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SERIE LEITURAS JURÍDICAS

PROVAS E CONCURSOS

DIREITO CIVIL
PARTE GERAL

Atualizado com as Leis n25 10.825, de 22-12-2003,


10.838, de 30-1-2004, 11.127, de 28-6-2005 e 11.280,
de 16-2-2006, com referência aos enunciados proferidos
nas Jornadas de Direito Civil do Centro de Estudos
Judiciários do Conselho da Justiça Federal

V o lu m e 3

G u sta v o R en e N ico lau

2* Edição

SAO PAULO
EDITORA ATLAS S.A. - 2007
Copyright © 2005 by E ditora Atlas S.A.

1. ed. 2005; 2. ed. 2006; 2. reim p ressão 2007

Composição-. Form ato Serviços de Editoração S /C Ltda

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

N icolau, G ustavo Rene


D ireito c iv il: p a rte g e r a l: atualizado com as Leis na 10.825, de 22-12-2003, 10.838, d e 30-1-
2004, 11.127, de 28-6-2005 e 11.280, d e 16-2-2006 / G ustavo Rene N icolau - 2. ed. - 2. reim pr.
- São Paulo : A tlas, 2007. - - (Série leituras jurídicas: provas e concursos; v. 3)

Bibliografia.
ISBN 978-85-224-4437-3

1. D ireito civil - C o ncursos - Brasil 2. D ireito civil - Legislação - Brasil 3. Parte geral (D irei­
to) - Brasil I. T ítulo. II. Série.

05-2317__________________________________________________________________ C D U -347(81) (079)

índices para catálogo sistemático:

1. B ra sil: D ireito c iv il: Provas e concursos 347(81)(079)


2. B ra sil: Provas e concursos : D ireito civil 347(81) (079)

TO D O S OS DIREITOS RESERVADOS - É proibida a reprodução total ou parcial,


de qualquer form a ou por q u alq u er meio. A violação dos d ireitos de autor
(Lei n° 9 .6 1 0 /9 8 ) é crim e estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

D epósito legal na Biblioteca N acional conform e D ecreto n9 1.825, d e 20 de dezem bro de 1907.

Im presso no Brasil/Prínted in Brazil

Editora A tlas S.A.


Rua C onselheiro N ébias, 1384 (C am pos Elísios)
01203-904 São Paulo (SP)
Tel.: (0__ 11) 3357-9144 (PABX)
w w w .E ditoraA tlas.com .br
Se um livro pode ser comparado a um filho, tenha certeza de que este, que
agora apresento, foi planejado e criado da maneira mais responsável
possível.

O zelo, a atenção, o carinho, a seriedade com que cada palavra fo i escrita


neste trabalho me lembram imediatamente das pessoas que me trataram
com esses mesmos substantivos, desde quando eu era um nascituro.

Aos meus pais, João Nicolau Neto e Belenice Fabricio Nicolau, que, pelo
modo honesto, íntegro, brando e inteligente de se comportar diante de
suas vidas, serviram de norte para cada passo que dei na minha. Meu
desejo é que a satisfação e a sensação do dever cumprido que eu sinto em
apresentar este trabalho sejam idênticas àquelas que vocês, pais, possam
sentir em relação ao seu filho.
Sumário

Nota, xvii
Mensagem ao leitor, xix

Livro Introdutório Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), 1

Capítulo I - Função e alcance da LICC, 1


1 Função da LICC, 1
2 Decreto-lei nQ4.657/1942 não introduz apenas o Código
Civil, 2
3 Proposta para uma nova LICC, 2

Capítulo II - Vigência e eficácia das leis no tem po, 3


1 Vacatio legis, 3
1.1 Vacatio de leis brasileiras com aplicação no exterior, 3
1.2 Proibição de vacatio legis em lei que altera processo
eleitoral, 4
1.3 Princípio da obrigatoriedade simultânea, 4
2 Correção da lei, 5
2.1 Correção em texto de lei dentro da vacatio legis, 5
2.2 Correção em texto de lei já em vigor, 5
3 Delegação legislativa não recepcionada, 6
4 Visualização dos planos de existência, validade e eficácia da
lei, 6
5 Princípio da continuidade, 8
5.1 Espécies de revogação da Lei, 8
vlil l i u r l i o Ci vi l

5.1.1 Revogação quanto a sua extensão, 9


5.1.2 Lei geral e lei especial, 10
6 Repristinação, 10
7 Princípio da obrigatoriedade, 11
7.1 Exceção ao princípio da obrigatoriedade, 11

Capítulo III - Os sistem as integradores do ordenam ento, 12


1 Analogia, 12
2 Costumes, 13
3 Princípios gerais do Direito, 15
4 Eqüidade, 16

Capítulo IV - Interpretação da lei, 17


1 Interpretação teleológica, 18

Capítulo V - D ireito intertem poral, 20


1 Direito adquirido (OAB/SP - 124Q), 21

Livro I - Das Pessoas, 23

Capítulo I - E strutura do Direito privado, 23

Capítulo II - Das pessoas naturais, 25


1 Capacidade e personalidade, 26
1.1 Capacidade de direito, 26
1.1.1 Início da capacidade de direito, 27
2 Nascituro, 28
3 Capacidade de fato, 29
3.1 Absolutamente incapazes de fato, 30
3.1.1 Benefício da restituição, 32
3.2 Relativamente incapazes de fato, 32
4 Aquisição da capacidade de fato, 34
4.1 Maioridade civil, 34
4.2 Emancipação e suas espécies, 36
4.3 Levantamento da interdição, 40
5 Capacidade de fato e legitimação, 40
6 Extinção da personalidade, 41
6.1 Comoriência, 42
6.2 Da ausência e suas fases, 43
6.2.1 Da curadoria dos bens do ausente, 43
6.2.2 Da sucessão provisória, 44
6.2.3 Da sucessão definitiva, 45
S um ário IX

6.3 Morte presumida sem decretação de ausência, 46

Capítulo III - D ireitos da personalidade, 46


1 Características, 48
1.1 Relativização das características dos direitos da
personalidade, 48
2 Indenização pela violação dos direitos da personalidade, 50
3 Do nome, 52
3.1 Composição do nome, 53
3.2 Causas de alteração do prenome, 53
3.2.1 Estrangeiro, 54
3.2.2 Prenome ridículo, 54
3.2.3 Erro gráfico, 55
3.2.4 Mudança de sexo, 55
3.2.5 Apelido público notório, 56
3.2.6 Proteção às testemunhas e vítimas, 57
3.2.7 Adoção, 58
3.3 Causas de alteração do sobrenome, 58
4 Direito à imagem, 59
5 Direito ao corpo, 60
5.1 Em vida, 60
5.2 Após a morte, 60

Capítulo IV - Das pessoas jurídicas, 62


1 Análise das pessoas jurídicas, 62
2 Início da personalidade jurídica, 63
3 Direitos da personalidade das pessoas jurídicas, 64
4 Classificação das pessoas jurídicas, 65
4.1 Fundações, 66
4.1.1 Fiscalização das fundações, 67
4.1.2 Extinção das fundações, 68
4.2 Corporações, 68
4.3 Associações, 68
4.3.1 Associações e interesses transindividuais, 71
4.4 Sociedades, 71
5 Desconsideração da personalidade jurídica, 72
5.1 Responsabilidades independentes como regra. Proteção
aos sócios e à economia nacional, 72
5.2 A exceção, diante do abuso, 73
5.3 A desconsideração da personalidade jurídica no Código
de Defesa do Consumidor, 74
X D ireito Civil

5.4 A desconsideração da personalidade jurídica no Código


Civil, 76

Capítulo V p Do domicílio, 76
1 Diversas residências, 77
2 Pessoas sem residência habitual, 77
3 Domicílio necessário, 78
4 Domicílio convencional, 78
4.1 Cláusula de eleição de foro nas relações de consumo, 79

Livro I I Dos Bens, 80

Capítulo I - Bens. Segundo elem ento da estru tu ra do direito


subjetivo, 80
1 Conceito, 81
2 Distinção entre bens e coisas, 81
3 Critérios de classificação dos bens, 82

Capítulo II - Dos bens considerados em si mesmos, 83


1 Imóveis, 83
1.1 Imóveis por sua natureza, 83
1.2 Imóveis por acessão natural, 84
1.3 Imóveis por acessão artificial, 84
1.3.1 Acessão artificial física, 84
1.3.2 Acessão artificial intelectual no Código Civil de
1916, 85
1.4 Imóveis por determinação da lei, 86
1.4.1 Direitos reais sobre bens imóveis e as ações que
os asseguram, 86
1.4.2 O direito à sucessão aberta, 87
1.4.2.1 Renúncia pura e simples do direito à
sucessão aberta, 88
2 Móveis, 88
2.1 Móveis por sua natureza, 89
2.2 Móveis por determinação da lei, 89
2.3 Importância da distinção entre bens móveis e
imóveis, 90
3 Fungíveis e infungíveis, 91
4 Consumíveis e inconsumíveis, 92
5 Divisíveis e indivisíveis, 92
5.1 Indivisíveis por força de lei ou por vontade das
partes, 93
S um ário

6 Singulares e coletivos, 94
6.1 Bens singulares, 94
6.2 Bens coletivos, 94

Capítulo III - Classificação dos bens considerados uns


em relação aos outros, 95
1 Principais, 95
2 Acessórios, 96
2.1 Benfeitorias, 96
2.1.1 Importância da distinção entre benfeitorias, 97
2.2 Pertenças, 98

Capítulo IV - Classificação dos bens considerados em sua


titularidade, 100
1 Públicos, 100
1.1 Bens de uso comum do povo, 100
1.2 Bens de uso especial, 101
1.3 Bens dominicais ou dominiais, 102
2 Características dos bens públicos, 102
2.1 Inaiienabilidade, 102
2.2 Impenhorabilidade, 102
2.3 Imprescritibilidade. Vedação da usucapião de bem
público, 103

Capítulo V - Bens fora do comércio, 104


1 Bem de família, 105
2 Bem de família legal. Lei nQ8.009/90, 106
3 Bem de família convencional, 107

Livro III - Dos Fatos Jurídicos, 110

Capítulo I - Introdução ao estudo dos fatos. Terceiro


elem ento do direito subjetivo, 110

Capítulo II - Conceito e classificação, 111


1 Fatos jurídicos e fatos irrelevantes, 111
2 Fatos jurídicos decorrentes das forças da natureza
e fatos jurídicos decorrentes da atividade humana, 111
3 Ato ilícito é fato jurídico, 112
4 Atos lícitos, 113
4.1 Negócios jurídicos, 113
4.2 Atos jurídicos em sentido estrito, 115
x ii D ireito Civil

4.3 Ato-fato jurídico, 116

Capítulo III - Teoria geral dos negócios jurídicos, 118


• 1 Existência, validade e eficácia do negócio jurídico, 118
2 Elementos essenciais para a existência do negócio, 120
2.1 Vontade, 121
2.1.1 O silêncio como expressão de vontade, 122
2.1.2 Da representação, 124
2.1.3 Autocontrato, 124
2.1.4 Reserva mental, 125
3 Requisitos de validade do negócio jurídico, 126
3.1 Capacidade, 127
3.2 Objeto lícito, possível, determinado ou determinável,
128
3.3 Forma prescrita ou não defesa em lei, 128
3.3.1 Reflexos processuais da forma, 130
4 Interpretação do negócio jurídico, 130
5 Classificação dos negócios jurídicos, 131

Capítulo IV - Elementos acidentais dos negócios jurídicos:


condição, term o e encargo, 133
1 Condição, 134
1.1 Condições proibidas, 135
1.1.1 Condições que privem de todo efeito o negócio
jurídico, 135
1.1.2 Condições puramente potestativas, 136
1.1.3 Cláusulas condicionais em negócios
extrapatrimoniais, 136
1.2 Condição suspensiva, 137
1.2.1 Condição suspensiva e direito adquirido, 137
1.3 Condição resolutiva, 137
1.3.1 Condição resolutiva tácita, 138
1.4 Impossibilidade da condição, 139
1.4.1 Impossibilidade da condição suspensiva, 139
1.4.2 Impossibilidade da condição resolutiva, 140
1.5 Novas disposições quanto à coisa sob condição, 140
1.6 Condição maliciosamente implementada ou obstada,
141
2 Termo, 142
2.1 Termo inicial e condição suspensiva; termo final e
condição resolutiva. Paralelismo, 142
S um ário x iii

2.2 Termo e direito adquirido, 142


2.3 Termo determinado e indeterminado, 143
3 iincargo, 143

Capítulo V - D efeitos do negócio jurídico, 144


1 Imrodução, 144
2 Conseqüência dos negócios defeituosos, 145
3 Prazos para anulação dos negócios defeituosos, 146
4 Erro, 146
4.1 Erro e ignorância, 147
4.2 Requisitos para configuração do erro, 147
4.2.1 Substancialidade, 147
4.2.1.1 Natureza do negócio, 148
4.2.1.2 Objeto da declaração ou qualidades a ele
essenciais, 148
4.2.1.3 Identidade da pessoa, 148
4.2.2 Escusabilidade do erro, 148
4.2.2.1 Critério para avaliação da
escusabilidade, 149
4.3 Erro de direito e ignorância da lei (LICC, art. 3°), 150
4.4 Falso motivo (error in causa ) ,151
5 Dolo, 151
5.1 Dolo substancial e dolo acidental, 151
5.2 Dolo negativo, 152
5.3 Dolo de terceiro, 152
5.4 Dolo bilateral, 153
5.5 Dolus bonus, 154
6 Coação, 154
6.1 Requisitos da coação, 155
6.1.1 Critério de apreciação da coação, 155
6.2 Ameaça de exercício normal de direito e temor
reverenciai, 155
6.3 Coação proveniente de terceiro, 156
7 Estado de perigo, 156
8 Lesão, 157
8.1 Lesão e resolução por onerosidade excessiva, 158
9 Fraude contra credores, 159
9.1 Garantia do credor é o patrimônio do devedor, 159
9.2 Requisitos para a configuração da fraude em negócios
onerosos: eventus dam ni e consilium fraudis, 160
9.3 Negócios gratuitos, 161
D ireito Civil

9.4 Ação pauliana, 162


9.5 Conseqüência do negócio fraudulento: invalidade ou
ineficácia?, 162
9.6 Fraude de execução, 163

Capítulo VI - Invalidade do negócio jurídico, 164


1 Nulidade absoluta, 164
1.1 Hipóteses, 165
1.1.1 Motivo determinante ilícito, 166
1.1.2 Atos proibidos não sancionados, 166
1.1.3 Simulação, 167
1.1.3.1 Simulação absoluta, 167
1.1.3.2 Simulação relativa, 168
1.1.3.3 Simulação inocente, 168
1.2 Características do negócio nulo, 169
2 Nulidade relativa, 169
2.1 Hipóteses, 169
2.2 Características do negócio anulável, 170
2.3 Efeitos dos negócios nulos e anuláveis, 172
2.4 Conversão dos negócios jurídicos, 173

Capítulo VII - Dos atos ilícitos, 175


1 Bipartição da regra geral de responsabilidade civil, 175
2 Abuso de direito, 179
3 Atos lícitos que podem gerar direito a indenização, 179
3.1 Legítima defesa, 179
3.2 Estado de necessidade, 180

Capítulo VIII - Da prescrição e da decadência, 181


1 Diferenciação dos institutos mediante a classificação dos
direitos subjetivos, 181
1.1 Os direitos a uma prestação, 181
1.2 Os direitos potestativos, 182
1.3 Do fundamento da prescrição, 183
1.4 Do fundamento da decadência, 184
1.5 Classificação das ações quanto à eficácia de sua
sentença, 184
1.6 Critério topográfico para identificar prazos
prescricionais de decadenciais, 185
2 Disposições específicas sobre a prescrição, 186
2.1 A exceção prescreve no mesmo prazo que a pretensão,
186
S um ário XV

2.2 Renúncia à prescrição consumada, 186


2.3 Alegação da prescrição, 187
2.3.1 Momento. O prequestionamento, 187
2.3.2 Quem pode alegar ou suscitar a prescrição. A Lei
nQ 11.280/2006, 188
2.4 Transcurso do lapso prescricional por culpa de
representante legal da pessoa jurídica ou assistente do
relativamente incapaz, 188
2.5 Impedimento e suspensão do lapso prescricional, 189
2.5.1 Hipóteses de impedimento ou suspensão do
lapso prescricional, 190
2.6 Interrupção do lapso prescricional, 191
2.6.1 Hipóteses de interrupção, 193
Disposições específicas sobre a decadência, 194
3.1 Transcurso do lapso decadencial por culpa de
representante legal da pessoa jurídica ou assistente do
relativamente incapaz, 195
3.2 Decadência convencional, 195
Prescrição e direito intertemporal, 195
4.1 As duas possíveis interpretações do art. 2.028, 196
4.1.1 A interpretação inconstitucional, 197
4.1.2 Interpretação do art. 2.028 conforme a
Constituição Federal, 198
4.1.3 Interpretação do art. 2.028 outorgada pelo
Conselho da Justiça Federal na I Jornada de
Direito Civil, 200
4.1.4 Conclusão, 200

Questões, 203

llibliografia, 207

ímlice remissivo, 213


Mensagem ao Leitor

ciência à qual nos dedicam os possui um a série de obstácu­


A los para um a perfeita com unicação en tre o texto da lei e a
plena com preensão do destinatário. Há um vocabulário próprio
(quase um idiom a), não há im agens ilustrativas e parte-se sem ­
pre do pressuposto de um conhecim ento prévio de in stitu to s ju-
i Idicos avançados.
Por conta disso, o n o rte deste trabalho foi o m esm o já ado-
t.ido com nossos queridos alunos de graduação, cursinhos pre­
paratórios, p alestras e cursos de especialização: to rn a r a com ­
preensão desta parte fundam ental do D ireito Civil m ais acessí­
vel e até agradável, sem esquecer a indispensável técnica. Espero
que o objetivo ten h a sido alcançado. Boa leitura!
jue bom saber que há tantos para agradecer. Q ue bom ser
devedor insolvente de tantas pessoas que passaram pelos
• cn.iTTfrs de m inha vida. Com um pequeno esforço de m em ória,
i {waigo visualizar m uitos que de algum a forma contribuíram para
que en pudesse alçar vôo no m aravilhoso céu da ciência jurídica.
N c n n c cenário, algum as p essoas d estacam -se ainda m ais pela
• onli.inça e apoio que m e deram , cada um a de seu m odo, cada
um.i na sua esfera de atuação. Q ue fiquem aqui registradas com
iodo meu carinho, gratidão e consideração:

Álvaro Villaça Azevedo e sua família;


Ameleto M asini Neto;
( iiselda H ironaka;
José Fernando Simão;
Márcio M oreira de Souza;
Marcos M artins Paulino;
M arisa H arm s;
Murilo Sechieri C osta Neves;
Paulo H enrique Vargas;
Ricardo Nicolau;
Thereza N ahas.

Q ueira D eus que eu possa fazer p o r o utros um pouco do que


vocôs fizeram por m im . Se isso acontecer, grande parte do meu
ciclo vital estará realizada e esta corrente do bem , fortalecida.

Obrigado, m u ito obrigado.


Livro Introdutório
Lei de Introdução ao Código
Civil (LICC)

Capítulo I
Função e alcance da LICC

1 Função da LICC

A ntes de regulam entar as relações interpessoais, o o rd en a­


m ento deve disciplinar a aplicação, a vigência, a in terp retação e
até a om issão da própria lei. Em nosso sistem a, tal tarefa foi d e­
sem penhada pela Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), que
tem por objeto a própria lei, o próprio ato norm ativo criado pelo
C ongresso Nacional, em consonância com o Processo Legislativo
dos arts. 59 e seguintes da C o n stituição Federal. A LICC é a lex
legum, ou seja, um conjunto de no rm as sobre norm as. E cham a­
da de norm a supralegal.
A Lei C om plem entar nQ95, de 26 de fevereiro de 1998, ta m ­
bém tem por objeto a lei. Criada em obediência ao m an d am en to
contido no parágrafo único do art. 59 da C onstituição Federal,
dispõe sobre elaboração, redação, alteração, num eração, vigên­
cia e revogação das leis. Esta lei com plem entar sofreu alterações
com a edição de o u tra espécie norm ativa da m esm a natureza, a
de nQ 107, de 26 de abril de 2001. São estas leis que auxiliarão,
2 D ireito Civil

por exem plo, a correta contagem de prazos de entrada em vigor


das leis.

2 D ecreto-lei nQ4.657/1942 não introduz apenas o


Código Civil

Mas a referência em sede de vigência da lei, regulam entação


no tem po e no espaço, sistem as que a integram e até D ireito In­
ternacional é a Lei de Introdução ao Código Civil. Tal n orm a é
um D ecreto-lei, redigido em 1942, que revogou a antiga LICC
(esta prom ulgada ju n to com o Código de 1916), e seria m ais
apropriado que levasse o nom e de Lei de Introdução ao Direito, ou
Lei de Introdução à Lei, posto se aplicar a todos os ram os do Direi­
to (com raras exceções).
A LICC costum a prefaciar o Código Civil por m era questão
de didática e editoração. É tradição de nosso D ireito estu d ar a
LICC ju n tam en te com a m atéria de D ireito Civil, m as ela não se
lim ita às lindes deste sistem a.

3 Proposta para uma nova LICC

N ão é de hoje que se alm eja um a nova Lei de Introdução ao


Código Civil. Vários projetos foram elaborados e posterio rm en ­
te arquivados e atualm ente o Projeto nQ243/2002, de autoria do
Senador M oreira M endes, encontra-se em tram itação pelo Sena­
do Federal da República. Com 45 artigos, o projeto trata de as­
suntos com o domicílio, sucessões, separação e divórcio, regim e
de bens, no que se refere aos problem as de aplicabilidade da lei
e situações em que as relações se estabelecem en tre brasileiros e
estrangeiros.
Livro In tro d u tó rio - Lei de In tro d u ç ã o ao C ódigo Civil (LICC) 3

Capítulo II
Vigência e eficácia das leis no tem po

1 Vacatio legis

LICC - art. I o “Salvo disposição contrária, a lei começa a vi­


gorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficial­
mente publicada.”
O art. 1Q da LICC trata da cham ada vacatio legis. Após sua
publicação (e não sua prom ulgação), a n orm a pode ou não vigo­
rar desde logo (ter vigência). E u m a opção do legislador. A LICC
não im põe que se aguarde o prazo de 45 dias para en tão a lei vi­
gorar; ao co n trá rio , estab e lece esse p razo ap en as n o caso de
om issão da lei quanto à sua vacatio.
O fundam ento deste lapso tem poral é p erm itir que a socie­
dade se acostum e com o novo ordenam ento. Em 1942, a norm a
publicada na Capital Federal (Rio de Janeiro) dem orava algum
tem po para ser conhecida em to d o o territó rio nacional. Com o
ela deve e n tra r em vigor de u m a só vez, era razoável que aguar­
dasse um tem po para assim ilação geral de seus term os.
N ada im pede que a lei preveja o u tro prazo para a en trad a em
vigor da norm a, com o fez o art. 118 da Lei n Q 8.078, de 11 de
setem bro de 1990, ou o art. 2.044 da Lei nQ 10.406/2002. Com a
revolução n a com unicação, en tretan to , é cada vez m ais com um
a disposição: “Esta lei entra em vigor na data de sua publicação", em
que pese a Lei C om plem entar nQ 95 d eterm in ar que tal cláusula
só seja utilizada para “leis de pequem repercussão".
Concluindo, vacatio legis é o tem p o que m edeia en tre a publi­
cação da norm a e sua vigência. Se a no rm a não o previr, será em
45 (quarenta e cinco dias); se o fizer, vale su a disposição. N esse
intervalo, ela não tem validade no o rd en am en to (M P/SP - 81°).

1.1 Vacatio de leis brasileiras com aplicação no exterior

O § 1Qdo art. 1Qda LICC traz a h ipótese da obrigatoriedade


da lei brasileira no exterior. N esse caso, a vacatio legis será de 3
(três) m eses. Via de regra, um a lei brasileira não tem vigência em
4 D ireito Civil

território alienígena. Tal dispositivo refere-se à lei brasileira na


eventualidade de ser obrigatória em território estrangeiro. Lei que
regula os “direitos políticos dos brasileiros com moradia no exterior”,
ou leis que disciplinem a situação de “diplomatas brasileiros em
missão de paz” são alguns exem plos. Em face da m aior distância e
dificuldade de acesso ao exterior, a vacatio desta lei será de 3 (três)
meses, se outro prazo não for determ inado no bojo da própria lei.
A possibilidade de a lei com aplicabilidade no estran g eiro ter
vacatio diferente da prevista pela LICC decorre da expressão sal­
vo disposição contrária prevista no caput do art. 1Q.

