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ARTE, ESTRANHAMENTOS E O DESAFIO DA INDIVIDUAÇÃO

Rainer Patriota – doutorando em filosofia pela UFMG

No segundo lustro da década de cinqüenta, Lukács redige a primeira parte de sua


Estética, cujo plano original incluía ainda mais duas outras partes. Porém, ao término da
primeira, Lukács se volta para a redação de uma Ética, que por sua vez acaba sendo
suplantada por uma Ontologia do ser social, a princípio concebida como necessária
introdução à Ética. Lukács morreu antes de escrever a Ética, mas, apesar disso, a Estética e
a Ontologia trazem à tona várias questões que, segundo as indicações do próprio autor,
deveriam ser plenamente desenvolvidas tão-somente na Ética. Este último itinerário da
atividade intelectual de Lukács, apesar de truncado, foi extremamente fecundo e representa
a síntese suprema de seu longo “caminho até Marx”. Itinerário onde aflora com vigor e
lucidez inauditas uma das idéias centrais da sua reflexão como pensador marxista: a defesa
dos ideais socialistas e a reconstrução do projeto marxista devem estar indissociavelmente
conexos a uma luta, travada no plano individual, pela auto-construção. A esta preocupação
corresponde seu ingente esforço teórico e ideológico para desmascarar e impugnar duas
concepções a respeito da individualidade polarmente opostas, mas, a seu ver, igualmente
falsas: a concepção liberal-burguesa e a concepção economicista do materialismo vulgar.
Para ir direto ao âmago do problema, convém iniciar destacando uma passagem
lapidar da Ontologia do ser social onde o pensador húngaro, situando o indivíduo no
interior do complexo social, se pronuncia acerca da estrutura bipolar deste complexo. Nas
suas palavras:
Os dois pólos que delimitam os movimentos reprodutivos, que o
determinam em sentido tanto positivo quanto negativo, destruindo velhas
barreiras e erguendo novas, são, de um lado, o processo reprodutivo na sua
totalidade extensiva e intensiva e, de outro, os indivíduos singulares, cuja
reprodução enquanto singulares constitui a base fundamental da
reprodução total (Lukács, 1981: 255).

A implicação decisiva que se segue dessa determinação é que os indivíduos não


podem, sob hipótese alguma, ser reduzidos a meros epifenômenos das relações econômicas;
tal reconhecimento conduz ainda, por via de conseqüência, a uma denegação implacável da
velha concepção dos “sucessores de Marx”, pois, segundo Lukács (1981: 255)

na sua maioria, eles transformaram a legalidade objetiva da economia em


um tipo de ciência natural especial, reificando e fetichizando as leis
econômicas a ponto de que os indivíduos singulares se apresentassem
como um objeto completamente passivo das suas ações .

Trata-se de um determinismo mecanicista impotente para refutar a “supervalorização das


iniciativas individuais contidas nas concepções de mundo liberal-burguesas” (Lukács,
1981: 255).
Após denunciar estas duas impertinências simétricas, Lukács (1981: 256-257)
procede ao equacionamento do problema:

A imagem ontológica correta do homem no curso do desenvolvimento


social é, mais uma vez, um tertium datur a respeito dos dois falsos extremos
abstratos: o homem como simples objeto da legalidade econômica
(segundo o modelo da física) é uma falsificação do estado de coisas
ontológico da mesma forma que a idéia segundo a qual as determinações
essenciais do seu ser-homem teriam raízes últimas que são
ontologicamente independentes da existência da sociedade, de tal modo
que em tais casos se deveria indagar sobre a inter-relação entre duas
entidades ontológicas autônomas (individualidade e sociedade).

