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MARTINEZ, Mônica. Jornada do Herói: a estrutura mítica na construção de história de vida em
jornalismo. São Paulo: Annablume, 2008.
Maria Lucia de Amorim Soares
Leandro Petarnella
Apresentar um livro é fazê‐lo presente. Apresentar um livro é dá‐lo a ler, compartilhá‐lo na escritura,
rearticulá‐lo no traço em negro de suas palavras e no traço em branco de seus sonoros silêncios.
Apresentar um livro é dar‐lhe presença, fazer sua tradição, dar a pensar, como denuncia Jorge Larossa,
professor de filosofia da Universidade de Barcelona.
Assim, renovar o pensamento epistemológico no jornalismo, é o convite de Mônica Martinez como
autora do livro Jornada do Herói, resultado de sua Tese de Doutorado, publicado pela Annablume sob o
patrocínio da FAPESP, explicitando que Jornada do Herói é apenas um método de estruturação da
narrativa que procede de dois campos do conhecimento. A primeira é a mitologia na perspectiva do
norte americano Joseph Campbell – considerado por muitos o maior mitólogo do século XX. O segundo
é a psicologia humanista do suíço Carl Gustav Jung, profundo conhecedor da alma humana. Interados
esses dois campos, nos anos de 1980 no cinema, por meio do roteirista americano Christopher Vogler, o
método passa a ser empregado, em 1998, na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo (ECA/USP), para a construção de histórias de vida em jornalismo.
Edvaldo Pereira Lima, ex‐professor da ECA, co‐fundador da Academia Brasileira de Jornalismo Literário
(ABJL) e do Texto vivo – Narrativa da Vida Real, orientador da Tese de Doutorado de Mônica, informa no
Prefácio do livro Jornada do Herói que a proposta da autora abre um novo caminho de pesquisa,
caminho promissor, para a construção histórica de vida:
Os processos a que a Jornada se refere são espontaneamente existentes,
conhecidos, vivenciados e praticados tanto na vida orgânica real quanto na
tradição narrativa mítica de povos ao redor do mundo a ao longo dos tempos.
Foi no cinema de Hollywood, porém, que tudo convergiu ao objetivo de se
empregar conscientemente seus recursos na organização de elementos,
procedimentos e recursos necessários para se dar às narrativas
cinematográficas um significado que ultrapassa o mero nível do
entretenimento (p. 15).
Continua Edvaldo, informando que como pesquisador e inspirador de narrativas do real no contexto do
Jornalismo Literário, desenhou a possibilidade da utilização da Jornada do Herói em narrativas de
Revista Elementa. Comunicação e Cultura. Sorocaba, v.1, n.2, jul/dez 2009.
histórias de vidas de pessoas de carne e osso, levando o método ao campo da não‐ficção assim
agregando‐o às iniciativas de modernização do pensamento jornalístico.
Uma das particularidades destacáveis do livro em questão é que sugere dois componentes adicionais: o
estado da Jornada da Heroína, isto é, as especificidades das histórias de vida femininas, e a Biografia
Humana, método da medicina antropofásica que permite a identificação dos potenciais e crises nas
diversas fases da vida.
Como até onde se tem conhecimento, a hipótese de que a combinação da Jornada do Herói e da
Biografia Humana, adaptada ao universo da narrativa contemporânea, auxilie na produção de relatos
envolventes, que satisfaçam tanto aos autores de narrativas, pela qualidade, quanto aos leitores, pela
profundidade e fruição do texto, há necessidade de tratar dos processos múltiplos de identificação que
organizam cada capítulo de Jornada do Herói numa viagem reflexiva.
Divididos em seis capítulos, o primeiro – A arte de tecer o passado e o presente – traz algumas reflexões
sobre o ato de narrar e sua incorporação no jornalismo. A discussão é feita sob a ótica da crise
contemporânea dos paradigmas, ou seja, sob a perspectiva de que são necessárias abordagens mais
integras do real e do imaginário para se obter uma melhor compreensão do ser humano. Chama a
atenção para o fato de que enquanto comunicadores sociais ainda defendem a busca de uma verdade
absoluta, outros especialistas empregam conceitos mais avançados como o de ucronia, validando o fato
de que cada pessoa tem sua própria versão de verdade, o que não pode ser entendido como uma
mentira, porém como uma interpretação individual do evento.