1.2 Proibição de vacatio legis em lei que altera processo


eleitoral

Há, porém , um a hipótese em que a vacatio está proibida. T ra­


ta-se da lei que altera o processo eleitoral que deve en tra r em
vigor na data da publicação. O art. 16 da C onstituição quis evi­
tar que artifícios de últim a hora prorrogassem dem asiadam ente
a en trada em vigor da norm a, sobrestando-a por longo período.
Porém , ainda que em vigor, tal lei não pode ser aplicada às elei­
ções ocorridas no período de um ano.

1.3 Princípio da obrigatoriedade simultânea

N ão im portando o tem po previsto para a vacatio, expirado o


seu prazo a lei en tra em vigor de um a só vez em todo o território
nacional. E o que se cham a de princípio da obrigatoriedade sim ul­
tânea (M P/SP - 82Q), ou princípio do prazo único que vigora no
país desde 1942.
A antiga LICC, publicada no m esm o docum ento legislativo
que deu origem ao Código Civil de 1916 (Lei O rdinária nQ3.071,
de 1Qde janeiro de 1916), previa de m odo diverso em seu art. 2a.
Adotava o sistem a do prazo progressivo com a seguinte redação:

“A obrigatoriedade das leis, quando não fixem o utro prazo,


com eçará no D istrito Federal três dias depois de oficialm ente
publicadas, quinze dias no Estado do Rio de Janeiro, trin ta dias
nos Estados m arítim os e no de M inas Gerais, cem dias nos ou­
Livro In tro d u tó rio - Lei de In tro d u ção ao C ódigo Civil (LICC) 5

tros, com preendidas as circunscrições não constituídas em E sta­


dos."

A própria LICC, que deveria dar o exem plo sobre técnica le­
gislativa, determ inação de validade de leis e revogação das an te ­
riores, precisou de um o u tro D ecreto-lei, 13 dias depois, apenas
para dispor sobre a sua própria vigência. É o D ecreto-lei n° 4.707,
de 17 de setem bro de 1942, que - em seu artigo único - dispõe:

“O decreto-lei nQ4.657, de 4 de setem bro de 1942 (Lei de In­


trodução ao Código Civil Brasileiro) entrará em vigor no dia 24 de
outubro do corrente ano, revogadas as disposições em contrário.”

2 Correção da lei

A LICC prevê a não rara hipótese de correção da lei p ro m u l­


gada e publicada. Tal situação pode ocorrer com a lei já em vigor
ou ainda d en tro da vacatio.

2 .1 Correção em texto de lei dentro da vacatio legis

Se a lei ainda está no período de vacatio, significa que não está


em vigor. O correndo nova publicação, o prazo da vacatio reinicia-
se desde a nova publicação. H avendo várias publicações, é a ú lti­
ma que vale para a contagem do prazo (DINIZ, 2002, p. 60). Tais
correções são apenas formais, posto que qualquer alteração de seu
texto que possa influir no sen tid o ou n o contexto global requer
apreciação por parte do C ongresso Nacional, seguindo novam ente
todo o processo legislativo.

2.2 Correção em texto de lei já em vigor

N este caso, já há um a lei em vigor, em que pese a falha de


seu texto. U m a nova lei deverá ser aprovada, prom ulgada, p ubli­
cada, aguardar o novo período de vacatio (se houver) para só en ­
tão corrigir a norm a.
A n orm a errada co n tin u a válida e eficaz. M aria H elena Diniz
(2002, p. 61) leciona:
6 D ireito Civil

“Se a correção for feita den tro da vigência legal, a lei, apesar
de errada, vigorará até a data do novo diplom a legal publicado
[...]. Respeitar-se-ão os direitos e deveres decorrentes de norm a
publicada com incorreções ainda não retificada.”

N ada impede, porém, de o juiz corrigir inexatidões ou im per­


feições presentes no corpo da lei. A própria Lei C om plem entar
nQ 95 determ inou em seu art. 18 que: “eventual inexatidão formal
de norma elaborada mediante processo legislativo regular não constitui
escusa válida para o seu descumprimento”.
Se houver inexatidão no procedim ento criador da norm a, no
processo legislativo, estarem os diante de inconstitucionalidade
form al da m esm a, cabendo sobre ela todo o m ecanism o de con­
tro le de co n stitu cio n alid ad e analisado na m a téria de D ireito
C onstitucional (MAGISTRATURA/BA - 1999).

3 Delegação legislativa não recepcionada

O § 2Qdo art. 1Qda LICC não foi recepcionado pelo sistem a


constitucional. O art. 17 da C onstituição de 1937 previa a hipó­
tese de delegação federal, perm itindo aos governos estaduais a
elaboração de leis de com petência exclusiva da União. A C onsti­
tuição de 1946 (art. 36, § 2°) vetou “a qualquer dos Poderes delegar
atribuições". N osso federalism o enfraquecido m antém a orienta­
ção de 1946 e o art. 24, §§ l ° a o 4 Q, da Constituição de 1988, prevê
a divisão de com petências entre União e Estados para legislação
concorrente.

4 Visualização dos planos de existência, validade e


eficácia da lei

O art. 16 da Constituição Federal traz a perfeita exposição dos


planos de existência, validade e eficácia da norm a jurídica que diz:
“A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua
publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data
de sua vigência.” A lei passa a existir no ordenam ento quando da
sua prom ulgação (m om ento no qual ela ganha tam bém a presun­
ção relativa de constitucionalidade). Com a publicação, ela ganha
Livro In tro d u tó rio - Lei de in tro d u ç ã o ao C ódigo Civil (LICC) 7

presunção absoluta de conhecim ento geral e, com sua entrada em


vigor, passa ao plano da validade.
A pesar de estar em vigor, a no rm a pode não ser eficaz, não
ser aplicada efetivam ente nas relações jurídicas; sua inobservância
pode não gerar sanção estatal. O artigo constitucional em análi­
se deixa isso bem claro, m o stran d o que a no rm a já é válida, m as
só será aplicada nas eleições que ocorram após u m ano da sua
vigência.
O utros exem plos esclarecem a percepção dos diferentes pla­
nos norm ativos. A lei declarada inconstitucional em ADIN pelo
STF não foi revogada, m as não pode ser aplicada, não tem eficá­
cia. O m esm o ocorre quando, em co ntrole difuso de co n stitu -
cionalidade, o STF - após várias decisões no m esm o sentido -
oficia ao Senado que expede resolução retiran d o a eficácia da lei
(art. 52, X, da CF). Clóvis Beviláqua (1980, p. 55) lem bra o u tra
hipótese:

“M uitas vezes as leis trazem em si o princípio de seu desa­


parecim ento do m und o jurídico, d eterm in an d o que cessarão de
ter eficácia nu m a determ inada época. As leis ânuas que regulam
a receita e as despesas da República, em cada exercício financei­
ro, são exem plo desta espécie.”

O costum e tam b ém pode retirar a eficácia da lei. R ecente


debate na capital de São Paulo d iscu tia acerca de d eterm in ad a
avenida notoriam ente com ercial, em que a letra fria de antiga lei
im punha fosse u m a zona exclusivam ente residencial. D ecisão
judicial ordenou - no prazo de 90 dias - que toda a alam eda vol­
tasse a ser utilizada exclusivam ente com fins residenciais. O cos­
tum e social, a reiteração de co n d u ta de m odo prolongado pela
sociedade e pelo M unicípio (que nunca autuou, im pediu ou m es­
mo dificultou a atividade com ercial ali exercida) não revogou a
lei, m as - no m ínim o - retiro u su a eficácia. N a época, M iguel
Reale se pronunciou no artigo “D ram a dos Jardins”, publicado no
jornal O Estado de S. Paulo, no dia 3 de fevereiro de 2001:

"com preendo e louvo o cuidado dos m ag istrado s n o to can te à


obediência às leis em vigor, m as, data venia, não é dem ais que
S D ireito Civil

prevaleçam sobre a letra fria da lei fatos e valores supervenientes


que vieram m odificar to talm en te a realidade sobre a qual ora
incidem os m andam entos legais. [...] é preciso reconhecer que se
não pode adm itir a eficácia de um a norm a legal que, d u ran te lar­
go tem po, não teve qualquer aplicação, tão profundo era o seu
divórcio com a experiência social”.

D evem os nos lem brar de que a lei b rota exatam ente desta
relação social, deste convívio hum ano e deste reiterado com por­
tam en to da coletividade num certo sentido. Se esta é um a das
fontes do Direito, deve tam bém ser respeitada com o um a força
que retira a eficácia das normas. Leis como a que disciplina o trân ­
sito de gado pela Avenida Paulista ou a que regulam enta estacio­
nam ento de m ulas no centro de um a das m aiores m etrópoles do
m undo perderam eficácia por conta dos costum es, apesar de não
terem sido revogadas e, portanto, continuarem vigentes.

5 Princípio da continuidade

Só um a nova lei pode revogar outra. Só o ato norm ativo pri­


m ário possui o condão de regulam entar situações já abordadas
por outras leis. Esse é o princípio da continuidade das leis, p re­
visto no art. 2a da LICC: "Não se destinando à vigência temporária, a
lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. ” A perda da eficá­
cia da lei não se confunde com sua revogação, que trabalha no plano
da validade da norm a.

5.1 Espécies de revogação da Lei

Há três formas de um a nova lei revogar anterior. Estão pre­


vistas no § 1° do art. 2o: “A lei posterior revoga a anterior quando
expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando
regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. ”
A prim eira delas é a revogação expressa, que ocorre quando
a nova lei diz te x tu alm en te que está revogando a an terio r. É
taxativa, expressa. U m bom exem plo é o art. 2.045 da Lei nQ
10.406, de 2002, que revogou expressam ente “a Lei n° 3.071 de
I a de janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte Primeira do Código Co­
L ivro In tro d u tó rio - Lei de In tro d u ç ã o ao C ódigo Civil (LICC) 9

mercial, Lei n° 556, de 25 de ju n h o de 1850". E sta é inclusive a


orientação da Lei C om plem entar n Q9 5 /9 8 , que diz no art. 9a: "A
cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou dispo­
sições legais revogadas
Por su a vez, utilizar-se da form a tácita p ara p raticar um n e ­
gócio jurídico significa praticá-lo sem a ele referir-se ex p ressa­
m ente, significa agir com o q u em p rete n d e p raticar um ato, sem
necessariam en te ex terio riz ar su a real intenção. Significa agir
com "silêncio eloqüente".
A revogação tácita enseja exatam ente esse expediente. D es­
ta forma, nova lei revogará a anterior, "quando seja com ela incom­
patível'’ (art. 2a, § 1D, da LICC). A nova lei não afirm ou expressa­
m ente, m as, pelo seu conjunto, verifica-se um a flagrante incom ­
patibilidade com a lei an terio r. N as palavras de C âm ara Leal
( 1930, p. 57): “a nova lei, sem declarar revogada a anterior, estabelece
preceitos cuja applicação se torna incompatível com a applicação da lei
anterior”.
E por isso que as Leis não precisariam prever a tradicional
expressão “revogam-se as disposições em contrário”. Se a disposição
antiga é no sentido contrário, já está revogada tacitam ente.
A terceira form a de revogação de um a no rm a é a global, que
ocorre quando nova lei disciplina to talm en te a m atéria a n terio r­
m ente veiculada em o u tra norm a. Um bom exem plo veio com a
lei de acidentes do trabalho de 1991, que regulou to talm en te esse
intrincado assunto, até en tão disciplinado pela Lei n Q 6.367/76.
O utro exem plo enunciado p o r Silvio Rodrigues (2002, p. 19) é o
tia própria LICC de 1942, que disciplinou to talm en te a m atéria
versada na LICC de 1916, sem fazer expressa referência à revo­
gação desta.

5,1.1 Revogação quanto a sua extensão

Q uanto à extensão da revogação, tem os a ab-rogação (revo­


gação total da lei anterior) e a derrogação (revogação parcial). Câm ara
Leal (1930, p. 57) ainda insere u m a terceira espécie de revoga­
ção quanto à extensão, a cham ada sub-rogação, que seria “a tnodi-
licação da lei anterior, por se lhe accrescentar qualquer disposição”.
10 D ireito Civil

5.1.2 Lei geral e lei especial

É m uito freqüente ouvir a expressão: “lei geral não revoga lei


especial e vice-versa”. Esta frase tem origem no art. 4Qda LICC de
1916 e não pode ser tom ada como verdade absoluta, ao m enos
nesta lim itada forma.
A lei geral - quando expressam ente contrariar a lei especial
- terá o condão de revogá-la e vice-versa, ainda que parcialm en­
te. O E statuto da Criança e do A dolescente - lei especial de 1990
- disciplinou a adoção. Este diplom a (art. 42) estabelecia como
requisito a idade m ínim a de 21 anos do adotante. O Código Ci­
vil - lei geral de 2002 - disciplinou o m esm o assu n to nos arts.
1.618 a 1.629 e já em seu artigo vestibular reduziu a idade do
adotante para 18 anos. Assim, a lei geral revogou parcialm ente a
lei especial, sem qualquer possibilidade de se cogitar a convivên­
cia das norm as nesse porm enor.
N a verdade, o próprio art. 4Qda LICC de 1916 já fazia essa
ressalva nos seguintes term os:

“A lei só se revoga, ou derroga por o utra lei; m as a disposi­


ção especial não revoga a geral, nem a geral revoga a especial,
senão quando a ela, ou ao seu assunto, se referir, alterando-a
explícita ou im plicitam ente.”

Carlos Roberto Gonçalves (2003, p. 45) leciona: “E possível,


no entanto, que haja incompatibilidade entre a lei geral e a especial. A
existência de incompatibilidade conduz à possível revogação da lei geral
pela especial, ou da lei especial pela geral.”

6 R e p ristin a ç ã o

R epristinar significa restau rar ao estado original, elim inan­


do o que foi eventualm ente acrescentado. Em term os legais, a
situação se oferece da seguinte forma: a lei A é revogada pela lei
B, que vem a ser revogada pela lei C. Repristinar a lei A significa
torná-la novam ente vigente no ordenam ento, devolvendo os efei­
tos que a lei B lhe ceifou.
Livro In tro d u tó rio - Lei de In tro d u ção ao C ódigo Civil (LICC) 11

Tal possibilidade não é descartada de nosso ordenam ento,


desde que seja feito de m odo expresso pela lei m ais recente. A
lei C teria então o condão de rep ristin ar a lei A, b astan d o que
m encionasse a volta de sua vigência. A possibilidade de repris-
t inação autom ática, porém , é sufocada pelo art. 2Q, § 3Q, da LICC,
que determ ina: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se
restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. ”

7 Princípio da obrigatoriedade

Com a publicação da n o rm a estabelece-se u m a presunção


absoluta de que todos conhecem a lei e - por conta disso - não é
lícito alegar seu desconhecim ento para dela se escusar. E o que
estabelece o art. 3Q da LICC: “Ninguém se escusa de cumprir a lei,
alegando que não a conhece. ”
E ntre se firm ar na realidade, aceitando o fato de que é im ­
possível conhecer todo o o rd en am en to (m as assum indo o risco
do descum prim ento da norm a) e p resu m ir que todos conhecem
a lei (para dar m aior segurança às relações), o legislador optou
pela segunda alternativa.

7.1 Exceção ao princípio da obrigatoriedade

A despeito da regra geral da LICC, o o rd en am en to perm ite a


alegação de ignorância da lei para seu descu m p rim en to em pelo
m enos um a oportunidade específica.
Tal previsão está n a lei de contravenções penais (D ecreto-lei
n° 3.688/41). Esta norm a en u m era os cham ados “crimes menores”,
prevendo fatos típicos em co m p leto d esu so , com o “emissão de
fumaça, vapor ou gás”, “embriaguez” e “vadiagem". O art. 8o salien­
ta: “No caso de ignorância ou errada compreensão da lei, quando escusá-
veis, a pena pode deixar de ser aplicada. ”
12 D ireito Civil

Capítulo III
Os sistem as integradores do ordenamento

A ciência hum ana do Direito está em constante defasagem em


relação à sociedade. A vida é rica em situações peculiares e a lei
não as consegue prever totalm ente. Nas hipóteses de ausência de
lei diante de determ inada relação, ocorre o que se denom ina La­
cunas da Lei.
Nos prim órdios, a “justiça” era realizada pelos próprios ci­
dadãos, em exercício da autotutela. A família vingava a m orte do
filho, m atando o assassino; o credor tom ava de assalto a casa de
seu devedor para se ver pago, e assim por diante. A té que se per­
cebeu que esta "justiça" realizada pelos próprios indivíduos ge­
rava na verdade um a vingança que tornava a situação de instabi­
lidade cada vez maior.
O Estado então tom ou para si a incum bência de fazer Ju sti­
ça, tirando tal poder do cidadão. Ao fazer isso, o Estado não pode
mais se furtar a dizer o Direito, alegando eventual om issão da lei
(art. 125 do CPC). Por conta disso, a LICC prevê m ecanism os
in telig en tes que tê m a tarefa de com pletar, to rn a r ín teg ro o
ordenam ento, suprindo eventuais lacunas. São três os cham ados
Sistemas Integradores da Lei, que passarem os a exam inar: Analogia,
Costumes e Princípios Gerais do Direito.
A aplicação destes sistem as, entretanto, som ente será pos­
sível na hipótese de om issão da lei. Verificada a lacuna, poderá o
Juiz utilizá-los.

1 Analogia

E possível - e até com um - determ inado fato não ser previs­


to pela lei. E ntretanto, o utra lei pode ter previsto um a situação
parecida. U tilizar esta lei para aquele fato significa servir-se do
in stitu to da analogia que, para W ashington de Barros M onteiro
(2001, p. 40), é: “aplicar a hipótese, não prevista especialmente em lei,
disposição relativa a caso semelhante”.
Um bom exem plo está n o D ireito das Sucessões. O legisla­
dor previu situações em que determ inada pessoa seria excluída
Livro In tro d u tó rio - Lei de In tro d u ção ao C ódigo Civil (LICC) 13

da sucessão por força da lei, in d ep en d en tem en te de testam ento.


São hipóteses graves, en u m erad as no art. 1.814, que por si sós
d em onstram a justiça desta exclusão. Perm itir que um a pessoa
que m atou seu pai ainda receba herança deste é no m ínim o to r­
pe. Foi por isso que a lei estabeleceu o in stitu to da indignidade,
exigindo a ação própria no âm bito civil para efetivá-la. Ainda neste
capítulo o Código estabelece que os d escen d en tes do indigno
herdam por representação, afinal, a pena não passará da pessoa do
condenado. A ssim , em n osso exem plo, o filho do assassino teria
direito de receber a parte que d este foi retirada.
Mais para a frente, ainda n o livro das sucessões, o Código
previu o u tro in stitu to d en o m in ad o deserdação. É um in stitu to
sem elhante, que tem com o p o n to básico im p ed ir que alguém
receba do de cujus após tê-lo tratad o de m odo incom patível com
o carinho e atenção que se esperam de um herdeiro. Tal in stitu ­
to diferencia-se da indignidade p o r depender de testam en to e por
privar os herdeiros necessários de sua p arte legítim a, enq u an to
aquela em ana d iretam e n te da lei e priva q u alq u er herd eiro de
receber sua parte na herança.
Nas disposições sobre a deserdação, o legislador não previu
se o filho do deserdado herdaria p o r representação ou se os bens
voltariam ao m o n te p ara ser p artilh ad o en tre os h erd eiro s de
m esm o grau do deserdado. E stam os diante da clássica situação
de analogia. Indignidade e deserdação são in stitu to s parecidos,
análogos, que visam im pedir o d ireito sucessório para quem não
o mereça. Para resolver a q u estão lacunosa da deserdação, basta
aplicar o art. 1.816, que regula a situação sem elh an te no cap ítu ­
lo da indignidade.
A utilização analógica da lei de im prensa para quantificar o
dano m oral tam bém é um exem plo co n stan tem en te identificado
na ju risp ru d ê n c ia . C abe le m b rar, e n tre ta n to , q u e a rece n te
Súm ula 281 do STJ pontificou: “A indenização por dano moral não
está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa. ’’

2 Costumes

A sociedade tem seus hábitos, suas diretrizes e até m esm o


seu código de ética silencioso. A pesar de não escrito, tal código
I ‘I t H ir íl O Civil

vigora com força m aior ou m enor, dependendo do lugar onde se


encontra. São m odos de vida, são procedim entos co ntínuos e
gerais que ganham da sociedade - e até da m oral - sua força
coercitiva.
Tais hábitos podem servir como fonte de inspiração para o
legislador, como no caso do 13e salário, que inicialm ente era um
costum e dos patrões de boa índole para com seus subordinados
e logo se transform ou em lei. Pode, por outro lado, servir de com­
plem ento à lei, am pliando seu alcance quando esta não for sufi­
cientem ente precisa. É o que se denom ina costume praeter legem.
É esta espécie de costum e que a LICC prevê para integrar a lei
quando ela for omissa.
Há ainda o costum e contra legem, que fere a lei. Esta espécie
não serve de com plem ento da lei, não podendo integrar nosso
ordenam ento. E o que relem bra João Baptista de Mello e Souza
N eto (2000, p. 26), m encionando decisão do STJ:

“E videntem ente que o últim o (costum e contra legem) não é


reconhecido pelo ordenam ento, não tendo o condão de m odifi­
car a eficácia da lei, dado o princípio da continuidade desta. Ou,
com o decidiu o STJ: ‘o sistem a jurídico brasileiro não adm ite
possa um a lei perecer pelo desuso, porquanto, assentado no p rin­
cípio da suprem acia da lei escrita (fonte principal do direito), sua
ob rigatoriedade só te rm in a com sua revogação p o r o u tra lei.
N outros term os, significa que não pode ter existência jurídica o
costum e contra legem ’" (RESP na 30.705-7/SP, 6a T. j. 14.3.95,
Rel. Min. A dhem ar Maciel).

Por fim, há ainda o costum e secundum legem, que nada m ais é


do que m ero vetor interpretativo para a norm a. Serve de guia para
o Juiz aplicar devidam ente a Lei existente. Um exem plo é o art.
599, que expressam ente determ ina a utilização do costume para
delim itar o prazo do contrato de prestação de serviços, na ausên­
cia de disposição entre as partes.
Livro In tro d u tó rio - Lei de In tro d u ção ao Código Civil (LICC) 15

3 Princípios gerais do D ireito

“.N ada existe de mais tormentoso para o intérprete que a explicação


dos princípios gerais de direito, não especificados pelo legislador. ” Esta
è a opinião de W ashington de Barros M onteiro (2001, p. 42).

