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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Dor yol Tab or da

A dama
da túnica
escarlate
contos policiais

Editora A Noite

Rio de Janeiro

1939

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

A meus amigos

Doutor Cândido M. da Cunha Lobo

Dona Nicoleta V. da Cunha Lobo

Alfredo V. da Cunha Lobo

e
Amy Müller Santos

Rio, maio de 1939

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

O aniversário sangrento
ir Malcolm Rost era um dos homens mais proeminentes de
toda Londres. Imensamente rico, com grande fortuna
conseguida no negócio de jóia, vivia quase exclusivamente de
seu rendimento, repartindo entre sua filha e os livros toda
dedicação.
Estava entregue à leitura quando Margarete o veio prevenir de
que os convidados começavam a chegar.
Seu palacete na Parque do Regente era uma das mais lindas
residências de todo o bairro e nesse dia abria, como em todos os
anos, os salões pra festejar mais um aniversário de sua filha.
Margarete completava 22 primaveras e seu aspecto era o duma
avezinha travessa. Muito bela, aliava a esse dom uma primorosa
educação.
Os primeiros acordes da música já se faziam ouvir, quando sir
Malcolm se retirou à biblioteca. Se recostou numa cômoda cadeira
estofada, junto à lareira e, tomando entre as mãos um bilhete que
retirara da escrivaninha, o amassou e atirou ao fogo.
— Não fará isso...
Sir Malcolm possuía na alma uma nódoa que ninguém conhecia
e que nem mesmo o tempo conseguira apagar.
— Margarete! Estás cada vez mais linda.
— Não digas tolice, Cedric. O mais que posso fazer é te
conceder esta dança.
Cedric diversas vezes a pedira em casamento, mas sir Malcolm
se opunha ao enlace. O rapaz não se dava por vencido e naquela
noite tentaria mais uma vez.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Onde está teu pai? Falarei consigo e te garanto que só o


deixarei quando souber o motivo porque não consente que nos
casemos.
— Creio que está na biblioteca.
Quando entrou, sir Malcolm o recebeu com um sorriso.
— Estás um pouco nervoso!, Cedric.
— Nada tenho, senhor, mas queria me casar com tua filha,
porque...
— Não. Enquanto eu for vivo não vos casareis.
Cedric acabava de sair quando Emil Ludwig entrou.
— Malcolm, acho que não te poderei pagar amanhã. Ficaria
muito satisfeito se me desses mais tempo.
— Terás mais trinta dias. Acho que é o bastante.
Depois que Emil se retirou, fechou a porta a chave, abriu a
janela que dava a um pátio coberto de trepadeiras e se sentou.
Apanhou uma garrafa de uísque e dois copos, os colocando sobre
uma pequena mesa, junto a si.
O pequeno relógio-carrilhão batia meia-noite quando um
estranho visitante entrou pela janela.
Trajava um terno que, outrora, deveria ser cinza, muito
amarrotado, e a camisa suja dava um aspecto desagradável.
— Aqui estou, velho miserável. Me julgavas morto. Hem?
— Marcus, és um canalha. Podes ficar certo de que não te darei
um níquel. Como sou generoso comprei uma passagem à China no
Indiano e isso é tudo o que te darei.
Uma gargalhada recebeu as últimas palavras de sir Malcolm.
— Dispenso tua generosidade. O que quero são as dez mil libras.
E deixes de bobagem porque, do contrário... Vivi durante dezoito
anos, na Ásia, na maior miséria, sofrendo todas as amarguras,
enquanto enriquecias, vivendo no meio do maior luxo e te
apoderando de Margarete, a educaste como se fosse tua filha.
Custei muito pra chegar àqui. E, agora levarei esse dinheiro pra
endireitar minha vida e cuidar mais tarde de Margarete ou direi a
ela quem sou e a todos quem és.
— Não. Não farás isso, Marcus. A adoro. É tudo pra mim.
Depois que desapareceste cuidei dela como se fosse minha filha.
— Não, Malcolm, tu me julgavas morto e tomaste conta de
Margarete, porque eu deixara um seguro de 30.000 libras a minha
mulher, que morreu, estou certo, com os maus tratos que lhe
infligiste. Estavas mal de finança e aquele dinheiro te salvaria.
Quando minha mulher morreu voltaste à Inglaterra e, trazendo

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Margarete, a fizeste passar por tua filha. Se isso não é verdade, por
que abandonaste a mulher da qual tinhas um filho? O que seria
dessa pobre infeliz se o destino não lhe tivesse feito encontrar um
homem que a amparou, lhe deu seu nome e a tornou feliz? Sim,
canalha. Estás admirado de que eu saiba tanto! Não é? E sei
também, Malcolm, quem é teu filho. Me dás o dinheiro ou toda
Londres conhecerá o verdadeiro Malcolm Rost e todas as
imundícies de sua alma.
— Marcus, não farás isso e nada te darei.
Malcolm foi à escrivaninha. Quando Marcus se aproximou viu,
apontado a si, um revólver que brilhava nas mãos dele.
— Agora saias por onde entraste e te previno de que se tornares
a me aborrecer te matarei como um cão leproso. Quero que saibas
que todo meu haver pertencerá a Margarete após minha morte.
Um leve rumor como o de folhas pisadas veio da janela.
— Muito bem, Malcolm. Sairei mas me pagarás bem caro. E,
pro caso de mudares de idéia, aqui está meu endereço.
Depois de riscar com um alfinete a escrivaninha, se dirigiu à
janela, a transpondo num salto.
— Rua Shadwell, 3. Docas Índias Ocidentais, hem! Cão
imundo!
Na sala os pares continuavam a dançar.
— Ó! Emil, estive te procurando pra dançarmos uma vez.
— Fui apanhar um pouco de ar, Margarete.
— Viste Cedric?
— Sim. Quando entrei o vi dançando.
Iam em direção à varanda quando o criado veio correndo.
— Senhorita Margarete... Senhorita Margarete... Estou batendo
há dez minutos na porta da biblioteca e sir Malcolm não responde.
Acho que algo aconteceu.
— Venhas, Emil. E tu, Johnson, chames Senhor Cedric.
— Meu pai, meu pai, abras a porta.
— Vamos arrombar, Johnson. — Disse Emil.
Quando a porta foi aberta um quadro horripilante se apresentou.
Sir Malcolm estava debruçado sobre a escrivaninha, tendo um
punhal cravado na nuca.
— Meu pai!...
Sir Emil e Johnson ampararam Margarete, que acabara de
desfalecer.
— A levai enquanto telefonarei à polícia.

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— Alô. Scotland Yard.1 Capitão Edu Brown ao aparelho.


— Aqui fala Cedric Shering, da casa de sir Malcolm Rost, que
acaba de ser assassinado.
— O quê? Sir Malcolm assassinado? Em nada tocai. Iremos já.

II
— Jaime, Tom, sargento Stanley, vinde comigo.
Em poucos minutos o carro da polícia chegava à Parque do
Regente. A música já cessara quando capitão Edu Brown chegou.
Duas pessoas o esperavam à entrada.
— Sou Cedric Shering, a pessoa que telefonou, e este é meu
amigo Emil Ludwig.
— Queres ter a bondade de nos mostrar o corpo?, senhor Cedric.
— Pois não. Está na biblioteca. Fazei o favor de me seguir.
— Bem apunhalado, hem?, chefe.
— Jaime, providencies a remoção do corpo e, desde já,
encarregues te deste caso. Voltarei à chefatura. — Disse capitão
Edu.
Jaime deu as primeiras providências e o acompanhou até a porta.
— Sargento Stanley, fiques aqui e não deixes alguém se
aproximar do cadáver. Tom, faças com que os convidados se
retirem. Quero somente que fiquem senhor Cedric e senhor Emil.
— Senhor inspetor! Senhorita Margarete está recolhida a seu
aposento e pede que a vás ver logo que possas.
— Antes de mais nada — principiou Jaime — desejo saber
quem descobriu o corpo.
— Eu estava com Margarete no salão, quando Johnson veio
dizer que estava batendo na porta e ninguém respondia. Corremos
até lá e, como não respondessem, ela nos pediu que arrombássemos
a porta. Entramos e deparamos com Sir Malcolm apunha-lado.
— Senhor Cedric poderias me dizer o que fazias quando
Johnson foi te procurar?
— Estava dançando com senhorita Lílian.
Algum dos senhores esteve com sir Malcolm antes de
descoberto o crime?
— Sim. — Disse Cedric. — Fui pedir Margarete em casamento.
Era a quarta vez que o fazia e Malcolm, como das outras vezes, me
respondeu com um não. Quando ia saindo Emil entrava.

1
Sobre a origem do termo Scotland Yard (Jardim Escocês), fiz um apêndice no final
do livro. Nota do digitalizador.

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— É verdade, inspetor. Fui pedir a Malcolm, que me concedesse


mais alguns dias de prazo, pra lhe pagar uma quantia que pedira
emprestada. Fui atendido e satisfeito, indo tomar um pouco de
fresco na varanda.
— Creio não haver mais necessidade de vos reter aqui. Se
quiserdes vos retirar, podeis, mas advirto, no entretanto, que estais,
ambos, sob suspeita. Peço, portanto, que vos conservai na cidade e
talvez precise ainda vos fazer algumas perguntas.
Cedric e Emil agradeceram, se retirando em seguida.
— Tom, venhas comigo, dar uma espiadela no escritório.
Eram três horas da madrugada quando levaram o corpo à
morgue. Limpados todos os vestígios do crime. Ninguém diria que
aquele lugar fora teatro dum bárbaro assassínio.
Jaime mandou avisar a senhorita Margarete que a iria ver às
primeiras horas da manhã e, em seguida, ligou à chefatura.
— Scotland Yard. Capitão Edu Brown. És tu, Jaime?
Encontraram algo?
— Nada, chefe. Irei a casa, descansar um pouco. Deixarei aqui
de guarda o sargento Stanley. Interroguei Cedric e Emil, e fiquei
satisfeito.
— Creio que por hoje é tudo, Tom. Digas a Stanley que fique
aqui e conserve as coisas como estão.
Eram quase quatro horas quando Jaime entrou em casa.
Era um casarão antigo de seis andares. O apartamento em que
habitava ficava no último. Apesar de pequeno, se compondo dum
quarto, onde ele dormia, com Tom, uma sala e um banheiro, era
muito confortável. De suas janelas se avistava toda a praça
Piccadilly.
Depois de contemplar durante alguns instantes os letreiros
luminosos, Jaime se dirigiu ao banheiro, donde saiu pouco depois,
de banho tomado e com a força restabelecida.
— Jaime, hoje teremos nevoeiro.
— É. O dia será triste, Tom. Estou pensando em como estará
sentindo se senhorita Margarete. Sua alma deve estar como nossa
velha Londres. Pobre menina!
— Pobre? Bela menina, digo eu, Jaime. Vale atualmente
200.000 libras.
— Vamos, Tom, que já é dia e tenho que falar com senhorita
Margarete mas, antes, tenho muito que ver naquela sala.

III

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Os dois detetives atravessaram a pé a praça Piccadilly. Fizeram


o desjejum no Bill Bull e se dirigiram à Parque do Regente.
Johnson já estava de pé e foi quem lhes abriu a porta, os
conduzindo ao gabinete de sir Malcolm.
Jaime, depois de ordenar a sargento Stanley ir descansar,
começou a fazer um exame cuidadoso em todo o recinto. Estava
meditando quando a voz de Tom o despertou do pensamento.
— É estranho que a janela estivesse aberta e a porta fechada por
dentro, Jaime.
— Eu estava pensando nisso, Tom. É um ponto que preciso
esclarecer. A me basear nas declarações de todos, a porta estava
realmente fechada. O que estaria fazendo sir Malcolm, de porta
fechada?, o que não era seu hábito. Por que estaria aberta a janela
que deita ao pátio?
— Olhes aqui, Jaime. Creio que o assassino é quem esteve por
último nesta sala. Emil poderia muito bem ter apunhalado o velho,
fechado a porta e saído pela janela. De mais a mais, ninguém o viu
sair do escritório.
— Não creio, Tom, que fosse Emil. Em vez de estar criando
hipótese, procures uma pista.
Tom, impaciente, percorria todo o aposento. De repente parou,
soltando um pequeno assobio.
— Vejas estas marcas!, Jaime.
Eram marcas de dois pés, perto da janela. O que fez assobiar foi
o fato de que, mesmo aos olhos dum qualquer, se veria que aquelas
marcas eram diferentes uma da outra. Um pé era bem maior que o
outro. Jaime as examinou cuidadosamente.
— Tom, telefones à chefatura e digas a Edu que nos mande um
perito, pois quero estas marcas. E perguntes se acharam impressão
na faca. Permaneças aqui enquanto falo com senhorita Margarete.
Subiu a escada e bateu à porta do quarto. Um leve quem é?
Chegou aos ouvidos. — Detetive Jaime Patrício, senhorita.
— Ó! Faças o favor de entrar.
Margarete estava recostada numa grande almofada. Se via, pelo
semblante, que passara uma noite agitada. Apesar de estar com o
cabelo em desalinho, sem pintura e muito pálida, estava lindíssima.
Jaime permaneceu a fitando. Já, muitas vezes, interrogara moças
nos aposentos delas mas agora, não sabia por que, estava sem saber
como principiar. Margarete foi quem, finalmente, rompeu o
silêncio:
— Obrigado pelo homem que deixaste aqui, de guarda, senhor

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inspetor.
— Nada tens que agradecer, senhorita. Cumpri somente meu
dever. Eu desejava te fazer algumas perguntas mas acho que estás
muito fatigada. Por isso deixarei pra depois.
Enquanto Jaime falava ela o olhava, contemplando. Jaime tinha
cerca de 2,3m de altura e os ombros largos davam um aspeto de
atleta. Era bonito mas Margarete reparou que as linhas de seu rosto
eram duras e a boca parecia nunca se ter aberto num sorriso.
— Sabes dalguém que tivesse motivo pra ass... isto é, tem
suspeitas de alguém?
— Não, inspetor. Meu pai não tinha, que eu saiba, alguém que
tivesse razão pra tal. Creio, mesmo, que não tinha inimigo, pois era
muito generoso e todos o estimavam.
— Suponho que estás noiva de senhor Cedric Shering. Não é?
— Cedric costumava me pedir, a papai, em casamento, mas isso
não quer dizer que eu esteja noiva.
— Sabes dalgum motivo pelo qual teu pai se opunha ao
casamento?
— Não. Cedric sempre gostou muito de jogar e talvez fosse por
isso. Mas não creio, inspetor.
Jaime ia fazer novas perguntas, quando notou que os olhos de
Margarete estavam cheios de lágrima.
Pediu desculpa por a ter incomodado e avisou que se, acaso,
precisasse, estaria na biblioteca. Desceu a escada e, encontrando
Johnson, o mandou levar um calmante à moça.
— Jaime, os peritos já retiraram as marcas. Sobre a faca não
havia impressão. Tinha gravadas no cabo as iniciais M. R. e,
enquanto estavas lá em cima, verifiquei que a mesma pertencia a
Malcolm Rost e foi retirada dessa panóplia, onde há outra igual.
Depois de examinar o lugar donde fora retirada a faca e que
ficava justamente atrás da escrivaninha, Jaime principiou a
examinar as gavetas. Quando já perdia a esperança de achar uma
pista, encontrou na última, uma promissória assinada por Emil
Ludwig e que venceria no dia 12. Viu um pequeno revólver Smith
and Wesson, calibre 32, niquelado, e um rápido exame lhe fez ver
que a arma estava carregada. Quanto à promissória, viu que, de
fato, Emil falara a verdade.
O revólver fez compreender a Jaime que sir Malcolm fora
assassinado por uma pessoa a quem não temia, pois deixou que a
mesma dele se aproximasse sem tentar se defender.
Portanto, Malcolm morreu sem adivinhar o que lhe sucederia.

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Ia fechar a gaveta quando um envelope chamou a atenção.


Parecia conter qualquer coisa. Jaime o abriu e encontrou uma
passagem do vapor Indiano à China. O que o fez dar um pulo foi o
nome do passageiro: Marcus Rost.
— Tom, telefones a companhia portuária e indagues o dia e hora
da partida do vapor Indiano. Em poucos minutos a ligação foi
completada.
— Sairá hoje, às 3h, Jaime.
— Capitão Edu, aqui fala Jaime Patrício.
— Conserves dois homens a minha disposição. Depois darei a
instrução.
— Tom, te lembras de alguém chamado Marcus Rost?
— O quê? Marcus Rost? Será, por acaso, parente de sir
Malcolm.
— É o que eu quero saber. Chames Johnson.
Ele atendeu prontamente ao chamado.
— Há quantos anos trabalhas prà família?
— Há quase vinte anos, senhor.
— Conheces alguém chamado Marcus Rost?
— Conheci, senhor. Morreu há cerca de dezenove anos, no
naufrágio do Victoria, quando se dirigia à Itália.
— É tudo, Johnson. Podes ir.
Jaime se sentou e sua cabeça estalava. Se Marcus Rost estava
morto, porque ali estava aquela passagem prum vapor que sairia
hoje?
Mandou Tom ir ao Times.
— Vejas se consegues, com aquele teu amigo Zezinho, algo a
respeito de Marcus Rost. Quero que faças isso o mais rápido
possível, pois preciso de ti à uma hora.
— As coisas agora estão se tornando mais claras. — Murmurou
Jaime. Se esse homem, que dizem morto, está vivo, preciso dele.
O telefone tilintou.
— Alô. És tu?, Jaime. Aqui é Neil. Conseguimos ler o papel
queimado. Diz: Irei hoje, à meia-noite. — Obrigado. Neil.
E Jaime desligou.
Sim. Era isto mesmo. Marcus Rost estava vivo. Avisou a sir
Malcolm que o veria. Agora Jaime compreendia porque estavam a
porta fechada e a janela aberta. Qualquer que fosse o motivo da
visita de Marcus, Malcolm não queria que alguém o visse. Recebeu
Cedric e Emil, após o que, fechou a porta a chave, abriu a janela e
esperou a vinda de Marcus. Aqueles copos e a garrafa foram

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servidos por eles.


Por que sir Malcolm não queria que vissem Marcus? Teria vindo
Marcus em busca da passagem?
Enquanto pensava, Tom entrou, afobado.
— Jaime, consegui saber no Times que Marcus Rost pereceu no
naufrágio do Victoria. Era casado e a mulher morreu na Irlanda um
ano depois do marido. Zezinho me conseguiu, também, um retrato
dele.
— Muito bem, Tom. Era justamente o que eu queria que me
trouxesses. Sigas, imediatamente, à Scotland Yard. Edu tem dois
homens aguardando minhas ordens. Irá com eles ao cais, lhes
mostres o retrato e procurai esse homem até a saída do vapor. Não
é provável que o encontrem, mas, caso isso se dê o prendei.
— Certo, Jaime, até logo.
O criado, pouco depois, veio comunicar a Jaime que senhorita
Margarete o convidava pro almoço.
— Obrigado, Johnson. Sabes se teu patrão esteve na Irlanda?
— Sim, senhor, esteve lá um ano após a morte de sir Marcus.
Quando Jaime entrou na varanda, onde Margarete costumava
fazer a primeira refeição, encontrou uma mesa com dois lugares.
Ao o ver ela sorriu e o convidou a sentar.
— És muito atencioso. Mais uma vez me vejo obrigada a
agradecer.
— Não há razão. Senhorita.
— Te esqueces do calmante?, inspetor.
Ele estava preocupado e ela bem o notara. Se não fosse a
chegada de Cedric, o que pra ambos foi uma felicidade, o silêncio
reinante não teria sido rompido.
— Bom dia, querida. Estás muito abatida. Sinto imenso e acho
que devias estar morando noutro lugar e não ficar aqui sozinha.
— Basta, Cedric. Não tenciono me mudar e estou bem aqui. O
inspetor Jaime pôs um homem a minha disposição.
— Ó! É verdade, queiras me desculpar, inspetor. Ainda não te
cumprimentei.
Jaime, depois de se levantar e estender a mão, pediu licença a
Margarete para se retirar, pois desejava fazer algumas perguntas a
senhor Cedric.
— Queiras me acompanhar à biblioteca, senhor. Desejo
esclarecer um certo ponto e preciso que me dês informação.
Jaime se instalou na cadeira em que sir Malcolm fora encontrado
morto e Cedric permaneceu de pé, a seu lado

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Tanto o senhor como Senhor Emil estiveram nesta sala, em


conversa com sir Rost, não é? Muito bem. Qual dos senhores foi o
primeiro?
— Eu, inspetor.
— Reparaste se aquela janela estava aberta?
— Posso garantir que estava fechada. E agora, senhor, se não
precisas mais de mim, peço licença pra fazer companhia à senhorita
Margarete. Cedric se retirou e Jaime permaneceu sentado.
Seus olhos pareciam buscar qualquer coisa que pairava no ar.
Puxou a si uma caixa de cigarro e ia abrir, quando viu qualquer
coisa riscada sobre a mesa e que lhe pareceu um nome.
Se abaixou e leu:
— Rua Shadwell, 3 — Docas Índias Ocidentais.
A sorte lhe entregava a solução do que buscava. Ligou à
Scotland Yard. Quando capitão Edu Brown atendeu, disse:
— Edu, é Jaime. Preciso de quatro homens. Irei àí
imediatamente.
Desceu, rápido, a escadaria da casa e deu ordem, a Stanley, pra
não permitir que senhorita Margarete se afastasse da residência.
— Se perguntar sobre mim, digas que precisei de sair.
— Chefe, já ouviste falar em Marcus Rost?
— Sim, Jaime. Eu era inspetor quando ele morreu.
Não, não morreu. Tenho certeza, capitão. O prenderei dentro de
poucas horas.
— Mas, Jaime. Achas que o irmão de Malcolm foi quem o
matou?
— Não creio, chefe, mas tudo é possível.
O telefone tocou e Edu, atendendo, passou a Jaime.
Sou eu, Patrício. Tudo saiu como previas. O vapor acaba de sair
e o homem não embarcou. Estou falando do Blue Bird.
— Vás à casa de sir Malcolm, Tom, e me esperes lá.

IV
O carro da polícia partiu, levando Jaime Patrício e quatro
homens.
O nevoeiro era denso. Com a sirene funcionando o carro corria
na travessia Charing. Jaime ordenou a Morgan que virasse em
Wapping e parasse no cruzamento com Shadwell.
— Vinde comigo, rapazes. Não creio que haja necessidade mas
estejais prontos pra atirar.
Seguindo, silenciosos, nas ruas enlameadas desse bairro

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miserável, que está em comunicação com a cidade pelas ruas de


Shadwell e Wapping, os cinco homens iam com a respiração
suspensa e dedos prontos pra apertar o gatilho.
A não ser Jaime, nenhum deles sabia ao certo sua missão.
— Docas!, hem, chefe. — Disse Morgan. Porco...
O número 3 era um prédio de aspecto miserável, desses que
chamamos casa de cômodo. Jaime dispôs três agentes à porta e
entrou com Morgan.
Um homem dormitava sobre um balcão. Ao barulho dos passos
dos dois detetives, se levantou de tal maneira que parecia um
sacrifício o se manter em pé.
Jaime disse que desejava saber qual o quarto dum homem
chamado Marcus Rost.
— Hum! Hum! Como é o nome? Marcus Rost? Não conheço.
Fez menção de se deitar novamente, quando Jaime, mostrando a
credencial, ordenou que o levasse ao quarto.
Morgan bateu à porta e mandou que o estalajadeiro falasse.
— Sou eu, senhor.
No mesmo instante a porta se abriu e os dois detetives entraram,
rapidamente.
— Não tentes qualquer coisa, Marcus. Sou o detetive Jaime
Patrício. Te prendo pelo assassínio de sir Malcolm Rost.
— Não fui eu, inspetor. Me deixes falar.
— Bem... Vás contando tudo no caminho. Tenho pressa.
Enquanto o carro regressava à chefatura, Marcus ia relatando
tudo.
— Eu ia de viagem à Itália quando o vapor naufragou. Fui salvo
por um barco de pesca chinês, que me levou a Xangai.
Longe da pátria, onde todos me acreditavam morto e sem
recurso, passei quase dezoito anos na maior miséria.
Mais tarde, por um patrício que chegara e me reconheceu, soube
que Malcolm era milionário. Também me disse que minha mulher
falecera um ano após minha desaparição. De minha filha nada me
soube dizer. Quando parti à fatal viagem eu a deixara com três anos
de idade. Deixei um seguro de 30.000 libras pra minha mulher. Me
admirei de Malcolm estar rico, pois eu o deixara quase na miséria.
Me veio uma idéia, e dia a dia essa suposição mais se acentuava em
meu espírito. Sim, eu estava certo. Malcolm cobrara o seguro e,
quando minha mulher morreu, tomou conta de minha filha.
— Eu desconfiava disso, sir Marcus, falou Jaime. Quando vi teu
retrato reparei que Margarete tinha os olhos e o nariz, bem como

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

teus traços fisionômicos. Continues, Marcus.


— Então, com o auxílio desse mesmo homem que me dera as
primeiras notícias, se bem que tristes, de minha pátria, consegui
embarcar de volta à terra onde todos me acreditavam morto. Ao
chegar, me informei da residência de Malcolm e enviei a ele um
bilhete. Em resposta me mandou outro, que trago comigo.
Passou o papel a Jaime e este leu:
Te espero ao bater da meia-noite. Há uma janela que dá a
um pátio coberto de trepadeira. Será fácil a encontrar. Entres
por ela, que estarei te esperando.
— Segui a instrução. Fiz saber que conhecia toda a verdade.
Trocamos insulto. Pedi 10.000 libras pra cuidar do futuro de
Margarete e me fez ver que somente me daria uma passagem de
volta à China. Depois me ameaçou com uma arma e me obrigou a
sair, antes tendo me dito que tudo que lhe pertencia passaria às
mãos de Margarete, após sua morte. Só no dia seguinte soube de
sua morte, pelos jornais. Bem merecia, pois era um canalha, mas
juro, inspetor, que não o matei. Malcolm teve um filho duma
mulher a quem abandonou e que, mais tarde, se casou com um
banqueiro, que adotou a criança. Não sei do paradeiro dessa
mulher, mas ainda me lembro do nome da criança: Cedric.
— Hem? Cedric?!
O carro chegou à Scotland Yard e Marcus Rost saltou, escoltado
pelos quatro agentes, em companhia de Jaime.
— Capitão Edu, trago a ti o irmão de sir Malcolm Rost, que era
considerado morto.
— É esse homem o responsável pela morte de Malcolm?, Jaime.
— Não, chefe. Este não é o assassino. Preciso ir, imediatamente,
a Parque do Regente. Escutes sua história e estejas, às oito horas,
com ele, em casa de sir Malcolm.
Eram mais ou menos seis horas quando Jaime saltou na Parque
do Regente.
Margarete estava na sala, em companhia de Cedric e, ao o ver,
cumprimentou e disse que Tom estava na biblioteca, o esperando.
— Senhorita Margarete ,marquei com capitão Edu pra vir a esta
casa às 8 horas. Te peço a gentileza de avisar a senhor Emil pra
comparecer.
Dito isso, foi encontrar seu auxiliar.
— Tom, eu irei ao clube Carlton e vás averiguar aquelas marcas
de sapato. Sabes o que deves fazer. Não?
— Sim, chefe. Tudo sairá certo.

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Quando Tom se retirou, Jaime chamou a Scotland Yard.


— Edu, eu tencionava ir àí pra fazer uma pergunta a Marcus mas
disponho de muito pouco tempo e te peço que lhe entregues o
telefone.
— Marcus?
— Sim, inspetor.
— Sabes se alguém esteve escutando tua conversa com sir
Malcolm?
— Creio que ninguém ouviu, senhor inspetor. Esperes. Agora
me lembro que, enquanto Marcus me ameaçava, escutei um ruído
como o dalguém pisando em folhas secas, e que veio da janela.
— É tudo, Marcus. Digas ao capitão Edu pra seguir minha
instrução.
Jaime tomou um carro e em poucos minutos desceu na rua São
Jaime, à porta duma casa, por cima da qual um anúncio luminoso
dizia: Clube Carlton.
A sua passagem todos o saudavam e caminhou ao escritório de
Louis Carlton.
— Jaime! Que é que te traz aqui?
— Preciso que me dês uma informação. Conheces, porventura,
dois jovens chamados Cedric Shering e Emil Ludwig?
— Ó! Conheço muito bem. São ambos freqüentadores deste
clube e, por sinal, creio que não andam bem de finança, pois me
devem alguns pares de mil libras. Emil me deve 6.000 e Cedric
7.000.
Sem mais esperar, depois de agradecer a Louis, Jaime se retirou
apressado. Consultou o relógio e viu que ainda faltavam quinze
minutos pràs oito.
Quando entrou na residência de sir Malcolm, sorria. Margarete o
contemplou e achou estranho que aquele homem sorrisse, pois,
durante quatro dias, aquilo acontecia em primeira vez.
— Te vejo alegre. — Disse ela — Creio que algo bom nos
revelará.
Jaime achou que já era tempo de dizer a Margarete que seu pai
ainda vivia.
— Teu pai, senhorita, em verdade não morreu.
— Como? Meu pai não morreu?
— Justamente. O homem que durante cerca de dezenove anos
chamaste de pai não era teu tio.
— Meu tio?
— Sim. Teu pai, que julgavam morto num naufrágio, vive ainda,

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

e o capitão Edu teve a bondade de o trazer.


A porta se abriu e o capitão entrou, seguido de Marcus Rost.
Os olhos dele se cravaram em Margarete.
— Minha filha!
— Meu pai!
— Inspetor, — disse sir Emil — tens a certeza de que esse
homem é, em verdade, pai de Margarete?
— Absoluta.
— Então foi esse homem que assassinou sir Malcolm?
— Não. Esteve aqui naquela noite. A janela que estava aberta
lhe deu passagem. Veio pra tratar de negócio com sir Malcolm, que
já o esperava e, por isso fechou a porta, pra que ninguém os
perturbasse. Falaram muitas coisas interessantes e o assassino foi,
provavelmente, alguém que escutou a conversa. Tanto tu, Emil,
como Cedric tinham razão pra matar sir Malcolm. Ainda não sei
qual dos dois é o assassino mas em breve saberei.
Tom acabava de entrar naquele instante.
— Jaime, acertaste. Era dele. O levei à chefatura.
— Cedric Shering, te prendo como assassino de sir Malcolm
Rost.
Mal Jaime acabara de falar, já Tom estava a seu lado e, se bem
que pálido, recebeu com um sorriso as palavras do inspetor.
— Mas, como?, Jaime. — Disse o capitão Edu Brown.
— Sim, chefe. Conseguiu ouvir pela janela, que estava aberta, a
conversa que Marcus teve com o irmão. Cedric desejava se casar
com senhorita Margarete, porém o velho não permitia. Pela
conversa soube que, quando Malcolm morresse, Margarete seria a
única herdeira, e como esse era o único empecilho ao casamento,
pensou que matando o velho tudo estaria resolvido. Viu quando
Marcus saiu. Esperou um pouco e entrou pela mesma janela.
Provavelmente Malcolm estava sentado onde foi encontrado morto,
e quando viu que era Cedric, continuou onde estava. Se fosse outro,
se defenderia, pois encontrei, na escrivaninha de Malcolm, o
revólver que utilizara pra intimidar Marcus. Voltou ao salão e,
depois de preparar seu álibi, ficou certo de que nada lhe
aconteceria, quando soubessem do estranho visitante. Mas, como
todo criminoso, cometeu um grande erro. Enquanto ouvia a
conversa seus pés ficaram molhados na relva e, quando saltou a
dentro da sala, deixou impressa no chão a marca do pé. O mesmo
aconteceu com Marcus. Mas o mais lastimável — falou Jaime, se
dirigindo a Cedric — é que matou seu próprio pai.

18
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Foi um pouco tarde quando Jaime viu o movimento de Cedric.


Ouviu um estampido e, ao mesmo tempo, sentiu uma dor aguda, a
vista começou a escurecer e caiu inconsciente.
Quando voltou a si estava num leito do hospital de São Tomás.
— O que aconteceu?, Tom.
— Te baleou, Jaime, e quis fugir mas calculou mal a distância e
fui obrigado a o chumbar.
— Belo serviço, Jaime. Terás dois meses de férias. — Disse
capitão Edu Brown.
Jaime viu que Tom, o capitão Edu e sir Marcus iam se retirando
e, ao mesmo tempo, outra pessoa entrava.
— Margarete! Tu...
— Jaime, quero agradecer tudo que fizeste por papai. Eu queria
que me dissesses por que entraste sorrindo naquele dia. Tom me
disse que só sorris quando vais prender alguém. É verdade? Qual é
a pena, Jaime, pruma moça que comete o crime de amar um rapaz?
— Prisão perpétua, Margarete.
— Ó! Queres prender esta moça?
Se seus companheiros estivessem ali, naquele instante, não
diriam que nunca sorria, pois num só dia era a segunda vez que
Jaime Patrício sorria...

19
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

As mortes em série
m espesso nevoeiro cobria Londres naquele dia triste e frio
de dezembro. Sons estridentes de buzinas rompendo o
caminho através da treva, que dominava a cidade, chegaram
da rua até o gabinete do capitão Edu Brown, que estava encostado
ao peitoril da janela e seus olhos demonstravam agitação e fadiga.
Quatro pessoas estavam ali, reunidas com ele: Os detetives
Jaime Patrício e Tom Malloney e o promotor Owen Proust.
Havia uma semana que todo o departamento de Scotland Yard,
superintendido pelo capitão Edu Brown, estava de prontidão.
Sete dias tem uma semana e sete crimes foram cometidos nela, o
que equivalia, no caso, a um crime por dia.
Em todos o assassino não deixara pista à investigação policial.
Foram todos realizados na mesma hora: 11h da noite. Todos
morreram da mesma maneira: Estrangulados por uma corda. Ao
lado de cada corpo foi encontrado um cartão com o desenho duma
forca e as palavras A Forca cumpriu sua missão.
Os mortos eram todos homens de posição social e ocupantes de
grandes cargos e essa era a razão pela qual os jornais se ocupavam
grandemente dos crimes e criticavam acremente a ação policial.
O Herald fez imprimir na primeira página uma grande forca, a
ladeando pelos retratos do rei e do capitão Edu Brown sobre a
legenda: Se a Scotland Yard continuar dormindo A Forca
matará até nosso soberano!
O promotor Owen Proust viera ao gabinete de Edu Brown, ver
se conseguia saber algo sobre o último assassinado, que era seu
colega Dênis Martin:

20
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Edu, toda a promotoria está agitada com esses crimes.


— Às favas com a promotoria e com os jornais!, Proust. — Se
acham que podem fazer mais que eu, venham a meu lugar. Há doze
anos sirvo neste departamento e nunca encontrei um criminoso tão
astuto como esse. Mas te juro que às vezes tenho ímpeto de mandar
erigir uma estátua em homenagem a ele. Como chefe de polícia o
considero um grande criminoso que como homem é um
benemérito, pois todos os que matou eram indivíduos sem caráter,
ladrões elegantes, que conseguiram fortuna e cargo importante à
custa de traição e baixeza. Tenho em seu encalço meus melhores
agentes e, até agora, o que consegui? Nada!
— Bem... Edu. Sempre tive confiança em ti mas a promotoria
não pensa assim...
Proust se levantou e, depois de os cumprimentar, se retirou. Se
passara uma hora depois da saída do promotor, quando o telefone
bateu furiosamente. Capitão Edu atendeu.
Jaime notou que os músculos da face se contraíam os olhos
brilhavam de ódio. E foi com voz fraca que, depois de desligar, se
dirigiu a seus auxiliares.
— Acabam de assassinar Abel Norton, presidente da companhia
de seguro. É melhor irdes andando.
O carro corria com alguma dificuldade nas ruas movimentadas
da cidade.
A cidade é o lugar onde estão instaladas, em geral, todas as
casas bancárias e é, por assim dizer, o centro comercial da velha
Albião.2
O carro parou à porta dum edifício de seis andares, onde estava
instalada a companhia de seguro. Jaime rompeu caminho entre um
grupo de curioso, estacionado à porta do prédio, atraído pelo
alarme da ambulância, e conseguiu chegar até o local do crime.
Três pessoas rodeavam o cadáver. Uma era o secretário de
senhor Abel Norton, a outra sua datilógrafa e, finalmente, um
policial.
Uma olhada foi o bastante pra revelar a Jaime o autor do crime.
Abel Norton tinha uma corda de mais ou menos 0,5cm em volta do
pescoço.
— Jaime, olhes aqui! — Disse Tom.
Um cartão estava preso aos dedos do morto e Jaime já sabia o
que dizia. Retirou a corda do pescoço do morto, guardou o cartão

2
Albião (Albion) é o primeiro nome historicamente conhecido da Inglaterra. Nota
do digitalizador.

21
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

no bolso, ouviu as declarações do polícia e mandou que ele


providenciasse a remoção do corpo e levasse os dois empregados
de Abel Norton à chefatura.
Quando entrou no gabinete de Edu Brown, jogou a cima da mesa
a corda e o cartão, exclamando:
— Mais uma corda e mais um cartão, chefe, com os
cumprimentos de A Forca.
— Vás ao inferno com os gracejos, Jaime... Oito mortes foram
cometidas e eis nós aqui, sem pista segura.
Edu Brown falava a verdade. Ninguém poderia supor quantos
ainda crimes seriam praticados!
— Chefe, esse sujeito é um louco. Mata por prazer mas não
podemos negar que tem feito um benefício à cidade. O sabes,
melhor que eu, que todos estes mortos tinham bastante culpa pra
serem levados ao patíbulo mas também tinham bastante dinheiro
pra fazer calar todos os tribunais. É um plano de vingança
diabólico mas, ao mesmo tempo, de saneamento da cidade.
O secretário e a datilógrafa de Abel Norton entraram, escoltados
pelo policial.
O rapaz disse se chamar João Davis e, se bem que um tanto
nervoso, prestou todo esclarecimento necessário.
— Somente duas pessoas estiveram com senhor Abel Norton.
Doutor Eduardo Mills e promotor Proust.
A moça deu o nome de Elynor Allan.
— Fui chamada por senhor Norton pra escrever uma carta.
Quando entrei discutia com doutor Eduardo e me lembro bem de
ter ouvido o doutor lhe dizer:
— Tomes cuidado, Norton, pois A Forca tudo vê.
A essas palavras o capitão deu um pequeno gemido.
— Tens certeza de ter ouvido isso?
— Absoluta, senhor. Quando entrei, doutor Eduardo se
despediu, raivoso, de senhor Norton, que sorriu. Depois nada mais
vi, até que Davis me disse que Senhor Norton estava morto.
Capitão Edu mandou que ambos se retirassem.
— Jaime, amanhã teremos, com certeza, a nona morte, pois nada
podemos fazer para impedir. É preciso encontrar uma pista.
Quando Jaime saiu do departamento uma onda de jornalista o
abordou.
— Ei!, inspetor, nos dês alguma informação.
— Muito bem. Podeis dizer, em vossos jornais, que desta vez o
assassino deixou uma pista importantíssima e estou em seu encalço.

22
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Os jornalistas, sem mais espera, o deixaram pra levar a notícia à


redação e Jaime entrou no carro com destino a casa.
— Olhes aqui, Jaime. — disse Tom — Que diabo estás fazendo?
Quero ser membro do parlamento se percebo algo.
— É um plano, Tom, e espero que dê resultado. Amanhã os
jornais darão essa notícia. Estou procurando, com isso, tirar A
Forca da toca.

II
Às primeiras horas da manhã o telefone do apartamento de
Jaime tilintou furiosamente.
— Jaime, sou eu, Edu. — Disse a voz do outro lado da linha —
Nos colocaste mal com essa história dos jornais.
— Chefe, não gosto muito de falar ao telefone. Dentro de meia
hora estarei aí.
— Posso garantir — disse Jaime, já instalado numa cadeira do
gabinete de seu chefe — que hoje não teremos crime. Certamente
leu a notícia e deve estar intrigado com a tal pista. Hoje não agirá...
Quero que digas que estou com a prova em minhas mãos.
— Ótimo, Jaime. Mas o que farás?
— Não sei, chefe, mas penso que esperarei o que vier.
Saiu em direção ao bar Florista e sua cabeça trabalhava. Pediu
uma gim tônica e enquanto sorvia, a pequeno gole, perguntou a
Tom se se lembrava de já ter visto aquela datilógrafa nalguma
parte.
— É esquisito, Jaime. Me lembro de jà ter visto mas não consigo
lembrar onde.
— Hoje na noite iremos a uma festa na casa de senhor Carol
Loose — disse Jaime — e espero que te portes bem, Tom.
Jaime, depois de sair do bar, pediu a Tom que lhe arranjasse
uma lista dos capitalistas e homens de posição mas de caráter
duvidoso.
— Irei até nosso apartamento. O'Hara, do I. S., te ajudará a fazer
essa lista. Estejas com ela às 2h, na chefatura.
Quando Jaime abriu a porta de seu apartamento uma surpresa o
esperava. Todas as peças do quarto estavam revoltas. As gavetas
abertas estavam desarrumadas e não havia móvel que não fora
tocado pelo visitante.
Telefonou a seu chefe e o pôs a par de tudo.
— Eu não te disse?, capitão. A Forca está assustada!
Desligou o telefone e correu os olhos no chão. Seu olhar parou

23
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

sobre um objeto, que bem sabia não lhe pertencer, nem a Tom. Se
abaixou e apanhou um lenço branco de cambraia finíssima e um
leve aroma se exalou.
— Gardênia! Hum!...
Guardou no bolso e, depois duma rápida arrumação, saiu,
apressado, em direção à Scotland Yard.
Contou a capitão Edu Brown a visita que tivera e lhe mostrou o
lenço.
— Deve pertencer ao homem que cometera todos esses crimes
ou a um cúmplice. O guardarei como lembrança.
Ia saindo quando Tom entrou.
— Jaime, aqui está o que pediste. E lhe entregou a lista.
Trinta nomes entre banqueiros, capitalistas e homens públicos.
Jaime entregou a lista a capitão Edu pedindo informar a todos os
listados o perigo que os ameaçava.
— Capitão Edu, não posso dizer qual será a próxima vítima mas
posso garantir que será um destes. — E me apontou a lista. Os
faças vir àqui pessoalmente, um a um e arranjes um detetive pra
proteger cada um.
— Mas Jaime, escutes aqui. Só tenho vinte homens sob meu
comando neste departamento e nessa lista estão trinta nomes.
— Chefe, peças mais dez homens, pois quero que todos fiquem
protegidos.
Jaime saiu com Tom e se dirigiu ao escritório da companhia de
seguro, procurar Elynor Allan e foi bem sucedido.
— Senhorita, quando não me lembro duma pessoa que tenho
certeza de já ter visto antes gosto muito de tirar a dúvida e creio
que não haverá empecilho a isso.
Elynor sorriu e disse:
— Não te lembras onde me conheceste?, inspetor. Nunca
estiveste no hospital São Tomás?
Jaime e Tom se entreolharam.
— Ó!, senhorita, é verdade. Agora me lembro. Quando Jaime
fora ferido tivera como enfermeira a atual datilógrafa, Elynor
Allan.
Ela se preparava pra sair e, abrindo a bolsa, tirou um pequenino
lenço, que passou de leve sobre o rosto, e Jaime sentiu um forte
cheiro. Se despediu da moça e, na rua, murmurou apenas:
— Heliotrópio!
Tirou o lenço que trazia consigo e aspirou:
— Hum!... Gardênia. Bem diferentes.

24
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Tom não compreendeu o significado das palavras que ele


pronunciou mas se soubesse do estranho visitante de seu
apartamento talvez as compreendesse.
Os salões da residência de Carol Loose estavam repletos quando
os dois detetives entraram.
Carol era um dos homens que constavam da lista dos marcados
pra morrer, que estava nas mãos do capitão Edu Brown.
Quando avistou os dois inspetores, avançou em direção a eles e,
os cumprimentando, pediu que tratassem de se divertir.
Jaime percorreu com a vista todo o recinto. A música tocava e
os pares dançavam animadamente.
Seus olhos astutos corriam de rosto a rosto. Num só relance
percebeu que ali estavam muitas das próximas vítimas de A Forca e
não lhe foi difícil, vendo certos homens espalhados na sala,
compreender que Edu Brown seguira sua instrução.
Tom separara se dele e Jaime resolveu ir até o bufê.
Quando passava dum salão a outro percebeu um grupo de
convidado que falava sobre os crimes que tanto abalavam a
nevoenta Londres.
— Ó!, inspetor. — Chamou Carol Loose. — Estamos falando
dum assunto que ninguém conhece melhor que tu.
Estavam ali reunidos, além de Carol e sua senhora, uma mocinha
e um rapaz, sobrinho de Carol, Jorge Sims, diretor do banco Cidade
de Londres, e os promotores Guilherme Harrington e Owen Proust.
Jaime, se bem que contrariado, ouviu os maiores absurdos e as
maneiras de pôr cobro a esses crimes da boca de todos.
— É, de fato, um criminoso astuto mas isso não impede que
receba, algum dia, um bom par de algema.
Riram do dito e aproveitou a ocasião, pra, pedindo licença, se
retirar.
Consultou seu relógio e se dirigiu ao telefone, fazendo
comunicação com a Scotland Yard.
— Alô, Edu, és tu? Aqui é Jaime. Alguma novidade?
— Não, Jaime, creio que acertaste. São onze e meia e até agora
não tivemos chamado, portanto A Forca não agiu hoje.
Era verdade, A Forca não agiu nem agiria tão cedo, antes de...
Eram duas da madrugada e Tom ainda não voltara da festa.
Jaime resolveu se deitar.
Despertou sobressaltado e notou que a porta de seu apartamento
estava sendo aberta cautelosamente.
Devia ser Tom, pensou, mas este não entraria daquela maneira...

25
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Apertou fortemente o punho de sua automática. A porta se abriu


mais e Jaime viu que não era Tom. Não pôde distinguir o rosto do
visitante mas sua automática vomitou fogo e chumbo e a porta
bateu com força. Saltou, rápido, da cama e correu até o saguão.
Não viu alguém mas um rastro de sangue lhe fez ver que acertara
em quem quer que fosse. Os outros moradores despertaram com os
estampidos e Jaime, os tranqüilizando, voltou a seu quarto. Estava
disposto a telefonar a capitão Edu mas pensou que não valeria a
pena o acordar pruma coisa tão insignificante e resolveu se deitar.
— O que quereria? — Murmurou Jaime. Seu cérebro trabalhava.
É claro, pensou, não poderia deixar de ser ele. À primeira visita o
fizera assustado com a notícia dos jornais e viera procurar a tal
prova. Perdeu o lenço com a busca e agora queria o reaver.

III
Na manhã seguinte Jaime saiu bem cedo e capitão Edu já o
esperava. Jaime nada contou do que lhe sucedera na véspera.
— Todos estão sendo vigiados — falou Edu. Dei ordens severas
aos agentes e os fiz compreender que nunca deveriam se afastar
mais de dez metros dos homens que devem proteger. Escute Jaime,
você tem idéia de quem seja?
— Não, capitão. Tanto pode ser um homem como uma mulher.
A única prova que possuímos é um lenço perfumado, que tanto
pode pertencer a um como a outro ou mesmo a nenhum deles.
Jaime ia continuar a falar quando percebeu que alguém estava
encostado à porta da sala de seu chefe. Se levantou num salto e a
abrindo se deparou com o rosto de Elynor Allan.
— Ó!, inspetor! — Disse ela, agitada — Estava te procurando.
— Entres, senhorita. Não te fica bem escutar a conversa alheia.
— Ó! Não. Eu juro, senhor, que te vim falar. Te lembras quando
te falei da conversa de doutor Eduardo com meu chefe? Pois bem.
Acho que poderá vos dar alguma informação, pois ontem esteve
comigo e parecia muito nervoso. O vim procurar porque me disse
que o perseguiam.
— Puxa!, Jaime. Íamos deixando escapar esse pássaro. — Disse
capitão Edu.
— Senhorita Elynor, seria incômodo nos acompanhar até a
residência de doutor Eduardo?
— Não, inspetor.
Bateram à porta e não obtiveram resposta.
— É estranho que ninguém venha abrir. — Disse Edu Brown.

26
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Elynor disse que o doutor não tinha empregado porque não


comia em casa e a limpeza era feita por uma velha que vinha todas
manhã. Jaime fez uso dum pequeno grampo torcido e em pouco a
porta estava aberta.
Era uma pequenina casa situada no fim da rua Carambola. Jaime
a percorreu toda, desde o saguão até a cozinha, chamando o doutor.
— Jaime, subas àqui, depressa! — Gritou capitão Edu.
Doutor Eduardo Mills jazia em seu leito, com os olhos
horrivelmente esbugalhados, tendo uma corda em volta do pescoço.
No chão estava um pequeno cartão: A Forca cumpriu sua
missão.
— Creio que chegamos tarde, chefe. — Disse Jaime. — Mais
cordas e cartões pra nossa coleção.
— Jaime, essa menina parece saber dalgo. A reterei.
Não faças isso!, chefe. Não tens prova contra ela e, de mais a
mais, se ela tiver relação com ele é melhor a deixar solta e seguir
seus passos.
Elynor os esperava no saguão e não demonstrou abalo quando
Jaime disse que o doutor fora assassinado.
— Menina, acho melhor ires embora mas, antes, te darei um
conselho: Não penses nisso e não metas o nariz onde não és
chamada. Isso ainda pode te custar caro.
O médico legista chegou poucos minutos depois, juntamente
com o carro da polícia, e foi dizendo:
— Ao diabo com os criminosos! Há uma semana que não tenho
tempo, nem pra comer. Se esse sujeito matar mais alguém, Edu,
pedirei demissão. E depois... Bolas... Não sei pra quê me chamam.
Não é o bastante verem que o bichão foi estrangulado ou é preciso
que eu vos venha dizer isso?
Edu Brown se dirigiu à chefatura e Jaime resolveu dar uma volta
na praça Piccadilly.
Entrou despreocupadamente no Blue Bird, estabelecimento de
seu velho amigo Zé, e pediu uma soda.
— Então, senhor Jaime. — disse Zé, se aproximando — Como
vão as coisas? Os jornais têm falado muito desses crimes.
— Sim, Zé. As coisas não vão bem.
Um homem acabava de entrar, com um braço na tipóia. Jaime
olhou e reconheceu João Davis. Se dirigiu a ele e viu que
empalidecera.
— Como vais?, inspetor.
— És tu quem parece que andou se ferindo nalguma coisa. não?,

27
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Davis.
— É verdade, senhor, uma briguinha...
— Um tiro, com certeza. — Disse Jaime. — É muito perigoso se
expor a uma arma.
João Davis ficou muito nervoso e Jaime notou que seus lábios e
a mão que segurava o copo de gim tremiam, deixando cair algumas
gotas na calça. Davis tirou o lenço do bolso e a limpou. Jaime,
depois de assistir esse gesto, o cumprimentou e saiu.
Ia subindo a escadaria da Scotland Yard quando um garoto lhe
entregou um grande envelope e partiu correndo. Jaime rasgou o
envelope e uma corda lhe caiu aos pés. Abriu o papel e leu A
Forca continuará a cumprir a sua missão. Te afastes de seu
caminho. Eduardo sabia demais e morreu...
Jaime abriu a porta da sala de seu chefe e entrou. O chefe a
corda nas mãos dele e perguntou:
— O que é isso?, Jaime.
— Nada, chefe. Um pequeno aviso de nosso amigo.
E entregou o bilhete.
— Jaime, acho que enlouquecerei.
Eram dez horas quando Tom entrou na chefatura. Fora verificar
se os homens encarregados da vigilância dos marcados pra morrer
estavam em seus postos.
Os três se sentaram e ficaram olhando o relógio. Os ponteiros
marcavam quinze minutos às onze.
Quando o relógio bateu onze horas, uma atmosfera de apreensão
reinava no pequeno gabinete. Nenhum deles se atrevia a romper o
silêncio. O telefone tilintou e Jaime notou que a mão do chefe
tremia ao o segurar. Um leve murmúrio escapou dos lábios.
— Vamos!, rapazes. Carol Loose foi assassinado. Quem estava
em guarda de Loose?, Jaime.
— Morgan. — Respondeu Tom.
Saltaram à porta da residência de Carol Loose e Morgan veio
correndo em direção a eles. Trazia a cabeça enfaixada num pano
ensangüentado.
— Como foi?, Morgan. — Perguntou Edu.
— Não sei, chefe. Eu estava de guarda junto à janela do
escritório, donde via senhor Loose escrevendo. Dessa posição eu
via, também, a porta que dá entrada ao escritório. No momento em
que eu ia acender um cigarro senti qualquer coisa bater em minha
cabeça e creio que perdi o sentido. Quando voltei a mim a primeira
coisa que fiz foi olhar a dentro do escritório e vi a corda em torno

28
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

do pescoço dele. Dei o alarma e mandei o empregado telefonar a ti.


Jaime entrou no escritório onde estava o corpo de Carol Loose e
um forte cheiro chegou ao nariz.
— Gardênia...
Os três homens regressaram à chefatura e cada um tinha um
pensamento.
O dia seguinte surgiu mais claro, pois fora levantado o espesso
véu de nevoeiro que cobria Londres.
Jaime foi à praça Soho, com uma idéia na mente. Mandou que
Tom fosse, depressa, à chefatura e lhe trouxesse uma das cordas de
que o assassino utilizara.
Todas as cordas eram iguais e queria saber onde foram
compradas.
A razão de ido à praça Soho, em primeiro lugar, era muito
simples. Lá estão instalados muitos bazares.
Jaime esperou um pouco por Tom e, lhe dando instrução,
começaram a busca à casa donde teriam partido aquelas cordas.
Numa das casas em que entrou Jaime viu um grosso rolo de
corda e não foi preciso mais que um simples olhar pra que visse
que a corda que tinha no bolso era idêntica.
Foi ao dono do Soho-Barato e lhe fez ver o que desejava. O
homem, imediatamente, se prestou a toda informação. Disse que
era muito raro vender daquela corda por ser muito fina.
— Há uma semana, mais ou menos, vendi 10m e me lembro bem
disso porque o garoto que fez a compra me pediu que a cortasse
metro a metro.
Jaime saiu procurando Tom e lhe contou a descoberta.
— 10m!, Tom. O que corresponde a dez mortes, não é?
Entendes?
— Sim, Jaime. Dez mortes já foram cometidas e com isso
acabou a corda. Portanto terá de comprar mais.
— Quero que fiques de olho naquele bazar. Se o garoto aparecer
não o sigas porque podem estar espiando. Entres na loja e o
ameaces. Procures saber a quem e onde as entrega.
Se despediu de Tom e seus olhos brilhavam, quando foi se
encontrar com capitão Edu.
— Jaime, — disse Edu — recebi uma carta de meus superiores.
Fazem ver que devo apresentar minha demissão antes de chegado o
dia 26 e, sendo hoje vinte e três, tenho três dias pra apresentar.
A voz do capitão Edu tremia. Jaime sabia o quanto ele sentiria
se aquilo sucedesse e compreendeu o quanto seu chefe amava

29
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

aquele cargo.
— Capitão Edu, faltam dois dias pro Natal e te prometo entregar
o assassino antes de Westminster bater a última badalada da meia-
noite do dia 25. Será meu presente de Festas.
O aperto de mão de Edu fez Jaime ver o quanto seu chefe ficaria
grato.
— Capitão, — disse Jaime — digas a todos os agentes
encarregados de vigiar aqueles homens pra não se afastarem deles e
que atirem a qualquer movimento suspeito de pessoa que deles se
aproximar. A Forca não deverá agir hoje.
Havia, seguramente, uma hora que anoitecera. Jaime foi a seu
apartamento e, mesmo antes de entrar, sabia que Tom já lá estava,
pois alguém assobiava a marcha fúnebre, e esse era um velho
hábito.
— Alô, Jaime. Encontrei o garoto e fui obrigado a lhe dar uns
cascudos pra que desembuchasse. O pequeno de nada sabe. Disse
que é vendedor de jornal e, certa vez, uma moça lhe pediu pra ir
comprar corda, o que fez, recebendo, em troca do favor, dez xelins.
Disse que a mulher ficou esperando na porta do edifício Londres e
quando recebeu o embrulho entrou no edifício.
— Tom, — disse Jaime — Temos um servicinho presta noite e
que não será muito agradável. Alguma vez já foste ladrão?
— Ei!, Jaime. Que história é essa?
— É o que estou dizendo. Hoje na noite seremos ladrões. Quero
dar uma olhada em todos os escritórios que estão no edifício
Londres e, como não quero que suspeitem, prefiro arriscar assim.
— Creio que não deve ser agradável receber uma bala e também
acho que não dou prà coisa, mas, já que irás, irei contigo. O que
precisaremos levar?
— Basta o grampo, Tom, e uma boa pistola.
Eram quase 10:30h quando os dois detetives atravessaram praça
Piccadilly. Passaram pela catedral de São Paulo e tomaram a
direção da colina Ludgate.
Um prédio de quatro andares se erguia diante deles. Olharam ao
redor, como se certificando de que ninguém os via, e resolveram
entrar em ação.
Um policial passou naquele instante e Jaime, puxando Tom pelo
casaco, se coseu de encontro à parede.
Depois caminharam até o fundo do edifício e em poucos
segundos a porta de serviço estava aberta. Atravessaram um
corredor estreito, no primeiro andar, e iam começar a agir, quando

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

ouviram som de passo.


Os dois detetives se esconderam atrás duma coluna e viram o
guarda do prédio empunhando uma arma, tendo na mão esquerda
uma pequena lanterna.
— Tom. — Murmurou Jaime — Não gosto de fazer isso mas há
necessidade...
Imediatamente Jaime retirou do bolso sua grande automática e
esperou que o guarda passasse junto.
Um baque se ouviu e o corpo do guarda rolou a seus pés.
— Somente o atordoei, Tom. O amarres e metas naquele quarto.
— Amarrar com quê?, Jaime.
— Não é preciso, Tom. Vamos depressa.
Nos quatro andares estavam instalados vários escritórios e Jaime
escolheu cinco pra revistar.
Abriu, finalmente, uma porta no quarto andar, onde se lia no
vidro, em letras grandes: Harrington e Proust, promotores.
Jaime examinava peça a peça e Tom se encarregava de colocar
tudo como estava antes. Um pequeno armário de ferro, encostado
num canto, parecia não ter mais serventia.
Jaime o abriu e viu uma grande quantidade de papel. Seus dedos
começaram a o revolver e tocaram um objeto duro no fundo.
— Tom, me passes a lanterna.
Quando a luz deixou ver o que estava no fundo do armário, um
assobio escapou dos lábios de Jaime.
— Vejas, vejas! — Disse, se dirigindo a Tom.
Ali estavam as cordas e um grande envelope cheio de cartões
iguais aos muitos que capitão Edu Brown tinha guardados em seu
gabinete da Scotland Yard.
Jaime as contou e viu que ali estavam nove.
— Tom, deixaste o garoto levar as cordas?
— Sim, Jaime. Achei que era melhor.
Jaime ligou o telefone à chefatura e falou com seu chefe.
— Capitão Edu, aqui fala Jaime. Tenho certeza de que A Forca
hoje tentará matar mais um. Temos de impedir.
— Jaime, onde estás?
— Num bar, chefe, perto de minha casa.
Desligou o aparelho e se dirigiu a Tom:
— Vamos, Tom. Tenho muito a fazer.
O relógio batia 11h quando os dois detetives entraram no
gabinete do capitão Edu Brown.
Quinze minutos decorreram e o telefone ainda não tocara.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Creio, chefe, — disse Jaime — que tudo saiu bem.

III
Na manhã seguinte capitão Edu estava de muito mau-humor, e
foi nesse estado que recebeu a visita de promotor Harrington.
Jaime e Tom estavam encostados à mesa de seu chefe, e ambos
tinham o mesmo pensamento.
Os olhos de Jaime não cessavam de contemplar o promotor. A
vinda dele se prendia à visita noturna a seu escritório. E se naquele
momento tivesse olhado o rosto de Tom Malloney teria visto a
força que ele fazia pra conter o riso.
Quando o promotor se retirou capitão Edu fez ver a Jaime ter
dois dias pra resignar ao cargo.
— Muito bem, chefe. Tenho, ainda, 48h pra o entregar em tuas
mãos, e hei de entregar.
Jaime ia entrando no edifício Londres quando avistou promotor
Proust.
— Vinha falar a ti a respeito da visita que os senhores tiveram
em seus escritórios.
— Ó! ,inspetor, creio não haver necessidade de prosseguir neste
caso. Harrington ficou um pouco assustado mas, felizmente, nada
roubaram e a única coisa grave foi espancar o guarda do prédio e o
prender no quarto de limpeza.
Um táxi que o promotor chamara acabara de parar à porta do
edifício.
— Se o senhor inspetor irá aos lados da travessia Charing, o
poderei conduzir.
— Obrigado, senhor Proust. Aceito teu convite.
Enquanto conversava Jaime sentia um forte cheiro de perfume e,
se inclinando, abriu a janela do carro pra entrar um pouco de ar.
— O inspetor parece não ser amigo de perfume!
— É verdade. Gosto muito pouco. — Disse Jaime.
Este, que estás sentindo, — disse Proust — é gardênia, um dos
melhores perfumes da praça.3
Não era preciso que o promotor dissesse, pois Jaime já conhecia
aquele cheiro.
No cruzamento da travessia Charing com rua Euston, Jaime
agradeceu ao promotor Proust e saltou.

