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− 1º: o poeta lança um apelo à ceifeira para que continue a cantar a sua canção inconsciente,
porque esta emoção o obriga a pensar e a desejar ser ela, sem deixar de ser ele → aspiração
ao impossível (porque ter a consciência da inconsciência é deixar de ser inconsciente);
− 2º: ciente dessa impossibilidade, o poeta lança uma apóstrofe ao céu, ao campo, à canção,
personificados, pedindo-lhes que entrem dentro dele, o transformem na sombra deles e o
levem para sempre.
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paradoxo de Pessoa: tendo-se servido tanto da inteligência, sentiu-se sempre um torturado
por ser um ser pensante → dor de pensar. Daí a sua aspiração pela alegre inconsciência da
ceifeira.
Forma
− tempo verbal predominante: o presente, que sugere o deslizar da imagem da ceifeira e do seu suave canto na
imaginação do poeta → sugestão de passagem lenta do tempo, acomodada à meditação do poeta (realçada pelo
uso da perifrástica e do gerúndio);
− na 2ª parte do poema, predomínio do imperativo, para traduzir o apelo do poeta;
− há mais adjetivos na 1ª parte dado ser essencialmente descritiva; na 2ª, predominam os substantivos, pronomes
e verbos, de harmonia com a função apelativa da linguagem aí presente; a repetição do verbo cantar (7 vezes),
do substantivo voz e canção, o uso do verbo ouvir no infinitivo, põem a sensação auditiva no âmago emocional
do poeta.
− o vocabulário de todo o poema é simples, mas o poeta soube carregar de sentidos subtilmente sugestivos as
palavras mais simples:
− expressividade dos adjetivos pobre e feliz;
− os pares antitéticos pobre/feliz e alegre/anónima;
− expressividade do advérbio talvez, que evidencia amarga ironia;
− o adjetivo alegre em «a tua alegre inconsciência», que aponta para a parcialidade do conhecimento que a
ceifeira tinha da sua vida e que está carregado de amarga ironia (o poeta desejava a inconsciência da ceifeira por
esta ser para ela a única causa da sua alegria);
− a subtil expressividade do adjetivo leve («a vossa sombra leve»), sugerindo a leveza, a quase imaterialidade
desta visão-sonho que o poeta teve da pobre ceifeira.
→ comparações: «a sua voz ondula como um canto de ave» aponta não apenas para a suavidade da voz, mas
também para o lado instintivo, inconsciente que tem a alegria da sua voz; «no ar limpo como um limiar» acentua
a pureza do ar, do céu em que o poeta imagina a voz da ceifeira volteando (a pureza da voz da ceifeira projeta-se
no ambiente em que se propaga);
→ metáforas: «sua voz ondula», como se ela enchesse o ar e este fosse o mar; «na sua voz há o campo e a lida»,
como se o perfume do campo e a agitação do seu trabalho enchessem a sua voz; «E há curvas no enredo suave
do som», a sugerir a deliciosa melodia da sua canção; «derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando»,
como se a sua voz fosse um líquido de que o poeta queria ser alagado; «A ciência pesa tanto», ciência aqui
sinónima de dor de pensar, de ser consciente.
− Aspeto formal: poema composto por seis quadras em versos octossílabos. O esquema rimático de todas as
quadras é ABAB e a rima é cruzada.