Explicar o que sejam os princípios gerais de direito é tarefa


ilas m ais árduas para o estudioso das ciências jurídicas. O p ró ­
prio W ashington M onteiro (2001, p. 43) insere oito diferentes
concepções sobre tais princípios. Q ualquer que seja a definição,
há um pon to que se configura com o o cerne de tais princípios:
lastiça.
Sobre tal su b stan tiv o gravitam to d o s os ram os da ciência
jurídica. N ão seria diferente com seus princípios. A noção de dar
a cada um o que é seu, a idéia de pro teg er o correto, o sensato
em d etrim en to do opo rtu n ista, a prevalência da boa sobre a má-
lé, a consciência de se evitar o en riquecim ento ilícito, a vedação
em utilizar-se da própria torpeza; todos têm em com um aquele
substantivo fem inino, que será o n o rte para se encontrar o ver­
dadeiro sentido de tais “princípios”.
Há algum as leis que possuem um princípio flagrantem ente
presente. A Lei nQ8.07 8 /9 0 visa claram ente proteger o consum i­
dor, a parte vulnerável na relação de consum o; o ECA (Lei n"
8.069, de 13-7-1990), em seu artigo prim eiro, obedecendo ao
constitucional m an d am en to de p rio rid ad e ab so lu ta da criança
(art. 227 da CF), determ ina: “Esta Lei dispõe sobre a proteção inte­
gral à criança e ao adolescente. ’’ Aí está o princípio que n o rteará toda
a aplicação desta lei. N um a eventual om issão dela, o Juiz já terá
um n orte a seguir.
Para evitar a om issão, prefiro m e filiar a um dos conceitos de
princípios gerais de direito, liderado p o r COVIELLO (citado por
MONTEIRO, 2001, p. 43), que afirm a ser “os pressupostos lógicos
c necessários das diversas normas legislativas".
Precede à elaboração de u m a lei um a situação que carece de
regulam entação. H á um a injustiça, há um a situação que fere a
consciência do equânim e, do p onderado. Para solu cio n ar essa
situação, a lei é criada. E sta prem issa ética, esta consciência m o­
16 D ireito Civil

ral que im pulsiona o legislador para a criação da norm a, é o seu


p ressuposto lógico, que alguns, não sem razão, afirm am se tra ­
tar de princípios gerais do direito.
Recentem ente, o Tribunal de Justiça de São Paulo deparou-
se com um a situação singular não prevista pela lei. U m m esm o
varão m anteve concom itantem ente duas am ásias por m ais de 30
anos, de m odo estável, público e duradouro. O inteiro teo r do
acórdão inform a inclusive que ele participava com am bas (de modo
separado) de festas fam iliares, aventuras, viagens etc. Com seu
falecim ento, a legítim a foi disputada por am bas e o Tribunal -
aplicando os princípios gerais do direito - optou por dividi-la ao
meio. N ote a precisão do relatório (inteiro teo r do A córdão in
LOUREIRO FILHO, 2000, p. 29):

‘‘não existe lei que discipline um a situação como a dos au to s. Os


princípios gerais de direito perm item decidir pela separação eqüi-
tativa da meação (arts. 4o, da LICC e 126 do CPC). C um pre res­
peitar a vontade de A, no que tange ao destino de sua parte dis­
ponível; a m etade do seu patrim ônio, no entanto, com porta divi­
são entre as duas m ulheres que lhe foram solidárias com o tipo
de vida que escolheu." (grifamos)

A em enta esclarece:

“APELAÇÃO CÍVEL - Deve o juiz encarregado de julgar ação


que versa sobre a meação de hom em de hábitos incom uns e que
m anteve vida concubinária dúplice por mais de 30 anos, guiar-se
pelos princípios gerais de direito (artigos 4o da LICC e 126 do
Código de Processo Civil) - Dividir a m eação significa decisão de
justiça social (artigo 226, § 3o da C onstituição Federal) - Provi­
m ento do recurso, em parte, da autora para atribuir-lhe 25% do
patrim ônio do de cujus, prejudicado os dem ais recursos” (TJSP
Apelação Cível n. 64.847-4 - Piracicaba - 3a Câm ara de D ireito
Privado - Relator: Ênio Zuliani - 02.03.99 - V.U.)

4 Eqüidade

A rigor, a eqüidade não poderia ser classificada como um meio


integrativo da norm a, com o é o caso da analogia, dos costum es e
Livro in tro d u tó rio - Lei de In tro d u ção ao C ódigo Civil (H C C ) 17

dos princípios gerais. A eqüidade aproxim a-se m u ito do concei-


lo do justo, do razoável, do equilíbrio, que - por n atu reza - são
conceitos subjetivos. E xatam ente por este caráter, a lei tom ou um
cuidado especial para sua aplicação. De fato, não basta a au sên ­
cia de norm a a regular o caso concreto. E preciso ainda que a lei
preveja a possibilidade de aplicação da eqüidade. E o que d e te r­
m ina o art. 127 do CPC, n o capítulo referente ao Juiz, n estes te r­
mos: “O ju iz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei.”
Um desses casos está no próprio CPC (art. 1.109), ao tratar
dos procedim entos de jurisdição voluntária, determ in an d o que:

“O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é,


porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, poden­
do adotar em cada caso a solução que rep u tar m ais conveniente
ou oportuna."

E ncerrando o tem a sobre lacunas da lei e sistem as integra-


t ivos, Silvio Rodrigues (2002, p. 23) lem bra um a solução in teli­
gente encontrada pelo legislador europeu:

“U m a solução de alto in teresse para o problem a das lacunas


da lei é a apregoada pelo legislador suíço. Diz o art. I o do C ódi­
go Civil suíço que, n o silêncio da lei e não havendo um costum e
a regular u m a relação jurídica, deve o ju iz decidir segundo as
regras que ele estabeleceria se tivesse de agir com o legislador."

Capítulo IV
Interpretação da lei

N em todos os dispositivos de lei são cristalinos e precisos.


Não é sem pre que a lei consegue expressar tu d o o que p re te n ­
deu. Para atin g ir a exata co m p reen são da o rd em , p o r vezes é
necessário um exercício interpretativo, um a luz a guiar o alcan­
ce do texto, trazendo à superfície seu real sentido.
18 D i i c i i o Civil

I Interpretação teleológica

Prevendo tal situação, o art. 5Qda LICC determ inou alguns


vetores nos quais o juiz deverá se basear para encontrar aquele
sentido. Diz a lei: “Na aplicação da lei, o ju iz atenderá aos fins sociais
a que ela se dirige e às exigências do bem comum. ”
Não é tarefa fácil definir conceitos tão vagos e am plos. Mas
há um ponto de partid a e através dele perceberem os com o os
conceitos se relacionam : a lei é elaborada por um a im posição de
nossa vida social, de m últiplos relacionam entos. Por ela, busca-
se lim itar o direito individual em prol do coletivo, da paz social.
Busca-se o equilíbrio, o justo, almeja-se nivelar eventuais desi­
gualdades criadas pela própria natureza hum ana. De algum a for­
ma, portanto, um dos fins sociais da norm a nada m ais é do que
o próprio bem com um . E ncontrar o fim a que se destin a a n o r­
m a é realizar um a interpretação teleológica.
Um bom exem plo decorre da Lei ne 8.009, de 29 de março
de 1990, originária da M edida Provisória n Q 143/90, que criou o
in s titu to do “Bem de Fam ília”. Esta lei to rn o u im penhorável
(insuscetível de constrição judicial p o r dívidas) o único bem
imóvel residencial do devedor, seus móveis e equipam entos (a
lista das exceções a tal regra encontra-se no art. 3o da referida lei).
Logo surgiu a dúvida sobre o alcance de expressões previs­
tas na lei como: “móveis e equipamentos", “adornos suntuosos". A
solução veio com a in terp retação da norm a. A nalisando o fim
social da norm a, percebe-se que a intenção do legislador foi não
m exer no am biente domiciliar, m antê-lo dentro dos padrões o r­
dinários de convívio e harm onia, preservando um princípio fun­
dam ental da própria C onstituição Federal, a saber, a dignidade da
pessoa hum ana (CF, art. 1Q, III). A idéia é que se cobre, mas com
dignidade. Privar o devedor do seu domicílio e dos itens básicos
que o guarnecem seria um a pena dem asiadam ente alta pelo “cri­
m e” da inadim plência.
Com tal interpretação, os Tribunais deram o real sentido à
norm a. Se o objetivo do legislador era m anter a tranqüilidade do
recesso familiar, seria injusto privar o devedor de itens básicos
Livro In tro d u tó rio - Lei de In tro d u ção ao C ódigo Civii (LICC) 19

de com unicação e inform ação com o são hoje em dia o telefone e


;i televisão.
Em in teressan te julgado, o STJ enfrentou a questão e resol­
veu-a com base no art. 5o da LICC, fazendo um a interpretação
teleológica da norm a:

“GRAVADOR E BICICLETA - Lei n° 8.009/90: [...] Sob a


cobertura de precedentes da C orte que consideraram bem de fa­
mília aparelho de televisão, videocassete e aparelho de som, ti­
dos com o equipam entos que podem ser m antidos usualm ente na
residência, não é possível adm itir-se a p en h o ra do gravador, que
reveste-se das m esm as características. A bicicleta, porém , não é
bem de família, sendo m eio de tran sp o rte, m ais bem situada na
vedação do artigo 2o da Lei n° 8.009/90. 3. É preciso considerar
que a interpretação da lei considerando os term os do artigo 5Qda
Lei de In tro d u ç ã o ao C ódigo Civil n ão p o d e g erar d e s e ­
quilíbrio no processo, com o se o fim social som ente se d estin as­
se a proteger um a das partes. [...]” (STJ - 3a T.; REsp. n° 82.067-
SP; Rel. Min. Carlos A lberto M enezes Direito; j. 26-6-1997; v.u.).

Mas o fim social e o bem com um , previstos no art. 5° da LICC,


não são as únicas form as possíveis de interpretação. A do u trin a
aponta diversas espécies de interpretação conform e a classifica­
ção adotada. Os m ais im p o rtan tes estão n o quadro seguinte:

Espécie de interpretação
Significado
quanto à fonte

Autêntica Emana do próprio


legislador.

Jurisprudencial Emana das reiteradas


decisões judiciais.

Doutrinai Emana das obras científicas.


20 D ireito Civil

Espécie de interpretação quanto


Significado
ao meio utilizado

Gramatical Busca auxílio nas regras de


gramática para a solução da
dúvida.
Histórica Recorda-se o momento da
criação da norma.

Sistemática Entende-se o Direito como um


todo, como um sistema,
comparando a norma com
outras espécies legais.

Capítulo V
D ireito intertemporal

Via de regra, a lei é criada para regular situações futuras.


Deseja o legislador elim inar problem as que até então afligiam a
sociedade, ap rim o ran d o cada vez m ais o o rd en am en to . Caio
Mário da Silva (2001, p. 137) pontifica:

“Q uando um a lei entra em vigor, revogando ou modificando


outra, sua aplicação é para o presente e para o futuro. Não seria
com preensível que o legislador, instituindo um a qualquer nor-
maçao, criando um novo instituto, ou alterando a disciplina da
conduta social, fizesse-o com os olhos voltados para o tem po pre­
térito, e pretendesse ordenar o com portam ento para o decorrido."

E ntretanto, a convivência da lei nova com a lei revogada não


é tão pacífica. Com o assevera Mário Luiz Delgado (2004, p. 1):

“o conflito de leis, decorrente da coexistência de duas norm as dis­


tintas regulando um a m esm a relação jurídica, surge a partir do
m om ento que são violados os lim ites tem porais ou espaciais de
aplicação de determ inados preceitos jurídicos”.

Q uanto às situações futuras não há dúvida de que é a lei nova


que ilum inará seus cam inhos. As relações jurídicas constituídas
Livro In tro d u tó rio - Lei de In tro d u ç ã o ao C ódigo Civil (LICC) 21

a partir da nova lei subm etem -se ao seu im pério e serão por ela
reguladas. A questão torna-se m ais com plexa quando a nova lei
se depara com relações p retéritas onde duas situações d istintas
se apresentam :
Na prim eira, a lei expressam ente retroage, regula situações
pretéritas, o que não é proibido por nosso ordenam ento. Aliás, é o
que se depreende do art. 6° da LICC e do art. 5Q, XXXVI, da CF.
Nada im pede que a norm a regule situações pretéritas, desde que
respeite o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (sen­
do então d enom inada lei retro ativ a ju sta ). E a lição de C arlos
R oberto Gonçalves (2003, p. 60): "no direito brasileiro a irretroa-
tividade é a regra, mas admite-se a retroatividade em determinados casos".
Silvio Rodrigues (2002, p. 29) ratifica: “Entre nós a lei é retroativa
/...] A lei retroage, apenas não se permitindo que ela recaia sobre o ato ju ­
rídico perfeito, sobre o direito adquirido e sobre a coisa julgada."
Uma segunda situação m ais freqüente é a nova lei alcançar
efeitos de atos praticados sob a égide de lei anterior. N esse caso,
ela não retroagiu, passando apenas a regular “conseqüências” de
atos constituídos an terio rm en te à sua vigência. E o que prevê o
art. 2.035 do Código Civil de 2002:

“A validade dos negócios e dem ais atos jurídicos, co n stitu í­


dos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao dispos­
to nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, m as os seus efei­
tos, produzidos após a vigência d este Código, aos preceitos dele
se subordinam , salvo se houver sido prevista pelas partes d eter­
m inada form a de execução."

João Baptista de M ello e Souza (2000, p. 22) su ste n ta com


acerto que há um preciosism o técnico em en u m erar os três in s­
titutos, posto que o d ireito ad q u irid o já é o gênero do qual os
dem ais seriam espécie. De fato, quem concluiu o ato jurídico
perfeito ou d e té m a seu favor a coisa ju lg ad a p o ssu i em seu
patrim ônio um direito adquirido.

I Direito adquirido (OAB/SP - 124°)

Q uando o direito é adquirido, não h á m ais pendência a obs-


tar a plena fruição do direito, posto que este já integra o patri-
! í | i l . . l l n i Ivll

m om o i Ia pessoa. Carlos M aximiliano, citado por A lexandre de


Moraes (2001, p. 112), define:
“Se cham a adquirido o direito que se constitui regular e de­
finitivam ente e a cujo respeito se com pletam os requisitos legais
e de fato para integrar no patrim ônio do respectivo titular, quer
tenha sido feito valer, quer não, antes de advir norm a posterior
em contrário.’'

Parece falha a parte final do art. 6o, § 2a, da LICC, que su s­


te n ta ser adquirido o direito cujo exercício dependa de “condição
preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem".
O dispositivo em tela refere-se a um a condição suspensiva,
posto que o exercício “depende de condição". Se assim é, o art. 125
do Código Civil não deixa dúvidas de que: “Subordinando-se a efi­
cácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não
verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa ."
Ademais, ao m encionar a expressão arbítrio de outrem, parece
que a LICC quis se referir à condição m eram ente potestativa (vis­
to ser vedada a puram ente potestativa). Se assim o é, depende da
vontade de outrem e tam bém de circunstâncias externas ao que­
rer dos agentes, o que confirm a que não há aquisição de direito
nesta situação.
Se, por um lado, faltou um pouco de técnica ao definir o di­
reito adquirido, o m esm o não ocorreu com o ato jurídico perfei­
to e a coisa julgada, onde o legislador foi um verdadeiro doutri-
nador, conceituando nos §§ I o e 3Qdo artigo em análise: “Repu­
ta-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo
em que se efetuou” e “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão
judicial de que já não caiba mais recurso.”
Livro I
Das Pessoas

Capítulo I
Estrutura do D ireito privado

E erro com um iniciar o estudo de D ireito Civil com a leitura e


a análise direta dos artigos do Código Civil. Isso eqüivale a tentar
conhecer um a localidade sem ao m enos saber em que hem isfério
ou continente se encontra, nem qual o idiom a é ali praticado.
A ntes de ad en trar neste m aravilhoso livro que regula a vida
e as relações cotidianas do cidadão brasileiro, é necessário ter um a
visão geral dos elem entos que com põem o d ireito privado. Esta
visão panorâm ica eqüivale à análise de um a foto de satélite, um a
observação aten ta sobre as diversas fronteiras e dem arcações da
ciência jurídica.
P artindo desta observação genérica, o leitor poderá aterris­
sar no solo específico que p reten d e estu d ar com u m a consciên­
cia mais cristalina e com m aior segurança sobre os elem entos com
os quais se deparará.
A e stru tu ra clássica do D ireito Civil é com posta de três ele­
m entos nodais para sua formação: o sujeito, o objeto e a relação
jurídica. É em to rn o deles que todos os livros do Código Civil
gravitarão. E a “separação de p o d eres” do d ireito privado.
24 D ireito Civil

N ão p or acaso, a im portantíssim a Parte Geral do Código Ci­


vil é dividida em três livros: Das Pessoas, Dos Bens e Dos Fatos Jurí­
dicos. Ela é um guia, um m apa, um a carta de navegação valio-
síssim a, dirigida àquele que p reten d e iniciar sua viagem pelo
D ireito Civil. Tal docum ento trará inform ações utilizadas em
qualquer dos livros da Parte Especial.
Tam bém não por acaso, o Código Civil de 1916 abria as cor­
tinas dos seus 1.807 artigos com um a redação em inentem ente
didática, de im enso valor e síntese, possibilitando até m esm o ao
leigo com preender a e stru tu ra daquele im enso compêndio. Dizia
a lei: "Este Código regula os direitos e obrigações de ordem privada
concernente às pessoas, aos bens e às suas relações. ”
Da com binação destes três elem entos haurirá todo o D ireito
Civil. Assim , quando o cidadão com pra um a casa, há duas pes­
soas relacionando-se através de um contrato típico de "com pra e
venda", concernindo a um bem imóvel. U ltrapassadas as form a­
lidades que a lei impõe a esse negócio jurídico, o adquirente (pes­
soa) terá um a relação jurídica (fato jurídico) direta com a coisa
(bem im óvel), exercendo então o direito real por excelência, de­
nom inado propriedade.
Clóvis Beviláqua (1980, p. 56) sintetiza:

“O direito subjetivam ente considerado é um poder de ação


assegurado pela ordem jurídica. A natom icam ente ele com preen­
de um sujeito, um objeto e a relação que os liga. Propriam ente
nesta relação é que está o direito.”

Com essas considerações iniciais, fica simples concluir que


o D ireito Civil é a ciência que regula as relações jurídicas esta­
belecidas entre as pessoas, concernindo aos seus bens.
N essa linha de raciocínio, o Código Civil inicia seus trabalhos,
classificando e disciplinando os três alicerces do direito subjeti­
vo, iniciando com a regulam entação Das Pessoas, que exam inare­
m os doravante.
D as P esso as 25

Capítulo II
Das pessoas naturais

O D ireito (qualquer que seja sua vertente e sua especialida­


de) tem com o destinatário final o ser hum ano. A pessoa é a preo­
cupação p erm a n en te d esta ciência. A té m esm o o D ireito A m ­
biental regulam enta o m eio am biente, visando - em últim a aná­
lise - a m elhores condições de vida para o hom em . O Código Civil,
por exem plo, trata em diversas passagens dos anim ais irracionais
(arts. 445, § 1Q; 936; 1.297, § 3Q...), m as sem pre pensando no
hom em com o titu lar da proteção jurídica.
Pessoa, na acepção técnica do term o, é o titu la r de direitos e
obrigações na ordem jurídica. Via de regra, é o ser hum ano, indi­
vidualm ente tom ado. Mas p oderá ser tam bém um conjunto de­
les reunidos form alm ente para um d eterm inado fim, ou m esm o
um a pessoa moral, co n stitu íd a de bens sob a form a de fundação,
casos em que a lei concede o nom e de Pessoa Jurídica. M esm o
nesta últim a acepção, é o ser h u m an o que se busca tutelar. E ele
que dá origem , sustentação e razão de o D ireito existir.
Há ainda os cham ados en tes despersonalizados, que são pa­
trim ônios especiais que titularizam alguns direitos, em bora não
te n h am p erso n alid ad e ju ríd ica. N ão são p esso as n em coisas.
Encontram -se na linha fronteiriça en tre o titu lar de direitos por
excelência e os bens. A lguns exem plos d estes patrim ônios são: a
herança jacente, a m assa falida, o espólio e a pessoa jurídica sem
registro. Tais en te s podem inclusive ser au to r e réu em ações
patrim oniais, m as nem por isso possuem personalidade. A em en­
da de nQ88 ao projeto do Código Civil p reten d ia incluí-las entre
as pessoas jurídicas de d ireito privado, m as sagrou-se vencida.
M oreira Alves (2003, p. 140) opinou:

“M assa falida, espólio e condom ínio não são pessoas ju ríd i­


cas; não têm personalidade jurídica (senão, seria preciso registrá-
las, aplicando-lhes todas as norm as concernentes às pessoas ju ­
rídicas). Em processo civil são elas denom inadas pessoas formais,
isto é, com unhões de interesses sem personalidade jurídica a que
a lei (art. 12 do Código de Processo Civil) dá rep resen tan te em
juízo (o síndico, o in v e n taria n te). É, aliás, o m esm o que ocorre
26 D ireito Civil

com a herança jacente ou vacante (cujo representante em juízo,


por força do citado art. 12 do CPC, é seu curador), as quais não
constam do inciso aposto.”

1 Capacidade e personalidade

O prim eiro artigo do Código Civil já estabelece a capacidade


de direito, a aptidão genérica do ser hum ano de adquirir direitos
e contrair obrigações, prevendo que “toda pessoa é capaz de direitos
e deveres na ordem civil”. As pessoas jurídicas - como logo verem os
- tam bém se outorga tal capacidade de direito.
Se, por um lado, capacidade de direito é o atrib u to que todo
ser hum ano tem de adquirir direitos e contrair obrigações, por
o utro lado logo verem os que nem todos podem exercer tais di­
reitos. O conjunto destas capacidades forma o que se denom ina
personalidade, ou seja, a qualidade da pessoa, desse ente que se
está a com entar (SOUZA NETO, 2000, p. 33). Por sua vez, há
direitos do ser hum ano tão im portantes em sua esfera privada,
tão inerentes à sua dignidade e intim idade que a lei lhes atribui
o nom e de "direitos da personalidade", que verem os logo mais.

1.1 Capacidade de direito

Este é o mais dem ocrático dos direitos que o ordenam ento


conhece. N ão há ser hum ano que careça dessa prerrogativa. A
m era condição de existir, de ser um a pessoa, já confere a titula­
ridade que o art. 1° expressa (MAGISTRATURA/SP - 171°). Ali­
ás, não há m argem de interp retação para o pronom e in d e te r­
m inado Toda, localizado no lim iar do novo Código.
A capacidade de direito confere ao cidadão a possibilidade de
ser titu lar de direitos e obrigações na ordem civil, qualquer que
seja sua idade, condição social, aptidão m ental ou grau de cons­
ciência. É um a aptidão genérica concedida a todo indivíduo que
nasce com vida.
Em Roma, algum as pessoas não possuíam tal aptidão. Eram
consideradas civilm ente m ortas, apesar de plenam ente vivas e
lúcidas. N ote a gravidade d esta previsão. O cidadão não tinha
D as P essoas 27

sequer a possibilidade eventual de adquirir direitos. A ssim eram


considerados os prisioneiros de guerra, os que com etiam crim es
previstos com pena perp étu a e os escravos.
Mas n ão p recisam o s re m o n ta r a té R om a p ara e n c o n tra r
exem plos desta torpe previsão. Escrevendo no século retrasado,
o C onselheiro Joaquim Ribas (1977, p. 267) dava ares de licitude
e razoabilidade a um a situação odiosa: “Se por um lado a lei creou
outras pessoas que não o homem - as pessoas jurídicas; por outro lado
privou até certo ponto alguns homens da qualidade de pessoa, taes são os
escravos. ”
Mas ainda hoje o n osso o rd en am en to prevê situações rarís-
sim as em que o indivíduo é considerado - para algum as relações
jurídicas - com o se m o rto fosse. O exem plo clássico é o do in­
digno em relação à sucessão do paren te contra o qual com eteu
um dos fatos previstos nos incisos do art. 1.814. T anto é assim
que o art. 1.816 salienta no caput: “São pessoais os efeitos da exclu­
são; os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fo s­
se antes da abertura da sucessão. ”
W ashington de Barros M onteiro (2001, p. 62) ressalta in te­
ressante curiosidade, de um m u n d o que aparenta ser tão d istan ­
te de nossa visão ocidental. D iferen tem en te de n osso país, na
antiga URSS do século XX, a capacidade de d ireito era apenas
“concedida”, a títu lo precário, pelo Estado.

1.1.1 Início da capacidade de direito

O ordenam ento disciplina o início e o fim de tal capacidade.