3
Tanto que até virou um bolero clássico: Perfume de gardenia tiene tu boca.
Perfume del amor... Nota do digitalizador.

32
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Estava atordoado com o que descobrira. Todo seu pensamento


residia ,agora, em João Davis e seu ferimento.
Foi aos escritórios da companhia de seguro e o encontrou
redigindo uma carta.
— Olá Davis. — Disse Jaime — Como vai o braço?
— Inspetor, em que posso ser útil?
— Olhes aqui, Davis, quero que me contes muito direitinho a
história desse teu ferimento. Há dois dias estavas bom e agora estás
ferido. Sei que qualquer um pode estar bom hoje e amanhã ser
ferido mas este teu ferimento está coincidindo com um que fiz em
alguém que tentou entrar em meu apartamento. E esse alguém,
Davis, é um homem procurado pela polícia, por dez homicídios e
conhecido pelo nome de A Forca.
— Ó! Não!, inspetor. Posso provar que não fui.
Jaime notou que, apesar da pronta resposta de Davis, a cor lhe
fugira do rosto e a boca tremia.
— Inspetor, quero que me leves a um lugar onde eu pudesse
falar contigo em particular.
— Muito bem. Gosto de tratar com pessoas que sabem pensar.
— Disse Jaime.
Quando saíram do edifício Jaime chamou um táxi e mandou que
o chofer rodeasse Parque do Regente.
— Fui ferido por ti mesmo!, inspetor.
— O quê! ?, Davis. O que querias em meu apartamento?
— Naquela noite, quando saíste da casa de Carol Loose, uma
pessoa te seguia. Eu já tinha suspeita e quis ter a certeza de não
estar errado, pra depois o denunciar. Assim, o indivíduo que te
seguia era também seguido por mim.
Quando entraste em teu apartamento o sujeito ficou parado em
frente ao prédio. Quando as luzes se apagaram entrou no edifício,
movimento que também fiz.
Perdi de vista e supus que tivesse ido a teu quarto. O resto
conheces.
— Muito bem, Davis. Viste quem era o homem que me seguia?
— Sim, inspetor. Era A Forca. É... Pim!...
Jaime ouviu um ruído de vidro quebrado e o corpo de João
Davis ficou imóvel. Tinha um ferimento acima do ouvido esquerdo.
Jaime saltou e, afastando os curiosos que se aglomeravam em
volta do carro, providenciou a ambulância e apanhou um envelope
que jazia no chão e que viu estar lhe endereçado. Abriu e leu:
Eduardo sabia demais e João Davis também. Se foram...

33
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Serás o próximo, inspetor.


A Forca
Isso simplifica as coisas, pensou Jaime. Suspeitava de João
Davis e A Forca o matara. Agora só restava prender o criminoso.
Entrou na sala do chefe, que notou que Jaime sorria.
— Esperemos até as 11h, capitão Edu e talvez te entregue teu
homem.
Jaime, em poucas palavras, contou a visita que fizera aos
escritórios da companhia de seguro e a entrevista com o promotor
Proust. Falou dele usar perfume gardênia, justamente o mesmo de
que estava impregnado o lenço que encontrara em seu apartamento.
— Mas, Jaime, será possível que Proust fosse capaz...
Às 23h, Jaime Patrício, seu chefe e Tom Malloney entraram na
residência do promotor Owen Proust, que estava em seu gabinete
de trabalho e ali recebeu os detetives.
Poucos minutos decorreram quando chegou o promotor
Harrington.
— Ó! — Disse, cumprimentando a todos. — Parece que a
Scotland Yard hoje se transferiu a tua casa, Proust. Vieram te dar
os votos de feliz Natal?
— Sim, é verdade. — Disse o capitão Edu Brown.
— Inspetor Jaime, — perguntou Proust — como vão as coisas?
— Muito bem, senhor promotor. Ao menos já te posso dizer,
segundo penso, o móvel desses crimes, e estou certo que não
tiveram outro móvel além da vingança. A dedução que tirei é que o
autor desses crimes os praticou para vingar qualquer coisa. Li, há
muito tempo, não me recordo onde, a história dum indivíduo cujo
pai foi arruinado por certo homem e, desgostoso, suicidou. O filho,
mais tarde, sabedor de tudo, e ocupando um cargo que o punha a
salvo de qualquer suspeita, resolveu pôr termo à vida do homem
que lhe arruinara o pai e que os tribunais absolveram. Como vede,
este bem pode ser também nosso caso. Os outros crimes praticados
são a seqüência do primeiro. Neste quis vingar o suicídio do pai e
naqueles vingar as outras criaturas que sofreram como ele e
resolveu, então, liquidar, um a um, todos os homens merecedores
da forca, mas que, imensamente ricos, tapavam a boca de qualquer
tribunal. O plano estava bem arquitetado e pra pôr em execução,
bastava somente um pouco de calma e conhecimento dos
movimentos da polícia. Todo criminoso pratica, em geral, um erro.
Não há crime que seja perfeito. Pode haver os quase perfeitos mas
nunca perfeitos. Esse criminoso, conhecido pelo nome de A Forca,

34
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

é um homem astuto mas, infelizmente pra ele e felizmente pra nós,


cometeu um erro que me pôs em sua pista.
Os olhos do promotor Proust estavam fixos em Jaime, enquanto
ele falava.
— Francamente, inspetor, estou maravilhado com tuas deduções.
— O que eu disse, senhor promotor, com um pouco de
raciocínio qualquer um diria. Mas, pràs completar, — disse Jaime,
se levantando — eu desejava que me dissesses o que estavam
fazendo aquelas cordas e cartões num armário de teu escritório?
Jaime tirou do bolso um par de algema e, quando capitão Edu
Brown se dirigiu a Proust, Jaime disse:
— Te entrego, chefe, o homem conhecido pelo nome de A Forca
e que é, na realidade, o promotor Guilherme Harrington.
Unindo o gesto à palavra, Jaime lhe ligou as algemas ao pulso.
Capitão Edu e mesmo Tom não puderam conter um Ó! de espanto.
— Julgaram Proust o culpado, não é? — falou Jaime. — vos
enganastes como também me enganei a princípio.
As cordas, os cartões e o perfume do lenço, me fizeram supor
que Proust era realmente A Forca. João Davis foi morto quando ia
me revelar quem era o criminoso. Sem ter dito palavra, pois
morrera, Davis, apesar disso, me mostrou quem era o verdadeiro
culpado. Proust estivera comigo e me conduzira, num táxi, até rua
Euston. Ele não sabia que eu ia procurar João Davis e, portanto, de
nada poderia desconfiar, como de nada desconfiou quando falamos
sobre o perfume de gardênia, o que me fez ver que estava inocente.
Harrington viu todos meus movimentos naquela tarde e, temendo
que Davis falasse, resolveu o liquidar. Quanto ao lenço, pertence,
de fato, a Proust. Harrington se apoderou dele e resolveu o deixar
em meu apartamento, como uma pista a minha investigação.
— Sim, é verdade. — Disse Proust — Perdi um lenço branco.
— Harrington supôs que se algum dia encontrassem as cordas e
os cartões no escritório e Proust usando gardênia, isto serviria pra o
incriminar. Foi ainda com o mesmo pensamento que, na noite em
que matou Carol Loose, usou gardênia em suas roupas, pra que o
ambiente ficasse impregnado daquele cheiro.
Iam saindo quando ao longe soaram os sinos de Westminster!
Jaime esperou ouvir a última badalada e atravessou a rua sorrindo...

35
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Os diamantes acusadores
relógio da chefatura batera 11h e o capitão Edu Brown
tamborilava, impacientemente, os dedos sobre a
escrivaninha apinhada de papel.
Toda a Scotland Yard estava procurando o misterioso assassino
do célebre Gordon Steam, opulento mercador de diamante,
vulgarmente conhecido pela alcunha de O Africano.
O detetive Jaime Patrício, encarregado do caso, nada conseguira
saber além do que todo o departamento sabia: Gordon fora morto
por um colte calibre 38, a 45m de sua residência, no dia em que
carregava consigo uma caixa contendo vinte e dois diamantes
estimados em grande valor.
Jaime era considerado, por seus companheiros, o mais arguto
dos detetives e era tão bom no gatilho que o diziam capaz de
atravessar, com uma bala, um buraco de agulha.
Todas as missões perigosas lhe eram confiadas por capitão Edu,
que nele depositava inteira confiança. Jaime entrou no gabinete do
chefe, que, impaciente, mastigava um charuto há muito apagado.
— Jaime, os jornais estão comentando nossa lentidão nesse caso
e acho que haverá muita demissão na polícia se não conseguirmos
algo dentro de quarenta e oito horas.
— Chefe, a única coisa que posso dizer é que muito antes de
esgotado esse tempo faremos uma prisão. Estudei todo o passado
de Gordon e consegui saber que tinha muitos inimigos mas creio
que nenhum deles seria capaz de o assassinar. Gordon era solteiro e
possuía um seguro de vida de 50.000 libras a favor duma irmã,
Catharina Steam, que ora está na América.

36
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Jaime, não me interessam esses teus estudos sobre a pessoa


de Gordon. O que quero é que me tragas o assassino e não dedução.
— Pois bem, chefe. Terás.
Assim falando Jaime saiu calmamente do gabinete do chefe e,
atravessando a rua, entrou no bar Praça onde o esperava seu
ajudante, Tom Malloney.
— Jaime, as coisas estão ficando pretas, hem!
— Guardes tuas piadas proutra ocasião, Tom. Façamos uma
busca no apartamento de Gordon. Mesmo que nada consiga
encontrar prenderei o assassino dentro de poucas horas.

II
Jaime desceu do carro no 56 da rua Regente. O criado que abriu
a porta se limitou a menear a cabeça dando passagem aos dois
detetives. Jaime disse:
— Júlio, antes de tudo quero que me digas algo sobre os hábitos
de teu amo. É preciso que te diga que já cumpriste uma sentença
em Dartmor, por furto. Te lembres, portanto, que posso te acusar de
ter roubado os diamantes de teu patrão e por isso trates de falar
direitinho.
— Não, inspetor. Juro que não fui. E sobre a vida de meu patrão
pouco sei. Era muito bondoso pra mim e a única coisa que te posso
dizer é que todas as quintas-feiras recebia a visita duma mulher.
Nesses dias, invariavelmente, me mandava sair, entre 10h e 1h da
madrugada.
— Viste essa mulher ou teu patrão se referiu a ela em tua
presença?
— Não, inspetor.
— Me leves a seu quarto.
Jaime revolveu todas as gavetas e finalmente, entre os papéis
que estavam na escrivaninha, retirou um livrinho de cheque que,
depois de examinar, guardou, cuidadosamente, no bolso.
Agradecendo a Júlio, saiu seguido de Tom, que acompanhava todos
seus movimentos.
— Te lembras, mais ou menos, em que ponto foi encontrado o
corpo?, Tom. — Jaime perguntou, na rua.
— Sim chefe. Estava neste lugar. — Respondeu Tom, apontando
a um lugar na calçada enquanto a cabeça estava voltada à casa.
Jaime olhou em todos os sentidos da rua e, depois de contar uns
trinta e cinco passos, deu um pequeno assobio e gritou a Tom:
— Vamos à chefatura, depressa!

37
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

O carro partiu a grande velocidade e a sirene funcionando


quebrava o silêncio que reinava naquela hora na rua Regente.
Jaime desceu rapidamente, esbarrando numa pessoa que saía
naquele momento.
— Ei!, doutor, preciso de ti. Me digas de que distância foi
disparado o tiro e qual foi o resultado da autópsia.
— A autópsia revelou que o tiro foi disparado duma distância de
cerca de 30m e a bala penetrou no pulmão direito.
— Notaste particularidade no ferimento? Por exemplo, o
revólver teria sido disparado por uma pessoa que estivesse em nível
diferente do morto?
— Sim, Jaime. Agora me lembro de ter notado isso. A bala foi
disparada por uma pessoa que devia estar a alguns metros acima do
solo. Provavelmente numa janela.
— Obrigado, doutor. É tudo o que preciso.
— Chefe, — disse Jaime, entrando no gabinete de capitão Edu
— preciso dum mandado de busca pràs casas 34 e 38 da rua
Regente.
— Impossível, Jaime, positivamente enlouqueceste. O número
38 é a residência dum dos homens mais influentes de toda Londres,
é a casa de senhor Pitt, um dos diretores do banco Cidade.
— Como é o nome do banco? Banco Cidade? Até logo e
obrigado, Edu.
Em dois segundos, Jaime desceu a escadaria da Scotland Yard e
deu o endereço a Tom.
— Depressa! Rua Regente, 38.
Uma empregada abriu a porta e Jaime, mostrando a credencial,
disse que desejava falar com senhor Pitt.
— Não está, senhor, mas se quiseres falar com a senhora faças o
favor de esperar que avisarei sobre tua presença.
Jaime sabia que Pitt não era casado e foi essa a razão pela qual
quis falar com a senhora.
Em poucos minutos a porta da biblioteca se abriu, dando
passagem a uma mulher trajando um belíssimo vestido azul claro e
que, pela aparência, não devia ter mais de trinta anos.
Quando Jaime disse quem era notou que a mulher empalideceu,
e aproveitou o momento pra dizer o motivo da visita.
— Me chamo Violeta Brum, senhor inspetor, e vivo com Pitt há
três anos. Creio que Pitt e eu nada temos a ver com esse crime e
acho muita ousadia de tua parte. Peço, portanto, que te retires.
— Pois bem. — Disse Jaime, se levantando, mas poderás me

38
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

dizer qual era tua relação com Gordon Steam?


— Senhor! Creio que estás equivocado. Nem conheço esse tal
Gordon, a que te referes.
Jaime mostrou o livro de cheque que retirara da escrivaninha de
Gordon.
— Então me sinto forçado a te levar à chefatura pra explicar os
vários cheques que Gordon te deu e que constam deste libreto.
Violeta empalideceu de tal forma que Jaime a fez se sentar.
Quando voltou a si do susto, começou a relatar os fatos.
— Na verdade, inspetor, eu e Gordon éramos amantes. O
conheci a bordo numa das viagens em que ele voltava da África e
nos tornamos amigos. Sempre gostei muito de gastar e nesse ponto
Pitt é muito seguro. Gordon me dava muito e eu tinha grande
amizade por ele. Pitt ignorava tudo e eu me sentia feliz, porém
Gordon achava que devíamos falar claramente com ele. Na noite
em que foi assassinado estivera aqui disposto a lhe contar tudo.
Felizmente Pitt estava no banco, o que muito me alegrou, pois eu
temia qualquer coisa em virtude de Pitt ser muito ciumento.
Gordon, depois de estar aqui durante uma hora, resolveu se retirar.
— Te lembras a que horas Gordon deixou esta casa?
— Sim. Eram quase 11h, pois, pouco depois, Pitt me telefonou
do banco dizendo que não o esperasse, pois chegaria mais tarde.
— Que tempo houve entre a saída de Gordon e o telefonema de
Pitt?
— Mais ou menos uns 15min, inspetor.
— Muito bem, senhora. Estou satisfeito e desculpes o incômodo
que te dei mas hás de compreender que somos obrigados a isso. Se
trata dum crime e não podemos deixar um criminoso impune.
— Creias, senhor inspetor, que, se minhas palavras o ajudaram
nalguma coisa, fico muito contente, pois amava Gordon.
Entrando no carro Jaime apalpou o bolso no qual sempre trazia
sua automática como pra se certificar de que ali estava.
— Faças funcionar essa sirene, Tom e vamos ao banco Cidade.
— Ei! Jaime. Se não me engano estás muito satisfeito.
De fato, sempre que Jaime estava preste a solver um mistério a
alegria se estampava no rosto. Naquele momento sabia o quão
alegre estava, pois solveria o enigma que durante sete dias o pusera
em constante agitação.
— Jaime, há muito tempo que trabalho contigo e nunca me
disseste uma palavra. Mas desta vez te juro que gostaria de saber
antes quem é o assassino. Jaime saltou do carro fazendo um gesto a

39
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Tom pra que o seguisse.


Entrou no gabinete de senhor Pitt, que estava recostado numa
cômoda cadeira estofada de couro vermelho, tendo entre os dedos
uma carta que deixou cair pra armar um sorriso a Jaime e o
convidar a se sentar.
— O que desejas de mim o grande inspetor?
— Te prender como assassino de Gordon Steam. — Retrucou
Jaime, simulando a maior indiferença, mas não tanta que deixasse
de perceber a cólera que se estampou nos olhos de Pitt.
— Senhor Patrício, pagarás bem caro esta afronta.
— Teu cinismo me revolta a tal ponto que me vejo obrigado a te
levar até a chefatura, e te advirto de que qualquer violência de tua
parte só te trará complicação.

III
Meia hora mais tarde Jaime entrou no gabinete do chefe tendo,
entre ele e Tom, Senhor Pitt.
— Eis o assassino de Gordon, chefe. Prometi o trazer antes de
decorridas 48h e cumpri minha palavra.
— Capitão Edu, responderás pela acusação sem fundamento que
me faz teu subordinado.
— Senhor Pitt tem razão. Nada podemos fazer contra ele, Jaime.
— Talvez queiras, no entanto, ouvir a minha história. —
Retrucou Jaime, obrigando Pitt a se sentar.
— Quando te disse ter estudado o passado de Gordon, chefe, e te
falei no seguro de vida e nos inimigos, afastei a possibilidade do
crime ter sido praticado pelo beneficiário do seguro ou por um
desses últimos porque os quatro únicos inimigos de Gordon estão
na África. E também posso garantir que nenhum deles seria capaz
de o matar pelas costas a uma distância de 30m. O beneficiário do
seguro era, como te fiz ver, uma irmã residente em Estados Unidos,
e um telegrama da polícia ianque me afastou essa hipótese porque
no dia do crime Catharina Steam estava em Estados Unidos, em sua
residência na 5a avenida.
Eu tinha diante de mim um crime misterioso que, a princípio,
julguei perfeito. Revistando o apartamento de Gordon encontrei um
livro de cheque do banco Cidade e dele constavam várias saídas a
favor duma tal Violeta Bruni. O exame do cadáver revelou que o
tiro partira duma distância de 30m e o corpo foi encontrado a 45m
de sua residência. Tinha uma bala calibre 38 no pulmão direito,

40
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

bala esta que fora disparada por uma pessoa que estava em nível
muito superior ao do morto.
Me restavam essas duas trilhas: Procurar a dama misteriosa das
quintas-feiras, ou seja Violeta Brum, e revistar as casas
compreendidas na distância de 30m do local em que foi encontrado
o corpo. Verifiquei que o tiro só poderia ter partido duma das
janelas do 34 ou do 38 da rua Regente. Quando me disseste que o
38 era a residência dum dos diretores do banco Cidade, nome que
estava no livro de cheque, cheguei à conclusão de que senhor Pitt
talvez me pudesse dar informação. O acaso me pôs, então, diante
de Violeta Brum e, por sua história, cheguei a uma conclusão:
Senhor Pitt era o assassino de Gordon Steam.
Muito ciumento, sabendo dos encontros de Violeta com Gordon,
resolveu estudar pacientemente um meio de liquidar o rival.
Sabendo que Gordon, na noite do crime, iria a sua residência,
disse a Violeta que teria de ir ao banco. Mas em lugar disso se
limitou a dar um giro por parque Hyde e meia hora depois voltou a
casa. Aproveitando a ausência dos criados, entrou pela porta de
serviço e dali divisou Violeta no sofá, em companhia de Gordon.
Subiu a escada e, entrando em seus aposentos, cujas janelas dão
à rua, se limitou a esperar a saída de Gordon. Adaptou um
silenciador ao revólver pra evitar o estampido e não provocar,
assim, suspeita de Violeta. Quando Gordon saiu foi covardemente
alvejado pelas costas.
Depois de praticado o crime saiu da mesma maneira que entrara.
Na rua reparou que ainda não havia alguém junto ao corpo. Pra
parecer furto retirou o pacote contendo os diamantes. Foi à drogaria
e dali telefonou a Violeta, dizendo que chegaria mais tarde. Tudo
isso fez em 15min, de acordo com a declaração de Violeta. Depois
tomou um táxi e foi ao banco, onde guardou, em seu cofre
particular, os diamantes pertencentes a Gordon, bem como o
revólver que usara.
Entretanto cometeu, como todo criminoso, um erro.
No bolso de Gordon foi encontrada uma carteira contendo 2.000
libras e somente o pacote com os diamantes desaparecera. Portanto
a hipótese de roubo ficou afastada.
Somente duas pessoas sabiam que Gordon portava, naquele dia,
uma caixa com diamante.
Uma era o secreta do banco, pois todas as remessas de diamante
que Gordon recebia lhe eram entregues pelo capitão do navio
Tetrágono. A outra pessoa era o mui digno senhor Pitt, que na

41
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

qualidade de diretor do banco recebia o recibo de entrega das mãos


de Gordon Steam.
Na noite do crime o secreta estava longe do local, em missão
que lhe confiara o banco.
Gordon guardou a caixa no bolso, na presença de senhor Pitt e
do secreta. Segundo o que o secreta me disse, às 7h da noite, e às
10:55h, depois de praticado o crime, Pitt a retirou do bolso de
Gordon, se explicando, assim, o fato de não estarem os bolsos do
morto remexidos.
— Só nos resta, chefe, abrir o cofre particular de Pitt e de lá
retirar as provas contra ele. No momento em que Jaime ia colocar
as algemas em Pitt, ele, rápido como uma bala, se debruçou no
parapeito da janela, indo se precipitar na rua.
— Belo trabalho Jaime. Creio que mereces férias.
— Bem, Tom. Parece que podemos terminar nosso jantar de
ontem.
Nesse momento o telefone da mesa de capitão Edu tilintou
furiosamente.
— Capitão Edu Brown ao aparelho. O quê!? Hem!? Um crime...
Onde?
Jaime abriu a porta e ia saindo, sorrateiramente quando a voz de
Edu Brown chegou aos ouvidos.
— Ei!, Jaime. Escutes. É um caso pra ti... A porta bateu
violentamente e Jaime foi saborear o jantar da véspera que, pelo
tempo, já devia estar frio...

42
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

O Fantasma de Londres
á crimes que se tornaram famosos pela selvageria dos
ataques, bem como sempre houve, em todos os cantos do
mundo, criminosos dotados de grande imaginação, que tecem
verdadeiros enredos em torno de seus assaltos e mortes. Em muitos
casos esses indivíduos talhados pro mal desde o berço, agem de
maneira desconcertante, procurando encobrir o móvel do crime, ou
o variando de maneira a escapar a espíritos argutos e atilados que
os combatem e combaterão eternamente como defensores da lei.
Homens cuja vida periga noite e dia mas que jamais recuam, se
atemorizam nem perdem a esperança ante o mais insondável e
tenebroso mistério! Homens soturnos e corajosos, sempre prontos a
manter a paz e livrar a sociedade de verdugos sem consciência!
Homens poderosos como o silêncio eloqüente de suas armas e cujas
vozes são como o reflexo da própria morte!
Foi contra esses incansáveis trabalhadores cujos cérebros
meditam sobre fios de cabelo, papéis queimados, pontas de cigarro
e tantas outras minúcias, buscando a verdade, e cujas armas,
quando detonam, não são mais que o eco da dos assassinos, que se
revoltou uma cidade inteira, pela voz terrível de sua imprensa.
Não resta dúvida de que Chicago e Londres sempre foram as
duas cidades onde os crimes têm maior curso. Se, porém, em
Chicago o combate é mais feroz em vista do aparelhamento de que
se munem os quadrilheiros, no entanto, a polícia não deixa de levar
certas vantagens sobre eles, tanto mais que são, na maioria,
conhecidos como homens-g. Em Londres, no entanto, se bem que o
combate não seja tão feroz, a polícia encontra, muitas vezes, sérias

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

dificuldades, não só pela maneira misteriosa de proceder dos


grandes criminosos como, também, pela própria natureza que, sem
o querer, se tornou a mais perigosa aliada dos burladores da lei. E
assim é Londres! Soturna e misteriosa, como o próprio véu com
que a natureza a cobre perpetuamente!


Naquela manhã fria e nevoenta de dezembro o movimento
parecia muito pequeno. Se não fosse o som estridente de buzina
rompendo caminho através da escuridão e o relógio marcar apenas
9h se diria ser noite em Londres.
Num prédio baixo e imundo, na imediação das docas, dois
homens discutiam acaloradamente um assunto ao qual há muito se
voltaram os olhos dos inspetores da Scotland Yard. Ambos, pela
aparência, não eram mais que simples trabalhadores mas em
realidade eram dois temíveis bandidos. Disse o mais alto dos dois,
tipo horrivelmente feio e de compleição hercúlea:
— Não, Lanzy. Não faremos isso. Não podemos praticar esse
assalto e sabes tão bem quanto eu que há, em Londres, um
indivíduo mais poderoso que nós, que também quer. Se quiseres
vás sozinho, Lanzy. Não irei.
— Muito bem, medroso! Me deixes, se quiseres. Continuarei e
garanto que levarei a cabo meu plano.
— Não, Lanzy, encontrarás com morte prosseguindo nisso. Te
lembres de que o Fantasma tudo vê.
— Fantasma! Ora, Ricardinho, não sejas tolo! Pode ser muito
esperto pros agentes, não pra mim. De mais a mais, praticarei o
assalto à luz do dia e só me consta que o Fantasma aja na noite.
— Estás enganado, Lanzy. Ontem foi visto na manhã! Repito
que encontrarás a morte!
— Ela que venha, Ricardinho. Não temo o Fantasma e só
acreditarei em sua existência quando o encontrar em minha frente.
O homem mais baixo, chamado Ricardinho, fez um gesto com as
mãos, como quem diz: Paciência! e se levantou pra sair. Um leve
ruído veio da porta e uma figura grotesca, quase sobrenatural,
assomou à soleira da mesma.
— Me procurais?, cavalheiros.
— O Fantasma!...
As pernas do homem mais baixo começaram a tremer e o
homem alto, Lanzy, fez um movimento qualquer no intuito de
retirar algo do bolso mas parou em meio do gesto e um grito surdo

44
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

saiu da garganta, como um gorgulho.


— Eu bem te preveni de que o...
Suas palavras também não saíram mais dos lábios e o corpo
pendeu inerte ao solo, produzindo um baque surdo ao se encontrar
com a madeira do assoalho.
Apenas minutos decorreram da aparição do Fantasma, quando as
pessoas que estavam na imediação das docas ouviram aquela
gargalhada sinistra de cuja existência todos sabiam.
O Fantasma! O Fantasma! Era o grito que partia dos lábios dos
que ouviam aquela terrível gargalhada, que era a trombeta
anunciadora da morte, da morte impiedosa e sanguinolenta e que
anunciava, ao mesmo tempo, mais uma vitória do Fantasma,
naquela guerra sem quartel, sobre os bravos rapazes da Scotland
Yard.
Passados os primeiros instantes de terror os homens acorreram
em massa à casa onde jaziam mortos Lanzy e Ricardinho. Seus
corpos eram prova eloqüente da culpa do Fantasma, pois na semi-
obscuridade reinante no interior da sala, aqueles que se
comprimiam no umbral da porta viram a fosforescência em torno
do pescoço das vítimas.
— Vos retirai! — Gritou um homem que, momentos antes
rompia caminho entre os curiosos, cujo nome era Guilherme
Pharison, chefe duma secção na Docas Índias Ocidentais.
Depois de fazer com que os homens se retirassem, se dirigiu ao
telefone mais próximo:
— Me ligues com Scotland Yard, por favor.
— Scotland Yard, capitão Edu Brown, falando.
— Capitão, o Fantasma foi visto nas docas e sua passagem
semeou a morte.
Desligando o telefone capitão Edu olhou rapidamente as faces
dos homens que estavam em seu gabinete e cujos olhos o
interrogavam em silêncio. Se virando a Tom falou em voz áspera
mas que não deixava de transparecer um pouco de agitação.
— Irradies este alarme: Atenção! Todos os carros. O
Fantasma foi visto nas docas. O trazei vivo ou morto.
— Se puderdes... — Ainda murmurou, quando Tom se afastava
batendo a porta.
Os rostos dos homens que ali estavam se fixaram no capitão,
exceto um, Jaime Patrício, que fugiu ao olhar do chefe, se
afundando mais na cadeira na qual estava sentado. Disse Fredinho
Stone, chefão da Scotland Yard:

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Capitão Edu, essas mortes agravaram ainda mais tua situação


e creio que só te resta abandonar este departamento. Tens sob tua
ordem, há quase uma semana, um verdadeiro exército de
investigador e soldado e até agora nada conseguiste. Um fracasso
completo! Te dou vinte e quatro horas pra apresentar tua demissão.
Compreendo como te sentes mas concordarás que é a única
solução. Dezenas de mortes e assaltos já foram cometidos por esse
homem que espalha o terror e ainda não descobriste sua identidade.
Não sou quem exige tua demissão. É a promotoria, a imprensa, o
próprio povo.
Capitão Edu Brown ouviu sem comentário todas as palavras de
seu chefe e seus olhos faiscavam de raiva quando se levantou pra
sair.
— Perfeitamente, senhor. Apresentarei minha demissão dentro
do prazo concedido.
— Muito bem, Edu. Estévio Benton ocupará teu posto.
Estévio Benton, que até aquele momento não proferira palavra,
se levantou e, acompanhado por seu filho e Fredinho Stone,
cumprimentou Edu Brown, murmurando um irônico Sinto muito,
capitão, se retirando a seguir.
Após a saída dos três homens Jaime Patrício se levantou da
cadeira, há muito alheio a tudo e se dirigiu à mesa de seu chefe.
— Sinto muito, Edu. Podes contar comigo até o fim.
— Escutes, Jaime. Estás neste caso desde o início. Me digas se
descobriste algo!
— Não, Edu. Nada descobri. Desconfio de três pessoas mas não
acredito que tenham imaginação tão fértil a ponto de criar uma
figura como o Fantasma.
— Vejas, Jaime: Estévio Benton em meu departamento!...
— Sim, Edu, Estévio Benton!...
Pela janela do gabinete chegaram, da rua, os gritos dos
jornaleiros:
— Extra! Extra! O Fantasma foi visto nas docas. Extra! Extra!
Hoje o Fantasma matou duas pessoas!
Capitão Edu Brown fechou, encolerizado, as janelas,
mergulhando, a seguir na poltrona.
Capítulo II
Jaime caminhava lentamente, em direção à Scotland Yard, tendo
inspetor Tom Malloney a seu lado.
— Se ao menos tivéssemos uma pista, Jaime, ainda bem, mas
trabalhar às cegas...

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— É verdade, Tom. Mas acredites que se dentro de 24 horas eu


não encontrar esse sujeito tanto eu, quanto tu e Edu teremos de
abandonar nossos postos, mas em troca surgirá, em Londres, um
sósia do Fantasma.
— Um sósia do Fantasma?, Jaime.
— Sim, Tom. É uma parte de meu plano pra o agarrar.
— Tenho receio, Jaime, de que morra mais alguém nesta noite,
agravando ainda mais nossa situação.
— Vamos à chefatura, Tom, porque é justamente isso que está
me preocupando.
Um carro patrulha estava parado em frente ao edifício da
Scotland Yard. No momento em que Jaime e Tom se aproximavam,
capitão Edu entrava no carro.
— Edu!
— Olá, Jaime. Alguma novidade?
— Não, Edu, mas preciso que me ajudes.
— Venhas comigo, Jaime. Tenho muita coisa a te dizer. Ao
menos sei quem é o Fantasma!...
— Hem?! Edu. O que disseste? — Disse Jaime, se sentando ao
mesmo tempo em que o carro partia velozmente.
— Sim, Jaime. Só agora é que o soube, porém será difícil o
apanhar. Hoje recebi um telefonema nas primeiras horas da manhã,
de rua Vitória, 312, residência de João Lucks, diretor do hospício,
que disse precisar me ver, incontinenti.
— João Lucks, hem!
— Sim, Jaime. Mas não me interrompas. João não quis falar
tudo ao telefone mas me afiançou que o Fantasma é um doido que
fugiu há algum tempo, coisa que guardou até agora, com receio de
perder lugar. Lhe prometi que guardaríamos segredo do fato e é à
casa de João que iremos agora.
— Muito bem, Edu. Assim fica tudo mais fácil.
Rua Vitória, 312, era uma magnífica e grandiosa residência.
João Lucks demonstrava um fino gosto no mobiliário da casa.
Capitão Edu e seus auxiliares, Jaime Patrício e Tom Malloney
foram introduzidos num amplo salão, onde brilhava um enorme
lustro. Se sentaram pra esperar João, que entrou poucos minutos
após, num impecável traje noturno. Era um homem que não
aparentava mais de quarenta anos, bastante saudável e jovial. Riu,
satisfeito pela vinda de Edu e depois de o abraçar se sentou,
cumprimentando Jaime e Tom.
— Edu. Antes de mais, quero que me perdoes por te ter causado

47
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

tanto dissabor com meu silêncio mas darei toda informação que
puder. O doido que fugiu sempre teve mania de grandeza. A
princípio não acreditei que fosse autor de todas essas
monstruosidades mas agora acredito piamente. Tanto mais que
Jângal sempre teve períodos de lucidez muito largos. Tenho em
meu poder esta fotografia, que te entrego. É o retrato de Jângal e
creio que, talvez, te seja útil. Isso é quase tudo. O resto é o silêncio
que peço em torno disso. Sempre foste meu amigo, Edu...
— Podes ficar tranqüilo, João. Ninguém saberá.
Iam saindo da casa de João Lucks quando ouviram o grito
furioso duma sirene se aproximando aos poucos, aumentando de
intensidade.
Um carro da polícia, vindo do parque Hyde, entrou na rua
Vitória, estacionando à porta da casa de João Lucks. Dali saiu,
correndo, um policial a encontro de capitão Edu.
— Capitão! Mataram o caixa da Estação de Londres, no
Terraplenagem Vitória. O Fantasma foi visto!, senhor.
— Vamos, rapazes, depressa!
O caixa jazia no chão, estrangulado. Jaime contemplou o corpo
do rapaz alguns instantes e, se virando a Edu, disse:
— Chefe, levaremos este cadáver conosco.
— O Fantasma?, Jaime.
— Veremos, Edu.
Naquela sala escura, na Scotland Yard, várias pessoas reunidas
presenciavam o exame que Jaime fazia no corpo do rapaz. Ao cabo
dalguns minutos, quando as luzes foram acesas, Jaime falou.
— Não foi o Fantasma quem matou!, Edu. No pescoço deste
homem nada se nota, ao passo que em todos os outros, aquela
mancha fosforescente era bem visível.
Doutor Jorge, que fora chamado por Jaime, acabava de entrar,
sempre brincalhão, no gabinete de capitão Edu Brown.
— Doutor, eu queria que me informasses algo sobre os exames
que fizeste nos corpos dos homens estrangulados. O podes me dizer
que substância empregou o Fantasma pra deixar aquelas marcas?
— Sim, Jaime. É uma pasta fosforescente. Mas o que estranhei é
não terem ficado marcados os dedos do homem.
— Sim, doutor, mas isso poderia ter sido feito com o auxílio de
luvas. Não?
— Naturalmente, Jaime.
— Muito bem. Apenas mais uma pergunta. Haverá, por acaso,
um crânio humano capaz de ser adaptado à cabeça dum homem

48
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

normal?
— Não, Jaime. É verdade que todas as pessoas que conseguiram
avistar o Fantasma afirmaram tal, porém garanto que só um crânio
feito em gesso ou massa pode ser adaptado à cabeça de alguém, por
menor que ela seja.
— Obrigado, doutor. É tudo o que eu precisava.
Jaime se levantou e foi até um mapa preso à parede. O
contemplou alguns instantes.
— Edu, não importa que a Scotland Yard fique deserta mas
faças o que direi. Disponhas todos os carros e os espalhes de
maneira que todas as estradas fiquem patrulhadas. Irradies a
descrição de Jângal e que da cidade nenhum carro saia. Quero
todos os homens bem equipados e, se possível, munidos de
metralhadora. Reúnas todo o destacamento policial e o distribuas
em todas as ruas, contanto que em cada uma fiquem duas
sentinelas, dia e noite, com ordem de atirar pra matar. Feito isso,
Edu, chames os rapazes da imprensa e digas que dentro de 24 horas
entregarás o Fantasma à forca.
— Mas, Jaime...
— Sim, Edu. Sei que dentro de oito horas terás de entregar o
Fantasma ou o cargo mas não faz mal. Prometo que entregarás
somente o primeiro.
— Mas, Jaime. Não posso dispor de todos os homens!...
— É preciso, Edu. Chames Duggan e Carlos, àqui,
imediatamente.
Os dois inspetores entraram, satisfeitos, no gabinete do capitão,
pois gostavam de trabalhar com Jaime.
— Tu, Tom, Duggan e Carlos ireis, agora, procurar todas as
casas vazias ou em construção dentro da cidade. Não importa
quantas sejam. O fato é que preciso dum policial em cada uma. Se
restar alguma me encarregarei dela.
Os três rapazes saíram dispostos a cumprir a determinação de
Jaime. Disse Jaime, depois que se retiraram:
— Bem, Edu. Creio que também irei e espero que faças o que
pedi.
— Muito bem, Jaime. Farei, custe o que custar. Perdido, perdido
e meio.
III
O clube Ouro regurgitava de gente naquela hora da noite. Jaime
Patrício subiu os três únicos degraus da escada e no patamar, um
porteiro vistosamente fardado levou a mão ao quepe.

49
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Boa noite!, inspetor.


— Fazendo bastante negócio. Não?, Riny.
— Mais ou menos, senhor. Esta chuvinha é que espanta um
pouco os fregueses.
— Sabes se teu patrão está?
— Está sim. Hoje tem convidado.
O luxo com que fora montado o clube Ouro era realmente
notável. Plafoniês4 de cristal dos feitios mais variados,
emprestavam um quê de graça ao ambiente, que era formado por
círculos de mesas, em anfiteatro. No centro do salão, muito bem
encerado, se apresentavam os artistas do clube. No fundo uma
grande orquestra e, se seguindo em estreito corredor à direita, se
desembocava em duas salas de jogatina.
Jaime parou no topo da pequena escada que conduzia ao salão,
contemplando as fisionomias das pessoas sentadas às mesas. Não
foi demorado o exame e seus olhos caíram sobre Zezinho
Redenport, proprietário do clube. Zezinho, Edu e Jaime sabiam, era
o chefe da quadrilha de contrabandista que há muito infestava a
cidade, porém era tipo bastante hábil pra se livrar de encrencas com
a polícia. Não foi, no entanto, o fato de ter visto Zezinho que
causou surpresa a Jaime mas sim as pessoas que o acompanhavam.
Sentados à mesma mesa de Zezinho, estavam Estévio Benton e seu
filho. Jaime se dirigiu a passo rápido àquela mesa. Nem se
aproximara o bastante já notou a perturbação estampada no rosto de
Estévio Benton, o futuro chefe dum dos departamentos de Scotland
Yard.
— Boa noite, cavalheiros. Sinto muito vos interromper mas
preciso falar com Zezinho.
— Te sentes, inspetor. — Disse o dono do clube.
— Não, obrigado, Zezinho. Prefiro conversar em particular.
— Não tenho segredo a Estévio Benton. Podes falar aqui
mesmo.
— Muito bem, Zezinho. Já que queres assim! Tenho certeza de
que um assalto levado a efeito hoje na estação de Londres foi
cometido por teus homens e desejo te avisar que...
— Não desejas avisar coisa alguma. — Disse Estévio Benton,
encolerizado — Te retires já.
— Senhor Benton, — disse Jaime — por enquanto não trabalhas
conosco e pouco me importa se és amigo de Zezinho. Por isso faças

4
Plafoniê - sm (aportuguesado do fr. plafonnier) Lâmpada ou lustre muito colado ao
teto. Nota do digitalizador. Extraído de dicionário KingHost.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

o favor de ficar calado.


O filho de Estévio Benton, rapaz franzino, meio apatetado, se
levantou e, pegando uma garrafa, tencionou agredir o inspetor
Jaime que, furtando o corpo, enviou um certeiro soco, o
derrubando. O rapaz avançou, encolerizado:
— Te matarei, cão. Sou o...
O rapaz não terminou o que falaria porque seu pai, num salto,
lhe tapou a boca.
— Zezinho. — Disse Jaime, sacudindo a roupa e fingindo nada
ter percebido da frase incompleta do filho de Estévio Benton —
Estás avisado. Tenhas cautela porque ainda te apanharei. Quanto a
ti, — disse Jaime, se dirigindo a Estévio Benton — sinto muito ter
sido obrigado a isso.
Aquela cena, passada entre o inspetor da Scotland Yard e o filho
do futuro chefe do departamento ocupado por Edu, não chegou a
perturbar o ambiente do clube Ouro.
Já na rua Jaime retirou do bolso seu relógio. Os ponteiros
marcavam 10:45h, hora em que deveria estar na praça Piccadilly
esperando Tom.
Deixou rua São Jaime e, enterrando mais seu chapéu desabado,
partiu a encontro de seu auxiliar.
Jaime Patrício sabia que Tom jamais falhava nos momentos em
que era necessária sua cooperação e assim foi que ouviu, sem
surpresa, Tom lhe dar notícia do desempenho cabal de sua missão.
— Todos os guardas já estão a postos, Jaime. Pedi a Duggan e
Carlos assumirem o comando dos policiais. Deixei pra ti, isso é,
pra nós, uma casa abandonada na travessia Charing.
— Muito bem, Tom.
— Ó! É verdade, Jaime. O departamento está em polvorosa!
Arrebentaram Edu por causa da requisição da força policial e ele
precisa te ver imediatamente.
— Iremos já, Tom, mas passemos, primeiro, em casa de doutor
Jorge.
Em vinte minutos Jaime e Tom batiam à porta da casa do doutor.
— Me esperes aqui, Tom. Não demorarei.
O doutor recebeu Jaime em seu laboratório particular, no
subsolo da casa.
— Então, Jaime. Sempre disposto a levar avante o plano?
— Mais que nunca doutor! Já preparaste tudo?
— Sim, Jaime. E creio ter ficado bem justa.
Assim falando, doutor Jorge abriu um armário embutido na

51
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

parede, retirando dele um crânio de tamanho regular, feito duma


mistura de massa e gesso.
—Eis!, Jaime. Mais perfeita seria impossível fazer.
— Certo, doutor. Agora verei se caracterizo nosso amigo
Fantasma.
Jaime tomou o crânio entre as mãos e o enfiou na cabeça.
Somente seus olhos e sua boca apareciam naquela máscara.
Apanhou um enorme manto de cetim negro que o doutor lhe
entregou e o enrolou em volta do corpo.
Se uma pessoa entrasse ali no laboratório, naquele momento,
diria que o doutor estava conversando com o Fantasma, tal era a
semelhança entre a indumentária que Jaime usava naquele instante
com a descrição feita pelos que viram o Fantasma.
— Estás perfeito!, Jaime.
— Creio que devo estar, doutor. Este é o truque do Fantasma.
Por fora já o conhecemos. Agora quero ver o interior daquela
máscara! Certo, doutor. Parece que as coisas se estão precipitando
e já devo agir. Peço o obséquio de conservar contigo estas coisas
até amanhã, quando virei buscar.
Jaime entregou a caracterização a doutor Jorge e da porta falou.
— O brigado por tudo, doutor. És um verdadeiro perito. Parece até
que o Fantasma te serviu de modelo!
— Está bem, Jaime. Quererás, também, luvas e pasta
fosforescente?
— Talvez, doutor! De nada te esqueces, hem!
Jaime deixou, apressado, a residência de doutor Jorge, indo em
companhia de Tom Malloney ao edifício da Scotland Yard.
Antes mesmo de abrir a porta do gabinete do capitão Edu
Brown, Jaime já sabia que ali estavam Fredinho Stone e Estévio
Benton, pois através da parede da sala distinguia perfeitamente as
vozes dos dois homens, encolerizadas e ameaçadoras. Segurou com
mão firme a maçaneta e, a torcendo, entrou calmamente. Fredinho
Stone nem mesmo se voltou pra fitar o rosto de Jaime.
Tens três horas pra abandonar o cargo, capitão Edu. — Disse
Fredinho Stone e prosseguiu, se virando a Jaime — e poderás
acompanhar teu chefe, tanto mais que tua atitude desta noite não
foi digna dum inspetor da Scotland Yard.
Senhor Stone. — Disse Jaime — Não precisarei esperar mais
três horas. Aqui está minha credencial. O Fantasma continuará
solto e rirei muito quando o futuro chefe deste departamento,
Estévio Benton, se encontrar com ele.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Assim falando, Jaime se retirou e da porta disse a Estévio


Benton:
— Com certeza, quando estiveres sentado na cadeira de Edu, o
Fantasma desaparecerá. Não? Apresentes meu cumprimento a teu
ilustre amigo, Zezinho Redenport... e Jaime saiu, fechando a porta.
IV
Decorreram umas seis horas desde que Jaime se demitira.
Capitão Edu Brown, chefe dum dos departamentos de Scotland
Yard, também apresentara demissão. Era a primeira vez em dez
anos que isso acontecia. Edu, no entanto, não deixava de dar, em
parte, razão a seu chefe, Fredinho Stone. Desde que o Fantasma
aparecera em primeira vez, nunca mais deixara de o fazer, todas as
noites, espalhando o terror. Todos esforço dos rapazes da Scotland
Yard resultavam inúteis ante a argúcia do Fantasma. Mesmo as
últimas tentativas de Jaime foram inúteis e só serviram pra irritar
ainda mais o irascível Fredinho Stone. Com a entrada de Estévio
Benton ao departamento que Edu ocupara, o Fantasma continuaria
a espalhar o terror em seu rastro de morte, pois o primeiro passo
que Estévio daria, sem dúvida, era o da retirada das patrulhas
postas por Jaime nas pegadas do Fantasma.
Jaime Patrício atravessou a rua não mais como um agente de
Scotland Yard mas como simples transeunte, em direção à casa de
João Lucks, diretor do hospício.
João Lucks recebeu a visita de Jaime, se mostrando penalizado
pelo que lhe sucedera.
— Boa noite, inspetor!
— Retribuo, senhor Lucks. Porém não sou mais inspetor.
— Sim, sei. O rádio me anunciou isso há poucos instantes.
— Se bem que não esteja mais no exercício de meu cargo,
desejo, particularmente, ajudar a polícia, senhor. Creias que este
caso me interessou vivamente desde o princípio e se isso não fosse
o bastante pra que eu prosseguisse, bastaria a saída de Edu Brown,
pra que eu fizesse tudo no intuito de conseguir sua volta ao cargo a
que tanto ama.
— Posso te ser útil?, inspetor.
— Sim. O conheces o filho de Estévio Benton?
— Perfeitamente, Jaime. Até demais! Já o tratei algum tempo. É
um débil mental. Certa vez foi acometido dum ataque de fúria, o
que penso não se ter repetido mas te afianço que poderá se repetir.
— É justamente o que eu esperava ouvir do senhor, pois assim
me pareceu, desde a primeira vez em que o vi.

53
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Desconfias dele?, inspetor


— Ó! Quem sabe?, senhor Lucks.
Quando Jaime Patrício deixou a residência de João Lucks, ia
bastante satisfeito e naquela hora, se tivesse o dom da ubiqüidade,
isto é, se pudesse ao mesmo tempo estar ali e no clube Ouro, mais
satisfeito ainda ficaria, pois teria ocasião de presenciar um fato que
há muito desejava.
No gabinete reservado do proprietário do clube, Zezinho
Redenport, com os olhos horrivelmente arregalados, a boca aberta e
pálido, contemplava na semi-obscuridade reinante, a grotesca
figura que o fitava, muda, com os braços cruzados sobre o peito.
— Redenport! Morrerás! — Exclamou a grotesca figura
conhecida pelo nome de Fantasma.
— Mas eu...
— Pagarás com a vida, Redenport, a culpa que tentou atirar
sobre mim no assalto à estação Londres. Sou o Fantasma...
Zezinho Redenport compreendeu que resistindo ou não, sua vida
estava nas mãos do Fantasma e sabia que de qualquer maneira
morreria. O Fantasma nunca ameaçava em vão... Sua mão desceu à
gaveta da escrivaninha mas já era tarde demais... Zezinho
Redenport tombou morto sobre a escrivaninha.
O Fantasma abriu a porta do escritório no momento em que dois
capangas de Zezinho se aproximavam. Não chegaram a ver
distintamente o que acontecia porque as luzes foram apagadas, mas
o que viram e ouviram fez com que o sangue gelasse nas veias. O
Fantasma passara rápido entre eles, os empurrando violentamente.
Só tiveram tempo de ver o crânio brilhando no escuro e aquela
gargalhada sinistra repercutindo através das paredes do clube Ouro.
— Zezinho Redenport fora morto pelo Fantasma! Era a notícia
que corria de boca a boca nos corredores da Scotland Yard.
Todo o departamento superintendido por capitão Edu, agora na
mão de Estévio Benton, estava satisfeito com aquela nova. Aquilo
significava que Edu não prendera o Fantasma porque não pudera
mas Estévio Benton também não o prenderia.
Jaime Patrício só soube do acontecido na casa de capitão Edu
Brown. Disse, depois que o outro lhe relatou tudo:
— Edu, no fundo o que sucedeu a Zezinho me agrada. Zezinho
merecia, mesmo, tal fim. Podes crer agora, que é quase chegado o
momento de retornares ao posto. Estou com pressentimento de que
nesta noite me encontrarei com o Fantasma. Quero saber qual dos
meus suspeitos é.

54
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Jaime! Por que não me disseste antes que suspeitavas


dalguém?
— Não podia provar, Edu. Como ainda não posso. Apenas
desconfio. É tudo.
— De quem?
— Ó! Doutor Jorge, Estévio Benton, o filho, Jângal e João
Lucks.
— Jaime!
— Sim, Edu. É a verdade. O Fantasma só pode ser um louco ou
alguém que lucrasse com tua saída do departamento. No primeiro
caso, suspeito de Jângal e do filho de Estévio Benton. No segundo
caso, do próprio Estévio Benton, pois se saísses, Edu, como saíste,
quem lucraria, como lucrou, senão Estévio Benton? Eu
desconfiava, também, de Zezinho Redenport, pois ele e Estévio
eram muito amigos e ninguém poderia saber até que limites ia essa
amizade. Além dum louco ou duma pessoa que pudesse lucrar com
tua saída, o Fantasma pode ser um aventureiro ou alguém que te
odeie e seja ambicioso ao mesmo tempo. Assim sendo, desconfio,
no primeiro caso, de doutor Jorge. Sempre foi dado a aventura...
No segundo caso, então, ponho doutor João Lucks, pois não resta
dúvida de que é um ambicioso. Basta dizer que pra não perder o
cargo chegou a ponto de ocultar a fuga dum louco. Agora pergunto,
Edu: Algum desses homens tem motivo pra te odiar?
— Não, Jaime. De forma nenhuma!
— Certo, Edu. Então veremos...
Nessa mesma noite Jaime recusou a companhia de Tom,
preferindo ir só aonde queria. Foi, sem pressa, à casa de doutor
Jorge. Recebeu de suas mãos o embrulho com seus disfarces e foi
ao telefone:
— Tom, procures saber, na chefatura, se os lugares que estavam
sendo vigiados ainda o estão e te comuniques comigo
imediatamente. Estou na casa de doutor Jorge.
Jaime conversou pouco com o doutor. Instantes depois o
telefone tilintou, recebendo um sim como resposta de Tom. Disse
Jaime, depois de desligar o telefone:
— Muito bem, doutor. Agora irei me encontrar com o Fantasma.
—Felicidades, Jaime, estou certo de que o encontrarás.
V
Londres parecia um deserto naquela noite. Depois da última e
nova façanha do Fantasma, seus habitantes evitavam se expor a um
encontro com tão indesejável personagem. O Fantasma atacava

55
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

quando menos era esperado e sempre desordenadamente, sem


método, é claro, pros rapazes de Scotland Yard. Mas, talvez pra ele
aquela maneira incerta de atacar fosse correta e obedecesse a um
plano determinado.
Jaime caminhava confiante em si, em direção à casa abandonada
a travessia Charing, levando nas mãos um grande embrulho no qual
só ele e doutor Jorge sabiam conter os disfarces do Fantasma.
Em frente à casa abandonada susteve o passo. Olhou em volta
como pra se certificar de que estava só. Ninguém! A rua estava
deserta. Jaime atravessou um jardim onde a relva crescida e
abundante demonstrava o abandono em que jazia a casa. Era um
prédio velho, bastante velho, mesmo, duma cor que já não se podia
distinguir, se cinza, branca ou amarela. Nas paredes enormes
buracos. Jaime contornou a casa e, segurando a maçaneta, duma
porta, no fundo, atirou o corpo sobre a mesma, que cedeu ao
impulso. No interior da casa um ar abafado e fétido chegou às
narinas. Atravessou cautelosamente o aposento. A madeira do
assoalho, apodrecida nalgumas partes, cedia a seu peso. Percorreu
todos os aposentos da casa. Ouviu um pequeno ruído e se voltou
rapidamente, acendendo sua pequena lanterna. Eram ratos... O
coração batia apressadamente. Colocou o embrulho no chão e
retirou o disfarce. Introduziu o crânio na cabeça e enrolou o manto
em volta do corpo. Ele ali era o Fantasma! Jaime compreendeu que
estava arriscando o jogo da morte. Só doutor Jorge sabia que ele
não era o Fantasma. Se a polícia o prendesse o doutor o salvaria.
Um estranho pensamento lhe acudiu à mente: E se o doutor
desaparecesse? E se o Fantasma fosse o doutor?
Uma lufada de vento entrou por qualquer parte da casa e o
cheiro que Jaime sentira ao entrar se acentuou mais. Começou a
inspecionar cuidadosamente todos os recantos. Junto à cozinha, já
em ruína, uma coisa estirada no chão lhe chamou a atenção. Ali o
cheiro era mais intenso. Voltou a luz de sua lanterna à coisa no
chão e contemplou, horrorizado, o corpo dum homem já em
decomposição. Suas feição estava irreconhecível mas o traje não
permitia dúvida. Era um fugitivo do hospício... Jângal! Exclamou
Jaime. Enquanto inspecionava o resto do homem, qualquer coisa se
movia lentamente atrás. Tão entretido estava em seu mister que não
prestou atenção a um pequeno ruído vindo duma porta que dava a
um pequeno aposento. Só depois de se ter posto em pé é que
compreendeu tudo ao ouvir uma voz grotesca. Se virou,
rapidamente. Era o Fantasma, que o fitava e que se espantou com a

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

roupa que Jaime vestia e que o tornava semelhante a si.


— Quem sois? — Perguntou o Fantasma.
Aqueles dois homens ali, um diante do outro, eram
perfeitamente idênticos. Jaime estava desarmado. Seu coração batia
loucamente. Contemplando o Fantasma Jaime parecia se ver diante
dum espelho. O Fantasma perguntou de novo:
— Quem sois?
— Sou tua sombra!
Não era preciso inteligência pra compreender o significado do
gesto do Fantasma. Avançava a Jaime e qualquer coisa lhe brilhava
nas mãos. Jaime calculou a distância que o separava daquele louco.
Dois passos... Esperou mais e, quando o Fantasma avançou, se
atirou às pernas dele. Os dois homens caíram a terra. Jaime cedia
aos poucos. Teve idéia de ver qualquer coisa subindo acima de sua
cabeça e cair sobre ela. Sua nuca doía muito. O crânio de gesso que
enfiara na cabeça, se partira. Quis se erguer mas não pôde. Viu
aquela coisa subir de novo e sentiu uma dor profunda na cabeça.
Teve uma vaga idéia de ouvir apitos e correrias e depois nada mais
viu...
Quando voltou a si estava no gabinete de capitão Edu, na
Scotland Yard. Sim, Edu ali estava, a seu lado, mas ali estavam,
também, Fredinho Stone e Estévio Benton, que o contemplavam
ferozmente. Olhou as suas mãos. A cabeça começava a clarear e
quase tremeu ao ver um par de algemas preso a seus pulsos.
Sua situação era bem clara. Fora encontrado inconsciente na
casa deserta, na travessia Charing, usando a vestimenta do
Fantasma, tendo a seu lado, morto, o louco Jângal.
O próprio capitão Edu Brown que ali estava, em seu ex-
gabinete, estava aturdido e confuso, na impotência de qualquer
gesto pra salvar seu melhor amigo e detetive.
Fredinho Stone, chefão da Scotland Yard, olhava, impassível, o
rosto inexpressivo do inspetor Jaime Patrício, enquanto Benton,
com um sorriso irônico brincando nos lábios, vociferava contra ele.
Disse, apontando a Jaime:
— Agora compreendo porque o Fantasma não era agarrado. Eis!
— Estás enganado. — Disse Jaime, se erguendo bruscamente —
Não sou o Fantasma. Se tivesses alguma coisa capaz de produzir
raciocínio dentro desse teu cérebro vazio, não dirias tal, nem tão
pouco terias sido tão amigo do maior contrabandista da cidade. E
por falar nisso, senhor Benton, pra ti não teria sido uma grande
coisa ocupar o lugar de Edu? Quem lucraria mais?, enfim. Tu,

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

propriamente, ou Zezinho Redenport?


— O quê? Levai esse homem daqui!
— Um momento, senhor. — Disse Edu Brown — Peço a capitão
Fredinho Stone que permita a Jaime contar sua história.
— Não tenho história a contar, Edu. Só quero que chamem
doutor Jorge. Provará que eu não sou o Fantasma.
Duas horas decorreram do pedido que Jaime fizera, quando a
porta foi aberta por um inspetor, que entrou afobado, soltando a
novidade pior que uma bomba no gabinete de Estévio Benton.
— Doutor Jorge desapareceu!
Os cinco homens ali presentes se entreolharam. Fredinho Stone,
Estévio Benton e Edu Brown, permaneceram silenciosos. Jaime
compreendeu o que significava o desaparecimento do doutor. Se
passara por alguém que de fato não era...
— Isso é ridículo! — Exclamou Tom — Jaime não é o
Fantasma.
— Sim. Acredito. — Disse Fredinho Stone — Mas...
— É verdade, capitão Stone. — Disse Jaime — Crês que eu não
seja o Fantasma mas a evidência dos fatos é contra mim. Não? De
fato eu poderia dizer o que fui fazer naquela casa mas não
acreditaríeis, sem dúvida, tanto mais que momentos antes eu
renunciara a meu cargo. O único homem que poderia provar minha
inocência desapareceu mas juro que eu gostaria bastante de saber
aonde foi doutor Jorge!
Naquela hora da noite a Scotland Yard estava deserta. A não ser
dois ou três policiais no corredor e os cinco homens no gabinete de
Estévio Benton, havia ninguém mais.
Débeis luzes iluminavam pobremente os recintos do edifício
onde estava instalada a Yard. Um homem atravessava o corredor,
silencioso, se cosendo às paredes. Numa passagem mais escura sua
cabeça brilhou. Era o Fantasma, que ali estava, afrontando a tudo e
a todos, no próprio edifício da Scotland Yard.
Se aproximou, vagarosamente, do gabinete de Estévio Benton.
Segurou a maçaneta da porta, a torcendo um pouco à direita e
rapidamente imergiu no centro da sala, empunhando duas pesadas
pistolas.
— Quietos!, cavalheiros...
A audácia e o sangue frio daquele homem fez com que os cinco
homens permanecessem como estavam, como se as palavras os
prendessem ao solo. Nenhum movimento fizeram, senão de espanto
talvez pelo receio daqueles dois canos que os fitavam silenciosos.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— O Fantasma!
— Sim, meus senhores. Sinto muito interromper mas sou o
Fantasma. O único! Ouvistes bem? — E seus olhos se fixaram em
Jaime Patrício. — Sabei que sou o Fantasma e continuarei em meu
caminho porque sou mais forte que vós.
Dito isto, segurou na porta e, a batendo violentamente, correu no
corredor do prédio. Edu, Estévio, Fredinho e Tom correram,
rápidos, pistolas em punho, à porta. Apitos tocaram ouvir e como
resposta veio o eco daquela sinistra gargalhada repercutindo
através do corredor da Scotland Yard. Fredinho Stone exclamou:
— Francamente! Esse homem é doido. É fantástico o que fez!
— O que dirão os jornais? — Perguntou Estévio Benton, se
sentando, aniquilado.
Um jovem entrou naquele instante no gabinete. Perguntou o
recém-chegado, que era o filho de Estévio Benton:
— O que houve aqui?
— O Fantasma nos visitou.
— Como? Aqui na Scotland Yard?
Jaime olhou o rosto do filho de Estévio Benton e sorriu. Ele,
notando as algemas nos pulsos do inspetor, também sorriu e lhe
falou, quase ao ouvido:
— Eu não disse que aquele soco te custaria caro?
— Inspetor Jaime. — Disse Fredinho Stone — Peço me perdoar
pelo que aconteceu e também peço que assumas novamente teu
posto.
— Não, capitão, obrigado. Só sei trabalhar com Edu Brown.
— Capitão Edu Brown continuará neste departamento. — Disse
Estévio Benton — Depois do que aconteceu só me resta abandonar
o cargo.
— Se Edu ficar ficarei. — Disse Jaime.
Fredinho Stone deixaria o gabinete em companhia de Estévio
Benton e seu filho, nos olhos do qual brilhava intenso ódio, quando
uma pessoa entrou.
— Doutor Jorge! — Exclamou Fredinho Stone.
— Sim, Fredinho. Sou eu, mesmo. Já estou a par de tudo. Sinto
muito, Jaime, pelo que te fiz passar.
— Sim, doutor. como soubeste o que sucedeu?
— Ó! Carlos me disse tudo lá em baixo, quando entrei. Não
desapareci, felizmente. Fui ver um amigo que me chamou, fora da
cidade.
— Chegou há muito tempo?, doutor. — Perguntou Jaime.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Não, Jaime, mas... O que houve?, afinal.


