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Revista Elementa. Comunicação e Cultura. Sorocaba, v.1, n.2, jul/dez 2009.

MARTINEZ,  Mônica.  Jornada  do  Herói:  a  estrutura  mítica  na  construção  de  história  de  vida  em 
jornalismo. São Paulo: Annablume, 2008. 
 
Maria Lucia de Amorim Soares 
Leandro Petarnella 
 
Apresentar  um  livro  é  fazê‐lo  presente.  Apresentar  um  livro  é  dá‐lo  a  ler,  compartilhá‐lo  na  escritura, 
rearticulá‐lo  no  traço  em  negro  de  suas  palavras  e  no  traço  em  branco  de  seus  sonoros  silêncios. 
Apresentar um livro é dar‐lhe presença, fazer sua tradição, dar a pensar, como denuncia Jorge Larossa, 
professor de filosofia da Universidade de Barcelona. 
 
Assim,  renovar  o  pensamento  epistemológico  no  jornalismo,  é  o  convite  de  Mônica  Martinez  como 
autora do livro Jornada do Herói, resultado de sua Tese de Doutorado, publicado pela Annablume sob o 
patrocínio  da  FAPESP,  explicitando  que  Jornada  do  Herói  é  apenas  um  método  de  estruturação  da 
narrativa  que  procede  de  dois  campos  do  conhecimento.  A  primeira  é  a  mitologia  na  perspectiva  do 
norte americano Joseph Campbell – considerado por muitos o maior mitólogo do século XX. O segundo 
é  a  psicologia  humanista  do  suíço Carl  Gustav  Jung,  profundo  conhecedor  da  alma  humana.  Interados 
esses dois campos, nos anos de 1980 no cinema, por meio do roteirista americano Christopher Vogler, o 
método  passa  a  ser  empregado,  em  1998,  na  Escola  de  Comunicação  e  Artes  da  Universidade  de  São 
Paulo (ECA/USP), para a construção de histórias de vida em jornalismo. 
 
Edvaldo Pereira Lima, ex‐professor da ECA, co‐fundador da Academia Brasileira de Jornalismo Literário 
(ABJL) e do Texto vivo – Narrativa da Vida Real, orientador da Tese de Doutorado de Mônica, informa no 
Prefácio  do  livro  Jornada  do  Herói  que  a  proposta  da  autora  abre  um  novo  caminho  de  pesquisa, 
caminho promissor, para a construção histórica de vida: 
 
Os  processos  a  que  a  Jornada  se  refere  são  espontaneamente  existentes, 
conhecidos,  vivenciados  e  praticados  tanto  na  vida  orgânica  real  quanto  na 
tradição narrativa mítica de povos ao redor do mundo a ao longo dos tempos. 
Foi  no  cinema  de  Hollywood,  porém,  que  tudo  convergiu  ao  objetivo  de  se 
empregar  conscientemente  seus  recursos  na  organização  de  elementos, 
procedimentos  e  recursos  necessários  para  se  dar  às  narrativas 
cinematográficas  um  significado  que  ultrapassa  o  mero  nível  do 
entretenimento (p. 15). 
 
Continua Edvaldo, informando que como pesquisador e inspirador de narrativas do real no contexto do 
Jornalismo  Literário,  desenhou  a  possibilidade  da  utilização  da  Jornada  do  Herói  em  narrativas  de 
Revista Elementa. Comunicação e Cultura. Sorocaba, v.1, n.2, jul/dez 2009. 

histórias  de  vidas  de  pessoas  de  carne  e  osso,  levando  o  método  ao  campo  da  não‐ficção  assim 
agregando‐o às iniciativas de modernização do pensamento jornalístico. 
 
Uma das particularidades destacáveis do livro em questão é que sugere dois componentes adicionais: o 
estado  da  Jornada  da  Heroína,  isto  é,  as  especificidades  das  histórias  de  vida  femininas,  e  a  Biografia 
Humana,  método  da  medicina  antropofásica  que  permite  a  identificação  dos  potenciais  e  crises  nas 
diversas fases da vida. 
 
