstração, aniquilando-se assim como os
outros elementos fantasmicos; e como se abstraciona, se esvazia por ser puro,
puramente existente, afinal tanto existe como se esvazia, como não existe pois,
possuindo, nesse caso, uma natureza incerta, vertigica, isto é, sendo Vertigem; óra
esta é Loucura, dando Dôr Anciosa e portanto no Prazer que a supõe, ha essa Dôr e
essa Loucura. Facil era proseguir mostrando que cada elemento fantasmico surge
como sendo indecisamente todos os outros e de todas as formas que criam um
verdadeiro labyrinto genesico: labyrinto atravez de que se geram fantasmas em
fantasmas e tudo por obra essencial do puder criador do Existir, tudo por obra
essencial do Espirito Santo de Deus!
Óra o que surge puramente, surge espiritualmente e tambem duma forma
intensissima, bestial. A Bestialidade expressa no Mundo –, o Mundo é o intenso,
berrante, bestial Manifestar-se de Deus – a Bestialidade digo, do mesmo modo que
o Espirito, é outro fantasma do divino Existir. E como é atravez dela que todos os
outros fantasmas surgem – por serem puros, são fortemente, bestialmente
existentes, são emfim, bestiaes – não resta duvida que surge ainda um outro
Ora voltando enfim ao nosso pintor: Mario Eloy vê tudo determinado, como
que fixo e bem individual, bem distinto quando é certo que na Vida tudo é tão
distinto como vertigicamente indistinto de tudo e duma forma labyrintica. Mas ele
pode e deve evolucionar. Assim deve fazer sentir nas suas telas – enquanto pintar
em telas – que os carateres expressos por ele profundamente, são um mundo
labyrintico de fantasmas indefeniveis, vertigicos (dôr, prazer, luxuria, ancia,
loucura, bestialidade, [17r] vacuo, bem, mal, tudo que forma o Existir e por ele ser
essencialmente Vacuo-Fantasma em louca e luxuriosa Vertigem-Besta), mundo de
fantasmas que surge por uma razão metafísica ou theometafisica, razão que está no
facto do Existir ser o fantasmico e vertigico Vacuo que supõe, por sua propria
natureza, taes fantasmas vertigicos em vertigico Labyrintisar. E essa razão
theometafisica deve ser bem expressa na arte do pintor como expresso deve ser o
facto desse mundo fantasmico pertencer á mesma substancia una, ao tal Vacuo-
Fantasma em Vertigem-Besta que é o uno Existir Infinito. Mario Eloy de quadro
para quadro, é diferentissimo como se as figuras que ele exprime, aparecessem na
vida ao acaso e sem intimas relações ocultas. Ora a verdade é que todos nós, sendo
diferentissimos – e com diferenças aliás indeterminaveis, vertigicas, no fundo,
diga-se de passagem – não deixamos de ser aspetos do mesmo e por isso atravez
de toda a nossa diversidade déve-se fazer sentir uma identidade fundamental.
Para Mario Eloy os homens são só diversos, não tendo nada de essencialmente
comum entre si quando é certo que eles são só infinituplos aspetos fantasmicos da
mesma substancia intima. Ora é essa substancia, sempre identica a si propria, que
deve surgir constantemente atravez das variadissimas expressões que assim
devem possuir uma identidade fundamental. A substancia a que me refiro, a
essencia de todos os seres ou fantasmas de seres que constituem a Vida ou o Existir
e que aparecem por uma razão theometafisica, não surgindo por acaso, sem razão
intima de ser, essa substancia ou antes essa essencia – não se trata verdadeiramente
de substancia por causa do Vacuo essencial – é o Vacuo-Fantasma em Vertigem-
Besta, Espirito Santo [18r] da Morte e Espirito Santo de Deus. Assim os carateres,
atravez de serem distintos, diferentes e indecisamente diferentes, devem surgir
todos como expressão desse fantasmico e divino Vacuo que se deve manter sempre
o mesmo atravez da diversidade de expressões e carateres. Deste modo as telas dos
artistas, sendo diferentes, serão tambem essencialmente identicas pois em todas
elas estará impresso constantemente o Espirito Santo ou Vacuo-Fantasma em
Vertigem-Besta. Exprimir este na sua arte deve ser o primeiro cuidado do artista e
atravez de o exprimir é que deve então exprimir os varios carateres e como sendo
fantasmicos aspetos varios de tal divino Vacuo, por ele supostos metafisicamente.
Mario Eloy vae ao fundo das almas e vivendo-as na sua propria alma; entretanto
não vae ainda tão ao fundo que encontre a essencia identica de todas atravez de
que elas se continuam umas com as outras. Os homens são distintos e diversos mas
atravez de possuirem a mesma natureza essencial que é necessario, antes de mais
nada, exprimir nas telas. Exprimir apenas a diversidade não basta, torna-se
indispensavel mostrar que essa diversidade é só vertigica, indecisa, incerta
diversidade de fantasmicos aspetos metafisicos do mesmo. E essa natureza
fantasmica de tudo deve surgir sempre nas obras d’arte, natureza que é afinal a
impressa no Vacuo-Fantasma em Vertigem.
Nós intuicionamos o Astral que é a Morte, como qualquer cousa de
puramente Espirito e puramente Vacuo-Abstração, conceitos que transcendem a
compreensão nítida, definidora, sendo pois vividos como qualquer cousa de
absolutamente Indefenido, de absolutamente, bestialmente Vertigem. Conceber esse
Astral é conceber o Indefenido Absoluto, é conceber a Vertigem-Besta, feita
essencialmente de Vacuo e de Espirito em delirio abstrato. Deste modo ele é bem o
[19r] vertigico Vacuo-Fantasma a que me tenho referido. Dar a todas as expressões
da Vida, a todos os carateres humanos uma essencial expressão de Vacuo-
Fantasma em Vertigem-Besta, é dar-lhes uma expressão sinistramente astral,
sinistramente divina.
Sim, porque o Astral é o Espirito Santo de Deus! É por o puder criador
d’Este ser puro, absoluto, excessivo que é puder criador em si, criador puder todo
Abstração Pura e não puder criador pertencente a Ser. Se pertencesse a Ser, não era
puder em si e não era pois puro, absoluto, infinito, divino. Mas não pertencendo a
Ser, (sendo vazio de Ser) dando-se pois em abstrato, dá-se sem suporte, dá-se em
Vacuo, o proprio Vacuo-Espirito da Abstração que ele é. Ora se o puder divino é
esse Vacuo absoluto, Vacuo em si e pois Vacuo animico ou Vacuo-Fantasma, duma
natureza essencialmente indefenivel e contraditoria, essencialmente vertigica, é
que tal puder possue uma natureza astral, sendo certo que o Astral é precisamente
o Vacuo-Fantasma em Vertigem-Besta, pavoroso e sublime em sua bestialidade
sinistra da Morte! Portanto nas obras d’arte deve-se acentuar que o vertigico
astralismo essencial das expressões da Vida é o seu espirito divino, o essencial
puder criador bestialissimo. Assim atravez da astralidade deve surgir o espirito
formidavel de Deus! E como Este, no Seu excessivismo absoluto é que é o
contraditorio Vacuo-Fantasma, sendo assim uma contradição pura vivida e atravez
da qual surge um mundo de fantasmas indefeniveis, vertigicos a gerarem-se
labyrinticamente e indecisamente, uns nos outros, tal contradição que é Deus e em
vertigico, delirante Labyrintisar Puro, exprime bem Loucura de Fera Astral em
espasmos anciosos e divinos. Óra [20r] essa labyrintica loucura de bestialidade
astralisante e de formidavel puder criador tambem juntamente com este deve ser
expressa delirantemente em todas as obras do artista.
Mas ainda mais. Deus no Seu tremendo sentir-se Vacuo, anciosamente
procura o Seu proprio existir, assim iternamente perdido atravez de ser iterno, e
essa ancia formidavel, delirante de Deus contorce-O em espasmos de luxuria
abstrata, em prazer, em dôr e vertigem pura de Além! Sente-se Deus num prazer
imenso feito de orgulho, mas como o Seu purismo, a Sua excessividade divina O
Spasme du Vertige-Ind’cision,
Débauche sacrée où Dieu cherche [21r]
Son propre Exister pur au fond
D'Soi-mêm' déchiré par les verges
Masochisantes et en Force
De Sa propre Anxieté Pure
Qui tout purement Le contorse
En délire abstrait de Luxure...
definir [22r] como casa, homem, objeto, seja o que fôr. O que eles pretendem é
representar a impressão geral abstrata dum conjunto de cousas, impressão que
evoque, sempre em abstrato, a labirintica formação genésica de tudo
indefenidamente em tudo, tudo o que é sempre puramente indefenivel, vertigico,
jámais podendo ser, ao de leve que seja, determinado. Sente-se que na Vida todos
os elementos são distintos e estão tambem confundidos; em que são distintos e
indistintos não se pode determinar, não se podendo pois determinar a sua
natureza propria. Cada um de nós tem tanto de cada um como de todos e o que é
que se tem de cada um, o que é cada um de nós como individuo? É sem duvida
qualquer cousa mas qualquer cousa de absolutamente indeterminavel e que só em
abstrato se pode indicar, se pode exprimir, devendo a obra d’arte evocar antes
indefenidamente o que se é em vez de representar defenidamente o que afinal não
se é! Um homem tem qualquer cousa de proprio, não tendo tambem nada de
proprio, é incertamente individuo e Universo. Como exprimir essa contradição que
indefine, que vertigifica a natureza dum homem? Duma forma abstrata que
evoque indefenidamente o que se é como individuo e como Universo-Deus em
Vertigem Astral. Ora essa forma abstrata de se representar os vertigicos seres e
cousas é um processo usado pelos mais avançados futuristas que representam
tambem, sempre em abstrato, a labyrintica formação dos indefeniveis elementos da
Vida uns nos outros. Os futuristas só erram no facto de vêrem em tudo impressões
fisicas, dinamicas sem substancia, sem animismo essencial, sem razão de ser
essencialmente metafisica e muito menos theometafisica ou astral em Vertigem. E
tudo neles são pois só impressões quasi sem interior, não se tratando de fantasmas
de Deus. Ora a tudo se deve dar expressão fantasmica e divina. [23r] É com essa
expressão, vinda do intimo infinitamente abismico do Existir, que deve surgir nas
obras d'arte a formação genésica dos indefeniveis, abstratos elementos da Vida
indefenidamente e labyrinticamente uns nos outros. Que se faça sentir nessa
formação criadora a formidavelmente luxuriosa e poderosa loucura de Deus em
Vertigem Astral. Devemos ir á essencia pura das cousas, até as excedermos, não
nos limitando a uma visão empirica. É atravez dessa essencia que se dá o
labyrintico e delirante processus fantasmogénico.
Ora Mario Eloy vae muito ao fundo das cousas e dos seres, ficando porém a
meio caminho pelo que não atinge a essencia unica, essencia astral e divina da
Vida, não atingindo tambem o exceder-se de cada carater fantasmico que o
universalisa e que o faz pois surgir do Infinito, enfim, labyrinticamente da
totalidade de carateres. E não profundando estes a ponto de ir alem deles, a ponto
de atingir o Infinito essencial deles, fica-se no que ha de individual, de
aparentemente definivel, limitado em taes carateres que só sendo ultrapassados
poderiam desfazer o que os caraterisa individualmente, surgindo então como
Infinito e não simples individuos restritos, limitados, definidos. Mario Eloy
profunda muito os carateres mas não ao ponto de os ultrapassar, tornando-os o
cio de ascése, ergue-se a Deus com furia por entre contorsões de corpos
raivosamente confundidos! E é em templos fantasticos convulsivamente erguidos
atravez de expressões delirantes de vicio lugubre e ascético a marcar Deus em
Morte – intensificação pura, abstrata, vertigica da Vida, assim a aniquilar-se no seu
exceder-se convulso é nesses templos vibrantes de Vicio astral que a Carne e o
Espirito confundidos explodirão magnanimamente…
Sim, “criem-se templos de Luxuria em que esta tome uma feição liturgica e
só então surgirá o verdadeiro sensualismo mistico que ha de exprimir a
divinisação do Mundo, a divinisação de Sodoma estabelecida exaltadamente pelo
Verbo e pelo Espirito Santo de Deus! (1)”
E para que Eu possa lançar piedosamente na Vida a astral Vertigem-Besta
de Deus, o Seu Espirito Sagrado que convulsiona o Mundo, apelo para vós, Meus
amigos, com todo o ardor da Minha Alma de Profeta, para vós, moços artistas que
sereis em delírio os criadores do Futuro… É altissima, magnanima a Missão de
que, por inspiração divina, vos desejo incumbir, segui-Me pois delirantemente em
exaltação lubrica e mistica para que possamos edificar enfim com ancia raivosa a
Cidade Paracletiana da Vertigem Astral.
E assim piedosamente serviremos em furia a nova religião futurista do
Divino Paracleto cujo Reino sagrado Deus quer que Eu anuncie, profetisando a
Morte, profetisando o Além…
(1)
Trecho final do meu estudo “Sodoma Divinisada” que foi brutalmente
apreendido pela policia e por imposição sacrilega da Igreja Catolica, tão alheiada
de Deus!
(2)
Refiro-me á existencia só feita de Terra e que não transpira Deus nem Além, essa
existencia mais de sentidos do que de Alma que nós vivemos desde a
Renascença. Ao Reino da Serpente contrabalançado pelo do Pae ou Jehovah
seguiu-se o Reino do Verbo que enche a Idade Media. A ele seguiu-se o Imperio
de Antecristo ou da Razão que começou a esboçar-se na Renascença e está em
perfeito movimento explosivo. Por fim surgirá o Terceiro Reino divino que é o
Reino do Espirito Santo ou Divino Paracleto, anunciado por Henoch. É nesse
Reino sagrado que o homem descerá tanto ao seu proprio eu que atingirá enfim
a sua propria essencia infinita e divina, sentindo-se prometeicamente Universo e
Deus de que tão alheiado se encontra hoje.
(3)
Ultimas estancias do meu hino-poema sagrado “Antéchrist et la Gloire du Saint-
Esprit” (Edição da Livraria Portugalia)
Bibliografia
ALMEIDA, António (2017). “A Visão Luxuriosa de Raul Leal, Profeta Sagrado da Morte e de Deus”,
in Pessoa Plural – A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.º 12, Outono, pp. 134-168. (DOI:
10.7301/Z0ST7N1F)
AA.VV. (1993). Pacheko, Almada e “Contemporânea”. Lisboa: Centro Nacional de Cultura / Bertrand
Editores.
BARRETO, José (2012). “Fernando Pessoa e Raul Leal contra a campanha moralizadora dos
estudantes em 1923”, in Pessoa Plural – A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.º 2, Outono,
pp. 240-270. (DOI: 10.7301/Z02V2DM3)
GOMES, Pinharanda (1975). “Raul Leal – Iniciação ao seu Conhecimento”, in Pensamento Português
III. Braga: Editora Pax, pp. 66-80.
_____ (1966). “Um d’Orpheu – Raul Leal (esboço bio-bibliográfico)”, in Filologia e Filosofia (Temas
de Filologia e Filosofia Portuguesas). Braga: Editora Pax, pp. 23-45.
LEAL, Raul (1977). “Um extraordinário pintor Mário Cesariny de Vasconcelos”, in LEAL, Raul,
Natália CORREIA & Lima de FREITAS, Mário Cesariny. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura.
_____ (1922). “A Derrocada da Técnica – Palavras do Doutor Raul Leal no Comício do Chiado
Terrasse,” in Contemporânea: Grande Revista Mensal, dir. José Pacheco, Vol. 1, n.º 2, Lisboa,
junho, pp. 60-63.
_____ (1921). “O Passado e o Futuro – Os velhos e os novos”, in Diário de Lisboa, dir. Joaquim
Manso, Ano I, n.º 148, Lisboa, 26 de setembro, p. 3.
NÃO ASSINADO (1921a). “Uma reunião de artistas. No banquete de homenagem ao distinto pintor
João Vaz. Dois discursos futuristas: de José de Almada Negreiros e do dr. Raul Leal”, in
Diário de Lisboa, dir. Joaquim Manso, Ano I, n.º 215, Lisboa, 15 de dezembro, p. 9.
NÃO ASSINADO (1921b). “A reunião de ontem no Chiado Terrasse – O comício dos ‘novos’: algumas
notas interessantes e curiosas escritas por alguém que assistiu à assembleia. O discurso
futurista do nosso colaborador Almada Negreiros”, in Diário de Lisboa, dir. Joaquim Manso,
Ano I, n.º 218, Lisboa, 19 de dezembro, pp. 4 e 8.
NÃO ASSINADO (1921c). “O comício intelectual no Chiado Terrasse”, in Ilustração Portuguesa, n.º 827,
dir. Tito Martins, Lisboa, 24 de dezembro, p. 499.
NÃO ASSINADO (1921d). “No banquete oferecido pelos novos a João Vaz no Restaurante Leão”, in
Ilustração Portuguesa, n.º 827, dir. Tito Martins, Lisboa, 24 de dezembro, pp. 514-515
Palavras-chave
Fernando Pessoa, Thomas Sterns Eliot, Arthur Conan Doyle, Edgar Allan Poe, R. Austin
Freeman, E.M. Wrong, Dorothy L. Sayers, Jorge Luis Borges, Detective Story, Novelas
Policiárias
Resumo
Fernando Pessoa escreveu dois ensaios sobre a ficção policial: «An Essay on Detective
Literature», em sua terceira adolescência, e «The Detective Story, no fim da década de
1920». Apresentam-se aqui essas obras numa edição filológica, com uma introdução que
busca enquadrá-las num contexto histórico.