—Nada houve!, doutor.
Tom ia falar qualquer coisa mas Jaime lhe fez sinal pra ficar
calado.
VI
Vinte e quatro horas decorreram do momento em que o
Fantasma, demonstrando grande coragem e sangue frio, entrara no
edifício de Scotland Yard, quando um novo alarme surgiu,
inquietando todos os inspetores.
O chamado viera da residência de Estévio Benton e a pessoa que
falara ao telefone estava bastante alarmada.
Capitão Edu, que segurava o receptor, ouviu, distintamente, a
voz do filho de Estévio Benton. Ouviu bem forte, como se fora dita
junto ao bocal, a palavra assassino e depois, um gemido, uma
pequena pausa e uma voz diferente falou:
— Boa noite, capitão. Sou eu, o Fantasma.
Capitão Edu Brown desligou rapidamente o aparelho. O rosto
estava lívido e os dedos tremiam:
— Jaime, corras à residência de Estévio Benton. Lá alguém foi
morto por aquele demônio. Ouvi a voz, Jaime! Ele próprio falou ao
telefone!
Na casa de Estévio Benton, em São Paulo, um verdadeiro
exército de pessoa estava reunido. Eram os rapazes da imprensa, os
fotógrafos, policiais e homens da impressão digital. Num canto da
sala, Jaime e Tom conversavam, quando entrou doutor Jorge, que
saudou os detetives, tirou o paletó, arregaçou as mangas da camisa
e se entregou a sua tarefa.
O corpo de Estévio Benton jazia no meio da sala, estrangulado.
A seu lado, perto duma mesa onde ficava o telefone, que fora
derrubado, jazia o corpo de seu filho.
— Algo novo?, doutor. — Perguntou Jaime, se aproximando.
— Não, Jaime. Os mesmos sinais. Foram estrangulados da
mesma maneira que os outros.
Jaime passou as mãos no pescoço e se lembrou daquele dia,
quando estivera nas mãos do Fantasma. Pensou:
— É estranho. Por que não me estrangulou também?
— Algo?, Jaime. — Perguntou Tom.
— Nada...
Depois que a casa foi esvaziada os dois detetives e mais capitão
Edu, que chegara poucos instantes atrás, se entreolharam.
Não encontraram impressão digital mas de duas coisas estavam

60
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

certos: Pai e filho foram mortos pelo Fantasma, que era alguém que
ambos conheciam. Não restava dúvida de que Estévio Benton fora
o primeiro a morrer e o fato do filho ter tentado se comunicar com
Edu significava ter se encontrado com o Fantasma depois de
Benton morrer. Aquela palavra assassino, que Edu ouvira fora
dirigida ao Fantasma pelo filho de Estévio Benton e provava que o
garoto conhecia a identidade do Fantasma.
— Creio que não estamos muito longe do fim, Edu. — Disse
Jaime — Ao menos só me restam dois suspeitos. Portanto a coisa
está mais fácil.
No automóvel que os conduzia à Scotland Yard os três detetives
quase não falavam.
Jaime, desde que o carro se pusera em movimento, brincava com
uma pequenina bola de ouro, tendo em cima uma águia com as asas
abertas.
— Edu. — Disse Jaime — O Fantasma é doido mas não é um
doido comum.
— Sim, Jaime, mas... O que é isso que tens nas mãos?
— Ó! Creio ser quase nada. É uma bolinha de ouro.
— Esperes aí, Jaime...
Capitão Edu retirou do bolso uma pequenina bola semelhante
àquela que Jaime tinha nas mãos e a mostrou.
— Edu! Isto tem alguma significação?
— Sim, Jaime. É mais ou menos assim, em rápidas palavras: Há
muitos anos eu fazia parte dum grupo de rapazes que fundaram um
clube e todos os associados possuíam uma bola semelhante a esta,
como emblema. A águia significava o nome do clube. À entrada
um porteiro indagava de maneira interessante se o indivíduo era de
fato associado e como prova deveria segurar a bola com a mão
esquerda, de maneira a que a águia ficasse de cabeça a baixo.
— Muito interessante, Edu. Continues...
— Mas, Jaime...
— Sim, Edu. Sei o que estás pensando. Sabes como me veio
parar nas mãos esta bola? Foi naquele dia em que o Fantasma me
atacou na casa deserta, na travessia Charing. Durante a luta ela me
ficou nas mãos.
— Jaime, isso já é uma boa pista! Foi um membro do extinto
clube quem te feriu e ele é o Fantasma!
— Sim, Edu. Seria uma boa pista, se tivesses, por exemplo, uma
lista ou alguma fotografia dos antigos sócios.
— E tenho!, Jaime.

61
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Reunidos no gabinete de capitão Edu Brown estavam ele, Jaime


e Tom debruçados sobre uma grande fotografia dum grupo de
pessoa e uma folha de papel, já um tanto amarelada, onde estavam
escritos quinze nomes. Pastas repletas de papel estavam sobre a
mesa. Tom as abriu enquanto Edu lia os nomes dos antigos sócios
do clube.
— Roberto Smith!
— Morto. — Disse Tom, olhando os papéis da pasta.
—Paulo Scherer!
— Morto pelo Fantasma. — Disse Tom.
E assim leram dez nomes. Os últimos cinco nomes interessavam
grandemente a Jaime Patrício, o ás da polícia Londrina. Eram
Estévio Benton, doutor Jorge, João Lucks, Zezinho Redenport e
Edu Brown;
— Edu! — Exclamou Jaime — Repares nesta coincidência:
Contigo eram quinze os associados do clube da Águia. Doze estão
mortos, incluindo Estévio Benton e Zezinho Redenport. Restam
vivos, portanto, três. O Fantasma é um alucinado, garanto. Como
também garanto que é doutor Jorge ou João Lucks. De qualquer
maneira, um dos três restantes morrerá nesta noite. Me palpita que
serás o escolhido pra morrer. Irradies este alarme: Atenção todos
os carros! Patrulhai as ruas, atentos e vigilantes, a qualquer
aparição do Fantasma! Prevenis aos policiais rondantes a se
acautelar. Aguardai ordem. É tudo.
— Mas, Jaime. O que faremos depois?
— Muita coisa, Edu. Serás a isca pro Fantasma. Iremos agora,
imediatamente, a tua casa.
Sairiam do gabinete quando doutor Jorge entrou.
— Parece que encontrastes algo importante! Há muito
movimento aqui, hoje!
— Sim doutor, de fato. — Disse Jaime — Nesta noite
prenderemos o Fantasma.
— Deveras?, Jaime. Não creio...
— É verdade, doutor. Podes me dizer o nome duma loucura na
qual o indivíduo tenha intervalos lúcidos bastante largos pra que
possa ser, nesses momentos, pessoa útil?
— Sim, Jaime. Há algumas, porém a mais sujeita a isso é a
conhecida pelo nome de epilepsia psíquica.
— Então é disso que sofre nosso homem!
— Que homem? — Perguntou o doutor Jorge.
— O Fantasma, doutor. E por falar nele: Conheces isso? —

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Perguntou Jaime, mostrando aos olhos arregalados do doutor a


esfera emblemática do clube da Águia.
— Ó! A conheço, Jaime. Também tive uma. Creio que Edu
também possui uma idêntica.
— Sim, doutor. Mas disseste que já tiveste uma? Por que
disseste isso? Não a tens mais?
— Não. A perdi há algum tempo. Não sei onde nem como.
Jaime e Tom se entreolharam. Aquelas palavras do doutor
pareciam sua própria sentença.
Os quatro homens saíram pouco depois. Enquanto o doutor se
afastava Jaime, Tom e Edu entraram num carro.
Capitão Edu se sentou a sua mesa, em seu escritório de casa. A
sala estava bastante iluminada, porém Jaime achou conveniente que
se apagassem as luzes centrais, deixando acesa apenas a que estava
sobre a escrivaninha. Feito isso deixaram, propositalmente, a porta
entreaberta. Jaime se postou por trás dum grande e pesado
reposteiro, tendo a sua direita seu inseparável amigo e companheiro
Tom Malloney.
Um pequeno relógio carrilhão, sobre a lareira, bateu 11h. Era
grande a tensão nervosa daqueles três homens que ali estavam
impacientes. A testa de capitão Edu estava alagada em suor,
Poucos instantes decorreram quando os olhos dos dois
inspetores, se cravaram na porta que ia sendo lentamente
empurrada. Um rosto surgiu na abertura. Era doutor Jorge... Mas
sumiu de repente e a figura que então imergiu era outra, bem
diversa. Ali estava o Fantasma, empunhando um grande revólver.
Tom cutucou o braço de Jaime.
— Doutor Jorge, hem?
— Psiu!
A figura se movia em direção à mesa de Edu, que só a pressentiu
quando ela se achava quase em frente dele.
— Boa noite!, capitão. Sou eu, o Fantasma...
Se o Fantasma tivesse compreendido o que se passava atrás de
si, entre as dobras do reposteiro, não teria dado as costas àquele
lugar e talvez seu revólver fosse utilizado.
O Fantasma, arma em punho, avançava a Edu mas ao mesmo
tempo alguém avançava cautelosamente atrás, enquanto ainda
outra, de revólver em punho, o visava.
Os olhos do capitão não estavam encarando o Fantasma nem sua
arma mas sim aquela figura que avançava lentamente à retaguarda
do Fantasma.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

O Fantasma chegou bem junto à mesa e, no momento em que a


sua mão esquerda avançava ao paletó de Edu Brown, dois braços,
poderosos, se fecharam em torno de seu corpo, ao mesmo tempo
que Tom, rápido, corria a ele.
— Quieto, ou te meterei uma bala!
Se bem que o Fantasma já estivesse desarmado e algemado,
capitão Edu, ainda se mostrava nervoso. O Fantasma começou a rir,
a rir loucamente.
Positivamente estava doido, doido completo.
— Eis teu homem, capitão Edu. — Disse Jaime
— Prometi o entregar antes de vinte e quatro horas. Acho que
cumpri minha promessa.
— Sim, Jaime. Cumpriste tua promessa!
— Nunca pensei que fosse o doutor! — Exclamou Tom.
O Fantasma continuava rindo. Jaime lhe tomou o crânio entre as
mãos e o levantou numa só vez. Então apareceu, aos olhos
espantados de Tom e Edu, a face de... João Lucks, diretor do
hospício.
— João Lucks!
— Sim, Edu. — Disse Jaime — Creio que no corredor
encontrarás o corpo do pobre doutor Jorge.
— Mas, Jaime. Sabias que era ele? — Perguntou Tom.
— Quase, Tom. Desconfiei ainda mais quando adquiri a certeza
de que João era louco. Aqueles seus olhos...
Quando saíram em direção à Scotland Yard o Fantasma
continuava rindo. João perdera totalmente a razão e Londres
ganhara, em troca, a tranqüilidade perdida.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

O contrabando de platina
Capítulo I
Um dia aborrecido
ma chuva fina e impertinente caía sobre Londres naquele dia
triste e nevoento de inverno. Jaime Patrício passou a mão
aberta numa pequena parte do vidro da janela de seu
apartamento que deita à praça Piccadilly, o limpando do bafo
característico da umidade e, colando o rosto à vidraça, tentou
distinguir os anúncios luminosos ao longe.
Aborrecido, voltou as costas à janela e, bocejando, caminhou em
direção à cama.
Havia cinco dias que aquela chuva não cessava e o nevoeiro
continuava denso, tornando quase impossível a visibilidade.
Jaime olhou o relógio de pulso que colocara, como sempre o
fazia, em cima duma pequena mesa ao lado da cama. Os ponteiros
marcavam 8h.
— Há 20min, comentou consigo, já devia estar na chefatura,
mas... com este tempo... e, bocejando novamente, enfiou a mão no
bolso direito do colete, retirando um pequeno maço de cigarro, já
bastante amarrotado.
Enquanto contemplava as espirais de fumo que iam subindo ao
teto, Jaime monologava:
— É bastante ingrata a vida dum policial. Passar, às vezes,
noites inteiras acordado, caçando ladrões e criminosos. Enfim, a
toda essa canalha. E pra quê?... Se não se tiver a desgraça de cair

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

nas mãos dum deles, como Morgan Flewer e tantos outros, ouvir o
chefe dizer:
— Muito bem fulano ou sicrano, o departamento se orgulha de
ti. Te recomendarei. Felizmente ainda temos, a nosso favor, esse
bendito nevoeiro e essa chuvinha gostosa, que entorpecem e
esfriam o cérebro desses malditos transgressores da lei e nos dão
uns dias de sossego.
Se levantou sem pressa e, depois de colocar o inseparável 38 a
tiracolo, vestiu o casaco e, segurando a capa, saiu.

Capítulo II
Jaime entra em ação
Eram quase nove horas da noite quando Jaime Patrício entrou no
gabinete de capitão Edu Brown, chefe do departamento onde
trabalhava na Scotland Yard.
Capitão Edu estava sentado a sua mesa, diante da porta, com seu
cachimbo predileto, de madeira escura, entre os dentes. Seus olhos
fitavam qualquer parte do teto.
Com a súbita aparição de seu subalterno, que era, na realidade,
seu melhor detetive e também amigo, Edu despertou da abstração
em que estava.
— Alô!, chefe. — Disse Jaime, tirando o chapéu e se sentando
comodamente numa cadeira de braço.
— Creio que esse tempo acovarda os ratos.
— Não tanto. — Retrucou Edu Brown. — Se não estiveres
muito cansado, Jaime, leias a última página desse jornal que está
diante de seus olhos.
Jaime esticou o corpo a diante e segurou a última edição do
Times. Leu os tópicos da última página e, subitamente, seus olhos
pararam sobre algo que o interessou, visto o brusco movimento que
fez, se ajeitando melhor na cadeira.
— Ei!, chefe. Onde esses diabos de repórteres conseguiram isso?
E como querendo se certificar que seus olhos não o enganaram,
leu novamente e em voz alta:
— Paris, 16. Vítima de vultoso roubo a companhia de câmbio.
Mais de 1 milhão em barras de platina. A polícia até agora não
conseguiu efetuar prisão. A cada vez se torna mais misterioso esse
roubo.
— Sim, Jaime. É isso mesmo
— Caramba!, Edu. Mais de 1 milhão! Mas, enfim, que se

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

arranjem. Estão sempre falando de nossa organização. Agora é que


quero ver se desembrulharem dessa.
— Não, Jaime. Isso não é assim. Também estamos no embrulho.
Recebi um telegrama confidencial da Sûreté,5 em código, me
informando que tentarão passar o contrabando à Inglaterra.
— O quê!? Mesmo assim isso não pertence à seção de
homicídio.
— É verdade. Mas Helton, da contrabandos, me pediu que lhe
enviasse um de meus homens mais competentes. Não conheço
alguém além de ti, Jaime.
— Ó, não!, Edu. Agradeço o elogio mas não gosto de me meter
onde não sou chamado.
Assim falando Jaime se levantou e, sem esperar, pôs o chapéu e
foi saindo.
Um carro da polícia estava parado alguns metros adiante da
entrada da Scotland Yard e de dentro uma voz gritou:
— Inspetor!
Jaime foi até o carro e, olhando o interior, disse:
— Alô, Shane. Como vão os garotos?
— Ó! Vão bem. Te chamei pra dizer que Tom Malloney te
espera no Blue Bird.
Jaime ia se afastando quando ouviu o rádio do carro anunciar:
Chamando todos os carros. 3, 5 e 2. Correi à rua Carambola,
195, foi cometido um crime. Não deixai alguém sair. Disse
Jaime, entrando no carro:
— Esperai aí, rapazes. Irei convosco.

Capítulo III
Na pista
O número 195 de rua Carambola era uma casa de boa aparência,
típica residência inglesa, e o dono denotava bom gosto, a julgar
pela maneira que a tinha mobiliado.
O corpo dum homem de presumíveis 35 a 40 anos jazia sobre a
cama. No quarto se notou vestígio de breve luta. Jaime desceu a
escada, deixando os dois policiais montando guarda ao corpo. O
sargento O'Hara acabava de entrar quando Jaime chegou ao saguão.

5
Sûreté (termo francês pra garantia mas normalmente é traduzido como seguro ou
segurança) é um termo usado em países ou regiões de língua francesa pra
denominar organização de força policial civil, especialmente uma filial detetivesca
no exterior. Nota do digitalizador. Extraído de Wikipedia.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Tu aqui?, Jaime. — Disse, espantado.


— Em pessoa, sargento. O corpo do homem está lá em cima,
com Shane e Rhodes. Ninguém está na casa, exceto um casal de
empregado. Já os chamei ao escritório. Mandes remover o corpo
pra autópsia.
— Como foi o negócio?, Jaime.
— Tiro no pescoço, sargento. Não existe arma. Esperemos a
palavra do médico.
Jaime foi ao escritório e lá encontrou os dois empregados.
— Senhor, meu nome é Matílson e esta é minha mulher.
Trabalhávamos há mais de oito anos pra sir Válter Alencastro.
Estávamos no quarto quando ouvimos um tiro e, correndo até lá em
cima, encontramos sir Válter morto.
— Muito bem, Matílson, mas me digas: Sabes dalguém que o
pudesse matar ou dalguma coisa que nos leve a esse alguém?
— Não inspetor. Meu patrão não tinha parente. A senhora
morreu há pouco mais de dois anos e ele vivia quase só, pois a
sobrinha estava sempre viajando, o que muito o aborrecia. Me
lembro dele ter recebido, ontem, um telegrama que o deixou muito
agitado, e até creio que temia algo, pois me recomendou fechar
bem as portas, coisa que nunca, desde que trabalho pra ele, me
mandou fazer.
— Acho que estou satisfeito por ora, Matílson. Podes ir. Se
precisar de alguma coisa, te chamarei. Onde fica o telefone?
— Ali, senhor. — Disse o empregado, apontando uma mesinha e
se retirando.
— Me ligues à Scotland Yard, capitão Edu Brown.
— Alô. Jaime?
— Sim, Edu. Creio que já sabes onde estou. Não? Rua
Carambola, 195, em casa do ex-Válter Alencastro, um dos diretores
da companhia de câmbio de Londres. Por falar nisso, te
comuniques com Helston e lhe digas que aceito o caso do roubo,
ou, melhor, colaborarei com seu departamento porque este crime
está ligado ao roubo. Até logo.
— Espere aí, Jaime. Ligado ao roubo? Alô... Jaime...

Capítulo IV
Onde entra uma mulher
Naquela manhã, capitão Edu Brown, falando com Jaime, se
mostrava intrigado com o súbito desejo dele de tomar conta dum

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

caso que até então não o interessava.


— Sim, Jaime. Sei. Dizes que o crime está ligado ao roubo da
platina mas o que quero é que me diga o que te leva a pensar assim.
— Isso chefe. Disse Jaime, mostrando um escudo niquelado de
fundo azul, tendo gravadas nas costas as iniciais R. P. e no verso a
palavra Exchange. — Somente este escudo, capitão, me faz ligar
uma coisa a outra. O encontrei na mão fechada de Válter
Alencastro.
— Mas, Jaime. Isso poderia pertencer a ele próprio.
— Sim, Edu. A princípio pensei assim. Mas lembres que o
vestígio no quarto era de luta e acho bem provável que, na luta,
Válter arrancasse isto da pessoa que o matou. Também pode ser
que eu esteja errado mas é a única pista que possuímos e a seguirei.
Peças à polícia francesa os nomes dos diretores da Exchange.
— Muito bem, Jaime.
Ia saindo quando disse, se voltando:
— Edu, aquele contrabando está aqui. O encontrarei mas antes
preciso achar a sobrinha de Válter Alencastro, que me levará, sem
dúvida, até ele. Se Tom aparecer o mandes a meu encontro, na rua
Carambola, 195.

Capítulo V
As coisa se complica
Na rua a chuva continuava caindo e o nevoeiro se adensava.
Jaime levantou a gola da capa e se dispunha a seguir em direção
ao carro quando um cochicho vindo de trás o fez parar:
— Se prezas a vida, inspetor, não faças movimento.
Jaime era bastante forte mas compreendeu que de nada
adiantaria resistir naquele escuro e estava, mesmo, arriscado a levar
uma bala nas costas.
Sentiu que o aliviavam de seu pesado revólver e o obrigavam a
caminhar a um carro preto parado com as cortinas descidas.
Uma voz de moça falou de dentro, extremamente calma, não
tanto que ocultasse a Jaime a agitação de quem falava.
O homem que o algemou estava na direção do carro.
— Fizeste bem em não resistir, inspetor. — Disse a moça.
— Sim, senhorita Guilhermina Alencastro. Creias que eu ia,
mesmo, te procurar. Me evitaste um grande incômodo.
Os olhos da moça brilharam quando Jaime pronunciou seu
nome.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Espertinho! Hem? Te divertiremos com joguinhos de salão.


O carro agora corria numa estrada e Jaime podia sentir os pneus
deslizando no barro molhado.
Subitamente o chofer fez uma brusca manobra, enveredando o
carro num atalho.
Jaime foi obrigado a sair e caminhar entre a moça e o homem,
que o ameaçava, tendo sempre uma grande automática, a julgar
pela espessura do cano, colada a suas costas.
Depois dalguns segundos divisou uma pequena casa e, mais
adiante, um barracão de madeira.
Foi conduzido a uma sala pobremente iluminada, onde estavam
dois homens que logo reconheceu como ex-sentenciados. O terceiro
estava sentado numa grande cadeira, de costas a Jaime, que notou
que o sujeito fazia questão de se conservar assim, deixando
somente à vista as pernas cruzadas.
— Trouxemos o homem, senhor. — Disse o sujeito que o
conduzira àli.
— Belo trabalho, Spunck. — Disse o homem. Depois se dirigiu
a Jaime:
— Inspetor, não gosto que atrapalhem meu negócio. Mas agora
que estás aqui não faz mal que saibas mais alguma coisa. Meu
nome é Roger Perrot. O contrabando está aqui. Ouviste bem?
Todinho. Eu poderia te matar mas não o farei. Uso métodos mais
humanitários.
Donde estava Jaime podia ouvir a respiração forte do homem
que falava e todo o ódio que tinham suas palavras.
— Matei o velho Alencastro porque sabia de meu plano e agora
usarei meu método contigo. Consiste em fazer certas modificações
na língua, na vista e nas mãos. Ouviste?
O homem soltou uma enorme risada e Jaime começou a se sentir
mal ali. Pensou:
— Se ao menos tivesse as mãos soltas...
— Te deixarei vivo, inspetor, mas não poderás mais escrever, ler
ou falar.
Jaime suava e percebeu que estava diante dum louco, que não
hesitaria em cumprir o que prometia.
O homem soltou uma nova gargalhada, dessa vez mais forte
ainda, e berrou:
— Spunck, Hert e Jack! — Levai este homem e aplicai o
castigo.
Jaime foi violentamente arrastado através dum estreito corredor

70
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

e, na passagem, teve a certeza de ter ouvido alguém lhe segredar:


— No carro.
— Ei! Imbecil. Não tentes alguma gracinha! — Disse Spunck —
Estes meus amigos não hesitarão em te passar fogo.
Agora Jaime estava certo de que o arrastavam ao barracão que
vira ao entrar.

Capítulo VI
No barracão
Uma das portas foi aberta, rangendo muito nas dobradiças, e
Jaime foi empurrado ao interior.
Viu um carro verde escuro num canto. O barracão estava bem
sujo e a graxa em toda a parte emprestava ao ambiente maior
sujeira ainda.
Os olhos de Jaime percorreram rapidamente todos os cantos. Viu
duas grandes latas, dois balões de oxigênio num canto, uma lata
com uma substância branca, parecendo gesso, um enorme saco
cheio de qualquer coisa que não podia ver donde estava.
Um forte cheiro chegou às narinas. Estavam derretendo qualquer
coisa. Comentou consigo mesmo.:
— Chumbo!... Sim, chumbo derretido.
— Ei!, Spunck. Tires esses ferros de seus pulsos! — Gritou o
homem menor, que Jaime agora sabia se chamar Jack.
Viu o outro homem trazer uma lata com um líquido qualquer.
Era o chumbo derretido... Olhou à porta por onde entrara. Pensou:
— Será agora ou nunca.
A automática de Helt estava apontada a ele.
Spunck segurava a lata a uns dois passos dele e Jack estava
agachado atrás.
Jaime prendeu a respiração quando Spunck se aproximou.
Torceu o corpo à direita, enviando um pontapé nas costas de
Spunck, ao mesmo tempo que pulava fora da linha de mira de Helt.
Spunck caiu sobre a vasilha, soltando um berro de dor, ao mesmo
tempo que a automática de Helt vomitava fogo.
Jaime se atirou ao chão, se resguardando atrás das latas de
gasolina. Um súbito movimento atrás o advertiu da presença de
Jack. Segurou uma barra de ferro que estava caída no chão e, se
levantando rapidamente, a vibrou sobre a testa dele, no mesmo
instante em que um tiro partiu da direção de Helt, e Jaime sentiu
qualquer coisa lhe queimando os ombros. Pensou:

71
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Dois estão fora de combate. Se eu pudesse...


Um clique surdo, como já muitas vezes ouvira, lhe deu a
entender que a pistola de Helt engasgara. Não esperou mais e saiu
de trás da lata, correndo em zigue-zague.
Helt levantou a arma, tentando lhe vibrar com a coronha mas
Jaime, aparando o golpe com o braço ferido, enviou um direito
seguro, que acertou justamente a carótida do adversário, que
tombou inerte. Era um golpe eficaz aquele que aprendera na
polícia, pensou...
Tratou de correr ao lugar onde sabia estar parado o carro preto
que o trouxera.
Uma voz segredou:
— Por aqui, inspetor.
Era Guilhermina Alencastro...

Capítulo VII
A história de Guilhermina Alencastro
O carro negro voava na estrada, não respeitando a chuva que
tornava perigosíssimo correr.
— Obrigado, senhorita, por me ter ajudado.
— Ó!, inspetor. Julguei que não escapasses mais. Creio que
acharás estranho que te salvasse, depois de te conduzir àqui. Eu
mesma não posso explicar meu gesto. Mas só agora comecei a
compreender certas coisas. Regressara à Inglaterra e fiquei
espantada de encontrar aqui meu noivo, que eu julgava estar em
Paris. Quando titio foi morto, Roger me levou consigo, nada me
dizendo. Ontem ouvi uma conversa dele com aqueles homens.
Falavam calmamente da morte de titio. Também falaram sobre um
negócio de platina. Compreendi que Roger matara titio e o
abominei desde aquele instante. Eu precisava dalguém que me
ajudasse e, como estava sempre vigiada, só encontrei um meio. Foi
o que pus em prática: Ajudar aquele homem a te seqüestrar.
— Senhorita, esse Roger é alguém importante em Paris?
— É diretor da Exchange.
O carro chegara à Scotland Yard e Tom Malloney vinha
descendo a escada em direção a ele.
— Ei!, Jaime. O pessoal estava assustado. Te esperei na rua
Carambola e, como não aparecias, me comuniquei com Edu. Nesta
hora deve haver uma boa dezena de rapazes te procurando!
Jaime entrou no gabinete do chefe com Guilhermina Alencastro.

72
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Pôs capitão Edu Brown a par da história da moça e relatou o


sucedido.
— Isso talvez nos traga alguma luz. Disse Edu, entregando a
Jaime uma folha de papel com três nomes escritos. O último que
Jaime leu era o de Roger Perrot.
— Conheces esse nome?, senhorita. — Disse, mostrando à moça
o nome que estava escrito no papel.
— Sim, inspetor. É o homem sobre quem te falei.
Jaime enfiou a mão no bolso do casaco e, retirando um
pequenino escudo, o apresentou aos olhos da moça.
— E este escudo? Conheces?
— É o escudo que Roger sempre levava consigo.
— Bem, Edu. — Disse Jaime, com voz calma — Creio que a
morte de Válter Alencastro está explicada. Agora pegarei aquele
pássaro. Tenho um palpite quanto à platina...

Capítulo VIII
Tudo resolvido
Jaime Patrício seguia num carro da polícia, com Tom Malloney
a seu lado. Atrás iam cinco rapazes decididos.
— Rapazes, — disse Jaime — já sabeis o que fazer.
Não decorrera muito tempo e já estavam descendo no atalho que
conduzia à casa escondida pela mata.
Silenciosos, comprimindo os cabos dos revólveres, se dirigiram,
em linha, até casa.
Jaime espreitou por uma das janelas e sussurrou ao ouvido de
Tom:
— Entres com Shane e Brian por aquela porta do lado. Melwin e
Guilherme: Ficai aqui, protegendo a saída. Douglas, corras ao carro
e atires a qualquer movimento suspeito. E tu, Riskin, venhas
comigo.
No interior da casa estavam três homens. Um deles, pela
aparência, pensou Jaime, devia ser Roger Perrot.
A porta foi aberta e Riskin se atirou ao interior, gritando:
— Ficai quietinhos!
O homem que estava à direita de Roger fez um gesto e Jaime,
sacando a arma, atirou. Os outros dois, vendo o companheiro caído,
levantaram as mãos.
Os rapazes da polícia os conduziram ao carro e receberam as
ordens de Jaime:

73
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Rapazes, os levai a Edu. Ficarei aqui com Tom.


E, indo até Tom, disse:
— Venhas comigo.
Jaime começou a inspecionar todos os objetos no barracão.
— Esses balões, Tom. Esse gesso e compressores!... me dão o
que pensar. A menos que eu esteja enganado, a platina está aqui
neste barracão, mas já não em barra. Esses balões servem prà
derreter e o gesso pra muita coisa!...
Seus olhos pararam, enfim, sobre o saco que notara na véspera.
Foi até ele e Tom o acompanhou.
— Ei!, Jaime. Pra que tanta ferramenta?
Jaime olhou o interior do saco e, dando um pequeno assobio,
apanhou, ao acaso, uma ferramenta suja de graxa.
— Tom, levemos este saco à chefatura. Este carro, — disse,
apontando ao que estava parado num canto — servirá pra nos levar.
Quase no fim da tarde Jaime Patrício, Tom Malloney e capitão
Edu Brown, estavam sentados no gabinete de Edu, esperando o
resultado do exame químico das ferramentas.
A porta foi aberta e um rapaz louro entrou com um sorriso nos
lábios. Disse, se dirigindo a Jaime:
— Tinhas razão, inspetor. É platina.
E saiu fazendo um cumprimento com a cabeça.
Jaime se levantou satisfeito e, se virando ao chefe:
— Creio, Edu, nada mais ter a fazer. Agora descansarei.
Um perfil de moça se desenhou na soleira da porta e uma voz
graciosa disse:
— Poderias me levar até casa?, inspetor.
Era Guilhermina Alencastro...

74
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

A lágrima da deusa
Capítulo I
movimento naquela hora da noite, na rua São Jaime, era
pouco intenso.
Um rapaz decentemente vestido, chapéu desabado, entrou,
nervoso, numa drogaria. O homem atrás do balcão o olhou inquieto
e, a pedido, apontou o lugar onde estava o telefone, já tranqüilo,
pois se tratava somente do uso de seu telefone.
Quem revistasse os bolsos do rapaz ao telefone encontraria um
cartão da Scotland Yard com o nome de Roberto Bell.
— Me ligues com o departamento do capitão Edu Brown, na
Scotland Yard.
Poucos segundos decorreram do pedido e uma voz calma
respondeu do outro lado da linha:
— Capitão Edu ao aparelho.
— Capitão! Aqui é Roberto Bell. Jaime está aí?
— Sim, Beto, esperes um pouco.
Jaime Patrício, o orgulho da polícia londrina, segurou o receptor
com aparente calma, pois o fato de o chamarem ao telefone era
raríssimo.
— Ei!, Jaime. Descobri algo que, se estourar, nos dará bastante
trabalho e mexerá com a tranqüilidade de nossa velha cidade.
— Calma, Beto! Estás agitado. Te expliques melhor.
— Jaime, estou numa drogaria na rua São Jaime, 3. Venhas
depressa.
Desligando o aparelho, o inspetor Beto Bell agradeceu ao
homem da drogaria, se retirando a seguir. Acabara de dar alguns

75
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

passos quando dois automóveis, vindos em sentido contrário, foram


diretamente sobre ele. Beto não teve tempo de recuar e mal ouviu o
grito de advertência do empregado da drogaria. Alguns transeuntes
correram ao lugar onde jazia o corpo do agente, a tempo de ver um
sujeito de estatura mediana, tipo estrangeiro, se afastando
rapidamente do local do desastre
Nos carros não havia passageiro. Um deles estava
completamente abandonado e no outro, no lugar do chofer, estava
um homem, de cabelo horrivelmente louro, sangrando muito por
uma brecha no lado direito do rosto.
O pronto-socorro já fora chamado e o empregado da drogaria
acabava de colocar o corpo do inspetor Beto Bell num banco de sua
loja, quando uma sirene se fez ouvir e um carro da polícia parou no
local do acidente, saindo o detetive Jaime Patrício e um policial.
— Alguém viu o que houve? — Perguntou Jaime, se dirigindo
aos presentes.
— Não vimos bem, senhor. — Respondeu um deles, mas o
empregado da drogaria viu tudo.
— Um homem está morto lá dentro.
Jaime correu à drogaria e um estranho pressentimento o assaltou
não vendo Beto à porta, pois jazia, disforme, sobre um banco.
Jaime contemplou seu colega morto e foi ao empregado, mostrando
a credencial.
— Viste tudo?, rapaz.
Sim, inspetor. Este senhor, — apontando o corpo de Beto, —
momentos antes de morrer me pediu o telefone e, depois de falar
com alguém, deixou minha casa, atravessando a rua. Percebi que
estava um pouco inquieto e cheguei até a porta pra ver aonde se
dirigia, quando avistei dois carros em sentido contrário, a grande
velocidade. Previ o que aconteceria ao rapaz e gritei. Mas já era
tarde...
Jaime providenciou a remoção do corpo de seu bravo colega. O
chofer do carro, que já recuperar o sentido, estava seguro pelos
dois policiais que vieram com Jaime.
— Ambos levai esse camarada a um hospital enquanto irei à
chefatura.
Capitão Edu ouviu, impassível, o que Jaime relatou e se pondo
de pé, o encarou:
— Tens razão, Jaime. Isso foi mais que um simples acidente.
Não sei a que possa atribuir esse crime mas estás encarregado de o
vingar. Vingues e todo o departamento te felicitará.

76
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Edu, não sei, tampouco, por que mataram Beto. Me disse,


naquele telefonema, que estouraria qualquer coisa. Portanto
aguardarei as próximas vinte e quatro horas e então agirei. Se nada
acontecer aquele chofer que prendemos me pagará.

Capítulo II
As últimas vinte e quatro horas se passaram e nada sucedeu.
Jaime tampouco ajustou contas com o chofer pelo motivo muito
simples de haver o mesmo passado ao outro mundo, com uma bala
nas costas, enquanto era conduzido à Scotland Yard.
— Francamente, Edu. — Disse Jaime, sentado numa cômoda
cadeira do escritório de seu chefe. — Chego a acreditar que não foi
mais que acidente a morte de Beto.
— Não sei por quê mas a palavra assassínio persiste em me
incomodar.
O telefone, sobre a secretária, tilintou furiosamente.
— Alô. Capitão Edu Brown.
— Uma morte, senhor, foi cometida na rua Carambola 31. —
Disse a voz do outro lado do fio.
— Muito bem Carlos. Fiques aí. Jaime irá imediatamente.
Rua Carambola 31 era uma casa antiga, porém bastante
suntuosa. Um verdadeiro palácio. Residência de Ricardinho
Charthwood, presidente do banco Real.
Quando Jaime saltou do carro, Carlos, um velho e dedicado
policial, correu a seu encontro.
— Alguém da casa?, Carlos.
— Não, inspetor. Te lembras daquele ladrão que procurávamos
há muito?
— Quem? O dândi?
— Sim, senhor. Já providenciei a remoção do corpo.
Senhor Chartwood estava sentado numa bela poltrona estufada
de damasco, vermelho escuro, um tanto amolado com o que
sucedera em sua casa. Uma mulher e outro homem estavam de pé.
Ele encostado ao peitoril duma janela e ela junto a uma mesa.
— Muito obrigado por ter vindo, senhor. — Disse Charthwood
— Estamos realmente aborrecidos com o que se deu, tanto mais
que foi um nosso hóspede quem alvejou o homem.
O rapaz que estava à janela se aproximou rapidamente.
— Fui eu, senhor. Antes de mais, tenho muito prazer em te
conhecer. De fato, atirei. Estávamos na sala de jantar quando
ouvimos um barulho em cima. Senhor Chartwood correu

77
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

imediatamente até lá e o segui. Vimos um indivíduo sair do


aposento da senhora Charthwood e correr no saguão superior.
Senhor Charthwood gritou e eu, pressentindo um roubo, atirei, mas
não tinha intenção de o matar.
— Tens licença pra porte de arma?
— Ó!, não! Inspetor. Sou detetive particular em Estados Unidos
e, infelizmente, ainda não tenho minha licença.
Depois de falar, o rapaz retirou do bolso uma carteira, a
entregando a Jaime. Era sua credencial.
— Obrigado, senhor Jack. Creio nada mais ter a fazer aqui. Este
homem, que mataste, é um ladrão que procurávamos há muito.
— Ó!, inspetor. — Disse o detetive ianque — Não se trata
apenas disso. Fui contratado há dois anos, mais ou menos, por
senhor Charthwood, pra vigiar um enorme brilhante pertencente a
sua senhora, o qual desapareceu, pois não o encontramos em poder
do ladrão.
— Como? Queres dizer que esse brilhante sumiu assim, sem
mais nem menos?
— Justamente, inspetor. A senhora diz que, ao descer, fechando
o cofre, viu o brilhante. Como não o encontramos nos bolsos do
homem, acho estranho seu desaparecimento. É uma pedra enorme e
tem quase o tamanho duma caixa de fósforo pequena.
— Me custou 380 mil libras. — Disse senhor Charthwood,
quase sem voz. Precisas, inspetor, encontrar esse brilhante. Está no
seguro mas se eu não o encontrar perderei, nessa brincadeira, perto
de 180 mil, porque está segurado em apenas metade do valor.
Jaime Patrício foi ao telefone e em pouco falou com seu chefe.
— Sim Edu. Mandes a mim os rapazes e digas a Tom que venha
também.
Desligou o telefone e pediu, ao presidente do banco Real, que
lhe mostrasse o lugar onde guardavam o brilhante. Examinou
cuidadosamente o cofre e, se virando ao detetive particular, disse:
— Tens certeza de que a pedra foi roubada?
— Senhor! Certeza não tenho mas o brilhante não foi encontrado
e acho que o ladrão não teve tempo pra o descartar.
— Sim. Essa é, também, minha impressão, pelo que acabei de
ouvir. — Disse Jaime.
Os rapazes da polícia entraram, comandados por Tom.
— Ei!, Jaime. Eu e meu batalhão. — Disse Tom, sorrindo.
Os rapazes tiraram as impressões digitais do cofre e de todos os
presentes. Jaime partiu em sua companhia.

78
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Meia hora mais tarde, no gabinete do chefe, Jaime expôs os


fatos a capitão Edu Brown, chefe dum dos departamentos na
Scotland Yard.
— Capitão, aquela pedra não podia ter desaparecido
misteriosamente. Com o dândi, morto, ela não estava e naquela
casa uma coisa me chamou a atenção: Não sei como dândi pôde
entrar nela sem ser pressentido. As janelas são muito altas e, pelo
rápido exame que fiz, estavam todas fechadas. Estou quase
apostando em como o dândi entrou com a ajuda dalguém da casa.
Peças à polícia federal de Estados Unidos informação sobre esse
detetive particular. Creio ser uma boa pessoa mas convém
averiguar. Verificarei aquelas impressões do cofre, que talvez me
ajudem nalguma coisa.
Jaime desceu a escadaria da Scotland Yard e uma chuva miúda
lhe fustigava o rosto quando se dirigiu ao bar de seu velho amigo
Zé. Mal principiara a sorver seu uísque quando Tom entrou,
dizendo que as chapas estavam prontas.
As únicas impressões que havia no cofre eram as de senhor
Charthwood.
— É como eu pensava, Tom: O dândi não perdeu o velho hábito
de usar luva. Mas a facilidade com que tudo foi preparado, me leva
a desconfiar dalguém.
— Quem? Ricardinho Charthwood? — Perguntou Tom.

Capítulo III
Os acontecimentos que se desenrolaram no dia anterior em nada
influíram, no pensar de Jaime Patrício. Em verdade o brilhante não
aparecera e, apesar de preocupado com o caso, não podia esquecer
seu bom amigo e companheiro Beto.
Atravessava praça Piccadilly naquele momento quando veio à
mente a associação do roubo com a morte de Beto. Seria isso o
estouro que Beto dissera ter descoberto? Pensou Jaime:
— Não pode ser. Isso não pode abalar Londres. E o que Beto
disse...
Jaime bateu à porta da residência de Ricardinho Charthwood,
disposto a sair dali com toda a verdade a respeito da pedra
desaparecida.
Não estava o dono da casa nem o detetive particular Jack
Shelton. Jaime se viu obrigado a falar com a própria senhora
Charthwood.
— Desejo que me prestes esclarecimento sobre o brilhante e me

79
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

indiques pista na qual eu possa enveredar.


— Não tenho idéia sobre onde ela esteja, senhor. Quanto à
pedra, meu marido a adquiriu há alguns anos dum amigo, que
faleceu há pouco, na África. Dizem que traz infelicidade a quem a
possui mas eu e Ricardinho não acreditamos muito nessa tola
superstição. Digo muito porque, na verdade, devo confessar que já
ando bastante atormentada desde que a adquirimos. A pedra tem o
nome singular de Lágrima da deusa, e não podes calcular o que nos
aconteceu a bordo por causa dela. Jack, o detetive que contratamos,
tem sido como seu guardião. Certa noite, quando eu e Ricardinho
estávamos no salão do navio, ele foi ferido na testa junto a nosso
camarote. Porém, felizmente, a pedra não foi roubada. Nem
poderia, porque a pessoa que o atacou não sabia que a pedra estava
no bolso do colete de Jack.
— Na noite em que foi roubada o detetive Jack estava com ela?
— Absolutamente. Me lembro de Ricardinho a ter pedido a Jack.
Jaime se levantou pra se retirar, quando a senhora Charthwood o
interrompeu.
— Inspetor, além dos ataques que sofremos a bordo recebemos,
também, ameaça.
— Alguma carta?, por exemplo.
— Exatamente. Creio ainda ter uma.
Diana Charthwood se retirou alguns instantes, regressando com
um papel nas mãos, que entregou a Jaime, que, depois de ler sem
piscar, guardou no bolso. Agradeceu à senhora a gentileza, se
retirando.
Quando entrou no gabinete particular de capitão Edu Brown, ali
encontrou o detetive ianque.
— Boa tarde, inspetor. — Disse, se levantando à entrada de
Jaime. — Vim incomodar capitão Edu Brown com um pequeno
favor: Me conceder licença pra usar minha arma. Agora, também,
quero pedir o obséquio de permitir que eu colabore contigo neste
caso.
— Perfeitamente, senhor.
O ianque acabara de sair, respondendo com um oquei às últimas
palavras de Jaime, quando Tom entrou.
— Esses ianques com essa mania. São horríveis!
— Trazes alguma novidade?, Tom, sobre o que te mandei
averiguar a respeito de Ricardinho Charthwood.
— Certo, Jaime. Nosso homem não está em boa posição.
E assim falando, entregou a Jaime uma folha de papel contendo

80
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

toda informação que conseguira obter sobre Ricardinho


Charthwood, presidente do banco Real.
Jaime, retirando do bolso um papel, o entregou a capitão Edu
Brown.
— O que é isso?, Jaime. Alguma ameaça?
— Nem mais nem menos, Edu. Foi dirigida, não só esta, mas
muitas outras iguais, à senhora Charthwood.
Tom estendeu o braço segurando o papel que estava sobre a
mesa de seu chefe e onde se lia, em letras recortadas de jornal:
Paira sobre vossas cabeças a ira da deusa da vingança. O
diamante que adquiristes vos causará a morte como causou
a uma geração inteira que teve a desdita de a possuir.
Vossos dias estão contados.
O Africano, mensageiro da deusa da vingança.
— Bá! Vingança, mensageiro, deusa...
— Ao inferno com tudo isso!, Jaime. — Berrou capitão Edu.
— Ó!, Chefe. Gosto tanto de lidar com deusas. — Disse Jaime
— São tão ingênuas...
—Africano! Essa é boa! — Disse Tom, soltando uma
gargalhada.
— Tenho vontade de encontrar esse sabichão diante de minha
luger.6
As informações que a Scotland Yard obtivera da polícia federal
ianque, sobre Jack Shelton, eram as melhores possíveis e sua folha
era das mais brilhantes, como chefe da agência Shelton de detetive
particular.
Jaime compreendeu que era chegado o momento de apertar o
cerco na procura ao brilhante.
— Francamente, Edu. Fico desnorteado com essas coisas de
furto. Prefiro lidar com assassinos a ladrões.
Um carro, que estava estacionado à porta da chefatura, os
conduziu ao bairro Shadwell. Se apeando do carro, foram através
dum beco estreito e enlameado que faz ângulo com a rua Waping.
Uma lufada de vento bateu em cheio no rosto de Jaime, que, pra se
resguardar da chuva miúda que caía de lado, impulsionada pelo
vento, levantou mais a gola da capa.
— Iremos à casa dum homem que é o maior entendedor de jóia
em toda Londres. É um judeu miserável e difícil de lidar mas temos

6
Luger - Famosa marca de pistola militar alemã. Nota do digitalizador.

81
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

de dar um jeito nisso, Tom.


Durante cerca de três minutos fizeram soar a campainha duma
casa de aparência imunda, de dois andares, até que um homem
grotescamente vestido, com um enorme nariz que tinha muita
semelhança com o bico de certas aves de rapina, foi abrir.
— Não sabeis que nestas hora não se atende?
Tom não gostou muito da maneira pela qual o homem lhes
dirigiu a palavra e ia enfiando a mão no bolso, quando Jaime o
impediu, sussurrando:
— Deixes isso comigo, Tom. Sei lidar com essa gente.
Assim dizendo se dirigiu ao judeu, que persistia em conservar a
porta quase fechada.
— É senhor Júlio Riskin, o grande perito em jóia?
— Sim, mas... — Disse o homem, já um tanto satisfeito na
vaidade.
— Desejo informação a respeito de certa jóia que tenciono
comprar e peço me perdoar por incomodar nestas hora, mas como
sei que só tu me poderás prestar tal informação...
O homem, visivelmente satisfeito, esboçou um sorriso que lhe
deu uma aparência ainda mais grotesca e, já sem receio, abriu
completamente a porta, dando entrada aos dois detetives.
— Trouxeste contigo a jóia?, cavalheiro.
— Não, senhor Riskin, mas a desejo comprar e, antes, quero que
me digas se farei bom negócio. É um brilhante conhecido pelo
nome de Lágrima da deusa.
Mal Jaime pronunciou o nome, os olhos do judeu se abriram
desmesuradamente.
— Caramba! Contigo já é a quarta pessoa que me vem amolar a
paciência por causa dessa pedra.
Jaime, que até então guardara a aparência dum simples
comprador de jóia, retirou do bolso a credencial, a levando até
quase o nariz do espantado judeu.
— Polícia? Não quero história com ela! Nada sei a respeito
desse brilhante.
— Sim, mas contarás tudo sobre esta jóia. Do contrário...
Jaime reparou que o judeu estava nervoso e trêmulo. Era natural,
pois Tom lhe apontava sua pesada luger.
— Muito bem, senhores. Falarei o que sei. Este brilhante
pertencia a um templo no coração da África. Estava colocado na
palma da mão duma deusa talhada em pedra, chamada, creio, deusa
da vingança. Na revolta duma das tribos, a pedra foi roubada pelo

82
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

chefe revoltoso, que morreu horrivelmente mutilado num combate,


juntamente com todos seus homens. A pedra não foi encontrada e é
suposição que fora perdida durante o combate e achada mais tarde
por algum caçador do Congo, que a vendeu a um milionário
australiano, cuja família foi toda dizimada de maneira misteriosa.
Data de então a lenda do malefício dessa pedra. Mas. apesar de
tudo, creias, inspetor, que eu daria tudo o que tenho por ela. É
linda. Podes crer.
— Como? É linda? Já viste essa pedra?
— Certamente, inspetor. Um dos homens que àqui vieram a
trouxe pra eu a avaliar.
— Escutes, Júlio. Sabes o nome dalgum desses homens?
— Não, mas me lembro de que o homem da pedra disse ser o
dono. Outro era baixo e parecia tropical, a julgar pela cor da pele.
Outro era chinês e, por sinal, muito malcriado, inspetor, tendo
vindo acompanhado por mais três de sua raça. Mas o que me
despertou a atenção e me fez ficar de olho na jóia foi um homem
que mostrou um cartão da Scotland Yard. Me disse ser inspetor e
apareceu pouco depois da vinda do homem vermelho que parecia
dos trópicos. Muito agitado, falando coisas incompreensíveis pra
mim e me lembro de ter falado de certo iate. Também queria
informação sobre o brilhante.
— Tens certeza de que o homem era policial?, Júlio
— Plena, senhor.
— Te lembras do tipo?
— Sim. Era um rapaz louro, de estatura regular, parecendo
muito forte. Tinha um defeito qualquer no canto direito do lábio
inferior e durante todo o tempo que aqui esteve não cessou de
morder o outro canto do lábio.
À medida que o judeu descrevia o homem a face de Jaime se
contraía. Quando terminou a expressão do rosto era uma máscara
de ódio.
— Vamos, Tom. Agora sei o que Beto tencionava revelar.
Jaime ia sair mas Riskin o chamou.
— Inspetor, creio que isto te interessará: Ontem veio àqui uma
pessoa. O interessante é que era uma...
Jaime não ouviu mais e nem o judeu pôde terminar o que diria.
Uma bala, quebrando a vidraça da porta, atingiu o judeu na testa e
o corpo tombou a diante, caindo de bruços sobre o balcão.
Os dois detetives, passada a surpresa, correram ao longo da rua
e, mal dobraram a esquina ouviram alguns disparos e o baque dum

83
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

corpo. Era o detetive particular Jack Shelton, que estava caído com
uma bala no ombro.
— Obrigado, inspetor. Tua vinda me salvou a vida. Há de
estranhar que eu esteja aqui. Não é? Mas vim só em tuas pegadas.
Eu disse que trabalharia contigo e aqui estou.
— É verdade, mas começaste mal, rapaz. Isto aqui não é a
América. Se tem de aprender muito pra trabalhar com êxito. Aqui,
se luta, não só com o homem, também com o nevoeiro. Agora
iremos a um hospital pra tratar desse ombro.
— Viste quem te alvejou?
— De certo, inspetor. Eram chineses mas não os conheço.
— Tom. — Disse Jaime — Leves o rapaz a um hospital.
Providencies a remoção do corpo do judeu e digas a Edu que o
procurarei, mas só depois de ver certo sujeito.
E se afastou rapidamente.

Capítulo IV
No centro duma enorme sala, na casa número 5 da rua Waping,
um minúsculo chinês, de olhos semi-fechados, tirava pequenas
baforadas dum fino e comprido cigarro. Quase ajoelhados a seus
pés estavam outros dois, que, a julgar pela roupa que trajavam,
eram duma classe inferior.
— Mestre, disse o mais baixo e horrendo dos dois, a Lágrima da
deusa será bem guardada.
— Que a bênção dos deuses paire sobre tua cabeça Wing-Pu. —
Disse o chinês a que o outro chamara de mestre.
— Mestre, vimos Riskin tombar morto. Homem americano
atacou Wing-Pu, mas Wing-Pu nunca morre e Wing-Pu está aqui.
— Podeis ir à sala da gema e vos lembrai de que o homem a
buscará amanhã. Se for roubada a morte vos esperará. Mãos
profanas a querem...
Os dois chineses saíram, ligeiros, ao interior dum aposento onde,
no regaço duma deusa de bronze, fulgia, sobre um fundo de veludo
azul, enorme e límpido brilhante. Nesse instante pesadas pancadas
soaram na porta da frente.
— Abras, Wu-Ching, em nome da lei! É o detetive Jaime
Patrício, da Scotland Yard.
Em menos de 1min a porta foi aberta. Jaime conhecia aquela
casa, por isso não estranhou que ninguém estivesse à porta pra o
receber. Se abria por meio dum dispositivo secreto. Imediatamente
foi à sala onde estava o chinês que os outros chamaram de mestre.

84
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Bem-vindo sejas, homem da lei! — Disse Wu-Ching,


inclinando o busto a diante, saudando o inspetor Jaime Patrício.
— Deixemos de lado a cortesia!, Wu-Ching. Os chineses estão
metidos num roubo e também estão atrapalhados por causa de duas
mortes.
— Wu-Ching não sai há muito tempo. Wu-Ching não mata
alguém. — Disse o chinês, apertando os olhos. — Wu-Ching não
matou nem roubou.
— Sei. — Disse Jaime. — Mas Wu-Ching é chefe de todos os
chineses em Londres. Também sei que escapaste muitas vezes, Wu-
Ching, mas desta não escaparás e te garanto que te prenderei como
assassino do inspetor Roberto Bell.
— Wu-Ching nunca matou. Wu-Ching nunca mataria um
policial.
Neste ponto Jaime sabia que o chinês falava a verdade. Não
mataria um agente da Scotland Yard. Era bastante esperto pra não
cometer tal tolice.
— Wu-Ching, me dirás tudo o que puder a respeito desse
brilhante.
O chinês ficou de pé, com grande displicência, encarando o
inspetor da Scotland Yard.
— Wu-Ching nada sabe. Wu-Ching nada diz. Wu-Ching pede,
humildemente, ao inspetor, que se retire.
Jaime se levantou pra sair. Daquele chinês não obteria palavra.
Conhecia muito bem Wu-Ching, mas se estava metido no negócio
sua visita serviria pra o alarmar, se bem que Wu-Ching, chefe do
Tongue, em Londres, não se alarmasse por pouca coisa.

Capitão Edu, em seu gabinete, na Scotland Yard, discutindo com
Jaime e Tom, disse:
— Estou achando este caso muito confuso, Jaime. Primeiro a
morte de Beto. Depois o roubo desse maldito brilhante. Agora a
misteriosa morte daquele judeu. E, ainda por cima, um diretor de
banco endividado, uma mulher egoísta e medrosa, ameaças duma
deusa e chineses no meio de tudo. Se isso não terminar logo, Jaime,
acabarei ficando maluco...
— Bem... Edu. Tens razão. Acabaremos todos doidos.
Beto estava certo quando disse que ficaríamos embaraçados.
Não resta dúvida de que foi assassinado porque estava no meio do
jogo e foi descoberto. Posso garantir que um daqueles automóveis
era dirigido pelo próprio autor de todas essas brincadeiras. O outro

85
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

bem poderia ter sido por um comparsa de qualquer dos outros


suspeitos. O difícil é precisar qual. Agora me preocuparei com os
homens e deixarei o brilhante de lado.
Achando o homem responsável pela morte de Beto, encontrarei
a jóia. Hoje na noite entrarei em ação e te afianço que não estamos
longe do fim.
Os sinos de Westminster batiam 8 horas. Jaime e Tom
caminhavam lado a lado numa das ruas da praça Piccadilly. O
nevoeiro, que aumentara progressivamente desde as 4h da tarde,
estava intenso.
— Tom, preciso que verifiques todos os iates ancorados no
porto. Me lembro do que Riskin disse. Beto era um bom rapaz e
muito arguto...
Muito bem, Jaime. Tratarei disso mas, antes, deixes que eu me
desabafe. Quando Riskin ia dizer que outra pessoa o procurara,
cujo nome não pôde proferir, chegou a dizer que o interessante é
que essa pessoa era uma... Acho, Jaime, que ele ia dizer uma
mulher.
— Sim, Tom, é bem provável. Também pensei assim mas não
creio que senhora Charthwood seja a pessoa que procuramos.
Prestes atenção no que te direi.
Senhor Charthwood está arruinado. Se conseguisse fazer
desaparecer a pedra receberia os 180.000 do seguro e ainda poderia
a vendar a algum interessado. A mulher também não está em boa
posição e talvez mesmo Wu-Ching trabalhe pra ela, pois que nunca
trabalhou por própria conta. Quero descobrir, Tom, quem é o tal
Africano, que se diz mensageiro da deusa da vingança. É o único
que não conheço. Aos outros todos já dei as cartas. Agora veremos
quem joga melhor.
Os dois detetives atravessaram a rua em direção à casa, quando
ouviram a sirene dum carro policial. Uma voz gritou de dentro,
quando o carro parou um pouco adiante:
— Inspetor, Mataram senhor Charthwood!
O detetive ianque está na pista do assassino e anda te
procurando.
— Vamos rapazes! Depressa! — Disse Jaime, entrando no carro
— E tu, Tom, vás averiguar o que pedi.
Ricardinho Charthwood, presidente do banco Real, jazia morto
sobre um canapé, em seu quarto de vestir.
Uma pequenina faca estava enterrada no corpo e um rápido
exame revelou a Jaime que Charthwood fora morto pelas costas e a

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

faca enterrada por mãos delicadas, visto a pouca força do golpe que
a cravara no corpo do ex-presidente do banco Real.
Jaime, tirando do bolso um lenço, o enrolou na faca, a retirando
do corpo. Era uma pequena faca chinesa!...
Não chegou a formular pensamento, pois as suspeitas que tinha
sobre Ricardinho Charthwood ruíram naquele instante, quando o
detetive ianque, Jack Shelton, entrou no quarto.
— Inspetor, preciso que me ajudes a capturar o criminoso. Vi a
feição e tenho certeza de que as reconhecerei em qualquer parte.
Era um chinês mal-encarado.
— Muito bem, rapaz. Se queres me prestar um favor, corras à
Scotland Yard e digas ao inspetor Tom Malloney que traga a
informação pedida.
Mal o ianque deixara a casa, Jaime desceu, rapidamente, a
escada. Ia interrogar senhora Charthwood e a encontrou na sala,
sentada em confortável sofá, como se nada houvesse sucedido.
— Boa noite, inspetor. Creio que o caso está se tornando cada
vez mais complicado. Não?
— É verdade, senhora. Preciso que me digas algo sobre teu
marido. Desconfias dalguém?
— Meu marido, inspetor, era um...
A palavra que senhora Charthwood pronunciaria não chegou a
escapar dos lábios. Como arrependida do que diria, se levantou
sorrindo, começando a passear na sala.
— Teu marido era um quê? Termines!, senhora.
— Ó! Nada, inspetor... Era um bom homem...
Jaime sabia que senhora Charthwood não ia dizer aquilo. Via,
claramente, em seus olhos, que estava mentindo.
— Minha senhora, te peço, pra seu próprio bem, que me
respondas certo às perguntas que te farei. Conheceste algum
homem chamado Júlio Riskin?
— Não, inspetor. Tenho certeza.
— Conheces algum chinês chamado Wu-Ching?
— Sim, inspetor.
Os olhos de Jaime brilharam. Se enganara, pois não esperava tal
resposta.
Ela, como indiferente ao que ele pensava naquele momento,
prosseguiu, com voz calma.
— A verdade, inspetor, é que eu desejava me desfazer daquele
brilhante e o faria por intermédio de Wu-Ching, quando a pedra
desapareceu. Tenho quase certeza de que foi meu marido quem a

87
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

roubou mas não posso compreender por que o mataram. Agora vejo
o mal que fiz em não dar importância àquelas ameaças...
Jaime deixou que senhora Charthwood terminasse de falar e
ficou sentado quando ela se retirou da sala.
Apanhou, ao acaso, um cigarro duma pequena caixa de madeira
sobre uma mesa, se recostou no sofá. Muitas coisas o
preocupavam. Aquele jogo estava se tornando cada vez mais
confuso. A partida dependia duma única jogada e Jaime confiava
em sua boa estrela.
Ainda não terminara o cigarro que acendera, quando o detetive
Tom Malloney entrou acompanhado por Jack Shelton. Disse Tom:
— Grande novidade, Jaime. Só há um iate e pertence a um
ricaço da Austrália.
— Eu esperava isso, Tom. Nesta época do ano seria um fato
incomum se descobrisses mais de um aqui. Veremos esse homem e
tu, — disse, se referindo a Jack — faças o obséquio de vigiar
senhora Charthwood enquanto saio. Creio que tua tarefa, agora, é
bem mais arriscada que a primitiva.