Na Ontologia, Lukács formula em termos rigorosos e sistemáticos aquilo que já na


Estética é continuamente pontuado, mas sem uma fundamentação de alcance mais global:
uma teoria da individualidade, ou antes, da individuação. A pedra angular dessa teoria
emerge com a idéia de que o homem é um “ser que escolhe entre alternativas”. É a análise
do caráter teleológico do trabalho, onde se demonstra que à colocação de fins é inerente
uma escolha dos meios, que permite a Lukács estabelecer, em sua gênese, o fundamento
ontológico da liberdade (entendida como escolha entre alternativas), pois o trabalho é “o
modelo da práxis social em geral”. (Lukács, 1981: 50)
Tomando como ponto de partida a análise do trabalho como categoria mediadora
primária entre o homem e a natureza, Lukács traça as linhas gerais do desenvolvimento do
ser social. Desenvolvimento cujo motor é a interação entre os complexos individuais e o
complexo total, o “complexo de complexos”. O permanente desdobramento das forças
produtivas, das capacidades humanas, coincide com o alargamento e o aprofundamento do
campo de possibilidades onde os indivíduos efetuam suas escolhas e com elas definem seu
modo de ser. E neste sentido, Lukács (1981:256) pode afirmar que,

a história é em um de seus aspectos centrais o processo mediante o qual a


singularidade humana abstrata (exemplar da espécie) se converte em
individualidade concreta, em personalidade.

A personalidade é produto de um longo, contraditório e sinuoso processo histórico,


processo que na modernidade se acentua e expande maximamente. De fato, somente sobre
suas bases, materiais e ideológicas, as possibilidades individuais se tornam uma realidade
em permanente movimento, em expansão crescente. É na modernidade, por exemplo, que
as mulheres passam a lutar efetivamente por direitos e potencialidades antes reservadas ao
universo masculino. Isso significa que o campo de escolhas individuais aumenta e com ele
a própria liberdade. Porém, o processo de formação da individualidade não é de nenhum
modo retilíneo, antes, é presidido por forças contraditórias, que, se por um lado
desenvolvem as capacidades humanas, por outro criam obstáculos ao desabrochamento de
uma verdadeira personalidade. Este contradição social que se manifesta concreta e
imediatamente no âmbito da vida dos indivíduos, como expressão da personalidade de cada
ser singular, é o que Lukács, com base em Marx, denomina de estranhamentos
(Entfremdung). Nas suas palavras:

O fenômeno do estranhamento, como é delineado com clareza por Marx no


texto ora citado, pode ser formulado assim: o desenvolvimento das forças
produtivas é necessariamente também o desenvolvimento das capacidades
humanas, porém – e aqui emerge plasticamente o problema do
estranhamento – o desenvolvimento das capacidades humanas não produz
obrigatoriamente o da personalidade humana. Ao contrário: justamente ao
potencializar capacidades singulares pode desfigurar, aviltar, etc. a
personalidade do homem (Lukács, 1981: 562).

O estranhamento é, pois, um fenômeno ideológico que expressa o caráter desigual


do desenvolvimento social e sua superação efetiva só pode ter lugar através de mudanças
estruturais, que refaçam as bases econômicas sobre as quais assentam a sociedade como um
todo, já que delas deriva o caráter estranhado das relações intersubjetivas entre os homens
no quadro da realidade social. Neste sentido, os estranhamentos produzidos pelo
capitalismo só podem ser destruídos pela subversão de seus fundamentos sócio-
econômicos. Lukács é claro a este respeito. No entanto, e este é o seu leitmotiv, os
estranhamentos podem e devem ser combatidos no plano pessoal. O estranhamento é

sobre o plano objetivo, um momento daquele determinado desenvolvimento


econômico-social e, sobre o plano subjetivo, um momento das reações
ideológicas dos homens ao estado, à linha de movimento etc. da sociedade
no seu conjunto (Lukács, 1981: 741).

Uma vez que os estranhamentos se manifestam nos indivíduos como resultado de


suas decisões, o combate aos estranhamentos também está colocado como possibilidade aos
indivíduos. Para Lukács, o verdadeiro teor deste combate se manifesta quando o indivíduo
em questão emprega suas forças para a construção de uma personalidade não-mais-
particular, ou seja, quando os seus interesses se desenvolvem no sentido da generidade
para-si.
A pessoa que quer por meio de decisões individuais romper com o próprio
estranhamento, para poder cumprir subjetivamente com tal ruptura, deve
possuir uma perspectiva, em última análise – mais só em última análise –
de natureza social, orientada, ainda que em termos trágicos, para uma
determinada manifestação da generidade para-si, e isto para poder
efetivamente sublevar-se no próprio interior contra a sua particularidade
de intrínseco estranhamento, nele enredada (Lukács, 1981: 745).