Keywords
Fernando Pessoa, Thomas Sterns Eliot, Arthur Conan Doyle, Edgar Allan Poe, R. Austin
Freeman, E.M. Wrong, Dorothy L. Sayers, Jorge Luis Borges, Detective Story, Crime Fiction.
Abstract
Fernando Pessoa wrote two essays on the detective novel: “An Essay on Detective
Literature,” in his third adolescence, and “The Detective Story,” in the end of 1920s. This
essay includes a philological edition of those works, together with an introduction
intending to put them in their historical context.
* Universidade de Lisboa, Centro de Investigação de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias
(CLEPUL).
Miraglia Dois ensaios de Pessoa sobre a ficção policial
I. Apresentação
Os documentos que aqui se editam1 foram na sua quase totalidade publicados por
Ana Maria de Freitas no volume Histórias de um Raciocinador e o ensaio «História
Policial», vindo a lume em 2012. Colocá-los à disposição do leitor numa transcrição
baseada em critérios filológicos e acompanhados da sua reprodução digitalizada
seria por si só uma razão suficiente para os apresentar de novo, mas não foi este o
motivo que esteve na origem deste contributo crítico e editorial, nem sequer o
natural desejo de acrescentar uns testemunhos inéditos ao corpus textual recolhido
por Ana Maria de Freitas.2 De facto, uma análise atenta aos fragmentos do ensaio
«História Policial» revela que os mesmos foram escritos em períodos de tempo
diferentes, um facto que Freitas assinala sem lhe dar muito peso na sua proposta
de seriação (FREITAS, 2016: 132-134). Com base na cronologia e nalguns elementos
textuais, é possível dividir os documentos desse ensaio em dois conjuntos
nitidamente separados: o primeiro, pertencente a um projecto juvenil, titulado An
Essay on Detective Literature, datável de 1906 aproximadamente; o segundo, a um
projecto mais tardio, com o título de The Detective Story, que remonta à segunda
metade da década de 1920. A organização dos textos em dois grupos tem a
vantagem de contribuir para uma sua melhor compreensão, quer por permitir
contextualizá-los à luz da própria evolução do género policial, que nas duas
décadas que mediaram entre os dois projectos fora notável, quer por estabelecer de
forma mais rigorosa a eventual intertextualidade com escritos contemporâneos de
cariz semelhante.
O ensaio juvenil, cujo título figura no esquema inicial (BNP/E3, 48D-76r) e
em dois outros documentos (146-26r e 48B-149r), remonta com muita probabilidade
à terceira adolescência de Fernando Pessoa, ou seja, ao período imediatamente
posterior ao seu regresso, em 1905, de Durban a Lisboa. Note-se que o documento
2718A3-12r contém parte do conto The Door (1906-1907) e 146-49v, uma classificação
de tipos de criminosos discutida no conto The Case of the Science Master (1904-1906).
Para além disso, há uma certa uniformidade dos materiais; vejam-se as folhas 146-
48, 146-49, 146-52, 146-68. As afinidades indiciam uma escrita seguida num espaço
de tempo restrito.
O esquema inicial (TEXTO 1) revela um projecto ambicioso: o Essay on
Detective Literature seria constituído por duas partes de cinco capítulos cada. A
1 Este artigo contou com valiosas colaborações de Jerónimo Pizarro e Carlos Pittella.
2A existência dos textos sobre a literatura policial no espólio pessoano foi revelada pela primeira
vez por Fernando Luso Soares, que reproduziu em facsímile o documento BNP/E3, 100-29 (SOARES,
1953: 64). Posteriormente, dois testemunhos foram publicados por Teresa Rita Lopes (PESSOA, 1992:
192-193). Gianluca MIRAGLIA (2004) transcreveu e traduziu para o italiano vários documentos num
contributo em que, segundo Ana Maria de Freitas, o autor «trata da relação de Pessoa com o
policial, tal como ela é reflectida pelo ensaio em causa» (FREITAS, 2016: 132).
68). Ao mesmo tempo, porém, o autor reconhece que os críticos podem ser
desculpados, pois a maioria das obras policiais editadas é de ínfima qualidade.
Este argumento, que mereceria uma análise aprofundada na perspectiva do
estatuto do género no sistema literário e da relação entre a ficção policial e a
demais ficção que aqui não pode ser desenvolvida, aparece com frequência nos
artigos dos apologistas da detective story da época e não só.4
Ao segundo capítulo do Essay on Detective Literature deviam pertencer os
documentos (146-78 e 146-59r), nos quais Pessoa se esforça por distinguir de forma
clara a detective story da mystery story – dois tipos de narrativa de cariz diferente
que muitas vezes tanto o leitor comum como os críticos confundiam,
considerando-os por conseguinte de igual desvalor –, ressaltando ainda a
superioridade da primeira em relação à segunda5. O terceiro capítulo, «Necessary
points of these tales», em que o jovem Pessoa procura determinar as leis, as regras
da detective story, e formular uma poética, ou mais precisamente um modelo
narrativo teórico, é o que mais foi trabalhado e, porventura, o mais interessante,
pelo que revela de um progressivo aprofundamento de uma ideia inicial, como
demonstram as várias redacções (48D-76v).6 Em particular, deve ser assinalada a
4«Supercilious persons who profess to have a high regard for the dignity of ‘literature’ are loath to
admit that detective stories belong to the category of serious writing [...] with some reason they
despise detective stories because most of them are poor cheap things» (PECK: 257). «No form of
artistic effort has suffered more from the indiscriminate condemnation than the type of narrative
which we commonly call the Detective Story. That a very large number of people write bad
detective stories is true [...]. If the average level of detective stories writing is peculiarly low, may
not this fact itself be attributed to the refusal of literary criticism to take its artistic qualities
seriuosly?» (CHESTERTON, 1906: 505). Também em escritos mais tardios encontra-se semelhante
argumentação; veja-se, por exemplo, o artigo de FREEMAN (1924), The Art of the Detective Story.
5 Os argumentos do jovem Pessoa encontram paralelo no que afirma uns anos mais tarde Austin
Freeman para sublinhar como seja uma tarefa árdua a de escrever uma boa história policial: «The
rarity of good detective fiction is to be explained by a fact which appears to be little recognized
either by critics or by authors; the fact, namely, that a completely executed detective story is a very
difficult and highly technical work, a work demanding in its creator the union of qualities which, if
not mutually antagonistic, are at least seldom met with united in a single individual. On the one
hand, it is a work of imagination, demanding the creative, artistic faculty; on the other, it is a work
of ratiocination, demanding the power of logical analysis and subtle and acute reasoning; and,
added to these inherent qualities, there must be a somewhat extensive outfit of special knowledge»
(FREEMAN, 1924: 714).
6Nos vários escritos contemporâneos, ou anteriores sobre a detective story, registados na bibliografia
deste artigo, pode-se encontrar, de forma difusa, a enunciação das regras que o jovem Pessoa
enumera. A originalidade do Essay on Detective Literature consiste na sistematização rigorosa dessas
regras com vista a estabelecer um modelo narrativo teórico. Em 1906, M. Thornton Armstrong,
autor de vários romances policiais, em «The Detective Story» (breve artigo publicado na revista The
Editor) enumera os seis requisitos de uma boa história policial: «A Good Plot; No Superflous
Characters; A Wrong Clue; Only Legitimate Deceptions; A Tragic Plot; Plenty of Obstacles»
(ARMSTRONG, 1906: 218-219), mas a perspectiva é a de quem dá conselhos práticos ao aspirante
escritor de romances policiais.
7 Cecil Chesterton, na mesma altura, sublinha a importância do jogo limpo com o leitor e aponta
como exemplo a seguir um romance de que se falará mais vezes neste artigo: «In an ideal detective
story all the clues to the true solution ought to be there from the first, but so overlaid as to pass
unnoticed. If anyone whishes to see how this can be done, let him read attentively the first two or
three chapters of The Moonstone wherein, for example, the all important conversation between
Franklyn Blake and the doctor is given at lenght, but in such a context as to appear amere incident
designed th throw light on a phas of Franklyn’s temperament» (CHESTERTON, 1906: 506).
8 Veja-se por exemplo o que escreve C.S. Northup acerca de Edgar Allan Poe no livro A Manual of
American Literature, que consta da Biblioteca Particular de Fernando Pessoa: «The ‘Tales of
ratiotination’ were the forerunners of a long line of ‘detective stories’—by Gaboriau, Du Boisgobey,
Wilkie Collins, Conan Doyle, and others—in none of which does we find a keener analytical mind
than that of Monsieur Dupin» (STANTON, 1909: 177).
9 O poema é de autoria de Carolyn Wells (1862-1942), prolífica escritora americana de romances em
grande parte policiais a quem se deve também o primeiro livro expressamente consagrado à
literatura policial: The Technique of the Mystery Story (1913). Nos versos citados falta o nome de
Arthur Morrison, mas figura o de Ottolengui, ou seja Rodrigues Ottolengui (1861-1937), escritor
americano, autor de algumas novelas e de um volume de contos policiais, Final Proof or the value of
Evidence (1898).
jovem Pessoa, ao definir com maior rigor as (suas) regras da detective story, acaba
por a circunscrever de forma exclusiva à narrativa breve – «The first and necessary
traits of a detective story demand that it be short» (146-76v); de resto, os autores que
permanecem na lista são todos essencialmente contistas14. Seja como for, enquanto
o nome dos escritores franceses não aparece em nenhum documento do ensaio, o
de A.K. Green é mencionado várias vezes, e dois dos seus romances, The Circular
Study (1900) e The Leavenworth Case (1878), figuram como exemplos de «flaws» em
relação às regras estabelecidas pelo jovem Pessoa.
Do quarto capítulo, que devia abordar a obra de Conan Doyle15, ficaram
dois documentos, sendo um deles inédito até hoje, o que releva a importância que
nessa altura Pessoa dava a este escritor, do qual menciona e comenta o primeiro
romance protagonizado por Sherlock Holmes, The Study in Scarlet, e seis contos: A
Scandal in Bohemia, The Red-Headed League, The Adventure of the Speckled Band, The
Adventure of the Greek Interpreter, The Adventures of Charles Augustus Milverton, e The
Adventure of the Missing Three Quarter (146-49r e 48v).
Ao último capítulo do ensaio, dedicado a Arthur Morrison16 & others,
pertencem os documentos 48B-149r e 146-48r. Segundo o jovem Pessoa, «generally
speaking is Mr. Morrison superior to the criator of S[herlock] Holmes» (48B-149r),
um juízo peremptório destinado a mudar com o passar dos anos, dado que no
ensaio The Detective Story o criador de Martin Hewitt não é sequer mencionado. De
todos os modos não há dúvida que, pelo menos até ao ano de 1914, o apreço por
Morrison mantinham-se, como atestam os projectos de tradução dos seus três
livros de contos policias (vejam-se no espólio pessoano os documentos com cotas
144E-9 e 144V-7).
14Não parece haver outras razões para a exclusão, sobretudo, de Gaboriau. O escritor francês era na
altura geralmente considerado ao mesmo nível de Conan Doyle. Veja-se PECK (1909) e MAURICE
(1902); na opinião de Cecil Chesterton: «In all the tecnhical craft of mystery making, Gaboriau
stands first and almost without rivals [...] His mysteries are really mysteries; his solutions are really
solutions» (CHESTERTON, 1906: 507). Segundo B.E. Stevenson, que escreve poucos anos mais tarde:
«In short, among all the detectives, amateur and professional, who have appeared before the public
and performed their little tricks, there are only four who are classic—C. Auguste Dupin, Tabaret,
Monsieur Lecoq, and Sherlock Holmes. These abide. Beside them, the other are mere shadows»; e
«Twenty years after Poe’s death, Emile Gaboriau began that series of detective stories which still
remain, on the-whole, the best of their class» (STEVENSON, 1913: 49 e 51)
15Da vasta obra de Arthur Conan Doyle (1859-1930) na biblioteca particular de Pessoa encontra-se
apenas His Last Bow: Some Reminenscies of Sherlock Holmes [1910s]; e o livro Through the Magic Door
(1907), que Pessoa anotou copiosamente, no qual o criador de Sherlock Holmes comenta livros da
sua própria biblioteca. Nas listas de livros vendidos, entre 1930-1931, figuram os romances policiais
The Valley of Fear e The Sign of Four (PIZARRO, FERRARI e CARDIELLO, 2010: 438-445, apêndice III).
16Arthur Morrison (1863-1945), escritor e jornalista inglês. Mais conhecido por livros, como A Child
of the Jago (1896), que descrevem a vida dos subúrbios londrinos, ou pelos estudos sobre arte
chinesa e japonesa, como Painters of Japan (1911), publicou três volumes de contos policiais, Martin
Hewitt, Investigator (1894), The Chronicles of Martin Hewitt (1895), The Adventures of Martin Hewitt
(1896).
tenha lido os folhetins de L’illustration (ver FERRARI, 2009: 210) e, sendo este o caso,
o documento em questão dataria aproximadamante de começos de 1908.22
O segundo ensaio, The Detective Story, compõe-se de seis documentos, na
sua quase totalidade dactilografados e identificados pelo mesmo título, que
remontam à segunda metade dos anos 20, como revela a data de edição de alguns
romances policiais nele mencionados. Se a seriação dos documentos que aqui se
propõe for correcta, e tendo em conta que os textos foram redigidos provavelmente
num breve período de tempo, o termo a quo pode ser fixado no ano de 1927, ficando
em aberto a possibilidade de a sua redacção ter acontecido nesse ano, ou no
seguinte, ou talvez em 1929. Menos provável afigura-se uma datação mais tardia,
pois a partir de 1930 Pessoa entra numa fase de leitura voraz de romances policiais
que não se coaduna com o número relativamente limitado de obras e autores
citados.23
No espólio pessoano não existe um esquema do The Detective Story, e a
leitura dos textos que o compõem não indicia que Pessoa o tivesse traçado: a
escrita parece avançar por parágrafos, por vezes desgarrados, enquanto as
repetições são frequentes. O ensaio começa com umas considerações gerais e, após
a identificação de três tipos de detective story (que correspondem às obras de
Freman Wills Crofts, R. Austin Freeman e Edgar Allan Poe), prossegue com a
definição dos requisitos essenciais da detective story, assinalando o que nela é
legítimo ou não. Grande relevância é dada à Fair-Play Rule, e de uma forma muito
mais aprodundada do que acontecia no Essay on Detective Literature (vejam-se os
documentos 100-25r e 26r e 71-20v), o que revela como Pessoa tinha plena
consciência da mudança em acto na literatura policial a partir dos anos 20. Repare-
se, em particular, em 71-20v, na descrição do quinto modo de tornar o crime
abnormal, «by the creation of an abnormally intelligent criminal, who naturally
devises an abnormally skilfull crime», que segundo Pessoa «is one of the best for
the creation of a real detective story». Tornar mais difícil a descoberta do criminoso
por parte do leitor, exigia ao escritor de policiais que quisesse cumprir as estritas
regras da Fair-Play Rule a criação de crimes, e por conseguinte de enigmas, cada
vez mais complexos, o que em breve abriria caminho para outro modo que Pessoa
não menciona, certamente por ainda não ter lido os romances de S. S. Van Dine24
22Outro romance policial da época em que o detective resulta ser o criminoso é The Whispering Man
(1908), de autoria de Henry Kitchell Webster (1875-1932), mas parece francamente difícil que Pessoa
pudesse conhecer este livro publicado nos Estados Unidos.
23Vejam-se as listas de livros para comprar e vender em PIZARRO, FERRARI e CARDIELLO (2010: 436-
448), Apêndice III.
24S.S. Van Dine, pseudónimo de Williard Huntington Wright (1888-1929) americano, crítico de arte
e autor de uma série de romances policiais protagonizados pelo investigador Philo Vance. Na
biblioteca de Pessoa encontram-se três romances da sua autoria: The Benson Murder Case (1926), The
Canary Murder Case (1927) e The Bishop Murder Case (1929).
25Agatha Christie (1890-1976) escritora inglesa, criou a figura de Hercule Poirot que protagoniza
boa parte das dezenas de romances policiais que escreveu. Ao contrário da maior parte dos outros
expoentes da Golden Age, continua a ser reeditada em todo o mundo com êxito constante.
26 R. Austin Freeman (1862-1943). Escritor inglês, criou a personagem do Dr. Thorndyke,
protagonista de vários romances e volumes de contos.
27Veja-se O Fio e o Labirinto (FREITAS 2016: 157.) Convém esclarecer que um exame dos volumes
conservados na biblioteca de Pessoa revela tratar-se de edições da segunda metade da década de
1920, com a única excepção de The Eye of Osiris, provavelmente o primeiro livro de Freeman que
Pessoa comprou e leu numa data que se pode conjecturar, com base na assinatura, entre finais dos
anos 10 e começo dos anos 20 do século passado.
28Baronesa de Orczy (1865-1947), escritora inglesa de origem húngara que alcançou a fama com a
série de aventuras de Scarlet Pimpernet.. Criou a personagem do «Old Man in the Corner», típico
investigador da linha Dupin-Holmes que resolve os enigmas a partir do canto de uma sala de chá,
sem precisar de qualquer investigação.