Capítulo V
Um pequeno mas formoso iate estava ancorado no centro da
baía. Em sua direção, jogando, impelida pelas ondas, seguia uma
minúscula lancha da polícia, levando os detetives Jaime Patrício e
Tom Malloney.
— Ei, Jaime! Será que terei o prazer de usar isto? — Disse Tom,
mostrando uma enorme e pesada pistola.
— Não creio, Tom. Se minha teoria estiver certa esse homem é a
criatura mais pacata e inofensiva do mundo. E espero que assim
seja, pois do contrário perderei a partida.
— Francamente Jaime. Não sei pra quê andamos armados. Acho
que doravante deixarei minha pistola em casa. Há duas semanas
que não a uso. Oras, bolas! Esses criminosos, dum tempo a cá,
agem como se fossem criança ou mulher! Creio que o melhor caso
que nós já resolvemos foi o daquela quadrilha do Capuz Negro! Te
lembras? Nunca ri tanto!
— Tinham graça aqueles caras com os capuzes negros.
— Aquilo sim, é que foi um caso duro. Te afianço que minha
pistola nunca trabalhou tanto. Por falar nisso, Jaime, quem é o tal
Africano, Mensageiro da deusa da vingança? Palavra que tenho
vontade de ver o bruto! É boa. Não? Africanos em Londres...
A lancha da polícia encostou suavemente ao costado do Sídnei.

88
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Um marinheiro arriou a escada de bordo e os dois detetives


subiram ligeiro.
— Inspetor Jaime Patrício, da Scotland Yard! Desejo ver o
proprietário deste barco.
— Pois não, inspetor. Por aqui. Faças o obséquio, disse o
marinheiro, os conduzindo através dum estreito corredor, ao fundo
do qual se abria um compartimento, deixando ver um homem de
meia-idade, forte e bastante corado sentado a uma mesa, fazendo a
refeição.
— Desculpes incomodar, senhor...
— Heavens.
— Obrigado. Sou inspetor Jaime Patrício, da Scotland Yard, e
este é meu companheiro, Tom Malloney. Estou encarregado de
descobrir o autor de quatro crimes cometidos na cidade e desejo
que me prestes informação.
— Perfeitamente, senhor. Embora não vejas em que te possa
auxiliar.
— Senhor Heavens, já ouviste falar a respeito dum brilhante
chamado Lágrima da deusa?
— Sim senhor, inspetor. Vim àqui exclusivamente pra o
comprar.
— Mas sabias que estava a venda?
A essa pergunta de Jaime o homem se levantou e, abrindo uma
pequena escrivaninha, num canto da sala, retirou um telegrama
dobrado.
— Por aqui se pode ver, inspetor, que falo a verdade.
Jaime, recebendo das mãos do homem o telegrama, o abriu.
Roberto Heavens
Lágrima da Deusa" tua disposição. Venha com urgência.
— Wu-Ching
— Conheces Wu-Ching? — Perguntou Jaime, devolvendo o
telegrama.
— Sim, inspetor. Wu-Ching tem sido intermediário em várias
compras de jóia que tenho feito e, dizendo bem, é uma espécie de
agente que possuo em Londres.
— Sabes que Wu-Ching tem mau precedente?
— É verdade que assim dizem, inspetor. Porém Wu-Ching tem
procedido lealmente comigo.
— Já visitou Wu-Ching pra comprar a pedra?
— Sim mas não me entregou, o que fará hoje na noite.
— Visitaste mais alguém na cidade?, além de Wu-Ching.

89
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Sim. um certo Júlio Riskin, negociante de jóia, aconselhado


por Wu-Ching.
— Conheces a história desse brilhante?
— Vagamente, inspetor. Quando tenciono comprar uma jóia o
que me interessa é seu valor e não sua história.
— Senhor Heavens, te peço o favor de não ir ver com Wu-Ching
nesta noite, se tencionas regressar com vida a teu país.
— Muito bem, senhor. Podes crer que seguirei teu conselho.
Os dois detetives regressaram, mais cedo do que esperavam, à
Scotland Yard. Mal subiram os primeiros degraus da escadaria,
uma pessoa chamou embaixo:
— Inspetor Jaime!
— Olá, Anjinho! Tu aqui?
— Sim, inspetor. Eu mesmo. Não podia esperar mais tempo e
achei melhor vir te procurar antes que o descobrisses tudo. Ainda
me lembro dos cinco anos que me fizeste pegar! Prometes não me
prender se o que eu te contar for interessante?
— Vás lá, Anjinho! Qual é o negócio?
— O dândi foi morto. Não é?, inspetor. O detetive Beto também.
Não?
— Ei, rapaz! Esperes ai! O que sabes a esse respeito? Não me
digas que também conheces o Lágrima da deusa!
— Chi!, inspetor! És, mesmo, bamba. Adivinhas logo tudo! Não
levas a mal que eu peça pra entrar? Ando um pouco assustado.
Creio que aqueles cinco anos me tornaram covarde.
— Vamos, Anjinho. Contes tudo lá em cima. Capitão Edu terá
satisfação em rever um velho conhecido! Te lembras dele?
— Se me lembro!, inspetor!...
— Bem... Anjinho, soltes logo o que sabes sobre a morte de
Beto. — Disse Jaime, olhando significativamente ao capitão Edu
Brown.
— Bem... A história é essa: Eu e o dândi íamos trabalhar em
sociedade em certo negócio. A coisa era simples e ganharíamos
1.000 libras. Se tratava de simular um roubo prum sujeito, dono
dum grande brilhante. Tudo era muito simples e a entrada na casa
seria facilitada pelo próprio sujeito. Inspetor Beto, porém,
descobriu nosso jogo e quando pensávamos que nos prenderia,
pediu que continuássemos o joguinho, nos prometendo liberdade. O
dândi foi morto e o inspetor Beto também. Por isso achei melhor te

90
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

contar tudo. A princípio dei a de vila-diogo7 porque alguém estava


metido no negócio e aqueles cinco anos nas grades me fizeram
medroso. Mas quando soube que estavas com o caso vim logo.
Contigo não quero história.
— É tudo?, Anjinho.
— Não, inspetor. Sei como mataram detetive Beto!
Eu estava perto e vi toda a manobra mas o que, infelizmente,
não pude ver foi a cara do homem que abandonou o carro, fugindo.
Porém conheço o outro. Se chama Puck e trabalhava muito pra Wu-
Ching.
— Muito bem, Anjinho. Podes ir em paz. Sempre cumpro o que
prometo mas lhe aviso que deixes de fazer esses trabalhinhos. Isso
pode te custar outros cinco anos...
— Obrigado, inspetor. Sempre me lembrarei.
Capitão Edu Brown, que ouvira com interesse tudo quanto o
Anjinho dissera, não se conteve mais e, quando ele se retirou,
perguntou raivoso:
— Esse sujeito disse a verdade?, Jaime.
— Certamente, Edu.
— Creio que desta vez nosso Wu-Ching terá de arranjar um bom
álibi, porque vou o prenderei como assassino de Beto e de senhor
Ricardinho Charthwood.
— Não, Edu. Não o prenderemos. O procurarei nesta noite e
espero que minha teoria esteja certa. Se estiver... Bem, Edu, prestes
atenção. Colocarei as cartas. Repares a disposição delas. A 1a
carta: Ricardinho Charthwood. Não resta dúvida de que
Ricardinho estava endividado e tentou se salvar por um meio que
julgava ótimo: Contratou um ladrão vulgar pra roubar em
combinação consigo o brilhante e receber o seguro, após o que, o
venderia a qualquer interessado, que, em nosso caso, seria Júlio
Riskin. A 2a carta é senhora Charthwood, que também queria se
desfazer da pedra, atemorizada pelas ameaças ou por qualquer
outro motivo. A 3a carta é Wu-Ching e a podemos colocar junto da
2a, isto é, Wu-Ching, a princípio, não era mais que um
intermediário entre senhora Charthwood e o homem que adquiriria
a pedra que será sendo a 4a carta, ou seja Roberto Heavens,

7
Dar a de vila-diogo: Fugir, se safar. Segundo o Diccionario de uso del español, de
Marta Moliner, a expressão significa fugir precipitadamente, por alusão aos alforjes
(sacola, saco de viagem) que se fabricavam na povoação de Villadiego. Nota do
digitalizador. Extraído de http://aldacris.wordpress.com/2007/01/26/dar-as-de-vila-
diogo/

91
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

milionário australiano.
No meio de tudo isso há, sem dúvida, coisas estranhas, como, por
exemplo, o misterioso desaparecimento do brilhante. A princípio
desconfiei de Ricardinho Charthwood e mesmo da senhora, mas,
com a morte de Ricardinho, varri essas suspeitas de minha
imaginação, tanto mais que ele não poderia ter assassinado Beto e o
chofer do carro.
Hoje o milionário australiano deveria ir à casa de Wu-Ching
receber das mãos dele o Lágrima da deusa, o que me leva a crer
que Wu-Ching já esteja de posse do brilhante, tendo, assim,
logrado a senhora Charthwood. Desconfio de como Wu-Ching se
apoderou da pedra, o que só poderei afirmar depois de receber certa
comunicação, que espero a qualquer momento e duns quantos
eventos nesta noite.
— Queres dizer, Jaime, que de todos os suspeitos, o que reúne
maior complicação em torno de si é Wu-Ching?
— Sim, Edu.
Então o prenderemos imediatamente como ladrão e assassino.
— Não, Edu. Wu-Ching é ladrão mas nunca matou. E não seria
tão estúpido a ponto de matar um agente da Scotland Yard.
Disse Tom, entrando na conversa:
— Mas, Jaime. Te esqueces de que Anjinho disse que o chofer
trabalhava pra Wu-Ching!
— Sim. Tom, costumava trabalhar não quer dizer que trabalhe e
sabes muito bem que esses sujeitos trabalham pra quem lhes dá
mais.
— Pelo que me dizes, Jaime, — disse capitão Edu, Wu-Ching, já
deve estar preparando um bom álibi. Como sempre.
— Edu, Wu-Ching não matou alguém. O podemos prender como
ladrão mas não como assassino. O homem responsável por todas
essas mortes e que estava, ao mesmo tempo, senhor dos passos de
todos os outros, usa o pomposo pseudônimo de mensageiro da
deusa da vingança, e é com ele que tenciono me encontrar agora.
Sem esperar mais, Jaime se retirou, acenando a Tom pra que o
seguisse.
A cidade estava bastante escura e o nevoeiro impedia quase
totalmente a visão das coisas mais próximas.
Os dois detetives seguiam em direção à casa de Wu-Ching.
Jaime Patrício, enfiando a mão direita sob o casaco, desabotoou
o coldre do inseparável 38.
Passavam junto a um lampião de iluminação quando um roçar,

92
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

como o dalguém pisando leve, chegou ao ouvido. Quando


mergulharam novamente na treva o ruído se acentuou e Jaime,
segurando Tom pelo casaco, o puxou violentamente de encontro a
si, na hora em que um objeto atirado fortemente passou zunindo na
frente, batendo na parede.
Jaime se abaixou, apanhando uma faca fina e elegantemente
gravada com caracteres chineses.
— Tolo! É até lá mesmo que irei...
Poucos minutos após o incidente os dois detetives já estavam na
imediação da casa de Wu-Ching. Jaime cochichou:
— Não batas, Tom. veremos se conseguimos subir pela janela
do fundo.
Jaime não esperava que a tarefa fosse tão fácil e ambos logo se
viram no interior dum amplo aposento completamente vazio,
situado no segundo andar da casa.
Jaime, retirando do bolso seu colte, avançou, resolutamente, em
direção à porta. Abriu, se vendo diante dum estreito e comprido
corredor onde ardia uma luz fraca, velada por um papel alaranjado.
Ouviram tiros repetidos disparados em baixo e toda a casa
mergulhou na escuridão.
Jaime e Tom correram ao lugar em que antes lobrigaram uma
escada, por onde desceram silenciosamente. Lutavam no pavimento
inferior... Era na sala de Wu-Ching.
Gritos e ameaças chinesas, barulho de pé, e baques de corpo,
ecoavam na casa. Estavam no meio da escada quando ouviram mais
tiro. O alvo agora era o lugar onde estavam... Uma bala arrebentou
a parede acima da cabeça de Tom, que, enfurecido, se atirou a
diante, despejando a torto e a direito a carga de sua pesada
automática, que roncava furiosa.
Jaime corria, cozido à parede, quando uma bala rasgou o paletó.
— Vamos, Tom! Quereis barulho! não é!? Pois tereis!
— Atires bem no centro, Tom!
Enquanto gritava atirava compassadamente.
Gritos de dor encheram o ambiente e baques de corpo se
ouviram, enquanto uma porta, no fundo, batia violentamente, se
fechando.
Quando Tom acendeu a luz Jaime viu o corpo de Wu-Ching
estirado no chão a fio comprido e grande quantidade de sangue
escorria dum grande buraco do lado esquerdo da cabeça. Outros
dois chineses jaziam ao lado do corpo de Wu-Ching. Ambos com a
mesma sorte.

93
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Os dois detetives revistaram toda a casa. O quarto da deusa


estava aceso mas o grande brilhante desaparecera do assento de
veludo azul.
— Ei!, Jaime. Quem quer que fosse, era bom no gatilho. Não? E
eu dizendo que minha pistola não trabalhava há muito tempo!
Quem foi? Jaime.
— Teu amigo, o mensageiro da deusa da vingança.
O Africano?
— Sim, Tom. Aquela porta, que bateu, era sua fuga.
— Será possível? E pensar que o tive tão perto!...
— Vamos à chefatura. Nosso mensageiro jogou mal e ganhei a
partida.
Os dois detetives deixaram a casa da morte e Jaime, se
abaixando, apanhou, na saída, uma pequena carteira num canto da
sala.
Quando entraram no gabinete de capitão Edu Brown, ele
conversava animadamente com o detetive particular Jack Shelton.
— Então?, Jaime. Alguma novidade?
— Sim, Edu. Muitas coisas aconteceram. Mataram Wu-Ching.
— Hem?
— Sim. Mas o assassino foi infeliz e creio que o enviarei à
forca. Antes disso quero que saibas que toda minha teoria estava
certa. O homem matou Beto porque ele conhecia seu jogo, da
mesma maneira que matou o chofer, Ricardinho Charthwood e o
judeu. Todos pelo mesmo motivo. E agora matou Wu-Ching pra se
apoderar do brilhante que estava nas mãos dele.
— Quem?, Jaime. Quem é nosso homem?
— O Africano. O mensageiro da deusa da vingança.
— Mas quem é esse sujeito?, Jaime.
— Um momento, Edu.
A porta do gabinete particular de capitão Edu Brown foi aberta,
entrando um policial que colocou um bilhete nas mãos do detetive
Jaime Patrício, que leu e, olhando a Edu, disse calmamente:
— Capitão, tuas algemas, por obséquio!
Edu entregou a Jaime um bom par de algema e ele, se
levantando rápido, as fechou nos pulsos do detetive particular
americano, Jack Shelton.
— Te prendo como assassino de várias pessoas. Entre elas o
inspetor Roberto Bell, da Scotland Yard.
O capitão não pôde conter um ó! de espanto, enquanto Tom
permanecia mudo.

94
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Jaime retirou do bolso a carteira de detetive e, a atirando sobre a


mesa do chefe, exclamou:
— Eis a falsa credencial de Jack Shelton encontradas na casa de
Wu-Ching!
— Falsa?, Jaime. — Disse capitão Edu — Mas... e as
informações da polícia federal ianque?
— Ó! Edu, só pediste referência sobre um homem que realmente
existe e possui uma agência de detetive em Estados Unidos mas
não perguntaste se lá estava! Leias este telegrama.
Entregou ao chefe o papel que o policial lhe entregara minutos
antes:
Inspetor Jaime Patrício
Confidencial
Jack Shelton chefe agência detetives particulares não saio
Estados Unidos
(As.) Cap. Rost Moore
Edu largou o telegrama sobre a mesa e Jaime, se dirigindo ao
falso detetive, disse:
— Espero que a pedra esteja em teu poder, como estava até o
momento em que Wu-Ching a roubou naquela noite, na rua
Waping, em que foste ferido no braço. Te lembras?
Quando Jaime terminou a revista nos bolsos do homem um
grande brilhante cintilava nas mãos.
— Eis a Lágrima da deusa. Peço o obséquio de entregar esse
brilhante à senhora Charthwood e digas pra não se desfazer dele. É
lindo e não traz infelicidade, a não ser quando algum aventureiro o
deseja, como no presente caso.
Minutos depois Jack Shelton saía do gabinete do capitão Edu,
algemado e conduzido por dois policiais, quando Tom gritou:
— Senhor mensageiro, apresentes meus cumprimentos à senhora
Forca. Jaime Patrício e Tom Malloney desceram a escadaria da
Scotland Yard em direção ao bar do Zé.
— Bem, Tom. Creio que poderei terminar meu uísque, que
deixei na metade.
E riu, satisfeito.
— Escutes, Jaime. Por que só sorris quando prendes alguém?
— É um segredo, Tom. Prometes nada dizer? A ninguém!
— Se prometo! — Exclamou Tom, pensando ouvir algo
sensacional.
— Sou amigo, mas muito amigo mesmo... do carrasco...
E os dois detetives atravessaram a rua, sorrindo.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

96
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

O pássaro da morte
Capítulo I
nspetor Jaime Patrício contemplava o movimento da rua através
da vidraça duma das janelas de sua sala, na Scotland Yard.
Havia 20min que deixara a sala de julgamento, onde doutor
Judd Mac Carthy, um dos mais famosos cientistas londrinos, estava
respondendo a júri como acusado de assassinar, na noite de 11 de
novembro, seu assistente, Vickery Melbourne. Jaime saíra, depois
que o advogado do doutor acabara a defesa e estava certo de que o
veredito seria favorável. Antes de ser levado a júri sabia que o
doutor seria absolvido, não só por falta de prova, como pelo
testemunho de três dos mais proeminentes homens da cidade, entre
eles o próprio advogado, que afirmavam ter o doutor estado com
eles na noite do crime, das 7h às 10h da noite, e Vickery
Melbourne fora assassinado às 9h. Além disso, a causa da morte
fora envenenamento, porém, os médicos legistas desconheciam o
veneno. As vísceras do morto apresentavam uma coloração
azulada, semelhante à que se encontra em envenenamento por
sulfato de cobre, mas os outros órgãos examinados não
demonstravam a presença.
Todos os médicos legistas tinham opinião diferente, concluindo
pelo desconhecimento do veneno. A única suspeita contra o doutor
residia no fato de junto ao corpo de Vickery Melbourne, caído dez
passos na frente da porta do laboratório, situado no fundo do prédio
#30 da Parque do Regente, estarem escritas na terra as seguintes
palavras: Eu sabia que eras tu, J... e que, evidentemente, foram
escritas, com o dedo, pelo próprio Vickery, moribundo, como

97
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

depois ficou provado. Portanto era naquela inicial, a mesma de


Judd, que se firmava toda a acusação.
Com todos esses pensamentos assaltando a mente inspetor Jaime
Patrício mergulhou na cadeira de sua mesa e, fincando os cotovelos
sobre ela, apoiou a cabeça entre as mãos espalmadas.
Assistira a quase todo o julgamento e deixara a sala antes do
fim, bastante satisfeito e sorridente, porque ouvira ali, em duas
palavras, a chave do que procurara durante vinte dias consecutivos.
Sentado naquela cadeira, esperava que capitão Edu lhe trouxesse a
notícia da absolvição, tão certo estava disso, como de dois mais
dois ser quatro. A princípio julgara que o doutor fosse o assassino,
porém agora, não só sentia, como sabia ser inocente. Isso porque
assistira quase todo o julgamento estudando a fisionomia de doutor
Judd Mac Carthy. Reparara no ar de indiferença que ele mostrara
enfrentando a curiosidade enorme que fazia convergir a ele todos
os olhares, e a grande tranqüilidade que iluminava a face do doutor.
Notara a maneira como o doutor ouvira, com ar de maçado e de
fadiga, toda a leitura do sumário e a reconstituição do crime que a
polícia fizera, concluindo que ser inocente porque nunca
encontrara, mesmo entre os mais astutos e artistas dos grandes
criminosos, um, que em tal momento, estivesse tão calmo.
Porém, durante o julgamento, a atenção de Jaime não se fixara
exclusivamente sobre o doutor. Ao contrário, estava quase
totalmente fixa na figura do advogado Jeová Carlington, um dos
luminares do foro, que sabia levar tão a jeito, e com tanta manha,
as testemunhas à contradição. Que diziam ser capaz de provar a um
júri que o réu era a vítima e vice-versa, pra concluir, logicamente,
que não houvera crime. Jaime notara a sensação que haviam
causado, no auditório, as palavras proferidas pausadamente pelo
advogado e no silêncio religioso da sala, quando chamou as duas
testemunhas do doutor e elas declararam solenemente, com as
formalidades de estilo, que, na hora em que afirmavam ter morrido
Vickery Melbourne, doutor Judd estava com eles. Jaime notou o
espanto que causou, no meio do tribunal, o depoimento das duas
testemunhas. Indiscutível, por se tratar de pessoas acima de toda
suspeita, pra concluir que, de fato, agora a acusação estava
completamente abalada, tanto mais que seu edifício era de poucos e
frágeis alicerces.
Jaime ouviu, finalmente, a maneira calma e a tranqüilidade de
espírito de doutor Judd, respondendo às perguntas do promotor.
Sem dúvida, devido à certeza de poder provar inocência e à

98
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

convicção de ser absolvido.


Mas só depois que Jeová Carlington terminou a defesa é que
Jaime deixou a sala, sorridente por ter ouvido duas palavras
pronunciadas por ele, quando sua voz era mais forte e sua agitação,
na tribuna, mais intensa.
Enquanto assim refletia, evocando todos os pormenores do
julgamento, a porta da sala foi aberta e capitão Edu Brown entrou,
seguido do inspetor Tom Malloney.
— Judd Mac Carthy absolvido! Eis o veredito, Jaime —
exclamou o capitão, se instalando na cadeira à direita da mesa.
— Não é novidade pra mim, Edu. Eu esperava isso:
— Às vezes te tornas enigmático, Jaime. — Disse o capitão.
Trabalhaste no caso durante cerca de três semanas, certo de que o
doutor era o assassino e agora dizes que esperavas a absolvição!
Quer dizer, então, que o homem que matou Vickery Melbourne
ficará impune?
— Absolutamente, Edu. Tanto mais que sei quem é. Se me deres
dois dias de prazo encontrarei a arma mortífera e explicarei de que
maneira procedeu pra matar Vickery Melbourne.
— Está bem, Jaime. Te dou quantos dias quiseres, contanto que
me entregues o homem pronto pra seguir viagem, deste ao outro
mundo.8

Capítulo II
Num dos aposentos do apartamento de Jaime, na rodovia da
travessia Charing, que servia, ao mesmo, tempo de sala de estar e
gabinete de estudo, inspetor Tom, sentado numa cômoda poltrona,
contemplava, em silêncio, seu companheiro passeando dum lado a
outro em passadas largas e fortes, cujo som era protegido por um
grosso tapete estendido ao longo da sala.
Dois profundos sulcos nos cantos da boca de Jaime indicavam a
Tom o estado nervoso do amigo. As rugas significavam ódio surdo
no coração do inspetor. Quantas assassinos já viram aqueles sulcos
antes de subirem à forca?
Tom olhava, com a admiração e o respeito dum discípulo, todas
as vezes que Jaime retirava um livro da grande estante no fundo e
em ângulo da sala e reparou como a fisionomia se modificou
rapidamente, quando repôs, ao mesmo lugar em que estava, um
grosso volume encadernado de preto.

8
Pois terá a pena capital. Nota do digitalizador.

99
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Inspetor Jaime Patrício não era um super-homem mas eram


raríssimas as vezes em que uma de suas observações estava errada.
É claro que nem sempre demonstrava a seus companheiros a
argúcia de seu espírito e seu instinto de observação. Quantas e
quantas vezes foi obrigado a despender enorme esforço pra chegar
ao fim almejado! Noutras, no entanto, nem precisava procurar,
porque lhe caía nas mãos inesperadamente, e então tudo ficava
claro e evidente, e podia explicar aos outros, em maravilhosa
dedução e linguagem claríssima sua teoria do crime, verdadeira
cópia do mesmo.
Quando se voltou a Tom um sorriso brincava nos lábios.
— Eu sabia, Tom, que doutor Judd era inocente, porém só agora
encontrei todas as explicações pra resolver o caso que me deixou
enervado durante tanto tempo. Crês no destino?, Tom. Pois é uma
força imponderável da qual ninguém pode fugir. Até agora essa
força que chamo destino e que dizem que é minha boa estrela, me
tem sorrido favoravelmente! Pensei que desta vez me tivesse
abandonado mas me enganei e recebi, como auxílio, um feliz acaso.
— Sim, Jaime. Espero que tenhas resolvido tudo.
— Creio que isso aconteceu amigo e se queres me ajudar abras
meu livro de apontamento e leias alto tudo sobre a morte de
Vickery Melbourne.
— Sim, Jaime. Com grande prazer. — Disse Tom, se erguendo
da cadeira pra buscar o caderno de nota sobre a escrivaninha.
Logo depois Jaime, sentado no sofá, cachimbo preso entre os
dentes e caído ao canto esquerdo da boca, ouvia a leitura das
páginas de seu caderno:
O corpo de Vickery Melbourne, tipo de compleição
robusta, jazia caído a dez passos do laboratório no fundo do
prédio, repleto de animais e micróbios pra estudo de doutor
Judd Mac Carthy. Perto do corpo, estavam, traçadas na
terra, umas palavras acusadoras. A esposa de Vickery,
Judite Melbourne, em suas declarações, disse que o marido
saíra ao laboratório depois do jantar, como fazia todas as
noites. Como estava demorando mais que o costume
resolveu procurar, deparando, então, com o corpo estendido
perto da porta. Estava sozinha em casa, com o criado,
porque doutor Judd saíra em companhia do advogado Jeová
Carlington, pra jantar com alguns amigos no clube Colonial.
Os médicos legistas não atinaram com o veneno que
produziu a morte, porém afirmaram que se deu às 9h da

100
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

noite. Dentro do laboratório não havia impressão digital,


exceto as de Vickery Melbourne e doutor Judd. Não havia
vestígio que conduzisse à pista dalguém, exceto uma
pequena caixa de madeira atirada num canto e que o doutor
negou conhecer.
— Basta!, Tom. Prestaste atenção ao que me leste?
— Sim, Jaime.
— Agora vejas aonde quero chegar: A única suspeita sobre o
doutor residia nas palavras traçadas na terra pelo dedo de Vickery e
pela declaração do criado, quando afirmou que o patrão vivia
brigando com o assistente. Essas brigas não podiam ser apenas
contendas científicas incapazes de levar um homem a matar outro?
E as palavras traçadas na terra não constituem, também, uma prova,
mesmo fraca, porque Vickery não terminou o nome que queria
escrever, deixando apenas escrito um J, que tanto pode ser de Judd
como de Judite?
— Mas é claro, Jaime! O doutor não podia ser condenado!
— Eis porque, Tom, eu esperava a absolvição. E agora quero
que respondas: O que pode levar um homem a matar outro?
— Ora! Muitas coisas...
— Sim, mas isso é uma resposta bastante evasiva para se tirar
uma conclusão. Não? Que eu saiba existem apenas três motivos:
Dinheiro, mulher, e ódio. Estudei cuidadosamente a vida de
Vickery Melbourne e posso afirmar que não foi assassinado por
causa de dinheiro, porque não possuía testamento e nem um xelim.
Também não foi assassinado por ciúme ou ódio, porque não era
homem dado a aventura que causasse ciúme nalguém, e porque
pertencia à classe de homens incapazes de fazer mal a uma mosca.
Portanto, afastando estas duas hipóteses nos resta:
— Uma mulher!
— Justamente. E é Judite Melbourne. Quando examinei,
juntamente com Edu, o corpo de Vickery Melbourne, mostrei um
sinal na mão, entre os dedos indicador e médio. Não dei muita
atenção, confesso, a esse particular, naquele momento. Mas agora,
me lembrando duma coisa que reparei no laboratório e de duas
palavras que ouvi no meio do julgamento, sei que era de vital
importância. Folheando os livros que viste, encontrei o que eu
supunha existir e que mais tarde saberás. agora irei à casa de doutor
Judd, pra lhe fazer perguntas. Enquanto isso realizarás um trabalho
pra mim, findo o qual prenderemos o assassino de Vickery
Melbourne.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Capítulo III
Eram, precisamente, 20h quando inspetor Jaime Patrício chegou
ao #30 da Parque do Regente.
O criado de doutor Judd Mac Carthy reconheceu, prontamente, o
inspetor. Depois de inclinar a cabeça o cumprimentando, lhe fez
sinal pra entrar.
— Boa noite, inspetor. A quem desejas falar? Se é a doutor
Judd, está no laboratório. Senhora Judite está na sala, com senhor
Carlington.
— Sim, rapaz. Me leves até ela.
Judite Melbourne, sentada num amplo sofá, em companhia de
Jeová Carlington, não parecia abalada pela morte, ainda recente, do
marido. Sorria ao advogado no momento em que Jaime entrou e
percebeu uma ponta de idílio entre os dois.
— O que desejas?, inspetor. — Perguntou Judite Melbourne,
permanecendo sentada.
— Desejo fazer perguntas a ti, minha senhora, porque...
— Não perguntarás! Já basta o que fizeste com doutor Judd. —
Disse o advogado.
— Muito obrigado por tanta amabilidade. Creio que é melhor
procurar o doutor. Talvez me entenda melhor com ele.
Jaime saiu da sala, em direção ao laboratório. Antes de
atravessar o quintal, segurou, de leve, o braço do criado.
— Há quanto tempo conheces o advogado Jeová Carlington?
— Ó! Há muitos anos, senhor. Vem diariamente a esta casa. É
muito íntimo.
— Sim? Te lembras a que horas veio buscar doutor Judd?, no
dia em que Vickery Melbourne foi assassinado.
— Perfeitamente, senhor. Eram, mais ou menos, 7h.
— Doutor Judd voltou à casa pra ir ao laboratório nesse dia?
— Não senhor. Depois das 5h, quando fazia experiência com o
senhor Vickery, não voltou mais ao laboratório.
— Obrigado, rapaz. — Disse Jaime, se aproximando da porta do
laboratório.
Doutor Judd, de pé, diante duma pequena mesa, examinava um
líquido qualquer no fundo dum tubo. Quando notou a presença do
inspetor deixou o tubo sobre a mesa e, descalçando as luvas de
borracha, ajeitou os óculos, indo até ele.
— Inspetor! A que devo a honra de tua visita? Graças-a-deus fui
julgado inocente. Obrigado por não ter me acusado.
— Nada tens a agradecer, doutor. Não te acusei porque acreditei,

102
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

desde logo, em tua inocência.


— Quero entregar o verdadeiro culpado à justiça, doutor. Mas,
pra isso, preciso de teu auxílio.
— Sim, inspetor. Estou a teu inteiro dispor.
Os olhos de Jaime corriam em todos os cantos do laboratório,
procurando o que vira na noite do crime. E encontraram,
finalmente. Era uma gaiola velha que conservava a portinhola
aberta, tal como a vira naquela noite.
O doutor, que não deixara de acompanhar o olhar do inspetor,
exclamou:
— É um mistério, inspetor, aquela gaiola.
— Por quê?, doutor.
— Era ali que estava o rouxinol manso de Vick. Não
compreendo como possa ter fugido.
— Talvez não seja tão misterioso assim. O que Vickery vinha
fazer todas as noites neste laboratório?
— Cuidar do rouxinol, inspetor. É estranho, repito, que ele tenha
fugido. Além de ser manso não podia voar porque uma das asas
estava partida.
— Sim? Tudo isto é muito interessante pra mim. — Disse Jaime,
cumprimentando o doutor pra sair.
Depois de deixar a residência de doutor Judd Mac Carthy
inspetor Jaime Patrício foi à mais próxima drogaria, pedindo o
telefone.
Inspetor Tom Malloney respondeu do outro lado do fio.
— Sim, Jaime. Compreendo. Examinarei tudo e podes ficar
descansado, pois arranjarei um objeto qualquer.
— Muito bem, Tom. Porém não te esqueças de que é necessário
ter iniciais, ou então o nome próprio.
— Está certo, Jaime. Até logo mais, na Scotland Yard.

Capítulo IV
Inspetor Jaime Patrício e capitão Edu conversavam na sala dele,
no edifício da Scotland Yard.
— Mas, Jaime. Tens certeza de que o conseguirás prender?
— Não sei, Edu. Tenho certeza de que é o assassino mas duvido
muito que o possamos levar ao patíbulo. Em todo caso, sempre há
outros métodos, como...
A porta da sala foi aberta, nesse momento, e Tom entrou,
contente.

103
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Consegui, Jaime. — Disse Tom, entregando uma chateleine,9


onde, no reverso, estavam gravadas duas letras.
— Tiveste dificuldade em a obter?
— Não muita, Jaime. Porém tenho certeza de que ninguém
notou minha presença.
Dez minutos mais tarde, inspetor Jaime e Tom, em companhia
de capitão Edu, saltavam dum carro, diante dum prédio situado no
Crescente do Parque. Fizeram soar a campainha da casa sem
cerimônia, até que um criado, todo de preto, foi abrir.
— Com quem desejais falar?
— Quero ver Jeová Carlington. — Disse Jaime.
— Fazei o favor de entrar. A quem devo anunciar?
— Não é necessário, rapaz — Disse Jaime. — Somos velhos
amigos. Apenas nos digas onde o encontraremos.
O criado os conduziu, assustado, até o escritório da residência.
Jeová Carlington, sentado atrás duma grande mesa, volveu a
cabeça à porta e se ergueu prontamente ao avistar o rosto de Jaime.
— O que desejas?
— Fazer umas perguntas sobre a morte de Vickery Melbourne.
— Nada tenho a dizer. Doutor Judd foi absolvido e o caso está
encerrado.
— Não. Pensas que está mas sempre gostei de entregar os
verdadeiros culpados à justiça. Além disso não desejo saber sobre o
doutor e sim sobre ti
— A meu respeito?
— Exatamente. Quero que me digas o que fizeste na noite em
que Vickery Melbourne foi assassinado.
— Pareces doido inspetor. Mas, enfim... Naquela noite fui
buscar Judd, pra jantarmos, com dois amigos, no clube Colonial,
onde nos conservamos até as 10h da noite.
— Sim, não duvido disso. — Disse Jaime. Mas o que fizeste
antes de entrares na casa do doutor? Não terias ido, antes, ao
laboratório?
— Francamente, inspetor. Não sei aonde queres chegar. Mas
isso é um absurdo! — Exclamou o advogado.
— Jeová Carlington, és um grande mentiroso! — Disse Jaime.
Os olhos do advogado cintilavam de ódio.
— Como? Ousas me chamar de mentiroso?
— E repito, porque naquela noite mataste Vickery Melbourne.

9
Chateleine - sf Pequena corrente, geralmente ornamentada, que se prende ao
relógio de bolso. Nota do digitalizador. Extraído de dicionário KintHost.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Jeová Carlington soltou uma enorme gargalhada mas seu rosto


exprimia, perfeitamente, o medo que tinha.
— Antes de entrar na residência foste ao laboratório, levando
uma pequena caixa de madeira, que encontramos.
— Sim? Não me faças rir, inspetor. O que eu levava nessa
caixa?
— Um pássaro! Abriste a gaiola onde estava o rouxinol manso
de Vickery e o trocaste pelo que levavas. Depois foste te encontrar
com doutor Judd. Sabias que Vickery iria ao laboratório, cuidar do
pássaro, pois conhecias seus hábitos e assim lhe preparaste a morte.
— Pra quê?, inspetor, eu o mataria?
— Por causa de Judite Melbourne, Jeová. A amavas e creio que
ela correspondia. Eis porque mataste Vickery Melbourne.
— Inspetor! — Exclamou o advogado. Estás te excedendo.
Posso te processar por...
— Calúnia? — Perguntou Jaime, atirando sobre a mesa uma
carta escrita por Judite Melbourne ao advogado.
— Onde conseguiste isso? — Indagou o advogado, com os olhos
injetados e encolerizado.
— Não é de tua conta. Pra indivíduos de tua espécie costumo
empregar meus métodos especiais. Te prendo como assassino de
Vickery Melbourne.
— Inspetor, não ignoras — disse o advogado, simulando calma
— que o doutor foi envenenado logo...
— Sim? Não te incomodes porque explicarei. Vejas se acerto o
que colocaste naquela gaiola em lugar do rouxinol: Foi um pássaro
muito semelhante, que existe na Nova Guiné. É o único pássaro
venenoso, que os indígenas chamam pássaro-da-morte.10

10
Pituí (Pitohui) – Peculiar gênero de aves canoras da sub-família
Pachycephalinae, encontrado nas florestas tropicais da Nova Guiné. Pássaro
incomum, pois é o único, em todo o mundo, que possui um tipo de toxina, presente
na pele e nas penas, chamado de batracotoxina, os mesmos compostos presentes nas
rãs dendrobatas. Foi descoberto recentemente e pouco se sabe sobre sua vida, sendo
diurno, se alimentando de besouro da família Melirydae, onde consegue, dalguma
forma, absorver o veneno e o depositar no próprio corpo. Os nativos das ilhas onde a
ave habita não a comem, pois sabem que o veneno provoca sensação de dormência e
paralisia bucal. Se pode saber a toxicidade conhecendo a coloração da espécie. O
Pituí-marrom é pouco venenoso, ao contrário do Pituí-de-penacho, com penas
vermelhas e pretas, que é o mais venenoso. Espécies: Pitohui kirhocephalus, Pitohui
dichrous, Pitohui incertus, Pitohui ferrugineus, Pitohui cristatus, Pitohui nigrescens
Nota do digitalizador. Extraído de http://pt.wikipedia.org/wiki/Pitohui

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— É mentira! Proves! — Vociferou o advogado. Eu estava no


clube...
— Sim. Era um ótimo álibi mas aqui está a prova. — Disse
Jaime, atirando sobre a mesa a chateleine, onde estavam gravadas
as iniciais J. C. — Foi encontrada dentro do laboratório. Creio que
te pertence. Não? Agora também posso explicar as palavras que
Vickery traçou na terra. Não terminou o nome que principiara a
escrever mas sabia que eras o assassino. Provavelmente conhecia
tuas relações com sua esposa.
— É falso! — Gritou o advogado, ao mesmo tempo que sua mão
descia, sem ser percebida, ao interior duma gaveta da mesa e
subindo empunhando uma pequena automática.
Os três detetives se conservaram como estavam, sem poder fazer
gesto, tal foi a rapidez do lance inesperado.
— Quem te disse que matei Vickery Melbourne?, inspetor.
— Tu mesmo!, Jeová.
— Eu?
— Sim. No dia do julgamento, enquanto defendias doutor Judd,
te esqueceste de que eras o criminoso e te comprometeste, quando
falaste acerca da bicada dum pássaro. Ninguém prestou atenção a
esta alusão porque você estavas arrebatador, exceto eu, porque
aquilo era uma coisa que somente eu e o capitão Edu sabíamos,
além de quem matou Vickery Melbourne. Eis porque...
A mão que empunhava a pistola subiu até a altura do ouvido
direito. Antes que alguém pudesse impedir o advogado apertou o
gatilho.
Jeová Carlington, suicidara.
Duas horas mais tarde, na Scotland Yard, capitão Edu olhava,
ainda intrigado, a Jaime.
— Onde, diabo, achaste aquela chateleine e conseguiste a carta?
— Perguntes a Tom, Edu. Foi quem as encontrou... no quarto de
Jeová Carlington.
— Esses teus métodos ainda nos trarão complicação!, Jaime.
— Não faz mal, Edu. Mas hás de concordar que era a única
maneira que tínhamos pra o fazer confessar.
— Infelizmente não o prendemos. — Disse Edu.
— Mas tudo deu no mesmo. De mais a mais, Jeová Carlington
procedeu bem, se matando. Não quis que seu pescoço fosse parar
no lugar do qual salvara muitos.
Inspetor Jaime enfiou o chapéu na cabeça e ia saindo quando

106
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

capitão Edu o chamou.


— Aonde irás?
— Conversar com doutor Judd. É um bom sujeito...

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

O segredo da bíblia
Capítulo I
a pequenina cidade de Warrington, situada no condado de
Alencastro, era imensamente conhecido o excêntrico
colecionador de livro raro, Godofredo Smith. O diziam
ianque. Na verdade era mas, apesar disso, se considerava inglês.
Residia numa casa de sua propriedade na imediação da rua Três,
de um só andar, e tinha como único companheiro um velho criado
que lhe fazia todo o serviço.
Eram cerca de 9h quando o criado, entrando na biblioteca,
anunciou a visita de Jorge Parker.
— Jove! Estás ficando velho, meu caro, disse Godofredo Smith,
se dirigindo ao criado. Por que não o mandaste entrar?
O visitante entrou e a porta foi fechada. Era um homem alto,
bem trajado e, a julgar pela quantidade de cabelo prateado, devia
ter 50 anos.
O escritório onde foi recebido era bem amplo e todo circundado
por altas estantes envidraçadas. Uma larga mesa repleta de papéis e
livros ficava, mais ou menos, no centro da sala. Ao lado um velho
grupo de couro e em frente um desses relógios enormes,
antiqüíssimos, que marcam as luas e o tempo.
Jorge Parker era, também, maníaco em colecionar livro raro e
com uma vantagem sobre Godofredo Smith: Era muito rico e os
podia adquirir mais facilmente que ele, o que fazia nascer certa
animosidade entre ambos. Apesar disso eram amigos e sempre que

108
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Jorge Parker tencionava fazer uma compra valiosa ouvia, antes, a


palavra de Godofredo Smith.
A maneira como Jorge Parker se instalou na cadeira do
escritório do amigo e seu modo de falar denotavam que qualquer
coisa de anormal se passava.
— Godofredo, quero te pedir um favor. Se me acontecer algo,
mandes chamar o detetive Tom Malloney, de Scotland Yard. É meu
amigo e tenho a certeza que virá.
— Que idéias são essas?, Jorge. Nunca te vi assim!
— Pressinto que qualquer coisa me sucederá!, Godofredo...
O criado entrou com uma bandeja, trazendo uma garrafa de
uísque e dois copos. A colocou sobre a mesa e ia se retirando no
momento em que Jorge se levantava para se servir, mas no mesmo
instante ouviu-se um estalido seco e o corpo dele caiu sobre a
mesa.
Patrão e criado, se olharam, espantados.
— Chames um médico! Depressa!, Jove.
— Godofredo, penso que teve algo. Ó! Está morto... Vejas! —
Apontou a um filete de sangue que escorria por trás da cabeça.
— Creio que é melhor chamar a polícia, patrão.
— Sim, Jove, chames. Pobre Jorge!
Sargento Higgins, do posto policial de Warrington, chegou meia
hora depois, acompanhado pelo médico. Era um homem baixo,
gordo e conhecido entre seus colegas pela alcunha de Cabeçudo.
Tivera participação em todos os crimes cometidos naquela
pacata cidade e se ufanava de ter prendido todos os criminosos
mas, na verdade, só sabia dizer É evidente. Creio, mesmo, que
nunca pensou em coisa alguma, exceto em comer e dormir. Essa é a
razão porque há dez anos pleiteava nomeação, sem sucesso.
Entrou no escritório gesticulando e mal viu o cadáver, se dirigiu
a Godofredo Smith:
— Estás preso. O mataste. Não é? Ã! ... Bem... é evidente.
— Senhor Higgins, não matei. Este homem, que está morto, era
meu amigo Jorge Parker. Veio àqui pra falar comigo quando foi
assassinado. Não sei como nem por quem. Isso compete a ti. Meu
criado poderá confirmar minhas palavras, pois estava presente
quando ele caiu morto.
— Ê!, doutor. Alguma coisa?
— Nada de mais, sargento. Arma pequena, calibre 22.
Sargento Higgins providenciou a remoção do corpo e, depois de
examinar toda a sala, disse:

109
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Aquela janela estava aberta?, senhor Godofredo.


— Sim, sargento.
Depois de responder a pergunta do sargento, Godofredo Smith
contou a conversa que tivera com Jorge Parker.
— Muito bem, senhor. Mas creio que te levarei ao posto. Sinto
muito mas tenho de cumprir meu dever.

Capítulo II
Capitão Edu Brown, da Scotland Yard, estava em sua mesa de
trabalho, quando o detetive Malloney entrou.
— Tom, aqui está uma carta pra ti.
O rosto do detetive foi se transformando à medida que os olhos
corriam no papel.
— Algo mau?, Tom.
— Sim, chefe. Leias.
— Podes embarcar, Tom. Terás sete dias de licença.
Sentado no assento do trem que o conduziria a Alencastro, Tom
se lastimava não ter encontrado seu companheiro Jaime Patrício pra
se despedir. Era a primeira vez que trabalharia sozinho. Abriu a
carta mais uma vez e leu:
Senhor detetive Tom Malloney.
Quando receberes esta tomes o trem a Alencastro e te
dirijas ao posto policial da cidade de Warrington. Teu amigo
Jorge Parker foi assassinado. Me encontrarei contigo no
posto policial.
Godofredo Smith
— Quem seria esse sujeito? — Pensou Tom.
Quando entrou no posto policial de Warrington, foi atendido por
um policial.
— Procuro um homem chamado Godofredo Smith.
O policial o introduziu numa sala onde estava sentado sargento
Higgins. Tom Malloney apresentou sua credencial e pediu ao
sargento que o levasse à presença do comandante do posto.
— Perfeitamente, senhor. — Respondeu, afavelmente, sargento
Higgins, a quem aquele inesperado conhecimento com um
verdadeiro detetive de Londres dava imensa satisfação.
Tom entregou a capitão Hoggart, chefe do posto, uma carta de
capitão Edu Brown.
— Teremos muito prazer em ter tua colaboração neste caso. —
Disse Hoggart, após ler a carta. — Sargento Higgins trabalhará

110
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

contigo.
— Muito obrigado. Se me permites, desejo falar com um homem
chamado Godofredo Smith, que deve estar aqui, me esperando.
Sargento Higgins o conduziu ao homem que procurava e a quem
Tom se fez apresentar.
— Foi muita gentileza de tua parte ter vindo, senhor. — Disse
Godofredo. Eu e Jorge éramos amigos e nada mais faço além de
atender a seu último desejo.
— Último desejo? — Perguntou Tom.
Godofredo Smith relatou tudo o que se passara na noite em que
Jorge fora assassinado.
— Ele previa, então, o que lhe aconteceu! — Exclamou Tom.
— Sargento, sabes algo da vida de Jorge nesta cidade?
— Muito pouco. Sei que tem um filho que não tem muito boa
fama na redondeza. Prendi este colecionador de livro raro. —
Apontando a Godofredo Smith — Ele o criado eram os únicos
presentes quando cheguei.
— Sim. — Disse Tom — Mas acho que o criado não está aqui.
Creio, sargento, pelo que ouvi, que este homem não é culpado. Se
Jorge morreu com um tiro atrás da cabeça e este homem estava
justamente diante dele, como poderia ter disparado o tiro?
— Sim. É evidente. — Respondeu sargento Higgins.
— Não há motivo, pois, pra este homem estar preso.

Capítulo III
O detetive Tom Malloney estava sentado a uma mesa dum
pequeno hotel de Warrington. Há três dias que estava naquela
cidade e nada conseguira sobre a morte de Jorge Parker. Naquele
instante seu pensamento estava em Jaime Patrício, e no que
estariam pensando dele os rapazes do posto policial da cidade.
— Ó! Se Jaime estivesse aqui!... Era o único homem que me
poderia ajudar...
O que intrigava a Tom, era o fato da janela do escritório onde
Jorge Parker fora assassinado estar aberta. O tiro, sem dúvida,
partira dali, mas qualquer pessoa teria deixado marca de sapato na
terra e, demais a mais, chovera em Warrington no dia anterior. Mas
nenhuma pegada fora encontrada no terreno. A única pessoa que
teria interesse em liquidar o velho Parker era seu filho Carr, pois
herdaria toda a fortuna. Mas como poderia se aproximar da janela,
desfechar um tiro no pai e fugir sem deixar marca no solo? Estava
meditando sobre isso quando a voz de sargento Higgins o despertou

111
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

de seu pensamento.
— Venho da casa de Carr Parker e consegui saber umas coisas
que deixam o rapaz em má posição. Um empregado me disse que o
patrão tivera uma discussão com o filho na noite em que foi
assassinado. Ouviu Carr ameaçar o pai por ele estar empregando
toda a fortuna na compra de livro raro.
Sargento Higgins, enquanto falava, não cessava de passar o
lenço no rosto. Suava em bica e parecia agitado.
— Creio que é evidente, inspetor Tom.
Tom deu um soco na mesa.
— Há três dias que só sabes dizer É evidente a tudo e até agora,
sargento, ainda não pude ver algo que fosse evidente.
— Ó!, inspetor. Minha dedução é a seguinte: Carr sabia que o
pai veria Godofredo Smith. Saiu atrás dele e até lá se dirigiu,
também. Da janela que estava aberta matou o pai, pois tudo que o
velho tinha ele sabia que lhe pertenceria. Portanto, pra que o velho
não continuasse a gastar na compra de livro, resolveu o liquidar.
— Bela teoria!, sargento... Creio, então, que só nos resta prender
o rapaz. Agora escutes. Como é que o rapaz não deixou pegada no
terreno? Penses, sargento, antes... de falar.
— É, isso é verdade. Com-os-diabos! Já prendi o rapaz.
— Vamos ao posto, sargento. Quero ver esse rapaz.

Capítulo IV
Carr Parker era um jovem de estatura mediana, cabelo castanho
e extremamente pálido.
Respondeu, embora muito nervoso, a todas as perguntas que o
detetive Tom Malloney fez, e acrescentou:
— É verdade que discuti com meu pai por ele estar gastando
muito dinheiro com livro raro mas tens de acreditar em mim,
inspetor. Não... matei... meu... pai...
Sargento Higgins apreciava, num canto, o interrogatório, quando
um policial se dirigiu a ele.
— Sargento, aí está um homem que te procura. É um tal Miguel
Curtis. É a terceira vez que vem àqui te procurar.
— Com mil bombas! O Diabo que o carregue! A ninguém
atenderei! Não vês que estou ocupado?
— O quê? — Perguntou Tom, que ouvira as últimas palavras do
policial. Miguel Curtis aqui, em Warrington, e no posto policial? O
mandes entrar. Disse o recém-vindo:
— Olá, Tom. Não sabia que estavas aqui!

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Sim, estou investigando um crime.


— Jorge Parker?
— Sim.
— Pois olhes: Estamos aqui pelo mesmo homem. Vim receber,
do herdeiro, o resto da quantia que me deve pela compra duma
bíblia antiqüíssima que vendi e o jovem não quer pagar. Trouxe a
duplicata do recibo da quantia que recebi em sinal. O filho não quer
pagar e quero reaver o livro.
— Te devolverei o livro. — Disse Carr Parker, que ouvira a
narração de Miguel em silêncio. Meu pai está morto e o livro de
nada me serve pra que eu te dê três mil libras por ele.
— Sargento Higgins! Mandes um policial acompanhar senhor
Carr até a residência dele e providencies que meu amigo consiga
reaver o livro.
— Obrigado, Tom, e até a vista. — Disse Miguel Curtis, se
despedindo.
A porta acabara de ser fechada quando vieram entregar a Tom
uma carta. Abriu o envelope e leu:
Os amigos costumam se despedir quando embarcam mas
estou vingado porque estás em apuro. Mesmo assim ainda
te desejo felicidade. — JAIME.
P. S. — Tolo. Quando está provado que é impossível um
tiro ter sido disparado de fora é claro que...
Quando Tom acabou de ler a carta deu uma enorme risada.
— Mas é verdade! Que tolo sou! Como é que Jaime pôde estar a
par de tudo! É um assombro. Mesmo de longe ainda me ajuda.
Tom ia saindo do posto quando o telefone tocou e o chamaram.
— Alô, Tom. É Miguel. Estou falando da casa de Carr Parker.
Ainda não encontramos a bíblia.
— É esquisito, Miguel, mas continuai procurando.
Já era noite quando Tom Malloney deixou, finalmente, o posto
policial de Warrington. Atravessou a rua, esbarrando num homem
de chapéu preto, desabado sobre os olhos, tendo a gola do casaco
levantada.
O indivíduo se afastou rapidamente.
— Esse homem não me é estranho! Onde é que eu já vi aquele
queixo?
Tom continuou seu caminho, sem ligar mais importância ao
encontro. Uma coisa mais séria prendia seu pensamento naquele
instante.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Capítulo V
Meia hora depois entrava na residência de Godofredo Smith.
— Ó!, inspetor. Faças o favor de te sentares. A que devo a honra
de tua visita?
— Te lembras, mais ou menos, a posição em que caiu Jorge
Parker?
— Perfeitamente. Jove, meu empregado, acabava de trazer uma
bebida e a colocou sobre minha mesa. Eu estava sentado como
agora, nesta mesma posição, e Jorge se levantou pra se servir,
quando ouvimos um pequeno estalido.
Tom se levantou, se encostando à mesa, e olhou dela à janela.
— Sim. É isso mesmo! — Murmurou consigo mesmo — Não
podia ter sido dado da janela. Obrigado, Jaime.
Se tivesse sido ditas em voz alta o obrigado final teria intrigado
a Godofredo Smith.
— És colecionador de livro raro?, senhor Godofredo.
— Sim. É uma mania que tenho.
Tom começou a examinar as estantes apinhadas de livro.
— A mim parecem todos iguais mas, com certeza, devem valer
uma fortuna.
— Ó, meu-deus! — Disse, rindo, Godofredo Smith — Nem
todos. Não sou tão rico assim pra poder comprar tantos livros raros.
Os olhos de Tom se detiveram sobre um pequenino livro
encadernado a couro que estava entre dois grossos volumes.
— Isso me faz lembrar de meus tempo de escola. — Disse,
retirando o livro que olhara e que era uma pequena bíblia.
Ao o retirar da estante sua intenção era bem outra da que
Godofredo pensara.
A contemplou alguns minutos e viu gravadas na última página as
palavras Miguel Curtis & Cia, Antiguidades, Londres.
— Isso terá valor? — Perguntou, simulando indiferença.
— Não, inspetor. É uma relíquia de família. Godofredo Smith
pediu licença a Tom e se retirou um instante.
O tiro partira dali e agora Tom estava certo disso.
Encontrara ali a bíblia que Miguel Curtis vendera a Jorge
Parker. Porque Godofredo dissera que era uma relíquia de família?
O grande relógio bateu horas e Tom se virou pra ver.
Seus olhos foram do relógio à mesa e vice-versa.
Soltou um pequeno assobio e abriu a porta do relógio. Olhou o
interior e não levou muito tempo pra encontrar, no lugar onde é
marcado o tempo, uma coisa preta que lhe chamou a atenção. Antes

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

de a retirar já vira ser uma pequena automática. Tentava a retirar,


quando ouviu uma voz atrás de si:
— Fiques onde está, inspetor, e conserve as mãos levantadas.
Obedeceu, pois sua situação era de inferioridade e nem trouxera
sua automática. Seus olhos faiscavam de raiva quando encarou a
fisionomia risonha e fria de Godofredo Smith.
— Muito fácil, hem..., inspetor. Um processo engenhoso, não
resta dúvida. Um pequeno fio de prata colocado sobre o gatilho da
pistola com única bala e ligado ao martelo que bate as horas é o
bastante prà detonar. O resto foi muito simples: Bastou atrair Jorge
e o colocar na posição adequada no momento em que visse que o
relógio bateria horas.
Jove era meu álibi. Eu precisava que uma pessoa estivesse presente
para poder me inocentar. E nem suspeitou que me fora de grande
auxílio trazendo a bebida.
Mas em teu caso não preciso testemunha, pois mandei levar um
recado a ti. Desconfiei que já descobriste, inspetor.
— Por que mataste Jorge?
— Era meu concorrente. Tinha muito dinheiro e podia comprar
todos os livros. E esta bíblia sempre foi minha paixão...
A história desta bíblia, inspetor, é muito singular. Dizem que
todos seus proprietários morreram tragicamente.
— E ela te levará à forca, Godofredo!
— Não me faças rir, inspetor. Amanhã ninguém mais se
lembrará do inspetor Tom Malloney. Já reservei a ti um belo lugar
pra moradia. E te dês por feliz, pois terá madressilva encima.
Tom Malloney sabia que aquele homem estava perdido e tudo
faria pra se salvar. Suas pernas tremeram ligeiramente ante tal
pensamento.
A porta do escritório se entreabriu e uma voz gritou:
— Não te movas!, Godofredo.
Ele pulou ao lado e atirou em direção à porta, no mesmo instante
em que o outro também atirava. A bala de Godofredo Smith
encontrara a porta e a do outro o fizera tombar inerte com um
grande buraco no centro da testa.
O homem entrou na sala e Tom exclamou:
— Jaime! Tu!.. .
— Sim, Tom. cheguei a Warrington um dia depois de ti. Me
inteirei de tudo mas não quis aparecer, pois desejava te ver
trabalhando sozinho e garanto que não apareceria se este sujeito
não tentasse... Fizeste um bom trabalho, Tom.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Mas, Jaime, como foi que viste que Godofredo era o


criminoso?
— Ora, Tom. É muito conhecido nas prisões ianques. Cumpriu
sentença em muitas por crime de furto. Há uns dez anos chegou à
Inglaterra e a polícia ianque nos comunicou mas nunca
conseguimos encontrar o homem. Quando recebeste aquela carta e
Edu Brown me disse quem a havia mandado e me contou quem era
realmente Godofredo Smith, resolvi embarcar também.
Sargento Higgins chegou pouco depois e olhou o corpo de
Godofredo.
— Santo Deus! O mataram!
— Eis teu homem, sargento. — Disse Tom.
Higgins olhou a Jaime.
— O mataste!, hem! Pois teremos muito a conversar.
— Sim, matei. Sou o detetive Jaime Patrício, da Scotland Yard.
— Jaime Patrício, o grande detetive?!
— Em pessoa, sargento, mas, sem o grande. Este homem é o
assassino de Jorge Parker.
Os dois detetives estavam sentados no trem que os levaria de
volta a Londres e sargento Higgins se despedia deles.
Quando a pesada locomotiva principiou a se mover, lentamente,
sargento Higgins disse:
— Creio que agora terei minha nomeação!
Jaime Patrício e Tom Malloney responderam ao mesmo tempo:
— É evidente, sargento...

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

A quadrilha do Capuz Negro


Capítulo I
o número 15 da rua Wapping, no bairro miserável de
Shadwell, onze pessoas estavam reunidas numa sala
pobremente iluminada. A casa pertencia a um carreirão de
residências antigas de dois pavimentos, todas do mesmo tipo e
pintadas em tijolo escuro.
Os homens ali reunidos tinham o rosto coberto por um capuz
negro, através do qual apareciam só os olhos, que não se poderia
dizer se denotavam medo, ansiedade, avareza, argúcia ou
crueldade.
A verdade é que, os que estavam reunidos, pertenciam à
quadrilha do capuz negro. Roubavam e matavam a sangue frio.
Eram os autores dos assaltos mais habilmente preparados e várias
eram as companhias e bancos que roubaram.
O que planejavam era difícil escutar e somente se conseguia
ouvir uns sons guturais que partiam da boca dum homem, que a
julgar pelo lugar que ocupava à mesa, deveria ser o chefe.
Nenhum deles pressentia, no entretanto, o que se passava do
lado de fora da casa. Os agentes da Scotland Yard a estavam
cercando.
Eram vinte policiais reforçados, sob a chefia do capitão Edu
Brown e de Jaime Patrício, o ás dos detetives.
A chuva miúda impacientava os policiais, que já queriam entrar
em ação.
Jaime Patrício cercaria a casa pelo fundo enquanto capitão Edu
forçaria a entrada e Tom Malloney protegeria a saída.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Cada um dos três tinha meia dúzia de homens resolutos e bons


atiradores. Disse Jaime:
— Capitão Edu, entrarei pelo fundo. Quando eu apitar forces a
entrada. Temos toda a quadrilha nas mãos e não poderemos deixar
escapar.
Quando o silvo do apito soou, quebrando o silêncio que reinava,
as luzes da casa se apagaram e rompeu a fuzilaria.
Jaime Patrício entrou quase no mesmo instante em que a porta
da frente voava em pedaço e os homens de capitão Edu se
precipitavam ao interior do aposento, com as armas vomitando
fogo.
— Acendas as luzes!, chefe. — Berrou Jaime — Estão
escapando.
Em poucos minutos as luzes foram acesas. Dos homens que ali
estavam somente um ficou, e esse mesmo estava morto.
Jaime levantou o capuz e não se importou mais com o homem.
— Um pistoleiro barato, — disse Edu — conhecido pelo nome
de Boneco. Creio que desta vez escaparam.
Foi interrompido por um gemido que partia de trás duma mesa
virada.
— Morgan! — Disse Edu — Te feriram?
— Foi... o chefe... Jaime... o conheces... é...
O nome que Morgan ia pronunciar não chegou a escapulir dos
lábios e a cabeça pendeu inerte a diante.
— O mataram, chefe. — Disse Jaime, entre dentes.