O segundo capítulo – O Poder da Narrativa: uma proposta de estrutura mítica para a construção de
histórias de vida – aborda a questão dos termos empregados. Em primeiro lugar, resgata o conceito de
mito enquanto uma narrativa real. Em segundo, fundamenta‐se no que o mitólogo norte‐americano
Joseph Campbell chamou de função pedagógica do mito para sugerir que, uma vez entendida a vida
como uma sucessão de crises previsíveis, que vão da infância à idade madura, as histórias atuais passam
resgatar seu antigo papel de carregadoras de conhecimento. E, finalmente, desmistifica o termo “herói”,
elucidando que no caso dos perfis jornalísticos, refere‐se simplesmente ao protagonista da narrativa:
não é um semideus inatingível, tampouco um herói mítico como Macunaíma de Mário de Andrade, mas
uma pessoa, que por seus feitos, seu valor ou sua magnanimidade, seja escolhida para ser o
protagonista de uma história de vida como ser vivo, com todas suas idiossincrasias e contradições. Por
isso, a reconstrução de uma personagem real está longe de ser tarefa simples, visto que se trata
fundamentalmente de uma identidade.
Revista Elementa. Comunicação e Cultura. Sorocaba, v.1, n.2, jul/dez 2009.
O capítulo III – Jornada do Herói: análise da estrutura de uma narrativa mítica – aborda a questão da
estrutura, propondo que apesar deste termo ser referência desse método, está próximo de modelos
abertos, como a Teoria Geral dos Sistemas, do biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanffy, e do conceito
de conhecimento rizomático proposto pelos filósofos franceses contemporâneos Gilles Deleuze e Felix
Guattari. Uma vez esclarecidos esses pontos teóricos, é apresentada a Jornada do Herói conforme
idealizada por Joseph Campbell, ou seja, fases de desafios e transformações que culminam com uma
recompensa material ou psicológica desejada pelo herói. É exposta, então a visão do consultor
Christopher Vogler, que, quando analista dos roteiros dos estúdios Walt Disney, transpõe o método para
o cinema. Finalmente, apresenta sua introdução no ensino de jornalismo brasileiro por Edvaldo Pereira
Lima, ex‐docente do Núcleo de Epistemologia do Jornalismo da Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo (ECA/USP). Em seguida a autora aborda a proposta de sua Tese que combina
as três estruturas citadas.
A Jornada do Herói se distingue por propor um padrão narrativo ao quais os seres humanos estão
habituados há milênios, mas para qual Campbell averiguou a existência de uma estrutura básica que
divide a aventura em três fases: a partida, a iniciação e o retorno. Vogler exemplifica as idéias do
mitólogo por meio de filmes, caracterizando o protagonista da narrativa e deixando claro que o herói
precisa contar com seus próprios atributos.
Edvaldo Pereira Lima acrescenta recursos inovadores como a História de Vida e a Escrita Total baseada
na Teoria dos Hemisférios Cerebrais que garantiu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia a Roger
Sperry e Robert Ornstein, em 1981, e que dentro de suas diversas técnicas destaca as três que formam
os pilares do método: a escrita rápida, o mapa mental e a visualização criativa.
O capítulo IV – Jornada da Heroína: a imprensa feminina e a história de vida das mulheres – ampara‐se
em conceitos biológicos, psicológicos, sociohistórias e sua ressonância na imprensa feminina para
discutir se há diferenças na hora de se produzir uma história de vida feminina em comparação a uma
masculina.
O método da Biografia Humana: uma ajuda adicional – tema do capítulo V – sugere uma possibilidade
para ampliar a jornada do Herói no sentido em que se disponibiliza conhecimento pertinente a cada
passagem da vida humana, tem como suas crises possíveis, o que facilita o trabalho do comunicador na
hora de captar, compreender e redigir a informação. Método introduzido em 1976 por Gudrun
Burkhard, médica brasileira especialista em antroposofia, idealizada no início do século passado pelo
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filósofo austríaco Rudolf Steiner, Biografia Humana visa ampliar o conhecimento do ser humano e do
universo obtido pelo método científico convencional. Ao dividir a existência em três grandes fases: do 0
aos 21 anos, dos 21 aos 42 e dos 42 em diante, divide, ao mesmo tempo, cada uma delas em outras três
fases, chamadas de “setenios” por terem duração de sete anos, fases que em linhas gerais marcam
respectivamente o desenvolvimento corporal, o amadurecimento psicológico e sentimental e dos
anseios espirituais.