29Mary Roberts Rinehart (1876-1958), escritora americana, em cujos melhores romances, como The
Circulaire Staircase (1908), à investigação policial se alia a suspence.
30Veja-se: «Existem dois fragmentos de sobrecapa (BNP/E3, 32-14, 48A-50 e 50ar). Contêm um
poema escrito em português, que foi publicado por Jorge Nemésio em Poesias Inéditas (1930-
1935),1955: 37; o poema está datado de ‘27/3/1931’» (PIZARRO, FERRARI e CARDIELLO, 2010: 421). Ver
também PIZARRO e FERRARI (2011).
Por fim, o romance de Henry Wade, The Verdict of you all (1926), consta de
umas listas de livros para vender, datada de 1930 (PIZARRO, FERRARI e CARDIELLO,
2010: 438).
O facto de terem passado cerca de vinte anos desde a escrita do ensaio
juvenil coloca The Detective Story num contexto profundamente diferente. A
literatura policial entrara numa nova fase – a chamada Golden Age –, e a forma
narrativa privilegiada já não era o conto, mas sim a novela ou o romance. Pessoa,
que em 1914 mencionava Conan Doyle e Arthur Morrison como autores de
referência do género policial32, neste ensaio escreve que os «two mains writers in
this class of story are F.W. Crofts e Austin Freeman» (100-29r). Um dos aspectos
mais notáveis do Essay on Detective Literature, como vimos, residia no facto de o
jovem Pessoa ter tido a ideia de escrever um ensaio abrangente sobre a literatura
policial numa altura em que tal estudo ainda não existia. Vinte anos mais tarde
essa originalidade deixou de existir; na biblioteca particular de Pessoa conservam-
se dois livros que devem ser necessariamente tidos em conta na leitura e
interpretação das páginas de The Detective Story: Crime and Detection, antologia
organizada por Edward Murray Wrong33, editada em 1926, e Great Short Stories of
Detection, Mystery and Horror, a célebre antologia que Dorothy L. Sayers34 publicou
em 1928.35
Embora não possa ser mais do que uma conjectura, baseada na data de
edição do livro, dado não existirem outros elementos materiais que permitam ter
uma certeza absoluta, afigura-se muito provável que o volume de E.M. Wrong foi
Por uma carta enderaçada a The Albatross Book Club, datada de 12 de Julho de 1933 ficamos a saber
31
que Pessoa leu o romance Death on the Way (cf. FREITAS, 2016: 125-126).
32«Um dos poucos divertimentos intelectuais que ainda restam ao que ainda resta de intelectual na
humanidade é a leitura de romances policiais. Entre o número áureo e reduzido das horas felizes
que a Vida deixa que eu passe, conto por do melhor ano aquelas em que a leitura de Conan Doyle
ou de Arthur Morrison me pega na consciência do colo» (PESSOA, 2003: 150; BNP/E3 20/49).
33E.M. Wrong (1889-1928), historiador inglês, foi professor em Oxford e escreveu, entre outras
obras, The Hystory Of England (1927).
34Dorothy L. Sayers (1893-1957), escritora inglesa. No romance de estreia, Whose Body? (1923), criou
a personagem do investigador aristocrata Lord Peter Wimsey. Entre as suas obras não policiais
destaca-se a tradução em tercetos rimados da Divina Commedia de Dante.
35Na biblioteca de Pessoa figura também um importante artigo de Chesterton, On Detective Novel,
que faz parte do volume Generally Speaking (1929). O texto não apresenta marginálias e
provavelmente foi lido num período posterior à redacção de The Detective Story.
o que Pessoa leu primeiro, e não será descabido pensar que tenha sido justamente
através desse livro que Pessoa ficou a par da realidade da literatura policial dos
anos 20.36 E.M. Wrong destaca tanto a obra de Austin Freeman, «The greatest
detective now in business, Thorndyke» (WRONG, 1926: xxiii), como a de Freeman
Wills Crofts, «almost the only detectives who take us fully into their confidence are
those of Mr. Crofts» (WRONG, 1926: xxvii), e ambas essas frases foram sublinhadas
por Pessoa. Além disso, a censura feita à obra de R. Austin Freeman em relação à
temática amorosa (veja-se 100-29r e respectiva nota) e a classificação dos tipos de
investigação, que Pessoa substancialmente retoma, indiciam uma mais do que
provável influência da introdução de E.M. Wrong no ensaio The Detective Story37.
Em relação à antologia organizada por Dorothy L. Sayers, que veio a lume
em 1928, a eventual intertextualidade não pode ser excluída38, e, a confirmar-se,
implicaria uma datação do ensaio pessoano muito próxima do fim da década de
1920. A marginália presente nesse livro foi já descrita cabalmente por Ana Maria
Freitas (2016: 147-154). Na sua maior parte encontram-se no capítulo dedicado ao
futuro da detective novel, e parecem indiciar mais o interesse de um Pessoa escritor
de narrativas policias do que de um Pessoa teorizador do genero.
Uma frase sublinhada a lápis, «taking everything into consideration, The
Moonstone is probably the finest detective story ever written» (SAYERS, 1928: 25),
leva Ana Maria Freitas a comentar que «essa anotação elimina quaisquer dúvidas
que pudessem existir sobre o conhecimento que Pessoa tinha do romance de
Wilkie Collins» (FREITAS, 2016: 152), mas na realidade o motivo que torna esta
marginália interessante, curiosa e intrigante é outro. Sabemos que Pessoa conheceu
e leu esse romance na juventude, como demonstra o documento 146-77r; todavia,
não lhe deve ter deixado uma impressão favorável, pois apenas o cita como
exemplo de «flaw» relativamente a uma das regras da detective story que
estabelecera. Nessa altura, de resto, Pessoa identificava fundamentalmente o
género policial com a narrativa breve e não deve ter apreciado a excessiva extensão
de The Moonstone, assim como não apreciou a dos romances de A.K. Greene e,
supostamente, de Leroux e Du Boisgobey. Este juízo negativo persistiu ao longo
dos anos, visto que num volume que consta da sua biblioteca e que apresenta
numerosos sublinhados, The Victorian Age in Literature (1914) de Chesterton, não
figura alguma marginália acerca da seguinte afirmação peremptória: «Finally, The
36Um dos elementos que leva a pensar que Pessoa leu primeiro o volume organizado por E.M
Wrong é o facto de Dorothy L. Sayers citar esse volume (SAYERS, 1928: 11), e de Pessoa não assinalar
nem sublinhar essa referência bibliográfica.
37 Outras marginalias parecem ser mais a confirmação de um pensamento já desenvolvido por
Pessoa, como é o caso desses sublinhados: “Detective fiction as we know it begins with Poe”
(WRONG, 1926: xi); “Sir Arthur Conan Doyle’s name must stand, in the history of the detective
story, only a little lower than Poe’s” (WRONG, 1926: xiii).
38 Veja-se nota ao documento 100- 26r.
Moonstone is probably the best detective tale in the world» (CHESTERTON, 1914:
132). Pessoa também não sublinhou, nem assinalou as observações sobre a
narrativa de Collins que se encontram na introdução de E.M. Wrong: «In 1860 The
Woman in White made a happy connexion between villainy and detection; in 1868
came The Moonstone, more orthodox because more of a pure puzzle» (WRONG,
1926: xii). Por fim, na sua biblioteca não se encontra nenhum volume do escritor
vitoriano39, e o seu nome não é mencionado nas Apreciações Literárias (2013),
editadas por Pauly Ellen Bothe.
O número reduzido de autores citados em The Detective Story é um dos
dados que leva a pensar numa redacção do ensaio anterior a 1930, como já se
assinalou. Seria de facto extranho que Pessoa não fizesse alusões aos numerosos
escritores policiais que figuram nas listas de livros para comprar ou vender, ou a
outros autores que constam da sua biblioteca, como é o caso de S.S.Van Dine, de
Anthony Berkeley40, ou de Agatha Christie41.
A ausência, no ensaio, de uma qualquer alusão ao romance Last Trent’s Case
(1913), de autoria de Edmund Clerihew Bentley42, que consta da biblioteca de
Pessoa, poderia parecer estranha, tendo em conta que existe um documento do
espólio (14D-17; ver anexo), já publicado e ao qual foi atribuída uma data próxima
de 1923 (PESSOA, 2013: 480), e que contém uma frase segundo a qual na novela
policiária, de que foi o criador, Edgar Allan Poe «nunca foi excedido, nem sequer
igualado, salvo talvez por E. Bentley no ‘Trent’s Last Case’» (PESSOA, 2013: 217).
Esta frase, aliás, corrige o que Pessoa tinha escrito anteriormente: «a novela
policiaria (de que são hoje principaes representantes o Freeman Wills Crofts e R.
Austin Freeman)» (PESSOA, 2013: 217). O aparente enigma encontra a sua solução
39 Pessoa possuia pelo menos um romance a julgar por uma lista de livros cuja localização se
desconhece: «COLLINS, Wilkie (1899). The Woman in White: a novel. London: Chatto. ‘Autographed:
[?] Rebello. Dated: 17-9-901. Volume not intact’ (SILVA, 1980: 33)» (PIZARRO, FERRARI e CARDIELLO,
2010: 421).
40 Anthony Berkeley (1893-1971), escritor inglês, criou a personagem do investigador Roger
Sheringam, protagonista de numerosos romances como o célebre Poisoned Chocolate Case (1929), com
o pseudónimo de Frances Iles assinou várias obras, entre as quais se destaca Before The Fact (1932).
41Um caso à parte parece-me ser o de Gilbert Keith Chesterton. Pessoa conhecia bem a obra deste
autor (PESSOA, 2013: 97-99); na sua biblioteca particular existe um volume de contos protagonizados
pelo Padre Brown, The Incredulity of Father Brown (1926); em duas listas de livros, datadas
respectivamente de 1930 e 1931, aparece o volume The Wisdom of Father Brown (1914); enquanto a
antologia de E. M. Wrong contém o conto «The Invisible Man» (WRONG, 1926: 265-287) e a de
Dortothy L. Sayers o conto «The Hammer of God» (SAYERS, 1928: 504-519). Talvez a singular
narrativa de Chesterton não se encaixasse na concepção pessoana da ficção policial.
42Edmund Clerihew Bentley (1875-1956). Escritor inglês, após a estreia auspiciosa com essa obra
voltou à ficção policial apenas duas décadas depois com o romance Trent’s Own Case (1936) e um
volume de contos, Trent Intervenes (1938). Deu o nome, clerihew, a um tipo de composição poética,
de cariz humorístico, por ele inventada no livro Biography for Beginners (1905): quatro versos, com
rima aabb, em que geralmente o primeiro contém o nome da pessoa visada.
numa análise mais pormenorizada do testemunho que Pauly Ellen Bothe, na sua
edição de Apreciações Literárias, associou a uma carta dirigida a João de Castro e
datada de Junho de 1923, por julgar que o projecto «Anthologia» (que se encontra
no verso do documento) fosse o mesmo que Pessoa tinha nessa altura proposto ao
editor, e pensando que o texto de apresentação da vida e da obra de Edgar Allan
Poe fosse uma primeira versão do que apareceu publicado em três números da
colecção Novelas e Contos das edições Delta em 1923 e, em 1929, no Notícias Ilustrado
(ver PESSOA, 2013: 482). Em primeiro lugar, o projecto «Anthologia» é
substancialmente diferente do projecto editorial discutido na carta; em segundo
lugar, este documento não pode ser, de maneira alguma, um primeiro esboço do
texto publicado, como demonstram as diferenças que só se explicam com as
leituras de obras de literatura policial feitas por Pessoa num período sucessivo. A
simples expressão «romance policial» do texto publicado é substituída primeiro
com a referência a Freeman Wills Crofts e R. Austin Freeman, autores que Pessoa
leu na segunda metade dos anos 20, e, numa segunda intervenção, com a citação
do romance de E.C. Bentley. Esta última emenda, aliás, revela que Pessoa conheceu
The Last Trent’s Case numa fase posterior à da escrita de The Detective Story, dado
que não parece verosímil o não ter ele mencionado no ensaio uma obra que
considerasse ao mesmo nível, senão mesmo superior aos contos de Poe.
Finalmente, a primeira atestação do neologismo «novela policiária», de todo
ausente nos escritos sobre a detective novel, que substitui o sintagma «romance
policial», encontra-se num artigo publicado na revista Fama em Março de 1933:43
Colocado no seu tempo, isto é, no fim dos anos 20, o ensaio The Detective Story, que
visa ser essencialmente uma poética do policial, poderá ser proveitosamente
cotejado com outros escritos de índole semelhante e vindos à luz na mesma altura,
43 Repare-se que ainda em 1932, em carta a José Osório de Oliveira, Pessoa escreve: “Depois disto,
todo o livro que leio, seja de prosa ou de verso, de pensamento ou de emoção, seja um estudo sobre
a quarta dimensão ou um romance policial, é, no momento em que o leio, a única coisa que tenho
lido. Todos eles têm uma suprema importância que passa no dia seguinte” (PESSOA, 1989: 190).
44Com o sintagma «novelas policiárias» Pessoa traduz o original inglês «detective stories». O conto
de Chesterton, «The Arrow of Heaven», integra o volume The Incredulity of Father Brown (1926) que
se encontra na biblioteca de Pessoa, sendo este o texto original: «It is to be feared that about a
hundred detective stories have begun with the discovery that an American millionare has been
murdered; an event which is, for some reason, treated as a sort of calamity» (CHESTERTON, 1926: 37).
The character and motives of the criminal should be normal. In the ideal detective story we
should feel that we have a sporting chance to solve the mystery ourselves; if the criminal is
highly abnormal an irrational element is introduced which offends us.
(ELIOT, 2015: 15)
45 Em 1928, Régis Messac publicou o primeiro trabalho académico: Le Detective Novel et l’Influence de
la Pensée Cientifique.
Thomas Sterns Eliot (1888-1965), poeta, dramaturgo e crítico anglo-americano, figura maior do
46
modernismo. Sobre as relações entre o autor de The Waste Land e Pessoa, ver BLANCO (2008: II, 104).
47Este juízo de Eliot que se tornou famoso por aparecer nas contracapas da maioria das edições
modernas do romance de W. Collins, fora precedido, como vimos, por uma apreciação semelhante
expressa por G.K. Chesterton mais de vinte anos antes.
48 O exemplo maior da incompreensão por parte da crítica literária do interesse tout court pela
literatura policial são os dois artigos de Edmund WILSON, «Why Do People Read Detective Stories»
(1944) e «Who Cares Who Killed Roger Ackroyd?» (1945).
49O facto de as regras de Eliot terem sido publicadas em Janeiro de 1927 e por isso antes das mais
conhecidas de S.S. Van Dine e de R. Knox, mereceria ser sublinhado com maior força do que
normalmente acontece na bibliografia sobre a literatura policial.
A terceira regra, «The story must not rely either upon occult phenomena, or,
what comes to the same thing, upon mysterious and preposterous discoveries
made by lonely scientists» (ELIOT, 2015: 15) preconiza a supressão do elemento
irracional, e encontra paralelo no documento 144-74r de The Detective Story, em que
Pessoa considera «illegitimate» a intervenção «of what can be called occult
elements», embora a admita, se for sabiamente utilizada, com vista à criação duma
certa atmosfera, e no doc. 71-20, no qual se afirma que «the intromission of new
discoveries or inventions» acaba por levar a narrativa para o domínio da mystery
story.
A quarta regra, «Elaborate and bizarre machinery is an irrelevance.
Detective writers of austere and classical tendencies will abhor it» (ELIOT, 2015: 15),
faz lembrar a alínea b da third rule que o jovem Pessoa estabeleceea in Essay on
Detective Literature e que exclui «Use of Indian Idol mechanical devices such
nonsense» (146-77r). Curiosamente, como exemplo de obras que a infringem, Pessoa
aponta The Circular Study, de A.K. Greene, e The Moonstone, de W. Collins. Uma
censura que Eliot não podia obviamente partilhar, embora reconheça que o
exemplo de Collins acabou por ter, neste particular aspecto, uma influência nefasta
na ficção policial sucessiva:
in The Moonstone, the Indian business (though I fear it has led to a great deal of bogus
Indianism, fakirs and swamis, in crime fiction) is perfectly within the bounds of reason.
Collins’s Indians are intelligent and resourceful human beings with perfectly legitimate and
comprehensible motives.
(ELIOT, 2015: 15)
A quinta e última regra, «The detective should be highly intelligent but not
superhuman» (ELIOT, 2015: 16), que se relaciona também com a Fair-Play Rule, «We
should be able to follow his inferences and almost, but not quite, make them with
him» (ELIOT, 2015: 16), aconselha a criação de um investigador que se afaste da
linha Dupin-Holmes e que siga o modelo de Cuff, o protagonista de The Moonstone.