Capítulo II
Capitão Edu Brown estava triste e aborrecido, sentado em seu
gabinete de trabalho, na Scotland Yard.
Dera ordem a seus subalternos pra que não o incomodassem
naquela tarde. Queria estar só, devido à morte dum de seus mais
prestimosos agentes, inspetor Morgan.
Essa ordem não se estendia, naturalmente, à pessoa de Jaime
Patrício, que, desde longos anos, era o braço direito de seu chefe.
A porta se abriu, dando passagem ao ás dos detetives, inspetor
Jaime Patrício.
Capitão Edu ergueu os olhos a ele e murmurou um alô, Jaime,
distraído.
Tanto um como outro bem sabiam que a coisa não poderia estar
pior. Fracassaram no cerco no qual poderiam ter apanhado toda a
quadrilha. As palavras que Edu Brown pronunciara não tiveram,

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

pois, outro intuito além de romper o silêncio.


— Chefe, escaparam por minha causa. Eu deveria ter previsto
que a casa se comunicava com a outra, pois são de meia-parede. E
também me sinto responsável pela morte de Morgan.
— Não, Jaime. Não deves falar assim, pois a culpa não foi tua
nem minha. O destino foi quem assim quis. Tens idéia de quem
sejam os homens dessa quadrilha?
— Penso que todos os membros são pistoleiros baratos do tipo
de Boneco, exceto um, o chefe, que deve ser pessoa importante.
Mas garanto que o pegarei. Agora mais que nunca, me temerão.
Mataram um de meus melhores amigos e os perseguirei até ver
todos balançando na forca. As palavras que Morgan proferiu antes
de expirar ainda me estão queimando os ouvidos!
Edu Brown tamborilava os dedos sobre a mesa e entregou a
Jaime os jornais da tarde que falavam do cerco malogrado e da
morte do inspetor, com o fim de ver se o acalmava, pois o capitão
enquanto ele falava, notou que seus lábios tremiam de cólera e seu
rosto se contraia à medida que sua voz se tornava mais forte.
Jaime deu uma olhada nas páginas do jornal e o atiraria sobre a
mesa quando um pequeno anúncio em negrito lhe chamou a
atenção:
Quereis pertencer a uma associação que vos dará bom
lucro? Respondei nesta folha à D. Não precisareis de capital,
basta vossa cooperação.
— Ei, chefe! Leias isto. É o anúncio que tem relação com o
bando que procuramos. Dessa vez iremos agir com mais cautela.
Tenho um plano que talvez dê resultado.
— Escutes, Jaime. Não irás te certificar disso. Não estou
disposto a perder outro homem e, demais a mais, és meu melhor
agente e eu não te deixarei arriscar a vida inutilmente.
— Não, Edu. Morgan, ao morrer, disse que eu conhecia o chefe
da quadrilha. Não tenho idéia de quem seja e como é provável que
me conheça, não me quero arriscar. Poderíamos fazer um de nossos
agentes enviar a resposta, mas como é provável que o homem que
dirige essa quadrilha esteja a par de nossos movimentos isso seria
levarmos o homem aos braços da morte sem proveito pra nós.
Esperaremos que alguém responda e, então, só teremos que
aguardar de perto o acontecimento.
— Estás com a razão, Jaime. Temos que ter muita cautela nesse
caso.
— Vou andando porque ainda tenho muito a fazer.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

A porta se fechou atrás do detetive Jaime Patrício e o capitão


Edu Brown se inclinou a diante, atendendo ao telefone que acabava
de tilintar.

Capítulo III
A última edição do Times saíra meia hora antes de Jaime pedir
ligação ao gabinete de seu chefe.
— Alô, Edu. Aqui é Jaime. Leias a última página do Times. Está
muito interessante.
— Olhes, Jaime. Sei o que estás querendo dizer, pois também
estava te procurando prà mesma coisa. Creio que já poderás agir.
Se bem que seja desnecessário, advirto que deves ter muita cautela.
Estamos trabalhando no escuro.
Jaime Patrício desligou o telefone e, tomando o jornal entre as
mãos, abriu pra ler novamente o que tanto o interessava:
Senhor D. Acho que tua associação me interessa.
Aguardo tuas ordens. – Jolly Dorth.
Jaime ia murmurar consigo mesmo qualquer coisa, quando a
porta de seu apartamento foi aberta e Tom Malloney entrou,
satisfeito.
— Tom, irei à chefatura. Quero que procurares saber onde mora
uma pessoa chamada Jolly Dorth.
— Hum! É bonita?, Jaime.
— Talvez seja. Ainda não tive o prazer de conhecer.
Ao contrário do que sempre fazia, Jaime, nesse caso, não
guardava segredo a seu auxiliar. Assim lhe explicou, em breves
palavras, tudo que precisava fazer e explicou todo seu plano.
Perto da praça Piccadilly os dois detetives se separaram.
Jaime encontrou seu chefe às voltas com os jornalistas, quando
entrou em seu departamento, na Scotland Yard.
— Jaime, — disse o capitão Edu ao o ver — chegaste a tempo.
Roubaram o banco Westminster. Foram eles.
— O quê?!, Edu. A que horas foi isso?
— Cerca de uma hora. O guarda deu o alarme e foi ferido mas
um dos assaltantes foi morto por ele. Estavam com os capuzes
negros cobrindo o rosto.
— Edu, não quero perder tempo. Vamos ao necrotério, pois
preciso ver o corpo do sujeito.
Na mesa da morgue o homem que estava deitado apresentava
um orifício feito por bala um pouco acima da vista direita. A seu
lado estava um capuz preto.

120
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Jaime revistou os bolsos do morto e não encontrou mais que a


quantia de 1 xelim e um pequeno papel dobrado. O guardou no
bolso, saindo.
— Chefe, vejamos o guarda. Quero lhe fazer umas perguntas.
— Não creio que esteja em condição de falar mas tentaremos.
No hospital foram levados ao quarto do policial.
— O que foi isso?, João. — Perguntou Jaime.
— Ó!, inspetor. Me pegaram. Eram cinco e mal tive tempo de
dar o alarme mas penso que acertei um deles. Não os pude ver.
Estavam com as faces cobertas.
— Pegaste um deles, sim, João. Fizeste uma boa pontaria.
O guarda mostrava sinais de fadiga e os dois agentes se
retiraram em silêncio.
— Parece que não está muito ferido. Capitão, sabes quanto
conseguiram levar?
— Um dos diretores me falou em dez mil libras.
— Creio que, apesar de tudo, ainda continuaremos onde
estamos. Não temos pista.

Capítulo IV
Eram oito horas da noite, quando Edu Brown entrou em seu
gabinete, seguido de Jaime. Tom Malloney já os esperava.
— Tudo bem, Jaime. Encontrei a residência da tal dama. Mora
em Glaucéster.
Jaime se despediu do chefe e desceu a escadaria do edifício,
acompanhado por Tom.
Um automóvel fechado estava parado a uns 20m quando os dois
detetives ganharam o passeio.
O chofer pôs o carro em movimento e, com um rápido golpe de
direção, o guiou de encontro a eles.
Jaime pressentiu a manobra do homem e previu o que iria
acontecer. Empurrou Tom ao lado no instante em que o carro,
subindo o passeio, batia contra a parede.
Correu atrás do homem, que deixara o carro e fugia
desabaladamente.
— Estavas com pressa, hem!, amigo. — Disse Jaime, o
segurando pela gola do casaco. Agora me dirás, direitinho, quem te
pagou pra isso.
— Não sei de coisa alguma, seu...
Jaime deu um soco que o atingiu em cheio no rosto.
— Não costumo ter contemplação com indivíduo de tua espécie

121
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

e não gosto quando me insultam. Agora darás uma voltinha comigo


até lá em cima. Quero saber de muita coisa.
— Falarei, Falarei, inspetor, mas me matarão...
Jaime e Tom só tiveram tempo de se atirar ao chão, no momento
em que ouviram os primeiros estampidos partirem dum carro que
passava naquele instante.
O chofer que Jaime prendera estava debruçado sobre os
primeiros degraus da escadaria da Scotland Yard quase cortado ao
meio. Exclamou Tom:
— Metralhadora!
— Provavelmente o pagaram para que me liquidasse e seguiram
seus passos pra ver se cumpria o que lhe fora confiado. Quando o
peguei temeram que o sujeito os denunciasse e resolveram o
liquidar.
— Vi Tigre no carro, Jaime.
— Bem, Tom, vamos até lá em cima. Preciso ver Edu.
Jaime relatou a seu chefe o sucedido e pediu que mandasse
providenciar a remoção do corpo.
— Creio, — disse Edu — que aquelas balas eram pra ti também.
Tenhas cuidado.
— Não me matarão, chefe, enquanto eu não liquidar conta com
o homem que matou Morgan.
— Estão munidos de metralhadora. — Disse Tom, apartando.
— Sim, chefe. É verdade. É preciso que estejamos aparelhados
pra lhes fazer frente.
— É melhor que descanses, Jaime. — Disse Edu — Falarei com
os chefões e conseguirei as armas que necessitamos.
Jaime e Tom se dirigiram até casa.
Tom guiava o carro da polícia com todo o cuidado em virtude da
rua estar molhada. O rádio do carro ditou uma ordem.
Chamamos todos os carros, todos os agentes e policiais.
Se procura um homem de 1,60m de altura, cabelo ruivo,
olhos verdes, com uma grande cicatriz na face. É Merrill,
saído de Singue-Singue há pouco tempo. É conhecido pela
alcunha de Tigre. A ordem é atirar pra matar.
Jaime desligou o rádio.
— Parece que Edu não está dormindo mas acho difícil que o
encontrem. Provavelmente ouviram essa mensagem e Merrill será,
agora, para eles, um inutilizado. Ficará na reserva e em lugar
seguro. Não se arriscarão a o deixar a nosso alcance.

122
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Capítulo V
O dia seguinte surgiu encontrando a velha Londres coberta por
uma densa cerração.
Os dois detetives estavam sentados num trem com destino a
Glaucéster. Disse Jaime:
— Creio que deveríamos ter avisado Edu, pois, além de nós
dois, ninguém sabe dessa nossa viagem. E mesmo, talvez, precise
de nós.
O trem corria e Tom olhava a vegetação que se estendia ante
seus olhos:
— Creio que o nevoeiro não levantará tão cedo.
Jaime Patrício acabara de ler um papel dobrado em quatro que
retirara do bolso.
— Com mil diabos! — Exclamou, se dirigindo a Tom — Se
entendo o que significam estas palavras: Horse Campbell. 20 de
maio de 1908. Ponhas o A A, o B B, o L L e empurres, A 3.
(Os segundos A, B e L estão escritos de pernas ao ar).
Tom, que se inclinara sobre o papel que Jaime tinha entre as
mãos, soltou um grunhido.
— Caramba!, Jaime. Onde achaste esse negócio? Parece um
hieroglifo.
— O que é não sei mas tenho certeza de que este papel contém a
chave duma coisa que muito nos interessa.
Logo que desembarcaram, Jaime Patrício foi ao posto policial de
Glaucéster. Foi dizendo ao chefe do posto, ao mesmo tempo que
mostrava a credencial.
— Sou inspetor Patrício, da Scotland Yard. Desejo que me
informes onde fica a residência duma moça chamada Jolly Dorth.
— Pois não, inspetor. Esta senhorita é muito conhecida em
nosso condado. É órfã e vive com uma velha ama numa fazenda
que o pai lhe deixou, situada no vale do Avão. O caminho deve
estar péssimo, devido à chuva que caiu ultimamente. Poderei
arranjar um guarda pra te servir de guia.
— Muito obrigado, capitão, pela gentileza, mas creio não haver
necessidade disso. Trouxe comigo meu auxiliar.
Jaime se retirava num carro que o chefe do posto lhe pusera à
disposição, quando ouviu a voz dele:
— Sigas por Brístol, inspetor. A fazenda fica naqueles lados.
A fazenda ficava na região dos vales que compreendem as terras
baixas situadas ao longo do Severno e do Avão, e que desembocam
em Brístol.

123
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Se bem que com alguma dificuldade, os dois detetives chegaram


à casa de Jolly Dorth.
Era uma casa das que se encontram comumente nas fazendas
típicas do lugar.
Toda caiada de branco, com janelas verdes, deixava ver aos
visitantes que se aproximavam uma larga e comprida chaminé.
Jaime Patrício bateu, esperando que se apresentasse um rosto
jovem.
Uma senhora gorda, trajando humilde vestido de chita foi quem
os convidou a entrar.
— Senhorita Jolly Dorth?
— Não, senhor. Sou Mabel Carlington. Jolly saiu mas não deve
demorar. Fazei o favor de entrar.
— Sou inspetor Jaime Patrício, da Scotland Yard e este é meu
auxiliar, Tom Malloney.
Os dois detetives se instalaram confortavelmente em cômodas
poltronas e a mulher gorda, se retirando ao interior, os deixou em
situação embaraçosa.
Bateram à porta e Mabel foi, apressadamente, abrir, dizendo.
— Querida Jolly, temos visita.
A moça que entrou na sala não aparentava ter mais de vinte e
três anos.
Era extremamente linda, com cabelo maravilhosamente dourado.
A pele mostrava que a dona estava acostumada à vida do campo e
seus olhos, brilhantes, refletiam tenacidade e força de vontade.
Quando olhou os dois homens sentados diante de si teve um
pequeno movimento de sobressalto, o que não passou despercebido
aos dois inspetores.
— Em que vos posso ser útil?, senhores.
— Sou inspetor Jaime Patrício, senhorita. Não sei bem como
principiar. Minha missão é delicada. Já ouviste falar dos assaltos
em Londres?
— Sim, senhor, inspetor. Tenho lido nos jornais.
— Muito bem, senhorita. Esses assaltos foram cometidos por
uma quadrilha conhecida pelo nome de Capuz Negro. Verdadeira
associação e todos os membros são recrutados através de anúncio.
Jolly tremeu ligeiramente ante as palavras do detetive. Jaime
prosseguiu:
— Não posso dizer a missão que confiam a essas pessoas,
porque, sendo franco, não sei. Essa quadrilha é dirigida por um
homem importante, cuja identidade é desconhecida, e penso,

124
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

mesmo, que nenhum de seus membros conhece o chefe sem o


capuz. Além de roubo praticaram vários crimes. Vi que tinhas
respondido a um desses anúncios.
Enquanto Jaime falava, a moça não cessava de o contemplar.
— Agradeço por tudo que disseste. Se é verdade, me prestaste
um grande favor. Só respondi a esse anúncio porque julguei ser
uma associação em que de fato eu pudesse ganhar algo, pois desde
que papai morreu tenho lutado com muita dificuldade. Hoje me
enviaram um agente que me daria todas as informações. Creio que
tuas palavras são verdadeiras, inspetor, porque o trabalho que me
confiou era o de vigiar um homem que, pelos sinais fornecidos, és
tu.
— O quê?! — Exclamou Tom, que até então estivera calado. —
Sabem que estamos aqui, Jaime e isso significa que andam
vigiando nossos passos. Senhorita, te lembras dos traços desse
homem?
— Sim. Era um homem de estatura normal, com uma grande
cicatriz na face, ao qual eu deveria levar todas as informações a
uma casa na floresta Dean. Me deu 50 libras.
— Ei!, Jaime. Ouviste? Cicatriz!
— Esse homem, senhorita, — disse Jaime — é procurado pela
polícia de Londres por crime de morte. Seu verdadeiro nome é
Merrill, porém, todos o conhecem pelo nome de Tigre.
— O inspetor me procura? — Disse uma voz vinda da porta.
Jaime e Tom não puderam fazer movimento e se limitaram a
erguer as mãos ante o cano ameaçador das automáticas que dois
homens lhes apontavam.
— Creio que chegamos a tempo. Não?, inspetor Jaime. —
Betinho, os amarres bem. — Disse, se dirigindo ao companheiro.
Os dois detetives foram amarrados e jogados a cima dum sofá.
Os olhos de Jaime não se cansaram de olhar a porta do fundo.
— Eu devia vos liquidar. — Rosnou Tigre — E a ti também,
belezinha. — Disse, segurando Jolly por um braço. Mas te levarei a
um lugar bonito. Teus amiguinhos ficarão aqui mesmo.
Jolly foi arrastada a fora e foi ouvido o barulho dum motor em
movimento.
Ficaram pouco tempo naquela posição porque o que Jaime temia
que acontecesse enquanto Tigre ali estava sucedeu depois da
partida dele.
Mabel Carlington entrou na porta do fundo e ao os ver naquela
situação soltou uma exclamação abafada e tratou de os desamarrar.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Jolly! Onde está Jolly?


— Te tranqüilizes. — Disse Jaime — Não corre perigo.
Jaime fazia o carro correr a grande velocidade, apesar da
péssima condição da estrada. Estava impaciente e seus olhos
brilhavam de ódio. Perguntou Tom:
— Aonde vamos?
— Te lembras da casa que a moça disse? Tigre nunca foi muito
esperto e sempre pensou pouco. Estou com palpite que os
pegaremos.
A silhueta duma casa se desenhou ao longe e Jaime,
estacionando o carro numa moita, foi, cautelosamente, a ela.
Retirou a automática do bolso e Tom o imitou nesse movimento.
— Se reagirem atires.
Duma janela olharam o interior. O que viram fez crescer a raiva
e o sangue gelou nas veias.
Jolly estava amarrada e amordaçada no meio da sala, sentada
numa cadeira. Tigre estava diante dela, sem paletó, empunhando
uma chibata.
Os dois detetives viram o chicote se levantar e cair em cheio
sobre o corpo da moça.
A porta não resistiu ao golpe dos dois agentes da Scotland Yard.
Jaime atirou de lado visando Betinho, que caiu em cheio no
chão, com as mãos no peito. Ia apontar a Tigre mas ele já estava
desarmado e sendo chicoteado por Tom.
— Miserável! — Berrava Tom enquanto o açoitava.
Tigre se atirou ao chão e qualquer coisa brilhou nas mãos mas
não chegou a usar porque uma bala certeira da automática de Jaime
o atingiu na cabeça.
Jolly, depois de desamarrada, agradeceu aos dois detetives e
sorriu debilmente pa Tom.
Jaime revistou os bolsos dos dois bandidos e em cada um deles
encontrou um papel idêntico ao que já possuía.
Deixaram Jolly Dorth em sua casa e voltaram ao posto policial
de Glaucéster.
Jaime relatou ao chefe do posto o sucedido e mandou
providenciar a remoção dos corpos. Se despedindo, pediu que
vigiasse a casa da floresta, não permitindo que alguém nela se
instalasse até comunicação de Londres.
— Certo, Tom. Agora regressaremos. Nossa vinda não foi toda
inútil.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Capítulo VI
A primeira coisa que Jaime Patrício fez ao chegar a Londres foi
tomar uma pequena refeição. Em seguida foi à Scotland Yard.
Capitão Edu Brown estava mal-humorado naquela manhã.
— Jaime! Onde diabo estiveste? Há dois dias que te procuro e
ninguém sabia onde estavas.
— Não precisas ficar aborrecido, chefe. Estive dando um
passeio em Glaucéster.
— Glaucéster! Não queres que eu fique aborrecido e quando
penso que estiveste na pista dalguma coisa me dizes, com a cara
mais cínica, que andaste passeando. Sou muito amigo, é verdade,
mas isso não quer dizer que não te possa advertir. Ainda sou teu
chefe.
Jaime soltou uma risada ante as últimas palavras do capitão Edu
e o tranqüilizou, contando, rapidamente, todo o sucedido, inclusive
a morte de Tigre.
— Bom trabalho, Jaime. Mas devias ter me avisado antes de ir.
Jaime se despediria do chefe, quando foi convidado a se sentar.
— Jaime, aconteceram dois casos em tua ausência. Fomos
certificados, por telefonema anônimo, de que a quadrilha está
explorando o negócio de entorpecente. Localizamos a chamada,
que partiu duma drogaria na travessia Charing, mas até agora nada
conseguimos. O segundo caso é de menor importância. Um antigo
sentenciado foi assassinado e seu corpo atirado na escadaria deste
edifício. O homem trazia um cartaz nas costas, preso por uma faca
enterrada até ao cabo, que dizia: Assim fazemos aos delatores.
Não sabemos quem o matou.
— Está claro, chefe, que era o homem do telefonema. As duas
coisas se completam.
— É verdade! Ando tão preocupado que nem pensei nisso.
— O homem disse algo que nos pudesse auxiliar?
— Sim. Disse que os entorpecentes eram lançados pra entrar em
circulação por meio duma pequena embarcação com o nome de
More. Demos uma busca em todo o Tâmisa e nem sombra do
barco.
— Chefe, eu gostaria de ir dar uma volta até as docas. Queres ir
também?
— Certamente.
O dia não estava muito favorável a uma busca nas docas.
Um intenso nevoeiro se estendia em todo o Tâmisa, reduzindo
muito a visão.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Edu, Jaime, Tom e Sullivan seguiram, em silêncio, nas docas.


Jaime se aproximou dum velho canoeiro, ao qual salvara a vida
uma vez e lhe bateu nas costas.
— Olá!, inspetor. O senhor aqui?
— Então, José. Como vão os filhos? Sabes se há alguma
embarcação aí, chegada nestes dois últimos dias, com o nome de
More?
— Não vi alguma com esse nome, inspetor. Posso garantir que
de anteontem a cá só entraram duas pequenas embarcações: A
Virgem dos mares e uma que não conheço, cujo nome é Mobeston.
— Escutes, José. Podes nos levar até lá? Quero dar uma olhadela
nesse barco.
A pequena canoa oscilava de encontro ao casco da pequena
embarcação.
Em letras brancas se lia o nome de Mobeston. Jaime, depois de
olhar as letras do nome alguns instantes, disse a Edu:
— Ê!, chefe. Esse é o barco que procuramos. É o More. Vejas o
R do nome. Não se precisa muita argúcia pra ver que o trabalho de
fazer do R um B foi apressado e as letras finais foram
acrescentadas ao nome More. Se pode ver como a tinta está mais
clara no fim da palavra.
Os quatro detetives subiram, um atrás do outro, na escada de
bordo e foram recebidos por três homens da tripulação, armados.
— Sou capitão Edu Brown, da Scotland Yard. Quero ver o
capitão deste barco.
Quando Edu falou, os três homens abaixaram as armas e Jaime
aproveitou o momento pra os desarmar.
Não levaram muito tempo procurando o que tinham a certeza, se
a informação era verdadeira, de encontrar ali.
Na cabine do capitão acharam várias caixas contendo grande
quantidade de entorpecente que, bem vendido, representaria uma
soma considerável.
Tom desceu à terra pra providenciar a vinda da guarda do
Tâmisa.
Não puderam levar os tripulantes porque não era da alçada de
Scotland Yard e o capitão Edu foi o primeiro a reconhecer isso.
Depois de tudo legalizado, voltaram à chefatura. Disse Edu:
— Creio que pusemos termo a esse negócio.
Era a terceira vez que Scotland Yard se defrontava com a
terrível quadrilha e, como das outras vezes, fora derrotada.
No cerco malogrado, perderam Morgan. O assalto ao banco foi

128
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

visto e conseguiram escapulir, levando o dinheiro, e agora haviam


devastado o negócio de entorpecente, é verdade, mas o capitão do
navio continuaria ignorado e o homem que Jaime Patrício desejava
deitar as mãos continuava sendo incógnita. Se todos esses fatos
aborreciam os agentes de Scotland Yard, mais ainda inquietavam
certa pessoa.

Capítulo VII
No bairro de Shadwell, em ampla sala duma casa, toda escura,
quase quarenta pessoas ouviam, sentadas em cadeiras nada
confortáveis, a voz rouca e trêmula dum homem.
Nenhum deles conhecia a identidade do homem que falava e que
era seu chefe nem poderiam dizer se aquela voz que ouviam era
natural ou simulada.
— Meus amigos, dois traidores já pagaram com a vida o
prejuízo que nos causaram. A polícia descobriu e varejou nosso
esconderijo de entorpecente mas o delator já pagou com a vida o
preço da traição. É preciso que todos vós tenhais cautela em vossos
movimentos. A polícia nos aperta cada vez mais em suas malhas.
Nenhum de vós me conheceis e se a polícia nos apanhar o prejuízo
será somente vosso, porque vos digo que escaparei.
Há um inspetor, na Scotland Yard, que está de posse da chave de
nosso esconderijo. Esse homem precisa morrer porque enquanto
estiver vivo nossa vida correrá perigo. Nosso esconderijo, na
floresta Dean, não mais pôde ser utilizado e nosso barco também
está impraticável.
Doravante todas nossas reuniões serão feitas em nosso esconderijo
principal. Agora prestai atenção: Darei ordens.
Agente número 11, aprisiones a moça de Glaucéster. A faças vir a
esta casa como se fosse a mando do inspetor Jaime Patrício.
Agentes 15 e 2, vede se conseguis os papéis que detetive Jaime
tirou do bolso de nossos agentes mortos mas evitai violência e
tende todo cuidado.
Amanhã assaltaremos o banco União de Capital e o produto será
repartido como sempre. Esse assalto não pode falhar e vos lembrai
de que não estarei convosco.
A voz cessou. Pouco a pouco a casa se foi esvaziando e a
quadrilha se dispersou.
Eram 8h da noite quando o detetive Jaime Patrício entrou no
gabinete do chefe.
— Alô, Edu. Leste os jornais?

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Sim. Creio que nada há que nos interesse.


— Não achas que o depósito que a Companhia de Melhoramento
das Docas fará amanhã, no banco União, é algo interessante?
— Sim, Jaime. Depositarão uma bela quantia. Mas não vejo algo
de mais nisso.
— Pois não penso assim. É uma quantia capaz de tentar muitas
pessoas e conheço várias que talvez tentem lhe deitar as mãos.
Capitão Edu Brown, que estivera sentado, indolentemente, deu
um salto da cadeira e, tomando o telefone se comunicou com um
dos diretores da Companhia de Melhoramento das Docas.
Depois duns dois minutos de conversa desligou e, se voltando a
Jaime, disse:
— Birman está de acordo com tudo que quisermos fazer, Jaime.
E juro, pelo que me disse, a coisa seria facílima...
Na rua Lombardo, às 3h da tarde, tudo parecia normal. O intenso
movimento daquela rua, onde ficam a maioria dos bancos de
Londres, era característico.
No meio de todo aquele vai-e-vem humano e do lufa-lufa dos
automóveis, três carros cheios de policiais à paisana, vindos da
cidade, estacionaram a umas dez jardas do edifício do banco União.
Os homens de Scotland Yard se espalharam num círculo de 60m
do edifício e cada um dos três carros foi colocado em cada esquina,
das ruas de escoamento da rua Lombardo.
Capitão Edu Brown e detetive Tom Malloney estavam postados
à porta do banco União.
— Capitão Edu, — disse Tom — vejas aquele carro.
Os olhos do capitão acompanharam um carro negro com as
cortinas decidas, que se aproximava da porta do edifício, indo parar
um pouco adiante.
No meio de todo aquele bulício e do buzinar dos carros,
ninguém prestava atenção a essas coisas.
Um rapaz alto com um pequeno bigode atravessou a rua em
direção ao banco, levando, na mão direita, uma pequena maleta,
escoltado por dois policiais.
Acabara de ganhar o passeio, quando quatro homens com rostos
coberto por capuz negro correram em direção a ele, ao mesmo
tempo que o carro preto se punha em movimento.
Soou um apito enquanto uma metralhadora pipocava de dentro
do carro, abrindo um leque de chumbo e derrubando os dois
policiais que escoltavam o rapaz, enquanto ele se arrojava ao chão
o mais rápido possível.

130
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

A fuzilaria pouco durou. Os rapazes da polícia fecharam o cerco


e retiveram o carro. De seus seis tripulantes o único que conseguira
escapar com vida estava bem algemado.
Capitão Edu Brown correu em direção a Jaime Patrício, que
acabara de se levantar do chão e estava limpando a poeira da calça.
— Belo trabalho, Jaime. — Disse Edu. Desta vez nós os
logramos.
— Sim, chefe. — Disse Jaime, retirando o pequenino bigode de
disfarce que o estava incomodando. — O dinheiro já foi depositado
há muito tempo. Aquela maleta só continha papéis velhos mas acho
que estamos brincando de cabra-cega com essa quadrilha.
— Prendemos um, Jaime. Talvez fale algo.
De todo o interrogatório a que submeteram o preso nada
conseguiram saber. Dissera a verdade quando afirmara não
conhecer o chefe. Jaime disse:
— Creio que esse camarada está falando a verdade. O chefe da
quadrilha deve ser esperto o bastante pra não querer que seus
trabalhadores conheçam sua identidade.
Jaime se dirigiu ao homem que suava por todos os poros e
parecia muito agitado. Retirou do bolso um papel dobrado, lhe
mostrando:
— Conheces isto?, rapaz. Se sabes algo a respeito, desembuches
logo. Deves ser um sujeito cordato e não hás de querer que
empreguemos violência, pois sei que me dirás o que significam
estes arabescos.
— Falarei, inspetor, falarei. É a chave do esconderijo mas juro
que não sei onde fica. Todos os membros da quadrilha, menos eu,
têm um papel desse. Eu era somente o chofer. A única coisa que eu
fazia era dirigir o carro.
— Muito bem, rapaz. Acho que estás dizendo a verdade e quero
que me dês uma informação em troca de tua liberdade: Onde se
reuniu a quadrilha na última vez?
— Direi, senhor, mas não me soltes. Não me soltes porque me
matarão. Me deixes ficar aqui. Se reuniram no número 17 de
Shadwell.
Jaime mandou que levassem o homem a uma cela e o tratassem
bem, e se despediu de capitão Edu Brown.
— Tenho que fazer, chefe. agora me têm juntinho a si. Vamos
Tom.
Os dois saíram em direção a Shadwell. Diante do número 17
pararam e Jaime Patrício bateu à porta.

131
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Quem está aí? — Perguntou uma voz.


— Abras em nome da lei. É o detetive Jaime Patrício, da
Scotland Yard.
Mal acabara de pronunciar essas palavras, Jaime ouviu um
estampido e qualquer coisa passou zunindo junto à orelha direita.
— Te protejas, Tom. Estão atirando. Farei a fechadura voar em
estilhaço e entres disparando.
A porta se abriu, violentamente empurrada, e Tom precipitou se
ao interior da casa, descarregando a automática a esmo.
Deram uma busca em toda a casa e nada conseguiram encontrar.
— Creio que há ninguém, Jaime.
Ouviram o barulho dum motor funcionando, vindo do fundo da
casa e os dois detetives ainda tiveram tempo de ver um carro em
movimento, que se afastava rapidamente.
— Tom, acho que o melhor é irmos descansar. Por hoje é tudo e
estou fatigado. Mas amanhã...

Capítulo VIII
O dia seguinte surgiu encontrando a cidade liberta do manto de
neblina.
Jaime e Tom foram, a pé, até a proximidade de Piccadilly.
— Tom, verei Edu Brown mas tenho um serviço pra ti. Te
lembras do papel que me disseste parecer um hieroglifo? Pois bem,
nesse papel se encontra a chave do esconderijo da quadrilha. Quero
que indagues onde reside um homem cujo nome é Horse Campbell.
Te espero, às 3h, no Rouge.
Jaime foi, a passos largos, à chefatura, sem mesmo se preocupar
com o homem que o seguia.
A ninguém estava disposto a fazer frente naquela manhã e
mesmo porque tinha várias coisas a tratar e delas dependia o êxito
da Scotland Yard.
Dobrou a primeira esquina, entrando numa casa de bugiganga, e
dentro em pouco perdia de vista o homem que o seguia.
Disse, Jaime, se sentando:
— Edu, creio que estamos bem perto do fim. Se há mais tempo
eu tivesse dado atenção a uma coisa que eu julgava sem valor tudo
já estaria terminado. Mandei Tom fazer umas averiguações. Se me
trouxer a resposta que espero tudo sairá bem.
Meia hora mais tarde Tom entrou suando e dando mostras de
cansaço, no gabinete do capitão Edu Brown.
— Ei!, Jaime. Caramba! Aqui ninguém conhece esse nome e nas

132
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

listas não há Campbell cujo primeiro nome seja Horse.


— Chefe, — falou Jaime, ficando de pé — dentro dalgumas
horas verás algo fantástico. É de arrepiar e, além disso, contra
todas as regras do sentimento humano. Tom, vás ao Times e
procures Zezinho. Digas que te mandei pedir pra procurar, no
arquivo, onde foi enterrado Horse Campbell.
Quando Tom Malloney chegou, com a resposta, à chefatura, Edu
Brown o recebeu agitado. Jaime Patrício saíra. Tom disse, quando
Jaime entrou:
— Jaime, consegui saber onde está enterrado Horse Campbell.
No cemitério de Norwood.
Poucas horas depois os três detetives: Edu, Brown, Jaime
Patrício e Tom Malloney, estavam no cemitério. Disse Edu:
— Jaime, francamente, não estou entendendo. O que viemos
fazer aqui.?
Jaime retirou do bolso um pequeno papel dobrado e disse a Edu:
— Este papel contém a chave do esconderijo. E o esconderijo
fica dentro deste cemitério, no túmulo de Horse Campbell.
— Jaime! Será possível que alguém fosse capaz de semelhante
sacrilégio?
Jaime passou o papel às mãos de seu chefe.
— Estas letras indicam a maneira de abrir. Este A no fim,
seguido do 3, significa onde está o túmulo. Quer dizer aléia
terceira.
Os três agentes pararam diante da sepultura indicada. Jaime
passou os dedos sobre as letras grandes do nome CAMPBELL.
Segurou o A entre os dedos, o colocando com um pequeno
movimento, de cabeça a baixo. Depois fez a mesma manobra com
as letras B e L, tal como indicava o papel, e empurrou a porta, que,
cedendo, deixou ver os primeiros degraus duma escada estreita.
Depois de olhar uns segundos o interior, repôs tudo como estava
antes e se retirou. Disse, finalmente, Edu, a quem a surpresa
abalara:
— Jaime, isto é fantástico!
Tom estava, mudo de espanto, e foi a custo que pronunciou:
— Um túmulo de família!
— Sim, Tom. — Disse Jaime — Acertaste. É um túmulo de
família.
— Capitão, — continuou Jaime, depois de responder a Tom —
eu poderia ir agora mesmo prender o chefe da quadrilha mas
prefiro os pegar a todos juntos. Se falhar meu plano, te entregarei,

133
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

então, o homem.

Capítulo IX
A noite escura facilitava, de certo modo, a ação da polícia.
Edu Brown, Jaime e Tom estavam agachados entre duas
sepulturas, donde avistavam perfeitamente a porta do túmulo de
Horse Campbell.
Vários policiais estavam espalhados na proximidade e todos, da
mesma forma, escondidos como seus chefes.
A maior parte estava aparelhada de metralhadora manual mas
tinham ordem de atirar somente em último recurso.
O relógio da torre de entrada do cemitério começou a dar as
badaladas das 10h, quando o primeiro homem, tendo um capuz
negro esconder a feição, parou um instante à porta da cova e,
depois de abrir, entrou.
Pouco a pouco outros foram chegando e Jaime contou catorze
homens.
— Jaime, — disse Edu, baixinho — creio que é melhor
atacarmos agora.
— Não, chefe. Deixemos que comecem a sair. Será melhor
assim.
Os policiais começaram a sair e a tomar posição.
Quando os bandidos começaram a deixar a cova receberam a
voz de se render. Jaime berrou:
— Vos rendei! Estais todos cercados!
Um tiro partiu e um dos policiais levou as mãos ao ventre e,
dando uma volta sobre si mesmo, caiu, em cheio, ao chão.
O tiroteio principiou, com baixa de parte a parte.
As metralhadoras dos homens da polícia vomitavam fogo e
chumbo num matracar ininterrupto, levantando, do meio dos
bandidos, gritos de dor e barulho de bala contra pedra.
Um dos homens da quadrilha se esgueirou nas sepulturas e se
dirigiu à porta de saída do cemitério sem ser percebido pela polícia.
Quando o tiroteio cessou capitão Edu Brown verificou que, dos
catorze homens que entraram na sepultura só treze ali estavam.
— Jaime! Creio que um deles fugiu.
— Sim, Edu. Sei quem é. Morgan tinha razão ao dizer que eu o
conhecia.
Eram 11h da noite quando Jaime Patrício se dirigiu ao bulevar
Belgrave.
Dissera a Tom que se não estivesse de volta à chefatura até 1h

134
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

da madrugada, que o fosse procurar no número 121 do bulevar


Belgrave.
Tocou a campainha da casa, um grande palacete. Um velho
criado, alquebrado ao peso dos anos, abriu a porta.
Senhor Davi Campbell está?
— Sim, senhor, faças o favor de entrar. A quem devo anunciar?
— Digas que aqui está um homem que o deseja ver.
Pouco menos de três minutos decorreram e o criado voltou,
dessa vez, acompanhado dum homem alto, de corpo bem feito,
cabelo grisalho, boca rasgada e olhos duros como pedra.
O nariz, reto, se assemelhava ao das aves de rapina e espessas
sobrancelhas lhe davam a aparência de animal selvagem.
— Se não me engano estou falando com o detetive Jaime
Patrício, da Scotland Yard.
— Em pessoa. E se também não me engano, estou falando com
Davi Campbell.
Faças o favor de me acompanhar até a sala. Poderemos
conversar melhor.
— Campbell, qual era teu verdadeiro parentesco com Horse
Campbell?
Os olhos do homem brilharam, ante a pergunta do detetive.
Éramos irmãos. — Morreu num acidente, há uns três anos, se é
tudo que desejas de mim.
— És o último membro de tua família. Não é?
Davi Campbell se levantou bruscamente ante a nova pergunta do
detetive.
— Inspetor, não sei aonde queres chegar com tuas perguntas,
como também não sei qual é tua missão aqui. Como sabes que sou
o último membro de minha família?
Jaime Patrício olhou um relógio de bronze dourado sobre a
lareira da sala onde estavam e os ponteiros marcavam 12:50h.
— É muito simples. Sei que és o último membro pelo seguinte:
Quando, numa sepultura, encontramos gravados na pedra seis
nomes e diante de cinco deles uma data, é sinal de que já morreram
e a data corresponde ao dia em que foram enterrados. Se eram seis
nomes e só não havia data diante de um nome, quer dizer que esse
ainda está vivo. E quando se vê que é um jazigo de família, esse é
último dela. Não é?
Jaime falava calmamente mas seus olhos estavam fixos nos
olhos de Davi Campbell, razão pela qual não viu o movimento que
a mão dele fazia.

135
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Levantes as mãos, senhor sabichão! — Disse Campbell,


apontando a Jaime uma pistola de grosso calibre, com um
silenciador adaptado ao cano.
— Bem... Creio que não te foi preciso dizer qual era minha
missão aqui. Já a conhecias.
Os olhos de Jaime Patrício se cravaram, uma vez mais, nos
ponteiros do relógio, que marcavam 12:55h.
Foi com calma que se dirigiu ao homem que o tinha em suas
mãos.
— Este relógio está certo?, Campbell.
— Que truque é esse?, sabichão. Estás com pressa de morrer?
Ouvirás, antes disso, uma coisa. Quando eu, acabar de te matar, cão
imundo, te levarei a um legar onde ninguém procurará o corpo de
Jaime Patrício. Te colocarei na sepultura de minha família.
Ninguém se lembrará de tornar a ir até lá. Pegardes meus melhores
agentes mas a mim não pegareis. Só há um homem que sabe que
sou o chefe da quadrilha e esse homem não tem mais de 5min de
vida.
Jaime sabia que Campbell falava a verdade. Não Edu nem Tom
sabiam quem era, na realidade, Davi Campbell. Mas ainda tinha
esperança que Tom chegasse a qualquer momento e ele não era tolo
de aceitar qualquer desculpa que lhe quisessem dar.
A face de Campbell estava vermelha de ódio.
— Campbell, tens dois minutos de vida.
Uma gargalhada recebeu as palavras que Jaime proferira.
— Querendo bancar valentão! Hem! Agora quem manda aqui
sou eu. Se um de nós tem de morrer, este serás tu.
— Não, Campbell. Dentro de poucos minutos estarão aqui nada
menos de seis agentes da Scotland, com capitão Edu. Antes de
entrar nesta casa os avisei de que me procurassem aqui se eu não
estivesse de volta até 1h, e, como vês, meu amigo, falta somente
um minuto pra essa hora. Não terás tempo de fugir, Campbell. Pode
me matar mas irá, também, à forca.
Pouco mais de dois passos separavam Jaime de Campbell.
Jaime concentrou toda sua forças pra dar o golpe. Um velho
truque lhe passou n cérebro e, sem perda de tempo, o pôs em
execução.
— Cuidado Tom!
Davi Campbell se virou no momento exato em que Jaime
pulava, lhe acertando um soco bem em baixo do queixo, o fazendo
perder o equilíbrio. Enquanto caía a pistola era atirada a longe.

136
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Campbell se levantou, aturdido. Se atirou a cima de Jaime,


dizendo:
— Canalha!
Jaime era forte mas o homem que tinha na frente também e
estava fora de si. Era um homem que sabia que só sairia dali à forca
e tudo faria para se salvar.
— Matou Morgan e isso te custará caro. Em primeira vez
deixarei de cumprir meu dever. Minha obrigação era te prender,
Davi, mas roubarei à forca o prazer de te quebrar o pescoço.
20min depois, quando capitão Edu Brown e Tom Malloney
entraram na casa, encontraram Jaime com a roupa rasgada, tendo
manchas sanguíneas no rosto e do canto da boca escorria um filete
de sangue.
Um homem jazia de bruços, a alguns passos. Quando Edu virou
o homem pra ver a cara, não pôde conter um grito de admiração.
— Santo-deus!, Jaime. O que foi isso?
— Esse homem é Davi Campbell, chefe da quadrilha do capuz
negro. O matei, Edu.
— Por que fizeste isso?, Jaime.
— Quis me matar, chefe. Não gosto de ser ameaçado.
— Mas como pudeste transformar o rosto dessa maneira? Nem
pude distinguir a fisionomia.
— A soco, chefe. Eu disse que encontraria esse homem. Morgan
está vingado e estou satisfeito.
— Sim. Vamos andando. Creio que precisaremos ir a um médico
cuidar dessas pisaduras em teu rosto.

Capítulo X
Eram 9h da manhã quando Jaime Patrício e Tom Malloney
entraram no gabinete do chefe, capitão Edu Brown, a chamado.
— Jaime, meus superiores resolveram te dar dois meses de férias
e me chamaram pra saber minha opinião. Minha resposta já sabes
qual é.
Jaime agradeceu a Edu e saiu acompanhado de seu auxiliar.
— Onde passarás esses dois meses? — Perguntou Tom.
— Ainda não sei. Creio que ficarei aqui mesmo.
— Não, Jaime. Não ficarás aqui. Há uma casa perto da floresta
Dean, que é muito aprazível. Além do mais, sua dona nos receberá
com prazer.
— Quem? Jolly Dorth?
Tom o olhou, piscando um olho, e os dois detetives

137
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

atravessaram a travessia Charing sorrindo...

138
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Contrário à evidência
Capítulo I
polícia fora chamada prum caso de assassínio no número 3
da rua São Jaime.
Capitão Edu Brown e detetive Tom Malloney entraram na
residência de Vick Midlestone pela porta da frente, que estava
aberta. Estava mal-humorado por não saber, desde o dia anterior,
do paradeiro de Jaime Patrício.
A casa era de construção antiga, de sólidas paredes e grande
demais pros moradores. Sir Vick Midlestone, uma velha criada e
um jardineiro compunham todo o pessoal da casa.
Edu Brown entrou num amplo escritório, confortavelmente
mobiliado e circundado por altas estantes que iam do chão ao teto.
Alem dessas estantes, a sala continha mais uma larga secretária
preta, um grupo de couro marrom e uma pequena escada, que
servia, naturalmente, pra retirar os livro das prateleiras mais altas.
Estava tudo muito limpo, indicando que o proprietário era amigo da
ordem e do asseio.
O corpo do homem jazia de bruços sobre o tapete da sala, numa
poça de sangue, com um ferimento produzido por arma de fogo de
calibre pequeno, na altura do pulmão direito.
Um rapaz magro, ruivo e extremamente pálido estava sentado
numa cadeira e, pelo olhar, parecia alheio a tudo que se
desenrolava naquele ambiente.
— Ei!, rapaz. — Disse capitão Edu, depois de ter examinado o
cadáver e posto sobre a mesa um pequeno revólver niquelado, com

139
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

duas letras gravadas no cabo.


O jovem como despertado por essas palavras ficou de pé, fitando
o rosto do capitão, que perguntou:
— Creio que deves ter algo a dizer. Não? Ao menos quem és e o
que vieste fazer aqui.
— Meu nome é Owen Midlestone, inspetor, e esse homem morto
é meu pai.
Os olhos do capitão se cravaram na face tristonha do rapaz.
— Mataste teu pai?
— Não, inspetor. Não fui eu.
— Como é que explicas a presença desta arma junto ao corpo de
teu pai, contendo tuas iniciais no cabo?
— Não sei, capitão. Há mais de seis anos que não vejo essa arma
e ignoro como tenha aparecido. Há quase o mesmo tempo que não
via meu pai. Cheguei nesta manhã a Londres, de volta de minha
viagem de estudo. Quando cheguei ninguém me veio abrir a porta,
o que estranhei, pois meu pai sabia de minha chegada e a
empregada raramente costumava sair, em meu tempo,
principalmente estando meu pai em casa. Verifiquei que a porta
estava aberta e entrei, gritando a meu pai. Fui a esta sala e o
encontrando morto, telefonei à polícia.
— Tom, telefones providenciando o médico e vejas se já
encontraram Jaime. Preciso de si e, enquanto não o encontrarmos,
assumas a direção deste caso.

Capítulo II
Tom Malloney estava no gabinete do chefe quando a porta foi
aberta e o detetive Jaime Patrício entrou.
— Jaime! Onde estiveste nestes dois dias? Te procurei em toda
parte. Vick Midlestone foi assassinado.
— Vicky Midlestone! O professor? — Perguntou Jaime, se
sentando.
— Sim. Tudo faz crer que o filho seja o assassino, ao menos o
rapaz está em boa complicação e será difícil se safar dela.
— Santo-deus!, Edu. Não gosto de ouvir falar que um filho
matou o pai. Será que o rapaz está assim tão complicado na
história?
— Sim. Tom está cuidando do caso.
— Não, chefe. Eu estava. Desde que Jaime chegou o caso é seu.
— Bem, senhores, se me dais licença — disse Jaime — irei agir
porque não gosto de estar parado. Venhas, Tom, e vás dizendo, no

140
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

caminho, tudo que sabes e tudo o que fizeste.


Jaime entrou no carro e mandou que Tom o conduzisse ao local
do crime.
Enquanto o carro seguia em direção à rua São Jaime, Tom ia
dizendo:
— Recebemos o chamado, às 18h e, quando até lá chegamos,
encontramos o rapaz sentado numa das cadeiras do escritório.
Achamos, junto ao corpo, uma arma que tem as iniciais do rapaz no
cabo. Negou que tivesse matado o pai. Disse que chegara a Londres
naquela manhã, se dirigindo à casa do pai e que, batendo à porta e
não obtendo resposta, resolveu entrar, achando o pai morto. São
estas, em poucas palavras, sua declaração.
O carro chegara à casa do professor Midlestone. Uma velha
criada abriu a porta e mandou os dois detetives entrarem. Tom
apresentou Jaime ao filho de Vick Midlestone.
— Ó! Tenho muito prazer em te conhecer, inspetor. — Disse o
rapaz. — Agora estou certo de que o criminoso não escapará.
— Muito obrigado, senhor Owen, mas, se me dás licença, desejo
dar uma olhada no lugar onde teu pai foi encontrado morto.
A primeira coisa que Jaime notou foi que Vick Midlestone era
amigo da ordem e da arrumação metódica.
Estava tudo impecavelmente arrumado naquela sala e, ao
contrário da mesa de todo homem de estudo, não havia papel em
cima da escrivaninha de Midlestone.
O que lhe chamou a atenção foram seis livros, dispostos em duas
pilhas sobre a mesa, e que destoavam da arrumação que ali havia.
— Por que estariam ali aqueles livros em duas pilhas? —
Perguntou Jaime consigo mesmo. — Por que teria Vick Midlestone
deixado ali aqueles livros?
Continuando a examinar a sala, Jaime viu, ao lado duma cadeira
de couro, que ficava diante da mesa, um cinzeiro de pé, contendo
várias pontas de cigarro.
— Fumas? — Perguntou, se dirigindo a Owen.
— Não, inspetor.
— Sabes dizer se teu pai fumava?
— Muito até, inspetor.
Jaime tomou, entre os dedos, várias pontas de cigarro e depois
de as ter posto na palma da mão e examinar, colocou todas num
pedaço de papel, que guardou no bolso.
— Quem mora nesta casa, com teu pai?
— Somente a velha criada Maria e o jardineiro Dot .

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Se não me engano disseste ter encontrado a porta aberta e que


ninguém a viera abrir. Não é verdade?
— Sim, inspetor. Achei esquisito.
— Muito bem. Desejo interrogar os dois empregados.
De tudo que eles disseram, Jaime concluiu que Maria saíra, a
mando de sir Vick e que o jardineiro nada vira nem ouvira que
despertasse a atenção.
— Tens certeza de que não ouviste estampido? — Perguntou ao
jardineiro.
— Tenho, inspetor. Eu estava trabalhando num canteiro no
fundo da casa e não ouvi tiro nem ouvi senhor Owen tocar a
campainha.
— Estou satisfeito com as respostas de ambos. Podeis vos
retirar. Senhor Owen, — disse Jaime, se virando ao rapaz — irei á
chefatura e te peço que não toques em coisa alguma do escritório
de teu pai.

Capítulo III
— Então: O rapaz está encrencado? — Perguntou Edu Brown,
quando Jaime entrou em seu gabinete.
— Não faço juízos temerários. Daqui a meia hora saberei se
estou com a razão.
— Mas Jaime, hás de concordar que não há algo que absolva o
rapaz e implique outra pessoa no caso.
Jaime desceu a escadaria da Scotland Yard, procurando o doutor
Munt, que era o homem que Jaime precisava. Uma só palavra dele
poderia absolver ou condenar Owen Midlestone.
— Alô, doutor. — Disse Jaime, ao o ver — Como vai a dor de
cabeça?
— Vás ao inferno, rapaz. E digas logo o que queres de mim. Não
tenho tempo a perder.
— Doutor, a que horas, mais ou menos, morreu Vick
Midlestone?
— Não sei ao certo. Eram 6h, quando examinei o corpo, e o
homem já devia estar morto há uma hora. Portanto, é provável que
o crime tenha sido praticado entre 5h e 5:30h.
— Muito obrigado, doutor Munt.
Jaime se dirigiu, rapidamente, ao gabinete de seu chefe, capitão
Edu Brown.
— Ei!, chefe. Vamos à casa de Owen Midlestone, e tu, Tom,
procures saber quem é o advogado dele e o leves até lá.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Na sala de estar da casa onde, no dia anterior, fora assassinado


Vick Midlestone, três pessoas estavam reunidas.
— Olhes, Jaime. — Disse Edu — Nada vejo que me faça pensar
doutra maneira. O rapaz matou o pai.
— Chefe, todo criminoso sempre deixa uma pista e por mais
insignificante que seja, é o bastante pra ser descoberto. Neste caso,
por exemplo, precipitou os acontecimentos. Além disso, antes de
ser assassinado, professor Midlestone nos deixou o nome do
homem que o matou.
— O quê? Onde?
— Calma, chefe. Primeiro provarei a inocência do rapaz.
A velha empregada entrou na sala, a chamado de Jaime Patrício.
— Maria, te lembras, mais ou menos, a que horas saiu desta
casa?
— Sim, senhor inspetor. Eram quase 6h.
Sabes se teu patrão costumava receber muita visita?
— Não, senhor. Somente seu secretário é que àqui vinha todos
os dias. No dia em que meu patrão morreu esteve aqui mas saiu
pouco antes de eu ter saído.
— Podes ir, Maria. Agora, Edu, escutes o que te direi. A
empregada saiu desta casa quase às 6h e Owen ainda não chegara.
Doutor Munt, que examinou o corpo, disse que o homem morreu
entre 5h e 5:30h. Portanto, chefe, quando Maria saiu, professor
Vick já estava morto. O rapaz não esteve aqui antes das 6h, porque
o gerente do hotel onde se hospedou, ao desembarcar, me informou
que ele só deixou o hotel às 5:30h da tarde. A pessoa que esteve
aqui em conversa com Midlestone foi quem o matou.
Jaime ia prosseguir, quando o advogado de Vick Midlestone
entrou na sala, precedido por inspetor Tom Malloney.
Owen, ao ver o velho advogado de seu pai, se levantou pra o
receber:
— Doutor Guilherme Perk, apresento os detetives Edu Brown e
Jaime Patrício.
— Muito satisfeito fico em vos conhecer, senhores, e ficarei
ainda mais contente se me disserem em que posso ser útil.
— Como sabes, doutor Perk, o professor foi assassinado e
estamos investigando o caso. Todos os fatos nos apontam o filho
como assassino e, apesar de tudo estar contra ele, sou contra a
evidência dos fatos. Poderias nos informar se sir Vick Midlestone
tinha testamento?
— Ó! Perfeitamente, senhor inspetor. O testamento está em meu

143
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

cofre, no escritório. Creio que não há impedimento a que vos ponha


ao par da vontade de meu constituinte. Toda sua fortuna passa às
mãos de seu filho Owen Midlestone.
Capitão Edu olhou significativamente a Jaime Patrício.
— Doutor Perk, há outra cláusula no testamento?
— Sim, inspetor. Mas creio não haver necessidade dela, porque
Owen está vivo.
— Como assim? — Perguntou Edu.
— Se Owen morresse a fortuna passaria a pertencer, em partes
iguais, a mim e ao auxiliar do professor Midlestone: Pat Wit.
— Queres dizer, doutor Perk, que se Owen for condenado à
morte pelo assassínio de sir Midlestone a fortuna passaria ao
auxiliar do professor e ao senhor. Não é verdade?
— Inspetor! Porventura estarás querendo...
— Não, doutor. Não estou querendo insinuar. Só quero que
respondas a minha pergunta. Receberíeis a fortuna?
— Mas claro que sim!, inspetor.
O detetive Jaime Patrício retirou do bolso um papel contendo
qualquer coisa e o colocou sobre a mesa.
— Fumas? — Perguntou ao advogado, oferecendo um cigarro.
— Não, inspetor. Felizmente não tenho vício.
Jaime abriu o pacote, que começava a intrigar a Owen, a doutor
Guilherme Perk e a Edu.
— Chefe, — disse, deixando ver no papel que desembrulhara,
várias pontas de cigarro — segures algumas dessas pontas e vejas
se notas algo.
— Sim, Jaime, parece que não foi a mesma pessoa que fumou
estes cigarros.
— Está certo, Edu. Uma das pessoas tem o costume de pôr quase
meio cigarro dentro da boca e morder a ponta, ao passo que a outra
é um verdadeiro fumante, pois quase não molha a ponta do cigarro
quando fuma e nem se chega a perceber a parte que esteve entre os
lábios.
— Escutes, Jaime. — Disse capitão Edu — Andou mexendo
nalguma lata de lixo?
— Estas pontas de cigarro estavam no cinzeiro desta sala. Foram
fumadas por Vick Midlestone e pelo homem que o matou.
Doutor Perk estava visivelmente agitado com as palavras de
inspetor Jaime.
— Como estava te fazendo ver, chefe, antes do advogado de sir
Midlestone chegar, o criminoso cometeu vários erros. O professor

144
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

recebeu a visita do homem que o matou e estiveram em conversa,


como me fizeram ver estas pontas de cigarro. Vick Midlestone, se
não sabia, ao menos desconfiou da intenção dele e resolveu se
acautelar, ou, melhor, defender o filho, e assim foi que nos deixou,
por uma maneira singular, o nome do homem que o assassinou.
— Mas como e onde está esse nome?
Jaime Patrício foi à mesa de trabalho de sir Vick Mlidlestone.
O advogado suava e foi a custo que se aproximou da mesa,
juntamente com Owen Midlestone e os dois detetives.
— Diante da arrumação deste escritório uma coisa me chamou a
atenção, imediatamente. Foram estes seis livros sobre a secretária.
— O que têm a ver os livros? São livros de várias espécies...
— Justamente, chefe. Um homem como Midlestone seria
incapaz de apanhar seis livros sobre assuntos diversos e os colocar
sobre sua mesa sem um fim determinado. E garanto que descobri o
que nos quis dizer sem levantar suspeita no homem que o matou.
O detetive Jaime Patrício tomou entre as mãos a primeira pilha
e, se virando a seu chefe, disse:
— Capitão Edu, vejas o nome destes livros: Pictures, Alice in
wonderful country e Tragedies.11
— Sim, Jaime, mas francamente nada vejo de mais nisso.
— Ó, chefe! Aparentemente nada há mas tomes a primeira letra
de cada volume e vejas o que forma.
Capitão Edu Brown olhou, um instante, os livros que Jaime
segurava nas mãos e exclamou:
— Pat!
— Sim, Edu. É isso mesmo. Creio não haver necessidade de te
dizer que os outros três formarão, da mesma maneira, o nome Wit.
— Pat Wit! — Disse o advogado.
— Sim. — Disse Jaime — Esse é o assassino de Sir Vick
Midlestone.
— Agora me lembro, inspetor — disse Owen Midlestone — que
emprestei aquele revólver, há muitos anos, a Pat.
— Jaime. — Disse capitão Edu — Creio que podemos ir.
Uma hora mais tarde, Tom Malloney prendia Pat Wit em sua
residência, pela morte de Midlestone, e Jaime Patrício, na
chefatura, saía do gabinete do chefe e, se voltando da porta, disse:
— Nem sempre gosto da evidência dos fatos e te lembres, Edu:
Este mundo é dos espertos...

11
Alice no país das maravilhas e Tragédias. Mantido os títulos originais, em inglês,
por motivo óbvio. Nota do digitalizador.

145
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

A vingança do mutilado
Capítulo I
nspetor Jaime Patrício, sentado diante de capitão Edu, em sua
sala, no edifício de Scotland Yard, segurou, em segunda vez,
um exemplar do Chronicle, que estava sobre a mesa, a fim de
ler a notícia sobre o mutilado que fora encontrado na escadaria do
dique do Tâmisa, e seu rosto ia aos poucos adquirindo uma
expressão de ódio, à medida que seus olhos corriam nas colunas do
jornal, onde se lia em menos de dez linhas:
Já terá sido descoberta, pela polícia, a identidade do
homem, vítima de bárbaro e cruel atentado, encontrado
ontem, nas primeiras horas da manhã, completamente
mutilado na escadaria do dique?
Jaime soltou novamente o jornal sobre a mesa, se voltando ao
capitão.
— Edu, quero que me contes como o encontraram e em que
estado.
— É pouca coisa, Jaime. Juro que nunca vi selvageria maior que
a praticada naquele homem...
— O mutilaram horrivelmente! Está no hospital São Tomás e
aguardo o telefonema do médico a fim de seguir até lá. Duvido, no
entanto, que consigamos algo, porque está cego, mudo e sem mão.
Além disso os médicos acreditam que não resistirá muito tempo.
— Disseste que o cegaram, o emudeceram e cortaram as mãos?
— Sim.
— Edu, nesse caso iremos ao hospital. Quero ver esse homem,
porque deve haver algo importante atrás desse atentado e que prova

147
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

ser ele conhecedor do que quer que seja essa coisa. O deixaram
vivo, porém, em condição de nada poder dizer.
— É verdade. Mas ainda não conseguimos descobrir a
identidade do homem e isso...
O telefone sobre a mesa tilintou no momento em que capitão
Edu terminaria a frase. Se curvando, segurou o receptor.
— É capitão Edu?
— Sim.
— Um momento, capitão. Doutor Hilário falará.
Depois de breve pausa o doutor se fez ouvir.
— Capitão, creio que já podes vir. Nosso homem foi
identificado há meia hora por um cavalheiro cujo nome é Perri
Nander, que me disse ser o mutilado, empregado dum amigo, Paulo
Heavens, residente em Lisson Lane e que desaparecera há dois
dias.
— Está bem, doutor. Obrigado por tudo. Estarei aí dentro de
poucos minutos.
Desligando o telefone, capitão Edu deixou, apressado, a sala em
companhia de inspetor Jaime Patrício.
No carro que os conduzia ao hospital, Jaime se dirigiu ao
capitão:
— O guarda que encontrou o homem notou algo fora do comum
ou teria ouvido o ruído dalgum carro?
— Nada. Foram os gemidos do homem que o atraíram.
E como estava a noite?
— Clara. As primeiras horas, com cerração, mais tarde, ficando
completamente escura. O guarda afirma que no momento em que
ouviu os gemidos havia neblina cerrada.
— Uma noite propícia. Não?
— Não há dúvida...
Doutor Hilário, homem afável, refletindo saúde em todo o
corpo, conduziu os dois agentes da Scotland Yard através do
corredor do hospital São Tomás, até ao quarto onde estava o
mutilado, que jazia, imóvel, sobre o leito no momento em que os
dois inspetores entraram. Quando capitão Edu falou ao doutor ele
se mexeu na cama, como que assustado com a nova voz. Jaime se
aproximou e, colocando levemente a mão sobre a testa do homem,
cuja cabeça estava toda envolvida em gaze, falou docemente:
— Não tenhas receio. Sou inspetor Jaime Patrício, da Scotland
Yard, e sou teu amigo. Fiques tranqüilo porque encontrarei o
homem que te fez isso.