O capítulo VI – A aplicação dos métodos da Jornada do Herói e da Biografia Humana ao ensino de
jornalismo – é dedicado à apresentação e discussão do experimento conduzido com 12 alunos do quinto
período do curso de Comunicação Social da Universidade de Uberaba. Os integrantes do grupo foram
convidados a produzir uma história de vida em etapas determinadas, que incluem o método da Jornada
do Herói e da Biografia Humana.
A conclusão – Mapa aberto: Reflexões sobre a experiência e sugestões de novos caminhos de pesquisa –
aponta possíveis abordagens complementares porque (...) embora o mundo não mude com uma
mudança de paradigma, depois dela o cientista trabalha em um mundo diferente (Thomas S. Kuhn).
Reconhece que a dicção emblemática do narrar contemporâneo da Jornada da Heroína nos moldes
masculinos – ir, ver, vencer no mundo – chega ao final com uma sensação de vitória vazia. Afirma que é
preciso levantar a preocupação cotidiana com resultados – afinal, vivemos numa sociedade
predominantemente capitalista – mas também com suas conseqüências em nível comunitário,
modalização que apresenta, pelo método da Biografia Humana, questionamentos mais verticais em
temas que normalmente não teriam sido questionados.
A aplicação desta estrutura revela ferramentas valiosas para resgatar a arte de narrar: a primeira é a
questão pedagógica de que narrar uma história da pista para o pesquisador/escritor/leitor viver sua
própria “jornada”; a segunda é que com seus questionamentos, o autor da história de vida é parte
integrante da narrativa, o que pode fazer aflorar um verdadeiro diálogo de sujeitos na construção de
uma nova versão da trajetória; a terceira é que escrever uma biografia é missão difícil, pois visa captar
uma realidade complexa, formada pela combinação de alguns fatos e muitos mistérios; a quarta é que o
resgate de uma visão humanista é mais necessário do que nunca visto por estar a espécie humana
estupefata com as dúvidas e incertezas de um mundo globalizado; a quinta é que a estrutura mítica,
antes de ser um modelo fechado, é um mapa de direções, somatória de conjunções, um continuum de
possibilidades formado por muitas interrogações e inúmeras exclamações, constituindo uma viagem
necessária para reconhecer situações a partir da ótica das mediações e dos sujeitos (Martín‐Barbero),
Revista Elementa. Comunicação e Cultura. Sorocaba, v.1, n.2, jul/dez 2009.
lembrando sempre que o mapa, em si, não é a viagem, como não reproduz um inconsciente fechado em
si mesmo, mas o constrói (Deleuze e Guattari).
Entretanto, na urdidura e no concatenamento dos elementos constituintes da linguagem de Jornada do
Herói, enquanto livro acadêmico, fruto de doutorado, que busca enriquecer o trabalho não apenas de
jornalistas, mas de todos interessados em compreender ou escrever narrativas biográficas, alguns
autores utilizados estão ausentes, impedindo o retramar os discursos propostos. Um exemplo: Portelli
(1991; 1997) que trabalha o conceito de ucronia, citado na página 31. Que pena! Há um espírito de
aventura permeando a concepção e o desenvolvimento deste conceito.
Maria Lucia de Amorim Soares
Doutora em Ciências: Geografia Humana pela Universidade de São Paulo, atualmente é professora
titular do programa de Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade de Sorocaba/SP.
Pesquisadora do grupo de pesquisa Cotidiano Escolar da Universidade de Sorocaba.
maria.soares@prof.uniso.br
Leandro Petarnella
Mestre e Doutorando em Educação pela Universidade de Sorocaba. Professor do Departamento de
Ciências Gerenciais da Universidade Nove de Julho, em São Paulo/SP. Pesquisador do grupo de pesquisa
Cotidiano Escolar, da Universidade de Sorocaba, e Antropologia da Saúde e da Doença da Universidade
Nove de Julho.
leandro‐nunes@uol.com.br