Segundo Eliot, de resto, «it is perhaps in the Detective that the contemporary story
has made the greatest progress» (ELIOT, 2015: 16), e aponta como personagens bem
conseguidas da ficção policial contemporânea «the C.I.D. inspector», uma clara
alusão à figura do Inspector French, protagonista dos romances de Freeman Wills
Crofts, e «the medical scienthist», ou seja o Dr. Thorndyke, criado por R. Austin
Freman. Pessoa, em The Detective Story, não se debruça em pormenor sobre a figura
do detective, todavia ao assinalar como «main writers in this class of story [i.e.
story of investigation] Dr. Austin Freeman and mr. Crofts», partilha em certa
medida a posição de Eliot, porém, em seu entender, a detective story ideal seria
outra, ou seja, a que protagoniza um investigador capaz de resolver o enigma
«without shifting of his chair», e por conseguinte mais «superhuman» do que
We have now come to a point of time at which it begins to be possible to separate with
some assurance the permanent from the transitory in detective fiction. We have two
standard works by which to judge: The Moonstone of Wilkie Collins and The Murder of Marie
Rôget of Poe.
Embora Eliot reconheça que o conto de Edgar Allan Poe é «the purest of all
detective stories, for it depends upon no ‘human’ interest or interest of detail»,
uma ideia que coincide com a formulada por Pessoa, em sua opinião não era este o
modelo a seguir pelo escritor moderno de romances policiais, que «may, like
Collins—and that is his peculiar merit—reinforce detective interest by other
interests» (ELIOT, 2015: 602).
No ensaio juvenil, An Essay on Detective Literature, havia um capítulo cuja
finalidade era a de explicar a popularidade do género policial, mas, pelo menos
nos fragmentos conservados no espólio, o tema não é minimamente abordado. The
Detective Story, por seu lado, centra-se exclusivamente na poética do policial, e em
particular nos requisitos essenciais para que a Fair-Play Rule funcione em pleno.
Todavia na antologia editada por E.M. Wrong existe uma marginália que mostra
como a argumentação do crítico inglês acerca dos motivos que levam as pessoas de
elevada cultura a apreciarem a ficção policial suscitou o interesse de Pessoa:
The detective story has now joined the novel of realism and the tale of passion as fit and
proper reading for evenings and holidays, and its most devotes adherents are found
principally among the highly educated. Partly this is because the modern age prides itself
in its ingenuity. It enjoys mechanism and is attracted by the neatness of a good mystery.
Economy, tidiness, completness—these are qualities possessed by every good tale of
detection, and they are qualities conspicously lacking in some forms now much cried up,
especially in Russian novels and English vers libre. Reacting against works of art with little
beginning and no end but a yawning middle, and in some mesaure rebelling against the
discrepancies so common in real life, we go for solace to the detective fiction.
A ideia segundo a qual a detective story seria uma reacção contra a literatura
que se afirmara nas primeiras décadas do século XX (em particular o romance de
cariz psicológico), e que E.M. Wrong é certamente um dos primeiros a expor51,
50Também esta passagem foi assinalada por Pessoa: «Some criticize detective fiction because it is
not realistic, gives inadequate scope for character drawing, looks chiefly to one thing only, and that
mechanism. That is its nature, but there can be an art of plotas well as an art of the mimicry of life;
art is not limitedto realism but can show itself in diverse forms» (WRONG, 1926: xi).
51Régis Messac, pouco tempo depois, reforça a mesma ideia, e menciona justamente em nota o texto
de E.M. Wrong: «Un bon roman policier possède des qualités d’harmonie, d’organisation intériure,
d’équilibre, qui répondent à certain besoin de l’esprit, besoin que la partie de la littérature moderne
reaparece poucos anos depois num famoso artigo de Marjorie Nicholson – a ficcão
policial é «an escape not from life but from literature» (NICHOLSON, 1946: 113) –
para encontrar a sua formulação mais icástica nas palavras de Jorge Luis Borges:
Ambos géneros, el puramente policial e el fantástico, exigen una historia coherente, es decir
un principio, un médio y un fin. Nuestro siglo propende a la romántica veneración del
desorden, de lo elemental de lo caótico. Sin saberlo y sin proponérselo, no pocos narradores
deste género han mantenido vivo un ideal de orden, una disciplina de índole clássica.
Aunque solo fuera por esta razón, comprometen nuestra gratitud.
No Essay on Detective Literature, assim como em The Detective Story, pelas razões
apontadas acima procurar-se-iam em vão vestígios dessa ideia, mas nas páginas de
um ensaio que Pessoa foi escrevendo aproximadamente nos mesmos anos do
segundo, isto é Erostratus, encontram-se dois trechos em que essa ideia aflora. O
primeiro sublinha o papel da detective novel como evasão da literatura erudita ou
high brow – «And those of us who grow dull with the effort to read Shaw or
D’Annunzio can seek refugee with Mr. W. W. Jacobs, and sanity with Mr. Wills
Crofts and Dr. Austin Freeman» (PESSOA, 2000: 165) –, enquanto no segundo
Pessoa preconiza que todas as formas da literatura moderna deveriam partilhar
alguns traços essenciais e típicos da detective novel, uma das anticipações do futuro
por parte de E. A. Poe:
Conciseness and a hold on the reader, which are required in detective stories, are no less
required in all forms of literature. Nothing is gained by wearying the reader. Edgar Wallace
is more interesting than Walter Scott, but Edgar Wallace is not more interesting than
Shakespeare. There is an Edgar Wallace in Shakespeare.
The stress and pressure of modern conditions may have many disagreeable aspects,
but it has had a very favourable one—the need for conciseness and for deliberate
interestingness in a literary work. It was one of Poe’s critical triumphs that he foresaw the
que se pique d’être la haute littérature néglige trop souvent pour se livrer à dês débauches de
sentimentalitá ou d’erotisme» (MESSAC, 1928: 656)
52 A brilhante lição sobre o conto policial, que Borges proferiu na Universidade de Belgrano em
1978, e que costuma ser lembrada sobretudo porque nela o escritor argentino afirma que E. A.Poe
inventou ao mesmo tempo um novo género, o policial, e um novo tipo leitor, o leitor do policial,
um leitor que antes não existia na literatura, conclui-se com palavras semelhantes: «Que
poderíamos dizer como apologia do género policial? Há uma muito evidente e acertada: a nossa
literatura tende para o caótico. Tende-se para o verso livre porque é mais fácil que o verso regular,
mas o contrário é que é verdade. Tende-se a suprimir personagens e argumentos; tudo é muito
vago. Nesta nossa época tão caótica, algo existe que, com humildade, conservou as virtudes
clássicas: o conto policial. Isto porque não se comprende um conto policial sem princípio, meio e
fim. [...] Eu diria, em defesa da novela policial, que ela não precisa que a defendam; lida
presentamente com um certo desdém, vem salvando a orden numa época de desordem. É uma
coisa meritória e que lhe devemos agradecer» (BORGES, 1986: 73-74).
53 Sempre em Erostratus há mais alusões interessantes à literatura policial: «The practicality of our
times has had some artistic advantage, especially in literature. No detective story of to-day could be
written in the style of ‘Tom Jones’. We have become dramatic (however bad our dramas may be)
and wish our novels to be as direct as dramas. This is a natural and a sane exigency» (PESSOA, 2000:
194; BNP/E3, 19-74v); «There is a dead and a living fame, and each is fame; there is a fame that
works and delves, and a fame that is like a statue, or an inscription on a tomb, a survival without
life. Shakespeare lives and works; Spenser is a name without force. No one (perhaps not even
Spenser) ever read the ‘Faerie Queene’ with a thorough thoroughness. Even the great complete
epics have sinned against interesting always. The ideal is an epic that shall wear like Milton and
interest like Conan Doyle» (PESSOA, 2000: 137; BNP/E3, 19-46r).
A) Textos
1
[48D-76r]
2
[48D-76v]
3
[146-77r]
4
[146-76v]
The first and necessary attributes of a detective story demand that it be short and
that the detective (should) be the central figure. If we lose sight of the first attribute
the tale1 becomes a novel; if we disregard the second it is not a detective story at
all. Thus it is a mistake to call the novels of Mrs. A.K. Green detective stories; they
are always unpleasantly long, and the detective’s figure is not made prominent, on
account of some silly love affairs and unimaginative embroilments. A detective
story, let it be remembered, is not a vehicle for sentiment or passion; it is a cold,
intellectual composition, the delight which it causes being intellectual merely.
5
[146-46v]
Detective Stories.
6
[146-46r]
7
[13A-77v]
We have now to consider what are the necessary attributes of a detective story.
Nay, first of all we shall proceed to make clear what stories are detective stories
and which are not.
8
[146-78r]
The “Murders in the Rue Morgue,” strong and original as it is,1 has nevertheless a
few faults2. One of these is3 the introduction of a spring in a window,4 a mechanical
device, palpably violating our third rule5; another is the finding of the strange hair
in the hand of one of the murdered, a mistake in that the strangeness of the hair
could not have been overlooked by the police. There is, moreover, a very
unpleasant unreality in the divergent evidence with regard to the monkey’s voice.
Another way6 should have been found to call attention to the shrill tones.
9
[146-78]
10
[146-59r]
Betw[een] a detective story and a tale of mystery there is a great diff[eren]ce. A tale
of m[ystery] is a tale of m[ystery]; its plot is in its mystery, its interest with fact of
that being a mystery, in the suspension attending the reader’s ignorance of the
solution1. Not so w[ith] the det[ective] st[ory]. Here the plot is not only in the
mystery, but also in the intellectual process by which the mystery is unravelled, the
interest [is] in the very same intellectual process, in its progressive resolution of the
truth2, far more3 interesting than the other kind of dénouement.
11
[146-57r]
On Detective Literature.
12
[146-53r]
Those authors who write detective stories treating1 of a murder, or, indeed, of any2
other crime, often make it their aim to make it seem impossible for anyone to have
committed the crime—either through □
Edgar Allan Poe himself, great as was his imagination, failed to overcome this
obstacle. He ought to have reasoned that, if he could not overcome this obstacle, he
should not create it at all. In the “Murders in the Rue Morgue”, he very lamely
attempts to make the crime obscure by the introduction of a spring in a window,
when such3 a spring was not necessary.
13
[146-77v e 79r]
Murder is, of course, the commonest mystery employed in detective stories. The
reason for this is very simple.
In connection with the fact of murder being the commonest of all motifs1, I may as
well enter into a particular section. Whenever a murder is committed within a
house2, the author generally tries to make the house closed so as to make an exit
seem impossible. In penny-horribles this is always managed by a secret passage,
through which the murderer has escaped. Other stories are hardly better. Edgar
Allan Poe himself, great as was his imagination3 and ability, nevertheless stooped
to introducing a spring in a window, a palpable and curios flaw. Generally such
attempts are unsuccessful. The best I have yet seen, and it is a very good one, is
that in Mr. Morrison’s “Case of Mr. Foggat”, where the criminal instead of going
down from the windows, gets up from it on4 to the roof; [79r] I may inquire,
however, if such oversight5 is not rather the oversight of a reader than that of an
observer; if to an observer it was not very palpable that the murderer had gone up,
on to the roof. When we read and are told that the window is □ feet from the
ground, and a descent impossible, the suggestion is well given, and takes root well,
and we leap to a false conclusion. But the question is whether such a suggestion is
not purely verbal, in and from the tale as written, if in real life6 such a suggestion
were in any way possible.7
Still as the thing happens in a story (which is meant but to be read) □8
14
[13-40v]
15
[146-52r]
One thing against which these authors1 ought to take care is coincidence. I know
very well that coincidences often occur in the real world. But in detective stories
they are out of place; and for no other reason than that they reveal a lack of
imagination or of persistent thought2. A tale of this kind in which a coincidence
occurs never can3 be considered perfect.
The writer4 of detective stories who would be able to set all the facts of the case
before the reader and5 draw from them conclusions which are above the readers’
intelligence would have been very near perfection. Mr. Arthur Morrison in the
“Lenton Croft Robberies” approaches very nearly to this, as also E[dgar] A[llan]
P[oe] in the “Murd[ers] in the R[ue] Morgue”.
16
[133M-33r]
Astonishing that nothing should as yet have been written concerning detective
stories. We do not pretend to write history of them nor to know of 1/2 nor 1/3 nor 1/10
nor 1/100 part of this nor to find laws or make †.
I1 have no distinct idea of how many of these tales have been written!
17
[sem cota]
Anyone who is acquainted with the English and American literature of to-day
knows well that a large portion of the works produced are what are called
detective stories or tales of mystery. There is no being who can hold a pen but
writes, and there are few who have not attempted, now and then, to write an
intellectual story. When we consider them, it cannot but be astonishing that, until
now, no one should have thought of writing an essay on this branch of literature or
of studying its laws and its logic. But the reason is no other than that of the 2
classes of readers, (the high critical being one, and the low critical and the crowd
generally the other), the first, seeing these tales mostly in the hands of mere
scribblers, considers the type as of no value, and the second being pleased with
them (as they are, indeed, pleased with any sort of nonsense) cares nothing for the
rules, for, in its opinion, the tales are perfect.
18
[146-68 e 69]
A very erroneous idea has great acceptation—namely that a detective story is but a
literary composition of an inferior kind. Critics, especially those who occupy
themselves with poetic and philosophical works, are very unanimous in decrying
this kind of tale. They look upon it as something needing no imagination and little,
if any logic. But they are [68v] in this mistaken—that they have never attempted to
analyse the stories I treat of, that they never have considered what a detective story
really is, and what faculties are needed for its writing. Some of these critics may be
excused in that, being too much accustomed to the work, in this line, of some
gentleman who will be nameless1 and moreover all other gentleman of like2 literary
value, they have very correctly inferred, from what they know, that the3 detective
story4 needs no imagin[69r]ation, that it needs no logic—that, indeed, anyone can
write it, if only he have no respect for whatever5 intellect he may possess.6
On the other hand, the popular idea7 lies in other extreme. The crowd judges
from the same premises and it draws an opposite conclusion. As the imagination of
the authors of whom I have spoken8 is not superior to the popular imagination; as
their logic is not more acute than the logic of a carpenter or of a baker (supposing
the carpenter and the baker to have no more intellect than may be supposed), [69 v]
the common people consider those authors to have reached the limit of human
sharpness.
The crowd, however, errs9 through mere stupidity; the critics err, because
they have not considered.
19
[146-26r]
I have yet a few words to say on the last of these three stories. “The Purloined
Letter,” as it is called, would have been perfect had Poe grasped correctly the
principle on which he founded it. This principle is nothing but that1, to the
generality, the least obvious thing is that which is rationally the most obvious. Poe
makes a French minister2—a clever man and a sly one—hide an important
document from the police by □
20
[146-49r e 48v]
We are now about to consider the work1 of Sir Arthur Conan Doyle in his tales of
Sherlock Holmes, so universally known, and some of them so wrongly admired.
The first book of S[herlock] H[olmes]—in which he made his appearance—is
“The Study in Scarlet.” I do not agree with the majority2 in thinking this an
extraordinary book. Far from it. I consider it—and so will the reader that3 has been
made acquainted with the laws of detective stories—imperfect under4 many
aspects5. The charm of the book lies in the original nature of the detective. But this
charm disappears half way through, when we are brought face to face with a tale
from the West. It is permissible in tales of this kind, to insert a small narration, in
the mouth of one of the actors to explain events or conclude the tale, but it is not
permissible to inflict upon the reader a long stretch of romance, as our author does
in the tale which we are considering. The [48v] necessary explanation should have
been greatly condensed6 and put in the mouth of the criminal. Nay, the narration is
here of such a length as to draw out attention from the problematic, the intellectual
nature of the story, and so to reduce the detective to a minor figure.
21
[145-63]
Apart from pure fanciful compositions, such as the case of Milverton, the stolen ¾1,
The Scandal in Bohemia2 which may be Sherlock Holmes tales3, but are certainly
not detective stories □
We shall take, successively, Sir Arthur C[onan] D[oyle]’s books on4
S[herlock] H[olmes] and criticize the stories □
As to the “Speckled Band” which is executed5 with art and effectiveness, it is
in regard to effect one6 of Sir Arthur’s best. But even this tale has at heart one error
that spoils it entirely. Much of the mystery of it lies in the expression “speckled
band” which does not immediately reveal a snake. Moreover, the woman
murdered is so at night in a dark room7; and in such8 conditions it is obvious that is
mere9 impossible to see anything speckled or colored. And10 if by any chance there
were light to see that the aggressor was speckled & had the form of a band, that
light, ipso facto, were sufficient to show that it was a snake. This is so evident that it
seems foolish to observe it. Yet on so11 [63v] improbable, on so feeble a thing did Sir
Arthur C[onan] D[oyle] build the12 story.
The Red-Headed League is good, very good.13
The freshness of these tales is (with14 some exceptions such15 as the *humble “3/4
case”) their best characteristic.
I appreciate extremely Sir Arthur’s “St. Munro Letters”, where his rather
complex style is proper16 and natural.
22
[48B-149r]
Part II.
Mr. Arthur Morrison.
23
[146-48r, 53v e 53r]
Let us now take1 the first detective book2 of Mr. Morrison – “Martin Hewitt,
Investigator.” It is here that we find one of the best3 detective stories that ever have
been written. “The Lenton-Croft-Robberies” stands by the side of Poe’s “Rue
Morgue” in overcoming4 the difficulty of making the discovery of the criminal a
surprise, by making the criminal an animal—that is to say, by turning5 a question
of generality6 into a question of type—animal type in this case.7 This is, of course,
the second best imaginative way, the best of all being—I have no doubt—turning8
a question of general9 into a human, not into an animal type, which is, I think,
impossible.10
(Thus11, for instance if we come to the conclusion that the criminal is an
athlete, we have already made considerable progression on the common method.