E o faz nos arts. 2Qe 6Q, prevendo respectivam ente que “a perso­
nalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida..." e “a existên­
cia da pessoa natural termina com a m orte...”
Estes são os lim itadores tem porais do direito de ter direitos. Os
fatos jurídicos do nascim ento e da m orte lim itam , cada um em
seu extrem o, a prerrogativa universal do art. I o. É p o r isso que o
registro d estes fatos é m eram en te declaratório, im portando para
o direito a data de sua n atu ral ocorrência.
Mas tais conceitos podem não ser tão objetivos assim. Q uanto
ao nascim ento, o legislador exigiu não só o nascim ento, m as o
28 D ireito Civil

n ascim en to com vida (OAB/SP - 100°; M P/BA - 2 0 0 1 ). É a


“docimasia hidrostática de Galeno" que determ inará se houve ou não
a obediência a tal requisito. Basicamente, consiste em su b m er­
gir o pulm ão da criança em água e verificar se o m esm o vem à
superfície. Caso positivo, significa que ali houve oxigênio e, por­
tanto, vida; do contrário estarem os diante do natim orto. Desse
modo, não é necessária a saída total da criança do ventre m ater­
no, nem o corte do cordão umbilical para que ocorra o fenôm eno
do nascim ento (MP/SP - 83Q).
Percebem os a im portância de tal exam e quando nos depara­
m os com a situação da herança. Imagine um em presário m ilio­
nário que vem a falecer poucos dias após saber que sua nam ora­
da (não com panheira) estava grávida.
N a hipótese de a criança nascer com vida e logo depois m o r­
rer, ela teve - ainda que por alguns segundos - plena capacidade
de direito, plena personalidade. N este pequeno intervalo de tem ­
po, adquiriu todo o patrim ônio de seu pai e, assim que m orreu,
transm itiu para a mãe.
Na hipótese de a criança ser um natim orto, ela não teve p er­
sonalidade, não teve capacidade de direitos e - por isso - nada
recebeu do seu pai. A fortuna então, segundo a ordem do art.
1.829, passa para os ascendentes do em presário, que livrem ente
recebem toda herança.

2 Nascituro

O Código não pára por aí e prevê tam bém a figura do nasci­


turo, ser já concebido, mas ainda no aguardo de seu nascim ento.
A lei não lhe confere personalidade, mas tam bém não o olvida e
tu tela sua frágil situação. O nascituro é ser com a m aior das ex­
pectativas, a da vida.
A doutrina aponta diversos conceitos para caracterizar a si­
tuação do nascituro. Para uma prim eira corrente, ele é um ser com
expectativa de direito, enquanto outros afirm am que o nascituro
tem direito condicional suspensivo. Q ualquer que seja a posição,
o im portante é lem brar que ele é tutelado pelo ordenam ento e o
art. 2Qdo Código assim já previu.
D as P essoas 29

Esta proteção se exterioriza de diversas m aneiras pelo C ódi­


go afora. O art. 542 p erm ite a doação ao nascituro, desde que
aceita pelo seu re p re se n ta n te ; o art. 1.779 prevê sua curatela
quando sua m ãe não tiver po d er fam iliar e seu pai falecer d u ran ­
te a gravidez; o art. 1.798 outorga-lhe capacidade sucessória. In ­
teressante aresto do TJSP d eterm in o u a colação dos bens doados
por ascendente ao seu descendente, quando o u tra descendente
já havia sido concebida, apesar de não nascida:

“Ação O rdinária - Bens doados que deverão ser trazidos à


colação - A pelada que, quan d o da doação, já havia sido concebi­
da - Proteção aos direitos do n ascitu ro - Q uestão da p atern id a­
de em relação à apelada já superada em processo incidente - A r­
gum entações dos apelantes, no recurso, que não têm o condão
de modificar o r. Decisório de prim eiro grau - Recurso im provido”
(TJSP Apelação Cível n° 2 1 8 .374-4/5 - São Paulo - 3a C âm ara de
D ireito Privado - Relator: Flávio Pinheiro - 26.02.02 - V.U.).

A jurisprudência tem outorgado ao nascituro a capacidade de


estar em juízo, represen tad o pela m ãe, a fim de investigar a p a­
ternidade do indigitado pai.
Cabe observar por derrad eiro que o Projeto de Lei nQ6.960,
de 12 de ju n h o de 2002, que p reten d e alterar m ais de 300 a rti­
gos do C ódigo Civil, inclui em su a alçada p ro te to ra não só o
nascituro, m as tam bém o em brião. Em épocas de fertilização in
vitro e em briões excedentários (art. 1.597, IV), a lei pretende res­
guardar m ais esse sujeito de direitos, apesar de ainda não p o s­
suir personalidade.

3 Capacidade de fato

Já vim os que todo ser h u m an o possui a capacidade de direi-


lo. Todos possuem a aptidão genérica de adquirir direitos, asse­
gurada desde o n ascim en to com vida. Porém , nem todos p o s ­
suem a aptidão de exercer, de fru ir pessoalm ente tais direitos e
de cum prir pessoalm ente com seus deveres. E sta aptidão - o u ­
torgada à m aioria, m as não a todos - leva o nom e de capacidade
de fato.
10 I < (vil

Um exem plo torna clara a distinção. O absolutam ente inca­


paz tem direito a receber herança de seu pai. Tem plena aptidão
para adquirir o direito de tornar-se proprietário dos bens deixa­
dos por seu ascendente. Nem seria ju sto que a lei o privasse d is­
so. E ntretanto, esse m enor não tem discernim ento para nego­
ciar, transferir, alienar, perm utar, alugar pessoalm ente o bem. Ou
seja, ele tem aptidão para adquirir direitos (capacidade de direi­
to), m as não para exercê-los pessoalm ente (capacidade de fato).
Se o fizer, o negócio será declarado nulo de pleno direito (MA­
GISTRATURA/SP - 171°). Aliás, não é outra a redação do art. 3o,
que diz: “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos
da vida civil...’’
E studando as lim itações da capacidade de fato, percebem os
o in tu ito protetivo do legislador, ao prever um rol de pessoas
especiais, que não poderiam ficar abandonadas, à m ercê do tiro-
cínio e da sagacidade dos hom ens. Perceberem os que, q u an to
m aior o grau da incapacidade, m aior a lim itação im posta e, con­
seqüentem ente, m aior a proteção conferida.

3.1 Absolutam ente incapazes de fato

O art. 3Qtraz um elenco de pessoas privadas desta capacida­


de (OAB/SP - 125). Para a lei não im porta a vontade:

“I - do m enor de 16;
II - dos enferm os ou deficientes m entais que não tenham
discernim ento;
III - de todos aqueles que não possam exprim ir sua vontade."

Q uestão relevante se apresenta na hipótese do inciso I do art.


3Q. A pesar de a lei desconsiderar a vontade do m enor de 16 anos,
casos há em que a relação jurídica envolve ju stam en te essa pes­
soa e não seria razoável descartar totalm ente sua manifestação.
É o caso, por exem plo, da hipótese de alteração de guarda do
m enor de idade, em que pai e m ãe litigam pela sua titularidade.
Em que pese o m enor ser absolutam ente incapaz para o exercí­
cio dos atos da vida civil, é razoável e até aconselhável que sua
vontade seja ao m enos considerada pelo juiz para a decisão final.
D as P esso as 31

Nesse sentido, é esclarecedor o enunciado nQ 138 proferido na III


Jornada de D ireito Civil do C onselho da Justiça Federal:

“A vontade dos absolutam ente incapazes, na hipótese do inc.


I do art. 3a, é juridicam ente relevante na concretização de situ a­
ções existenciais a eles co n cern en tes, desde que d em o n strem
discernim ento suficiente para ta n to .”

Q uanto aos enferm os ou deficientes m entais que não tenham


discernim ento necessário para a prática dos atos, foi feliz o legis­
lador de 2002, deixando de lado a expressão “loucos de todo o gê­
nero", m u ito criticada por sua vulgaridade e pouco rigor técnico.
Frise-se que tal incapacidade nada tem a ver com a idade da p es­
soa. U m a senhora de avantajada idade, m as com pleno d iscer­
nim ento, tem a liberdade de praticar os atos que en ten d er con­
venientes.
Cabe ressaltar que o analfabeto é plen am en te capaz de ex er­
cer seus direitos e obrigações. O art. 3e é um a típica lei restritiva
de direitos e por isso m esm o deve ser in terp retad o de m odo res­
trito. N ão podem os relevar, en tre tan to , o tratam e n to d ispensa­
do ao analfabeto no art. 595, qu an d o o legislador cuidou do con­
trato de prestação de serviços. N ote o cuidado da lei: “no contrato
de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem
escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas
testemunhas".
Talvez seja de bom alvitre e cautela aplicar para todas as d e­
mais relações jurídicas a orientação do dispositivo m encionado,
visando a m aior segurança. Frise-se, en tretan to , que esse não é
o com ando legal. O analfabetism o por si só não é causa de inca­
pacidade.
O Código Civil de 1916 cuidava tam bém dos “surdos-mudos,
que não puderem exprimir sua vontade". D esnecessária tal previsão
em virtude da cláusula genérica contida no inciso III do art. 3e do
novo Código. O fato de não se p oder exprim ir a vontade já confi­
gura a incapacidade p ro teto ra da lei.
Cuidava tam bém o Código revogado de declarar absolutam en­
te incapaz o “a u s e n te ”, d eclarad o tal p o r ato do juiz. O novo
32 D ireito Civil

Código altera esta condição e desloca todo um capítulo que anti­


gam ente encontrava-se no livro do D ireito de Família para a p ar­
te geral do Código, infra-analisada.
Q uanto ao inciso III, um exem plo de tal situação é a pessoa
que sofre sério acidente, com prom etendo seu discernim ento para
expressar a vontade. O “estado de com a” é um a das hipóteses em
que se configura a proteção legal. A vítim a não tem condições de
exercer pessoalm ente os seus direitos e deveres e sua família pode
precisar fazê-lo. A interdição com base nos arts. 1.177 e seguin­
tes do CPC será a solução.
Para o exercício de sua personalidade, o absolutam ente in­
capaz deverá ser represen tad o pelos pais, tu to r ou curador. A
desobediência a este m andam ento é funesta. O art. 1 6 6 ,1, prevê:
"E nulo o negócio jurídico quando: celebrado por pessoa absolutamente
incapaz" (OAB/MG - m arço 2003).

3.1.1 Benefício da restituição

In stitu to avoengo que tentava proteger dem asiadam ente o


absolutam ente incapaz fulminava de nulidade os atos regularm en­
te praticados em seu nom e, com a devida representação, mas que
lhe trouxessem prejuízo. A insegurança em negociar com os "pro­
te g id o s ” to rn o u -se tão grande que o efeito foi o co n trário ,
d esestim ulando os negócios com os incapazes. Tal benefício foi
revogado pelo art. 8o do Código Civil de 1916 e assim se m an te­
ve no novo Código.

3.2 Relativamente incapazes de fato

A regra, portanto, é que o ser hum ano ten h a capacidade de


d ireito e de fato, a fim de gerenciar sua própria vida como lhe
aprouver. Já vim os algumas hipóteses em que esta últim a facul­
dade é podada totalm en te, privando pessoas especiais de pes­
soalm ente exercer seus direitos.
E ntre os absolutam ente incapazes de fato e os plenam ente
capazes, há um terceiro grupo com posto por pessoas que, se ainda
não possuem o pleno discernim ento exigido pela lei, também não
D as P essoas 33

podem ser equiparadas às que não p ossuem qualq u er lucidez.


E ncontram -se por vício, idade ou saúde com o d iscern im en to
incom pleto ou reduzido. E xatam ente por isso, a lei lhes atribui
um a capacidade relativa, deixando-os na m ediatriz daqueles dois
grupos.
A prática pessoal de negócio jurídico pelo relativam ente in­
capaz gera sua anulabilidade, conform e o art. 171 do novo Códi­
go. A m aneira correta de seu exercício é com a assistência de um a
pessoa capaz de fato, designada pela lei.
O inciso I presum e que aquele que atingiu os 16 anos já pos­
sui certo tirocínio para o exercício de seus direitos, porém não
de m odo com pleto ainda, devendo aguardar um biênio p ara a
aquisição da capacidade de fato.
Os incisos II e III (ébrios habituais, viciados em tóxicos, e os que,
por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; excepcionais,
sem desenvolvimento mental completo ) do art. 4o com plem entam o
alcance do artigo precedente. De fato, não se configurando a h i­
pótese de absoluta ausência de d iscern im en to ou incapacidade
total de expressão da vontade, m as tam bém não sendo com pleta
a aptidão da pessoa, sua capacidade é apenas relativa.
O inciso IV prevê a figura do pró d ig o , q u e é aq u ele que
desordenadam ente gasta e d estrói a sua fazenda, reduzindo-se à
m iséria por sua culpa (BEVILÁQUA, 1980, p. 94). Perceba que
é até bom para a sociedade a circulação de capital. Além do mais,
a privação de direitos p atrim oniais de um a pessoa com d iscer­
nim ento para os dem ais atos da vida caracterizaria-se com o um a
ofensa à liberdade individual. A ssim , a preocupação do legisla­
dor neste caso foi com a família do pródigo, que poderia ser in­
ju stam ente prejudicada (RODRIGUES, 2002, p. 53).
Clóvis Beviláqua (1980, p. 95) ressalta:

“A interdição por prodigalidade apareceu em u m a época, em


que havia um a espécie de com propriedade da família, na qual os
herdeiros de um a pessoa, ainda em vida desta, eram considera­
dos seus condôm inos [...]. N este tem po, a interdição só se refe­
ria aos bens, que o indivíduo, por força da lei, herdava de seus
parentes.”
34 D ireito Civil

T anto assim que o Código Civil de 1916 (art. 460) exigia


com o requisito de sua interdição a existência de cônjuge, ascen­
dente ou descendente, im pondo o levantam ento da interdição
quando não mais houvesse tais familiares. O novo Código não
repetiu tal requisito (art. 1.782), m as entendo que perm anece a
necessidade de tais parentes, em função da razão p ro teto ra da
família n esta interdição (MAGISTRATURA/SP - 169°).
De qualquer m aneira, a interdição do pródigo só o privará de
praticar os atos que se relacionem com sua deficiência. Assim,
apenas os estritam ente patrim oniais é que lhe são vedados. E lí­
cito ao pródigo, por exem plo, contrair m atrim ônio, adotar e re­
conhecer filhos sem qualquer assistência.
O legislador de 2002 foi flexível e não repetiu a disposição
do Código Civil de 1916 quanto aos silvícolas. Inseriu no pará­
grafo único do art. 4a um a sábia disposição: “A capacidade dos ín­
dios será regulada por legislação especial.”

4 Aquisição da capacidade de fato

Atingir a capacidade de fato significa libertar-se dos grilhões


de zelo e preocupação do legislador e ganhar autonom ia própria
para a prática em geral de todos os atos da vida civil. A pessoa
então assum e vantagens e ônus de livrem ente circular direitos,
bens e obrigações. Há várias form as de adquirir tal capacidade
plena, sendo a m aioridade civil a mais com um .

4.1 Maioridade civil

Ao com pletar 18 anos, a lei estabelece um a presunção de que


o ser hum ano já possui formação e experiência suficientes para
a prática desassistida dos atos da vida civil. Esta é a form a ordi­
nária de aquisição da capacidade de fato. Prescinde de confirm a­
ção, solicitação, averbação ou registro. C onfigura-se de m odo
autom ático, tão logo o m enor atinja os 18 anos.
O Código de 2002 inovou em relação ao diplom a anterior,
igu alan d o a capacidade de fato do o rd e n a m e n to civil com a
im putabilidade do D ireito Penal (CF, art. 228). Tal alteração se­
D as P esso as 35

gue a tendência da legislação internacional, com o noticia Mário


Luiz D elgado (2004, p. 119):

"Assim estabelecem o Código Civil italiano, de 1942 (art. 2a),


0 português, de 1966, com as alterações de 1977 (art. 130°), o
francês, com as inovações da lei de 1974 (art. 488). N o m esm o
sentido, a C onstituição espanhola de 1978 (art. 12)."

E ntretanto, o próprio M oreira Alves (disponível em <w w w .


c jf.g o v .b r/rev ista/n u m ero 9 /artig o l.h tm > ), um dos redatores da
parte geral do Código Civil, é co n trário a tal m udança, afirm an­
do ter sido voto vencido nessa questão:

“N ão desconheço que a im ensa m aioria das legislações m o­


dernas abaixou o lim ite de idade em m atéria de capacidade de fato,
mas tam bém penso que, n o m o m en to em que o m u n d o m ais se
complica e em que as relações jurídicas se tornam com plexas, não
me parece que um in stitu to dessa n atureza seja ‘capitis deminutio’,
que não visa denegrir ninguém , e, portanto, considerar que quem
tenha 18 anos não tem um certo discernim ento; no en tan to , es-
quecem -se aqueles que se baseiam nisso de que esse é um insti-
1uto de proteção e não visa senão a tu tela dos interesses daquele
que é lançado na vida das relações ju ríd icas e pode te r o seu
patrim ônio e as suas relações jurídicas sem a tu tela necessária,
em face da com plexidade da vida jurídica m o derna.”

A m aioridade civil é um dos fatores que gera a extinção do


poder fam iliar (art. 1.635, III) e de todos os deveres dele decor­
rentes, como, p o r exem plo, o de su ste n ta r os filhos. Por conta
desse raciocínio, já há decisões procedentes em ações que visam
à exoneração dos pais q u an to à obrigação de p restar pensão ali­
m en tícia aos filhos q u e a tin g ira m a m a io rid a d e (TJRJ, AI
2003.002.03561).
Todavia, se, a despeito da m aioridade civil, o jovem p ro sse­
guir nos seus estudo s universitários, necessitando então de ali­
m entos, nada im pede que o reclam e dos pais, com base na regra
geral do art. 1.694. M ario Luiz D elgado (2004, p. 121) conclui:
"Mesmo cessado o dever de sustento, persiste a obrigação alimentar se
36 D ire ito C ivil

comprovado que os filhos não têm meios próprios de subsistência e neces­


sitam de recursos para a educação. ”
O Superior T ribunal de Justiça decidiu reiteradam ente que a
idade de 24 anos constitui um marco na vida do jovem que en ­
cerra seus estudos universitários e está apto a obter no m ercado
de trabalho os recursos necessários para sua m an ten ça (STJ -
REsp nQ202868-RJ, REsp n° 255082-RJ, REsp n Q392240/D F).
Evidentem ente que tal idade não constitui um critério absoluto,
restando analisar o caso concreto para o deslinde da questão.
O m esm o ocorre q uanto à questão previdenciária, fato que
levou o Conselho da Justiça Federal a se pronunciar m ediante o
Enunciado n D3:

“A redução do lim ite etário para a definição da capacidade


civil aos 18 anos não altera o d isposto no art. 16, I, da Lei n Q
8.213/91, que regula específica situação de dependência econô­
m ica para fins previdenciários e o u tras situações sim ilares de
proteção, previstas em legislação especial.”

Referida lei dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdên­


cia Social e - com o já dito - o jovem en tre 18 e 21 anos continua
sendo beneficiário do regim e geral da previdência social, na con­
dição de dependente do segurado.

4.2 Emancipação e suas espécies

Vimos que a lei presum iu que o m aior de 16 e m enor de 18


anos não possuía ainda plena aptidão para o exercício de sua per­
sonalidade. E ntretanto, o legislador não se esqueceu de que -
m esm o nessa tenra idade - alguns fatos poderiam provar o con­
trário. De fato, a ocorrência de relevantes acontecim entos na vida
do jovem (ou m esm o o consentim ento m ú tu o dos pais) são fa­
tores que fazem dem onstrar exatam ente a m aturidade e o discer­
nim ento deste cidadão, possibilitando então que sua capacidade
de fato lhe seja deferida antes de atingir a maioridade.
Daí se conclui que a em ancipação é a concessão antecipada
da capacidade de fato em decorrência da concessão dos pais, de
D as P esso as 37

sentença judicial ou por algum dos m otivos do art. 5Q, parágrafo


único.
Por isso m esm o, é correto afirm ar que a em ancipação não
antecipa a m aioridade civil. Os in stitu to s não se confundem . São
espécies d istin ta s do gênero: aquisição da capacidade de fa to . O
em ancipado perm anece m en o r de idade, m as agora com capaci­
dade de fato. Vale lem brar que não há revogação da emancipação.
O C ódigo disciplina, em seu art. 5a, três espécies de em an ci­
pação.
A prim eira delas é a em ancipação voluntária. O rdinariam en­
te a lei concede capacidade de fato ao cidadão com 18 anos. En­
tretanto, deixa ao arbítrio do particular antecipar tal concessão
ao seu filho, desde que ele ten h a 16 anos. O in stru m en to p úbli­
co é a form a exigida para tal em ancipação e não haverá qualquer
intervenção judicial nesse procedim ento. O Código de 2002 re­
vogou a redação do art. 9°, I, que dava prioridade ao pai para con­
ceder a em ancipação. É bem verdade que nossa C onstituição Fe­
deral já havia positivado tal entendim ento, não recepcionando tal
norm a, m as isso agora ficou explícito na letra do Código.
Q uando o poder fam iliar que resguarda um jovem é extinto
(art. 1.635) ou retirado forçosam ente das m ãos de quem o ex er­
cia (art. 1.638), a lei oferece o in stitu to da tutela, outorgando ao
tu to r os deveres que n o rm alm en te cabem aos pais, bem com o
confiando a ele a adm inistração dos bens do tutelado.
Por diversas vezes, a lei d em o n stra que não confia no tutor.
Exige prestação de contas, oferecim ento de caução (inclusive com
responsabilidade subsidiária do juiz caso a dispense), proíbe-lhe
de (ainda que com autorização do juiz) adquirir bens do m enor e
até m esm o prevê a nom eação de um protutor (a quem a lei garan­
te um a módica gratificação ).
Q uando prevê a em ancipação de um pupilo (m enor sob tu ­
tela), a lei novam ente m o stra que não confia n o tutor, proibin­
do-lhe que exerça livrem ente tal prerrogativa. N esta hipótese, a
lei exige que o Poder Judiciário interfira e só possibilita a conces­
são da em ancipação do pupilo com a devida sentença judicial que
deverá então ser averbada no registro civil de pessoas naturais,
IH I ........ i Ivil

para que haja conhecim ento geral sobre o fato. É por isso que tal
em ancipação é cham ada de judicial.
Justificável o receio do legislador. Q uando a criança se vê
destitu íd a do poder fam iliar que lhe acobertava, n atu ralm en te
passará a depositar plena confiança naquele que lhe educa e ad­
m inistra os bens. Se fosse perm itida sua livre em ancipação (o que
ensejaria a cessação da tutela), não é necessária grande dose de
malícia para perceber que o m enor poderia ser facilm ente in d u ­
zido pelo ex-tutor a negociar com ele, em condições não m uito
vantajosas. Daí a exigência de interferência estatal nesta hipóte­
se (M P/SP - 82°).
Mas a em ancipação judicial tam bém poderá ocorrer quando
houver divergência entre os pais sobre sua concessão. De fato, a
norm a genérica do parágrafo único do art. 1.631 assegura a qual­
quer deles recorrer ao juiz sem pre que houver desacordo no exer­
cício do poder familiar. N essa hipótese, é novam ente o Juiz quem
decidirá, tom ando por conta o interesse do m enor.
Em caso concreto, pais solicitaram judicialm ente a em anci­
pação do filho, confundindo a em ancipação voluntária com a ju ­
dicial. O pedido foi negado, visto que a trilh a judicial não era
necessária para tal situação. Bastava a escritura pública dos pais.
N estes term os:
“Pedido de Emancipação - Extinção - Possibilidade - M enor
a contar, presentem ente, com 20 anos de idade - Suficiente es­
critura pública - Carência por ausência de interesse em pedir ju ­
dicialm ente e pela im possibilidade jurídica do pedido - Recurso
não provido" (Apelação Cível nQ76.776-4 - Cotia - 4a Câm ara de
D ireito P rivado - R elator: F onseca T avares - 08.0 4 .9 9 -
v. u.).
Cabe lem brar que os arts. 89 a 94 da LRP (Lei n9 6.015, de
31-12-1973) especificam o procedim ento do registro da em anci­
pação voluntária e da judicial.
Todavia, ainda que sem decisão judicial e sem requerim ento
dos pais, alguns fatos relevantes têm o condão de autom aticam en­
te gerar a em ancipação, antecipando a capacidade de fato do m e­
nor. São hipóteses sérias, em que a lei dispensa escritura pública
D as P esso as 39

ou sentença judicial e nas quais o com portam ento do m enor, suas


conquistas ou seus com prom issos são de tal m odo m aduros que
não há razão para im pedi-lo de adquirir a plena capacidade de fato.
As hipóteses estão descritas nos incisos II a V do parágrafo ú n i­
co do art. 5Qdo Código Civil.
A prim eira hipótese é o casam ento. T am bém tem com o re­
quisito a idade m ínim a de 16 anos, salvo a rara hipótese do art.
1.520. Essa é a cham ada idade n úbil prevista n o art. 1.517 do
Código, que exige a autorização dos pais até a m aioridade civil.
C onsiderado um dos fatos m ais relevantes de todo ordenam ento,
a lei entendeu que o casam ento - por si só - já seria m otivo para
se antecipar a capacidade de fato.
A segunda hipótese é o exercício de em prego público. N ote
que persiste aqui o req u isito da idade m ínim a de 16 anos, salvo
para o aprendiz. É o art. 7a, XXXIII, da C onstituição Federal (com
a redação que lhe conferiu a E m enda na 20, de 15 de dezem bro
de 1998), que proíbe “qualquer trabalho a menores de dezesseis anos,
salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”.
A terceira hipótese é a colação de grau em curso superior. Tal
situação já era rara na vigência do Código anterior quando a em an­
cipação poderia ocorrer a p artir dos 18 anos. Agora, então, to r­
na-se praticam ente letra m orta. E inim aginável u m a pessoa co­
lar grau em curso superior com apenas 16 anos de idade. Se con­
seguir tal proeza, o leg islad o r atrib u i-lh e o p rêm io da em an ­
cipação.
A últim a situação que gera a em ancipação legal é a do m e­
nor que possui econom ia própria. Tal situação de independência
financeira não pode decorrer de doações ou herança. A lei exige
como causa desta independência o “estabelecimento civil ou comer­
cial ou pela existência de relação de emprego”.
Fácil fica perceber que tam b ém tem com o requisito a idade
m ínim a de 16 anos, não só devido à disposição expressa do Có­
digo Civil, com o tam bém pelo já m encionado art. 7Q, XXXIII, da
C onstituição Federal. Há ainda um a pequena divergência na dou­
trin a com ercial q u an to à idade m ín im a p ara se to rn a r com er­
ciante. U m a corrente se satisfaz com 16 anos e a o u tra exige 18,
•1 0 < Ivll

argum entando que para com eter crim e falim entar é necessário
contar com 18 anos e, portanto, para ser com erciante tam bém .
De qualquer modo, a em ancipação legal por essa hipótese tem -
mais um a vez - como requisito a idade m ínim a de 16 anos (M P/
MT - 2002).