148
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

O mutilado se mexeu, impaciente, na cama, querendo levantar a


cabeça. De dentro daquelas ligaduras parecia querer falar, querer
apontar o homem que o mutilara.
Jaime olhou o leito. Enquanto o homem sossegava seus dentes
rangiam de raiva. Ali estava um pobre homem, pensou,
barbaramente mutilado. Sem olhos pra ver e poder apontar o
culpado, sem mão pra escrever o nome e sem língua pra poder
pronunciar.
Depois que saíram do quarto Jaime interrogou o doutor, no
corredor.
— Como era o nome do cavalheiro que te reconheceu?
— Perri Nander, inspetor.
— Disse que era criado de quem?
— Dum amigo seu, Paulo Heavens. Aliás devo acrescentar que
conheço Paulo. É um grande químico. Neste momento estuda um
preparado novo pra anestesia, que será ministrado por meio de
injeção.
— Sim? Onde mora esse homem?
— Em Lisson Lane. Já tive ocasião de o visitar algumas vezes e
por isso quero dizer que acharás a casa um verdadeiro cemitério.
Paulo sempre viveu só, com um criado, e mandou construir, pra seu
gabinete de estudo, uma sala toda de aço. Quando lá entra fica
isolado de tudo e de todos, hermeticamente fechado.
— Doutor, agradeço muito toda as informações. — Disse Jaime,
se encaminhando à saída, juntamente com capitão Edu Brown.

Capítulo II
No terceiro andar dum edifício sombrio e majestoso, em
Piccadilly, um homem ainda jovem, esbelto de corpo, ouvia
sentado, com extraordinária calma, a ameaça que lhe fazia outro
homem, baixo, gordo e calvo, que gesticulava com ar ameaçador.
— É o que te digo!, Perri Nander. Te arrependerás! Nancy é
filha de Paulo Heavens!
— Basta!, João. — Exclamou Perri, se erguendo da cadeira. —
Nada direi a Paulo sobre isso porque não acredito no homem que
inventou essa história.
— Perri, és o advogado de Paulo e tens obrigação de lhe contar
isso. Sabes que sempre suspeitou que a filha fosse viva.
— Não, João. Nada direi.
— Queres o dinheiro de Paulo, bem sei!, Perri.
— E por que não? Não fez o testamento, legando tudo que

149
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possui a nós três: Eu, tu e Hilário?


— Sim, mas não é justo, Perri, que roubemos a pobre moça. E,
além disso, o homem já enviou uma carta a Paulo, e...
— Não acreditou.
— Sim, mas hoje irá, pessoalmente, procurar Paulo.
— Não acreditará. A não ser que um de nós dois...
— Muito bem, Perri. Até logo. Mas te lembres: Não me culpes
dalguma coisa.
No mesmo momento em que João Lazist deixava o escritório de
seu amigo Perri Nander, um carro estacionava à porta do edifício e
dele saltavam inspetor Jaime e capitão Edu Brown.
Diante da sala em que, minutos antes, os dois amigos discutiam,
Jaime parou, batendo levemente.
Uma moça graciosa e viva os atendeu, os conduzindo à presença
de Perri Nander.
— Em que posso servir?, senhores.
— Sou inspetor Jaime Patrício, da Scotland Yard. Estou
encarregado de descobrir o autor dum bárbaro atentado contra um
homem que identificaste nesta manhã.
— Ó! Perfeitamente, inspetor. Sou advogado de Paulo Heavens,
de cuja casa ele era empregado.
— Como o pudeste reconhecer?
— Por acaso! Paulo me telefonara informando que seu criado
desaparecera há dois dias. Quando fui procurar um amigo no
hospital, doutor Hilário, me falou dum homem que estava num
quarto, horrivelmente mutilado e cuja identidade ainda não fora
estabelecida. Quis ver o homem e, com surpresa, reconheci ser o
criado de Paulo.
— Sabes algo a esse respeito?
— Absolutamente, inspetor. Nem posso compreender porque
motivo lhe tenham feito isso.
— Muito obrigado, senhor Perri. É tudo o que eu desejava saber.
— Nada tens a agradecer inspetor. Estou a teu inteiro dispor.
Os dois homens da polícia deixaram o prédio de Piccadilly, com
destino à Scotland Yard.


Eram 6h em ponto quando Jaime deixou o edifício da chefatura.
Ia até seu apartamento, porém uma força misteriosa dentro de si o
impelia a Lisson Lane.
Havia qualquer coisa no fundo daquele atentado e bem a

150
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

pressentia, porém não tinha idéia do que fosse. Chamou um táxi e


mandando o chofer seguir à travessia da rodovia Charing.
Quando chegou ao apartamento encontrou seu amigo Tom
Malloney sentado, displicentemente, contemplando um copo que
segurava entre as mãos.
— Olá!, Jaime. Estive te procurando na Scotland Yard. Como
não estavas, vim àqui.
— Sim, Tom. Foi bom teres vindo. Vamos a Lisson Lane. —
Disse Jaime, apesar de notar o gesto de desaprovação de seu bom
criado Lucas, que entrara na sala trazendo, pendido no braço, seu
chambre floreado.
— O que faremos lá? —Tom, já de pé, pronto pra sair.
— Ver Paulo Heavens.
— O químico?
— Sim.

Capítulo III
A casa na qual residia Paulo Heavens era um prédio de dois
andares, isolado, bastante afastado da rua e todo cercado por alto
gradil. A distância dava a impressão duma casa deserta e solitária.
De perto essa impressão era ainda mais acentuada.
Jaime e Tom desceram do carro que os conduzira até ali e
caminharam ao portão. Fizeram soar a campainha algum tempo
sem que alguém viesse atender. O portão da rua estava aberto e os
dois detetives entraram, seguindo numa aléia de aloendro.12 Na
porta da residência fizeram soar o tímpano alguns minutos. O
silêncio foi a resposta que obtiveram.
— Tom, tens contigo alguma chave que possa abrir esta porta?
— Sim. Era justamente isso que eu estava pensando fazer.
Poucos segundos depois estavam no saguão da casa. Jaime
chamou várias vezes o nome de Paulo Heavens, sem obter resposta.
Percorreram todos os recantos sem deparar viva alma. Ao lado dum
dos últimos aposentos por onde passaram, Jaime encontrou uma
pequena escada de cinco degraus que parecia conduzir aos alicerces
da casa. Desceu nela, ficando diante duma porta de aço fechada,

12
Aloendro, também conhecido por loendro, cevadilha, adelfa (Nerium oleander) é
um arbusto ou arvoreta da região mediterrânea que no verão se cobre de flor de
cores que vão do cor-de-rosa vivo ao branco. Encontrado em ravina, margem ou
leito seco de curso dágua e berma (acostamento) de estrada. Muito utilizado como
barreira em separador central de auto-estrada. Nota do digitalizador. Extraído de
http://entretejodiana.blogs.sapo.pt/23412.html

151
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

duns 2m de altura. Se abaixando espiou pelo buraco da, fechadura.


Imediatamente se ergueu, espantado com o que vira. Tom, que
presenciara o gesto, se abaixou pra espiar e não pôde conter um ó!
de espanto.
Pelo buraco da fechadura da porta de aço inspetor Jaime Patrício
e Tom Malloney viram o corpo dum homem recostado à cadeira,
com um ferimento no lado direito da cabeça, e um pouco à frente
do ouvido, por onde corria um filete de sangue. Sobre a mesa, a sua
esquerda, ardia uma vela. Exclamou Tom:
— Santo-deus! Que quadro! Aquele homem está morto!
— É Paulo Heavens. Vejamos se conseguimos abrir esta porta.
Depois de 5min de infrutíferas tentativas no intuito de abrir,
Jaime pediu ao inspetor Tom providenciar reforço.
Meia hora mais tarde um verdadeiro batalhão de técnicos da
Scotland Yard invadia a sala, toda construída de aço, sem janela e
tendo como única entrada e saída a porta que fora arrombada.
A sala servia de gabinete de estudos e de laboratório. Nas
paredes se viam altas estantes atopetadas, umas de livros e outras
de frascos das mais variadas cores e feitios.
O corpo de Paulo Heavens estava recostado na cadeira, tendo o
braço esquerdo apoiado sobre a mesa e o direito pendido ao lado,
em cuja mão brilhava uma pequena automática niquelada.
Os rapazes da impressão digital trabalharam com afinco em
todos os lugares do compartimento e não conseguiram encontrar
impressão diferente da do morto, nem mesmo na própria arma que
empunhava.
Logo que se retiraram Jaime se voltou ao doutor, que ia saindo:
— Há quanto tempo está morto?, doutor.
— Há exatamente duas horas.
— Obrigado.
— Creio que podemos ir. — Disse capitão Edu. — Parece não
haver dúvida de que se trata de suicídio.
— Pode ser, Edu, mas quero me convencer melhor disso. Ficarei
aqui com Tom.
Depois que o corpo foi removido e Jaime ficou só, em
companhia de Tom, principiou a investigar.
A vela que fora apagada, continuava na mesma posição. Tudo
parecia, na verdade, indicar suicídio. Paulo Heavens empunhava a
pistola que o matara e a porta de aço fora fechada por dentro, pois a
chave estava sobre a mesa.
Jaime revolveu todas as gavetas, sem encontrar algo

152
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

interessante, a não ser uma pequena carta, na qual um indivíduo


dizia saber que a filha de Paulo Heavens estava viva. Eis teor:
Senhor Heavens
Asseguro que tua filha Nanci está viva. Tenho prova e teu
advogado sabe. Hoje o procurarei às 8h pra tratar desse
assunto
X
— Ei!, Jaime. Parece que foi suicídio, mesmo, e nada vejo que
indique o contrário.
— Pois digo que Paulo Heavens foi assassinado. — Disse Jaime,
calmamente. — Leias esta carta.
— Sim. E o que tem a ver isso com o suicídio? — Perguntou
Tom depois de ler a missiva.
— Muita coisa. O homem que escreveu esta carta deve estar
chegando àqui, pois marcou pràs 8h e são, precisamente, 8h. Se
Paulo Heavens morreu há duas horas, no dizer do doutor, isto é, às
6h, não acredito que se suicidara, pois o assunto dessa carta era
bastante importante pra ele. Não suicidaria antes de se avistar com
esse homem. Foi morto por alguém que não queria que esse
encontro se realizasse.
— Mas te esqueces da chave: Como poderia ir parar sobre a
mesa?
— É isso que me está intrigando. Procures uma vela! —
Exclamou, se erguendo da cadeira como impulsionado por uma
súbita e violenta idéia.
Logo que a recebeu de Tom, a colocou ao lado da que estava
sobre a mesa, a acendendo. Retirou o relógio do pulso, o colocando
diante dos olhos. Se recostando na cadeira acendeu o cachimbo,
contemplando a vela se derreter.
Se passaram duas horas e dez minutos, desde que inspetor Jaime
Patrício acendera a vela. Se ergueu da cadeira, a apagando. As duas
velas estavam do mesmo tamanho.
— Afinal para que isso?
— É muito simples. Como acabaste de ver, a vela que acendi
levou duas e meia horas pra derreter até onde a outra se derreteu.
Ora, se Paulo Heavens estava morto havia duas horas quando
entramos e a vela estava como está a que acendi, é evidente que...
— Já sei!, Jaime. Foi acesa depois dele estar morto.
— Exatamente. Meia hora depois.
— Será que foi, mesmo, assassinado?
— Foi. E hei de encontrar o homem que cometeu esse crime,

153
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

ainda que seja na profundeza do Inferno.

Capítulo IV
Era ainda muito cedo na manhã seguinte e já o inspetor Jaime
estava na Scotland Yard. Assinou vários papéis que estavam sobre
a mesa e, se levantando, caminhou até a janela. Uma chuva miúda e
impertinente caía sobre Londres naquele dia. Jaime ficou alguns
momentos contemplando as gotas dágua que escorriam, umas após
outras, na vidraça.
— Por que teriam assassinado Paulo Heavens? — Interrogou a si
próprio. Subitamente uma idéia lhe acudiu à mente: Esse crime
teria ligação com a mutilação do criado?
A porta de seu gabinete foi aberta e capitão Edu entrou e disse:
— É fantástico. Tudo parecia indicar suicídio. No entanto...
— É verdade. Mas ainda existem três coisas que me preocupam.
A primeira é a chave estar sobre a mesa, o que não posso
compreender, a menos que o assassino tivesse uma duplicata. A
segunda é a filha de Paulo Heavens. E a terceira é o
reconhecimento do criado.
— O que tem isso?
— Doutor Hilário também era amigo de Paulo e, no entanto, não
reconheceu o criado dele, mas pôde, entretanto, gravar na memória
certos detalhes da casa...
Jaime foi ao armário. Apanhou a capa, a vestiu e segurou o
chapéu pra sair.
— Aonde irás?
— Procurar Perri Nander, o advogado de Paulo Heavens.
Inspetor Jaime desceu do carro diante dum edifício em
Piccadilly.
O advogado o recebeu amavelmente, o convidando a se sentar.
— Estou realmente apatetado, inspetor, com a morte de Paulo.
Nunca pensei que fosse capaz de suicidar.
— É verdade, senhor Nander, mas a vida tem dessas surpresas.
Tens conhecimento dalgo que o pudesse levar a cometer esse gesto
de extremo desespero?
— Absolutamente, inspetor. Tudo na vida lhe parecia sorrir.
— Deixou testamento?
— Sim, inspetor. Tudo que possuía, isto é, 70.000 libras, deixou
a três de seus amigos, que são Doutor Hilário, João Lazist e eu.
— Senhor Nander, desejo fazer uma pergunta que, como
advogado de Paulo Heavens, talvez possas responder.

154
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Perfeitamente, inspetor.
— Sabes se deixou alguma filha viva?
— Não sei. Por que fazes tal pergunta? Mas seja por que for,
devo acrescentar que não tenho conhecimento da existência
dalguma filha.
— Estás certo do que me dizes?
— Certíssimo, inspetor.
Jaime se ergueu da cadeira e estendendo a mão a Perri Nander,
murmurou um muito obrigado, com um sorriso nos lábios.
A figura da secretária do advogado, que assomou à porta no
momento em que se retirava, lhe chamou a atenção. Era alta e
esguia e seus traços fisionômicos tinham certa semelhança com os
de alguém que Jaime estava certo já ter visto.
De volta à Scotland Yard seu pensamento estava na carta que
encontrara na mesa do escritório de Paulo Heavens, e em X, seu
misterioso signatário.
Jaime não dissera ao advogado Perri Nander que Paulo fora
assassinado. Isso porque achara estranho que negasse ter
conhecimento da existência da filha do amigo, quando o homem
que escrevera a carta a Paulo Heavens dissera que Perri Nander era
sabedor disso.
Era grande o desejo, do inspetor, de se encontrar com esse
senhor X, quando entrou no edifício da chefatura.
Caminhou até a sala 47. entrando, foi dizendo antes que o
capitão falasse algo:
— Edu, mandes notícia, aos jornais, sobre a morte de Paulo
Heavens. Digas que foi assassinado mas que estamos na pista do
criminoso.
— Mas, Jaime, que história é essa?
— Paulo Heavens foi assassinado. O homem que o matou está
certo de ter praticado um crime perfeito, como estou certo de
descobrir, em poucas horas, de que maneira e porquê foi
assassinado. Com a notícia nos jornais ficará inquieto e já não
pensará que seu crime foi perfeito, pois que o descobrimos.
— Está certo, Jaime, mas...
— E, de mais a mais, Edu, creio que essa é a melhor maneira de
me encontrar com um tal senhor X, porque, se minha suspeita se
confirmar, virá me procurar.
Capitão Edu olhou a Jaime ao sair da sala. Sentia orgulho de ser
chefe do departamento em que o inspetor trabalhava. E concordou
que quase sempre, afora a amizade que os unia, Jaime parecia ser

155
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

seu superior. Sua calma e ar indecifrável de esfinge tornavam cada


dia mais forte a admiração do capitão por seu subalterno, o homem
que o chefe de polícia dizia dormir nas pistas: Inspetor Jaime
Patrício.
Mal capitão Edu deixara a sala, apareceu o rosto risonho de
inspetor Tom Malloney.
— Nada pra mim?
— Sim. Quero que procures saber algo sobre Perri Nander e
João Lazist. Porém antes irás a Lisson Lane.
Jaime apertou um botão e, poucos instantes após, surgiu um
oficial.
— Há especialista na secção de droga e entorpecente?
— Sim, senhor.
— Faças o favor de o mandar àqui.
Logo que o homem saiu. Jaime se voltou a Tom.
— Irás à casa de Paulo Heavens, acompanhando o experto.
Quero que procurai a fórmula dum novo anestésico.
—Mas como? Jaime. Se é coisa nova não poderá descobrir.
— Será fácil. Basta que examine tudo que lá existir. Se
encontrar algo que desconheça, trazei. Examines todos os livros de
apontamento que encontrar. Talvez encontres alguma referência.
O rapaz da entorpecente entrou naquele momento.
— Olá, Betinho. Estimo que sejas tu. Já disse a Tom o que
espero que conseguis.
— Sim, Betinho. — Disse Tom. — É melhor irmos andando.
Os dois homens iam saindo, quando Jaime disse, se dirigindo a
Tom:
— Se sabes desenhar tragas a mim um desenho do gabinete de
Paulo Heavens. Estarei em casa.
— Está certo, Jaime. Até logo.

Capítulo V
Jaime deixou seu apartamento na travessia da rodovia Charing
às 6:30h da manhã seguinte. Queria fazer um pouco de exercício, e,
por isso, resolveu seguir, a pé, à Scotland Yard. Não era longe e
suas pernas necessitavam dum desentorpecente.
Quando chegou à chefatura era ainda muito cedo. Não obstante,
ali encontrou, em sua sala, inspetor Tom Malloney.
— Alô, Jaime. Estou chegando agora e ainda não preguei olho.
Eu e Betinho passamos toda a noite em Lisson Lane. Nada
descobrimos sobre o novo anestésico. Encontrei um caderno de

156
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

apontamento no qual faltam as duas últimas páginas e o trouxe


supondo que te interessaria.
Entregou a Jaime um caderno de formato regular.
— Isto pouco nos adiantará, Tom, mas fizeste bem em trazer.
Trouxeste o desenho do gabinete?
— Sim, Jaime. Aqui está.
Entregou um pedaço de papel que retirara do bolso.
— Obrigado, Tom. Agora é melhor descansares um pouco. Te
espero aqui às 6h. Se possível com as informações sobre João
Lazist e Perri Nander.
Depois que inspetor Tom deixou a sala, Jaime abriu o desenho
sobre a mesa. Seus olhos estudaram pacientemente aquela
reprodução do gabinete particular de Paulo Heavens, em Lisson
Lane. Não havia entrada ou saída naquela sala, toda de aço, a não
ser a porta principal. A mesa na qual Paulo fora encontrado morto
ficava justamente em frente a ela. Jaime estava certo de que Paulo
fora assassinado, porém duas coisas o perturbavam. Que
significado teria aquela vela acesa que o levara a concluir ser
assassínio? De que maneira poderia a chave da porta do gabinete ir
parar sobre a mesa? Era bem provável que o assassino tivesse uma
duplicata da mesma, mas Jaime afastava tal hipótese, porque
considerava improvável que tal se desse. Se Paulo Heavens
mandara construir uma sala toda de aço, evidente era que desejava
encobrir a olhos estranhos o que nela existia. Assim não poderia
deixar de guardar a chave sempre consigo e em lugar seguro.
Jaime deixou a sala, atravessando o corredor com o chapéu no
alto da cabeça, em direção à saída. Tinha uma idéia sobre como e
por que a chave fora colocada sobre a mesa mas era ainda
necessário fazer uma experiência de cujo êxito dependia muita
coisa.
Olhou seu relógio e os ponteiros marcavam 3h. Às 6h precisava
estar novamente na Scotland Yard.
Caminhou um bom trecho a pé, adquirindo um jornal das mãos
dum rapaz, onde, na segunda página, encontrou a notícia sobre a
morte de Paulo Heavens. Sorriu, chamando um táxi.
— Sigas ao hospital São Tomás.
Doutor Hilário estava ocupado com um doente no momento em
que Jaime chegou.
Enquanto esperava se acercou da telefonista e gentilmente, com
cuidado, fez umas tantas perguntas que lhe interessavam.
— Sabes se doutor Hilário atendeu a algum chamado anteontem,

157
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

por volta das 6h?


— Não sei dizer, senhor, porém me lembro que deixou o
hospital um pouco antes dessa hora, me dizendo que voltaria logo.
Essa era a única coisa que inspetor Jaime desejava realmente
saber e foi, por isso, um alívio quando avistou o doutor, pois não
desejava prosseguir a conversa.
— Inspetor, o senhor aqui! — Exclamou doutor Hilário.
— É verdade, doutor. Vim obter notícia sobre o mutilado.
— Ó!, inspetor. Vai muito mal... Creio que não durará mais de
24 horas.
— É verdade, doutor. Por falar em morte, já sabes o que sucedeu
a Paulo Heavens?
As faces do doutor empalideceram momentaneamente.
— Sim. Perri Nander me comunicou.
— És um dos herdeiros. Não?
— Com surpresa pra mim, sou.
— Conhece algum motivo pelo qual pudesse Paulo Heavens ser
assassinado?
— Absolutamente, inspetor. Nem sei porque resolveu me
contemplar em seu testamento. Minha relação com Paulo eram
ainda muito cerimoniosas e apenas o fui visitar duas vezes.
— Sim, é bem estranho mesmo. — E não reconheceste no
mutilado o criado de Paulo?
— Não, inspetor. Eu tinha uma vaga idéia de já ter visto aquele
rosto mas não me podia recordar donde. Quando Perri o identificou
me lembrei imediatamente.
— Certo, doutor. Muito obrigado pela informação sobre o pobre
coitado. Peço o obséquio de me avisar quando estiver próximo o
desenlace.
— Perfeitamente, inspetor. Estou, sempre a tuas ordens.
Apresentes minha recomendação a capitão Edu.
Jaime deixou o hospital exatamente às 3:30h, com destino ao
escritório de Perri Nander.


—Inspetor Jaime! — Exclamou o advogado, se erguendo da
cadeira. Eu ia, justamente agora, te procurar. Não posso
compreender o que li nos jornais. Me deste a entender que fora um
suicídio e com surpresa, pra mim, li que foi assassinado.
— Sim, senhor Nander. Foi assassinado.
— Mas por quem? Eu era advogado de Paulo e te garanto que

158
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

não possuía inimigo.


— Sim. Mas não achas que 70.000 libras é uma quantia
tentadora?
— Como?! Inspetor. Estás, por acaso, querendo insinuar que um
de nós três...
— Absolutamente, senhor Nander. Longe de mim tal
pensamento.
O telefone sobre a mesa tilintou, os interrompendo.
2 minutos depois Perri Nander murmurava um até logo, João,
repondo o receptor no lugar.
— Era João Lazist. — Disse o advogado, se dirigindo a Jaime.
Também leu a notícia e ficou espantado.
— Onde é que o posso encontrar?, senhor Nander.
— Quem? João?
— Sim.
— É farmacêutico e possui uma drogaria na rua Laço.
— Muito obrigado, senhor Nander. O procurarei, pois desejo lhe
fazer umas perguntas.
Jaime se despediu do advogado, certo de que já andara mais de
meio caminho. Seu cérebro estava repleto de coisas e sentia que
precisava unicamente as dispor em boa ordem pra chegar a um fim
lógico. Havia, ainda, alguns pontos bastante obscuros em seu
cérebro, mas, como o nevoeiro da velha Londres, já começavam a
deixar transparecer a claridade e, aos poucos, a luz se ia fazendo
em seu espírito.
20 minutos após chegou à rua Laço. O número 3 era uma casa
comum, de quatro andares. Na loja estava instalada a drogaria de
João Lazist.
Um rapaz franzino e ainda novo o atendeu.
— Desejo ver senhor Lazist.
Alguns instantes após, inspetor Jaime Patrício entrava por uma
porta no fundo, no lado esquerdo.
Um homem baixo, gordo e calvo, se ergueu da cadeira por trás
duma mesa repleta de papéis e frascos, se encaminhando ao
inspetor.
— Tenho grande prazer em te conhecer!, inspetor. A quê devo a
honra da tua visita? — Perguntou, indicando uma cadeira ao lado
da mesa.
— Desejo informação a respeito de Paulo Heavens. — Disse
Jaime, se sentando.
— Pois não, inspetor. Confesso, antes de mais, que a morte de

159
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Paulo me causou grande abalo.


— Sim. É natural. Creio que éreis muito amigos. Sabes se Paulo
tinha uma filha?
— Como?, inspetor. Filha? Não. Não sei. Isto é, não me consta...
Jaime olhou, ao acaso, alguns papéis sobre a mesa e, encarando
João Lazist, disse:
— Estás certo do que me respondeste? Não estarás, por acaso,
querendo me ocultar algo?
— Não, inspetor. Porque achas que eu esteja ocultando algo?
— Por 70 mil libras. — Disse Jaime, se erguendo e retirando do
bolso um papel dobrado, que entregou a João Lazist.
Ele o segurou e desdobrando, colocou os óculos pra ler. À
medida que o fazia a cor fugia da face.
O papel que Jaime entregara a João Lazist era a carta assinada
pelo misterioso senhor X, encontrada na gaveta do escritório de
Paulo Heavens.
Depois de a ler Lazist a devolveu ao inspetor, enxugando, com
um lenço, o suor que escorria na testa.
— Sim. É verdade, inspetor. Não posso continuar a negar: A
filha de Paulo está viva. Quero que me desculpes, inspetor, por
mentir.
— Não te preocupes por isso, senhor Lazist. Perri Nander
também mentiu. Falaste, alguma vez, com senhor Nander, a esse
respeito?
— Sim, inspetor. — Gemeu João, se sentando, abatido.
— Combinastes segredo. Não?
— Sim, pois Paulo não acreditaria no homem, a não ser que um
de nós dois o dissesse.
Jaime se levantou pra sair.
— Conheces esse senhor X?
— Não, inspetor. Apenas me falou uma vez, via telefone.
— E conheces a filha de Paulo Heavens?
— Também não. Nunca a vi.
— Muito obrigado, senhor Lazist. É tudo que eu desejava.
Já na rua, Jaime olhou novamente os ponteiros do relógio. Eram
5:30h e às 6h combinara estar na Scotland Yard. Já visitara os três
herdeiros de Paulo Heavens: Doutor Hilário, João Lazist e Perri
Nander, e conseguira muita coisa... Chamou um táxi, mandando
seguir à Scotland Yard.

Capítulo VI

160
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Quando inspetor Jaime Patrício saltou do carro, diante do


edifício da chefatura, o porteiro foi a seu encontro.
— Inspetor, aqui veio um homem te procurar, dizendo ser
assunto urgente.
— E aonde foi esse homem? — Perguntou Jaime, excitado.
— Não foi embora. Como insistiu muito, o levei à presença de
capitão Edu.
— Muito bem, rapaz, muito bem! — Disse Jaime, subindo
rapidamente a escada.
De fato, na sala do capitão estava um homenzinho franzino. Um
desses tipos que a gente tem a impressão que seria capaz de pedir
desculpa se levasse um pontapé. Disse capitão Edu:
— Foi bom teres chegado. Este senhor quer falar a ti.
O homenzinho se ergueu da cadeira, apertando um embrulho que
trouxera embaixo do braço. Nada dissera ainda, porém Jaime tinha
a certeza de estar diante do misterioso senhor X.
— Inspetor Jaime. Meu nome é Roberto Wilde. Vim te procurar
por causa da morte de Paulo Heavens.
— Calculei. Foste quem escreveu esta carta?
Lhe entregou o mesmo papel que dera a Lazist ler.
— Sim, inspetor. Eu. Sabias que eu viria àqui?
— Tinha quase certeza. Agora faças o favor de contar tua
história.
O homem abriu o embrulho, deixando ver um vestido infantil
cor-de-rosa e um recorte de jornal com a fotografia dum homem
com uma garota no colo. Disse, mostrando o vestido:
— Isto pertenceu a uma criança que salvei, há catorze anos, num
desastre de trem. E essa fotografia indica quem é essa criança. A
eduquei como se fosse minha filha. Como lhe dedicasse muita
afeição, jamais a quis entregar ao verdadeiro pai, que a julgava
morta. Mas agora minha condição de vida me obriga a isso. Refleti
que se eu morresse essa pobre moça nada teria, quando, na verdade,
é rica. Enviei, então, ao pai, uma carta, que nela não acreditou.
Procurei, então, o advogado de senhor Heavens, que, em vez de
cumprir seu dever, encobriu a verdade. Me comuniquei, por último,
com outro amigo seu, João Lazist, que nada pôde fazer. Resolvi,
então, escrever uma nova carta a senhor Heavens, que é essa que
acabaste de me mostrar.
— E por que não compareceste à hora marcada? — Perguntou
Jaime.
— Adoeci, senhor.

161
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Muito bem. Onde está a filha de Paulo Heavens?


— Seu nome é Nanci, senhor inspetor, e está empregada no
escritório de... Perri Nander.
— Nanci! Eu bem sabia que seus traços fisionômicos me eram
familiares! Sabes algo sobre a morte de Paulo Heavens?
— Nada, inspetor. O vim procurar unicamente porque li a
notícia no jornal e temi que encontrassem minha carta e
suspeitassem de mim. Eu nem conhecia pessoalmente senhor
Heavens.
— Está bem. Podes ir descansado. Depois resolveremos teu
caso.
Após a saída de Roberto Wilde do gabinete do capitão Edu,
Jaime se voltou a ele.
— Creio que não demorarei muito a agarrar o homem que matou
Paulo Heavens.
— Suspeitas de alguém?
— Sim. De doutor Hilário, de Perri Nander e de João Lazist.
Esses dois estão bastante interessados nas 70 mil libras e ambos
mentiram, se bem que João Lazist confessara depois. E contra
doutor Hilário há uma coincidência muito interessante: É ter
deixado o hospital no dia do crime às 5:30h e o crime ser sido
cometido mais ou menos às 6h. Porém...
Nesse instante a porta foi aberta por inspetor Tom Malloney.
— Já consegui saber tudo, Jaime. Creio, porém, que de pouco ou
nada nos servirá.
— Por quê?
— Nada encontrei de mal sobre algum dos três. Todos têm uma
vida exemplar e nada existe que os desabone.
— Não faz mal. Se bem que isso me atrase um pouco. Agora
vamos a Lisson Lane. Vos mostrarei como Paulo Heavens foi
assassinado. Se é que não me engano.


Jaime, Tom e capitão Edu Brown, chegaram meia hora depois à
residência de Paulo Heavens, em Lisson Lane, e se encaminharam
diretamente ao gabinete particular da casa.
Inspetor Jaime acendeu uma vela que levara consigo, a
colocando na mesma posição em que encontrara a outra, no dia em
que Paulo Heavens fora assassinado. Depois pediu a Tom que se
sentasse no mesmo lugar em que encontraram morto senhor
Heavens. Feito isso se virou a capitão Edu.

162
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Naquela noite em que encontramos o corpo de Paulo, sentado


como agora, tudo parecia indicar que suicidara. A vela que ardia
naquela ocasião, na mesma posição em que arde esta que agora
acendi, desde logo me chamou a atenção. Resolvi, então, calcular o
tempo que levaria a derreter, em experiência que fiz com outra que
acendi ao lado. Confrontando o tempo obtido com a hora da morte,
cheguei à conclusão de que a vela fora acesa meia hora depois de
Paulo Heavens estar morto. Fiquei certo, então, de estar diante dum
crime habilmente preparado. Havia, no entanto, uma coisa que me
intrigava: Esta sala não possui saída além daquela porta, que estava
fechada por dentro, pois a chave estava sobre a mesa. Podia ser, é
claro, que o criminoso tivesse uma duplicata mas afastei essa
hipótese porque se senhor Heavens mandou construir uma sala
como esta, era evidente que algo queria esconder aqui e, portanto,
não deixaria a chave a alcance de qualquer um. Depois refleti sobre
o significado que poderia ter aquela vela acesa e, estudando a
topografia desta sala por um desenho que Tom me entregou, uma
súbita idéia me acudiu à mente, me dando a resposta ao que eu
procurava. E assim — retirando do bolso um comprido barbante —
vos mostrarei de que maneira a chave foi parar sobre a mesa e
porque estava acesa aquela vela.
Inspetor Jaime Patrício segurou a chave da porta, passando o
barbante pelo orifício dela. Depois deu dois nós, um afastado do
outro mais ou menos 15cm, de maneira a que a chave só pudesse
correr no barbante dentro do espaço dos 15 centímetros. Feito isso,
ligou as duas extremidades do barbante com um sólido nó. Em
seguida o passou em volta do pescoço do inspetor Tom, de modo
que servisse como uma espécie de roldana. Segurou, então, a parte
onde estava amarrada a chave, saindo da sala. Fechou calmamente
a porta, conservando o barbante passado pela fresta embaixo da
mesma e se ajoelhou junto ao buraco da fechadura. Pegou um dos
lados do barbante, começando a puxar. O barbante, puxado apenas
por um lado, deslizava ao redor do pescoço de inspetor Tom,
fazendo com que a chave fosse sendo erguida do chão ao pescoço.
Antes disso acontecer Jaime, que olhava pelo buraco da fechadura,
fez com que o barbante se aproximasse da chama da vela,
justamente quando estava acima da mesa. Queimado o barbante, a
chave tombou sobre a mesa, ante a estupefação de capitão Edu e de
inspetor Tom Malloney. O capitão apanhou a chave,
apressadamente, e abriu a porta.
— É fantástico!, Jaime. Nunca pensei que fosses capaz disso.

163
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Que habilidade tem nosso homem!


— Sim, Edu. Me deu muito trabalho decifrar o enigma. Agora só
me resta agarrar o autor.
— Quem é?
— Ainda não sei, Edu. Irei a Paris pra descobrir.
— Paris?
— Sim. Atrás duma pista muito fraca e problemática.

Capítulo VII
Eram 7:45h da noite, e Jaime estava em companhia de Tom, no
escritório de capitão Edu, pronto pra seguir viagem.
— Está certo, Jaime. Compreendo que não me queiras dizer o
motivo dessa viagem, porém o que quero é que me entregues, o
mais depressa possível, o homem que matou Paulo Heavens.
— Farei, Edu. Podes crer. Dentro de 18 horas, Antes do
mutilado morrer.
— Por quê?
— Já viste um homem sem mão, cego mudo acusar alguém?
— Nunca. Palavra que gostaria de ver isso.
— E nada te impedirá de ver. — Disse Jaime, caminhando em
direção à porta e saindo.


Depois que deixou o edifício da Scotland Yard, inspetor Jaime
Patrício, tomando um táxi, foi à estação de Vitória, seguindo no
trem do horário, na linha de Cantuária a Dôver, onde tomou o
vapor a Calais.
Sua missão na França era bem simples e Jaime não encontrou
dificuldade em encontrar um médico de nome Geraldo Saussi, em
vista da solicitude dum agente da polícia francesa a quem Jaime
fizera, outrora, um grande favor e que, por isso, lhe dedicava muita
afeição. Tendo explicado a doutor Geraldo o motivo de sua ida a
Paris, ele se prontificou, imediatamente, a fornecer as informações
pedidas, dizendo que, de fato, recebera uma carta de Londres, na
qual um velho amigo, que há muitos anos não via, lhe oferecia, a
venda, um novo anestésico. Doutor Geraldo explicou mais a
inspetor Jaime, que respondera afirmativamente e que aguardava
somente uma nova carta a fim de seguir a Londres.
Satisfeito e vitorioso em sua missão, inspetor Jaime Patrício,
radiante, deixou Paris, com destino a Londres.
Saltou do trem, na estação de Vitória e chamou um táxi, que

164
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

mandou seguir à Scotland Yard. Só tivera 18 horas pra fazer tudo e


gastara apenas 17. Restava uma hora.
Na Scotland foi, rapidamente, a sua sala e, segurando o telefone,
pediu ligação ao número do escritório de Perri Nander. Inspetor
Jaime Patrício lhe pediu que estivesse, dentro de meia hora, no
hospital São Tomás. Em seguida fez o mesmo pedido a João Lazist.
Logo depois saiu da sala, indo ao gabinete de capitão Edu Brown.
— Olá!, Jaime. Quando chegaste?
— Há apenas 15min, Edu. Alguma novidade?
— Nenhuma, Jaime. Doutor Hilário telefonou há pouco, dizendo
que de acordo com teu pedido, ele avisava que o mutilado está nas
últimas.
— Está bem, Edu. Obrigado. Creio que agora já podemos ir.
— Aonde?
— Prender o assassino de Paulo Heavens.
— Quem? Onde?
— No hospital São Tomás.


Quando Jaime chegou ao hospital, em companhia de capitão Edu
e de inspetor Tom, encontrou Perri Nander e João Lazist, que
conversavam com doutor Hilário.
— Inspetor Jaime! — Exclamou João Lazist, se aproximando
em companhia dos outros.
— Podemos saber o motivo da reunião?, inspetor. — Indagou
Perri Nander.
— Sabereis mais tarde, senhores. — Respondeu Jaime.
E, se virando ao doutor:
— Está nas últimas. Não é? Haverá um quarto desocupado ao
lado?
— Perfeitamente, inspetor, mas...
— Faças o obséquio de nos levar a esse quarto, doutor.
Ao lado do quarto, onde o mutilado, antigo criado de Paulo
Heavens, agonizava, sem fala pra se queixar, e sem olho pra, ao
menos, poder encarar a morte que o espreitava, doutor Hilário,
Perri Nander e João Lazist, sentados, olhavam o rosto de inspetor
Jaime Patrício, enquanto capitão Edu e inspetor Tom continuavam
junto à porta que ligava os dois quartos e que fora
propositadamente aberta. Disse Jaime:
— Vos reuni aqui porque são os herdeiros de Paulo Heavens, e,
portanto, penso, os mais interessados em saber a verdade sobre sua

165
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

morte. Sabeis que foi assassinado. O homem que o matou


empregou um processo realmente engenhoso mas o descobri.
Queria que o crime parecesse suicídio e quase conseguiu. Repito:
Paulo Heavens foi assassinado! Ninguém mata sem motivo,
senhores, e foi morto por duas razões: Por 70 mil libras e por um
novo anestésico que descobrira.
— Inspetor... — Disse Perri Nander, o interrompendo.
— Sim. É verdade, senhor Nander. Desculpes minhas palavras
confusas. Serei mais explícito: Um de vós é o assassino de Paulo
Heavens. — Exclamou Jaime, com o rosto visivelmente alterado.
Todos me mentis. Acredito, no entanto, que apenas dois o fizeram
com medo de perder a parte que vos caberia no dinheiro deixado.
— Inspetor Jaime! — Exclamou o doutor Hilário, — Suspeitas
de mim?
— É verdade, doutor. A fórmula do anestésico de Paulo Heavens
desapareceu! Sabias?
Enquanto Jaime falava, lancinantes gritos de dor partiam do leito
do mutilado.
— O homem que matou Paulo Heavens, estou quase certo,
também é autor da selvageria praticada contra o infeliz que agoniza
naquele quarto. Já avaliastes o ódio que deve ter no íntimo,
sabendo quem o mutilou e sem poder acusar? Não é triste?, senhor
Nander. Não é triste?, doutor Hilário. Não é triste?, senhor Lazist.
Nesse momento um grito rouco e pavoroso, misto de dor e ódio,
partiu do quarto do mutilado, que, num supremo esforço, reunindo
toda sua força, se ergueu da cama, vindo cair junto à porta, onde
estava capitão Edu e inspetor Tom.
— Está morto. — Disse doutor Hilário, se erguendo sobre o
corpo.
— Sim, doutor. — Disse Jaime — Mas ele se vingou antes de
expirar. Consegui fazer, por meio dum estratagema, que acusasse o
mutilador. Estava cego, surdo e sem mão mas ainda podia ouvir e
ouviu a todos nós pra...
Inspetor Jaime fitou o rosto de cada um dos três homens.
— Te prendo, João Lazist, como assassino de Paulo Heavens. O
mutilado também sabia e o demonstrou quando murmurei: Não é
triste?, senhor Lazist.
Imediatamente inspetor Tom correu ao lado de João Lazist.
Jaime disse:
— Senhor Nander, espero que tudo o que Paulo Heavens possuía
caberá a sua filha Nanci, que é a tua...

166
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Minha secretária, inspetor. Isto é, futura esposa.


— E como presente de núpcia João Lazist te dará a fórmula dum
novo anestésico, que vale muito e que um médico de Paris, doutor
Geraldo, ia adquirir. Descobri isso por uma carta que vi sobre a
mesa de João Lazist, quando o fui visitar na drogaria. Foi por isso
que matou Paulo Heavens.


Três meses mais tarde, numa manhã nevoenta e triste, João
Lazist, sentado na beira da cama, em sua cela, fumava o último
cigarro.
A porta se abriu, entrando inspetor Jaime Patrício.
— Obrigado, inspetor, por ter vindo me ver. Sempre te admirei
muito e creias que és o maior detetive que existe em Londres. Se
não fosses tu...
Jaime olhou o rosto de João Lazist.
— Por que fizeste aquilo com o criado?
— Não adivinhaste?, inspetor É porque sabia, sabia demais,
porque era... meu irmão.
A porta foi aberta novamente. Pouco depois João Lazist deixava
aquele quarto em companhia do carrasco e dum padre, a fim de
seguir viagem a um lugar tranqüilo e eterno donde jamais alguém
voltou.
Inspetor Jaime Patrício esperou, em silêncio, até que ele
atravessasse a última porta. Um minuto depois um ruído o fez
compreender que João Lazist fora se juntar a suas vítimas.

167
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Herdeiros da morte
Capítulo I
ma chuva forte e copiosa caía sobre Londres naquela tarde e
grossas bátegas impulsionadas pelo vento batiam nas
vidraças dum prédio na travessia da rodovia Charing, indo
estalar sobre a calçada.
Sentado em confortável maple,13 inspetor Jaime Patrício, tirando
de espaço em espaço leves baforadas de seu cachimbo predileto, de
madeira escura, contemplava e ouvia, em silêncio, o clarão dos
relâmpagos, o barulho do trovão, o zunir do vento, e o estalar da
chuva sobre a calçada, em furioso concerto da orquestra da
natureza, executando a sinfonia da fúria e do ódio. Chamou o
criado:
— Lucas! Hoje não voltarei à Scotland Yard. Ouviste?
— Sim, senhor. Queres teu chambre?
— Não Lucas. És um homem feliz. Sabes?
— Creio que já disseste várias vezes.
— Gosto muito de conversar contigo, Lucas.

13
Maple laranja, dos anos 1930, com braços de madeira. - (Houaiss) Maple -
Substantivo masculino - Regionalismo: Portugal: Poltrona baixa, forrada. A
etimologia é inglesa: Maple (século 14) Espécie de árvore cuja madeira é muito
usada em marchetaria e carpintaria. A palavra teve curso no Brasil, pois foi utilizada
por Mauro Mota no poema Boletim sentimental da guerra em Recife: As mapples
[sic] dos automóveis, e também por João do Rio. Em inglês também designa a cor
típica dessa madeira. Nota do digitalizador. Extraído de
http://forum.wordreference.com/showthread.php?t=280754

168
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Sabes por quê?


— Não tenho idéia, senhor...
— Porque nunca me contrarias e porque nunca te consigo irritar.
— É meu feitio, senhor. Nasci assim...
— E assim deveriam ser todos os homens: Como tu. Não haveria
criminoso, pobre vítima, agente que morre cumprindo o dever nem
coroa de mártir e de herói...
— É verdade, senhor, mas...
— Mas é o egoísmo e a vaidade que estragam a humanidade.
Nós, homens, somos, no fundo, tolos e estúpidos, egoístas e
vaidosos.
— É verdade, senhor, mas...
— É por isso que gosto de ti. Além de não me contrariar não és
tolo, estúpido, egoísta nem vaidoso.
— Ó!, senhor. Se May pudesse ouvir!...
— Quem é May?
— A empregada do primeiro andar senhor. Minha namorada.
— Á! Também amas!, Lucas. Imaginei que não fosses tolo e
vaidoso... Já pensaste no egoísmo e na vaidade de tua May? Já a
adivinhou diante do espelho, namorando a si própria? Não!, Lucas.
Pois penses nisso e teu amor abrandará um pouco.
— Mas não quero pensar, senhor. A felicidade é como poeira,
senhor. Mas uma poeira de ouro. Não convém que seja varrida
porque vale muito.
— Tens razão, Lucas. Podes ir. Hoje não estou bom. Creio que a
tempestade influi em minhas idéias. És, mesmo, um homem feliz!
Depois que o criado deixou o apartamento, inspetor Jaime se
ergueu da cadeira, se espreguiçando, colocou o cachimbo sobre
uma pequena mesa e se atirou ao sofá.
Se tencionava cochilar não o pôde fazer porque ouviu leves
batidas. Se levantou, aborrecido, pra abrir a porta. Uma surpresa,
no entanto, estava reservada.
— Inspetor Jaime está? — Perguntou uma meiga voz de moça.
Era uma criaturinha delicada e frágil, dessas que lembram uma
pequena estatueta de porcelana. Dois olhos grandes protegidos por
longos cílios realçavam a beleza do rosto emoldurado por uma
cabeleira loura, graciosamente arrumada. De pé, à soleira da porta,
bastante molhada, tinha os olhos arregalados, inquietos e tristes,
fixos no inspetor.
— Sou inspetor Jaime Patrício, senhorita...
— Berenice... Eu precisava te ver, inspetor, e por isso afrontei a

169
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

chuva. Posso entrar?


Jaime estava visivelmente aturdido. Não tinha hábito de receber
visita. Ainda mais uma moça.
— Pois não, senhorita. Queiras perdoar, mas...
— Compreendo, inspetor. Serei breve.
O inspetor, já senhor de si, fez com que a moça tirasse o chapéu
e a capa e depois de oferecer um cálice duma bebida que nem sabia
o que era, pois se tratava duma misturada que o bom e providencial
Lucas tinha sempre pronta e que, em seu dizer, era um antídoto
contra resfriado, se sentou diante dela.
Estou ameaçada de morte. — Disse, pausadamente.
— Como? Ameaçada?
— Sim, inspetor. Eu e meus dois irmãos.
— Mas por quem? Com que interesse?
— Pelo mesmo homem que matou meu tio.
— E quem é?
— Não sei, inspetor.
Jaime se recostou um pouco mais no encosto da poltrona, um
tanto desconfiado. O olhar da moça buscou o seu.
— Estás duvidando de minhas palavras. Não?
E como se não esperasse resposta prosseguiu:
— Conheceste Eugênio Weldon?
Jaime, se bem que não conhecera pessoalmente Eugênio
Weldon, sabia que fora imensamente rico e se recordava de seu
suicídio, havia quase um mês.
— Sim. Creio que é o mesmo que suicidou. Não?
— Nessa ocasião eu e meus irmãos estávamos fora da Inglaterra.
Quando chegamos nosso tio já fora sepultado. Amanhã, na noite, o
advogado, seguindo a instrução de titio, o testamento a nós. Mas
antes disso, com certeza, um de nós...
— Porque dizes isso?, senhorita.
— Porque tenho certeza de que meu tio foi assassinado.
— Tem alguma prova?
— Não. Mas meu irmão mais moço já foi vítima dum atentado.
E fui seguida nesta noite.
— Tu e teus irmãos são os únicos herdeiros?
— Penso que não.
— Em suma: O que queres que eu faça?
Que assista a leitura do testamento e que nos proteja. Serás
nosso hóspede, em Chélsia.
— Mas, senhorita, porque não informas à polícia tua suspeita?

170
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Porque confio em ti, inspetor.


Berenice Weldon se ergueu e Jaime a ajudou a vestir a capa. Já à
porta, estendendo a mão ao inspetor, ajuntou:
— Estou certa de que irás. Além de tudo creio que gostarás da
casa que meus irmãos já chamam, com razão, de sinistra.
Passara meia hora após a saída da moça, quando o relógio bateu
9h. A chuva abrandara e já alguns transeuntes se viam na calçada.
Um grande carro fechado estacionou ao meio-fio, diante da porta e
Jaime se retirou ao interior do quarto. Estava de licença alguns dias
mas sentia que a vinda daquela moça perturbaria os planos que
fizera pra gozar a folga.
Resolveu ir à Scotland Yard. E, em segunda vez, seu desejo era
contrariado, pois a campainha da porta funcionou.
— Alô!, Jaime. — Exclamou o recém-chegado, logo que a porta
foi aberta.
— Se não me engano — disse Jaime, com ar de mofa — estou
diante do grande advogado Valdeque, o milagroso do fórum.
— Preciso de ti, Jaime. — Foi dizendo depois de se sentar. —
Quero que me acompanhes, amanhã na noite. Abrirei um
testamento...
— Em Chélsia.
— Sim. Como sabes?
— Me informaram. Porque queres que eu vá?
— Sei-lá. Nem sei te explicar. Tenho receio que aconteça algo.
Parece que os herdeiros não se dão bem...
— Está certo, Valdeque. Estarei lá.
Às 9h. — Concluiu o advogado, apertando a mão de Jaime e
saindo.

Capítulo II
Às 8h da manhã seguinte inspetor Jaime Patrício deixou seu
apartamento na travessia Charing, seguindo, a pé, ao edifício da
Scotland Yard.
— Bom dia!, Edu. — Exclamou, se dirigindo a seu superior e
amigo, capitão Edu Brown.
— Ainda estás em Londres? Já te julgava fora.
— Assim era meu desejo Edu. Porém... — Se sentando, narrou,
rapidamente e sem preâmbulo, as conversas que tivera com
Berenice Weldon e Valdeque Morris.
— E o que tencionas fazer? Abrirás mão de tua licença?
— Talvez sim, talvez não. Os acontecimentos que se

171
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

desenrolarem hoje na noite o dirão.


— Tencionas ir?
— Por que não? Te lembres que serei hóspede dos Weldon. A
moça estava realmente agitada e, além disso, quando Valdeque
pede algo com insistência...
— É de desconfiar que atrás tem coisa! — Atalhou o capitão, se
erguendo.
— Eugênio Weldon suicidou mesmo?
— Ao menos nada provou o contrário. O encontraram morto no
leito, na manhã. Sobre o estrado da cama acharam um vidro com
ácido cianídrico. A autópsia comprovou o uso.
— Alguma carta, algum indício?
— Nada. Absolutamente nada. Além disso, na casa só havia um
casal de empregado. As únicas pessoas que poderiam estar
interessadas em sua morte estavam fora do país. Regressaram dois
dias após, em virtude dos telegramas que lhes foram enviados por
doutor Carlos Hubert, médico da família.
— Nenhuma suspeita?
— Nada. Tudo foi encerrado a pedido dos próprios sobrinhos.
Mas por que perguntas?
— Curiosidade... Até logo, Edu.


Mal chegara a Chélsia, Jaime foi, rapidamente, à residência de
Eugênio Weldon. Passou diante da velha igreja de Chélsia, à
esquina da trilha de Chene e rua da Igreja, caminhando ao
verdadeiro palácio daquele que fora um dos homens mais ricos da
cidade. Situado numa espécie de elevação, em estilo Tudor. Um
verdadeiro bosque o cercava. Da parte mais alta se via, ao longe, o
hospício de Chélsia.
Quando bateu à porta, faltavam ainda 15min às 9h. Não obstante
ali encontrou Valdeque Morris.
Foi introduzido, por um velho criado, a uma enorme sala cheia
de móvel e poltrona, onde se agrupavam meia dúzia de pessoas.
— Olá!, Jaime. — Exclamou o advogado. — Muito obrigado
por teres vindo.
Berenice Weldon, deixando a companhia dum rapaz que lhe
dirigia a palavra naquele instante, caminhou em direção ao
inspetor, lhe estendendo a mão. Depois, se virando aos presentes,
disse:
— Este é o homem de quem vos falei. Será nosso hóspede.

172
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

E, se voltando a Jaime:
— Creio que devo fazer as apresentações.
— Um já me é familiar. — Disse o inspetor. — Há muitos anos
conheço Valdeque Morris.
— Então vamos aos outros. — Disse Berenice, sorrindo.
E inspetor Jaime foi apresentado às outras quatro pessoas.
— Doutor Carlos, médico da família. Larry Weldon. Dique
Weldon e Tomás Sloane, meu noivo.
Poucos minutos depois Valdeque Morris retirava de sua pasta de
couro um envelope de regular tamanho. Era o testamento de
Eugênio Weldon. Todos os presentes se sentaram e Jaime ocupou
um lugar ao lado da mesa na qual Valdeque estava apoiado. O
advogado começou:
Vos reuni aqui pra informar a última vontade de Eugênio
Weldon...
Enquanto Valdeque Morris lia o testamento inspetor Jaime
Patrício estudava os semblantes das pessoas presentes e cujos
olhares convergiam à figura do advogado.
Doutor Carlos Hubert era um tipinho baixo e irrequieto. Olhos
verdes, nariz curto, cabelo ruivo e de tez um tanto pálida. Os dois
irmãos Weldon: Larry e Dique, eram bastante saudáveis e de
aparência robusta. A cor da pele rosada, o cabelo e os olhos
castanhos e o nariz reto e grande, eram semelhantes em ambos. Se
diria que eram gêmeos. Marcus, o outro sobrinho, era, ao contrário,
franzino e parecia doente. O noivo de Berenice Weldon, Tomás
Sloane, era agradavelmente simpático. Traços delicados e meigos,
contrastavam com a masculinidade do corpo harmonioso e robusto.
Os olhos eram frios e tristes, refletindo a calma e a doçura de seu
espírito.
— E assim é que... — Continuou o advogado. Jaime voltou a
cabeça a ele.
— Deixo toda minha fortuna, em bem e dinheiro, no montante
de 10 milhões de libras a meus quatro sobrinhos: Larry, Dique e
Berenice, filhos de meu irmão Antônio, e Marcus, filho de minha
irmã Maria, já falecida. No caso da morte dum deles tudo ficará aos
restantes.
Valdeque Morris parou um instante a leitura do testamento e
Jaime pôde observar que suas mãos tremiam ligeiramente quando
recomeçou a ler.
— Porém se nenhum de meus ditos sobrinhos estiver vivo quero
que tudo que possuo seja repartido entre meu médico, Carlos

173
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Hubert, e meu advogado, Valdeque Morris. E finalmente, caso


nenhum desses esteja vivo, tudo passará às mãos de meu primo
Hugo, de paradeiro ignorado. Sendo esta minha última vontade...
O advogado ia encerrar a leitura quando Dique Weldon se
ergueu da cadeira, com esforço, feições transtornadas, tombando
sobre o tapete da sala.
— Santo Deus! — Exclamou o doutor, se erguendo de sobre o
corpo do rapaz — Está morto!
Os presentes se entreolharam...

Capítulo III
Na manhã seguinte, depois que o corpo de Dique Weldon fora
removido, capitão Edu conversava com Jaime:
— E o interessante é que foi empregado o mesmo veneno: Ácido
cianídrico.
— Sim, Edu. Te garanto que estamos diante dum caso duro de
resolver. Dez milhões de libras é uma quantia respeitável.
— Houve algo antes de nossa vinda?
— Nada. Farei o interrogatório de todos os herdeiros. Depois
disso procurarei uma pista.
10min mais tarde, na biblioteca da casa, Jaime interrogava Larry
e Berenice, irmãos de Dique. Os olhos da moça estavam injetados e
fundos, indicando que passara uma noite em claro e em pranto.
— Não lhe disse?, inspetor. Eu sabia que algo de mal nos
aconteceria.
— Sim, senhorita. É verdade. Infelizmente acertaste e eu de
pouco te pude valer. Me digas: Desconfias dalguém?
— Não, inspetor.
Jaime olhou o rosto de Larry. Também estava bastante abatido.
Seu braço direito estava numa tipóia.
— Larry. Por que não deste parte à polícia quando te feriram?
— Foi Dique que não quis, inspetor. Ficou zangado quando
soube que Berenice o procurara.
— Chegaste a ver quem te feriu?
— Não, senhor. Estava bastante escuro quando me dirigia até
casa. Ouvi um estampido e, pouco depois, notei que estava ferido.
— Onde foi?
— Lá em baixo, perto do portão da rua e um pouco depois da
casa vazia.
— Casa vazia?
— Sim. É uma casa que fica dentro de nossa propriedade e que

174
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

nosso tio alugara.


Está alugada?
— Está. A um judeu que raramente pára em casa. Creias: Se
bem que te possa parecer esquisito, nunca vimos o rosto.
Bateram à porta nesse instante.
— Ó! entres, Tomás. — Disse Berenice Weldon, se dirigindo ao
rapaz que batera. — O inspetor está fazendo algumas perguntas.
— Está bem, querida. Sinto muito o que aconteceu.
Ia cumprimentar a moça, pra sair, quando Jaime disse que ele
podia ficar na sala.
— Muito obrigado, inspetor.
— És noivo de senhorita Berenice. Não é?
— Sou, inspetor. E espero que em breve a possa desposar. Logo
que minha condição de vida melhorar e eu possa ter um consultório
melhor.
— És médico?
— Não. Dentista.
— Se queres minha opinião, cases o quanto antes. Deves
compreender o perigo a que está exposta senhorita Berenice. De
mais a mais, não precisas pensar em tua condição de vida porque
tua futura esposa...
— Por favor, inspetor! É justamente isso que me tem feito adiar
o casamento. Compreendes. Não é?
— Sim, rapaz. Compreendo. — Disse Jaime, sorrindo — É bem
desagradável.
Pouco depois Larry, Berenice e o noivo deixaram a biblioteca,
entrando o outro sobrinho de Eugênio Weldon, Marcus Flaming.
— Me mandaste chamar?, inspetor.
— Sim, rapaz. Pra te prevenir que tua vida corre perigo.
— Bem sei, inspetor. Antes mesmo de Dique ser assassinado eu
pressentia.
— Como sabes que teu primo foi assassinado?
— Não sei, inspetor. Tenho quase certeza.
— Viste algo? Desconfias de alguém?
— Nada vi mas desconfio de todos.
Os olhos de Marcus Flaming revelavam grande astúcia e o brilho
intenso contrastava vivamente com a aparência doentia.
— Estou satisfeito. Podes sair.
O seguinte a ser interrogado foi doutor Carlos Hubert. Sua
fisionomia demonstrava tranqüilidade.
— Doutor Carlos. Foste chamado há quase um mês pra socorrer

175
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Eugênio Weldon. Não é verdade?


— Sim, inspetor.
— E agora assististe a morte de Dique Weldon. Me digas:
Ambos morreram da mesma maneira?
— É verdade, inspetor. Envenenados.
— Quero te fazer mais uma só pergunta, doutor, que, talvez, te
pareça ridícula: Estás certo de que Eugênio Weldon morreu?
— Positivamente, inspetor.
— Muito bem doutor. É só.
O último a entrar na biblioteca foi o advogado Valdeque Morris,
acompanhado por capitão Edu e inspetor Tom.
— Alô!, Jaime. Viste por que pedi que viesses?
— Passei uma péssima noite. Vá lá saber quem é o próximo.
Não ficarei mais um segundo nesta casa.
— Infelizmente terás de ficar, Valdeque, até que eu resolva
tudo.
— Mas Jaime. Somos amigos e sabes que preciso tratar de meu
negócio.
— Sinto muito, Valdeque. Mas desta casa ninguém sairá.
— Desconfias de mim?
— Não sejas tolo, Valdeque. Deves me compreender muito bem!
Uma hora mais tarde, após ter prevenido a todos, em conjunto,
na sala, que suas vidas corriam perigo e que, em hipótese nenhuma,
poderiam deixar a casa, inspetor Jaime Patrício saiu com destino à
Scotland Yard, tendo antes interrogado os criados e recebido, das
mãos de Berenice Weldon, uma fotografia que pedira a ela.