We have already restricted the search. We have risen from the generality12 into the
type. If we can draw the inference that the person sought is [53v] not only an
athlete, but is left-handed, or has lost13 certain teeth, or has certain visible14 marks
or moles or any of these facts together15 or all of them together, we have thus16 far
given a surprise to the reader—that we have come very near to the individuality itself.
But perfection is perhaps not possible for it is hardly credible17 that we may fuse
the individual and the species—I mean to say, run18 the type into the individual—
find19 an individual who is in and by himself20 a type.)21
I have, near22 the beginning of this essay, made some considerations on this
matter and have, I think, given the only23 word upon it.24
For example, if I speak25 of a man who is26 an athlete, has a birth mark on the
left hand and has lost the left lower canine (tooth), I have determined an
individuality. True, but, so to speak, an external individuality. If I look for a man
who unites these 3 things, I shall find him, for it is almost incredible that there
should [53r] be more than one man exhibiting27 these marks.28 But the reader cannot
look for him. He is dead, the criminal, to the reader. He is not an individuality, he
is a thing; in literature an individuality can but be transmitted by character.
24
[146-52v]
“How!”1 the reader will say, “is not an individuality2 determined by the union of
those marks?3 “True,” I shall answer, “but only an external individuality.” Let me
exemplify the difference. If a detective were to find out that a man is4 a man of a
sad, drooping appearance, dressed in black, nay even if5 I say that he is
melancholy, morbidly philosophical, weak and so on—I have marked an
individuality. But read about him in Shakespeare—you have another idea of his
character, another sense of personality—we have the very soul of the man. This is
the true individuality. The reader now understands me when I declare it6
impossible to reach the internal individuality.
25
[146-68r]
The great merit of Sir Arthur Conan Doyle, in his tales of S[herlock] Holmes, is this
limitation of possibility1—this arrival at true individuality—through but external
individuality.
26
Anexo 1
[146-22r]
27
Anexo 2
[2718A3-12r]
At1 this point several considerations arise on some special points of the detective
story. It’s □
B) Imagens
Fig. 9. «[…] a very high artistic sense» (146-78v) [cf. «I wish the reader»; 146-78r].
Fig. 12. «Those authors who write detective stories» (146-53r) [cf. Figs. 23b e 23c].
Fig. 15. «One thing against which these authors» (146-52r) [cf. Fig. 24].
54 Não existe fac-símile do texto 17; ver as notas finais.
Figs. 18a, 18b, 18c e 18d. «A very erroneous idea has great acceptation» (146-68 e 69).
Figs. 20a, 20b e 20c. «We are now about to consider» (146-49r, 48v e 49v) [cf. Fig. 23].
Figs. 23a. 23b e 23c. «Let us now take» (146-48r, 53v e 53r) [cf. Figs. 12 e 20b].
Fig. 24. «‘How!’ the reader will say» (146-52v) [cf. Fig. 15].
Fig. 25. «The great merit of Sir Arthur Conan Doyle» (146-68r) [cf. Fig. 18a].
Figs. 27a e 27b. «At this point several considerations» (2718A3-12r e 12v).
C) Aparato Crítico
1
[48D-76r]
Uma folha de papel pautada manuscrita a tinta preta. A seguir ao texto há um traço horizontal. A
metade inferior da página 76r foi deixada em branco. Este índice, que descreve a estrutura do ensaio
sobre a literatura policial projectado pelo autor, apresentava, na sua primeira versão, duas partes
simétricas com cinco pontos cada. Num segundo momento Pessoa riscou os pontos 2 e 3 da
segunda parte (ver as notas), eliminando três escritores: Emile Gaboriau, Fortuné du Boisgobey e A.
K. Green. Esta intervenção posterior é consequência da própria redacção progressiva do ensaio, no
qual Pessoa afirma: «it is a mistake to call the novels of Mrs A.K. Green detective stories» (146-76v).
O motivo pelo qual Pessoa riscou também os autores do ponto 2, teve provavelmente a mesma
origem, isto é, à medida que o autor ia aprofundando a sua definição da detective story, acabou por
concluir que as obras desses autores não tinham cabimento nela. Em relação aos dois escritores
franceses não há outras referências ou alusões nem nos textos sobre a literatura policial, nem no
volume Apreciações Literárias (2013). Todavia, num conto policial em inglês, The Case of The Science
Master, que remonta ao mesmo período deste ensaio, no incipit o narrador menciona, de forma
depreciativa, o detective criado por Gaboriau: «I am fonder of detective stories than of any other
tales. My knowledge of this kind of literature is enormous; with all branches of it am I acquainted
and I can almost think that I knew Dupin and gasped with admiration at Lecoq’s mistake» (PESSOA,
2012: 55). Texto publicado em PESSOA (2012: 236). Na transcrição de Freitas, além da omissão da
palavra «order», a numeração, em ambas as partes, é 6, 7, 8, 9, 10. O mesmo lapso verifica-se na
tradução portuguesa do documento (PESSOA, 2012: 215). Note-se que no ensaio O Fio e o Labirinto
(FREITAS, 2016: 135), que cita a edição mencionada, vê-se, no fac-símile, a numeração correcta.
NOTAS
1 <2. Gaboriau & Boisgobey.>
2 <3. Mrs. A. K. Green>
2
[48D-76v]
Ver a descrição anterior. Verso da mesma folha de papel. Texto misturado, mais tarde, com
exercícios caligráficos, em que se repetem as palavras «traits» e, com menor frequência,
«Reasoning». São evidentes, pelas emendas e pela mudança de tinta, várias fases de redacção. Num
primeiro momento, sob o título de «Traits of a Detective Story», Pessoa fixa três pontos e, após ter
escrito a segunda característica apercebe-se que esta já contém a terceira («reasoning direct»), por
isso risca-a, para a reescrever, acrescentando o «must be», no ponto três. Numa segunda
intervenção, Pessoa, reescreve, mais em baixo, as três características fundamentais, deixando
inalterada a primeira, reformulando ligeiramente a segunda e, o que é mais relevante, substituindo
a terceira, que enunciava simplesmente a necessidade de um raciocínio directo, ou, como especifica
em 146-77r, «not far-fetched», com uma característica que, ao incluir o leitor, é, sem dúvida, uma das
primeiras formulações, clara e concisa, da regra que, uns anos mais tarde, se tornaria conhecida, no
âmbito da literatura policial, como a Fair-Play Rule. Sempre na segunda intervenção, Pessoa deve ter
acrescentado o adjectivo «Necessary» ao título original. Se repararmos que este termo se encontra
no ponto três da primeira parte do texto manuscrito em 48D-76r, podemos supor que, na cronologia
da escrita, a primeira redacção em 48D-76v é anterior à do esquema do ensaio em 48D-76r. Numa
terceira intervenção, o número de traços marcantes passa de três para quatro, com o acrescento de
mais um ponto, que, sendo colocado em primeiro lugar, implica a emenda da numeração
antecedente. A enunciação deste ponto («An intellectual story. Intellect not allowed.») algo confusa,
3
[146-77r]
Uma folha de papel pautada manuscrita a tinta preta. Na margem superior repete-se duas vezes a
palavra «Reasoning». A relação com o documento anterior é evidente, sendo também claro que o
texto foi escrito a seguir à primeira versão desse testemunho como indicam os três pontos
desenvolvidos. Pessoa procura especificar melhor as condições essenciais para que um texto caiba
na sua definição de detective story, dando exemplos de flaws, defeitos ou falhas, detectados em
conhecidos romances policiais ou contos, como é o caso do ponto 3. a) que alude ao incipit de The
Murders in the Rue Morgue. Texto publicado em PESSOA (2012: 250-251), mas com numeração errada;
ou seja, em vez de 1, 2, 3, figura 5 ,6, 7; só a numeração relativa aos «Examples de flaws» está
correcta. Todavia em FREITAS (2016: 145), apesar de a referência bibliográfica ser a edição
mencionada, a numeração é conforme com o original. Nessa transcrição, em 2 b), dos «Examples of
flaws», aparece apenas a obra de A. K. Green e não aquela de W. Collins, o que, aliás, obriga a
autora a se socorrer de um testemunho indirecto, uma marginália, para confirmar o conhecimento
por parte de Pessoa desse romance: «Na página 25 da mesma obra [D. L. Sayers, Great Short Stories
of Detection, Mystery and Horror], há uma frase sublinhada a lápis ‘Taking everything into
consideration, The Moonstone is probably the finest detective story ever written’. Esta anotação
elimina quaisquer dúvidas que pudessem existir sobre o conhecimento que Pessoa tinha do
romance de Wilkie Collins, o primeiro romance policial escrito, como The Murderrs of the Rue
Morgue foi o primeiro conto, uma obra que revelava já uma preocupação com a exactidão dos
pormenores médicos, legais e policiais» (FREITAS, 2016: 152).
NOTAS
1 <Hum> Ex. of flaw: F. Hume, □ of life. ] Pessoa deixa um espaço em branco, provavelmente por
não se lembrar na altura do título exacto do romance, The Fever of Life (1891).
2 Use of Indian Idol [↑ mechanical devices] such nonsense.
3 <e) Love-affairs etc. outside the story.> [← e) Coincidences are not allowed.]
4 b) <Conclusions *des>
5
[146-46v]
Uma folha de quadrícula manuscrita a tinta preta; o texto está redigido na metade inferior de 46v.
Na metade superior há exercícios caligráficos e duas afirmações sob o título The Tale of Imagination:
«(a) Science is the basis and imagination the secondary thing» | (b) Imagination is the basis and
science the secondary thing». O texto presente, escrito, ao que parece, sob o título Detective Stories,
desenvolve regras já enunciadas. Para o autor, a centralidade do detective na ficção deve ser uma
consequência de a história policial se basear num problema intelectual. A crítica específica ao
romance de A. K. Green, já tinha sido formulada antes. Texto publicado em PESSOA (2012: 244). A
transcrição de Freitas apresenta uma frase a mais no fim do texto, que não pertence a este
documento: «The reasoning of the detective is the plot of the detective story; not as many has
conceived it, the crime that leads to the detective work». Na realidade esta frase encontra-se no doc.
146-47v, uma folha de quadícula manuscrita a tinta preta. A seguir à frase transcrita, um traço ao
meio da página e, por baixo, umas apreciações estéticas («We have now to consider poetry and the
poetic, for poetry differs but in form from poetic prose») e um apontamento («The best division in
poetry)». Depois de outro traço ao meio da página, sob o título «Division», nove pontos a
desenvolver de um ensaio sobre «Work of Human Mind», sendo o último relativo a «Imaginative
intellectual: the detective-story; the intellect-problem story». No rosto, com o título de
«Introduction», há um texto íntimo-ficcional, que começa com as seguintes frases: «Alas for town-
life, and [↑ for] city-life, and [↑ for] village-life, and [↑ for] all other lives whatsoever, lived by men
who are, in their own speaking, sane!».
NOTAS
1 <resolution> solution
2 <re>solves
3 the detective <is *m> <ought to> story
4 example, <that ††> “The Leavenworth Case”
6
[146-46r]
Ver a descrição anterior. Texto manuscrito com mudança de tinta nas últimas duas frases.
Aprofundamento da regra relativa à simplicidade da intriga que implica necessariamente, segundo
o autor, também a brevidade da história policial. Texto publicado em PESSOA (2012: 244).
7
[13A-77v]
Uma folha de papel manuscrita a tinta preta. No rosto e na parte superior do verso, encontra-se o
início de um conto atribuído a Charles Robert Anon, «The Voice of the Infinite». Um traço
horizontal divide a página 77v ao meio. O texto transcrito encontra-se na parte inferior, sendo
redigido com tinta diferente da que foi utilizada utilizada para a escrita do conto. Inédito.
8
[146-78r]
Uma folha de papel pautada manuscrita a tinta preta. Este comentário acerca do conto de Edgar
Allan Poe, poderia eventualmente ser integrado na Part Two do ensaio (ver 48D-76r). Note-se, no
texto, a referência a uma regra que remete para 146-77r e 48D-76v. Num primeiro momento, Pessoa
escreveu «Rule 2», o que bate certo com as condições enunciadas no primeiro dos dois documentos
referidos, pois tratar-se-ia de uma violação da regra relativa à intriga, ou plot, que se manifesta na
introdução de um «mechanical device». Sucessivamente, Pessoa risca a expressão e substitui-a com
o sintagma «our third rule», o que nos leva a inferir que a intervenção deveu-se ao facto de o autor
ter entretanto modificado um desses documentos, acrescentando mais uma condição essencial aos
«Necessary Traits of a Detective Story»; essa condição transforma a regra 2 em regra 3.
NOTAS
1 <thou good and> [↑ strong and original as it is,]
2 <several> [↑ a few] faults
3 <These are> [↑ One of these is]
4 window <– a violation of Rule 2,>,
5 <Rule 2> [↑ our third rule]
6 <Some other> [↑ Another] way
9
[146-78]
Ver descrição anterior. No rosto há um traço que divide a página em duas partes. Na parte
superior, existe um comentário relativo ao conto de Edgar Allan Poe, The Murders in the Rue Morgue;
ver documento anterior. Na parte inferior, o texto transcrito, que se prolonga no verso, no qual
Pessoa procura distinguir de forma clara duas formas narrativas, detective story e mystery-tale, que
costumavam ser confundidas na opinião comum, e ao mesmo tempo sublinha a superioridade da
história policial que exige ao seu autor capacidades invulgares de imaginação e raciocínio. Este
documento, assim como 146-57r, deviam presumivelmente fazer parte do segundo capítulo da Part
One, cujo título é What are Detective Stories? (ver 48D-76r). Texto publicado em PESSOA (2012: 252).
NOTAS
1 a[↑n] <mental> intellectual accomplishment
2 <rabble> [↑ many]
3 <woman> [↑ girl]
4 murder [↑ , robbery]
5 to <make the> cut off
6 <finally> [↑ again]
10
[146-59r]
Um fragmento de folha de papel manuscrita a tinta preta. Considerações acerca das diferenças
entre detective story e mystery story, Pessoa sublinha aqui como o foco da história policial consiste no
processo intelectual que leva à solução do mistério. Texto publicado em PESSOA (2012: 248).
NOTAS
1 the <so> <dénoum> solution
2 of [↑ the] truth
3 <so more> far more
11
[146-57r]
Uma folha de papel pautada manuscrita a tinta preta. Texto publicado em PESSOA (2012: 248).
NOTAS
1 obvious [↑ legitimate] reasons
2 <and> [↑ the]
3 to it [↑ and] the
4 com[↑m]itting
5 it[.] <and the> Illegitimate
6 <it> [↑ murder]
7 <imagination.> ideality.
12
[146-53r]
Uma folha de papel pautada (de caderno) manuscrita a tinta preta. Na parte superior de 53r
encontram-se as frases finais de um texto que, por conter referências à obra de A. Morrison, foi
incluído entre os documentos da Part Two deste ensaio. Tudo indica que este texto, «Those authors
who write...», é uma primeira versão do documento que começa: «Murder is, of course, the
commonest mystery employed in detective stories». Neste último, desenvolve-se mais
pormenorizadamente o tema do crime em quarto fechado. Texto publicado em PESSOA (2012: 246).
NOTAS
1 <are> treating
2 [↑ of] any
3 when <something> such
13
[146-77v e 79r]
Ver a descrição de 146-77r. A segunda folha, 146-79, é diferente, mas parece conter a continuação do
texto editado. Na parte alta de 77v há uma reflexão sobres os motivo pelos quais o assassínio é o
mistério mais comum na literatura. Depois de um espaço em branco, o autor aprofunda um tema
relacionado com o assassínio: o chamado ‘crime em quarto fechado’, exemplificando-o com um
conto de Edgar Allan Poe e um outro de Arthur Morrison. No verso de 146-79 lê-se: «Introduction to
‘Sub Umbrâ’ – Poet’s art should be mental, not laborious». Texto publicado em PESSOA (2012: 251).
14
[13-40v]
Uma folha de papel pautada manuscrita a tinta preta. O texto transcrito encontra-se na metade
inferior de 40v, sob um traço horizontal a toda a largura da página. Na metade superior, figura a
parte final de um poema assinado por Charles Robert Anon e a data «6th April 1905», escrita com
uma caneta diferente daquela utilizada para escrever o texto poético e semelhante, ou igual, àquela
usada para redigir o texto da metade inferior. Este texto devia fazer parte do 4 capítulo da Part One
do ensaio, «Obstacles in the way of detective-stories writers» (48D-76r). Publicado em PESSOA (2012:
252).
NOTAS
1 <difficulty> [↑ stumbling-block]
2 the difficulty [↑ they find]
3 <the> a person the reader
4 <if not, indeed> [↑ very often] indeed
15
[146-52r]
Uma folha de papel pautada, tirada de um caderno e manuscrita a tinta preta. No verso figura um
escrito pertencente a Part Two do ensaio. No primeiro parágrafo, a referência às coincidências
remete para o ponto 2 e) «Coincidences are not allowed» (146-77r). O segundo parágrafo retoma o
ponto 4 de «Necessary Traits of a Detective Story (48D-76v), acrescentando dois exemplos que se
aproximam da regra estabelecida. Texto publicado em PESSOA (2012: 248).