O que Lukács entende por personalidade não-mais-particular é aquela que, na sua


interação com o mundo, rompe com o círculo das relações cingidas ao privado e orienta sua
conduta de vida a partir de interesses convergentes com os do gênero, ou seja, de interesses
que vão ao encontro do que é promotor da riqueza universal do gênero humano. Aquele que
assim procede vive a generidade não apenas como um dado objetivo, não apenas como um
fato empírico, mas sim como algo para-si, como alvo de suas aspirações, como baliza e
mola propulsora de seus atos, portanto conscientemente.
Não é casual que Lukács tenha terminado a sua Ontologia do ser social com o
capítulo sobre os estranhamentos. Nele é discutido fundamentalmente o caráter
problemático da individualidade sob a regência do capital. Porém, sua tematização em
nenhum momento resvala quer no fatalismo sombrio quer no otimismo fácil e gratuito,
antes, procura, de forma sóbria, sine ira et studio, chamar os indivíduos a empenhar-se num
valente combate de resistência. Imprescindível é ter presente que Lukács, com isso, não
pretende se pautar por nenhum “imperativo categórico” a que os indivíduos, por alguma
obscura razão, devessem aderir; na verdade, Lukács “apenas” expõe um fato ontológico, a
saber: que os indivíduos produzem a si mesmos a partir de suas escolhas num dado
contexto social. Escolhas que tanto podem desenvolver como inibir (e no limite destruir) as
potencialidades latentes da personalidade de cada ser singular. A luta contra os
estranhamentos é uma luta contra o domínio das forças que aprisionam os indivíduos na
particularidade abstrata e vazia, no interior de relações centradas em interesses imediatos e
mesquinhos, que atrofiam a personalidade na medida em que restringem e envilecem seus
vínculos com a riqueza do gênero. Trata-se de uma luta ideológica 1, mas na medida em que
seu centro imediato é o desenvolvimento da própria pessoa que atua a partir de seus
próprios atos, ela ganha a forma de uma luta moral. Luta travada no mundo e entre os
homens, mas que sempre envolve um confronto do indivíduo consigo mesmo. Lukács
(1981: 612) afirma:

O ato individual que olha para si mesmo é, portanto, a premissa inevitável


a fim de que se tenha uma superação real (e não só verbal) de um
estranhamento qualquer na relação que um indivíduo qualquer estabelece
com o ser social.

E com estas mesmas lentes interpreta a antiguidade.

A grande luta da cultura ética antiga contra o domínio dos afetos sobre o
indivíduo foi – sem que o conceito de estranhamento em quanto tal
houvesse entrado na vida intelectual da humanidade – objetivamente uma
defesa sócio-moral contra este (Lukács, 1981: 587).

Esta luta no plano interior, no plano dos afetos, é, deveras, um dos aspectos decisivos do problema
ético:

É universalmente notório que o domínio do homem sobre seus próprios


instintos, afetos, etc. constitui o problema capital de todo aspecto moral,
dos costumes e tradições até as formas mais alta da ética. (Lukács, 1981:
569).

Sobre o caráter prático da luta contra os estranhamentos, Lukács (1981: 612) é enfático:

1
Na Ontologia do ser social, Lukács considera como ideológicos os mais diversos fenômenos relacionados ao
agir e fazer-se do homem no plano social. Neste sentido, ideologia não é sinônimo de falsa consciência, mas
veículo ideal da práxis orientado ao enfrentamento dos conflitos que nela irrompem e se propagam. Vale
dizer, “as formas ideológicas são instrumentos pelos quais são conscientizados e enfrentados os problemas
que preenchem a cotidianidade” (Lukács. 1981: 446). Sobre este assunto consulte-se o elucidativo ensaio de
Ester Vaisman – A ideologia e sua determinação ontológica – na Revista Ensaio 17/18. São Paulo: ed. Ensaio,
1989.
Pode acontecer, assim, que pessoas singulares estejam em condições de
penetrar a nível teórico a essência deste fenômeno, mas que permaneçam
estranhados na sua conduta de vida, e que, antes, em certas circunstâncias,
aprofundem ainda mais o seu estranhamento. Isso se verifica porque todo
momento subjetivo do estranhamento pode ser superado somente mediante
posições práticas corretas do indivíduo em questão, com as quais muda em
termos efetivos, práticos, o próprio modo de reagir aos fatos sociais, a
própria atitude diante da sua conduta de vida e da dos outros homens.

O capítulo final da Ontologia pode ser lido, sob esta perspectiva, como um
momento antecipatório da Ética apenas esboçada e referida, já que nele o nervo da
tematização é um fenômeno fortemente centrado nas vidas individuais, ainda que sua base e
seja social. Convém, na verdade, não esquecer que para Lukács, os indivíduos são sempre
sociais, o problema, a seu ver, está na forma específica, singular, como cada um efetiva sua
própria sociabilidade.
Na Estética, Lukács se expressa com muita clareza a respeito das formas
fundamentais de conduta e de envolvimento dos indivíduos com o mundo. Sua crítica,
como sempre, recai sobre os falsos extremos - a acomodação acrítica e o retraimento em si
mesmo, a revolta introspectiva. No seu ver, é preciso ter claro
que o desenvolvimento real da personalidade humana só é possível no
mundo, em ininterrupta interação com ele, que tanto aquele que tende a se
fechar em si, quanto aquele que se entrega a seu meio e se adapta a ele
incondicionalmente, acaba se transformando em um ser espiritualmente
mutilado (Lukács, 1982: 468-469).

Para tanto, há que forjar um espírito aguerrido, resistente e determinado. E mais uma vez,
fica patente o aspecto moral da luta contras as forças que destituem e desfiguram a
personalidade.
O impulso para uma completude no plano humano vive de forma mais ou
menos consciente na maior parte dos homens, contanto que a estrutura
social de seu tempo não os tenha desfigurado interiormente a ponto de
fazê-los sentir a própria desfiguração como condição imprescindível de
toda existência. Entretanto, este impulso e a capacidade para torná-lo
efetivo é muito variável entre as pessoas, sejam elas de uma mesma época
ou classe. A luta pela realização efetiva se estende em uma escala que vai
da revolta impotente até uma adptação cega - e inclusive autocomplacente
- a um dos falsos extremos (Lukács, 1982: 469).

Para Lukács, a luta contra os estranhamentos - ou, o que é o mesmo - pela


edificação de si como generidade consciente – requer coragem para laçar-se no mundo,
para participar ativamente de seus embates, viver seus dramas. Já em Narrar ou descrever,
ensaio que data de 1936, Lukács, a propósito do naturalismo, condena aqueles artistas que
se portam como meros observadores, que pretendem estudar a realidade com a suposta
imparcialidade da ciência. A arte verdadeira – a que deixa frutos duradouros por captar a
realidade na sua profundidade, por desvelar a vida em seu núcleo - só pode brotar, afirma o
autor, naqueles homens que tecem os fios de sua concepção de mundo mediante a interação
permanente com seus contemporâneos, pondo-se no coração dos acontecimentos como ator
e não como mero espectador. O mesmo vale, evidentemente, para a construção da
personalidade. Atuando no mundo, os indivíduos desenvolvem suas faculdades e aprendem
a conhecer a si mesmos. A atuação no mundo implica consciência. A prática e a teoria não
podem se divorciar, pois,
a ignorância plena do mundo extreno objetivo pode transformar em
quixotismo as intenções morais mais puras e generosas, enquanto qua a
aceitação sem resistência dos dados do mundo circundante reduz o sujeito
à trivialidade mais filistina. E eticamente não constitui nenhuma diferença
decisiva que o envilecimento se produza como adaptação sem critério ao
mundo externo dado em cada caso ou como passiva reação emocional, que
às vezes pode chegar até a indignação íntima, mas sem transformar-se am
atos; no filisteismo há uma dilatada escala, dede o refinamento sem
essencia até a torpe grosseria, desde a voibrante sensibilidade sem norte
até o endurecimento insensível etc. No homem não nasce uma substancia
ética – ou, melhor dizendo, o homem não cresce até uma substancialidade
ética – senão quando consegue realizar a correta proporção entre o intero
e o externo, a necessidade e a liberdade, realizando-a em suas decisões e
seus atos (Lukács, 1982: 471).