Capítulo IV
Não havia dúvida de que um grande perigo ameaçava os
Weldon. Um a um, talvez, seriam todos exterminados pela mesma
mão que matara Dique Weldon.
Inspetor Jaime Patrício nada descobrira que pudesse lançar um
pouco de luz sobre a misteriosa morte do sobrinho de Eugênio
Weldon. Sabia, apenas, que fora ácido cianídrico o causador da
morte, porém ignorava como e por quem fora ministrado.
Interrogara os herdeiros e nenhum dissera algo importante.
O testamento de Eugênio Weldon era horrivelmente estranho.
Nada menos de seis pessoas concorriam a seus milhões, sempre um
após a morte do outro, em sucessão macabra. Eram herdeiros da
morte. E Dique Weldon fora o primeiro a desaparecer do lúgubre
préstito. Disse inspetor Jaime em seu gabinete na Scotland Yard:

176
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Certo, Edu. Agora tomaremos as primeiras precauções, a fim


de evitarmos nova morte. Quantos homens deixaste na casa?
— Cinco. Acreditas que haja nova morte?
— Estou quase certo.
— Mas, afinal, como poderia ter sido assassinado aquele rapaz?
— Suponho que o ácido fora ministrado no jantar. Interroguei os
criados sobre a colocação das pessoas à mesa. Sabes entre quem se
sentou Dique Weldon?
— Não.
Valdeque Morris à direita e doutor Carlos Hubert à esquerda.
— !...
— Mas será difícil apanhar o homem que o matou. Está agindo
com muita cautela. Entretanto espero que se traia.
— Não achas melhor consentir que as pessoas possam deixar a
casa? Talvez assim seja mais fácil o agarrar.
— Não, Edu. Em nosso caso a teoria de deixar o pássaro em
liberdade não serve porque dificultará a prisão. Sei que o assassino
está dentro daquela casa e como estou certo de que tentará
prosseguir na série de crime, prefiro que não se afaste dali porque
seu raio de ação, sendo pequeno, me será perfeitamente
controlável. Além disso, como sou hóspede de Berenice Weldon,
não sairei daquela casa enquanto não prender o homem que matou
Eugênio Weldon e o sobrinho.
Tudo isso, afinal, era de se prever, Jaime, desde o momento em
que aquele espertalhão do Valdeque pediu tua presença.
— Sim. Mas o que não soube explicar foi o motivo pra pedir
minha presença. Me falou em desavença entre os herdeiros, o que
confesso, não notei. Porém, com a convivência poderei me
certificar da veracidade de suas palavras, e, também, de muitas
coisas que precisam ser verificadas naquele casarão de Chélsia.
Depois de deixar a sala inspetor Jaime chamou três de seus
melhores auxiliares, inclusive inspetor Tom, e lhes pediu pra
investigar a vida de doutor Carlos Hubert, de Larry Weldon, de
Marcus Flaming e Tomás Sloane, acrescentando:
— Não vos esqueceis, rapazes, de que necessito do mais que
puderdes obter, pois só precisarei das informações dentro dalguns
dias.
Logo que os rapazes saíram Jaime foi ao gabinete do chefe e
entregou uma fotografia que recebera de Berenice Weldon.
— Quem é esse homem?
— Primo de Eugênio Weldon, cujo paradeiro é ignorado. Envies

177
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

cópias e peças informações a todas as polícias do mundo e a todos


os departamentos da Inglaterra. Não creio que encontrem o homem.
Mas, em todo caso...
Meia hora mais tarde, todas as repartições policiais recebiam o
aviso e a caça a Hugo Weldon se iniciava.


Eram 8h da noite quando inspetor Jaime Patrício chegou a
Chélsia. Um guarda uniformizado, postado junto ao portão de
entrada levou a mão ao quepe, o cumprimentando.
— Algo de novo?, rapaz.
— Tudo em paz, inspetor.
— Onde estão os outros guardas?
— Espalhados no jardim, senhor.
— Esta casa é muito grande e penso que somos poucos prà
vigiar.
— É verdade, inspetor. Doutor Hubert quis sair mas não
consenti.
— Fizeste bem, rapaz. Ninguém pode sair.
Inspetor Jaime não dera mais de três passos no caminho calçado
de pedra e marginado de árvore, que conduzia a casa, quando ouviu
o eco dum estampido. Correu até casa mas muito antes de chegar já
sabia o significado daquele estampido. E sabia que não partira dum
revólver... O som, era inconfundível: Metálico. Fora um tiro de
rifle.
Quando entrou, um policial que descia a escada foi a seu
encontro.
— Inspetor Jaime, assassinaram Larry Weldon!
— Onde? Como?
— Subas, inspetor. Estava se vestindo pra jantar.
— Chames a Scotland Yard, rapaz. Peças mais cinco homens a
capitão Edu e digas a inspetor Tom que venha imediatamente a
Chélsia. — Disse Jaime, subindo a escada de dois em dois degraus.
Larry Weldon jazia de bruços, morto, com uma brecha no
occipital. O corpo estava perto do camiseiro, diante do qual ficava
uma larga janela onde num dos vidros se podia ver um orifício
produzido por bala.
Berenice Weldon, encostada ao pé da cama, tinha os olhos
banhados em lágrima e cabeça apoiada no ombro de seu noivo,
Tomás Sloane.
Junto à porta estava Marcus Flaming e no centro do quarto o

178
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

advogado Valdeque Morris.


— Onde está doutor Hubert?
— Perguntaste sobre mim?, inspetor. — Disse o doutor,
entrando no quarto naquele momento.
— Sim doutor. Onde estavas?
Parecia ter corrido um pouco, pois estava ligeiramente ofegante.
— Dando uma volta no jardim. — Respondeu, calmo — Há mal
nisso?, inspetor.
Uma hora mais tarde capitão Edu Brown e os inspetores Jaime
Patrício e Tom Malloney, estudavam, depois de removido o corpo,
a posição em que tombara, de acordo com a vidraça partida.
Jaime se aproximou da janela, espiando. Ao longe se avistava,
distintamente, a silhueta da casa vazia. Uma idéia lhe assaltou a
mente.
— Já houve resposta dalgum dos departamentos da polícia sobre
o paradeiro do primo de Eugênio Weldon?
— Porque perguntas?, Jaime. — Indagou o capitão, com um
sorriso, acompanhando o olhar de seu agente.
— Desconfio duma coisa. Pra me certificar farei uma pequena
visita àquela casa.
— E é bem provável que encontres nosso homem.
— Que queres dizer?
— Que talvez o judeu que a alugou e Hugo Weldon sejam a
mesma pessoa.
— É justamente o que penso, Edu. Logo mais darei uma olhada
naquele lugar. Porém quero que os outros herdeiros estejam
protegidos. Já falhamos duas vezes. Seria o cúmulo falharmos
novamente. Maldito testamento o de Eugênio Weldon! Ele é a
morte!
— Receias pela moça, Jaime?
— Claro. Tenho a impressão de que será a próxima vítima.
— Está bem, Jaime. Te deixarei aqui, com dez homens e Tom.
Se houver algo estarei Scotland Yard.
— Sim, Edu. Te avisarei se algo acontecer.
O jantar transcorreu calmo, pois, como medida de precaução,
inspetor Jaime colocara três homens nos lugares que davam acesso
à sala de jantar e por onde poderia vir o perigo: À janela, à porta de
ligação com a sala de estar e a uma outra porta que desembocava
na cozinha.
Marcus Flaming estava inquieto e se mexia constantemente na
cadeira, como se pressentisse algo. Berenice Weldon não se sentia

179
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

bem. Apenas doutor Hubert, Valdeque Morris e Tomás Sloane


estavam calmos.
Às 11h da noite subiram todos a seus aposentos. O quarto de
Berenice Weldon ficava na ala direita, entre o quarto de Marcus
Flaming e o que fora de Larry. Na outra ala ficavam o do doutor, o
de Valdeque e o de Tomás Sloane. Todos se comunicando entre si.
Jaime chamou a parte Berenice Weldon, dizendo:
— Quero que me faças um favor.
— Sim, inspetor. O que desejas?
— Que não durmas hoje nesse quarto. Deves avaliar tão bem
quanto eu o perigo que te ameaça.
— Mas onde queres que eu fique?
— Seria desagradável dormir no quarto que foi de teu irmão
Dique?
— Não, inspetor. Mas por que isso?
— Porque é o único quarto isolado e que, além disso, não tem
comunicação com outro. Podes ficar tranqüila, pois tudo farei a fim
de te defender. Deixarei um guarda lá em baixo e outro no topo da
escada, de modo a que todo o corredor fique protegido.
— Mas o quarto de meu irmão é no fundo! O guarda não o
poderá ver.
— Não te incomodes com isso, senhorita. Vigiará os outros.
Quanto a ti, meu companheiro, inspetor Tom Malloney, montará
guarda à porta de teu quarto.
— Ó!, inspetor. Muito obrigada. Mas... e tu: Aonde irás?
— Eu?... Passearei no jardim.
Depois que todos se recolheram Jaime se retirou do interior da
casa. Espalhou os oito policiais no arredor e esperou que as luzes
se apagassem. Depois, munido duma pequena lanterna e se
certificando de que seu inseparável 38 estava no lugar, caminhou,
silencioso e só, em direção à casa alugada ao judeu de nome Ellis e
que ficava dentro da propriedade dos Weldon.
Estava mergulhada na escuridão!
Jaime a contornou, encontrando a porta de entrada. Retirou um
pequeno objeto do bolso da calça e logo depois estava no interior
da casa. Inspecionou o primeiro pavimento cuidadosamente,
sempre usando a lanterna. subindo uma pequena escada chegou ao
andar superior. Só havia três quartos. Nos dois primeiros que
examinou nada viu que despertasse a curiosidade. No terceiro
encontrou, ao lado da cama, um rifle. Se aproximou da janela e não
pôde deixar de sorrir ao divisar perfeitamente os três quartos da ala

180
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

direita da residência dos Weldon. O do meio ficava justamente em


frente e no mesmo nível daquele em que estava a vítima.
Não teve dificuldade em compreender que o assassino estivera
ali na noite anterior e dali alvejara Larry Weldon, usando o rifle
que vira encostado à cama.
Desceu a escada, satisfeito, saindo pelo mesmo lugar que
entrara. Seus pés pisaram numa espécie de barro mole e ficou
maravilhado. Se aproximou dum cano furado, que, deixando
escapar água, produzia aquela terra mole. Exclamou, se dirigindo
ao cano:
— Muito obrigado!, meu amigo. Me forneceste uma bela prova.
Enquanto isso acontecia, Berenice Weldon abria a porta de seu
quarto.
— Desejas algo? — Perguntou inspetor Tom.
— Ó! é verdade! Já me esquecera de que minha porta estava
guardada. Desculpes incomodar.
Inspetor Tom Malloney já encontrara muitas mulheres. Muitas
no traje no qual estava Berenice Weldon. Porém ela o deixara
maravilhado.
— Não me incomodas. Estou a tuas ordens. Queres algo?
— Sim, inspetor. Um copo dágua.
— Mandarei buscar, senhorita Weldon.
O policial que vigiava o corredor se aproximou ao chamado do
inspetor.
— Perfeitamente senhor. Buscarei.
— Passas a noite toda acordado? Não te cansas de estar em pé?
— Não, senhorita, quando cumpro meu dever. E dá até prazer
quando...
— Quando?
— A pessoa a quem protegemos é uma moça encantadora.
— Muito obrigada. Tu e inspetor Jaime são extremamente
gentis.
Enquanto este diálogo se travava entre Tom e a moça, uma
sombra, deixando, sorrateiramente, um dos quartos, protegida pela
escuridão e pela ausência do guarda que descera, se esgueirou no
corredor até a porta do quarto de Marcus Flaming.
Jaime se aproximara da casa quando notou que qualquer coisa
fora atirada duma das janelas. Viu onde caiu e se abaixou pra
apanhar. Era um bisturi e... estava tinto de sangue. Um
pressentimento o assaltou e entrou rapidamente na casa. Correu ao
andar superior. O policial o olhou.

181
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Alguma coisa?
— Parece, rapaz.
Em poucos segundos Tom se juntava a ele.
— O que houve?
— Onde está Berenice Weldon?
— No quarto. Acabou de beber um copo dágua.
— Quem levou a água?
— O guarda do corredor. Por quê?
— Por isto, Tom. — Disse Jaime, mostrando o bisturi.
— Santo-deus! Qual deles seria agora?
— Creio que posso responder a isso. — Respondeu, caminhando
ao quarto de Marcus Flaming.
Sobre o leito jazia o sobrinho de Eugênio Weldon. Através do
pijama entreaberto se via uma mancha escarlate no lado esquerdo
do peito.
Inspetor Jaime segurou uma das pontas do lençol e, o puxando,
cobriu o rosto de Marcus Flaming.
— Chames a Scotland Yard. — Disse a Tom Malloney.
Berenice Weldon, que despertara com ruído no corredor,
assomou à porta naquele momento.
— Marcus, morto! — Exclamou, levando as mãos ao rosto.
— Sinto muito, senhorita.
Doutor Hubert, acabando de vestir o chambre, e Tomás Sloane
entraram logo a seguir. Disse o doutor, se aproximando da cama:
— Mas isto é horrível!, inspetor.
— Sim. É horrível. Ouviste ruído no corredor? Doutor.
— Nada, absolutamente nada. Tenho sono de pedra.
— E o que foi que te despertou?
— Não sei... o ruído, talvez. És o culpado de tudo isto inspetor.
— Deveras?, doutor Hubert. Por quê?
— Por nos reter nesta maldita casa.
— Sinto muito te contrariar, doutor, — disse Jaime, com um
sorriso — mas continuareis aqui.
— Inspetor Jaime. — Disse o noivo de Berenice Weldon —
Consentirás que eu leve Berenice a longe desta casa?
— É natural que queiras afastar tua noiva do perigo. Porém
ficará aqui. Estará melhor protegida.
— O inspetor tem razão, Tomás. Sabe o que faz. — Disse
Berenice.
— O que houve aqui? — Indagou o advogado Valdeque Morris,
acabando de entrar no quarto, esfregando os olhos como quem

182
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

acaba de acordar.
— Onde estiveste?, Valdeque. — Perguntou Jaime, fitando o
advogado.
— Numa palavra meu amigo: Dormindo.
Inspetor Jaime o olhou. Conquanto houvesse esfregado os olhos,
que estavam um tanto avermelhados, seu rosto não era o duma
pessoa que acaba de despertar.
— Estás certo de que estavas dormindo? Valdeque.
— Ora essa!, Jaime. Me perguntas se estou certo de que estava
dormindo? Como posso estar certo? Acredito que sim, pois me
lembro de ter me deitado. Mas o que houve?, afinal.
— Marcus Flaming foi assassinado.
— Hem? Mas como? Nesta casa não fico mais um segundo.
Prefiro que me metas na cadeia a ficar aqui. Preso muito minha
vida ara me deixar matar.
— Queres ir, mesmo, à cadeia?, Valdeque.
— Prefiro. É mais seguro.
— Sinto muito, Valdeque, mas hoje terás que ficar. Depois,
talvez...

Capítulo V
Às 9h da manhã seguinte inspetor Jaime Patrício estava na
Scotland Yard, em sua sala.
— Então, Crawford. Investigastes o que vos pedi? — Indagou,
se dirigindo a um rapaz que estava de pé, ao lado da mesa.
— Perfeitamente, inspetor. — Respondeu o rapaz, enfiando a
mão no bolso e retirando um papel.
— Aqui está um relatório sobre toda nossa investigação.
— Muito bem, Crawford. Ponhas sobre a mesa e podes ir.
5min após a saída do rapaz o inspetor terminava a leitura do
relatório. O atirou, aborrecido, sobre a mesa. Nele nada havia de
interessante.
— Respeitável! Respeitável! Respeitável! — Exclamou, se
erguendo da cadeira e caminhando até a janela.
Depois, como quem se recorda dalguma coisa que esqueceu,
voltou à mesa e novamente começou a ler o relatório. Em certa
altura seu rosto tomou nova feição. Fincou os cotovelos sobre a
mesa e, apoiando a cabeça sobre as mãos, leu com mais calma a
parte que prendera sua atenção.
Depois levantou os olhos do papel e ficou olhando um canto da
sala como se procurasse se lembrar dalguma coisa.

183
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Capitão Edu entrou nesse momento.


— Então Jaime. Nada de novo?
— Leias este relatório, Edu.
— Sim. E o que tem isso? Nada vejo que nos ajude. — Disse o
capitão, colocando o relatório sobre a mesa depois de o ler.
— À primeira vista também nada reparei, Edu. Mas depois,
lendo melhor, encontrei uma coisa que talvez seja pura
coincidência mas que nem por isso deixa de ser interessante.
— O que é?
— No dia em que foi assassinado, Dique Weldon esteve nos
consultórios de Carlos Hubert, de Tomás Sloane e no escritório de
Valdeque Morris. E foi envenenado...
— Não Jaime, o veneno que o matou é uma droga fulminante.
Ele não teria tempo de chegar a casa. Estou quase certo de que foi
envenenado no jantar.
— Nesse caso, se o veneno era fulminante, não terminaria o
jantar.
— Sim, é verdade. Não deixas de ter razão nesse ponto. Mas a
ida de Dique Weldon pode ter sido pura coincidência.
— Assim como o suicídio de Eugênio Weldon...
— Por quê?
— Porque, no dia em que suicidou, Eugênio Weldon esteve no
consultório de Carlos Hubert e no de Tomás Sloane.
— Por-deus!, Jaime Será que...
— Não sei. Desconfio de todos. Sei que Larry Weldon foi morto
com um tiro de rifle, que foi disparado da casa alugada do judeu.
também sei que Marcus Flaming foi assassinado com um bisturi e
que Eugênio e Dique Weldon morreram envenenados com ácido
cianídrico. Porém ignoro a mão que praticou todos esses crimes.
Desconfio de quem seja o assassino mas, por enquanto, nada posso
provar.
— É verdade, Jaime. Já me ia esquecendo: O chefe de polícia
deseja te ver.
— Não sabes de que se trata?
— Creio que é a respeito de todas essas mortes. Está bastante
aborrecido.
Instantes após inspetor Jaime Patrício entrava no gabinete do
chefe de polícia.
— Desejas me ver?, sir João.
— Perfeitamente, inspetor. — Respondeu, se sentando e
atirando o corpo ao encosto da cadeira. — Faças o obséquio de

184
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

sentar.
— Obrigado, senhor.
— Tua conduta neste caso dos Weldon, inspetor Jaime, é
verdadeiramente lamentável. Erraste de princípio, mantendo todas
aquelas pessoas, como prisioneiras, dentro da casa.
— Perdão, sir João, mas fiz o que achei melhor.
— O que chamas de achar melhor?, inspetor Por acaso todas as
mortes não foram oriundas da tua intransigência? Erraste!, inspetor.
Intransigência conduz, infalivelmente, a conseqüência absurda ou
desastrosa, como em nosso caso. Creio que me entendes
perfeitamente. Não?
— Sim, sir João. Devo resignar?
— Em absoluto, inspetor. O senhor é um dos melhores agentes
da Scotland Yard, e eu próprio reconheço. Minha única intenção ao
te chamar foi te advertir do erro que praticaste.
— Obrigado, senhor. Dentro de 24 horas entregarei o culpado à
justiça.
— Tanto melhor pra ti, inspetor.


A noite estava bastante agradável e magnífico luar enchia de
encanto o imenso jardim da residência dos Weldon. Inspetor Jaime
Patrício saiu pra percorrer o arredor após o jantar. Caminhou
despreocupadamente um bom trecho do terreno e depois retornou a
casa. Antes de chegar viu alguém agachado na grama como se
estivesse procurando algo. Se aproximou, devagar.
— Posso te ajudar na busca?, doutor. — Perguntou, docemente.
Doutor Hubert se ergueu, assustado:
— Ó!, inspetor. Me assustaste. Ando tão amedrontado com essas
mortes...
— Estavas procurando algo? Doutor.
— Sim, inspetor. Uma medalha que perdi. Por quê?
— Por nada doutor. Pensei que fosse um instrumento cirúrgico
como por exemplo... um bisturi.
— Com licença, inspetor. — Disse doutor Hubert, se afastando.
O inspetor Jaime ficou contemplando um instante a silhueta do
doutor, que se afastava, depois caminhou em direção à casa.
Berenice Weldon estava só na sala e inspetor Tom a vigiava
dum canto da janela. Jaime perguntou:
— Olá!, Tom. Onde estão Valdeque Morris e Tomás Sloane?
— No jardim.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Não decorrera ainda 5min desde que os dois inspetores


principiaram a conversa, quando ouviram um estampido.
Rapidamente se atiraram à porta, ganhando o jardim, ao mesmo
tempo que um policial, apitando, correu a eles, dizendo:
— Mataram doutor Hubert, inspetor. O corpo está ali.
E conduziu os dois detetives ao local.
Doutor Hubert já estava morto quando se aproximaram.
— Francamente!, Jaime — Exclamou Tom. — Vão morrendo e
nada fazemos.
— Isso pensas tu. Nesta casa não haverá mais morte, porque
antes de raiar o dia prenderei o assassino.
Tomás Sloane apareceu naquele momento.
— Céus! O que é isso?
— Era doutor Hubert, rapaz. — Respondeu Jaime. — Viste
Valdeque?
— Sim, senhor inspetor. Ia em direção à casa, agora mesmo. Lhe
perguntei se ouvira um tiro, pois que ouvi, e me respondeu mal.
—Tom, providencies a remoção do corpo.
Eram 3:30h da madrugada. O silêncio reinava no velho casarão
de Chélsia. O corpo já fora removido e todos os policiais que
montavam guarda à casa foram dispensados na presença de todos,
depois dum entendimento entre inspetor Jaime e capitão Edu.
Atrás do reposteiro, no quarto de Valdeque Morris, o inspetor
montava guarda, sem que alguém suspeitasse de sua presença.
Enquanto isso Tom Malloney continuava na agradável missão de
proteger a vida de Berenice Weldon.
A janela do quarto de Valdeque era perfeitamente visível aos
olhos do inspetor, oculto entre os reposteiros.
Não havia decorrido ainda meia hora desde que Jaime se
ocultara ali, quando o advogado se ergueu do leito. Apanhou o
chambre, o vestiu e se encaminhou à porta. Cinco minutos após sua
saída, Jaime deixou o esconderijo, disposto a o seguir. Passou junto
à janela e viu o vulto dum homem que corria procurando abrigo,
inteiramente banhado pela claridade da lua. Saiu, apressado, do
quarto ao encontro da estranha aparição, sem mais pensar em
Berenice Weldon. A sabia protegida, enquanto a seu lado estivesse
inspetor Tom.
Mal ganhara o jardim e ouviu um grito. Um vulto se afastava
nesse momento, correndo atrás duma moita.
O corpo dum homem de meia idade jazia no lugar donde saíra o
vulto, com uma faca enterrada no peito até o cabo. A feição era

186
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

familiar ao inspetor Jaime. Se tratava de Hugo Weldon, primo de


Eugênio Weldon e cujo paradeiro era ignorado.


Na manhã seguinte capitão Edu Brown recebeu inspetor Jaime
de muito mau humor.
— Não sei mais o que fazer, nem como explicar a sir João o
motivo porque retiramos os guardas de Chélsia.
— Não precisas pensar mais nisso, Edu. Tomás Sloane é nosso
homem.
— Hem?
— Sim, Edu. Os milhões tomaram completamente a cabeça do
pobre rapaz.
— Mas é impossível, Jaime. Nem é herdeiro.
— Ele não, Edu, mas... sua noiva Berenice Weldon, herdaria
toda a fortuna se os outros morressem. Agora tudo está bem claro
pra mim e te explicarei morte a morte: Eugênio Weldon e depois
Larry foram envenenados pela mesma droga. Ambos no consultório
de Tomás Sloane. O rapaz é dentista e se aproveitando disso, ao
obturar os dentes de Eugênio Weldon e Larry, colocou um pouco
de ácido cianídrico nas cavidades dos dentes de ambos, calculando
porém essa quantidade de maneira a que a absorção só se
verificasse três horas mais tarde. Depois, como ficasse retido em
Chélsia procurou outro meio de eliminação aos restantes herdeiros,
mas de modo que ninguém suspeitasse. Foi assim que atirou com
um rifle, da casa vazia, em Dique Weldon, certo de que eu
suspeitaria, como suspeitei do judeu que a alugara. Depois
eliminou Marcus Flaming com um bisturi, bisturi esse que
pertencia ao doutor Hubert, certo de que minha suspeita recairia no
doutor. Completamente dominado pela fortuna que lhe pertenceria,
indiretamente, e animado com meus insucessos, prosseguiu na série
de morte. A próxima vítima foi doutor Carlos. O matou com um
revólver que encontrei na relva do jardim, revólver que pertencia a
Valdeque Morris. Parece que ele desconfiou de qualquer coisa,
razão pela qual deixou o quarto altas horas da madrugada, na noite
em que o segui. Quanto ao primo de Eugênio Weldon, Hugo, tenho
quase a certeza de que Tomás o matou porque presenciara o
assassínio do doutor.
— E sabias de tudo isso?, Jaime.
— Mais ou menos. Na noite em que Dique Weldon foi
assassinado reparei que os sapatos de Tomás Sloane estavam sujos

187
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

de lama. Quando visitei a casa vazia nessa mesma noite, aconteceu


que também sujei os meus.
— Por que não o prendeste então?
— Era arriscado. Não tínhamos prova capaz de convencer o júri.
— Ainda não temos.
— É verdade. Porém o apanharemos...
— Será que tentará matar Valdeque Morris?
— Não tenho dúvida.
— Não será tolo de praticar mais esse crime, pois desde que só
um herdeiro fique vivo, é evidente que...
— Te digo que procurará matar Valdeque nesta noite. Está tão
obsedado pelos milhões que duvido que ainda possa raciocinar.


Valdeque Morris, ciente de tudo, por intermédio do inspetor
Jaime, se preparou pra dormir, enquanto ele se colocava por trás
dos grossos e pesados reposteiros do quarto, em companhia de
capitão Edu e de inspetor Tom.
Passava um pouco da meia-noite quando a porta foi
cautelosamente aberta e Tomás Sloane penetrou no quarto. Em sua
mão brilhava uma arma. Valdeque Morris suava entre os lençóis à
medida que ele se aproximava da cama. Súbito, as luzes foram
acesas.
— Te levantes!, Valdeque. — Gritou Tomás, apontando a arma.
— Tomás! Tu... — Disse o advogado, simulando espanto.
— Sim, Valdeque. Eu mesmo.
— Te apanharão.
— Não, Valdeque. O autor de todos os crimes será considerado
tu.
— Eu? Como?
Tomás Sloane retirou um papel do bolso e o colocou sobre a
mesinha, diante dos olhos de Valdeque.
— Antes de te matar quero que assines isto.
— Mas o que é?
— Vamos! Assines logo, Valdeque. É a confissão de teus
crimes. Te lembres de que estamos sós na casa.
Os três homens de Scotland Yard saíram do esconderijo.
— Bravo!, Tomás, bravíssimo! — Exclamou inspetor Jaime.
A arma que o rapaz tinha nas mãos detonou uma vez, ao mesmo
tempo que as armas de Jaime e de inspetor Tom detonavam
também. Tomás Sloane caiu morto no momento em que capitão

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Edu e Valdeque Morris amparavam inspetor Jaime Patrício.


— Foi nada, Edu. Creio que apenas um arranhão.
Berenice Weldon, que despertara com os estampidos,
contemplava, da porta, horrorizada, o quadro que tinha diante dos
olhos. Compreendeu tudo, antes mesmo que lhe explicassem.
Enquanto Jaime tirava o casaco, deixando ver a camisa toda
ensangüentada à altura do ombro direito, Tom caminhou à moça.
— Não era digno da senhorita. — Disse, a segurando pelo braço
e conduzindo a longe daquele quarto.
Uma semana mais tarde, estirado no sofá, em seu apartamento,
inspetor Jaime, ainda em convalescença, conversava com seu
criado.
— Então, Lucas. Como vai a doce May?
— Muito bem, senhor. Ficou te admirando muito depois que lhe
contei os elogios que me fizeste.
— Á!... Então ela te ama, mesmo. Não é?
— Parece, senhor.
— Pelo que vejo, Lucas, o único homem feliz que eu conheço é
Tom. Não sabe o que é amar.
Inspetor Tom entrou naquele momento, com um sorriso nos
lábios. Envergava um terno novo e seu cabelo, muito bem
penteado, deixava exalar um suave perfume de violeta.
Jaime o olhou, desconfiado. Disse Tom:
— Estou apaixonado, meu amigo.
— Estás o quê?
— Apaixonado!, meu amigo. Que olhos... que rosto... Como é
linda!...
— Será, por acaso, Berenice Weldon?
— Em pessoa, meu amigo.
Lucas, que ouvia a conversa, um pouco afastado, prendeu um
sorriso preste a escapar dos lábios, olhando seu patrão.
— O que é que estavas dizendo, mesmo, a respeito de inspetor
Tom?
— Que é também um tolo, Lucas. Um grandíssimo tolo.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

A dama da túnica escarlate


Capítulo I
Um estranho chamado
nspetor Jaime Patrício, regressava a Londres naquele dia
sombrio, depois de gozar dois lindos, felizes e dispendiosos
meses. Se estava quebrado e ele próprio o sentia, não vendo
mais que alguns xelins no bolso, também estava contente e mais
disposto de corpo e de espírito quando saltou na estação de Vitória.
Antes de decidir tomar uma condução, descansou um instante
uma valise de tamanho regular, que era toda sua bagagem, e ficou
contemplando o vai-e-vem humano naquela estação. Sua figura
esbelta e impecável era facilmente distinguível no meio do povo.
Tinha 1,90m de altura, ossos e músculos.
Jaime segurou novamente a valise, puxou o chapéu um pouco
mais aos olhos e ia se meter num táxi, quando a silhueta dum
homem ainda novo, louro e bem vestido lhe chamou a atenção.
Atirou a valise ao banco traseiro do carro, fazendo um gesto, ao
chofer, pra que esperasse.
— Meu amigo Flash, como vais? — Disse Jaime ao rapaz louro
que ainda não notara a presença do inspetor.
— Ó!, inspetor Jaime! Não te esqueces de nós. Hem!
— Como é que eu poderia esquecer um rostinho tão bonito?,
Flash. Pensei que ainda estivesses gozando umas feriazinhas em
Portolândia.
Não, inspetor. Agora estou no bom caminho e trabalhando.
Queres dizer que alguém anda trabalhando pra ti. Não é?, Flash.

190
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

E o que chamas de bom caminho?


— Bem... inspetor. Vás desculpar que eu vá andando, mas...
Preciso ir e nada tens contra mim.
Jaime esperou que a figurinha horripilante de Flash se afastasse
e se meteu no carro, mandando seguir à Scotland Yard.
— Olá!, Jaime, velho amigo. — Disse capitão Edu, apertando
fortemente a mão de seu companheiro de luta — Quando chegaste?
— Há poucos minutos. E nossa velha Londres, sempre a
mesma...
Sinto muito ter precisado interromper tuas férias.
— Sim. É verdade. Recebi teu telegrama e aqui estou.
— Mais forte e risonho. Vamos a tua sala. Tom ficará contente
em te ver.
A sala de inspetor Jaime Patrício ficava situada quase no fundo
do corredor do primeiro andar do edifício da Scotland Yard e tinha
o número 47.
Jaime segurou a maçaneta da porta e entrou, sozinho, naquela
sala onde há dois meses não entrava. Pôs o chapéu e a capa sobre
um pequeno arquivo e se sentou, satisfeito, atirando o corpo ao
encosto da cadeira. Contemplou os papéis arrumados sobre a mesa,
os dois grandes e pesados armários e, soltando um suspiro, foi à
janela e espiou. A tarde começava a avançar e se via um lindo
quadro no dique do Tâmisa. As pontas dalguns edifícios apareciam
através do nevoeiro. Além uma longa linha verde de árvore
sombreando um caminho e bondes cor de chocolate correndo de cá
a lá. Era um fragmento de Londres pulsando, concorrendo ao
aumento da pulsação incessante da velha Albião.
Jaime estava absorto em pensamento quando a porta se abriu,
dando entrada a Tom Malloney, seu companheiro inseparável.
Trabalhavam sempre juntos e na Yard diziam, mesmo, que era seu
braço direito.
— Jaime! Como estou contente por teres voltado. — Exclamou
Tom, quase se atirando aos braços dele.
— Sim, Tom. Creio que é a ti que devo agradecer a boa
arrumação da minha sala. — Disse Jaime, pondo o braço sobre o
ombro de seu companheiro.
Jaime, depois de assinar alguns papéis, saiu da sala pra se
encontrar com capitão Edu.
— Se achas que fiz mal em te chamar não te entregarei este caso
e podes voltar ass férias interrompidas. Mas quero muito que fosses
tu quem solverá o caso que acho bastante estranho pra entregar a

191
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

qualquer outro de meus homens. O próprio sir Bartolomeu Lansing


formulou esse desejo.
— Isso é muito honroso pra mim mas não tenho idéia de quem
seja esse Bartolomeu Lansing. E qual é o caso?
— Não te posso dizer. É parte do pedido que me fez. Apenas te
adianto que é um homem respeitável. O mais saberás por ele
próprio.
Jaime voltou à sala. Depois de dar umas voltas no aposento
apanhou o chapéu que estava sobre o arquivo, pra sair.
— Vamos, Tom. Preciso passar em meu apartamento. E,
também, quero tomar ar.
O apartamento de Jaime ficava no terceiro e último andar dum
prédio escuro, repartido em três moradias, na travessia da rodovia
Charing. Na primeira morava um velho músico que passava horas
inteiras tocando a valsa do Adeus. Na segunda morava Tom, que de
tanto ouvir o velho músico tocar a mesma valsa, apanhou o hábito
de àssobiar nos momentos alegres.
Quando atingiram o segundo patamar Tom retirou uma pequena
chave do bolso pra abrir a porta de seu apartamento.
— Não, Tom. Venhas ficar um pouco comigo. Meu bom criado
Lucas nestas hora já deve estar com dois copos de uísque
preparados pra nós. Queres apostar? E queres apostar, também,
como dirá, a nossa entrada: Estou contente, senhor, por tua
volta. Já arrumei tuas coisas, senhor. Linda noite não?,
senhor.
Os dois inspetores entraram no apartamento de Jaime e Lucas os
recebeu à porta.
— Olá!, Lucas. Como vais?
— Bem, obrigado, senhor. Em verdade estou muito contente por
tua volta, senhor e...
Jaime olhou a Tom, piscando um olho, e os dois detetives
soltaram, ao mesmo tempo, uma gostosa gargalhada.

Capítulo II
Quem é Bartolomeu Lansing
Na manhã do dia seguinte inspetor Jaime Patrício estava na
Scotland Yard às 8:30h. Sobre sua mesa alguns memorandos do
departamento e vários documentos a ser entregues aos superiores
da Yard.
Jaime olhou os papéis e assinou dois, guardando os outros.
Capitão Edu entrou naquele momento na sala.

192
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Estás disposto a aceitar o caso de sir Bartolomeu?


— Sim. Penso que não há outro remédio. Onde reside sir
Bartolomeu?
— Eu sabia que aceitarias. Sua residência fica em Hampstead.
Jaime atravessou o corredor da Scotland Yard e, à saída, deu de
cara com Tom.
— Hem!, Jaime. Aonde vais?
— A Hampstead. Venhas comigo.
Os dois inspetores tomaram um ônibus. Durante a viagem se
mantiveram em silêncio. Desceram antes do destino e tiveram de
caminhar quase 100m até a residência de sir Bartolomeu Lansing.
Era uma casa de aparência comum, sombria e despida de
ornamento, de dois andares mas muito alta.
Os dois inspetores atravessaram a rua, subiram alguns degraus e
Jaime tocou a campainha.
A porta foi atendida por um criado. Jaime lhe dirigiu poucas
palavras, pedindo que o conduzisse a sir Bartolomeu.
O vestíbulo era alto e espaçoso e tinha as paredes forradas com
painéis de madeira escura, desde o chão de mosaico de mármore
até o teto. Uma escada com passadeira, vermelho escuro, conduzia
ao andar superior. O mobiliário do vestíbulo consistia, apenas,
numa mesa losangular, sobre a qual repousava um telefone e uma
cadeira de encosto. A iluminação era feita por luz indireta. Por uma
janela em semi-círculo, no canto, entrava a luz natural. Além da
janela havia somente duas portas. Uma à esquerda da de entrada,
por onde desaparecera o criado. A outra em frente.
Jaime continuava o exame quando o criado apareceu, abrindo a
porta e convidando a entrar.
Jaime se encontrou numa grande sala ricamente mobiliada. As
paredes estavam cobertas de quadro e tapeçaria. No fundo da sala
se via uma bela mesa de trabalho, atrás dela apareciam quatro
janelas, de cujos lados pendiam pesados reposteiros de veludo que,
corridos, barravam toda luz.
Um homem que estava sentado numa riquíssima cadeira se
ergueu à entrada de Jaime e Tom. Era baixo, franzino e de
fisionomia sadia. De testa calva, olhos fundos e muito separados,
usava, enfeando ainda mais a expressão do rosto, um pincenê14

14
Pincenê (do francês pince-nez). Modelo de óculos usado nos século 15 até
o início do século 20, cuja estrutura era desprovida de haste. A fixação era feita
apenas sobre o nariz. Diferente dos lernhons, cujo modelo era dotado de haste
lateral pra ser colocado diante dos olhos, o pincenê prendia os aros, como uma

193
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

muito esquisito. Parecia, no entanto, estar envolvido numa


atmosfera de conforto e bom-humor.
Estendeu a mão aos dois inspetores, apertando efusivamente a
de Jaime.
— Não imaginas como estou satisfeito por atenderes a meu
apelo.
— Muito obrigado, sir Bartolomeu. Estou a tuas ordens, se bem
que ainda de nada saiba.
Sir Bartolomeu indicou duas confortáveis cadeiras de couro, aos
inspetores, se sentando atrás da mesa.
Abriu uma caixa e ofereceu charuto.
— Inspetor Jaime. Agora te peço que me escutes sem
comentário.
— Perfeitamente, senhor.
— Há quinze anos, isto é, quando eu tinha vinte e nove anos,
portanto um rapaz ainda, perdi meu pai, o que me causou profundo
desgosto. Nessa ocasião eu estava na Guatemala e fui obrigado a
vir, imediatamente, a Londres.
Ao partir deixei ali, ao abandono, uma mulher com quem eu
mantinha relação. Comecei, aqui chegando, a dirigir o negócio de
meu pai e consegui ganhar algo. Depois a sorte me foi adversa e
perdi tudo que possuía. Nunca mais tive notícia da tal mulher, até
que, há dois anos, soube que falecera na mais negra miséria. Senti
muito, inspetor, mas eu nada podia fazer. Pensam que sou rico mas
é engano. Do que tinha não me resta mais um xelim. Se acham que
um dinheiro que quando eu morrer passará às mãos de outros, é
fortuna, então posso dizer que ainda tenho algo, apesar desta casa
estar hipotecada. Se vivo ainda, no entanto, com este luxo é graças
ao lugar que ocupo de diretor do banco Londres Chatã.
— Sobre o dinheiro que disseste que passará às mãos doutros
quando morreres, acho que é um seguro de vida.
— Exatamente inspetor. Os beneficiados são meu sobrinho
Érico Lansing e a minha secretária senhorita Lurdes Smith.
— Mas não vejo necessidade de meu serviço.
— Um momento, inspetor, ainda não terminei minha narrativa.
Como eu estava dizendo, nada possuo e essa é, portanto, a razão de
não poder satisfazer às ameaças da mulher que abandonei na
Guatemala.

pinça, à ossatura do nariz. O modelo foi superado pelos óculos hasticulares


modernos, como os numont, cujos aros superiores ou inferiores eram finos e
ofereciam leveza e segurança. Nota do digitalizador. Extraído de Wikipedia.

194
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Como? Não me disseste que falecera?


— Sim, inspetor. Assim me disseram. Mas há dois meses
aparece nesta casa, exigindo uma quantia que não possuo.
— Estarás, por acaso, sir Bartolomeu, querendo dizer que esta
casa é mal-assombrada?
— Sou forçado a isso, inspetor. Eu próprio já me convenci. A vi
duas vezes, passeando no vestíbulo, coberta com uma túnica
escarlate. Não acreditas. Não é?
— Bem..., sir Bartolomeu, sinto muito te contrariar mas... os que
tentaram me fazer acreditar em fantasma enviei de presente ao
carrasco. Afinal, o que queres que eu faça?
— Em suma, inspetor. Quero que me protejas. Estou ameaçado
de morte. Disse que eu morreria no dia 20 e, hoje sendo 17 tenho
três dias de vida.
— Ouviste a voz?
— Sim. Era ela. Estou certo.
— Terás, porventura, um retrato dessa moça?
Jaime contemplou o retrato duma mulher vistosa, que sir
Bartolomeu lhe entregara, depois de retirar de dentro do relógio.
— Se me permites, a guardarei, senhor.
— Sim, inspetor. Peço que compareças, hoje na noite, a esta
casa. Mandarei arrumar o quarto de hóspede.
— Muito obrigado, sir Bartolomeu. A que horas devo vir?
— Não te incomodes. Mandarei te buscar.
Saíram por onde entraram. Jaime olhou fixamente a fisionomia
do criado.
Já na rua Tom falou, em primeira vez desde a chegada.
— Trabalharei contigo Jaime?
— Sim, Tom. Mas nesta noite não virás.

Capítulo III
Lurdes
Eram 10:30h da noite e Jaime Patrício estava sentado em sua
sala, na Scotland Yard, com a cabeça apoiada entre as mãos. Sobre
a mesa descansava um pequeno retrato de mulher ao qual olhava.
Apertou uma campainha e, poucos instantes depois, surgiu um
mensageiro fardado a quem Jaime deu um papel pra ser entregue a
capitão Edu. O mensageiro ia sair quando Jaime o chamou.
— Rapaz! Espero uma pessoa às 11h. Dês ordem pra que a
deixem entrar.
— Sim senhor, inspetor Jaime.

195
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Depois que o mensageiro saiu o inspetor se levantou,


caminhando até a janela.
Pouco depois leves batidas foram ouvidas.
— Entres! — Exclamou Jaime, sem se voltar.
A porta foi aberta e na sala surgiu uma moça admiravelmente
bela. Uma linda cabeleira loura emoldurando uma testa alva dava
grande realce aos olhos claros e límpidos, fixos nas costas de
inspetor Jaime, que permanecia olhando pela janela.
— É o gabinete de inspetor Jaime Patrício?
Ao som daquela voz feminina Jaime se voltou rapidamente e não
pôde responder logo, pois a surpresa o emudecera, ante aquela
figura elegante e delicada.
— Meu-deus!
A moça sorriu e Jaime confessou nunca ter visto criatura tão
linda e graciosa.
— É o gabinete de inspetor Jaime?
— Sim, senhorita. Sou inspetor Jaime Patrício.
— Tu? Ó! Meu nome é Lurdes Smith. Sou secretária de sir
Bartolomeu Lansing.
— Não digas que veio me buscar!
— Sim, e creias que estou desapontada.
— Como?
— Sim. Não pensei que fosses tão moço... Te julgava um senhor
idoso.
Jaime sorriu, apanhando a capa e o chapéu.
Atravessaram o corredor e, enquanto andavam, Jaime,
observando os movimentos da moça, teve a impressão duma
elegância e graça extraordinárias.
Na entrada da Scotland Yard havia um auto que os esperava.
Enquanto o carro corria em direção a Hampstead, Jaime estava
convencido de que, desde que deixara a Scotland Yard, uma nova,
poderosa e nunca dantes sentida sensação lhe invadira a alma. Era
pouco romântico mas diante daquela moça, de vinte anos
presumíveis, se sentia capaz de dizer coisas amorosas.
Lurdes Smith olhava o rosto de Jaime e não pôde deixar de
reconhecer que era extremamente simpático.
— Então é este o tão falado e temível inspetor Jaime Patrício, o
homem que vencia sempre e que os criminosos, se fossem
argüidos, diriam ser a primeira pessoa que desejariam encontrar na
profundeza do Inferno! — Ela exclamou consigo.
Naquele momento o carro entrou numa curva e Jaime olhou a

196
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Lurdes Smith.
— Trabalhas há muito com sir Bartolomeu?
— Sim, inspetor. Desde que perdi meus pais, com a idade de 16
anos.
Ele desejaria, ainda. perguntar muitas coisas mais, porém já
chegaram.

Capítulo IV
Noite sinistra
Sir Bartolomeu Lansing estava em seu escritório, em traje
caseiro, quando Jaime entrou em companhia de senhorita Smith.
Um sorriso aflorou aos lábios quando viu a figura do inspetor.
— Muito obrigado, sir Bartolomeu, por me enviar tão cativante
companhia.
— Se queres agradecer agradeças a si mesma. Foi por sua
espontânea vontade.
Lurdes sorriu e Jaime notou, naquela sala claramente iluminada,
que ela era mais linda do que pensara na Scotland Yard. E notou
mais, que piscava os olhos graciosamente, quando sorria ou falava.
Sir Bartolomeu puxou uma campainha de cordão e o criado
atendeu prontamente.
— Desejas beber algo?
— Não, obrigado. Se não for incômodo quero uma chávena de
chá.
— Tomarás, inspetor, e feito por mim. — Disse senhorita Smith,
saindo logo depois do criado.
— Esse empregado está contigo há muito tempo?, sir
Bartolomeu.
— Sim. O trouxe da Guatemala.
Sir Lansing olhou o grande relógio cujos ponteiros marcavam
exatamente 11:30h.
— Dentro de meia hora verás os horrores desta casa na meia-
noite. Tens algum plano?
Senhorita Smith entrou com uma bandeja entre as mãos.
Enquanto sorvia, a pequenos goles, o chá, Jaime fitava sir
Lansing.
— Não sei o que tencionas fazer, inspetor, mas teu quarto está
pronto.
— Muito obrigado, senhor, mas ficarei aqui mesmo.
— Aqui? — Interrogou Lurdes Smith.
— Justamente, senhorita. Nesta mesma cadeira na qual estou

197
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

sentado. Quero que se recolham a vossos aposentos, como sempre.


20min decorreram desde que sir Bartolomeu e senhorita Smith
subiram. Toda a casa estava mergulhada no mais profundo silêncio
e na mais completa escuridão. Súbito, vindo de qualquer parte,
ouviu um fraco gemido. Ficou mais forte. Jaime se ergueu da
cadeira, segurando a lanterna de bolso. Parou na soleira da porta
que liga o vestíbulo ao escritório. O gemido cessou e tudo recaiu
em silêncio. Já ia voltar, quando ouviu um barulho, como o de
móveis sendo arrastados. Favorecido pelo silêncio da casa o ruído
ficava cada vez mais forte. Jaime, lanterna em punho, percorria
todos os recantos, procurando localizar o lugar donde partia. Não
havia alguém ali. O ruído cessou novamente. De repente principiou
de novo, agora acompanhado pelo gemido. Jaime se enfureceu e
começou a suar.
Durante 5min tudo permaneceu em silêncio. Voltou à cadeira.
Não tardou muito a ouvir, não mais o gemido ou o ruído mas
uma voz metálica de mulher:
— Sim Bartolomeu. Sou eu mesma. Morrerás depois de amanhã.
A luz do vestíbulo foi acesa e Jaime viu sir Bartolomeu
descendo a escada, pálido, tremendo, apoiado no braço de sua
secretária.
— Inspetor! Ouviste?
Jaime caminhou até a escada a encontro de ambos.
— Te acalmes, sir Lansing. Senhorita Lurdes, queiras o
acompanhar até seu quarto.
— Sim inspetor, mas...
— Fiques tranqüila senhorita. Tenho certeza de que nada mais
acontecerá.
De fato, nada mais aconteceu naquela noite e Jaime pôde
descansar um pouco.

Capítulo V
Érico Lansing
Muito cedo, na manhã seguinte, Jaime estava na Scotland Yard.
A cabeça doía um pouco. Depois de despachar alguns papéis saiu
com destino à casa. Lucas nem perguntou onde o patrão estivera a
noite toda e se limitou a lhe dar um remédio que fora pedido e
preparar a roupa pra ele vestir ao sair do banho.
— Lucas, há em Londres uma criatura encantadora! Um anjo de
graça.
— Acredito, senhor.

198
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Lucas, já viste um fantasma?


— Felizmente não, senhor. Penso que isso não existe. Minha
mãe costumava me amedrontar com fantasma. É a esses que te
referes?
— Sim, Lucas. É isso mesmo. Querem amedrontar alguém!
Jaime acabou de se vestir e saiu. A primeira pessoa que
encontrou ao chegar à Scotland Yard foi Tom.
— Então, Jaime. Como foi a aventura em Hampstead?
— Muito bem, Tom. O joguinho parece ser bem feito!
— O que houve?
— Quase nada: Móveis se arrastando, gemidos e vozes
ameaçadoras.
— Hem?
No corredor os dois inspetores se separaram. Tom seguiu ao
gabinete 47 e Jaime foi à sala de capitão Edu Brown.
— Salve!, Jaime. Já sei de tudo o que houve. Sir Bartolomeu me
telefonou há pouco.
— Sim. Acredites que não gostei muito daquela brincadeira.
Onde trabalha o sobrinho de sir Lansing?
— Érico Lansing?
— Sim. Quero lhe fazer uma pequena visita.
— É diretor duma companhia de seguro cujo nome é Greenwich.
— Duma companhia de seguro? Então vou andando. Preciso ver
Érico Lansing.
Eram 10:30h quando inspetor Jaime Patrício deixou a Scotland
Yard pra fazer a visita.
Outro homem levava dez minutos de vantagem e ia ao mesmo
lugar. Era um tipinho horrivelmente louro: O ex-sentenciado Flash
Millis. 5min depois chegou a uma rua sossegada em Bloomsbury,
ocupada, principalmente, por joalheria. Havia uma exceção: Um
edifício alto e estreito de tijolo escuro, onde estava instalada a
Greenwich. Flash subiu no elevador, saltando no segundo andar.
Parou diante duma porta onde se lia, em letras pretas, Érico
Lansing e, como um íntimo, sem cerimônia, entrou.
Um homem alto, muito vermelho e de cabeça grande, se ergueu,
assustado, à entrada de Flash.
— Assustado?, senhor Lansing.
— Não! Pensei que não estivesses em Londres. O que queres?
— Sim, senhor Lansing? Sabes que as coisas não andam bem e
eu estou precisando de algum...
— És um miserável! Não te darei mais um xelim! — Gritou

199
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Érico Lansing, segurando Flash Millis pelo casaco: — Te retires já,


seu...
Flash Millis se livrou das mãos de Érico Lansing sacando, do
bolso, um pequeno revólver.
— Ei!, senhor Lansing. É melhor te acalmares, porque...
Nesse momento uma voz calma, a mais doce do mundo,
perguntou:
— Posso prestar algum serviço?
Flash Millis olhou o intruso com uma expressão quase cômica
no rosto. Era inspetor Jaime Patrício que ali estava, com um sorriso
nos lábios.
Érico Lansing, que já recuperara a calma, se voltou a Jaime.
— Desejas alguma coisa?, senhor.
Vim pra te conhecer, senhor Lansing. Creio, porém, que cheguei
numa péssima ocasião. Não? Sou inspetor Jaime Patrício, da
Scotland Yard.
E, se virando a Flash:
— Sabes que eu poderia te prender por andar armado?
O ex-sentenciado estava nervoso e a mão que procurava acender
um cigarro tremia.
— Estás me perseguindo? Inspetor. — Perguntou Flash,
procurando recuperar o sangue-frio.
— Não, belezinha. E pra mostrar que falo a verdade, te darei
licença pra ir embora.
Flash Millis ia saindo, quando Jaime o chamou.
— Ei! Podes ir mas deixes comigo o canhãozinho que estavas
empunhando quando cheguei.
Flash entregou o pequeno revólver e saiu, apressado, daquela
sala, maldizendo o inspetor.
— Conheces esse homem que acabou de sair?, senhor Lansing.
— Sim. Conheço, inspetor.
— Não achas um tanto esquisito que um diretor comercial duma
companhia de seguro tenha relação com um tipo como Flash, que
pertence à classe dos criminosos e já cumpriu sentença na
penitenciária?
— Sim. De fato, inspetor. Mas te chamei pra averiguar a
respeito dum homem que ele conheceu na penitenciária. E por mais
estranhas que lhe possam parecer minha relação com ele, não as
posso explicar.
Poucos minutos depois, Jaime descia, pensativo, o pavimento
Bloomsbury. O que Flash Millis fora fazer na Greenwich? O que

200
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

significava aquele revólver em punho e o rosto encolerizado de


Érico Lansing? Jaime sabia que ali havia um mistério qualquer e
que senhor Lansing não lhe dissera a verdade. E também donde
estaria saindo o dinheiro pra Flash luxar?
Inspetor Jaime Patrício tomou um carro e mandou seguir à
Scotland Yard.

Capítulo VI
Flash se intromete
O louro ex-sentenciado Flash Millis estava parado em Piccadilly
naquela hora da tarde. Reparou na graciosa silhueta de moça que
caminhava apressada na calçada e resolveu se atirar.
Lurdes Smith viu que Flash se aproximava e acelerou o passo.
Outro homem caminhava atrás de Flash, atento ao movimento.
No instante em que ele se dirigiria à moça, uma pesada mão caiu
sobre os ombros.
Fazendo alguma conquista?, Flash.
— Ó!, inspetor. És o Diabo em pessoa. Estás em todo lugar!
— Sim?, Flash. Pois trates de andar direitinho. Te lembras da
galeria G, em Portolândia? Estou com vontade de te mandar gozar
mais umas feriazinhas!
Lurdes Smith, um pouco afastada, apreciava aquela cena.
Quando Flash se afastou se dirigiu ao inspetor.
— Boa tarde, inspetor. Obrigada. Não sabia que também eras
protetor de moça.
— E sou, senhorita. De moça bonita...
— Mas eu já estou acostumada a andar só, inspetor, e não tenho
receio de conquistadores.
— Jaime a acompanhou até Hampstead, a deixando em casa.
Ia atravessar pra tomar um carro, quando viu Flash entrando
num prédio contíguo ao de sir Bartolomeu. Era uma casa de dois
andares, tendo uma drogaria na loja.
— Alguma droga pros nervos? — Perguntou Jaime, batendo no
ombro de Flash Millis.
— Tu de novo? O que queres?
— Nada, Flash. Queria ter certeza de que eras tu mesmo.
Jaime saiu da drogaria e esperou um pouco na calçada. Vendo
que Flash não saía tomou um táxi.
Antes de ir à Scotland Yard precisava passar no apartamento.

Capítulo VII

201
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

A dama da túnica escarlate


Eram precisamente 11h quando inspetor Jaime Patrício chegou à
residência de sir Bartolomeu Lansing.
Estava certo de que os acontecimentos da última noite se
repetiriam e acreditava que sir Lansing estava em perigo de vida,
porém não tinha idéia donde partiria nem de como afastar esse
perigo que pairava sobre a casa de Hampstead.
Jaime, sentado na beira da cama do quarto de hóspede, esperou,
impaciente, que o relógio batesse meia-noite.
Pouco teve de esperar. Enquanto ouvia as badaladas se ergueu,
vestindo um chambre. Foi ao corredor do andar superior e se
debruçou no corrimão. A casa estava mergulhada no mais profundo
silêncio. Súbito a mesma algazarra principiou, da mesma maneira
que na noite anterior.
Jaime acendeu a lanterna, projetando a luz no vestíbulo. Uma
figura se movia naquela parte da casa e foi totalmente iluminada
pela lanterna do inspetor. Era uma mulher coberta com uma túnica
escarlate!
Jaime gritou ao mesmo tempo que descia a escada, apressado.
Mas parou no meio, levando as mãos aos olhos, momentaneamente
cego pelo reflexo de poderosa lanterna. Soou um tiro e sentiu uma
dor forte na altura do ombro esquerdo.
Quando voltou a si deu com os rostos de sir Bartolomeu e de
Lurdes, que o fitavam. Olhou o ombro esquerdo descoberto e viu
um algodão sobre ele. Sim, agora se lembrava, fora ferido e perdera
o sentido. Disse sir Lansing:
— Foi quase nada, inspetor. Apenas um arranhão.
Se ergueu rapidamente. Pediu esparadrapo e com ele prendeu o
algodão sobre a ferida. Enfiou o casaco, se dirigindo à porta.
— Aonde irás? — Interrogou senhorita Smith. — Estás ferido.
— O que farás? — Perguntou sir Bartolomeu.
— Irei à Scotland Yard. A pessoa que me fez este arranhão
pagará caro.
— Mas o que farás?
— Tenho um péssimo hábito, sir Lansing: Falo pouco. Conheces
um provérbio de Confúcio: Falar é semear, escutar é
recolher?15 Pois então. Dá muito bom resultado na prática. —
Disse inspetor Jaime Patrício, descendo, depressa, aquela escada

15
Ou uma variante desse provérbio: A palavra é de prata, o silêncio é de ouro.
Nota do digitalizador.

202
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

onde quase encontrara a morte minutos antes.


Tomou um carro, mandando seguir à Scotland Yard. Disse o
porteiro:
— Inspetor, eis um envelope pra ti.
Jaime abriu e encontrou um irônico16 bilhete:
Ao inspetor Jaime
Por que não continuas gozando as férias? Seria melhor
pra ti e pra nós.
— Quem entregou isto?, rapaz.
— Não sei, inspetor. Foi um homem decentemente vestido.
— Louro?
— Sim, inspetor.
Na sala número 47 se encontrou com Tom. Tirou o casaco e
abriu a camisa pra ajeitar o esparadrapo.
— O que é isso?, Jaime.
— Nada, Tom. Um pequeno arranhão feito pelo tal fantasma de
Hampstead. Chames Edu. O preciso ver.
Depois que Tom saiu Jaime retirou, duma gaveta, o pequeno
retrato de mulher que sir Lansing lhe entregara. O colocou sobre a
mesa, juntamente com o revólver que tomara de Flash e o bilhete
escrito a máquina, que recebera do porteiro. Pensou no encontro
com Érico Lansing e Flash. Tinha certeza de que o bilhete fora
entregue por Flash. Se lembrou do ataque e concluiu que a chave
de tudo era o seguro de vida.
Nesse momento a porta foi aberta e capitão Edu entrou seguido
de Tom.
— Então, Jaime. O que há?
— Pouca coisa. Exceto eu ser ferido. Já recebeste a resposta
daquele telegrama?
— Ainda não. Mas espero que em breve.
— E tu, Tom. Indagaste tudo?
— Tudinho, Jaime. Sir Bartolomeu está, de fato, com a casa

16
No texto impresso consta o termo lacônico. Mas tal não procede porque o termo
lacônico se refere a uma frase com o mínimo de palavra, geralmente uma, duas ou
três. Uma frase tão longa não é lacônica. Os dicionários registram o termo como
significando resumido, sucinto, breve. Na antiga Grécia Felipe da Macedônia (pai
de Alexandre Magno) cercou a Lacônia e enviou uma mensagem aos espartanos: Se
não vos renderdes imediatamente invadirei vossas terras. Se meus
exércitos as invadirem pilharão e queimarão tudo o que mais prezais. Se eu
marchar sobre a Lacônia arrasarei vossas cidades. Alguns dias depois Felipe
recebeu a resposta. Abriu a carta e encontrou somente uma palavra escrita: Se. É a
origem da expressão Resposta lacônica. Nota do digitalizador.

203
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

hipotecada a um judeu velho que reside em Beverley Manor e já


gastou tudo que possuía.
— Eu sabia. O que não sei é o que querem com ele.
Jaime guardou o retrato, o aviso e o revólver na gaveta, se
virando a Edu.
— Faças espalhar a descrição do ex-sentenciado Flash Millis.
Quero esse tipo.
Assim falando deu um até logo a capitão Edu, saindo em
companhia de Tom Malloney.

Capítulo VIII
A morte no carro
Às 9h da manhã seguinte inspetor Jaime Patrício caminhava,
lado a lado, com Tom, numa rua de Hampstead.
— Iremos à residência de sir Bartolomeu?, Jaime.
— Sim, Tom. Mas primeiro iremos àquele prédio.
Apontou uma casa de dois andares, contígua à de sir Lansing, a
mesma na qual entrara Flash Millis no dia anterior.
— Naquela drogaria?
— Exato. Se não estiver enganado encontrarei a solução do
problema número 1. Isto é, porque Flash Millis estava com Érico
Lansing.
Jaime não teve dificuldade em obter, do empregado, a
informação que queria ao mostrar sua chapa.
— Sim, inspetor. O cavalheiro que procuras mora no segundo
andar. Sai sempre na manhã e só volta na noite.
— Tens chave que abra o quarto?
O empregado a entregou e Jaime subiu com Tom. Entraram no
quarto e, depois duma busca, encontraram um pequeno baú sob o
colchão. Dentro um pacote de cartas, escritas por mãos femininas, a
Érico Lansing.
Jaime sorriu satisfeito e, segurando o baú, disse:
— Vamos Tom. Encontrei o que esperava encontrar.
Durante 5min fizeram soar a campainha da residência de sir
Bartolomeu Lansing, sem que a porta fosse aberta. Até que
apareceu o rosto risonho de senhorita Smith.
— Desculpes fazer esperar, inspetor, mas estou só.
— Estás só? Onde estão sir Bartolomeu e o criado?
— Foram a Beverley Manor. Sir Bartolomeu me disse que não
demoraria. Estava muito agitado e Pedro resolveu o acompanhar.
— Mas, senhorita... e

204
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

e Jaime se lembrou que era dia 20.


— Em que carro foram?
— No mesmo em que fui te buscar naquela noite.
— Quem ia na direção?
— Penso que sir Bartolomeu, pois havia dispensado o chofer.
Receias algo?
— Ó!, não, senhorita, mas tudo pode acontecer.
Às 10:30h da noite Jaime estava em sua sala, na Scotland Yard,
olhando pela janela. Tom e Edu passeavam no aposento.
— Será possível que até agora não conseguiram encontrar o
carro?
— Não sei, Jaime. Estou apreensivo.
O telefone tilintou e Jaime agarrou o fone.
— É inspetor Jaime Patrício? Aqui é do distrito policial de Kent.
Estás procurando um sedã preto, chapa 14.992?
— Sim, rapaz. Encontrastes?
— Sim senhor. Completamente queimado, na estrada de
Beverley Manor. Dentro dele encontramos o corpo dum homem
completamente carbonizado.
— Um homem carbonizado?
— Sim, senhor. Parece que foi proposital. Achamos duas latas
de gasolina vazias perto do carro.
— Muito bem. Vigiai esse carro. Iremos já àí. Vamos, Edu,
mataram sir Bartolomeu Lansing.