NOTAS
1 which [↑ these] authors
2 of [↑ persistent] thought
3 <can> never can
4 The <*writ> writer
5 <short> and
16
[133M-33r]
Uma folha de papel pautada manuscrita a lápis e tinta preta. Num primeiro momento, o autor, sob
o título de «Paraghraphs», enumera seis pontos (ver anexo). Pelo conteúdo, este documento parece
o primeiro esboço do texto que Pessoa desenvolve no documento seguinte.
NOTAS
1 <We>/I\
Paragraphs
1. □
2. □
3. □
4. □
5. □
6. □
17
[sem cota]
Texto publicado pela primeira vez em Pessoa por Conhecer (LOPES, 1990: II, 193), com esta indicação:
«Texto assinado ‘C: R: Anon’ (não incluído no Espólio: anteriormente em poder de Eduardo Freitas
da Costa, onde o fotografei, hoje em parte incerta)». Publicado em PESSOA (2012: 255).
18
[146-68 e 69]
Duas folhas de papel pautadas tiradas de um caderno e manuscritas a lápis. Na metade superior de
68r existe uma frase relativa a Conan Doyle e a questão da individualidade, que fará parte da Part
Two e que se transcreve mais à frente. O texto que começa «A very erroneous idea», sobre a
recepção da literatura policial, desenvolve considerações apresentadas no documento anterior.
NOTAS
1 <Mr. Richard Marsh and Mr. □ and †>/some gentleman who will be nameless\
2 <this> like
3 that <a> the
4 stor<ies>/y\
5 what[↑ever]
6 he /may have./ [→ possess].
7 idea<,>
8 [↑ of whom] I have spoken
9 <fo> errs
10 <Di> Dickens
19
[146-26r]
Uma folha de papel manuscrita a tinta preta. No verso, depois do título «Tales of a Madman», a
frase: «Extreme sensibility to natural change. Night Fear.» Segundo o índice do Essay on Detective
Literature, o primeiro capítulo da segunda parte devia ser dedicado a Edgar Allan Poe. O começo do
texto deixa supor que se trata da continuação de um comentário mais extenso acerca de três contos
do autor americano, que em princípio não se encontra no espólio pessoano. Os três contos, além do
mencionado no texto, seriam certamente The Murders in The Rue Morgue e The Mistery of Maria Rogêt,
ou seja os protagonizados pelo Chevalier Auguste Dupin. The Purloined Letter está na origem de um
fragmento de conto de Pessoa, The Stolen Document, que remonta a 1906, (cfr. Diário de 1906) e que
pode ser lido em Histórias de um Raciocinador (PESSOA, 2012: 210-212). Texto publicado em PESSOA
(2012: 243)
NOTAS
1 <His contention is this> This principle is <that> nothing but that
20
[146-49r e 48v]
Duas folhas de papel pautadas manuscritas a lápis. Terão sido tiradas de um caderno. Note-se as
referências às «laws of detective stories», delineadas na Part One (48D-76r), entre as quais figura a
centralidade do detective na ficção que o romance em causa não cumpre, como sublinha a frase
final do texto. Texto publicado em PESSOA (2012: 246), onde se transcreve também o verso, que
apresenta uma classificação de tipos de criminosos e que aqui se omite por pertencer a um texto
ficcional, nomeadamente The Case of The Science Master, como revela a frase: «Courage is needed in
our classification because it determines not only the way in which the blow has been struck, but
also to a certain extent, the after-behaviour of the criminal» (146-49r). Com efeito, é justamente um
golpe na cabeça que está na origem da morte do professor de ciências, e, além disso, existe uma
outra versão da mesma classificação integrada na edição do conto (PESSOA, 2013: 76). A segunda
folha, 146-48, contém no rosto um texto sobre Arthur Morrison e no verso considerações acerca da
estética: «Let these things *enkindle no revolt. To be bound by the laws of the beautiful is not to be
bound. The artist’s mind loves this captivity. These are not political or even natural laws that they
should stir the heart to disobeyance. They are laws of the beautiful; yet not properly they are the
beautiful. They are as unattainable as that which they express».
NOTAS
1 <whether> [↑ the work]
2 <many people> <a> [↑ the] majority
3 who [↑ that] variants alternativas.
4 <u> imperfect under
5 <f> aspects
6 have been [↑ greatly] condensed
21
[145-63]
Uma folha de papel manuscrita a tinta preta, com intervenções a lápis. No verso há duas linhas
acrescentadas tardiamente e, na vertical, uma anotação: «Casa tio Antonio | After dinner». Pessoa
refere cinco contos protagonizados por Sherlock Holmes, nomeadamente A Scandal in Bohemia, The
Read-Headed League, The Adventure of the Speckled Band (que integram o volume The Adventures of
Sherlock Holmes), The Adventure of Charles Augustus Milverton e The Adventure of the Missing Three-
Quarter (que fazem parte do livro The Return of Sherlock Holmes) e uma novela de outro género, The
Stark Munro Letters. Texto inédito, não incluído por Freitas na sua edição do ensaio.
NOTAS
1 <half-back> [↑ ¾ ] a lápis.
2 --- (citez)--- [↑ The Scandal in Bohemia] Pessoa deixa um espaço para a citação e num segundo
momento acrescenta na entrelinha superior o título do conto.
3 <sto> tales
4 <and> on
5 <excec> [↑ executed]
6 it is [↑ in regard to effect] one
7 so [↑ at night] in a dark room
8 <at> and in such
9 <is> [↑ mere]
10 or colored[.] or And
22
[48B-149r]
Um fragmento de folha de papel pautada manuscrita a tinta preta. No verso, sob o título «Articles»,
há uma lista de contos, entre os quais The Case of the Science Master, e ensaios. São três os volumes de
contos, assinados por Arthur Morrison, em que aparece a figura do investigador Martin Hewitt:
Martin Hewitt Investigator (1894), The Chronicles of Martin Hewitt (1895) e The Adventures of Martin
Hewitt (1896). Na biblioteca particular de Fernando Pessoa consta apenas o segundo, todavia as
referências no ensaio aos contos The Case of Mr. Foggatt e The Lenton Croft Robberies, que fazem parte
do primeiro volume e de projectos de tradução (144E-9), levam a crer que Pessoa, em dada altura,
chegou a possuir todos os volumes.
NOTAS
1 [↑ is] Mr. Morrison <is> <□>/superior\
2 <Sh>/the\ creator
23
[146-48r, 53v e 53r]
Duas folhas pautadas manuscritas a tinta preta. Foram tiradas de um caderno. No conto citado de
Arthur Morrison, bem como no de Poe, o criminoso é um animal. Texto publicado em PESSOA (2012:
245-246).
NOTAS
1 Let us [↑ now] take
2 first [↑ detective] book
3 [↑ one of] the best
4 <*o> overcoming
5 by <making> turning
6 <individuality> [↑ generality]
7 of type [↑ – animal type in this case.]
8 <the trans> turning
9 <individual> [↑ general]
10 which is, I think, impossible. ] acrescento tardio, em letra mais pequena.
11 Thus ] precedido de um parêntese recto, de abertura.
12 <individual-> [↑ generality]
13 <lacks †> [↑ or has lost]
14 [↑ or] has certain [↑ visible]
15 these [↑ facts togheter]
16 we have <given> thus
17 it <is> is <can> hardly
18 <to> run
19 <to> find
24
[146- 52v]
Uma folha pautada manuscrita a tinta preta. Foi tirada de um caderno. Ver PESSOA (2012: 246).
NOTAS
1 “How<,>/!\” ] antes deste início, na margem superior da página, encontra-se um comentário
referente a um conto de Conan Doyle; lê-se: «‘The Greek Interpreter’. Of no worth».
2 a[n] <sure> individuality
3 by the <three> union of those <th> marks?
4 If I say that Hamlet is [↓ If a detective were to find out that a man is...]
5 [↑ nay even] if
6 I declare <this *case> it
25
[146- 68r]
Uma folha pautada manuscrita a láis. Foi tirada de um caderno. Ver PESSOA (2012: 249).
NOTA
1 <per> possibility
26 (Anexo 1)
[146-22r]
Uma folha de papel pautada tirada de um caderno e manuscrita a lápis roxo. A seguir à definição
da história policial, um texto que não se transcreve por pertencer a outro ensaio que Pessoa estava a
elaborar na mesma altura (The Tale of Imagination ou On the Tale of Imagination ver 146-29 et seq.).
Aliás, mesmo a inclusão dessa definição no Essay on Detective Literature afigura-se algo duvidosa,
pois a história policial é classificada em 146-32v justamente como um tipo de «tale of imagination»,
ou seja «Imaginative- Intellectual». Texto publicado em PESSOA (2012: 243), onde se transcreve na
íntegra a folha 146-22.
NOTAS
1 is <an> a tale
27 (Anexo 2)
[2718A3-12r]
Uma folha pautada de caderno manuscrita a tinta preta. A seguir ao texto transcrito, um traço
horizontal divide a folha em duas partes. Na parte inferior, encontra-se uma classificação
relacionada com o escrito The Tale of Imagination. No verso, uma parte do conto The Door.
NOTAS
1 <[A> At
A) Textos
28
[100-29r]
Anybody, who is able1 to write at all, can write a passable mystery story. A
murder2 takes place in a certain house; seven or eight inmates of the house have
reasons3 to wish the victim’s4 death: this is enough, though5 the murderer is, of
course, generally somebody else. Yet, indeed, a story of this kind, if interestingly
written, will always be acceptable reading, because it is always easy to make it
really mysterious legitimately so6, as a matter of fact, within the province to which7
it belongs.
It is8 when we move from the mere mystery story to the story of
investigation proper, that difficulties begin to appear. Investigation must either be
natural and patient, as in Mr. Wills Crofts’ novels, or superior and scientific as in
Dr. Austin Freeman’s. Most writers so confuse incident with investigation that it is
difficult to determine, of certain stories, whether9 they can better be classed10 as
mystery stories or as tales of investigation.
The two main writers in this class of story are Dr. Austin Freeman and Mr.
Crofts. In both investigation is indeed investigation, and it would be of great
advantage if Dr. Freeman would consider that love interest is futile for his readers
and that is quite unnecessary for his murderers to try to murder Thorndyke (we
know he will not be murdered, so why try?) Dr. Austin Freeman is a useless sinner
in this connection.11 Why, also the attempts on Thorndyke’s and the narrator’s
lives? We know Thorndyke is unkillable and the narrator is presumably still living
when he narrates.12
The detective story proper, that is to say, the deductive tale, is at its highest
because it is13 simplest when no investigation is conducted, as in Poe’s “Purloined
Letter”, where Dupin’s obtaining of the letter is a mere postscript14 in15 the
narrative. The ideal detective story is that where facts are put before the reader and the
detective solves the problem without anything but those facts, that is to say, without
shifting from his chair. So, really, does Dupin solve the problem of the purloined
letter. As soon as the Prefect has put his case, Dupin knows where this16 letter is
hidden; it is a minor point to find where it actually is hidden. Baroness Orczy has
written her Old Man17 in the Corner stories entirely and precisely on this system,
and they are, as detective stories, among the very best ever published18. It is a pity
that neither inner distinction[,] that is to say, a careful adjustment of probabilities
(a careful logical adjustment)19, nor outer20 distinction [–] that is to say, literary
style –21 contributes to their being something more.22
29
[100-30r]
(e.g. □)8
Orczy9
Some of her stories are widely improbable; some are made improbable by
minor details which could have been eliminated without any damage to the
mystery or to its solution. On a whole, however, they are excellently contrived and
they are certainly written in the right spirit10. Some are really masterly as detective
stories—The York Mystery □11
Some detective stories derive their interest from an interest other than that as
detective stories. What are some12 Sherlock Holmes tales13—The Last Three-Quarter,
Charles Augustus Milvertom, and a few others—but anything but detective
narratives?14
Dr. Freeman is always readable but “A Certain Dr Thorndyke” could have
been told in fifty pages. It is really a tale15 of adventure with a detective story
postscript. The same16 criminal proceeding spoils17 “A study in Scarlet” from which
the American narration could have been struck out or condensed in a paragraph or
two.
30
[144-74r]
31
[100-25r e 26r]
Detective Story.1
There are three ways to put all the2 facts before the reader, yet puzzle him
with a logical conclusion: (1) the use of science, or of any particular branch of
knowledge, which extracts from the patent facts conclusions which the reader,
unless he happens to be a specialist in the same department, cannot foresee; (2) the
mixing up of pertinent data with irrelevant elements, so as to render it too difficult
to sift the material; (3) the absolute extraction from patent data of a conclusion
absolutely implicit in them, by a degree of reasoning higher than the reader’s.
The first way is the one adopted by Dr. Austin Freeman, and it is quite
legitimate, though, it is the simplest of the legitimate ways. It is not the simplest in
the sense of being the easiest to any writer, but in the sense of being the easiest to
the writer who happens to have the particular knowledge employed in the special
tale in point. In this case, perfect work would present the story in as bare and
unmixed a manner as possible, for, the difficulty being in the absence of particular
knowledge by the reader, it is useless, and therefore inartistic, further to
complicate the matter by complicating it further.3 Dr. Austin Freeman is guilty, in
many cases, of this superimposition of useless secondary elements on primary
elements which would be not only equally, but even doubly, mysterious if
abandoned4 to their direct bareness.
The second way has the great difficulty of being difficult: it is not easy to
handle in accordance with art. The point is to make the muddle a natural one, for
this way [26r] has the advantage of giving facts as life really presents them, the
relevant mixed with the irrelevant, the secondary with the primary. It may be said
that every detective story, good or bad, does so mix facts, exactly like life, because
it is written by a living being, in whom life echoes, in his own despite, the
complexity of its interweavings. But this is not so. In the first place, the admixture
of facts must be free from coincidences (as we have seen in the general points
stated), □
The third way has been perfectly achieved only once—in Edgar Poe’s Marie
Roget.
The overlaying of facts is one of the legitimate aspects of this second case.
Let us suppose a murderer wishes to establish a false alibi5. He can think out
coherently the conditions in which he shall establish that alibi6, but he cannot
command external circumstances which may affect the alibi he is establishing. A
shower—if it be natural—, a late train—if that be not thrust into the story like a
poker—, are facts which he cannot foresee. They may complicate his alibi in many
different ways.7
32
[100-24r]
Detective Story1
33
[100-28r]
34
[71-20v]
35 (Anexo 1)
[100-27r]
Seeing3 that there is this division of mental operations which most appeals
to probability and dresses up like reasonableness, it is not to be wondered at that,
in its application to clarify mental products, it stands staunchly by the reasoner.
Any species4 of mental product can generally be divided into three genera, into
whose specific *unitary distinction5 these three distinct orders of psychic
phenomena inevitably6 enter.
The mental product called fiction can thus7 be divided, in this most
rationally natural manner, into intellectual8, sentimental and □ fiction—the fiction,
[27 ] that is to say, that is respectively concerned with thought, with feeling, or with
v
Fiction10 has for its purpose either (1) to describe actions, referring to its
maximum □ as actions, and to sentiments11 only in so far as they are purposes,
sentiments12, therefore, connected, directly linked, with actions; or (2) to describe
sentiments, that is, to apply itself rather than to describe actions or study13
purposes, to throw its □ into the thoughts14 and feelings that are not directly
connected with actions, scrutinizing15 clearly the feelings that accompany the
intents and □ of our purposes, and the precipitates that willing and thinking leave
in the consciousness of self; another (3) to describe □16
36 (Anexo 2)
[2-63r]
37 (Anexo 3)
[144-65r]
38 (Anexo 4)
[144-72r]
39 (Anexo 5)
[100-31r]
Detective Story.
B) Imagens
Figs. 31a, 31b, 31c e 31d. «Detective Story» (100-25r, 25v, 26r e 26v).
Fig. 34a. «If ‘detective tales’ were called ‘decipherment stories’» (71-20v).
Figs. 38a e 38b. «O conto policial divide-se em duas categorias» (144-72r e 72v).
C) Aparato Crítico
28
[100-29r]
Folha dactilografada a tinta roxa, sendo o título dactilografado a tinta vermelha, com emendas e
acrescentos manuscritos. Neste texto, que aparenta ser o começo do ensaio The Detective Story.
Pessoa identifica Wills Crofts e Austin Freeman como os autores proeminentes do género policial,
mas, ao mesmo tempo, aponta como forma ideal de detective story, que denomina deductive tale, uma
história onde não há na realidade investigação, sendo o mistério resolvido unicamente através do
raciocínio, sem que o detective tenha a necessidade de se afastar da cadeira. Como exemplos deste
tipo de narrativa refere The Purloined Letter, de Edgar Allan Poe, e os contos escritos pela Baronesa
Orczy, cujo volume Old Man in the Corner consta da Biblioteca particular de Fernando Pessoa. A
crítica feita a Austin Freeman («love interest is futile for his readers») lembra a que E. M. Wrong
expressa na introdução ao volume Crime and Detection e que Pessoa sublinhou: «The chief blemish
in Thorndyke is the deplorable habit his associates possess of falling in love in the course of an
investigation» (WRONG, 1926: xxvi). No ensaio de Dorothy L. Sayers há um capítulo com o título
Love Interest - a mesma expressão utilizada por Pessoa –, onde se encontra uma censura semelhante,
embora, na opinião da autora, a introdução do «love interest» nas obras de Austin Freeman não
resulte tão perniciosa como noutros romances policiais: «[…] some of the finest detective-stories are
marred by a conventional love-story irrelevant to the action and and perfunctorily worked in. The
most harmless form of this disease is that taken, for example in the works of Mr. Austin Freeman.