4.3 Levantamento da interdição

Ao lado da autoridade civil e da em ancipação, há ainda um a


terceira forma de adquirir (na verdade, readquirir) a capacidade
de fato. Ocorre na hipótese do art. 1.186 do CPC. São os casos
em que desaparece a causa justificadora da interdição judicial e
o próprio interditado solicita ao juiz o levantam ento. O pródigo
tornou-se sovina, o toxicômano, naturalista e o louco, são.
N esses casos, a lei convida o outrora interditado a retornar à
sua condição de plena capacidade de fato. O pedido será apen-
sado aos autos da interdição e a perícia médica é obrigatória. Con­
cedida a sentença, passa-se à fase de sua publicação por três ve­
zes, com intervalo de dez dias, seguido então da averbação no
registro civil.

5 Capacidade de fato e legitimação

A capacidade de fato é a aptidão para - pessoalm ente - exer­


cer genericam ente os atos da vida civil. Uma vez atingida a capa­
cidade de fato, a pessoa torna-se p erfeitam ente apta a exercer
genericam ente seus deveres e a adquirir seus direitos, para o bom
andam ento de sua vida.
Todavia, há pessoas plenam ente capazes de fato que, por uma
característica especial e em situações tam bém especiais, estão
im pedidas de praticar determ inado negócio jurídico. O que lhes
carece não é capacidade e sim legitimação. O tradicional exem ­
plo está no art. 496 do Código Civil. O hom em tem plena capa­
cidade de direito (essa todos tê m ), tem plena capacidade de fato,
é maior, lúcido, solerte, mas - para aquela específica situação de
alienar bens para um de seus filhos - não possui legitim ação
(SAMPAIO, 2000, p. 70). O utro exem plo vem previsto no art.
D as P essoas 41

1.749 do Código Civil onde se proíbe ao tu to r adquirir bens do


menor.
R oberto Senise Lisboa (2004, p. 304) conclui:

“Legitim ação é a autorização legal para a prática de um ato


ou negócio jurídico. Em princípio, toda pessoa se encontra legi­
tim ada para adquirir direitos por si ou através de seu rep resen ­
tante. E ntretanto, a lei proíbe que algum as pessoas capazes, em
determ inadas situações, possam integrar a relação jurídica que as
colocaria, conform e o legislador, em um a situação m ais favorá­
vel."

6 Extinção da personalidade

O art. 6a trata do térm in o da existência da pessoa natural.


Afinal, qual é a últim a fronteira da vida? N ão é apenas a espécie
clássica de m orte (com a p erd a de todos os sinais vitais, a p re­
sença do corpo e dos sinais clássicos do óbito) que gera seus efei­
tos legais. Há situações em que a lei não se depara com o corpo,
não tem a certeza absoluta do óbito, biologicam ente falando, m as
que ainda assim trata tal pessoa com o se m orta fosse para todos
os fins sucessórios.
Os dois prim eiros exem plos serão analisados em breve e re­
ferem-se à ausência (com a decretação da sucessão definitiva) e
à m orte presum ida. O u tra h ip ó tese já m encionada refere-se à
indignidade. O indigno está p resen te, certam ente vivo e - para
aquela específica sucessão - é considerado m orto.
Por sua vez, a Lei nQ 9 .4 3 4 /9 7 (dispõe sobre a rem oção de
órgãos, tecidos e partes do corpo hu m an o para fins de transplante
e tratam en to ) se c o n ten ta com a m orte encefálica para fins de
transplante. Em term os pouco técnicos, tal espécie de m orte eqüi­
vale à parada total e irreversível das funções cerebrais. A reso lu ­
ção do C onselho Federal de M edicina n e 1.480, de 8 de agosto de
1997, traz um a série de procedim entos exigidos para a com pro­
vação desta m orte que se diferencia do "com a” pelo fato de ser
irreversível. Exigem-se, por exem plo, para confirm ação da m o r­
te encefálica duas avaliações clínicas com intervalo de seis horas.
42 D ireito Civil

6.1 Comoriência

Se, por um lado, a lei já se preocupou com o ser que ainda


nem nasceu (o nascituro), por outro tam bém previu a hipótese
de ser impossível identificar a pessoa que faleceu prim eiro, ocor­
rendo a hipótese de m orte “na m esm a ocasião”.
Fugindo de soluções mágicas de leis estrangeiras (ex.: pre­
sum ir que a mais idosa falece antes), a lei brasileira decidiu pre­
sum ir que m orreram sim ultaneam ente. A conseqüência de tal
previsão é m uito relevante. Se houve m orte sim ultânea por pre­
sunção da lei, significa que um não preenche o requisito do art.
1.798 para a sucessão do outro e vice-versa. Referido artigo está
sob a rubrica “Vocação h ereditária”, ou seja, quem é apto a suce­
der. O artigo exige que as pessoas sejam nascidas ou já concebi­
das no m om ento da m orte do de cujus, o que não acontece na h i­
pótese do art. 8a.
Imagine um casal, sem filhos, que falece em acidente de trân ­
sito. Aplicando a presunção da comoriência, cada um deles tran s­
m itirá seus bens aos seus herdeiros respectivos (ascendentes em
prim eiro lugar), sem com unicação nenhum a. Todo o patrim ônio
do varão se transm itiria aos seus pais.
Porém , se a virago sobrevivesse ao varão, ainda que por pou­
co tem po, 1/3 do p atrim ô n io dele se deslo caria p ara a pós-
m oriente, e desta para seus pais. Os 2 /3 restantes iriam para os
pais do varão (art. 1.837).
Ressalte-se que a com oriência é um a presunção que só tem
lugar na h ip ó tese de ser im possível id en tificar o p ré-m o rto .
Cam ara Leal (1930, p. 72) já alertava:

“O nosso Código Civil exige que, quando dois ou m ais indi­


víduos falleceram na m esm a occasião, se averigúe qual dos
com m orientes precedeu aos outros. E não sendo possível essa
averiguação, estabelece a presum pção de que todos m orreram
sim ultaneam ente.”

E ntretanto, um a vez estabelecida tal presunção, será neces­


sária prova científica para derrubá-la, não bastando m era prova
testem unhai.
D as P esso as 43

6.2 Da ausência e suas fases

E o art. 22 do C ódigo quem define de m odo sucinto o signi­


ficado de ausência:

“D esaparecendo u m a pessoa do seu dom icílio sem dela ha­


ver notícia, se não houver deixado rep resen tan te ou procurador
a quem caiba adm inistrar-lh e os bens, o juiz, a requ erim en to de
qualquer interessado ou do M inistério Público, declarará a ausên­
cia, e nom ear-lhe-á cu rad o r.”

Com o já falam os an terio rm en te, o Código Civil retirou o re­


ferido capítulo do livro de fam ília e o trouxe para a parte geral,
onde encontra cam po m ais apropriado para sua regulam entação.
Um ponto fundam ental para se en ten d er a ausência é perce­
ber que o legislador an d o u p o r um cam inho estreito, ten tan d o
evitar injustiças. De um lado, não poderia desde logo atrib u ir
todos os bens do au sen te a seus herdeiros, pois a qualquer m o­
m ento poderia aquele reto rn ar. Por o u tro lado, a função social da
propriedade não p erm ite que os bens do au sen te fiquem sem u ti­
lização por décadas, no aguardo de um eventual reto rn o que pode
não ocorrer.
C om preendendo este ponto, fica fácil perceber por que o pro­
cedim ento da ausência dem ora ta n to para ser concluído. A nali­
sarem os sucintam ente as três fases deste procedim ento, sugerin­
do, contudo, que o leitor ten h a em m ãos os arts. 1.159 et seq. do
CPC (Dos bens dos ausentes é um dos capítulos do T ítulo que ver­
sa sobre os P rocedim entos especiais de jurisdição voluntária),
bem com o os arts. 22 et. seq. do Código Civil.

6.2.1 D a curadoria dos bens do ausente

N esta prim eira fase, o au sen te acabou de “ir em b o ra”. A au­


sência é ainda m uito recen te e por isso m esm o o juiz arrecadará
os bens, nom eará curador na ordem estabelecida pelo art. 25 e
publicará editais de dois em dois m eses, anunciando a arrecada­
ção e cham ando o au sen te a e n tra r na posse de seus bens (art.
1.161 do CPC).
44 D i r e i t o C iv il

Passado um ano da arrecadação dos bens (ou três, no caso de


o ausente ter deixado procurador que não queira ou não possa exer­
cer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes),
os interessados (e interessados são aqueles que o art. 27 d eter­
m ina), e na sua falta o M inistério Público (art. 28, § 1Q), poderão
solicitar seja declarada a ausência e aberta a sucessão provisória.
Não havendo interessados, os bens serão declarados como heran­
ça jacente. De qualquer forma, tal sentença só produzirá efeitos
180 dias após ser publicada pela im prensa. C oncedida a sen ten ­
ça, entram os na segunda fase do procedim ento, a sucessão p ro ­
visória.

6 .2 .2 Da sucessão provisória

Mais de um ano se passou desde que o indivíduo sum iu. Não


houve m ais notícias, ele não retornou e não há comprovação de
seu falecim ento. N este ponto, o Código Civil de 1916 dava níti­
da preferência ao “herdeiro rico”.
Isso porque o revogado art. 473, parágrafo único, daquele
diplom a retirava o direito à posse dos bens do herdeiro que não
pudesse prestar caução, enquanto os que pudessem p restar refe­
rida garantia ingressavam na posse e faziam seus todos os frutos
dali advindos. N o art. 478 daquele Código o legislador concedia
ao h erd eiro que não tin h a posse m etad e dos ren d im en to s do
quinhão que lhe tocaria.
Todas essas disposições foram m antidas, respectivam ente,
nos arts. 30, § 1Q, e 34 do atual Código Civil. A inovação que
mitigou a flagrante discriminação veio no § 2a do art. 30, que isen­
tou todos os herdeiros necessários de prestar garantia. A desigual­
dade rem anesce, porém , q uanto aos colaterais e com panheiros,
que só entrarão na posse do bem se apresentarem as garantias
legais.
N esta fase, a alienação dos bens só é perm itida com ordem
judicial, conform e o art. 31. Frutos e rendim entos do bem são
todos do herdeiro possuidor.
D as P esso a s 45

6 .2 .3 Da sucessão d efin itiva

N este ponto, o Código de 2002 dim inuiu em um a década o


prazo para abertura da sucessão definitiva. Passados dez anos (art.
37 do Código Civil de 2002, en q u an to o Código de 1916 falava
em 20 anos no art. 481) desde o trân sito em julgado da sentença
de sucessão provisória, ou “provando-se que o ausente conta oitenta
anos de idade e que de cinco datam as suas últimas notícias”, iniciam os
a terceira fase, a sucessão definitiva, em que todos os herdeiros
lerão seus direitos sucessórios exercitados, adquirindo assim a
propriedade resolúvel dos bens. As garantias oferecidas na fase
da sucessão provisória serão en tão levantadas. É com a decreta­
ção da sucessão definitiva que o au sen te passa a ser considerado
presum ivelm ente m o rto (art. 6Q).
A djetivam os a propriedade de resolúvel, pois o legislador ain­
da concede m ais um lapso para o au sen te regressar. Após a aber­
tura da sucessão definitiva, o “au se n te ” tem m ais dez anos para
regressar, caso em que “haverá só os bens existentes no estado em que
se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os herdeiros
houverem recebido pelos bens alienados...” D epois desse prazo, n e ­
nhum direito m ais assiste ao au sen te (OAB/SP - 125°).
A Lei n° 6.683, de 28 de agosto de 1979, concedendo anistia
aos presos e desaparecidos políticos, regulou a situação de ausên­
cia destes. T ornou para este tipo de situação o rito m ais acelera­
do, concedendo a possibilidade da sucessão definitiva em apenas
um ano. E o que diz o art. 6°, § 4Q, da referida lei, n estes term os:

“A rt 6QO cônjuge, q u alq u er p arente, ou afim, na linha reta,


ou na colateral, ou o M inistério Público, poderá req u erer a decla­
ração de ausência de pessoa que, envolvida em atividades p olíti­
cas, esteja, até a data de vigência d esta Lei, desaparecida do seu
domicílio, sem que dela haja notícias p o r m ais de 1 (um) ano.
§ 4° Depois de averbada no registro civil, a sentença que d e­
clarar a ausência gera a presunção de m orte do desaparecido, para
os fins de dissolução do casam en to e de ab ertu ra de sucessão
definitiva.”
46 D l r c l t o C iv il

6.3 Morte presumida sem decretação de ausência

Se na hipótese de ausência a lei cam inha por trilhos estreitos,


tem erosa de que um dia o cidadão possa retornar e reclamar todos
os seus bens; se nesta situação a dúvida sobre o paradeiro e a
incolum idade do ausente remanesce na m ente do legislador, have­
rá hipóteses em que a probabilidade da m orte é m uito maior. N es­
tes casos, não seria razoável exigir que a família aguardasse mais
de um a década por alguém que viveu situação catastrófica ou béli­
ca em que as chances de sobrevivência foram mínimas.
Pensando nisso, a lei prevê o in stitu to da m orte presum ida
sem decretação de ausência. O art. 7° do Código deve ser lido em
consonância com o art. 89 da Lei de Registros Públicos (6.015,
de 31 de dezem bro de 1973). São hipóteses gravíssim as (desa­
parecim ento em cam panha ou feito prisioneiro, não encontrado
até dois anos após o térm ino da guerra, naufrágio, inundação, in­
cêndio, terrem oto ou qualquer o u tra catástrofe, além da previsão
genérica do Código Civil de quando for extremamente provável a
morte de quem estava em perigo de vida ) em que a família da vítim a
deverá se socorrer dos arts. 861 a 866 do CPC para obter sen ten ­
ça em procedim ento de justificação de óbito e então dar início à
sucessão norm alm ente.
O Judiciário já se pronunciou sobre o assunto:

“C onsidera-se m orte presum ida, de m odo a adm itir a ju sti­


ficação para o assento de óbito, prevista no art. 89 da Lei 6 .0 1 5 /
73, quando as circunstâncias em que aconteceu o acidente dão a
certeza de que a pessoa desaparecida veio a falecer” (RT 781/228).

Capítulo III
Direitos da personalidade

Alguns direitos são inerentes à condição hum ana, são in trín ­


secos ao ser hum ano, tendo origem desde a concepção e prosse­
guindo ativos, m esm o após a m orte de seu titular. São direitos
dos quais não se dispõe, não se abdica, tingem o espírito de modo
D as P esso a s 47

perpétuo e indelével e confundem o titu lar com seu próprio ob­


jeto. Se o direito de crédito pode perfeitam ente ser cedido - pode
ser destacado do patrim ônio de seu titu lar há direitos que ja­
mais serão subtraídos do ser hum ano.
Tais direitos levam o nom e de Direitos da personalidade e têm
a ver com o que o ser hu m an o tem de m elhor. São atrib u to s que
têm com o fonte a ex istên cia e a dignidade da p esso a hu m an a
(C onstituição Federal, art. 1Q, IV), que nascem antes m esm o do
rebento e vivos perm anecem por m u ito s e m u ito s anos após a
m orte. C iente disso, o C onselho da Justiça Federal proferiu em
seu prim eiro enunciado a seguinte orientação: “A proteção que o
Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos di­
reitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura.”
A C onstituição já havia se preocupado com tal categoria p e ­
culiar de direito, enunciando n o art. 5o, X, um rol exem plificativo
desta categoria: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra
e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação. ”
A honra, a m oral, a im agem , o sossego, a intim idade, a p ri­
vacidade, o próprio corpo, o nom e são exem plos. São, no dizer
de Sílvio V enosa (2003, p. 152), "os que resguardam a dignidade
humana”.
O Código não desceu a m inúcias sobre o assunto, de m odo
proposital, nas palavras do coordenador do anteprojeto, Miguel
Reale (NERYJR., 2003, p. 124):

"Tratando-se de m atéria de p er si com plexa e de significação


ética essencial, foi preferido o enunciado de poucas norm as do­
tadas de rigor e clareza, cujos objetivos perm itirão os natu rais
desenvolvim entos da d o u trin a e da ju risp ru d ên cia.”

A violação d esta espécie de d ireito co stu m a ocasionar um


dano m oral, que deve ser ressarcido. Tal hip ó tese é m u ito fre­
qüente quando a im prensa viola a h o n ra de um cidadão por m eio
de críticas extrem adas ou notícias falsas. E ntretanto, não se pode
olvidar que o D ireito é a ciência do razoável, do equânim e. Há
tam bém o direito constitucional de livre m anifestação que - q u an ­
do exercido d en tro dos padrões razoáveis das relações civis - não
IH M lid io Civil

pode sofrer ameaças ou censuras. Cláudio Luiz Bueno de Godoy


(2001, p. 128) conclui:

“O direito de crítica, concebido como expressão da liberda­


de de opinião, constitucionalm ente garantido, de p er si, m esm o
exercido de m odo veem ente, com conteúdo de boa ou m á quali­
dade, e quando não anim ado por sentim ento pessoal, subjetivo,
de antagonism o a pessoa certa, não é causa de abuso da liberda­
de de im prensa.”

1 Características

O art. 11 do Código Civil traz duas principais características


dos direitos da personalidade, afirm ando que são “intransmissíveis
e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária".
M elhor é a redação que o Projeto de Lei nQ6.960/2002 pretende
outorgar ao caput deste artigo, trazendo um rol exemplificativo
destes direitos ainda maior, bem como aum entando o núm ero de
suas características essenciais. Esta é a redação do projeto em
trâm ite pelo Congresso Nacional:

“O direito à vida, à integridade físico-psíquica, à identidade,


à honra, à im agem, à liberdade, à privacidade, à opção sexual e
o u tro s reconhecido s à p esso a são n ato s, ab so lu to s, in tra n s-
m issíveis, in d isp o n ív eis, irren u n ciáv eis, ilim itad o s, im p res­
critíveis, im penhoráveis e inexpropriáveis.”

1.1 Relativização das características dos direitos da


personalidade

Todas essas características são citadas e recitadas sem pre que


esta peculiar categoria de direitos é estudada. Sua sim ples m en­
ção, e n tre tan to , sem um a explicação vagarosa leva a q u estio ­
nam entos sérios e até à confusão de conceitos. E isso que expli­
ca a exploração econôm ica da im agem e da voz de pessoas famo­
sas, contratos m ilionários de direitos autorais sobre obras lite­
rárias etc.
D as P esso a s 49

O ponto que deve ficar bem sedim entado quando se analisam


os direitos da personalidade é que eles em si são intransm issíveis,
indisponíveis, im prescritíveis etc. Em sua essência, não é licito
alguém alienar seu nom e, sua h o n ra ou m oral. O direito da p er­
sonalidade, em sua essência, é d otado das características m en­
cionadas.
E ntretanto, destes direitos fluem repercussões, efeitos p atri­
m oniais e exercício q u e p o d em sim se r o b je to de tra n s m is -
sibilidade por contrato ou até m esm o causa mortis. É a hipótese
da atriz que cede onero sam en te sua im agem a d eterm in ad a m ar­
ca de aparelho eletrônico, causando um a associação benéfica para
a m arca que certam en te terá seu valor en riq u ecid o no conscien­
te dos consum idores. C riou-se no caso concreto um direito p es­
soal de crédito, decorrente da cessão do exercício de um dos di­
reitos da p e rso n a lid a d e . H á m e rc an cia de u m d e sse s espe-
dalíssim os direitos ainda que de form a lim itada. O m esm o ocorre
com o au tor que cede seus direitos autorais p ara a exploração de
obra literária. D izer que tais direitos são intran sm issív eis sem
fazer esta indispensável ressalva pode gerar confusão na m ente
do operador do D ireito.
N élson N eryJr. e Rosa M aria de A ndrade N ery (2003, p. 158)
explicam com clareza habitual:

“E m bora intransm issíveis em sua essência, os efeitos p atri­


m oniais dos direitos de personalidade são transm issíveis. A u ti­
lização dos direitos de personalidade, se tiver expressão econô­
mica, é transm issível. A au toria de obra literária (direito de p er­
sonalidade) é intransm issível, m as o recebim ento de dinheiro pela
com ercialização da referida obra (direito patrim o n ial) pode ser
negociado livrem ente, sendo, p o rtan to , tran sm issív el inclusive
por herança (CF 5Q, XXVII). O d ire ito a alim e n to s tam b ém é
irrenunciável porque respeita ao direito à vida; m as os seus efei­
tos patrim oniais (valor da pensão alim entícia) pode ser objeto de
transação.”

Pensando sob esse aspecto, o E nunciado n Q4 do C onselho da


Justiça Federal pacificou: “O exercício dos direitos da personalidade
no D iif im c iv ii

pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem ge­
ral. ”
Interessante aresto do T ribunal de Justiça do Rio de Janeiro
asseverou: “há que se distinguir o direito à imagem, inserido que está
no âmbito dos direitos da personalidade, portanto inalienável e
irrenunciável, do direito ao uso da imagem, que pode ser objeto de ces­
são” (Apelação Cível n° 2.940/97. Relator: M oraes M arinho).
O u tra característica que deve ser cuidadosam ente analisa­
da é a da im prescritibilidade dos direitos da personalidade. Tec­
nicam ente, isso significa que a não-utilização de um d ireito da
personalidade por décadas não tem o condão de retirar do indi­
víduo sua titularidade. Porém , um a vez violado um dos direitos
da personalidade, nasce para o agente a preten são de reparação
civil (art. 189), que prescreverá em prazos m aiores ou m enores,
dependendo do direito violado. A ssim , o direito de im agem do
fam oso artista não caduca, ainda que ele não a utilize com er­
cialm ente por décadas. Porém , se ocorrer um a indevida utiliza­
ção por algum órgão da im prensa, seu titu la r não pode quedar-
se inerte, pois contra ele teve início um prazo no qual deverá
pleitear sua respectiva indenização. Fábio U lhoa C oelho (2003,
p. 182) resum e:

“H om ens e m ulheres titularizam os direitos da personalida­


de por toda a vida. Isso não significa, porém , que sejam im pres­
critíveis. Se o o fend id o não prom ove a resp o n sab ilid ad e do
ofensor dentro do prazo geral de prescrição, ele perde a oportu­
nidade para defender seu direito da personalidade - do m esm o
m odo que p e rd e ria o de d efen d er q u a lq u e r o u tro d ireito
prescritível.”