Capítulo IX
O seguro de vida
Jaime voltou, imediatamente, à Scotland Yard. Levava um par
de abotoadura, um relógio e um anel, objetos que pertenciam a sir
Bartolomeu Lansing. Os guardou na gaveta da mesa de sua sala,
juntamente com os outros que já estavam ali.
Agora tinha de agir e depressa. O seguro de vida era uma pista
que o levava a Érico Lansing, porque senhorita Lurdes ele varria do
rol de suspeito.
— Sim, meu-deus! Mas é isso mesmo! Não podia ser Lurdes! —
Pensou. O que o intrigava era a desaparição do criado Pedro.
Capitão Edu Brown entrou na sala naquele momento:
— Tudo isso é horrível. Antes de ser queimado sir Bartolomeu
levou uma forte pancada na cabeça.
— Sim, Edu. Isso é explicável. Pra poderem atear fogo ao carro
era preciso que sir Lansing estivesse morto ou desmaiado. Mas o

205
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

que não posso compreender é porque razão puseram fogo ao carro.


Queriam ocultar algo. Seja o que for, descobrirei.
Jaime pôs o chapéu na cabeça e se virou a Edu.
— Espalhes a descrição do criado Pedro. Mais um pro rol.
Saindo da sala tinha um destino certo em mente: A Greenwich,
na Bloomsbury.
Érico Lansing se ergueu, amável, à entrada de inspetor Jaime
Patrício.
— Ó!, inspetor. A que devo a honra de tua visita?
— Conversemos seriamente, senhor Lansing. Por quanto estava
segurado sir Bartolomeu?
— 100 mil libras!
— Aqui, nesta Companhia?
— Absolutamente, inspetor. Nossa quota é apenas de 20 mil.
Não podíamos aceitar uma responsabilidade tão grande. E tivemos
de fazer resseguro. Isto é, distribuímos os restantes 80 mil a outras
companhias. Mas, afinal, inspetor, por que desejas tal informação?
— Suponho que ainda não saibas! — Exclamou Jaime, olhando
fixo o rosto de Érico Lansing. — Teu tio foi barbaramente
assassinado.
Se Érico levou choque ao receber a notícia seu rosto não o
expressou. Se limitou a deixar escapar um Ó!.
— Penso que receberás tuas 50 mil libras e senhorita Smith
também. Não? Quando?
— Talvez amanhã, inspetor.
— Sim? Muito obrigado, senhor Lansing. Espero te ver
novamente muito em breve.
— Inspetor! Por acaso...
Érico Lansing não terminou a frase, mesmo porque Jaime já se
retirara, com destino a Hampstead.
Lurdes Smith já estava a par do ocorrido e a primeira coisa que
perguntou a Jaime, quando ele entrou na residência de sir Lansing,
foi sobre o ombro ferido.
— Está melhor, senhorita. Bem melhor.
— Foi horrível o que sucedeu ao pobre sir Bartolomeu. Não?,
inspetor.
— Sim. É verdade, Lurdes. Isto é, quero dizer senhorita Smith.
— Respondeu Jaime, um tanto atrapalhado.
— Jaime, isto é, quero dizer, inspetor Jaime, devo receber 50
mil libras. Não é? — Perguntou Lurdes, um tanto corada.
— Parece...

206
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Pois resolvi as dar aos pobres. Não quero, nem um xelim,


desse dinheiro sangrento.
Estavam sentados na sala e Jaime não cessava de contemplar o
pisca-pisca dos olhos de Lurdes.
— Lurdes, — disse Jaime, movido por uma força que até então
desconhecia — não sei como terminará este caso mas uma coisa
está me preocupando: O que farás depois?, sozinha no mundo.
— Ó! Procurarei outro emprego.
— Sim?, Lurdes. Acho que não deves trabalhar mais.
— Por que?, inspetor. Não sou boa como secretária?
— Não. Não é isso, Lurdes. Eu queria dizer...
Jaime se endireitou no sofá e engoliu em seco.
— Quero dizer, Lurdes, que sei dum ótimo lugar pra ti, cujo
trabalho seria o de compartilhar a sorte dum modesto inspetor de
polícia!
— Não compreendo bem o que estás dizendo, inspetor.
— É que, Lurdes, eu... desejo me casar contigo. Lurdes... Não
sei falar muito bem sobre essas coisas mas te amo tanto...
— Sei o que queres. — Disse Lurdes, piscando e pondo a mão
sobre a de Jaime. — Queres dizer que gostas de mim.
Jaime nada disse e pôs sua mão sobre a de Lurdes, que sorriu e
ele, assustado, retirou a sua. — Será que tu, Lurdes...
— Ponhas tua mão aqui, de novo. — Disse Lurdes. Sua voz era
quase um sussurro.
Jaime obedeceu.
— Queres que eu diga se aceito? Acho que sim, tolo, por que
gosto muito de ti, querido Jaime.
Seus olhos se encontraram aos do inspetor, que, a tomando entre
os braços, a apertou de encontro ao coração.

Capítulo X
Flash caminhou à morte
Jaime subiu, alegre, a escada do prédio onde morava. Uma
surpresa desagradável o esperava à porta do apartamento. Queria
Flash Millis e o encontrou, junto a sua porta, mas apunhalado.
Jaime chamou Lucas e se comunicou com a Scotland Yard.
Estava certo de que assassinaram Flash porque lhe contaria algo.
Depois de falar com a Scotland Yard retirou do bolso um papel
dobrado, chamando outro número.
— Sim. Aqui é doutor Guilherme. — Respondeu uma voz
amável, no outro lado da linha.

207
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Doutor? Sou eu, inspetor Jaime Patrício.


— Perfeitamente, inspetor.
— Podes fazer aquele exame?, doutor.
— Claro, inspetor. Tenho tudo preparado. Já separei a ficha de
sir Bartolomeu. Onde queres que te encontre? Como? Á! Sim,
inspetor. Perfeitamente. Estarei lá.
Jaime desligou o telefone e disse ao criado espantado:
— Lucas, há, em Londres, uma criatura muito má.
— Acredito, senhor, que existam muitas.
— Mas há um homem que se chama Carrasco.
— Não o conheço, inspetor, mas sei que existe.
—Existe, sim, Lucas e proporcionarei um encontro entre ele e
essa criatura má.
— É?, senhor. Creio que será um encontro deveras interessante.
Jaime deu ordem a Lucas pra esperar os rapazes da polícia e saiu
ligeiro.
Não voltou à Scotland Yard imediatamente. Primeiro tinha que
cumprir um doloroso dever. No necrotério de Westminster, onde
despediu o carro, encontrou capitão Edu, dois oficiais da Scotland
Yard e um homenzinho baixo e franzino segurando uma maleta,
que o esperavam.
— Muito obrigado por teres vindo, doutor Guilherme. — Disse
Jaime, se dirigindo ao homenzinho baixo. — Creio que poderemos
iniciar o exame.
O doutor abriu a maleta que trouxera, retirando material
odontológico, necessário ao exame a fazer naquele corpo
carbonizado e irreconhecível.
Jaime Patrício, um pouco afastado, contemplava a perícia de
doutor Guilherme examinando os dentes e os maxilares do homem,
comparando com os que estavam numa ficha que colocara sobre a
mesa.
25min depois Jaime, o doutor e capitão Edu, seguiam à Scotland
Yard.
— Muito obrigado, doutor.
— Nada tens a agradecer inspetor. Creio que é teu homem.
Além do mais estou satisfeito por ter prestado meu serviço a um
detetive como tu.
Jaime estava na sua sala da Yard quando capitão Edu entrou
com um telegrama nas mãos.
— Eis a resposta da Guatemala.
Jaime recebeu o papel e leu: Particular. Mulher procurada

208
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

evidentemente morta. Irmão na Inglaterra servindo de criado


pra milionário. Nome. Pedro. (ass.) Capitão Sanchez.
— Mas, Jaime. Não é o criado que estamos procurando?
— Sim, Edu. É ele mesmo.
— Escutes, Jaime. Expliques aonde queres chegar com esse
silêncio? Que significado tinha aquele exame no corpo de sir
Bartolomeu Lansing?
— Nada direi, por enquanto. Pediste pra resolver o caso. Não
foi? Interrompi minhas férias pra isso. Portanto só depois que o
tiver resolvido te contarei tudo.
Assim falando inspetor Jaime Patrício saiu, disposto a visitar
Érico Lansing.

Capítulo XI
Érico lansing morreu
Jaime saltou dum carro à porta do edifício, onde estava instalada
a Greenwich de seguro.
Inspetor Tom Malloney correu a seu encontro.
— Algo de novo?, Tom.
— Sim, Jaime. O dinheiro do resseguro já foi pago.
— Sim? Deixaste senhor Lansing sozinho?
— Não. Isto é: A não ser quando entrou um velhinho.
— Certo, Tom. Subamos depressa porque se minha suspeita se
confirmar...
À porta, onde se lia o nome de Érico Lansing, Jaime bateu com
os nós dos dedos alguns instantes. Ninguém respondeu...
— Entremos.
Érico Lansing estava sentado, imóvel, busto ereto, tendo um
pequeno orifício no pescoço.
— Assassinado! — Exclamou Tom.
— Sim. Nada de novo. Tens certeza de que recebeu o dinheiro?
— Plena, Jaime. Eu estava aqui, consigo, quando trouxeram.
— Em cheque?
— Não. Dinheiro contado. 100 mil libras!...
Jaime, depois de ordenar a Tom que chamasse a Scotland Yard e
não se afastasse daquela sala, saiu apressadamente.
Sabia, tinha certeza de que estava muito próximo do fim, mas
também se sentia cansado. Só precisava descansar um pouco, pois
havia duas noites que não dormia, e, depois, reunir os fatos e
entregar o culpado à justiça.
O primeiro movimento que fez, ao entrar em seu apartamento,

209
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

foi se atirar sobre um sofá, apesar do olhar de desaprovação do seu


bom criado Lucas.
— Não achas melhor tirar teu casaco? Senhor.
— Não, Lucas. Estou bem assim. Me deixes em paz com tua
mania de ordem.
Os sinos de Westminster repicavam 10h quando fracas batidas
se fizeram ouvir na porta do apartamento de inspetor Jaime
Patrício. Lucas abriu a porta, deparando com o rosto duma criatura
verdadeiramente adorável.
— Inspetor Jaime!
— Um momento!, senhorita.
Jaime despertou, sacudido por Lucas.
— Ó! Me deixes em paz.
— Eu te deixaria, senhor, mas penso que aí na porta está a tal
criatura adorável que disseste existir em Londres.
— Hem? — Disse Jaime, se erguendo bruscamente do sofá e
correndo à porta.
De fato, ali estava, com o cabelo desalinhado e pálida, a criatura
adorável: Lurdes Smith.
— Jaime! — Exclamou a moça, se atirando aos braços do
inspetor.
— O que houve?, minha querida.
— Ó! Jaime. Foi horrível!
— O quê? Lurdes.
— Eu sozinha naquela casa. Tive medo mas não quis sair.
Estava tudo escuro no vestíbulo quando vi um velho e senti duas
mãos tentando me agarrar. Consegui fugir e, quando corria na rua,
procurando um carro, vi um outro homem, que estava parado diante
da casa, correr a meu encalço.
— Não, Lurdes. Desse último não precisavas fugir. Era inspetor
Carlos e estava ali pra te proteger.
— Ó! Jaime. Como és bom! Gosto imensamente de ti.
— Agora ficarás aqui, enquanto irei à chefatura. Lucas olhará
por ti.
— Sim, inspetor. Tomarei conta da senhorita. E não achas que
devo, depois, procurar um quarto pra mim?
Jaime estava distraído, por isso não percebeu o que seu criado
queria dizer. Porém Lurdes Smith sorriu...

Capítulo XII
A história de Jaime Patrício

210
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Quando inspetor Jaime Patrício entrou em sua sala, na Scotland


Yard, encontrou, o esperando, seu companheiro Tom Malloney,
que o olhou significativamente, vendo Jaime sorrir.
— Bem, Tom. — Disse Jaime, se sentando. Recapitulemos. Em
primeiro lugar surge um caso e pedem que eu tome conta. Um caso
que cheirava a morte. A figura principal foi assassinada. Quem
teria interesse em o matar? Só duas: Os beneficiários do seguro de
vida. Um deles morreu e o outro seria incapaz de cometer tal crime.
Parece que havia, no meio, um caso de vingança. Flash Millis
morreu, provavelmente porque descobrira o jogo. Assim...
A porta da sala foi aberta e Jaime interrompeu o dizia pra
receber capitão Edu.
— Então?, Jaime.
— Sim, Edu. Podemos ir.
Um carro conduziu os inspetores Jaime Patrício, Tom Malloney
e capitão Edu à residência de Hampstead. Sargento Carlos, que os
esperava à porta, correu a encontro. Jaime:
— Então?, Carlos. Tudo bem?
— Sim, inspetor. Vigiei esta casa na outra em frente.
— E veio?
— O velho veio. E a única coisa extraordinária que notei, além
de sua presença, foi acender a luz do vestíbulo, sendo ainda dia
claro.
— Está bem, Carlos. Tornou a sair?
— Sim, senhor inspetor.
— Vamos, Edu. Agora te explicarei tudo.
A primeira coisa que Jaime fez ao entrar no vestíbulo foi apertar
o comutador de luz. Como por encanto um nicho de cerca de 1m de
altura, no canto direito do painel, quase junto à escada, se abriu e
por ele entraram os homens de Scotland Yard. Era um verdadeiro
quarto.
Duas coisas chamaram logo a atenção de Jaime. Uma era uma
vitrola provida dum auto falante, cujo bocal estava encostado à
parede, onde se via uma fresta de 30cm de extensão, que
correspondia ao terceiro degrau da escada. A outra coisa era uma
túnica escarlate.
Jaime fez a vitrola funcionar e os que estavam naquele
esconderijo ouviram as mesmas palavras ameaçadoras que tanto
amedrontavam sir Bartolomeu e que o próprio Jaime ouvira.
— Esta vitrola foi usada pelo homem culpado de tudo isto, bem
como aquela túnica escarlate.

211
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Jaime apontou duas maletas fechadas e prontas pra viagem.


Nosso velho voltará. Dessa vez com vontade de deixar Londres
a sempre, com 100 mil libras em seu poder.
São as 100 mil libras que retirou do cofre de Érico Lansing,
depois de o assassinar. Nada mais temos a fazer, exceto o esperar
pra o prender, porque voltará a esta casa.
— Quem é?
— O assassino de Érico Lansing e Flash Millis?
— E o de sir Bartolomeu?
— Esse não te posso entregar porque, na verdade, sir
Bartolomeu Lansing não morreu e é o assassino de Flash e Érico.
— Hem? E o corpo que achamos?
— O corpo de mais uma vítima: O criado Pedro, da Guatemala.
— Mas não pode ser!
— Quando me chamaste pra tratar dum caso e me disseste que
sir Bartolomeu, o próprio interessado, ficaria muito satisfeito,
desconfiei. E desconfiei mais quando o conheci e me informou do
que se tratava. Me contou sobre uma mulher e das ameaças
interessantes das quais estava sendo vítima. Ora, Edu, um homem
ameaçado é um homem amedrontado e não alegre e bem-humorado
como o sir Bartolomeu Lansing que conheci. O plano que traçou
estava bem preparado mas partia dum ponto fraco. Quando falou da
mulher me entregou um retrato duma irmã de seu criado Pedro,
porque tinha certeza de que eu descobriria a semelhança
fisionômica da dama do retrato com o criado, o que devo dizer,
reparei logo. Sir Lansing queria, assim, que eu pensasse que o
criado era o autor das ameaças. Porém foi ingênuo, porque se de
fato tivesse maltratado uma mulher, que estou certo nem conheceu,
não empregaria como seu criado o irmão dessa mesma mulher. O
retrato que me deu, o roubou do quarto do empregado. Assim
queria que eu pensasse se tratar duma vingança. Aquela vitrola que
estava no quarto secreto era ligada e desligada por meio dum cordel
que ia ter ao quarto de sir Bartolomeu e o alto falante servia pra
aumentar as palavras gravadas no disco.
Quando me pediu para ficar aqui uma noite, tive plena certeza de
que desejava que eu ouvisse aquelas palavras pra que eu pensasse
que estava, de fato, sendo perseguido. A túnica escarlate só usou
uma vez: No dia em que me feriu, o que fez, só pra, me deixando
desacordado, poder voltar a seu quarto. Sir Bartolomeu estava
arruinado e a única coisa que ainda possuía era o seguro de vida em
favor do sobrinho e da secretária. Conhecia o mecanismo das

212
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

companhias de seguro e tinha certeza de que disfarçado poderia se


apoderar do dinheiro quando o sobrinho o recebesse. A fisionomia
de Érico Lansing depois de morto indicava que recebera um
choque. Isto é, a presença do tio considerado morto o assustou,
razão pela qual, ao ser morto, apresentava aquela expressão de
espanto. De posse do dinheiro sir Bartolomeu fugiria ao estrangeiro
e, provavelmente, lá viveria. Quando levei doutor Guilherme pra
examinar o corpo eu tinha certeza de que não era sir Bartolomeu
Lansing, que ali estava completamente irreconhecível, e isso
porque o criado Pedro fora acompanhar o patrão. Se Bartolomeu
Lansing estivesse de fato ameaçado não pediria ao criado que o
acompanhasse, pois é claro que desconfiaria de todos. O que teria
sido mais fácil?: O patrão chamar o criado pra o acompanhar ou o
criado fazer com que o patrão o acompanhasse? Está claro que sir
Bartolomeu, estando ameaçado, não aceitaria um convite do criado
pra passeio e, portanto, foi ele quem pediu a Pedro que o
acompanhasse, porque precisava dele pra ser morto. Levou duas
latas de gasolina e, na estrada, deu uma bordoada na cabeça do
empregado, o que, provavelmente, o matou. Depois, derramou a
gasolina sobre o carro, atirou ao interior alguns de seus objetos de
uso particular e ateou fogo ao carro. Assim pensariam que
Bartolomeu Lansing fora assassinado. Pedi a doutor Guilherme,
dentista de sir Lansing, examinar aquele cadáver irreconhecível e
levou a ficha de sir Bartolomeu, onde estavam anotadas todas as
obturações feitas na boca, bem como todas as demais
particularidades, e o doutor me assegurou que aquele corpo não era
o de seu cliente sir Bartolomeu Lansing.
Finalmente, matou Flash porque ele descobriu seu jogo. Mas não
tenho idéia de como isso se tenha verificado. A princípio desconfiei
um tanto de Flash e de Érico Lansing porque não era natural que
dois indivíduos de categorias tão diferentes se conhecessem e
também porque os vi: Um pálido, olhando o outro, que empunhava
uma arma. Mas depois descobrir por que Flash visitava Érico
Lansing adquiri a certeza de que o culpado era a própria vítima, sir
Bartolomeu Lansing.
— Francamente!, Jaime. É a mais estranha narrativa que já ouvi!
— Sim, Edu. Vou andando porque tenho um caso muito mais
importante a resolver.
Uma hora mais tarde, sir Bartolomeu Lansing foi preso em sua
própria casa, disfarçado num velho, quando tencionava apanhar as
malas que deixara prontas pra fugir de Londres.

213
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

E Jaime cumprira a promessa que fizera ao criado, de promover


um encontro entre um homem que em Londres se chama executor
público e aquela criatura má chamada sir Bartolomeu Lansing.

214
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

O mistério do cavalo branco


Capítulo I
éspera da carreira. Londres amanhecera sorridente naquela
radiante manhã de maio, esperando o grande dia em que se
comemora, na Inglaterra, a festa esportiva por excelência.
André Richards, proprietário dum dos cavalos inscritos no
Grande Páreo, regressava à cidade em seu luxuoso carro, com a
satisfação dum homem feliz, confiando nas patas de seu magnífico
potro Cavalgada. Uma leve ruga na testa demonstrava, no entanto,
que se bem que confiante no cavalo, André Richards temia o
desfecho da carreira. E essa nuvem de apreensão era devida à
presença de Cavalo Branco, de propriedade de seu grande amigo
Antônio Stanley, último descendente dos Stanley e conde de
Derby.
Os apaixonados por turfe acreditavam que o grande páreo nada
mais seria que um duelo sensacional entre Cavalgada e Cavalo
Branco. As apostas eram feitas à base de 1/8 e ½, respectivamente.
O que equivale a dizer, que Cavalo Branco era o franco favorito.
Eram mais ou menos 10h da manhã quando o carro de André
Richards estacionou à porta da casa de Antônio Stanley, velha
mansão suntuosa construída por seu avô senhor Tomás Stanley e já
um tanto arruinada pelo tempo. Repleta de salas e salões imensos e
largos corredores. Pouco iluminada, tinha um aspeto fúnebre e
tristonho.
No momento em que André Richards entrou no escritório de seu
amigo, que, velho mas ainda robusto e corado, se exercitava em seu

215
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

jogo matinal de xadrez em companhia dum rapaz ainda novo que


era seu secretário, Roberto Cooper, e assistido por sua sobrinha
Doroti.
À entrada de André não ergueu os olhos a ele nem comentou sua
visita tão matinal, pois já era um velho hábito o visitar na manhã,
na véspera da carreira.
Foi Doroti quem primeiro o cumprimentou e, tomando uma
cadeira, a colocou ao lado da mesa onde jogavam, lhe fazendo sinal
pra se sentar.
Roberto Cooper fez uma jogada com o cavalo e sorriu.
— Francamente! — Exclamou sir Antônio, se dirigindo a André.
Sempre que chegas levo xeque-mate. O que queres hoje?
— Antes de mais, bom dia, Antônio. Creio que poderemos
conversar um pouco. Não?
O secretário de sir Antônio, se levantou pra recolher as pedras e
o tabuleiro de xadrez.
— Em que condição está teu potro?, Antônio. Espero que vença
a carreira, do contrário...
— Ora, essa! Tu, proprietário do mais sério rival de meu cavalo,
vens desejar que o meu vença a carreira!
—É estranho Antônio mas é verdade. Nunca pude me conter em
negócio de jogo e não sei arriscar pra perder. Sabes tão bem quanto
eu que já pus fora o que herdei e quantas vezes recuperei. Mas
agora o caso é mais grave.
— !...
— Arrisquei tudo que possuo nas patas de Cavalo Branco.
— André, sempre te considerei um louco e estróina. Agora, mais
que nunca, vejo o quão certo é o juízo que sempre fiz de ti.
— Pois saibas que até agora não encontrei jóquei pra pilotar
meu cavalo. Gordon adoeceu, por isso está impedido de correr.
— Ó!, Antônio. Cavalo Branco tem de correr. Te darei meu
jóquei.
Naquele momento Roberto Cooper ia colocar a caixa das pedras
sobre a lareira quando ela caiu das mãos e as pedras se espalharam
no chão.
— Roberto, porque não prestas mais atenção ao que estás
fazendo? Que cara é essa?
— É nada, senhor. — Respondeu o secretário, reunindo as
pedras apressadamente e saindo a seguir.
André Richards se levantou e cumprimentou sir Antônio pra se
retirar.

216
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Então estamos de acordo, Antônio. Smith pilotará Cavalo


Branco.
—Mas, André... E teu cavalo?
— Me arranjarei. Se preciso for, Cavalgada não correrá.
Poucos minutos decorreram da saída de André Richards quando
a porta foi aberta, entrando no escritório a figura dum rapaz
franzino e delicado, sobrinho de sir Antônio.
— Meu tio me chamou?
— Sim, Craig. Te sentes e escutes o que direi. Há dois anos que
vives comigo e até agora nunca falei sobre tuas extravagâncias.
Mas agora basta. Tudo o que era teu puseste fora e, pra teu governo
e próprio bem, te aviso que desde este momento não levarás de
mim mais um pêni. E se continuares na vida que levas te
deserdarei. Já dei ciência disso a meu advogado e o novo
testamento já está em meu poder. Tudo o que tenho será de Doroti.
Aqui está um cheque de 10 mil libras. Podes ir certo de que só
porás os pés nesta casa, enquanto eu for vivo, quando te
regenerares.
—Muito bem, meu tio. É tudo? Pois saibas que, pra mim,
continuarás a ser o mesmo. Um velho mesquinho e usurário.
— Te retires!
Craig se retirou sem mais comentário, levando o cheque que era
toda sua fortuna.
Doroti estava sentada no jardim quando seu primo passou,
enfurecido. Os olhos azuis da moça, grandes e sedutores, se
fixaram no primo.
— Craig!
O rapaz não pôde deixar de atender ao apelo da moça. Mesmo
porque, no fundo do coração, Craig a amava, mesmo sabendo ser
inútil revelar a ela seu amor. Pois mais forte que ele era o que ela
dedicava a Roberto Cooper, a quem Craig invejava e há muito
odiava em segredo.
— O que houve, desta vez, entre tu e titio?
— Nada. Teu tio me expulsou de casa e, além disso, ameaçou
me deserdar.
Enquanto falava, Craig não podia deixar de admirar o lindo
rosto de Doroti.
— Bem... Adeus, Doroti.
— Falarei com titio pra ver se dou um jeito nisso...
— Obrigado. Mas não é necessário.
Mal o rapaz acabara de sair, Roberto Cooper se aproximou da

217
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

moça.
— Como estás linda!, Doroti.
—Não digas tolice, Roberto. Se eu fosse realmente
bonita te casarias comigo.
— Sim, querida, mas... Sabe que teu tio não quer nosso
casamento. Às vezes tenho ímpeto de o matar mas compreendo seu
sentimento.
Ambos, tão entretidos estavam, que não perceberam a presença
de sir Antônio atrás do caramanchão.
— Quando terminar o idílio e as considerações a meu respeito,
Roberto, te consideres despedido.
— Sempre te apreciei até o dia em que ousaste erguer os olhos a
minha sobrinha.
— Ó!, Titio. Por favor, o deixes ficar.
— Sinto muito, senhor, o que sucedeu. Deixarei tua sobrinha em
paz.
— Muito bem. Te lembres, então, que nesta casa és apenas meu
secretário e parceiro de xadrez. Queiras me acompanhar aonde irei.

Capítulo II
Se podia, sem receio de errar, afirmar que mais de 400 mil
pessoas estavam espalhadas em toda a extensão onde iria ser
corrida a grande carreira.
Barracas e mostruários, os mais variados possíveis, se erguiam
aqui e ali, no meio das terras onde passam as pistas. Tudo
emprestava à Epsom17 uma azáfama extraordinária e festiva alegria.
Dentro de 10min seria conhecido o resultado da maior prova de
turfe na Inglaterra.
Num dos camarotes estavam Doroti Stanley, seu primo Craig e
André Richards. Sir Antônio e Roberto Cooper permaneceram em
Londres.
Os cavalos desfilavam ante os olhos da multidão, a caminho do
lugar da partida.
Cavalgada passava diante do camarote, pilotado por Smith.
— Teu potro está lindo!, senhor André. — Exclamou Doroti.
— Obrigado, senhorita. Mas ali vem o vencedor. — Respondeu

17
Epsom, em Surrey, Reino Unido. Não é Epson. Nota do
digitalizador.

218
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

André, apontando a esbelta estampa de Cavalo Branco.


—Por quê?, André. — Perguntou Craig. — Tomara que perca.
Ficarei bem satisfeito.
Os vinte e seis potros estavam prontos ao grito de largada. O
povo vibrava! Cavalgada e Cavalo Branco, pilotados,
respectivamente, por Smith e Gordon, tinham os números 7 e 13.
Disse Doroti:
— Não gosto do número de nosso cavalo. É azarento.
— Por que teu tio me disse que Gordon não montaria e, no
entanto, ele está sobre o dorso de Cavalo Branco?
— Alguma preparou aquele velho rabugento. — Disse Craig.
— Saíram! — Foi a exclamação que partiu, uníssona, de todas
as gargantas.
Os primeiros metros da carreira estavam sendo corridos.
Cavalgada liderava o lote, seguido de Crisântemo, Tour-de-France
e Cavalo Branco, que formavam, com mais três, o primeiro pelotão.
A primeira parte do percurso não trouxe modificação sensível à
ordem dos animais.
Cavalgada principiava a afrouxar, enquanto Cavalo Branco se
aproximava gradativamente e Crisântemo e Tour-de-France iam
ficando atrás.
700m era tudo o que faltava! Cavalo Branco avançava,
impulsionado por Gordon, tentando passar Cavalgada, que ainda
resistia. O povo delirava! Não havia dúvida: Cavalgada ou Cavalo
Branco! Um dos dois venceria.
Os dois potros ficaram numa mesma linha. Os chicotes
cantavam e o povo gritava, frenético.
Uma coisa, no entanto, estava a acontecer. Todos viam que
Cavalgada, junto à cerca, estava sendo trancado pelo piloto de
Cavalo Branco. Estava patente a intenção do piloto do cavalo de sir
Antônio.
André Richards estava pálido e coberto de suor. Previa uma
desclassificação.
A algazarra era indescritível. Surgiu um novo cavalo, como um
bólido, na cerca externa. Era Soberano, que avançava cada vez
mais. Faltavam 200m. Se aproximava mais e, enquanto o piloto de
Cavalo Branco continuava a imprensar Cavalgada, Soberano voava.
Já estava na anca dos dois. Meio corpo era a diferença! Pescoço!
Cabeça! Faltavam 10m! E Soberano passara pelos dois como uma
flecha. Soberano vencera!
Doroti Stanley e André Richards, se entreolharam no meio de

219
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

toda aquela algaravia.


Estavam afixando os números dos vencedores. Primeiro surgiu o
número de Soberano. A seguir os de Cavalo Branco e Cavalgada.
2min depois, foi retirado do segundo posto o número de Cavalo
Branco e em seu lugar surgia o número 7 de Cavalgada.
Cavalo Branco fora desclassificado!


Naquela noite André Richards discutia, encolerizado, com sir
Antônio Stanley, no enorme e espaçoso escritório da residência
dele.
— Não quero mas exijo que me digas por que Cavalo Branco
não venceu.
— Ora!, André. Não venceu porque não pôde!
— Sim? Por que Gordon fechou meu potro? Duma coisa estou
certo, Antônio: Gordon estava comprado. Não sei por quem mas
garanto que saberei e se fores o culpado disso...
— Eu não seria capaz de tal coisa!, André.
André Richards saiu do escritório sem se despedir de sir
Antônio, batendo a porta violentamente.
Só, naquele imenso escritório de chão original, em quadrados
amarelos e pretos, formando um enorme tabuleiro de xadrez, cheio
de móveis antigos, verdadeiras relíquias de família, e tendo nas
paredes os retratos dos antepassados, sir Antônio Stanley se sentia
inquieto e assustado. Foi ao cordão da campainha e o puxou com
força.
O criado que atendeu ao chamado era um velho serviçal, há
longos anos com a família e por isso não ocultou seu espanto ante a
fisionomia alterada de seu patrão.
— Guto, tragas uísque.
O velho criado saiu, regressando pouco depois com uma bandeja
na mão esquerda. A direita perdera há muitos anos, num acidente,
mas nem por isso deixava de ser um ótimo criado, tanto mais que
utilizava o único braço com a mesma destreza que se maneja o
direito.
— Onde está minha sobrinha?, Guto.
— Saiu com senhor Cooper, sir.
— Cooper! Hem!
Mal pronunciara essas palavras, Doroti imergiu na sala, em
companhia de Roberto Cooper.
O rosto de Sir Antônio, virou uma máscara de ódio.

220
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Já não te proibi de andar com minha sobrinha?


— Mas, sir. Venho pedir a mão de...
— Tu? Te ponhas na rua, imediatamente! Minha sobrinha não se
casará fora de seu nível social. Ouviste bem?
Doroti saiu do escritório de seu tio, contendo a lágrima preste a
saltar dos olhos.
— Sir, com esse teu feitio és insuportável. Deixarei tua casa,
mas podes crer que me casarei com tua sobrinha.
— Nem que eu morra! Seu atrevido! Te retires ou mandarei
Guto te porá na rua.

Capítulo III
Do velho casarão ao portão, se tinha de andar, seguramente,
durante uns 3min. Situada no centro duma verdadeira floresta, a
mansão ficava sombria e lúgubre.
Doroti Stanley saiu pela porta da frente, sem fazer ruído. A luz
do escritório de seu tio estava acesa. Ouviu o relógio carrilhão
bater 11h e caminhou, a passo apressado, ao portão.
— O que quererá Craig comigo nesta hora? — Pensou, atirando
fora o bilhete que Guto lhe entregara.
Chegando ao portão ouviu um Psiu! Se voltou. Era Craig, seu
primo.
— Obrigado por teres vindo, Doroti. Estou em apuro e poderás
me ajudar. Tudo que tinha apostei em Cavalgada.
— Mas Craig...
— Senhorita Doroti! Senhorita Doroti! — Foi o grito que a
moça ouviu.
— O que foi?, Guto. — Perguntou, assustada, vendo o criado
pálido e ofegante.
— Teu tio, senhorita. Parece que foi...
Sir Antônio Stanley jazia morto, no chão do escritório, tendo, na
mão direita estendida, uma miniatura, em bronze, de seu potro
Cavalo Branco.
— Guto, leves Doroti a cima enquanto chamo a polícia. — Disse
Craig.
— Não, Craig. Ficarei aqui. — Respondeu Doroti, se dirigindo a
uma larga cadeira, enquanto grossa e abundante lágrima escorria no
rosto.
Capitão Edu Brown chegou meia hora depois, em companhia de
inspetor Tom Malloney.
Fez um rápido exame no corpo de sir Antônio e inspecionou

221
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

meticulosamente o escritório.
— Quem encontrou o corpo? — Perguntou, se dirigindo aos
presentes: Doroti, Craig e Guto.
— Eu. — Respondeu Guto.
— Viste arma junto ao corpo?
— Se não há, como poderia ver?, capitão.
— Tom, — disse Edu — providencies a remoção do corpo e
chames Jaime.
Quando Jaime Patrício entrou no escritório de sir Antônio, o
corpo já fora removido mas ali continuavam, como testemunhas
silenciosas do crime, o sangue e tudo o mais que ali estava.
Jaime cumprimentou Craig e, saudando Edu, foi aonde estava
sentada Doroti Stanley.
— Senhorita, sou inspetor Jaime Patrício, da Scotland Yard e te
peço o obséquio de te recolher a teus aposentos. Por ora não
necessito de tua declaração.
Depois que a moça saiu da sala Jaime retirou do bolso seu
cachimbo de madeira escura e, do outro bolso, um pacote de fumo
claro.
Se sentou numa larga poltrona. Enquanto enchia o cachimbo
seus olhos percorriam todo o recinto como se estivesse fixando na
imaginação todos os detalhes. Craig, sentado numa cadeira próxima
à de Jaime, o olhava, interessado. Edu e Tom, juntos, à janela,
guardavam silêncio. O velho criado Guto, encostado à soleira da
porta, completava o cenário.
Os olhos de Jaime se detiveram em Guto.
— Ei! Onde perdeste o braço direito?
— Num acidente, senhor. — Disse o criado, se assustando.
— Quem chamou a polícia?
— Eu, inspetor. — Disse Craig.
— És sobrinho de sir Antônio. Não? Onde estavas quando teu
tio foi assassinado?
— No portão, com minha prima Doroti.
— Sabes algo deste crime?
— Numa palavra, inspetor: Não!
— Quem estava em casa, Guto, quando descobriste o corpo de
teu patrão?
— Ninguém.
— Ninguém a não ser tu. Não é? Guto.
— Inspetor! Por acaso desconfias de mim?, um velho aleijado.
— Ó!, Guto. Em absoluto. Por enquanto desconfio de ninguém.

222
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Jaime se levantou, segurando o cachimbo entre o indicador e o


polegar, e caminhou até um ponto no centro da sala, apanhou uma
miniatura, em bronze, de Cavalo Branco. Virando a estatueta de
cabeça a baixo leu na base: Ao feliz possuidor de tão nobre
potro. AR
— Onde estava isto?, Edu.
— Na mão de sir Antônio. A deixei no mesmo lugar em que
estava.
— Jaime viu uma mancha escarlate, já escurecida, perto do lugar
em que apanhara a estatueta e concluiu que ali tombara, morto, sir
Antônio Stanley.
— O que quereria fazer sir Antônio com esse bronze? —
perguntou Edu, enquanto Jaime caminhava à mesa.
— Ainda não sei mas tenho certeza de que foi ferido nesta
cadeira. — Disse Jaime, apontando um rastro de sangue em zigue-
zague, indo da cadeira até junto da lareira e dali ao centro da sala.
— Sim, Jaime. Mas isso pouco ou nada nos adianta.
— E foi assim, Edu...
Jaime se colocou junto à mesa e dali partiu, cambaleante e
vagaroso, até a lareira, acompanhando o rastro de sangue. Levantou
o braço direito e fez menção de segurar algo sobre a lareira. No
lugar em que sua mão tocou havia uma mancha de sangue.
— Edu, viste o que fiz? Foi assim que sir Antônio agiu quando
foi assassinado.
— Mas, Jaime. Pra que apanhou a estatueta? Tencionava se
defender com ela?
— Não, Edu. Positivamente, não. Quando me aproximei da mesa
vi, numa gaveta entreaberta, uma grande pistola.
Capitão Edu correu à gaveta e apanhou a pesada pistola. Pensava
que Jaime, sem querer, encontrara a arma causadora da morte de sir
Antônio. Se enganara. A arma estava carregada mas intacta.
— Senhor Craig, sabes dizer a quem pertencem estas iniciais?
— Perguntou Jaime, apontando as duas letras gravadas na base da
estatueta.
— AR? Sim. São as iniciais de André Richards.
— Guto, tu, que eras a única pessoa dentro de casa, sabes dizer
quais pessoas estiveram neste escritório antes de encontrares o
corpo de teu patrão?
— Sim, senhor. A primeira pessoa que veio ver sir Antônio foi
senhor André Richards. Depois que saiu, meu patrão me chamou,
pedindo uísque. Não sei se devo dizer, inspetor, mas... me pareceu

223
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

muito agitado.
— Continues!, Guto.
— Depois chegou o secretário de meu patrão, senhor Roberto
Cooper, com senhorita Doroti. Sir Antônio ficou enfurecido, pois
parece que não via com bons olhos o romance entre os dois.
— Sabes se sir Antônio discutiu com senhor Roberto?
— Não sei dizer, senhor. Me retirei da sala. Mas é bem possível,
pois vi senhorita Doroti subir a escada em pranto.
— Estou satisfeito, Guto. Podes te retirar.
Depois do criado deixar a sala, Jaime foi à janela, bateu a cinza
do cachimbo e, depois de olhar por ela, disse a capitão Edu:
— Creio que poderemos ir.
Antes de sair, Jaime se voltou a Craig.
— Quem joga xadrez nesta casa?
— Meu tio costumava jogar muito com Roberto.
— E tu?
— Nem em sonho, inspetor.
— Hoje estiveste com teu tio?
— Não, inspetor. Falando a verdade, meu tio me expulsou daqui,
alegando que sou esbanjador.
— Mas não disseste que estiveste com tua prima no portão?
— É verdade, inspetor. Mas meu tio não sabia de minha
presença.
Jaime Patrício, capitão Edu, Tom e Craig, seguiram, no
gramado, em direção ao portão. Disse Tom:
— Belo lugar prum crime! Hem, Jaime.
— Sabes se há outra saída?, além da principal, senhor Craig.
— Não que eu saiba, inspetor.
5min depois os três homens da Scotland Yard regressavam num
carro da chefatura. No espírito de Jaime muita coisa já começava a
se desenhar. Porém, ele próprio sentia, tudo ainda estava muito
confuso.
— Ei!, Jaime. Por que não deixamos alguém na casa?
— Ó! Não havia necessidade, Edu. Guardei todos os detalhes na
memória e procedeste como eu queria. Talvez a pessoa que matou
sir Antônio volte pra corrigir algum erro que, porventura, pense ter
cometido e assim o apanharei mais facilmente.

Capítulo IV
Na manhã do dia seguinte, no gabinete particular de capitão Edu
Brown, no edifício da New Scotland Yard, Jaime contemplava os

224
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

tênues raios solares que se infiltravam nas venezianas.


— Edu, dizem que o travesseiro é um bom conselheiro. E é
mesmo.
— Francamente!, Jaime. Tens cada uma! O que tem a ver
travesseiro com nosso caso?
— Fui tolo, Edu, em não ter ligado uma coisa a outra.
— Fales claro!, Jaime. Que coisa? Ligada com o quê?
— A morte de sir Antônio com o desfecho da carreira.
— Sabes que o resultado da carreira deu o que falar.
Suponhamos que alguém tivesse conhecimento de que Soberano
estava em condição de vencer. Essa pessoa não poderia subornar
Gordon pra que ele fizesse o que fez? Ora, desde que Cavalo
Branco não ganhasse e Gordon tomasse conta de Cavalgada, quem
ganharia?
— Soberano, Jaime. É claro!
— Tom, visitarei senhorita Doroti. Procures saber todas as
grandes quantias depositadas nas patas de Soberano.
— Perfeito, Jaime.
— É verdade, Edu. Antes de ir: Qual o resultado do exame?
— Calibre 32. Ápice do pulmão esquerdo. Tiro quase a queima-
roupa.
— Sabes o que acho estranho em tudo isso?, Edu É que Guto
não tenha ouvido o tiro! Enfim...
Quando Jaime chegou a casa de sir Antônio, Doroti Stanley já
ordenara a Guto que o conduzisse à varanda.
— Bom dia, senhorita Doroti. Sinto muito ter de te interrogar.
Farei somente algumas perguntas. Mas, antes disso, quero que me
digas se desconfias dalguém.
— Em absoluto!, inspetor.
— Senhorita Doroti, por que teu tio não consentia em teu
casamento com senhor Roberto Cooper?
— Ó! Já sabes disso? Acredites, inspetor, Roberto é inocente.
Ignorava a morte de titio até poucos momentos, quando lhe falei ao
telefone. Desconfias dele?
—É nosso dever desconfiar de todos até prova em contrário.
Senhor Roberto virá àqui?
— Sim, inspetor. Dentro de poucos instantes deverá estar aqui.
— Senhorita Doroti, André Richards era amigo de teu tio?
— Eram muito amigos, mesmo. Basta dizer que, sendo dono de
Cavalgada, André apostou toda a fortuna em Cavalo Branco. Até
penso que ficou em má situação.

225
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Como?! Sendo dono de Cavalgada apostou tudo em Cavalo


Branco?
Jaime olhou uma sombra no chão e ficou de pé.
— Guto, não sabes que é um péssimo hábito ouvir as conversas
alheias?
— Perdão, inspetor. — Tartamudeou o criado, entrando,
apressado, na casa.
— Qual foi o motivo do encontro com teu primo?, no portão,
senhorita Doroti. — Perguntou Jaime, novamente sentado.
— Ó! Craig não te disse? Perdeu tudo que tinha. Isto é, 10 mil
libras, em Cavalgada e estava apertado por questão de dinheiro.
Mas não chegou a se explicar direito porque... os olhos da moça
piscaram um pouco e Jaime achou conveniente mudar o rumo da
conversa.
— Bom dia!, Doroti. — Exclamou um rapaz ainda novo,
entrando na varanda. Sinto muito por tudo, meu amor.
— Roberto! Este é o inspetor Jaime Patrício, da Scotland Yard.
Jaime fitou o rosto do rapaz e estendeu a mão.
— Saibas, inspetor, que sou um de teus grandes admiradores.
— Obrigado. Neste caso penso que responderás certo a minhas
perguntas. Depois que deixaste esta casa aonde foste?
— Queiras me perdoar, inspetor, mas não quero responder a esta
pergunta.
— Perfeitamente, rapaz. Como te aprouver. Mas acho
conveniente que respondas, porque é bem preferível ser acusado de
qualquer leviandade a acusado de assassínio. Não?
— Como assim?, inspetor. Quererás, porventura, me acusar de
assassino de sir Antônio Stanley?
— Não mais nem menos, rapaz. A não ser que me respondas
onde estiveste ontem na noite, depois das 11h.
— Mas não posso responder!
— Roberto, te suplico! — Exclamou Doroti, unindo as mãos.
— Não, Doroti. É impossível.
— Senhor Cooper, faças o obséquio de me acompanhar ao
escritório.
Jaime rapidamente percebeu que tudo estava conforme deixara
na véspera. Seu primeiro olhar foi ao tabuleiro de xadrez a que, na
véspera, reparara com especial cuidado. As pedras estavam na
mesma posição. Os olhos de Roberto Cooper seguiram o olhar de
Jaime Patrício e ele se dirigiu à mesinha onde estava o tabuleiro,
fazendo menção de arrumar.

226
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

— Um momento, senhor Cooper. Não toques nalgo nesta sala.


— Perfeitamente, inspetor. Eu ia, apenas, arrumar. Sempre
guardo as pedras depois dum jogo.
— Senhor Cooper, por que sir Antônio não desejava teu
casamento com senhorita Doroti?
— Nunca me disse mas falava muito em nível social.
— Hum! Jogas xadrez?, senhor Cooper.
— Penso que sim, inspetor!
— Sir Antônio era um grande amante deste nobre jogo. Não é?,
senhor Cooper.
— Eu que o diga, inspetor. Sir Antônio era um mestre. Seu forte
eram as jogadas com os cavalos. Passava horas inteiras, sozinho,
meditando sobre um tabuleiro de xadrez. Reparaste no feitio do
chão deste escritório? Pois foi mandado fazer especialmente por sir
Antônio, pra estar como, dizia, sempre sobre um tabuleiro de
xadrez.
— Senhor Cooper, esta casa tem alguma saída secreta?
— Não que eu saiba, inspetor.
— Creio que estou satisfeito com o que me disseste, salvo a
pergunta não respondida. Por isso peço o obséquio de fazer
companhia a senhorita Doroti e não te afastar desta casa sem meu
consentimento.
Jaime se dirigiu à mesa e, segurando o telefone, pediu um
número.
— Capitão Edu falando.
— Edu? Sou eu, Jaime.
— Olá!, Jaime. Conseguiste algo?
— Nada, Edu. Quero que procures um jóquei chamado Gordon.
É quem pilotou Cavalo Branco. O deixes aí até minha chegada.
— Muito bem, Jaime.
— Edu, me mandes Carlos com cinco ou seis policiais.
Jaime colocou o receptor no gancho e reacendeu,
displicentemente, o cachimbo. Se podia deduzir, claramente, que
pensava, pela aceleração das baforadas que saíam do canto da boca.
— Bem... Vejamos se estou certo. — Pensou. — André Richards
jogou toda a fortuna em Cavalo Branco. Percebeu, como todos, que
Gordon estava comprado e veio tomar satisfação com sir Antônio,
tendo, provavelmente, o ameaçado, razão pela qual Guto notou a
fisionomia do patrão alterada. Depois entrou nesta sala Roberto
Cooper, que saiu, pela declaração de Guto, pouco depois. Craig
estava com senhorita Doroti no portão quando Guto veio dizer que

227
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

sir Antônio fora assassinado e o único que estava dentro de casa era
Guto. Tanto Craig, como senhorita Doroti e Guto não ouviram o
tiro, assim sendo...
Jaime retirou do bolso sua pesada automática, a contemplando
alguns momentos. Fez pontaria ao interior da lareira e deu no
gatilho. Um pequeno recuo e estremecimento de sua mão direita
indicava que disparara. Feito isso guardou a pistola e, sentado,
como estava, aguardou que alguém aparecesse. Ninguém veio. Mas
estavam na casa Roberto Cooper, Guto e senhorita Doroti.
Poucos minutos decorreram quando a porta do escritório foi
aberta pelo velho criado Guto, dando passagem ao inspetor Carlos
Butterwood.
— Olá, Jaime. Aqui estou. Os rapazes estão do lado de fora.
— Vás chamar, Carlos.
Quando o inspetor saiu, Guto entrou na sala.
— Senhor, lá fora estão vários policiais. Prenderás alguém?
— Não, Guto. Não precisas te assustar.
— Inspetor, senhor André Richards está na varanda com
senhorita Doroti e diz que precisa te ver.
— Muito bem, Guto. Digas que dentro de poucos minutos
estarei lá. — Disse Jaime, enquanto os policiais entravam na sala.
— Rapazes, quero que revistais cuidadosamente todo o jardim
desta casa e todos os recantos, procurando uma arma calibre 32.
Tão certo quanto eu estar aqui, a encontrareis. A trazei. E tu,
Carlos, dirijas os rapazes.
Jaime saiu do escritório em companhia dos policiais, indo à
varanda.
Doroti e Roberto estavam sentados, próximos um do outro. Do
lado oposto da mesa estava André Richards, tendo nas mãos um
copo, que pousou sobre a mesa à entrada de Jaime.
— Inspetor, eu soube que sir Antônio foi assassinado e me
apressei a vir prestar declaração.
— É muita gentileza de tua parte, mas saibas que se não viesses
espontaneamente eu te procuraria!
— Senhor André, onde estiveste ontem, depois de deixar esta
casa.
— Pra falar a verdade... Bem... Fui procurar um amigo.
— Que amigo?
— Ó! Um conhecido meu...
— Não foras, por acaso, procurar um jóquei chamado Gordon?
— Sim inspetor. Tens razão. Sou tolo em procurar encobrir uma

228
Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

coisa tão simples. A verdade é que fui procurar Gordon, pensando


que sir Antônio o tivesse obrigado a perder a carreira. Estive com
Gordon toda a noite, isto é, até quase 2h da madrugada.
Uma hora mais tarde Jaime e Edu, sentados no escritório da
residência de sir Antônio Stanley, esperavam que fosse terminada a
busca no jardim da casa.
— O jóquei confessou tudo, Jaime. E tenho certeza de que não
mentiu.
— Edu, depois que eu receber o telefonema que espero de Tom,
pouco nos faltará pra encerrar este caso. O mandei investigar uma
coisa, porém até agora não recebi notícia.
O inspetor Carlos entrou naquele momento no escritório. Em
suas mãos aparecia um revólver preto.
Jaime segurou a arma e viu gravadas, no cabo, as iniciais WF.
— Edu, sairei durante algum tempo. Às 8h em ponto
estarei aqui.

Capítulo V
Eram, precisamente, 7:30h quando Jaime regressou. Estava
alegre e risonho. Quando entrou no portão retirou do bolso seu
relógio pra marcar o tempo que gastaria até a casa. Jaime, mal
entrou no escritório, disse:
— Edu, reúnas, na sala, Doroti, Craig, Guto, Roberto Cooper e
André Richards. Dentro de meia hora me reunirei a vós.
Depois de falar com capitão Edu, Jaime chamou o velho criado
Guto.
— Onde fica teu quarto?
— Ali, quase embaixo da escada de serviço, inspetor.
Jaime mandou que o criado fosse à sala com os outros e
caminhou até o quarto que Guto indicara.
Retirou o relógio do bolso, abriu a porta, tornou a fechar, indo
ao escritório. Ali ficou alguns momentos, quando o telefone
tilintou.
— Alô, Tom. És tu?
— Sim, Jaime. Custei mas descobri o que querias. A pessoa que
suspeitavas acertou perto de 10 mil libras em Soberano, na base de
1/30.
— Obrigado, Tom. Venhas depressa, pois ainda ouvirás o final.
— Disse, desligando o telefone e saindo rapidamente à sala.
As pessoas ali reunidas se ergueram à entrada de Jaime, que,
simulando indiferença, se dirigiu a um largo sofá, se sentando.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Acendeu o cachimbo e se virou a Roberto Cooper:


— A que horas deixaste sir Antônio na noite do crime?
— Não posso precisar, inspetor, mas deviam faltar 15min ou
20min às 11h.
— Digas, Guto: A que horas encontraste o corpo de teu patrão?
— 11:05h, inspetor.
— Muito bem. Agora sabei que sir Antônio Stanley foi
assassinado mais ou menos entre 15min e 20min às 11h.
— Inspetor quer dizer, então, que eu... — Disse Roberto Cooper.
— Nada quero dizer. Todos aqui tinham motivo pra assassinar
sir Antônio, porém é claro que só uma pessoa o fez. A posso
prender já, porém quero que veja como consegui descobrir tudo.
Senhor André, tinhas motivo pra matar sir Antônio Stanley mas
quando saíste desta casa sir Antônio ainda estava vivo. Poderias ter
voltado pra o assassinar mas era impossível, porque na hora em que
morreu estavas em companhia de Gordon. Disso temos prova.
Foste procurar Gordon pra ver se descobria algo, porque
desconfiavas que ele estivesse vendido. Nesse ponto estavas certo,
porém tuas suspeitas é que estavam erradas. Pensavas que fosse sir
Antônio o autor de tudo mas te enganaste. O verdadeiro culpado és
tu, senhor Cooper. — Continuou Jaime, se dirigindo a ele. Te
associaste a Gordon pra que ele fizesse com que Soberano
vencesse, assim dando margem a que acertasses a quantia de 240
mil libras. Quando te retiraste desta casa não foste fazer outra coisa
além de receber tua fortuna pra mais tarde entregar a Gordon a
parte que lhe cabia. Craig, estavas no portão com senhorita Doroti,
não podendo, assim, ao mesmo tempo, assassinar o tio aqui e
conversar com ela no portão. Guto é o único que estava aqui no
momento, isto é, o único que poderia ter assassinado sir Antônio.
Porém quero que sabei que todos tinham motivo para isso mas
Guto não. Sir Antônio foi assassinado com esta arma. —
Prosseguiu Jaime, retirando do bolso o negro revólver.
O velho Guto ficou perturbado e se encostou à mesa.
— Esta arma pertence a uma pessoa cujas iniciais são WF. Creio
não precisar dizer que ela te pertence. Não é?, Guto Fergusson?
Agora Edu, te entrego o assassino de sir Antônio Stanley, conde de
Derby.
Jaime caminhou até onde estavam os quatro homens: Roberto
Cooper, André Richards, Craig e Guto.
— Te prendo, Craig, como assassino de sir Antônio!
— Craig! Tu! — Exclamou Doroti Stanley.

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Craig, olhos abertos e aturdido, contemplava Jaime sem palavra.


— Mas, inspetor, Craig estava no portão com Doroti! E por que
mataria o tio? — Disse Roberto Cooper.
— Está certo, senhor Cooper. Craig estava no portão, porém às
11h e não antes. É o assassino. Mostrarei como procedeu e porque
matou o tio. Pelas declarações de doutor Pink o crime se deu entre
10:45h e 10:50h. Foste a última pessoa que entrou neste escritório e
que saiu daqui 15min antes de 11h. Craig estava no jardim, junto à
janela, e te viu sair. Entregara um bilhete a Guto pra que o
entregasse a senhorita Doroti, minutos antes das 11h. Quando Guto
subiu pra entregar o bilhete, Craig entrou calmamente, indo ao
quarto dele, apanhou o revólver, tendo 15min pra preparar tudo.
Gastou dois minutos pra ir ao quarto e apanhar a arma. Entrou no
escritório pra matar o tio, que, descobrindo sua intenção, tentou
retirar da gaveta sua arma mas não teve tempo. Craig atirou no tio e
tentou lançar a culpa sobre outro. Fracassou por uma razão muito
simples: Por não conhecer o jogo de xadrez. Quando lhe perguntei
se jogava xadrez, foi ele próprio quem me disse que nem em sonho.
Os únicos a jogar, nesta casa, eram somente sir Antônio, morto, e
tu, senhor Cooper, que não cometeria o erro de colocar os bispos
depois dos cavalos, nem os reis em casas diversas das apropriadas.
Assim Craig apanhou o tabuleiro de xadrez e arrumou as pedras, a
seu modo, tentando nos pôr em tua pista. Depois de fazer isso
saltou a janela pra encontrar Doroti. Vejas o tempo que gastou
nisso: 2 min pra ir buscar a arma, outros 2min pra matar sir
Antônio, 4min pra arrumar o tabuleiro de xadrez e saltar a janela e
3min pra chegar ao portão antes de Doroti, porque ela seria seu
precioso álibi. Mas Craig partiu dum ponto de vista errado... E
agora, o motivo pro crime me foi dado pelo advogado de sir
Antônio, que me disse ter ele deserdado Craig, me adiantando
mais, que o testamento estava com sir Antônio. Me restava
encontrar esse testamento, o que consegui descobrindo o cofre
secreto de sir Antônio, que talvez nenhum dos presentes conheça a
existência. Antes disso devo declarar que quem condenou Craig foi
uma importante mas silenciosa testemunha: O próprio sir Antônio
Stanley. Quando foi encontrado o corpo, em suas mãos estava uma
pequena estatueta representando Cavalo Branco. A pergunta foi: O
que quereria sir Antônio fazer com aquela estatueta? A resposta
foi: Acusar alguém.
Eu notara que o chão do escritório formava um verdadeiro
tabuleiro de xadrez, mas só depois que senhor Cooper me disse que

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

fora o próprio sir Antônio que o mandara fazer, resolvi o estudar


melhor, e verifiquei que a base da estatueta representando Cavalo
Branco condizia com os quadrados do assoalho. Tomando, então, a
estatueta entre as mãos principiei a fazer jogadas com ela, como se
faz com os cavalos num tabuleiro de xadrez e descobri, finalmente,
que um dos quadrados era móvel. O retirando descobri um cofre
secreto, em cujo interior encontrei o testamento deserdando Craig.
— Caramba!, Jaime. É formidável! — Exclamou capitão Edu.


20min depois, no carro que os conduzia à Scotland Yard, Jaime
olhou o rosto abatido de Craig.
— Tenho pena de ti, rapaz, tanto mais que aquele testamento
ainda não era válido. Só o seria dentro de um mês. Se em vez de o
matar te regenerasses...
na noite, em seu gabinete, Jaime escrevia, em seu diário, os
apontamentos sobre este caso. Como arremate escreveu:
— E tudo por causa dum cavalo branco.

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Apêndice do digitalizador
Scotland Yard
Também conhecida por New Scotland
Yard ou Yard, é o quartel-general da
Metropolitan Police Service (MPS, em
inglês, Serviço Metropolitano de Polícia), a
força policial da capital do Reino Unido,
Londres. Popularmente, o termo New
Scotland Yard é usado, como metonímia,
pra designar o Metropolitan Police Service e
ou a Polícia Judiciária de Londres. O
edifício New Scotland Yard, usado como
sede desde 1967, é localizado na região administrativa de
Westminster, perto do Palácio de Westminster, onde estão instaladas
as duas câmaras do parlamento do Reino Unido. Fundado junto com o
Metropolitan Police Service em 29 de setembro de 1829 pelo político
inglês e, na época, ministro do interior Robert Peel, a Scotland Yard
foi aquartelada num edifício da rua Whitehall. Em 1890 se mudou a
um edifício da rua Victoria Embankment, recebendo a nova
denominação New Scotland Yard.
Ao contrário do que muitos pensam, a estrutura é essencialmente
militar, o que facilita a tomada de decisão por parte de seus
comandantes devido à hierarquia ser respeitada como forma de
operacionalização da segurança pública do Reino Unido.
Fonte: Wikipedia
Qual a razão da polícia britânica se chamar Scotland Yard?
Scotland Yard era uma pequena rua de Londres, situada perto da
praça Trafalgar. Originalmente, o escritório da polícia metropolitana
londrina (Metropolitan Police) se localizava no reduto Whitehall e
dava de fundo à rua Scotland Yard.
Numa sala do fundo trabalhava uma divisão da polícia. Essa
divisão acabou ficando conhecida como Scotland Yard. Logo o nome
acabou sendo usado para designar toda a polícia.
A origem do nome da rua é incerta. Existem algumas histórias
etiológicas. Uma delas é que a região onde ficava a rua Scotland Yard
era onde estava a residência dos reis da Escócia (Scotland, em inglês)
quando iam a Londres. A rua, que passava diante da casa, era
chamada de Jardim da Escócia (Scotland Yard).

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

Outra versão prà origem do nome da rua é que a região pertencia,


na idade média, a um homem chamado Adam Scott. Assim o local
começou a ser chamado de Scott’s Land (terras de Scott) e depois
abreviado a Scotland. Mais uma possibilidade seria que o nome é
derivado da antiga palavra inglesa scotte (que significa alugar) e se
referiria a essa área por ela ser destinada a aluguel nalguma época.
Fonte:
http://www.mail-archive.com/policia-livre@grupos.com.br/msg14159.html

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

A dama
da túnica
escarlate
5 O aniversário sangrento
20 As mortes em série
36 Os diamantes acusadores
43 O fantasma de Londres
65 O contrabando de platina
75 A lágrima da deusa
96 O pássaro da morte
106 O segredo da bíblia
115 A quadrilha do capuz negro
136 Contrário à evidência
143 A vingança do mutilado
164 Herdeiros da morte
186 A dama da túnica escarlate
210 O mistério do cavalo branco
228 Apêndice do digitalizador - Scotland Yard

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Doryol Taborda A dama da túnica escarlate

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