His secondary characters fall in love with distressing regularity, and perform a number of
conventional antics suitable to person in their condition, but they do not interfere with the course of
the story. You can skip the love-passages if you like, and nothing is lost» (SAYERS, 1928: 39). No
exemplar que consta da sua biblioteca, Pessoa assinala a lápis outro parágrafo do mesmo capítulo:
«Apart from such unusual instances as these, the less love in a detective-story, the better. ‘L’amour
au theatre’, says Racine, ‘ne peut pas être en seconde place’, and this holds good of detective fiction. A
casual and perfunctory love-story is worse than no love-story at all, and since the mistery must, by
hypothesis, take the first place, the love is better left out» (SAYERS, 1928: 40). Sobre a investigação
nos romances de Wills Crofts, Wrong escreve: «Better examples of the new mode are the
painstaking sleuths of Mr. Crofts, who by careful inquiry and a lavish use of transport facilities
explode the most detailed alibis known to fictions» (WRONG, 1926: xv). Texto publicado em PESSOA
(2012: 238-39). Na transcrição de Freitas, a última frase do primeiro parágrafo aparece truncada,
faltando-lhe uma parte a seguir a «always be»: «a story of this kind, if interestingly written, will
always be so, as a matter of fact, within the province to which it belongs».
NOTAS
1 who is <not possi> able
2 <crime> murder
3 <at the time of murder> ha<d>/ve\ reasons
4 <vistims> vi<s>/c\tim’s
5 and [↑ though]
6 really mysterious [→ <and so engrossing>] legitimately so
7 the province <tpo> to which
8 It<s> is
9 whth[↑e]r ] no original.
10 c<als>/las\sed
11 [← Dr. Austin Freeman is a useless sinner in this connection.] o lugar de inserção no texto é
conjectural.
29
[100-30r]
Folha de papel dactilografada a tinta roxa, salvo o título, a tinta vermelha. O texto editado tem
correcções e acrescentos manuscritos. A referência ao livro de R. Austin Freeman, A Certain Dr.
Thorndike, publicado em 1927, fixa o termo a quo para a datação, do testemunho, que pode ser
atribuída também ao documento cotado 100-29, atendendo à afinidade dos materiais de escrita.
Acerca das coincidências, que o escritor de policiais deve sempre evitar, Pessoa já tinha escrito no
Essay on Detective Literature. Veja-se 146-77 e muito especialmente 146-52, que parece ter servido de
‘palimpsesto’. Nesse documento, o primeiro parágrafo é sobre a ‘coincidence’ e o segundo acerca da
Fair-Play Rule, embora nessa altura não fornecesse exemplos negativos. Aliás, no ensaio juvenil,
Pessoa aponta ao conto de Poe outro tipo de defeito (ver 146-78). Na parte manuscrita deste texto,
100-30r, Pessoa reproduz quase literalmente as considerações feitas sobre algumas obras de Conan
Doyle duas décadas antes (ver 145-63 e 146-49). Texto publicado em PESSOA (2012: 239-240).
NOTAS
1 <pecualir-> peculiarly
2 case [↑ lapse]
3 supposing each ] um traço indica a inversão dos termos.
4 <would do, and one foreigner at most.> would
5 <but> [↓ and] esta frase incompleta e a anterior («Mere Frenchmen....») encontram-se entre barras
vermelhas oblícuas, indicando hesitação.
6 <Dr.> Jervis
7 <possibilities but overlooks> clinical possibilities but overlooks
8 <can see the lapse.> are competent to see the lapse.
9 Orczy ] acrescento manuscrito na margem esquerda.
10 A partir daqui o texto continua manuscrito.
11 [Some are really masterly as detective stories—The York Mystery ] entre parênteses rectos,
indicando hesitação, e com um espaço em branco no fim.
12 are <Sir Arthur> some
13 Sherlock Holmes <stories> [↑ tales]
14 <stories> narratives?
15 <an> a tale
16 A partir daqui o texto continua na margem esquerda da página, na vertical.
17 spoils ] na edição de Freitas: «spans».
31
[100-25r e 26r]
Dois impressos de AVISO POR CAUSA DA MORAL de Álvaro de Campos, dactilografados a tinta preta
no verso (o actual rosto de cada folha). O título está dactilografado a tinta vermelha em 25r. No
canto superior direito, em 26r, há existe a indicação «(2)». Texto acerca da Fair-Play Rule na
perspectiva do escritor de contos policiais. No fim do terceiro parágrafo a frase entre parênteses, «as
we have seen in the general points stated», e que se refere à necessidade da ausência de
coincidências, remete para 100-30r e 144-74r, que devem ter sido redigidos antes. É interessante notar
que no Essay on Detective Literature Pessoa aponta The Murders in The Rue Morgue como exemplo de
conto onde o escritor põe à frente do leitor todos os factos (ver 146-52), enquanto aqui a referência
vai para outro conto do escritor americano, The Mistery of Marie Roget. Tal mudança de ideias pode
talvez ser relacionada com as seguintes considerações de Dorothy Sayers: «The third Dupin story,
The Mistery of Marie Roget, has fewer imitators, but it is the most interesting of all to the conaisseur.
[...] Now with the The Gold Bug at one extreme and Marie Roget at the other, and the other stories
occupying intermediate places, Poe stands at the parting of the ways for detective fiction. From him
go the two great lines of development [...] the purely Sensational and the purely Intellectual [...] In
the other—the purely Intellectual type—the action mostly takes place in the first chapter or so; the
detective then follows up quietly from clue to clue till the problem is solved, the reader
accompanying the great man in his search and being allowed to try his own teeth on the material
provided [...] The purely Intellectual is rare indeed; few writers have consistently followed the
Marie Roget formula of simply spreading the whole evidence before the reader and leaving him to
32
[100-24r]
Uma folha de papel dactilografada a tinta azul. Os romances de Austin Freeman mencionados, The
Darblay Mystery e A Silent Witness, foram publicados respectivamente em 1926 e 1914. As críticas à
obra de Freeman remetem para considerações semelhantes presentes em 100-29r e 71-20v. Texto
publicado em PESSOA (2012: 253).
NOTAS
1 Detecti<c>/v\e Story ] não sublinhado.
2 shoc<e>/k\
3 <need not have existed at all for duplication or otherwise> by the bye
33
[100-28r]
Uma folha de papel de máquina manuscrita a tinta preta. No verso, ao alto e ao centro, há uma
anotação a lapis: Essay on Det. Story. A primeira edição de The Shadow of the Wolf saiu em 1925, mas
o exemplar que consta da biblioteca de Fernando Pessoa é uma edição sucessiva, dado que entre as
obras de Austin Freeman listadas no interior do volume consta também The Magic Casket, que viu à
luz em 1927. Para exemplificar a diferença entre ‘mistery story’ e ‘detective story’, Pessoa refere
alguns exemplos da chamada ‘inverted detective story’ popularizada, senão mesmo criada, por
Austin Freeman. Na introdução a Great Tales of Mistery, Detection and Horror, Dorothy Sayers
escreve: «Mr. Austin Freeman has specialized in a detective-story which rejects all three question
[Who? How? And Why?]. He tells the story of the crime first, and relies for his interest on the
pleasure afforded by following the ingenious methods of investigation. The Singing Bone contains
several tales of this type» (SAYERS, 1928: 43). Texto publicado em PESSOA (2012: 238).
NOTAS
1 is a <work of fiction in which the primary interest lies> <containing a> mystery [↑ story]
2 Ordinarily [↑ a tale is both mystery story and detective story for] acrescentam-se os traços.
3 <but> it is, [↑ however,]
4 in <The S> The Shadow of the Wolf
5 therefore [↑ <not a mystery story>] [↑ not of mystery but] a tale of investigation
6 in <anoth> other
7 a <good> detective story
8 <is, properly such,> is not good, [↑as such,]
10 [← but only is worth as the investigation is good;]
11 <*dif> as
12 as [↑ a] poem
34
[71-20v]
Uma página dactilografada a tinta preta. No rosto da folha, em 71-20r, há um poema de Álvaro de
Campos, «A vida é para os inconscientes» (cf. PESSOA, 2014: 199). A falta do título, The Detective
Story ou Detective Story, que encabeça os outros documentos, assim como o neologismo
‘decipherment stories’ leva a pensar que este texto foi escrito noutra altura, embora o afastamento
temporal não seja necessariamente grande. Para sublinhar a falta de imaginação de Austin
Freeman, neste caso Pessoa aponta um conto ‘non detective’, enquanto em 100-24r dá como
exemplo dois romances policiais. O conto The bronze parrot de Austin Freeman foi publicado pela
primeira vez em 1915, no volume colectivo The Times Red Cross Storybook, e sucessivamente, em
1918, no livro do autor The Great Portrait Mystery. O conto de H. G. Wells, The Purple Pileus, veio a
lume na revista Black and White, em Dezembro de 1986 e foi mais tarde recolhido no volume The
Short Stories of H. G. Wells, London: Ernest Benn, 1927, pp. 527-540. O exemplar que consta da
biblioteca de Fernando Pessoa (CFP 8-575) é uma 5.ª reimpressão datada de Janeiro de 1928. O
romance The Verdict of You All, de autoria de Henry Wade, é de 1926. Texto publicado em PESSOA
(2012: 240-41)
NOTAS
1 <though> yet
2 of <more than> one
3 circu stances ] no original.
4 amounts to [← because it results in,] acrescento a lápis.
5 rare<,>
6 <fifith > fifth
7 real <detetci> detective story
8 tale ] ponto final conjectural.
35 (Anexo 1)
[100-27r]
Uma folha de papel picotada na margem superior manuscrita a tinta preta. Texto publicado em
PESSOA (2012: 237-38).
NOTAS
1 <F> false
2 <work> working
3 <An application of this> | Seeing
4 Any <order > species
5 /specific/ [↑ *unitary] distinction
6 /inevitably/
7 <the novel, of which the>
8 <the> intellectual
9 will [↑ action]
10 <It is possible to make> | <Some> <f>/F\iction
11 and <relatively little as willed actions> to sentiments
12 purposes, <that is,> sentiments
13 <analyse> study
14 its *power □ into the <mind> [↑ thoughts]
15 <appro> scrutinizing
16 [↑ another] (3) to describe
37 (Anexo 3)
[144-65r]
Fragmento de folha dactilografado a tinta preta. Publicado em PESSOA (2012: 249) e em PESSOA
(2013: 111).
38 (Anexo 4)
[144-72r]
Um impresso de telegrama com a indicação CONFIRMATION ao alto e ao centro. Texto dactilografado
no verso (actual rosto) a tinta preta. Trata-se de um texto em português que retoma o escrito em
100-29r, onde se encontra a mesma classificação dos tipos de investigação, ou seja a ‘natural and
patient’, expressão traduzida literalmente com ‘paciente e normal, a ‘superior and scientific’, que se
baseia em ‘qualidades ou conhecimento especiaes’, e um terceiro tipo, isto é, ‘um processo de
investigação lógica e anormal’, exemplificado através do conto The Purloined Letter de Edgar Allan
Poe (em 100-29r). Note-se que Pessoa utiliza o adjectivo ‘policial’ e não o neologismo ‘policiário’ que
cunhou, provavelmente, mais tarde. Texto publicado em PESSOA (2012: 242).
39 (Anexo 5)
[100-31r]
Meia folha dactilografada a tinta roxa. O processo de sobreposição de crimes remete para 71-20v;
veja-se a descrição da terceira maneira de tornar anormal o crime, «natural superposition of one
crime or another». Neste caso Pessoa fornece dois exemplos, sendo que um deles, segundo o autor,
já foi utilizado na ficção policial. Texto publicado em PESSOA (2012: 254).
V. Bibliografia
ANON (1911). «Du Boisgobey». Encyclopedia Britannica. Nova York: The Encyclopedia Britannica
Company, 11a ed., vol. 4.
ARMSTRONG, M. Thornton (1906). «The Detective Story». The Editor, Nova York, Maio, pp. 218-219.
BLANCO, José (2008). Pessoana; I volumen, bibliografia passiva, selectiva e temática referida a 31 de
Dezembro de 2004; II volumen, índices. Lisboa: Assírio & Alvim.
BORGES, Jorge Luis (1986). «O Conto Policial». Borges Oral. Lisboa: Vega, pp.63-74.
BORGES, Jorge Luis; CASARES, Adolfo Bioy (1983), «Prólogo». Los mejores cuentos policiales. Madrid:
Alianza Editorial, vol. II, pp. 7-8.
CHANDLER, Frank Wadleigh (1907). «The Literature of Crime Detection». The Literature of Roguery.
Boston; Nova York: Houghton Mifflin, vol. II, pp. 523-549.
CHESTERTON, Cécil (1906). «Art and the Detective». The Living Age, vol. 33, Boston, Novembro, pp.
505-510.
CHESTERTON, Gilbert K (1930). «The Ideal Detective Story». Illustrated London News, Londres, 25 de
Outubro [https://www.chesterton.org/ideal-detective-story/, acesso em 25/5/2018].
_____ (1929). «On Detective Novels». Generally Speaking. Leipzig: Tauchnitz, pp. 9-14.
_____ (1925). «How to Write Detective a Detective Story». G.K.’s Weekly, Londres, 17 de Outubro
[https://www.chesterton.org/how-to-write-detective/, acesso em 25/5/2018].
_____ (1920). «Errors about Detective Stories». Illustrated London News, Londres, 28 de Agosto.
[https://www.chesterton.org/errors-about-detective-stories/, acesso em 25/5/2018].
_____ (1914). The Victorian Age in Literature. Londres: Williams and Norgate.
_____ (1901). «A Defence of Detective Story». The Defendant. Londres: Brimley Johnson, pp. 118-
125.
ELIOT, Thomas Sterns (2015). The Complete Prose. Literature, Politics, Belief, 1927-1929. Edição crítica
de Frances Dickey, Jennifer Formichelli e Ronald Schuchard. Baltimore: John Hopkins
University Press.
FERRARI, Patrício (2009). «A biblioteca de Fernando Pessoa na génese dos heterónimos. Dispersão e
catalogação». Fernando Pessoa: o guardador de papéis. Jerónimo Pizarro (org.). Lisboa: Texto
Editores, 2.ª ed., pp. 155-218.
FREEMAN, Austin (1924). «The Art of Detective Story». The Nineenteh Century and After, Londres,
Maio, pp. 713-721. Reeditado em The Art of the Detective Story: a collection of critical essays.
Howard Haycraft (ed.). Nova York: Grosset & Dunlapp, 1946, pp. 7-17.
FREITAS, Ana Maria de (2016). O Fio e o Labirinto: a ficção policial na obra de Fernando Pessoa. Lisboa:
Colibri.
HAWTHORNE, Julian (1908). «Riddle Stories». Mystery and Detective Story. J. Hawthorne (ed.). Nova
York, The Review of Reviews Company, vol. I, pp. 9-19.
KNOX, A. Ronald (1929), «Preface». The English Best Detective Stories of 1928. Nova York: Horace
Liveright [consultar: http://gadetection.pbworks.com/w/page/7930628/FrontPage, acesso
em 25/5/2018].
LOPES, Teresa Rita (1990). Pessoa por Conhecer. Lisboa: Estampa. 2 vols.
MASON, Alfred Eduard Woodley (1925). «Detective Novels». The Nation and the Atheneum, 7 de
Fevereiro, pp. 645-646.
MATTHEWS, Brander (1907). «Poe and the Detective-Story». Inquires and Opinions. Nova York:
Charles Scribner’s Sons, pp. 113-136.
MAURICE, Arthur Bartlet (1902). «The Detective in Fiction. The Bookman, vol. 15, Nova York, Maio,
pp. 231-236.
MESSAC, Règis (1928). Le Detective Novel et l’Influence de la Pensée Cientifique. Paris: Champion.
MIRAGLIA, Gianluca (2004). «Pessoa e il giallo». Delitti di Carta, n.º 5, Bolonha, Maio, pp. 61-72.
PESSOA, Fernando (2014). 35 Sonnets / 35 sonetos. Versión española y posfacio por Jorge Wiesse
Rebagliati. Prólogo por Jerónimo Pizarro Jaramillo. Lima: Trashumantes, 122 pp. [ISBN
978-612-46355-4-0].
* Doctora por la Universidad de las Illes Balears (2016) en el programa de doctorado de Historia de
la Literatura y Literatura Comparada.
Billinghurst Los 35 Sonetos traducidos por Jorge Wiesse
diferencia silábica existente entre el español y el inglés. El inglés está compuesto
mayoritariamente de vocablos monosilábicos, lo que dota al soneto de un ritmo
rápido y abrupto; mientras que el soneto español, al utilizar mayoritariamente
palabras multisilábicas, posee una cadencia mucho más lenta, muy particular y
distinta a la del inglés; estas cadencias, de vital importancia en la poesía, resultan
imposibles de traducir.
Comparemos, ahora, el metro del verso inglés (1) con la del verso traducido
literalmente (2) y con la traducción de Wiesse (3):
Una traducción literal dobla la longitud del verso, pero sobre todo rompe
abruptamente la melodía y el ritmo originales. La traducción de Wiesse (no sólo en
estos ejemplos, sino en la obra completa) es la que más se asemeja al ritmo original,
pero en esta ocasión ha tenido que eliminar la oración subordinada (y, por tanto, el
binomio rítmico) para conseguir el efecto deseado. Para ello, Wiesse ha utilizado el
adjetivo "ligeras" para substituir la oración subordinada; de esta forma, el traductor
ha introducido un conceptualismo muy típico de Pessoa, logrando semejar ambos
estilos, el de Pessoa y el del traductor.