2 Indenização pela violação dos direitos da personalidade

O utro aspecto que em ana dos direitos da personalidade é sua


proteção legal em face de atos ilícitos que causem dano p atri­
m onial ou extrapatrim onial ao indivíduo. A m era exposição da
imagem de famoso esportista ao lado de drogas ilícitas, por exem ­
plo, já poderia causar-lhe duas espécies de danos. O prim eiro na
D as P esso as 51

esfera patrim onial, pois desta exposição decorreriam efeitos fu­


nestos para sua carreira, sendo certam ente privado de dezenas de
outros comerciais, filmes e trabalhos afins. O segundo dano ocor­
re na esfera exclusivam ente m oral, te n d o que se avaliar a dor
psíquica, íntim a, m oral que atinge o sujeito. Se tal vítim a for
pessoa já falecida, nad a im pede a tran sm issão dos direitos patri­
m oniais que esta im agem gera aos seus sucessores.
Em recente julgado, o STJ esm iuçou exatam ente esta q u es­
tão, entendendo perfeitam ente viável o pedido de indenização da
mãe pela violação do d ireito de im agem da filha já falecida:

“Os direitos de personalidade, de que o direito à im agem é


um deles, g u ard am com o p rin cip al cara c te rístic a a su a
intransm issibilidade. N em por isso, contudo, deixa de m erecer
proteção a im agem de quem falece, com o se fosse coisa de n in ­
guém , porque ela perm anece peren em en te lem brada nas m em ó­
rias, como bem im ortal que se prolonga para m u ito além da vida,
estando até acim a desta, com o sentenciou A riosto. Daí por que
não se pode su b trair da m ãe o direito de defender a im agem de
sua falecida filha, pois são os pais aqueles que, em linha de n o r­
m alidade, m ais se desvanecem com a exaltação feita à m em ória
e à qualquer agressão que possa lhes trazer m ácula. Adem ais, a
imagem de pessoa fam osa projeta efeitos econôm icos para além
de sua m orte, pelo que os seus sucessores passam a ter, por d i­
reito próprio, legitim idade para postularem indenização em juízo”
(STJ, 4a T., REsp 268660-RJ, rel. Min. C ésar A sfor Rocha, v.u., j.
21-2-2000, DJU 19-2-2001).

Com o visto, o dano m oral que a m ãe sofre pela violação de


um dos direitos da personalidade de sua filha é inconteste. É o
cham ado dano m oral reflexo ou p o r ricochete em que a m ãe (ou
qualquer parente próximo) alega um direito próprio, um dano que
lhe foi causado pela ofensa a um a pessoa m u ito próxim a.
Porém , o parágrafo único do art. 12 do Código Civil dá m ar­
gem a um raciocínio in teressan te e avançado, concedendo legiti­
mação ao cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou
colateral até o quarto grau para reclam ar perdas e danos decorren­
52 D i r e i t o C iv il

tes da violação de algum dos direito da personalidade da pessoa


que já faleceu.
N essa hipótese, os parentes não alegam direito próprio, mas
direito da vítim a que já faleceu. Ocorre processualm ente o fenô­
m eno da legitimação extraordinária em que alguém atua em juízo
com o parte e em nom e próprio, m as na defesa de interesse indi­
vidual alheio (como é o caso, por exem plo, do M inistério Públi­
co nos term os do art. 2Q, § 4Q, da Lei n Q8.560, de 1992).
A conclusão a que se chega é de que - em tese - a violação
de um direito da personalidade de pessoa já falecida pode gerar
duas espécies de pedido por parte de seus familiares próxim os.
Um decorrente do dano reflexo que os próprios parentes sofre­
ram e o utro pelo direito do falecido, cuja legitimação extraordi­
nária foi concedida pelo parágrafo único do art. 12 aos seus pa­
rentes próxim os. A indenização decorrente deste últim o pedido
deve ser revertida em favor dos herdeiros, na ordem do art. 1.829
do Código Civil.

3 Do nome

Filosoficam ente, os poetas costum am dizer que a palavra


mais im portante na vida de um ser hum ano é seu nom e. Social­
m ente, nada mais cordial do que se dirigir ao próxim opelo nome,
independentem ente de classe, função e status social. E o elem en­
to identificador do ser hum ano perante a sociedade.
Juridicam ente, ter um nom e é um direito dos mais relevan­
tes, posto ser considerado pelo próprio legislador com o um di­
reito de personalidade. N este sentido, o art. 16 do Código Civil
dispõe: “Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o preno­
me e o sobrenome. ”
Tornar-se plenam ente identificável perante a sociedade é di­
reito do cidadão. Mas tam bém é de interesse do Estado que cada
ser hum ano possua um sinal individualizador perante a sociedade.
Como diz Carlos Roberto Gonçalves (2003, p. 120), “destacam-se,
no estudo do nome, um aspecto público e um aspecto individual”.
Como direito que é, o nom e deve ser protegido e os arts. 17
e 18 assim o fazem, proibindo sua divulgação tan to nas hipóte­
D as P esso a s 53

ses em que exponham ao desprezo público qu an to nas hipóteses


de uso em propaganda com ercial. A utilização desta designação
individual por terceiros é por si só um a violação a um direito da
personalidade passível de reparação civil. A hipótese é m uito fre­
q üente no universo das pessoas jurídicas, com a utilização não
autorizada do nom e de d eterm in ad a pessoa, o que causa, sem
dúvida, preten são indenizatória. Tal violação ocorre tam bém em
prejuízo de pessoas naturais. Fam oso escritor não pode ter seu
nom e im presso na capa de livro alheio, por flagrante ofensa ao
seu direito de personalidade.

3.1 Composição do nom e

O nom e é com posto de u m elem ento pessoalm ente id en ti­


ficável, seguido de o u tro que identifica a origem , a família à qual
pertence aquela pessoa. Tais elem en to s são trad icio n alm en te
denom inados prenome e patronímico. A ntigam ente, o patroním ico
identificava a região natal ou de criação da pessoa. Daí os nom es
José de Arimatéia, Saulo de Tarso e Jesus de Nazaré, p o r exem plo.
O Código utilizou linguagem m ais atualizada do que o an te­
rior, denom inando o patroním ico de "so b ren o m e”. Diz o art. 16:
“Toda pessoa tem direito ao nom e, nele com preendidos o p ren o ­
me e o sobrenom e.”

3.2 Causas de alteração do prenome

Em princípio, não se altera o prenom e. N ão é de in teresse


social que o p ren o m e fique su jeito à in stab ilid ad e. Aliás, su a
m udança por m ero capricho do titu lar im plicaria enorm e insegu­
rança jurídica, prem iando aqueles que m aliciosam ente alterassem
sua identificação para subtrair-se de obrigações e responsabilida­
des.
As raras hipóteses de alteração de prenom e não estão previs­
tas no Código Civil. São leis esparsas que versam sobre o assu n ­
to, referindo-se incidentalm ente a tal direito da personalidade.
Deste modo, a Lei de R egistros Públicos (6.015, de 31 de dezem ­
bro de 1973), o E statu to do E strangeiro (6.815, de 19 de agosto
54 D i r e i t o C iv il

de 1980), o E statuto da Criança e do A dolescente (Lei 8.069, de


13 de julho de 1990), a Lei dos Apelidos Públicos N otórios (9.708,
de 18 de novem bro de 1998) e a Lei de Proteção às T estem unhas
(9.807, de 13 de julho de 1999) são exem plos de diplom as legais
que autorizam - em determ inadas situações - a alteração do pre­
nome.

3.2.1 Estrangeiro

Preocupado com a situação do alienígena em nosso territó ­


rio, o legislador federal entendeu por bem conceder-lhe o direito
de alterar o seu prenom e. Fez isso na Lei n° 6.815, de 19 de agosto
de 1980, no capítulo que versa sobre a Alteração de A ssentam en­
tos, m ais especificam ente no art. 42. N esses term os:

“O nom e do estrangeiro, constante do registro (art. 30), po­


derá ser alterado:
I - se estiver com provadam ente errado;
II - se tiver sen tid o pejorativo ou expuser o titu la r ao rid í­
culo;
III - se for de pronunciação e com preensão difíceis e puder
ser traduzido ou adaptado à prosódia da língua portuguesa.”

O sentido da norm a é poupar o constrangim ento decorrente


da difícil pronúncia do nom e do cidadão estrangeiro. N om es in­
ternacionais consagrados em nosso vernáculo usual não dão en ­
sejo a alteração, pois já vimos que - em regra - o prenom e é im u­
tável. N ão estariam no alcance da norm a nom es como: W illian,
George, Gian, Elizabeth.

3.2.2 Prenome ridículo

Seria dever do oficial de registros indeferir tais hipóteses (art.


55, parágrafo único da Lei ne 6.015, de 1973). A lei ainda previu
que, diante do inconform ism o dos declarantes, o oficial poderia
suscitar a dúvida ao juiz. E ntretanto, se nada disso acontecer, a
pessoa poderá se valer dos arts. 56, 109 e 110 da m esm a lei para
ten tar alterar seu nom e.
D as P esso as 55

Im possível deixar de lem brar alguns exem plos m encionados


por Sílvio Venosa (2003, p. 216) de nom es que m ereceriam - sem
dúvida - o albergue da tu tela jurisdicional para sua alteração. São
alguns deles: Antônio Dodói, Antônio Manso Pacífico de Oliveira Sos­
segado, Céu A z u l do Poente, Dezêncio Feverencio de Oitenta e Cinco,
Graciosa Rodela, João da Mesma Data, João Cara de José, Casou de Calças
Curtas, Remédio Amargo, Restos Mortais de Catarina, Rolando Pela
Escada Abaixo.

3 .2 .3 Erro gráfico

A ntes de as Leis n 05 9.7 0 8 /9 8 e 9.8 0 7 /9 9 alterarem o pará­


grafo único do art. 58 da Lei de R egistros Públicos, havia expres­
sa previsão de alteração de n o m e p o r erro gráfico (OAB/SP -
112°).
Tal dispositivo era red u n d an te, pois tal possibilidade já es­
tava prevista no capítulo XIV da Lei de R egistros Públicos sob o
título: “Das retificações, restaurações e suprim entos." O art. 110
é expresso:

“A correção de erros de grafia poderá ser processada no p ró ­


prio cartório onde se en co n trar o assen tam en to , m ediante p eti­
ção assinada pelo interessado, ou procurador, independentem ente
de pagam ento de selos e taxas."

E ntretanto, a lei não su b trai tal procedim ento da apreciação


do Judiciário, exigindo inclusive participação do M inistério Pú­
blico (art. 110, § 1Q).

3 .2 .4 M udança de sexo

Tal hipótese foi criada por no ssa jurisprudência. Com base


no princípio da dignidade da pessoa hum ana (art. 1Q, III, da C ons­
tituição Federal), alguns T ribunais concederam ultim am en te tal
direito àquelas pessoas insatisfeitas com a escolha da natureza,
possibilitando a felicidade do ser hu m an o (e sua dignidade) sem
causar prejuízo a outrem .
56 D i r e i t o C iv il

Com o já vimos, os direitos da personalidade não podem so­


frer limitação e são inexpropriáveis. A opção sexual é um desses
direitos e o Projeto n Q6.960/2002 já o prevê categoricam ente no
rol do art. 11. Se assim o é, nada m ais adequado do que possibi­
litar sua alteração. O Tribunal de Justiça de São Paulo já se p ro ­
nunciou:

“Registro Civil - Retificação - Transexual subm etido à cirur­


gia de m udança de sexo - Pretendida alteração do assen to civil
para dele constar prenom e e sexo fem inino - Procedência - Sen­
tença m antida - Recurso não provido” (TJSP Apelação Cível nQ
86.851-4 - São José do Rio Pardo - 5a Câm ara de D ireito Privado
- Relator: Rodrigues de Carvalho - 10.02.00 - v.u.).

3.2.5 A pelido público notório

A redação original do caput do art. 58 da Lei de R egistros


Públicos não deixava dúvidas: “O prenome será imutável. ”
Duas leis historicam ente recentes vieram a alterar o referido
artigo, bem com o seu parágrafo único. Em 1998, a Lei n° 9.708
deu nova redação ao caput do referido artigo: “O prenome será defi­
nitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos
notórios. ”
Tal situação é m uito com um na práxis forense. É a via mais
freqüente de se alterar o prenom e de um a pessoa. De fato, a lei
não pode virar as costas para a realidade social e a m aneira pela
qual um a pessoa é socialm ente avocada. A letra fria da lei sucum ­
be diante do calor dos costum es e dos hábitos de um a socieda­
de. N ote que a lei falou em substituição, o que possibilita mais
do que a m era inclusão do apelido no nom e do cidadão, como já
fizeram famosos políticos.
Ao portador de tal apelido é facultado trocar seu prenom e de
registro por aquele pelo qual é notoriam ente conhecido. Carlos
Roberto Gonçalves (2003, p. 128) exemplifica:

“Se o desejar, Edson A rantes do N ascim ento poderá passar


a cham ar-se Pelé A rantes do N ascim ento. A tualm ente, portanto,
D as P esso as 57

tam bém o prenom e oficial ta n to pode ser su b stitu íd o p o r apeli­


do popular, com o exem plificam os acima, com o por o u tro p reno­
me, pelo qual a pessoa é conhecida no m eio social em que vive."

Mas não apenas as pessoas notoriam ente conhecidas por toda


a sociedade têm esta faculdade. O que im porta para possibilitar
alteração do prenom e é com o a pessoa é conhecida em seu m eio
social, em seu m undo, ainda que não seja fam osa para a grande
massa da população. N esse sentido, interessante decisão em anada
pelo Tribunal de Justiça do D istrito Federal (Acórdão nQ 119.544,
de 3 de fevereiro de 1999) esclarece:

“O nom e integra a personalidade por ser o sinal exterior pelo


qual se destina, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio
da família e da sociedade. A ssim , com o tal, a pessoa deve sen tir
orgulho e ho n ra o próprio nom e. N ão há, pois de se aceitar a h i­
pótese do form alism o extrem o que considera o prenom e im u tá­
vel, se sobrepondo à realidade da vida.”

3 .2 .6 Proteção às testem unhas e vítim as

Pouco tem po depois, em ju lh o de 1999, foi publicada a Lei


n° 9.807, que tin h a com o principal objetivo proteger vítim as e
testem unhas que ten h am v o lu n tariam en te p restad o efetiva cola­
boração à investigação policial e ao processo criminal. A disciplina
do tem a foi com pleta, desde a instituição de um “Program a fe­
deral de assistência a vítim as e a testem u n h as am eaçadas” até a
possibilidade de o cidadão am eaçado alterar seu nom e com pleto
(e até de seu cônjuge ou com panheiro, ascendentes, descenden­
tes e dependentes) para ganhar m aior proteção do Estado. N ada
m ais justo: o cidadão colabora com o Estado na persecução pe­
nal e o Estado retribui, pro teg en d o o cidadão.
Este diplom a previu nova alteração na Lei de R egistros Pú­
blicos, alterando o parágrafo único do art. 58, que ganhou a se­
guinte redação:

“A substituição do prenom e será ainda adm itida em razão de


fundada coação ou am eaça d eco rren te da colaboração com a ap u ­
58 D i r e i t o C iv il

ração de crime, por determ inação, em sentença, de juiz com pe­


tente, ouvido o M inistério Público.”

3.2.7 Adoção

O ECA previu a hipótese de adoção plena que passa a ser a


única form a de adoção em nosso ordenam ento a p artir de 2003,
com as disposições com plem entares dos arts. 1.618 a 1.629 do
Código Civil. Ambos os diplom as continuam em vigor, sem pre
que não houver incom patibilidade absoluta en tre as norm as.
O art. 47, § 5S, do ECA possibilitou não só a alteração do
sobrenom e do adotado, como tam bém de seu prenom e. O art.
1.627 referendou. Tudo para proporcionar-lhe um a plena integra­
ção em seu novo lar.

3.3 Causas de alteração do sobrenome

Mais com um, entretanto, é a hipótese de alteração do sobre­


nom e. O Código Civil deixou claro, no art. 1.565, § 1Q, que am ­
bos os nubentes “podem acrescer ao seu o sobrenome do outro”.
Nos casos de divórcio (direto ou por conversão), o cônjuge
poderá m an ter o nom e de casado, salvo (no caso de divórcio por
conversão) se a sentença de separação disser o contrário. E a re­
gra do art. 1.571, § 2°, do Código. São famosos os exem plos de
m anutenção de patroním ico de ex-cônjuges, como, v. g., Luiza
Brunet.
Se a separação for litigiosa, o cônjuge culpado perde o direi­
to de usar o sobrenom e do outro, desde que isso não acarrete
prejuízo para sua identificação, dano grave ou m anifesta d istin ­
ção entre o seu nom e e o de seus filhos, ex vi do art. 1.578.
N o caso de dissolução do casam ento por m orte, nada obsta
à viúva retirar o sobrenom e do finado marido. A procedência da
ação de investigação de paternidade tam bém confere ao m enor a
possibilidade de incluir o sobrenom e de seu pai (Lei n° 8.560, de
1992).
D as P esso as 59

4 D ireito à imagem

O utro direito da personalidade m u ito difundido no cotidia­


no forense é o relativo à im agem . A “expressão exterior sensível da
individualidade hum ana” (GAGLIANO e PAMPLONA, 2002, p.
183) é am parada pelo art. 20 do Código Civil que em sua parte
final pontifica:

“A exposição ou a utilização da im agem de um a pessoa po­


derão ser proibidas, a seu req u erim en to e sem prejuízo da in d e­
nização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a res­
peitabilidade, ou se se d estin arem a fins com erciais.”

Extrai-se do dispositivo que em duas h ip ó teses d istin tas a


pessoa pode proibir a divulgação da sua im agem . A prim eira de­
las ocorre sem pre que se atin g ir a honra, a boa fam a ou a resp ei­
tabilidade. São hipóteses em que há um a utilização indevida ou
d esv irtu ad a da im agem da pessoa, que lhe afeta o resp eito , a
moral, a decência.
Mas o artigo não pára por aí e dispõe que - ainda que não afete
a honra, ainda que não cause con stran g im en to - a veiculação da
imagem poderá ser proibida pelo seu titular, pelo sim ples fato de
“se destinar a fin s comerciais”. H ipótese freqüente ocorre em pro­
gramas de televisão em que os civis são subm etidos a co n stran ­
gim entos flagrantes da vida real nas ruas e praças das cidades e
depois transm itidas para todo o país. N estas situações as em is­
soras de televisão, após a p rática do gracejo, devem solicitar a
ex p ressa au to rizaçã o da “v ítim a ”, so b p e n a de in c o rre r em
gravíssim a violação aos direitos de im agem do cidadão e, conse­
qüentem ente, arcar com o pagam ento da indenização devida.
Vale lem brar que há abuso de direito (e, p o rtan to , ato ilíci­
to) por parte da divulgadora que exibe im agem autorizada, po­
rém de m odo d esv irtu ad o do co n vencionado com seu titu la r.
D esta forma, a cessão autorizada de im agens para a divulgação
de cam panha de um aparelho de celular não pode ser utilizada
para a divulgação de o u tro m odelo. D o m esm o m odo, im agens
de um a festa ocorrida em d eterm in ad a época não poderiam ser
utilizadas m eses depois sob p retex to de inform ação jornalística,
60 D i r e i t o C iv il

conform e já decidiu o Tribunal paulista (TJSP - Apelação Cível


n° 73.410-4 - São Paulo - 2a Câm ara de D ireito Privado - Relator:
Ênio Zuliani - 23-2-1999 - v.u.).

5 Direito ao corpo
5.1 Em vida
O direito à inviolabilidade do corpo hum ano e a segurança
que se outorga à sua integridade física são preocupações constan­
tes do ordenam ento. O livre arbítrio confere ao titu lar a p rerro ­
gativa de proceder em relação ao seu corpo da m aneira que lhe
aprouver, resguardada a razoabilidade d en tro do exercício deste
direito. A ssim , são vedadas utilizações do corpo com in tu ito
atentatório à dignidade da pessoa hum ana, ou que contrariem a
m oral e os bons costum es.
U m a das conseqüências do direito que o indivíduo possui
sobre o próprio corpo é a possibilidade de doação em vida de
órgãos e tecidos do corpo hum ano, dentro dos parâm etros legais.
A lguns requisitos são exigidos pela Lei n Q 9.434/97: (a) só
podem ser doados órgãos duplos, ou partes do corpo cuja retira­
da não impeça o organism o do doador de continuar vivendo sem
risco para a sua integridade; (b) a doação não represente grave
com prom etim ento das aptidões vitais e saúde m ental do doador;
(c) não cause m utilação ou deform ação inaceitável; (d) corres­
ponda a um a necessidade terapêutica com provadam ente indis­
pensável à pessoa receptora.
Senise Lisboa (2004, p. 265) ainda lem bra outras possibili­
dades de utilização do próprio corpo, com o “relações sexuais, dis­
posição do útero para alojar o produto de concepção humana por
inseminação artificial e a polêmica cirurgia de mudança de sexo".

5.2 Após a morte

Como já dissem os, os direitos da personalidade, m uitas ve­


zes, m anifestam -se após a m orte de seu titular. O direito à in te­
gridade e ao respeito ao cadáver é um exem plo clássico. Rem on­
ta às m ais d istantes m anifestações hum anas. D esde os prim ór-
D as P esso as 61

dios, o cadáver goza de proteção e respeito dos cidadãos, e após


a organização da sociedade em Estado isso se to rn o u ainda m ais
patente. A té o Código Penal prevê todo um capítulo de crim es
contra o respeito aos m ortos. C o m entando o art. 212 (vilipêndio
ao cadáver), G uilherm e Nucci (2000, p. 211) salienta: “O sujeito
passivo é a coletividade, cuja ética prevê o respeito aos mortos. Secunda­
riamente está a fam ília do morto. ”
O estu d o do corpo após a m orte, en tretan to , pode servir de
grande valia para avanços da ciência e medicina, colaborando com
a m elhoria da qualidade de vida dos cidadãos que rem anescem
vivos. Além disso, o tran sp lan te de órgãos de pessoa que já fale­
ceu pode salvar um a vida h u m a n a caren te daquela parcela do
organism o. E por isso que a lei p erm ite a "disposição do próprio
corpo” para depois da m orte. Deve-se ressaltar, en tretanto, que tal
disposição deve obrigatoriam ente ocorrer de form a g ratuita e é
em inentem ente revogável (MAGISTRATURA FEDERAL/3a RE­
GIÃO - 11°).
A decisão de dispor de seu próprio corpo após a m o rte e n ­
volve a co n su lta da m ais variada gam a de valores que um ser
hum ano pode ter. Razões (em oções) religiosas, m orais, fam ilia­
res, da própria existência hu m an a são apenas alguns dos q u estio ­
nam entos q ue o indivíduo se faz an tes de to m ar um a decisão
desse jaez. O m ínim o de razoabilidade im põe concluir que tal
decisão deva ser expressa por p arte do indivíduo, não se possibi­
litando a anuência tácita ou m esm o presum ida. C ontrariando tal
raciocínio, a Lei n° 9.434, de 1997, previa em seu art. 4° que, “salvo
manifestação de vontade em contrário, [...] presume-se autorizada a
doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de
transplantes ou terapêutica post m ortem ". D esta forma, bastava o
indivíduo não se m anifestar em vida para que estivesse auto riza­
da a disposição de p artes do seu corpo após a m orte. Para com ­
pletar a inversão valorativa, a lei determ inava a gravação de for­
ma indelével e inviolável da expressão “não-doador de órgãos e tecidos”
na C arteira de Identidade Civil e na C arteira N acional de H abili­
tação da pessoa que optasse p o r essa condição. N o afã de solu­
cionar problem as seculares, o E stado brasileiro m ostra-se p ródi­
go em violar liberdades. Tal previsão atentava flagrantem ente con­
tra a privacidade e o constitucional direito à intim idade.
62 D i r e i t o C iv il

Felizmente a Lei n° 10.211, de 23 de março de 2001, derrogou


aquele diploma, retirando a previsão da expressão “não-doador de
órgãos e tecidos" dos docum entos civis e condicionando tal cessão à
autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha
sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em do­
cumento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte.