Chegamos agora ao problema da relação entre a estética e a ética. A importância


crucial da vivência estética está precisamente no seu poder humanizador. A arte desperta
nos indivíduos a consciência de suas potencialidades mais autênticas, é, pois, promotora da
autoconsciência, uma vez que torna vivenciável no plano individual os dramas, destinos e
perspectivas do gênero, no pretérito e no presente. Nas obras de artes, escreve Lukács
(1978: 302)
é revivido e feito presente o próprio passado, e este passado não como a
vida anterior pessoal de cada indivíduo, mas como a sua vida anterior
enquanto pertencente à humanidade. O espectador revive os eventos do
mesmo modo, tanto no caso em que assista a obras que representem o
presente, como no caso em que a força da arte ofereça à sua experiência
fatos que estão distantes no tempo ou no espaço, de uma outra nação ou de
uma outra classe.
O passado da humanidade é revivido não como algo externo, mas “como algo
essencial para a própria vida, como momento importante para a própria existência
individual” (Lukács, 1978: 302).
A autoconsciência é consciência sensível que a arte, como forma específica -
antropomorfizadora - de captação e elaboração ideal da realidade induz na subjetividade
receptora. A autoconsciência é, pois, uma vivência catártica, a um só tempo intelectual e
emocional. Sua força deriva deste enraizamento na dimensão sensível do homem. A arte é
humanização dos sentimentos, das paixões. Sua ligação profunda com a esfera da moral, da
vida prática, tem aqui seu fundamento inequívoco. A vivência estética autêntica age sobre o
homem de forma a desenvolver o núcleo de sua personalidade, preparando-o interiormente
para os combates do mundo.
A arte grande – precisamente na medida em que é autêntica e grande –
desenvolve no homem a relação interior com o mundo que o torna capaz de
intervir na vida ativamente, como ordenador e como impulso continuador
(Lukács, 1968: 49).