Otra consideración importante a tomar en cuenta es el conceptualismo que
supone en la lengua inglesa la utilización de participios y gerundios como
adjetivos, que únicamente pueden traducirse mediante oraciones subordinadas.
Nos encontramos con un serio problema en el verso 10. Veámoslo:
PESSOA, Fernando (2017). Argumentos para películas. Edición de Patricio Ferrari y Claudia J.
Fischer; traducción de Guillermo López Gallego. Madrid: La Umbría y la Solana, 112 pp.
[ISBN 978-84-946988-3-5].
* Universitat Autònoma de Barcelona.
Cerdà La particular Lisbon Story de Pessoa
«fósforo frío» (PESSOA, 2014: 247)1, no solo es el poeta, el escritor tout court, es el
potencial de una rabiosa inteligencia que sin embargo se presentó como aquél que
«siempre sólo el que tenía cualidades» (PESSOA, 2014: 201)2. Pessoa, y para seguir con
una metáfora cinematográfica, es capaz de proyectar la ilusión de un escritor de
novela policiaca que no fue, de teatro que nunca pretendió o, quizás, en el caso que
nos ocupa, de guiones de unas películas imposibles. Esta proyección de una obra
invisible cinematográfica se sustenta en unas presurosas anotaciones, esquemas o
fichas que naufragaban en su archivo personal hasta que estudiosos como Ferrari y
Fischer le han otorgado presencia y significación. Un esfuerzo sin duda encomiable
pero que no deja de cernir de dudas, de posmodernas y acuciantes dudas, a esa
proyección. Lo relevante es tratar a Pessoa como si fuera, no como lo que ha dejado
en sí. Tamquam non esset un escritor de novelas policiacas o un dramaturgo, Pessoa,
¿pudo tener cualidades de cineasta? ¿Se trata de un mero ejercicio de escritura o
existía realmente una conexión entre Pessoa y el mundo cinematográfico
portugués?
Ferrari y Fischer editan en este volumen siete documentos que
corresponderían a argumentos para cine (o, como Pessoa señala en una ocasión,
también para teatro). Se trata de la traducción a cargo de Guillermo López Gallego
de la edición publicada por Ática en 2011. Son textos extremamente sintéticos en
que máxime se plantea una trama. Los dos primeros coinciden en el escenario: un
barco que zarpa de Estados Unidos con dirección a Gran Bretaña. Durante la
travesía se perpetrará un robo y, alrededor de este suceso, se desplegará un elenco
característico de personajes. Son tramas para thriller, como el propio Pessoa anota,
que fácilmente podríamos emparentar con sus relatos detectivescos: mascaradas,
juegos de ingenio cuyo pretendido razonamiento lógico discurre silogísticamente
entre proposiciones disparatadas. Vale la pena observar que solo un texto, el
titulado The Multiple Nobleman, está redactado en portugués, y es el único que se
desarrolla dramáticamente sin ninguna cota y planteamiento. El resto de los textos
editados están escritos originalmente, cuatro, en inglés y, dos, en francés. Nos
podemos llegar a plantear, con la información recabada, si Pessoa se ejercitaba en
el guión cinematográfico (o básicamente dramático) o en un tipo de escritura de
consumo, muy común en la época, de folletín para cinéfilos. Dicho de otra manera:
que se tratara de una suerte de probationes pennae de resabios hollywoodienses que
tuvieran como referente de imitación la publicación periódica de consumo y no
propiamente el cine; hipótesis, ésta, que lo distanciaría aún más del mundo
1De un verso del poema «Aniversário»: «É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um
phosphoro frio...». PESSOA, Fernando (2014). Obra Completa de Álvaro de Campos. Lisboa: Tinta-da-
china (col. «Pessoa»).
2 De un verso del poema «Tacacaria»: «Serei sempre o que não nasceu para isso; / Serei sempre só o que
tinha qualidades; / Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem
porta, / E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira, / E ouviu a voz de Deus num poço tapado».
3
FERRO, António (1933). Salazar: o homem e a sua obra. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade.
montaje fotográfico o por el cine por la manera mucho más convincente que tenían
de resolver la multidimensionalidad. Sobre ello, véase, por ejemplo, el trabajo
clásico de Wolfgang Iser, Image und Montage: Zur Bildkonzeption in der imagistischen
Lyrik und in T.S. Eliots Waste Land, en el que aborda la «irrepresentabilidad de lo
real», algo que de un modo u otro podría aplicarse a la poética pessoana. La
revolución vanguardista fue fruto de una lógica combinada de tecnología y
mercado de masas, es decir, de la democratización del consumo estético. Una
cámara con raíles podía expresar mejor que cualquier cuadro vorticista la
velocidad, ese valor que, combinado con la óptica, construye, por ejemplo, el
fascinante poema «A Passagem das Horas» de Álvaro de Campos, muestra
evidente de un proceso técnico de montaje. Un poema que merece el siguiente
comentario de Ferrari y Fischer: «la insistencia en la velocidad y en el vértigo, por
un lado, y en la multiplicidad de las sensaciones, por otro, nos lleva evidentemente
a las estéticas futurista y “sensacionista” que impregnan la poética de Campos»
(2017: 19). Sin duda alguna porque, en la velocidad, crece la ilusión de lo real, al
mismo tiempo que esconde su pura fragmentación, su mortecino estatismo, en la
oscuridad de la sala de proyección: «Calle hacia atrás y hacia adelante bajo mis
pies / Calle en X en Y en Z dentro de mis brazos / Calle alrededor de mi monóculo
en círculos de cinematógrafo pequeño, / Caleidoscopio en curvas iridiscientes
nítidas calle // Borrachera de la calle y de sentir ver oír todo al mismo tiempo»
(PESSOA, 2014: 150)5.
Es pasada la euforia, la terrible ebriedad de la velocidad, cuando el
ingeniero se nos muestra más metafísico. Quizás pierda fuerza el montaje de
imágenes, pero gana protagonismo lo sombrío, la reflexión en la sala oscura, en el
origen y final: «¿De qué te sirve el cuadro sucesivo de las imágenes externas / Al
que llamamos el mundo? / La cinematografía de las horas representadas / Por
actores de convenciones y poses determinadas, / El circo policromo de nuestro
dinamismo sin fin? / ¿De qué te sirve tu mundo interior que desconoces? / Tal vez,
si te matas, lo conozcas finalmente... / Tal vez, si acabas, comiences...» (PESSOA,
2014: 181)6. Ciertamente, y de hecho radica ahí buena parte de la presencia del cine
en Pessoa, el medio ―o la reflexión sobre el medio― se convierte en el mensaje,
como rápidamente la vanguardia asumió.
Quien a día de hoy se pasee por la Baixa lisboeta en busca de escenarios
pessoanos, se topará con la fachada del Animatógrafo do Rossio, una de las reliquias
5«Rua pra traz e pra deante debaixo dos meus pés / Rua em X em Y em Z por dentro dos meus
braços / Rua pelo meu monoculo em circulos de cinematographo pequeno, / Kaleisdoscopio em
curvas iriadas nitidas rua. // Bebedeira da rua e de sentir ver ouvir tudo ao mesmo tempo».
6«De que te serve o quadro successivo das imagens externas / A que chamamos o mundo? / A
cinematographia das horas representadas / Por actores de convenções e poses determinadas, / O
circo polychromo do nosso dynamismo sem fim? / De que te serve o teu mundo interior que
desconheces? / Talvez, matando-te, o conheças finalmente... / Talvez, acabando, comeces...».
FREITAS, Ana Maria de (2016). O Fio e o Labirinto: a ficção policial na obra de Fernando Pessoa.
Lisboa: Colibri, 344 pp. [ISBN 978-989-68955-5-6].
* Universidade de Lisboa, Centro de Investigação de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias
(CLEPUL).
1 SOARES, Fernando Luso (1976). A Novela Policial Dedutiva em Fernando Pessoa. Lisboa: Diabel.
2PESSOA, Fernando (2008). Quaresma, Decifrador: as novelas policiárias. Edição de Ana Maria de
Freitas, Lisboa: Assírio & Alvim.
3PESSOA, Fernando (2012). Histórias de um Raciocinador e o Ensaio «História Policial». Edição de Ana
Maria de Freitas, Lisboa: Assírio & Alvim.
Miraglia A Ficção Policial de Pessoa
Qual a dimensão da escrita policial na obra de Pessoa? Como se relacionava essa escrita
com os conceitos da obra já conhecida? Qual fora o seu processo criativo? Que universo
imaginário se encontrava ali delineado? De que modo se aproximavam estas narrativas do
cânone policial? E por fim a questão essencial: Estávamos perante histórias policiais ou
perante algo diferente e especificamente pessoano?
(2016: 11-12)
4PIZARRO, Jerónimo; FERRARI, Patricio; CARDIELLO, Antonio (2010). A Biblioteca Particular de Fernando
Pessoa. Alfragide: D. Quixote.
5PIZARRO, Jerónimo; FERRARI, Patricio (2011). «Uma Biblioteca em Expansão: sobrecapas de livros
de Fernando Pessoa | A Growing Library: dust jackets from Fernando Pessoa’s book collection».
Pessoa – Revista de Ideias Ideias, n.o 3. Lisboa: Casa Fernando Pessoa.
6Veja-se, neste mesmo número de Pessoa Plural—A Journal of Fernando Pessoa Studies, o contributo
de Gianluca Miraglia, «An Essay on Detective Literature e Detective Story: dois ensaios de Fernando
Pessoa sobre a ficção policial».
particular de Pessoa e cuja influência nos seus escritos sobre o policial resulta
bastante evidente: Crime and Detection (1926), organizada por E.M. Wrong.
Vejamos, por fim, o Pessoa escritor de contos e novelas policiais. Cumpre,
em primeiro lugar, falar de algo que está totalmente ausente de O Fio e o Labirinto,
ou seja, um enquadramento histórico. Embora a autora afirme, no subcapítulo «Em
Busca do Policial Português», que «sem pretender realizar uma história da
literatura policial portuguesa interessa, no entanto, situar o género no panorama
nacional, tal como Fernando Pessoa o conheceu» (FREITAS, 2016: 114), na realidade,
as breves páginas dedicadas ao assunto não descrevem de maneira alguma o
panorama nacional, concluindo-se com umas afirmações peremptórias:
E chegamos a Fernando Pessoa. Não há notícia do seu interesse por este panorama e tudo
indica que vivia à margem da literatura policial portuguesa. Lia continuamente os policiais
ingleses e alguns americanos, ajustava as suas noções ao que se fazia nesses países e
escrevia textos que, embora transformassem as regras do género, não se pautavam pela
produção nacional. O seu universo era outro.
(FREITAS, 2016: 118)
Um dia alfinetado pelas lendas que aureolavam as suas leituras, tentei velhacamente
radiografá-lo mas com surpresa minha citou-me a elite dos romancistas policiais britânicos,
confessando que passava horas, deliciosas, na solidão, emocionando-se naqueles duelos
empolgantes entre detectives e bandidos em redor de um mistério denso e desconcertante.
‘Quando me canso dos outros’ – declarou – ‘corro aos policiais’.
(1935: 4)
10 DOMINGUES, Mário (1938). Um Crime em Sintra. Porto: Agência Editorial Brasileira.
11PESSOA, Fernando (1986). Escritos Íntimos, Cartas e Páginas Autobiográficas. Introdução, organização
e notas de António Quadros. Lisboa: Europa-América.
suscita, sendo que, neste caso, o que torna a interpretação do corpus textual algo
periclitante é a falta do seu necessário enquadramento no contexto da evolução da
literatura policial. Como escreve Ana Maria de Freitas, os projectos editorais
revelam que Pessoa começou a planear a edição das novelas policiárias em 1914.
Entre este ano e o da morte, 1935, medeiam cerca de vinte anos, um longo período
de tempo que, a fazer fé em O Fio e o Labirinto, seria de substancial continuidade na
escrita de Pessoa, aliás herdeira das primeiras tentativas juvenis:
FERNANDES, João; PINEDA, Mercedes [eds.] (2018). Pessoa. Todo arte es una forma de literatura.
Madrid: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, 327 pp. [ISBN 978-848-0265638].
* Universidade Nova de Lisboa, Instituto de Estudos de Literatura e Tradição (IELT).
Costa Pessoa Revisitado entre os Artistas Visuais
1 NEGREIROS, José de Almada (1965). Orpheu 1915-1965. Lisboa: Ática.
2FEIJÓ, António M. [comissário] (2008). Weltliteratur: Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o Mundo!
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
3SÁEZ DELGADO, Antonio; PIZARRO, Jerónimo [comissários] (2014). Fernando Pessoa em Espanha.
Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, Babel.
RIBEIRO, Nuno; SOUZA, Cláudia (2017). Fernando Pessoa & Goethe. Edição, Notas e Estudo Introdutório
de Nuno Ribeiro & Cláudia Souza. Lisboa: Apenas Livros, 438 pp. [ISBN 978-989-61857-6-3].
* Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Departamento de Letras.
1PESSOA, Fernando (2016). Eu Sou uma Antologia: 136 autores fictícios. Edição de Jerónimo Pizarro e Patricio
Ferrari, Lisboa: Tinta-da-china (col. «Pessoa») [1a ed., 2013].
2PIZARRO, Jerónimo; FERRARI, Patricio; CARDIELLO, Antonio (2010). A Biblioteca Particular de Fernando
Pessoa. Alfragide: D. Quixote.
Xavier Pessoa e Algumas Conversações com Goethe
mais figura nos documentos além de Goethe), Victor Hugo, Max Nordau, John Milton,
Guerra Junqueiro, Homero, Virgílio, entre outros.
Geralmente, a organização de edições críticas das obras de Fernando Pessoa
segue dois tipos de critério: a ordenação cronológica pela datação dos documentos ou a
ordenação temática, levando-se em consideração a materialidade do suporte, assim
como a caligrafia, o tema exposto, o estilo, referências a outros autores. Embora os
editores tenham optado pela ordenação temática, no interior de cada uma das seções
fica difícil perceber o critério pelo qual os textos foram dispostos, o que pode de certa
maneira dificultar a leitura dos fragmentos. O leitor poderá perguntar o motivo de
originais, comumente presentes nas edições críticas, embora alguns poucos documentos
integrem a seção de anexos dos volumes. Por outro lado, os editores oferecem ao leitor
levantamento bibliográfico sobre as relações Pessoa-Goethe, ainda que não tenham
separado as bibliografias em ativa e passiva.
O texto que compõe o «Estudo Introdutório» oferece ao leitor informações gerais
sobre a presença das edições de obras de e sobre Goethe na BpFP, sugerindo que a
influência do alemão teria sido definitiva para a formação literária de Pessoa. O
interesse do poeta em aprender alemão é mencionado, por exemplo, no «Caderno de
Allemão ou de língua parecida» e em «outros documentos que indicam o interesse do
autor em aprofundar seus conhecimentos de alemão» (RIBEIRO & SOUZA, 2017: 14). Os
editores associam o entendimento de Pessoa sobre génio à figura de Goethe como poeta
romântico, estabelecendo um diálogo entre Goethe e outros autores referidos nos
muitos escritos do espólio pessoano. Indicam, ainda, que Pessoa poderia conhecer
outras obras de Goethe para além daquelas presentes na BpFP, com base nos textos em
que o poeta português «utiliza como contraponto a crítica que Goethe realizou da
tragédia Hamlet» (idem: 24). O estudo introdutório também infere juízos de valor,
quando ilustrativamente aponta Goethe como «exemplo de excelência estética» (idem:
31) ou, ainda, quando conclui com certa veemência que o texto da cota BNP/E3, 144-79ar
mostra mais uma vez o impacto que a genialidade de Goethe exerceu sobre o
«psiquismo pessoano» (idem: 51).
O estudo ainda se debruça em alguns pontos de força da influência de Goethe na
poesia de Pessoa, a saber: as ideias relativas ao génio e à loucura; a heterogeneidade da
produção literária do poeta alemão; e como não poderia deixar de ser, a influência
definitiva de Goethe na constituição dos projetos do Fausto do poeta português
Dentre os documentos, ganham destaque: o poema cujo título é «Goethe»
(BNP/E3, 29-57r), parte integrante do Fausto de Pessoa; o texto «A imoralidade das
biografias“ (BNP/E3, 19-15r e 15ar), cuja a transcrição já conta com três versões até o
momento; o texto atribuído a Ricardo Reis, cujo título «Milton maior que Shakespeare»
expõe exatamente o referente de seu conteúdo, colocando lado a lado as obras desses
dois frente às obras de Goethe e buscando apontar qual seria o maior escritor; e o
poema «Goethe», que está presente nas edições Fausto de Fernando Pessoa publicadas
até a presente data.
11PESSOA, Fernando (2018). Fausto. Edição de Carlos Pittella; com a colaboração de Filipa de Freitas.
Lisboa: Tinta-da-china (col. «Pessoa»).
12PESSOA, Fernando (1967). Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias. Edição e prefácio de Georg
Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: Edições Ática.
13PESSOA, Fernando (2007). «A Imoralidade das Biografias». Jornal de Letras, Artes e Ideias. Lisboa:
Publicações Projornal.