Capítulo IV
Das pessoas jurídicas

1 Análise das pessoas jurídicas

Com o já m encionam os alhures, o destinatário final de toda


proteção jurídica oferecida pelo Estado é o ser hum ano. A p es­
soa natural é objeto m ediato ou im ediato de qualquer dispositi­
vo legal. A ciência do D ireito tem com o n orte a busca da paz so­
cial entre os indivíduos. Goffredo da Silva Teles a ela se referia
com o a "ciência da convivência humana". Não por acaso, o Livro I
da Parte Geral do Código Civil traz em seu prim eiro título a p re­
visão e a regulação das pessoas naturais, das pessoas cham adas
físicas, hum anas.
Por outro lado, o ser h um ano é o anim al social por excelên­
cia. Busca se unir, se agrupar, se reu n ir em torno de outras p es­
soas naturais que apresentam características e objetivos com uns.
Faz isso trilhando os cam inhos da vida social, religiosa, familiar,
esportiva, cu ltu ral ou m esm o em p resarial, para citar apenas
alguns.
Q uando esta união obedece a alguns requisitos e objetivos
legalm ente previstos, a lei se olvida das pessoas naturais que se
agruparam e passa a enxergar ali um a terceira pessoa, um a pes­
soa fisicam ente invisível, intocável, m as que para a lei passa a ter
existência, personalidade e até m esm o direitos da personalidade.
Daí ganhar o nom e de "pessoa jurídica". Tal ficção tem por obje­
tivo principal proteger as pessoas físicas que criaram esta nova
categoria de ser. In tere ssa ao E stad o e à coletividade a cria­
ção e o fom ento de pessoas jurídicas, que fazem circular capital
D as P esso a s 63

com lastro, serviços, em pregos e trib u to s. In teressa ao E stado


proteger tais pessoas jurídicas, destacando sua personalidade da
dos seus m em bros. E ntender que esta pessoa tem existência dis­
tin ta da dos m em bros que a fundaram (art. 20 do Código Civil
de 1916: “A s pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus mem­
bros”) eqüivale a cultivar o in stitu to em solo fértil de técnica so­
cial e jurídica.
E xplicando a n a tu re z a d as p esso as ju ríd icas, R o b erto de
Ruggiero (1934, p. 429) afirmava:

“Q ualquer que seja a form a por que se form aram e seja qual
for a finalidade a que se destinem , são elas entidades reais e exis­
tentes, unidades orgânicas que têm um a vida própria e desenvol­
vem as suas actividades e funções. In d ep en d en tem en te dos indi­
víduos, estas associações organizadas têm , com o o indivíduo, um a
capacidade patrim onial, que lhes é reconhecida pelo E stado.”

N ão por acaso, o art. 47 do Código Civil distingue tal p erso ­


nalidade e obriga a “pessoa jurídica” pelos "atos dos administradores,
exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo”. A III
Jornada de D ireito Civil, prom ovida pelo C o n selh o da Ju stiça
Federal, publicou o E nunciado nQ 145, su sten tan d o que o artigo
em análise "não afasta a aplicação da teoria da aparência”. Nem sem ­
pre a pessoa que praticou o ato em nom e da pessoa jurídica é seu
legítim o rep resen tan te para aquele específico ato, em que pese
tudo indicar o contrário para o co n tratan te. A lei protege a ju sta
expectativa criada pela aparência da situação ap resen tad a e res­
ponsabiliza a pessoa jurídica pelos atos da pessoa que aparente­
mente a representava.

2 Início da personalidade jurídica

Q uando estudam o s as pessoas n atu rais, vim os que sua exis­


tência legal, sua personalidade jurídica, iniciava-se com o nasci­
m ento com vida. C oncluím os que o registro daquelas tin h a cará­
ter m eram ente declaratório, pois era o n ascim en to (fato jurídico
natural e ordinário), e não seu registro, que outorgava a capaci­
dade de direito.
6 4 D i r e i t o C iv il

O m esm o não ocorre com as pessoas jurídicas. Para o orde­


nam ento, a pessoa jurídica só passa a existir com a devida inscri­
ção no registro com petente (art. 45). A d outrina ainda diverge
quanto à natureza das pessoas jurídicas sem registro. Enquanto
para alguns seria um a sociedade irregular, para outros seria m era
sociedade de fato e para outros um m ero ente despersonalizado.
Conclui-se que sem registro não há personalidade jurídica a
acobertar os sócios, não havendo, portanto, separação patrim onial
entre estes e a própria pessoa jurídica. N esta esteira, João Baptista
de Mello e Souza N eto (2000, p. 46) afirma:

“T ratando-se de sociedades irregulares ou de fato, ocorre a


com unhão patrimonial de seus sócios-integrantes para responde­
rem às obrigações assumidas; tais obrigações terão sido contraí­
das apenas aparentem en te pela sociedade de fato ou irregular,
haja vista que contrair obrigações é prerrogativa das pessoas.”

3 Direitos da personalidade das pessoas jurídicas

Já vimos que a lei conferiu personalidade à pessoa jurídica,


dotando-a da aptidão de adquirir direitos e contrair obrigações na
o rdem civil. Com existência d istin ta da dos seus m em bros, a
pessoa jurídica passa então a ter deveres (recolhim ento de im pos­
tos, pagam ento de seus funcionários, obrigações de dar, fazer e
não fazer) e tam bém direitos. A jurisprudência - e m ais tarde o
legislador - percebeu que não poderia atribuir certos direitos à
Pessoa Física e negá-los à Jurídica, ao m enos quando tais direi­
tos fossem com patíveis com a sua natureza.
N ão se nega, por exem plo, que a pessoa jurídica possui um
nom e que a individualiza perante a sociedade e que - tal qual
ocorre com as pessoas físicas - m erece a devida proteção e não
pode ser utilizado ardilosam ente por terceiros. São freqüentes as
ações de reparação civil por infringência deste dever de absten­
ção. Tal entendim ento já havia sido inclusive sum ulado pelo Su­
perior Tribunal de Justiça, que assim se m anifestou na Súm ula
227: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.”
N essa esteira, o art. 52 do novo Código Civil preleciona:
“Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da
personalidade. ”
D as P esso as 65

4 Classificação das pessoas jurídicas

O Código prelim in arm en te classifica as diversas pessoas ju ­


rídicas, dividindo-as inicialm ente nas pessoas jurídicas de D irei­
to Público e de D ireito Privado. A quelas são estudadas nas fron­
teiras do D ireito C onstitucional, A dm inistrativo e Internacional.
São exem plos d esta categoria a U nião, os Estados de no ssa Fe­
deração, a ONU, o M ercosul, os M unicípios, bem com o as au tar­
quias (PROCURADOR DO ESTADO/SC - 2003).
Para o direito civil, in teressa a análise das pessoas jurídicas
de direito privado e estas são divididas em dois grandes grupos:
as fundações e as corporações. A diferença substancial en tre tais
espécies é que naquelas há um p atrim ônio visando a determ in a­
da finalidade prevista em lei e não lucrativa, en q u an to n estas há
um a reunião de pessoas com (sociedades) ou sem fins lucrativos
(associações).
As sociedades, p o r su a vez, dividem -se em sim ples e em p re­
sárias, estas últim as estu d ad as no Livro II da Parte Especial do
Código Civil.
T oda essa ex p lan ação p o d e se r re su m id a p elo seg u in te
quadro:
<><> D l r c i i o C iv il

4.1 Fundações

A fundação distingue-se da corporação pelo fato de não se


constituir pela união de pessoas. Aqui a ficção vai ao lim ite e o
legislador atribui personalidade a um bem ou a um conjunto de
bens visando a um fim não lucrativo. Este, aliás, é o binôm io que
caracteriza a fundação: patrim ônio e finalidade. A finalidade de
um a fundação, aliás, tem previsão legal no art. 62, parágrafo úni­
co: “A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, mo­
rais, culturais ou de assistência. ”
O parágrafo único do art. 62 tem um a im portância prática
m uito grande, tanto que o Conselho da Justiça Federal proferiu
dois enunciados sobre o assunto. N estes term os, o Enunciado nQ
8 ressalta: “A constituição de fundação para fins científicos, educacio­
nais ou de promoção do meio ambiente está compreendida no CC, art. 62,
parágrafo único.” Por sua vez, o E nunciado n° 9 afirma: “O art. 62,
parágrafo único, deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fu n ­
dações de fins lucrativos.”
A fundação tem objetivos sociais, é voltada para a socieda­
de, não para um grupo restrito de pessoas, com o é o caso da as­
sociação. Interessa à coletividade a sua criação e o seu desenvol­
vim ento, pois todos terão o direito de - atendidos alguns requi­
sitos casuísticos - dela se servir. N ada im pede o pagam ento pe­
los serviços prestados por um a fundação, mas o que im porta é que
o excedente entre o arrecadado e o efetivam ente gasto seja nova­
m ente investido nesta pessoa jurídica. Com isso, obtêm -se resul­
tados notáveis em algum as fundações.
Um saudável exem plo é a Fundação A rm ando Alvares Pen­
teado, de São Paulo, in stitu íd a em 1947 pelo conde A rm ando
Alvares Penteado, que - em testam ento - legou todos os seus bens
para a fundação que deveria ter com o objetivo am parar, fom en­
tar e desenvolver as artes plásticas e cênicas, a cultura e o des­
porto. Mais de m eio século depois, referida pessoa jurídica é um
dos pólos de excelência e desenvolvim ento das artes, da cultura
e da ciência.
A pessoa que separa bens de seu patrim ônio visando consti­
tu ir um a fundação é denom inada pela lei de “instituidor”. E ele
D as P esso as 67

quem - via de regra - elabora o estatu to . N ão o fazendo, serão as


pessoas a quem ele incum bir e, no caso de inércia destas, o Mi­
nistério Público (vide os arts. 1.199 et. seq. do CPC). H á forma
p revista em lei para se criar u m a fundação. A lei exige que o
instituidor o faça por escritu ra pública (OAB/SP - 123°) ou por
testam ento, dotando bens livres e especificando o fim a que se
destinam . N ote que a escritura deve ser pública, mas o testam ento
não precisa n ecessariam en te ser da espécie pública, p o d endo
m esm o ser criada um a fundação com te stam en to particular. A
alteração do e sta tu to deverá observar os estreito s lim ites do art.
67 do Código Civil. O fim da fundação vale com o cláusula pétrea e
não pode ser alterado.
Vale lem brar que, no caso de os bens serem insuficientes para
constituir a fundação, eles serão incorporados em o u tra funda­
ção com fim sem elhante (art. 63).

4.1.1 Fiscalização das fundações

Devido ao fim social a que se propõem , as fundações são sem ­


pre fiscalizadas pelo M inistério Público (M P/RS - 41Q), que p ar­
ticipará nos processos em que as fundações estejam envolvidas,
deliberará sobre qualquer alteração do estatu to, podendo inclu­
sive propor sua extinção.
O art. 66 do Código traz a divisão territorial de com petên­
cias dos respectivos M inistérios Públicos. Prevê no § 1Qque ca­
berá ao M inistério Público Federal zelar pelas fundações que “fu n ­
cionarem no Distrito Federal ou em território”.
A tento à falha do dispositivo, que se olvidou da com petência
atribuída ao M inistério Público do D istrito Federal, o Conselho da
Justiça F ederal in te rp re to u re fe rid o p arág rafo n o E n u n ­
ciado de nQ 10: “Em face do princípio da especialidade, o art. 66, § I a,
deve ser interpretado em sintonia com os arts. 70 e 178 da LC na 75/93. ”
O Projeto n Q 6.9 6 0 /2 0 0 2 p rete n d e corrigir tal dispositivo,
excluindo a expressão: “no Distrito Federal ou”. A razoável ju stifi­
cativa do autor do projeto é a seguinte:
68 D i r e i t o C iv il

“H á necessidade, tam bém , de se alterar a redação dos pará­


grafos 1° e 2 Qdo art. 66, para que as fundações que funcionem
no D istrito Federal sejam fiscalizadas pelo M inistério Público do
D istrito Federal e não pelo M inistério Público Federal.”

O art. 66, § 2°, prevê a hipótese de a fundação se estender por


mais de um Estado, hipótese em que a fiscalização caberá respec­
tivam ente a cada órgão estadual.

4 . 1 .2 Extinção das fundações

Mais um a vez o caráter social das fundações im põe a neces­


sidade de extinção da fundação pela via judicial. Q ualquer in te­
ressado poderá promovê-la, desde que a sua finalidade se torne
ilícita, impossível, inútil ou que vença o prazo de sua existência
(M P/PR - 2002).
N estes casos, o p atrim ô n io da fundação será d estin ad o a
o u tra fundação com finalidade sem elhante escolhida pelo juiz,
desde que o ato con stitutivo não ten h a previsto de m odo diver­
so (art. 69).

4.2 Corporações

As corporações distinguem -se das fundações, pois o que pre­


dom ina em sua constituição são as pessoas, enquanto na funda­
ção são os bens que ganham personalidade para atingir os fins
propostos. As corporações, como dissem os, subdividem -se em
associações e sociedades. O ponto central da distinção é a. finali­
dade lucrativa presen te n estas e inexistente naquelas. Vejamos
prim eiram ente as associações.

4.3 A ssociações

As associações decorrem de um direito maior, garantido cons­


titucionalm ente. E o direito de associação, previsto no art. 5o,
incisos XVII-XX. O art. 53 do Código prevê tal espécie de pessoa
jurídica, delim itando seu traço característico: “Constituem-se as
D as P esso a s 69

associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econô­
micos. ”
A associação pode te r com o objetivo a defesa, o in teresse e a
prestação de serviços aos seus associados. Im agine, v. g., um a
associação desportiva ou recreativa. O im p o rtan te é que ela não
tenha com o objetivo final o lucro. Este pode até advir, m as com o
meio de se atingir o fim p ro p o sto pela associação. Fábio U lhoa
Coelho (2003, p. 255) com enta:

“Sem lucro, n en h u m a atividade é prom issora no sistem a ca­


pitalista. As sociedades, p o r buscarem fins econôm icos, têm o
lucro com o fim, ao passo que as associações e fundações, por
buscarem fins não-econôm icos, podem te r o lucro com o m eio."

A Lei n° 10.825/2004 acrescentou os incisos IV e V ao art.


44 do Código Civil, outorgando-lhe ainda três parágrafos até en ­
tão inexistentes:

“A rt. 4 4 ...........................................
IV - as organizações religiosas;
V - os partidos políticos.
§ 1° São livres a criação, a organização, a estruturação in ter­
na e o funcionam ento das organizações religiosas, sendo vedado
ao poder público negar-lhes reconhecim ento ou registro dos atos
constitutivos e necessários ao seu funcionam ento.
§ 2° As disposições concernentes às associações aplicam -se
subsidiariam ente às sociedades que são objeto do Livro II da Parte
Especial deste Código.
§ 3Q Os partidos políticos serão organizados e funcionarão
conforme o disposto em lei específica.”

A m esm a lei ainda excluiu as organizações religiosas e os


partidos políticos do alcance do art. 2.031 do Código Civil, que
impõe a adaptação dos estatu to s sociais das pessoas jurídicas de
direito privado no prazo de um ano após a en trad a em vigor do
Código. Nova lei, agora a de n° 11.127, de 2005, estendeu o pra­
zo de adaptação para todas as associações até janeiro de 2007.
70 llllrlto c iv il

Os partidos políticos continuam com a natureza jurídica de


pessoa jurídica de direito privado, sendo regulam entados pelo
Código Civil e pelas Leis nos 9.096/95 e 9.259/96. Sobre o assu n ­
to, o C onselho da Justiça Federal, em sua III Jornada, proferiu o
Enunciado n° 142: "Os partidos políticos, sindicatos e associações reli­
giosas possuem natureza associativa, aplicando-se-lhes o Código Civil. ”
Na m esm a ocasião, foi proferido o Enunciado nQ 143 que versou
sobre as associações religiosas:

“A liberdade de funcionam ento das organizações religiosas


não afasta o controle de legalidade e legitim idade constitucional
de seu registro, nem a possibilidade de reexame, pelo Judiciário,
da com patibilidade de seus atos com a lei e com seus estatu to s.”

Relevante problem a envolve a exclusão de associados dos


quadros de um a associação. A redação original do art. 57 do Có­
digo Civil perm itia que isso ocorresse desde que verificada um a
“ju sta causa”, o que é um requisito subjetivo e que dava m argem
a abusos.
Referido artigo continha tam bém um a im perfeição técnica,
pois dispunha que, na hipótese de om issão do estatu to , “m oti­
vos graves” poderiam levar à exclusão do associado, desde que a
“maioria absoluta dos presentes em assem bléia” assim deliberas­
se. A rigor, quando a lei exige “m aioria dos p resen tes”, trata-se
de m aioria relativa e não absoluta. Esta só ocorre quando se im ­
põe a m aioria de todos os m em bros de um órgão colegiado.
Todavia, a Lei nQ 11.127, de 28 de ju n h o de 2005, alterou a
im perfeita redação do art. 57, revogando seu parágrafo único e
dispondo d e sta form a n o caput: “A exclusão do associado só é
admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que
assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto.”
Para a destituição dos adm inistradores, o órgão com petente
é a assem bléia geral, que tam bém tem com petência para altera­
ção dos estatu to s da associação, sem pre obedecendo ao quórum
previsto nos estatutos (art. 59, com a nova redação outorgada pela
Lei nQ 11.127).
D as P esso a s 71

4.3.1 Associações e interesses transindividuais

As associações g anharam d estaq u e na últim a década pelo


vigor que receberam da C onstituição Federal e de leis esparsas.
De fato, o art. 5Q, XXI, prevê que: “as entidades associativas, quando
expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados
judicial ou extrajudicialmente”.
O Código de D efesa do C onsum idor foi avançado ao delegar
tal legitim idade às associações. São as cham adas ações “transin­
dividuais’’, em que um a só pessoa jurídica defende direitos de to ­
dos os seus associados. A origem d esta espécie de ação rem onta
ao direito norte-am ericano da década de 1930, com as cham adas
class actions. A da Pellegrini G rinover (2001, p. 763) inform a que

“tais ações de classe norte-americanas, estão ganhando novo e re­


dobrado impulso, (...) assim ocorreu com as vítimas do asbesto, que
já eram em 1990 m ais de 8 7 .0 0 0 e cujas p re te n sõ e s foram
freqüentem ente agrupadas perante tribunais federais e estaduais”.

O art. 82, IV, do Código de D efesa do C o n su m id o r previu


expressam ente como legitim ado concorrente n estas ações cole­
tivas, "as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que
incluam entre seus fin s institucionais a defesa dos interesses e direitos
protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear”.
Não se pode esquecer ainda do § l e do referido artigo, que
traz regra de im po rtan te aplicação prática, d isp en san d o o prazo
ânuo, “quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimen­
são ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser
protegido”.

4.4 Sociedades

Espécie do gênero “corporação", têm com o traço distintivo


da associação a finalidade lucrativa. As sociedades, n a m aioria dos
casos, p restam serviços profissionais, diferenciando-se das so ­
ciedades em presárias, objeto de estu d o do D ireito Com ercial.
Q uanto ao conceito de sociedades em presárias, é o art. 982
do Código Civil que - por exclusão - as define: “salvo as exceções
72 D i i r i t o t ivil

expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exer­


cício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e,
simples, as demais”. O parágrafo único especifica: “Independentemente
de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a
cooperativa. ”
Sobre a distinção entre sociedade e associação, o coordena­
dor do anteprojeto que deu origem ao Código Civil, Miguel Reale,
esclareceu em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, de
15 de fevereiro de 2003:

“Há um a distinção básica entre associação e sociedade, aquela


relativa a atividades científicas, artísticas e culturais, esta perti­
nente à atividade econômica. Por sua vez, a sociedade se desdo­
bra em sociedade econôm ica em geral e sociedade em presária.
Têm am bas por fim a produção ou a circulação de bens ou servi­
ços, sendo constituídas por pessoas que reciprocam ente se obri­
gam a contribuir para o exercício de atividade econôm ica e a par­
tilha entre si dos resultados. Exem plo típico de sociedade econô­
mica não-em presária é a constituída en tre profissionais do m es­
m o ramo, como, por exem plo, a dos advogados, m édicos ou en­
genheiros, configurando-se com o sociedade sim ples (art. 961 e
981).”

5 Desconsideração da personalidade jurídica

5.1 Responsabilidades independentes como regra.


Proteção aos sócios e à econom ia nacional

Da leitura atenta dos prim eiros parágrafos do capítulo que


versa sobre a pessoa jurídica, conclui-se que a pessoa jurídica é um
ser com existência e personalidade própria, distinta dos membros
que a constituíram . A livre iniciativa é alicerce da ordem econômi­
ca, por expressa disposição constitucional (art. 170, caput), deven­
do ser incentivada e protegida por seu notável interesse coletivo.
Não por acaso, o art. 20 do Código Civil de 1916 distinguia perfei­
tam ente a existência desta pessoa da dos seus m embros. Tal arti­
go não foi repetido no Código em vigor por tratar-se de disposição
científico-doutrinária, origem de todo o conceito criado sobre a
D as P esso as 73

pessoa jurídica. É desta prem issa que haurem todos os desdobra­


m entos e conseqüências da distinção e da proteção da pessoa ju rí­
dica. O já m encionado art. 47 do atual diplom a civilista substitui
com vantagens o saudoso art. 20, obrigando a pessoa jurídica pelos
atos praticados por seus adm inistradores (OAB/SP - 125°).
De m aneira razoável, a lei p ro teg e os m em bros da pessoa
jurídica, colocando um véu sobre eles e d eterm inando que não
responderão com seu p atrim ônio pessoal pelas obrigações o riu n ­
das daquela.

5.2 A exceção, diante do abuso

V alendo-se da p ro teção que a lei confere às p esso as ju ríd i­


cas, alguns sócios (pessoas físicas, p o rtan to ) p assaram a valer-
se da proteção legal conferida, p ara frau d ar terceiro s de boa-fé.
Q uando o P oder Judiciário te n tav a resg atar os d ireito s dos le­
sados, os sócios de m á-fé acobertavam -se sob o m a n to da p e s­
soa jurídica, esquivando assim seu p atrim ô n io p essoal da “per-
secuçao ju d icial” .
Stolze e Pam plona (2002, p. 233) relem bram a origem do
instituto, rem o n tan d o ao clássico episódio da em presa Salomoti
& Co., em que o sócio m ajoritário (Aaron Salomon) - antevendo
a falência da em presa - em itiu títulos privilegiados adquiridos por
ele m esm o e, quando a quebra se consum ou, trato u de recebê-
los da pessoa jurídica, tornando-a insolvente e im possibilitando
os dem ais credores de receber o que lhes era de direito.
T hereza N ahas (2004, p. 146) conclui: “observou-se que a
personalização de sociedades com erciais dava azo a m anobras
maliciosas de pessoas que agiam por detrás da pessoa jurídica,
causando prejuízos e danos a terceiros ou à própria sociedade,
aproveitando-se da au to n o m ia patrim onial que a personalidade
lhe concede".
D iante dessa atitu d e torpe, surgiu a idéia de desconsiderar
aquela proteção jurídica para ingressar n o p atrim ônio do próprio
sócio e dar a cada u m o que lhe era devido. A tese - então cha­
mada de disregard o f legal entity - foi inovadora para o século XIX,
vitoriosa nos juízos de prim eira instância, m as vencida na Câm ara
74 D i r e i t o C iv il

dos Lordes. Este caso é exem plo típico da saudável ju risp ru d ên ­


cia que se cria de " baixo para cima".
A tentando para tal fato, as ciências jurídicas foram evoluin­
do para consolidar um in stitu to que, diante da torpeza e da má-
fé dos sócios, excepcionalmente desconsiderasse a proteção con­
ferida e buscasse no patrim ônio pessoal deles o devido ressarci­
m ento aos lesados. Excepcionava-se assim a regra da separação
ab so lu ta e n tre a pessoa ju ríd ica e os seus m em b ro s (TRF5 -
1999).