Como  até  onde  se  tem  conhecimento,  a  hipótese  de  que  a  combinação  da  Jornada  do  Herói  e  da 
Biografia  Humana,  adaptada  ao  universo  da  narrativa  contemporânea,  auxilie  na  produção  de  relatos 
envolventes, que satisfaçam tanto aos autores de narrativas, pela qualidade, quanto aos leitores, pela 
profundidade e fruição do texto, há necessidade de tratar dos processos múltiplos de identificação que 
organizam cada capítulo de Jornada do Herói numa viagem reflexiva. 
 
Divididos em seis capítulos, o primeiro – A arte de tecer o passado e o presente – traz algumas reflexões 
sobre  o  ato  de  narrar  e  sua  incorporação  no  jornalismo.  A  discussão  é  feita  sob  a  ótica  da  crise 
contemporânea  dos  paradigmas,  ou  seja,  sob  a  perspectiva  de  que  são  necessárias  abordagens  mais 
integras  do  real  e  do  imaginário  para  se  obter  uma  melhor  compreensão  do  ser  humano.  Chama  a 
atenção para o fato de que enquanto comunicadores sociais ainda defendem a busca de uma verdade 
absoluta, outros especialistas empregam conceitos mais avançados como o de ucronia, validando o fato 
de  que  cada  pessoa  tem  sua  própria  versão  de  verdade,  o  que  não  pode  ser  entendido  como  uma 
mentira, porém como uma interpretação individual do evento. 
 
O  segundo  capítulo  –  O  Poder  da  Narrativa:  uma  proposta  de  estrutura  mítica  para  a  construção  de 
histórias de vida – aborda a questão dos termos empregados. Em primeiro lugar, resgata o conceito de 
mito  enquanto  uma  narrativa  real.  Em  segundo,  fundamenta‐se  no  que  o  mitólogo  norte‐americano 
Joseph  Campbell  chamou  de  função  pedagógica  do  mito  para  sugerir  que,  uma  vez  entendida  a  vida 
como uma sucessão de crises previsíveis, que vão da infância à idade madura, as histórias atuais passam 
resgatar seu antigo papel de carregadoras de conhecimento. E, finalmente, desmistifica o termo “herói”, 
elucidando  que  no  caso  dos  perfis  jornalísticos,  refere‐se  simplesmente  ao  protagonista  da  narrativa: 
não é um semideus inatingível, tampouco um herói mítico como Macunaíma de Mário de Andrade, mas 
uma  pessoa,  que  por  seus  feitos,  seu  valor  ou  sua  magnanimidade,  seja  escolhida  para  ser  o 
protagonista de uma história de vida como ser vivo, com todas suas idiossincrasias e contradições. Por 
isso,  a  reconstrução  de  uma  personagem  real  está  longe  de  ser  tarefa  simples,  visto  que  se  trata 
fundamentalmente de uma identidade. 
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O  capítulo  III  –  Jornada  do  Herói:  análise  da  estrutura  de  uma  narrativa  mítica –  aborda  a  questão  da 
estrutura,  propondo  que  apesar  deste  termo  ser  referência  desse  método,  está  próximo  de  modelos 
abertos, como a Teoria Geral dos Sistemas, do biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanffy, e do conceito 
de conhecimento rizomático proposto pelos filósofos franceses contemporâneos Gilles Deleuze e Felix 
Guattari.  Uma  vez  esclarecidos  esses  pontos  teóricos,  é  apresentada  a  Jornada  do  Herói  conforme 
idealizada  por  Joseph  Campbell,  ou  seja,  fases  de  desafios  e  transformações  que  culminam  com  uma 
recompensa  material  ou  psicológica  desejada  pelo  herói.  É  exposta,  então  a  visão  do  consultor 
Christopher Vogler, que, quando analista dos roteiros dos estúdios Walt Disney, transpõe o método para 
o cinema. Finalmente, apresenta sua introdução no ensino de jornalismo brasileiro por Edvaldo Pereira 
Lima,  ex‐docente  do  Núcleo  de  Epistemologia  do  Jornalismo  da  Escola  de  Comunicação  e  Artes  da 
Universidade de São Paulo (ECA/USP). Em seguida a autora aborda a proposta de sua Tese que combina 
as três estruturas citadas. 
 