Ao situar no centro de suas elaborações miméticas os grandes conflitos humanos,


evidenciando e contrastando as melhores e as piores potencialidades inerentes aos homens
na marcha de sua auto-constituição, colocando destinos individuais em perspectiva história
e social, a arte se mostra como uma poderosa arma a serviço do desenvolvimento de
individualidades autênticas, ou seja, ativas e conscientes de si como generidade concreta. A
luta contra a hostilidade e perversidade da sociabilidade burguesa encontra nela um
poderoso aliado. Pois, a „arte, em sua essência, é sempre um móvel contra tais tendências
destrutivas, sempre um modelo de resistência contra sua influência, o ideal de uma
interioridade sadia“(Lukács, 1982: 469).
Em termos gerais, e já em direção à conclusão deste artigo, diga-se que Lukács
entende a ética como a concreção na vida real, ainda que se trate de uma concreção sempre
aproximativa, tendencial, daquilo que as obras de arte realizam de forma plena e hiper-
dimensionada, porque ideal: o desenvolvimento, a partir dos conflitos vividos no âmbito da
vida concreta, das potências humanas inerentes a cada indivíduo. Isto é, a ética, no seu
sentido mais profundo, é o modo como cada indivíduo, a partir das suas relações concretas
numa sociedade concreta, realiza concretamente suas potencialidades, se faz, portanto,
personalidade. Nos termos do próprio Lukács (1982: 268): ela “representa a realização
prática da essência humana em suas inter-relações com seus semelhantes”. A arte, por sua
vez, é a exacerbação das potencialidades dos indivíduos num dado momento histórico,
exacerbação que se traduz sempre “numa unidade sensível, significativa e manifesta do
interno e do externo, do conteúdo e da forma, do caráter e do destino, etc”. (Lukács, 1982:
267) Esta consonância entre opostos, esta unidade que faz emanar o substancial da vida,
não anula a explicitação dos conflitos, mas ao contrário, a pressupõe e por meio dela se
manifesta em sua máxima consistência. O reflexo estético, a arte, é justamente o meio “pelo
qual a unidade última da individualidade humana, inclusive nas colisões mais trágicas e
irresolúveis, se manifesta mais claramente do que é possível na vida mesma” (Lukács,
1982: 267). O enlace da estética com a ética surge em toda a sua clareza precisamente neste
ponto: a arte, com seu poder de evocar a integridade indestrutível da personalidade humana,
de fazê-la transparecer justamente em meio às situações mais hostis, às contradições e
estranhamentos mais cruciantes da vida num dado contexto sócio-histórico, apresenta-se
como o modelo, referência e guia dos homens em sua luta pela conquista de si mesmos,
pela construção de uma individualidade plena, pujante e harmoniosa, vale dizer, sem
dualismos, dissensões e repressões. De fato:
A aspiração humana a uma conduta ética na qual o preceito ético expresse
precisamente o núcleo mais íntimo da personalidade e domine, a partir daí,
toda a periferia dos afetos e emoções, de desejos e de ideais, e não de um
modo dualista e tirânico, mais sim organicamente, como revelação da
personalidade total, nasce, pois, da essência da eticidade mesma (Lukács,
1982: 266).

Por fim, ressalta-se que a convergência dos distintos momentos da argumentação


lukasciana em torno do problema da individuação na Estética e na Ontologia do ser social
não dá margem a nenhum equívoco. A individuação, na medida em que se desenvolve a
partir de escolhas num dado contexto social, representa não só uma determinação histórico-
social, fundada em condições materiais e ideológicas, mas também e fundamentalmente um
movimento acionado e perpetuado pela singularidade que toma decisões e opta entre
alternativas. Este processo, ao encontrar nos estranhamentos sociais um obstáculo, se
constitui como uma luta onde os indivíduos expressam e constrói sua personalidade, quer
na direção de uma permanente superação dos particularismos rumo a generidade, quer na
direção inversa, ou seja, de uma fixação e cristalização na própria vida de elementos
meramente particulares e carentes de significado humano. Luta, por sua vez, que Lukács,
embora de forma fragmentária e sem desdobramentos, mostra como um problema não
apenas sócio-econômico, mas de ordem ética. Problema, diga-se por fim, que é o tema
fundamental do reflexo estético, na medida em que este aspira a evidenciar, de forma
ampliada e evocativa, os caminhos e descaminhos possíveis dos homens de um tempo em
relação ao desdobramento e realização de sua concreta existência enquanto singularidade,
isto é, enquanto individualidade efetiva. Aspiração que se nutre da própria necessidade dos
indivíduos de uma autoconstrução harmoniosa e plena, de um reconhecimento da viva e
maciça presença da generidade no próprio eu.

BIBLIOGRAFIA:

LUKÁCS, Georg, Die Eigenart des Ästhetischen, Werke Bd 11 e 12. Luchterhand:


Neuwied, 1963.
______________Estética (em quatro volumes). Barcelona: Grijalbo. 1982.

_____________Ensaios sobre Literatura. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1965.

______________Goethe y su época. Ediciones Grijalbo: Barcelona-Mexico, 1968.

______________Introdução a uma Estética Marxista. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 1978.
______________Ontologia dell’essere sociale. Roma: Riuniti, 1976.

______________ Versuche zu einer Ethik. Budapeste: Akadémiai Kiadó, 1994.

VAISMAN, Ester, A ideologia e sua determinação ontológica in Revista Ensaio 17/18. São
Paulo: ed. Ensaio, 1989.

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