A  Jornada  do  Herói  se  distingue  por  propor  um  padrão  narrativo  ao  quais  os  seres  humanos  estão 
habituados  há  milênios,  mas  para  qual  Campbell  averiguou  a  existência  de  uma  estrutura  básica  que 
divide  a  aventura  em  três  fases:  a  partida,  a  iniciação  e  o  retorno.  Vogler  exemplifica  as  idéias  do 
mitólogo  por  meio  de  filmes,  caracterizando  o  protagonista  da  narrativa  e  deixando  claro  que  o  herói 
precisa contar com seus próprios atributos. 
 
Edvaldo Pereira Lima acrescenta recursos inovadores como a História de Vida e a Escrita Total baseada 
na  Teoria  dos  Hemisférios  Cerebrais  que  garantiu  o  Prêmio  Nobel  de  Medicina  e  Fisiologia  a  Roger 
Sperry e Robert Ornstein, em 1981, e que dentro de suas diversas técnicas destaca as três que formam 
os pilares do método: a escrita rápida, o mapa mental e a visualização criativa. 
 
O capítulo IV – Jornada da Heroína: a imprensa feminina e a história de vida das mulheres – ampara‐se 
em  conceitos  biológicos,  psicológicos,  sociohistórias  e  sua  ressonância  na  imprensa  feminina  para 
discutir se há diferenças na hora de se produzir uma história de vida feminina em comparação a uma 
masculina. 
 
O método da Biografia Humana: uma ajuda adicional – tema do capítulo V – sugere uma possibilidade 
para  ampliar  a  jornada  do  Herói  no  sentido  em  que  se  disponibiliza  conhecimento  pertinente  a  cada 
passagem da vida humana, tem como suas crises possíveis, o que facilita o trabalho do comunicador na 
hora  de  captar,  compreender  e  redigir  a  informação.  Método  introduzido  em  1976  por  Gudrun 
Burkhard,  médica  brasileira  especialista  em  antroposofia,  idealizada  no  início  do  século  passado  pelo 
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filósofo  austríaco  Rudolf  Steiner,  Biografia  Humana  visa  ampliar  o  conhecimento  do  ser  humano  e  do 
universo obtido pelo método científico convencional. Ao dividir a existência em três grandes fases: do 0 
aos 21 anos, dos 21 aos 42 e dos 42 em diante, divide, ao mesmo tempo, cada uma delas em outras três 
fases,  chamadas  de  “setenios”  por  terem  duração  de  sete  anos,  fases  que  em  linhas  gerais  marcam 
respectivamente  o  desenvolvimento  corporal,  o  amadurecimento  psicológico  e  sentimental  e  dos 
anseios espirituais. 
 
O  capítulo  VI  –  A  aplicação  dos  métodos  da  Jornada  do  Herói  e  da  Biografia  Humana  ao  ensino  de 
jornalismo – é dedicado à apresentação e discussão do experimento conduzido com 12 alunos do quinto 
período  do  curso  de  Comunicação  Social  da  Universidade  de  Uberaba.  Os  integrantes  do  grupo  foram 
convidados a produzir uma história de vida em etapas determinadas, que incluem o método da Jornada 
do Herói e da Biografia Humana. 
 
A conclusão – Mapa aberto: Reflexões sobre a experiência e sugestões de novos caminhos de pesquisa – 
aponta  possíveis  abordagens  complementares  porque  (...)  embora  o  mundo  não  mude  com  uma 
mudança  de  paradigma,  depois  dela  o  cientista  trabalha  em  um  mundo  diferente  (Thomas  S.  Kuhn). 
Reconhece  que  a  dicção  emblemática  do  narrar  contemporâneo  da  Jornada  da  Heroína  nos  moldes 
masculinos – ir, ver, vencer no mundo – chega ao final com uma sensação de vitória vazia. Afirma que é 
preciso  levantar  a  preocupação  cotidiana  com  resultados  –  afinal,  vivemos  numa  sociedade 
predominantemente  capitalista  –  mas  também  com  suas  conseqüências  em  nível  comunitário, 
modalização  que  apresenta,  pelo  método  da  Biografia  Humana,  questionamentos  mais  verticais  em 
temas que normalmente não teriam sido questionados. 
 
A  aplicação  desta  estrutura  revela  ferramentas  valiosas  para  resgatar  a  arte  de  narrar:  a  primeira  é  a 
questão  pedagógica  de  que  narrar  uma  história  da  pista  para  o  pesquisador/escritor/leitor  viver  sua 
própria  “jornada”;  a  segunda  é  que  com  seus  questionamentos,  o  autor  da  história  de  vida  é  parte 
integrante  da  narrativa,  o  que  pode  fazer  aflorar  um  verdadeiro  diálogo  de  sujeitos  na  construção  de 
uma nova versão da trajetória; a terceira é que escrever uma biografia é missão difícil, pois visa captar 
uma realidade complexa, formada pela combinação de alguns fatos e muitos mistérios; a quarta é que o 
resgate  de  uma  visão  humanista  é  mais  necessário  do  que  nunca  visto  por  estar  a  espécie  humana 
estupefata  com  as  dúvidas  e  incertezas  de  um  mundo  globalizado;  a  quinta  é  que  a  estrutura  mítica, 
antes de ser um modelo fechado, é um mapa de direções, somatória de conjunções, um continuum de 
possibilidades  formado  por  muitas  interrogações  e  inúmeras  exclamações,  constituindo  uma  viagem 
necessária  para  reconhecer  situações  a  partir  da  ótica  das  mediações  e  dos  sujeitos  (Martín‐Barbero), 
Revista Elementa. Comunicação e Cultura. Sorocaba, v.1, n.2, jul/dez 2009. 

lembrando sempre que o mapa, em si, não é a viagem, como não reproduz um inconsciente fechado em 
si mesmo, mas o constrói (Deleuze e Guattari). 
 
Entretanto, na urdidura e no concatenamento dos elementos constituintes da linguagem de Jornada do 
Herói, enquanto livro acadêmico, fruto de doutorado, que busca enriquecer o trabalho não apenas de 
jornalistas,  mas  de  todos  interessados  em  compreender  ou  escrever  narrativas  biográficas,  alguns 
autores utilizados estão ausentes, impedindo o retramar os discursos propostos. Um exemplo: Portelli 
(1991;  1997)  que  trabalha  o  conceito  de  ucronia,  citado  na  página  31.  Que  pena!  Há  um  espírito  de 
aventura permeando a concepção e o desenvolvimento deste conceito. 
 
 
Maria Lucia de Amorim Soares 
Doutora  em  Ciências:  Geografia  Humana  pela  Universidade  de  São  Paulo,  atualmente  é  professora 
titular  do  programa  de  Mestrado  e  Doutorado  em  Educação  da  Universidade  de  Sorocaba/SP. 
Pesquisadora do grupo de pesquisa Cotidiano Escolar da Universidade de Sorocaba. 
maria.soares@prof.uniso.br 
 
Leandro Petarnella 
Mestre  e  Doutorando  em  Educação  pela  Universidade  de  Sorocaba.  Professor  do  Departamento  de 
Ciências Gerenciais da Universidade Nove de Julho, em São Paulo/SP. Pesquisador do grupo de pesquisa 
Cotidiano Escolar, da Universidade de Sorocaba, e Antropologia da Saúde e da Doença da Universidade 
Nove de Julho.  
leandro‐nunes@uol.com.br 

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