5.3 A desconsideração da personalidade jurídica no


Código de D efesa do Consumidor

O art. 28 do Código de Defesa do C onsum idor previu a apli­


cação deste in stitu to dentro do âm bito de proteção deste micros-
sistem a. O caput do artigo enum era as hipóteses em que o in sti­
tu to pode ser aplicado, sem pre em situações excepcionais, tais
como: abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fa to ou ato ilí­
cito ou violação dos estatutos ou contrato social, falência, estado de in-
solvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por
má administração. São esses os estritos “fatos típicos” que ensejam
a punição dos sócios com a desconsideração da personalidade
jurídica (OAB/SP - 102°).
O § 1Qdo referido artigo não trazia grandes novidades para o
m undo jurídico, indicando apenas qual patrim ônio seria afetado
pela desconsideração. O dispositivo indicava: "acionista contro­
lador, sócio majoritário, sócios-gerentes, administradores societários e, no
caso de grupo societário, as sociedades que a integram”.
O problem a do art. 28 está sem dúvida no § 5Qque vira do
avesso toda construção secular da personalidade jurídica distin­
ta dos m em bros que a com põem. Referido parágrafo torna regra
o que é exceção. Faz o caput do artigo tornar-se letra morta, pois
perm ite a aplicação da desconsideração “sempre que sua personali­
dade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos cau­
sados aos consumidores". Em term os simples, todos aqueles “fatos
típicos" do caput caem por terra, pois o indigitado parágrafo traz
D as P esso a s 75

previsão genérica, en q u an to o caput traz previsões específicas. É


a técnica jurídica sucum bida.
A solução encontrada à época foi sim plesm ente vetar o dis­
positivo. As razões do veto deixam claro que esta era a intenção:

“O caput do art. 28 já contém todos os elem entos n ecessá­


rios à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, que
constitui, conform e d o u trin a am plam ente dom inante no direito
pátrio e alienígena, técnica excepcional de repressão a práticas
abusivas.”

Porém, não foi o que aconteceu e o veto sim plesm ente recaiu
sobre o parágrafo prim eiro, que - com o já dissem os - nada de
novo trazia. Com este equívoco m anteve-se em vigor o terrível
§ 5°. Entendo que não se pode considerar eficaz referido parágrafo,
prestigiando u m engano em d etrim en to de toda um a construção
d o utrinária ab so lu tam en te solidificada e que visa - em últim a
análise - proteger a coletividade. A ssim com o na vida, toda defe­
sa exacerbada acaba por prejudicar o protegido. Levar a proteção
do consum idor às últim as conseqüências, com o é o caso do § 5o,
significa d esestim ular o im pulso para a criação de novas pessoas
jurídicas e de novos fornecedores, o que d esestim u la a concor­
rência e coloca o consum idor nas m ãos dos poucos “sobreviven­
te s ” de u m m ercad o já fam o so p ela rara lo n g ev id ad e
diante de fatores com o a tributação explosiva, a concorrência com
produtos piratas, o pagam ento de "um funcionário a m ais para
os cofres públicos a cada funcionário efetivam ente co n tratad o ” e
da condescendência estatal com o m ercado ilegal (MAGISTRA­
TURA FEDERAL/3â REGIÃO - 2001).
Zelm o D enari (GRINOVER, 2001, p. 212) conclui:

“De fato, não há referibilidade algum a entre as razões de veto


e a disposição contida no parágrafo vetado, que se lim ita a indi­
car quais a d m in istra d o re s d ev erão se r p e sso alm en te re sp o n ­
sabilizados na hipótese de acolhim ento da desconsideração [...]
adm itindo que houve um ‘equívoco rem issivo de redação', pois
as razões de veto foram direcionadas ao § 5o do art. 28, não se
pode deixar de reconhecer o co m p ro m etim en to da eficácia deste
parágrafo, no plano das relações de consum o.”
76 D i r e i t o C iv il

5.4 A desconsideração da personalidade jurídica no


Código Civil

O Código Civil positivou a referida teoria em seu art. 50,


m a n ten d o a e s tru tu ra da co n stru ção d o u trin á ria e p revendo
taxativam ente o abuso da personalidade com o fato típico para tal
desconsideração. E ntretanto, tal abuso deve estar caracterizado
“pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial".
O artigo é ainda m ais severo na aplicação da teoria ao lim i­
tar a incidência da desconsideração a “certas e determ inadas re­
lações de obrigações”. O C onselho da Justiça Federal posicionou-
se de m odo bastante técnico e rigoroso sobre o assunto, dispon­
do no Enunciado de nQ7: “Só se aplica a desconsideração da persona­
lidade jurídica quando houver a prática de ato irregular, e limitadamente,
aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido. ” O Enunciado
de nQ51 com plem entou: “A teoria da desconsideração da personali­
dade jurídica - disregard doctrine - fic a positivada no novo Código Ci­
vil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na
construção jurídica sobre o tema.” A III Jornada foi além e sustentou
no E nunciado n Q 146: “Nas relações civis, interpretam-se restri­
tivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica
previstos no art. 50 (desvio de finalidade social ou confusão patrimonial).
(Este Enunciado não prejudica o Enunciado n° 7 .)”

Capítulo V
Do domicílio

Encerrando o prim eiro livro da Parte Geral, o legislador re­


g ulam enta o dom icílio da pessoa, o local onde ela poderá ser
convocada, encontrada e - se necessário - dem andada. Aliás, esta
é a m ais im portante razão para se determ inar o domicílio de uma
pessoa. É de im portância social que a pessoa seja identificada,
individualizada e encontrada para ali receber seus direitos e cum ­
prir com suas obrigações. “Se não houvesse essa fixação, se não exis­
tisse um ponto de referência onde a pessoa pudesse responder pelos seus
deveres jurídicos, precário e instável se tomaria o direito” (MONTEIRO,
2001, p. 134).
D as P esso as 77

O Código Civil (art. 70) considera com o dom icílio da pessoa


"o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo’’. Per­
ceba com o o legislador exige a “residência qualificada”. Além de
residir, o indivíduo deve ali estar com ânim o de perm anecer. Daí,
aliás, a distinção en tre residência e dom icílio (OAB/RJ - março
1999). N aquela há um aspecto fático, m aterial, n esta um a cono­
tação jurídica. Dom icílio é o cen tro de relações jurídicas da pes­
soa, o lugar onde ela celebra seus negócios, relaciona-se com a
sociedade de m odo geral. Q uando trata da m udança do dom icí­
lio, o legislador m an tém o raciocínio: não b asta a alteração da
residência, é necessário que haja intenção m anifesta de m u d ar o
domicílio.
Nos artigos em que versa sobre o domicílio, o legislador tem
uma preocupação constante. P retende ele ao m enos presum ir um
domicílio para cada pessoa, ainda que tal pessoa ten h a várias re­
sidências ou nenhum a.

1 Diversas residências

N ão raro o cidadão p o ssu i m ais de u m a residência até em


cidades diversas, altern an d o sua perm anência em períodos mais
ou m enos espaçados. O Código já se acautela prevendo (art. 71)
que nesta hipótese “considerar-se-á domicílio seu qualquer delas” (DE­
LEGADO DE POLÍCIA/SP - 2001); (OAB/SP - 125°); (TRE/PE).
E sta o rie n ta ç ã o já e ra a d o ta d a p elo C ódigo a n te rio r e
Beviláqua (1980, p. 158) ponderava:

“E, porém , conform e à v erdadeira noção de dom icílio e às


necessidades da vida social reconhecer-se que a pessoa ten h a mais
de um domicílio, desde que o centro de seus negócios é vário. Esta
é a doutrina rom ana, do d ireito pátrio, de grande n ú m ero de au ­
toridades e de várias legislações.”

2 Pessoas sem residência habitual

Mas a lei não poderia se esquecer dos andarilhos, ciganos,


errantes, artistas de circo, ou a in d a - p a r a Clóvis Beviláqua (1980,
p. 158) - “dos que empregam a vida em viagens, deslocando-se continua­
78 D i r e i t o C iv il

mente, sem se fixa r em parte alguma e sem ter um estabelecimento, ao


qual se prendam as relações jurídicas que firmarem”. Enfim, o Código
trata daquela pessoa que “não tenha residência habitual”, e consi­
dera que seu domicílio é “o lugar onde fo r encontrada".
Interessante aresto do prim eiro Tribunal de Alçada Civil apli­
cou a lei ao caso concreto:

“Citação de em presa circense. N ão se confundem as perso­


nalidades jurídicas da em presa com as dos seus sócios indivi­
dualm ente. C orreto o ajuizam ento da ação e a citação do circo no
lugar onde foi encontrado, independentem ente de seu sócio res­
ponsável ser domiciliado em outro lugar” (1QTACIV-SP, 7a Câm.,
AG 652.776-4, Rel. Juiz Carlos Renato, j. 6-2-1996).

3 Domicílio necessário

Por razões variadas, a lei presum e o dom icílio de determ ina­


das pessoas. O ra porque deseja protegê-las (como faz ao prever
com o dom icílio do incapaz o de seus rep resen tan tes), ora por
razões lógicas (domicílio do preso onde cum pre sua pena e do
funcionário público onde exerça suas funções). Este domicílio
recebe o nom e de necessário ou legal, pois a tais pessoas não se
atrib u i a livre escolha para serem dem andadas e encontradas.
Tam bém se encaixam nesta previsão os m ilitares (cujo dom icí­
lio é o local onde servir e sendo da m arinha e aeronáutica na sede
do com ando a que estiver subordinado) e os m arítim os (onde o
navio estiver m atriculado) (MP/MG - 40°).
Q uanto às pessoas jurídicas de direito privado, a lei tam bém
im põe o seu domicílio no art. 75, prevendo que este será onde
funcionarem as respectivas diretorias e adm inistrações. Se vá­
rios forem seus estabelecim entos, cada um deles é considerado
com o domicílio.

4 Dom icílio convencional

Já dissem os que o dom icílio é im portante para a fixação do


lugar onde a pessoa deverá ser dem andada. Assim, surgida a lide,
a regra é que o foro com petente é o do dom icílio do réu (art. 94
D as P esso a s 79

do ÇPÇ). Prevendo eventuais litígios que possam surgir de d is­


posições contratuais, é lícito às p artes prever um dom icílio onde
os m esm os serão solucionados. Tal cláusula recebe o nom e de foro
de eleição e está prevista no art. 78.
Vale lem brar que tal cláusula não pode su p lan tar o dom icí­
lio necessário escolhido pelo legislador. D essa forma, co ntrato
celebrado com relativam ente incapaz (devidam ente assistido) não
pode livrem ente se olvidar do art. 76, e escolher o u tro dom icílio
que não seja o de seu rep resen tan te legal.

4.1 C lá u su la d e eleição d e fo ro n a s re la ç õ e s d e c o n su m o

N o cam po do Código de D efesa do C onsum idor, tal cláusula


deve ser vista com reservas. N ão é raro que um a em presa forne­
cedora, com estabelecim entos em São Paulo e Espírito Santo, v.
g., insira com o dom icílio convencional em seus contratos de ade­
são um a localidade diversa daquela em que o co ntrato se celebra,
afrontando o art. 6°, VIII (que prevê a facilitação da defesa do consu­
midor) , e obrigando o ad eren te capixaba a dirigir-se até São P au­
lo para acionar (ou ser acionado) judicialm ente e vice-versa. Os
tribunais já pacificaram o en ten d im en to pelo qual tal disposição
é nula, atendendo ao pedido dos consum idores para prom overem
as ações em seu próprio domicílio.
O problem a se agrava quando a parte não alega a incom petên­
cia do domicílio escolhido. O juiz - em tese - tam bém não poderia
fazê-lo, por tratar-se de lucom petência relativa. A Súm ula 33 do
STJ é perem ptória: “A incompetência relativa não pode ser declarada de
oficio." Entretanto, há no caso um interesse ainda maior, constitu­
cionalm ente protegido, que são o acesso ao Judiciário e o direito à
ampla defesa de possibilitar tal reconhecim ento ex officio, o que fez
com que o próprio STJ passasse a perm itir a nulidade da cláusula
de eleição em contratos de adesão.
Por conta desse raciocínio, a Lei n° 11.280, de 16 de fevereiro
de 2006, trouxe um a saudável alteração n a sistem ática processual,
ao inserir um parágrafo único no art. 112 do Código de Processo
Civil, que possibilita ao juiz declarar de ofício a nulidade de cláu­
sula de eleição de foro, em co n trato de adesão, declinando sua
competência para o juízo de domicílio do réu.
Livro II
Dos Bens

Capítulo I
Bens. Segundo elem ento da estrutura do direito subjetivo

No início do presente estudo, fizemos referência expressa


àquilo que denom inam os “separação de poderes do direito pri­
vado". M encionam os que os três elem entos estru tu rais do direi­
to subjetivo são: pessoa, objeto e relação.
D issem os tam bém que - não por acaso - a Parte Geral do
Código Civil é dividida em três livros, que tratam respectivamente
daqueles três elem entos. A nalisado o livro que versou sobre os
titulares do direito subjetivo, chegam os ao estudo do objeto da
relação jurídica. E sobre esse elem ento que o Código lança luz em
24 artigos alocados no segundo livro da Parte Geral.
O objetivo da Parte Geral é preparar os cam inhos para um
bom desenvolvim ento da Parte Especial. Isso se torna m uito cla­
ro no Livro II, que ora estudam os. O Código neste m om ento res­
tringe-se a um a classificação dos bens, agrupando-os segundo
critérios que o legislador entendeu como adequados. A im portân­
cia desse capítulo é basilar, visto que na Parte Especial inúm eros
dispositivos partem do pressuposto de que o operador do direi­
to tem a plena ciência das classificações efetivadas na Parte Ge­
ral.
D os B ens 81

Perceberem os tam bém que - p o r razões o p o rtu n am en te ex­


postas - o legislador fugiu da realidade, enum erando, v. g., com o
imóveis b en s ab so lu tam en te m óveis. A análise fria e leiga da
m obilidade de um bem nem sem pre conduzirá o in térp rete à so­
lução alm ejada pela lei.

I Conceito

O ser hu m an o possui necessidades de acordo com a realida-


i le vivida por cada ser. São elas satisfeitas com utensílios que po­
dem decorrer da racionalidade e criação hum ana, ou da própria
natureza. Podem ainda ser perceptíveis ou não aos órgãos do sen-
tido.
Mas o que im porta para o m u n d o jurídico é que tal utensílio
tenha um a raridade e um a utilidade que a to rn e objeto de apre­
ciação econôm ica. Ao preencher tais requisitos, a lei lhes atribui
.1 qualidade de “bens" e passa a classificá-los.

A queles bens perceptíveis aos órgãos do sen tid o são com u­


m ente denom inados “bens m ateriais”. Um carro, um a casa, um
livro são exem plos. Já os que não podem te r essa percepção são
cham ados de “im ateriais”. Exem plo clássico é a energia. N ossos
órgãos do sentido não são aptos a percebê-la, m as algum as são
raras e úteis ao ser hum an o e p o r isso o legislador a define com o
bem no art. 8 2 ,1.
Se a utilidade é flagrante, m as não há raridade, não estam os
diante de um bem juridicam ente considerado. Assim , o ar atm os­
férico, a água do m ar, em bora úteis, não são considerados d en ­
tro do conceito jurídico de bem .

2 D istinção entre bens e coisas

A doutrina não é uníssona ao distinguir bens de coisas. Há duas


principais co rre n te s p ara escla recer tal d istin ção . H á d o u tri-
nadores que su sten tam ser os bens espécie do gênero coisa (VE­
NOSA, 2003, p. 314; LOPES, 1943, p. 354; DINIZ, 2002, p. 275;
RODRIGUES, 2002, p. 116; COELHO, 2003, p. 264). Por sua vez,
82 D i r e i t o C iv il

há aqueles que entendem que bem é o gênero, e que um a de suas


espécies seria o que se denom ina coisas (GAGLIANO, 2002, p.
261; SOUZA NETO, 2000, p. 57).
Prefiro a prim eira corrente e - assim com o Fabio U lhoa Coe­
lho (2003, p. 265) - entendo que tudo o que existe além dos ti­
tulares de direito é coisa. D entro dessas há um grupo que “tem
valor econômico, isto ê, quantificável em dinheiro” e p o r isso leva a
denom inação de bens.

3 Critérios de classificação dos bens

C lassificar, seg u n d o E dm ond G oblot (citado por


RODRIGUES, 2002, p. 118), é “um a operação de espírito, um
procedim ento de ordem lógica, que tem p o r escopo facilitar a
inteligência de um fenômeno. A clareza de um conceito exige não
só que ele seja definido, m as tam bém que seja classificado”.
O legislador civilista trato u de analisar o bem e classificá-lo
sob diversos prism as. Analisou então o bem tom ado individual­
m ente, por si próprio, sem se preocupar com seu dono e sem
com pará-lo com outros bens. Foi o que o levou a classificar pri­
m eiram ente os bens em si mesmos.
P assando a um a segunda análise, o legislador agora e n te n ­
deu por bem avaliar os bens, m as sob o u tra perspectiva. Colo-
cou-os lado a lado, com parando u n s em relação aos o u tro s, re ­
ciprocam ente. E o critério d enom inado “bens reciprocamente con­
siderados”.
Por fim, e num exercício de classificação m ais sim ples, ape­
nas separou os bens por sua titularidade, criando dois im ensos
grupos de titulares, os públicos e os particulares. Cada um destes
será agora analisado individualm ente.
D os B ens 83

Capítulo II
D os bens considerados em si m esm os

Essa foi um a operação m u ito sim ples que a lei efetuou. Indi­
vidualizou um bem e - exclusivam ente sobre ele - elaborou sua
prim eira classificação. N ão se im p o rto u com o dono, com o u tro s
bens porventura a ele relacionados, enfim , tom ou o bem por si
mesm o, individualm ente e de acordo com as principais caracte­
rísticas, agrupando-o em cada um a das categorias.

1 Imóveis

A ssim procedendo, o legislador percebeu que os bens pode­


riam ser móveis ou imóveis. Fez tal com paração nos arts. 79 a 84,
alternando realidade e ficção, conform e sua conveniência. C ha­
ma de imóveis, por exem plo, os m ateriais separados de um p ré­
dio, para nele se reem pregarem (art. 81, II). Vejam os então com o
classificou os bens imóveis.

1.1 Imóveis por sua natureza

O art. 79 do Código in au g u ra o Livro II da Parte Geral, e n u ­


m erando três espécies de bens imóveis, nu m a só frase. Perceba:
"São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou arti­
ficialmente. ”
84 D i r e i t o C iv il

De fato, o solo é o bem imóvel n atu ral por excelência. Se


cam inhássem os para o sentido mais estrito do term o imóvel, che­
garíam os ao solo. Fática e juridicam ente não há dúvidas quanto
à sua inamovibilidade.

1.2 Imóveis por acessão natural

O substantivo fem inino acessão significa: “aumento, acréscimo,


união...”. E neste sentido que a segunda parte do art. 79 salienta
tam bém ser considerado como imóvel “tudo quanto se lhe incorpo­
rar naturalmente...”. É o caso do curso da água do subsolo; de fós­
seis e jazidas, árvores que ali nasceram naturalm ente, de rochas
naturais, enfim , tu d o q uanto se incorporou de m odo n atu ral ao
imóvel.

1.3 Imóveis por acessão artificial

Por sua vez, tudo o que se u nir ao imóvel de form a artificial,


por obra do hom em , será considerado igualm ente imóvel. Esta
acessão pode se m anifestar de form a física ou por destinação,
tam bém cham ada de acessão intelectual.

1.3.1 Acessão artificial física

U tilizando a definição do Código Civil de 1916, imóvel por


acessão física é “tudo o quanto o homem incorporar permanentemente
ao solo, como a semente lançada à terra, os edifícios e construções, de modo
que se não possa retirar sem destruição, modificação, fratura, ou dano”.
Os exem plos são dados no próprio corpo da lei e são, obviam en­
te, numerus apertus. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pam plona
(2002, p. 267), concluem:

“Acessão significa incorporação, união física com aum ento de


volum e da coisa principal. N esse caso, os bens móveis incorpo­
rados intencionalm ente ao solo adquirem a sua natureza im obi­
liária. Por exemplo: o forro de gesso utilizado na construção da
casa.”
D os B ens 85

É o art. 81 que com plem enta o alcance da lei, ao salientar que


“não perdem o caráter de imóveis: II - os materiais provisoriamente se­
parados de um prédio, para nele se reempregarem”. E o caso de um bem
que originalm ente é móvel (ex.: grande p o rta de m adeira de lei);
ao ser em pregado na construção, perde essa característica e ga­
nha a qualidade de im óvel pela lei, ainda que tem pos depois seja
provisoriam ente separada do prédio. E ntretanto, se sobrevir um a
dem olição do prédio, o bem readquire sua condição de bem m ó ­
vel (art. 84).

1.3.2 Acessão artificial intelectual no Código Civil de 1916

N o sistem a do Código de 1916, dizia-se que os bens eram


imóveis por acessão intelectual quando a adição operada não ocor­
ria de m odo a incorporar fisicam ente o bem ao imóvel. O corria a
destinação, a subm issão de um bem a um imóvel. O d estino a ele
dado visava increm entar, m elhorar, to rn ar m ais côm odo, útil ou
prazeroso o uso de determ in ad o imóvel. E o caso do tra to r que
se destina a atender às necessidades de cultivo, do cavalo exclu­
sivam ente destinado ao arado da plantação e das m áquinas que
com põem um a indústria. A im portância d esta classificação vinha
à tona na hipótese de "venda de porteira fechada”, pois, com o a lei
tratava de todos esses bens com o imóveis, caso a venda ocorres­
se n estes term os, o im posto de tran sm issão teria com o base de
cálculo não só o imóvel por natureza, m as todos os bens que a
ele se destinam e que foram co n ju n tam en te alienados.
N o sistem a do C ódigo Civil de 2002, n ão houve previsão
desta categoria especial de bens, com o bem ratificou o C onselho
da Justiça Federal, em seu E nunciado nQ 11, ao afirm ar:

“Não persiste no novo sistem a legislativo a categoria dos bens


imóveis por acessão intelectual, não ob stan te a expressão ‘tudo
quanto se lhe incorporar natural ou artificialm ente’, constante da
parte final do art. 79 do C C.”

E ntretanto, essa espécie de destinação intelectual aproxim a


o até então cham ado “imóvel por acessão in telectu al” de o u tro
in stitu to infra-analisado, denom inado “pertença”. N este sentido,
Carlos R oberto Gonçalves (2003, p. 262) afirma:
86 D i r e i t o C iv il

“O conceito de pertença está m uito próxim o do conceito de


bens imóveis por destinação do proprietário ou por acessão in te­
lectual a que aludia o art. 43, III do Código Civil de 1916.”

1.4 Im óveis p o r d e te rm in a ç ã o d a lei

P retendendo dar m aior segurança a certos direitos, o Códi­


go usou de artifício engenhoso. D enom inou esses direitos de “bens
imóveis”, garantindo-lhes toda a proteção que a lei confere a esta
classe. D entre outras implicações, a concessão do títu lo bem imó­
vel a esses direitos acarreta: (a) necessidade de escritura pública
para sua constituição, transferência, modificação ou renúncia (art.
108); (b) necessidade de autorização do cônjuge para alienar ou
gravar de ônus real os bens imóveis e pleitear, como autor ou réu,
acerca desses bens ou direitos (art. 1.647); (c) diferenciação de
tributos para sua transferência.

1.4.1 Direitos reais sobre bens imóveis e as ações que os


asseguram

Q uando a relação jurídica se estabelece d iretam en te entre


um a pessoa e um a coisa (res), o direito que daí nasce é cham ado
de D ireito Real. Tem a intrincado, com um m ilhar de desdobra­
m entos e proteções que um a sociedade capitalista reclam a. O
direito real por excelência é a propriedade, m as existem outros
tam bém im portantes para a vida prática do cidadão. Há direitos
reais sobre coisas próprias e tam bém os que se desdobram sobre
coisas alheias, ora servindo para gozo ou fruição (como, por exem ­
plo, a usucapião, a superfície, a enfíteuse co n stitu íd a antes de
2003, o uso, a habitação), ora servindo de garantia (hipoteca,
anticrese).
O direito real é aquele que a pessoa tem sobre a coisa, seja
esta de sua propriedade ou não. Tais direitos ganham um a pro­
teção jurídica am pla. A lei protege, tu tela tais direitos de m odo
exaustivo, considerando-os com o de prim eira classe p erto dos
dem ais previstos na lei. Tal direito ganha o status de bem im ó­
vel, bem com o todas as suas garantias e proteções. Assim, por
D os B ens 87

exem plo, se o m arido tem usucapião sobre terren o de terceiro,


não poderá transferir tal d ireito real sem autorização de sua es­
posa, salvo no regim e de separação convencional e na participa­
ção final de aquestos, quan d o o pacto perm itir.

1.4.2 O direito à sucessão aberta

Para a lei, a expressão abertura da sucessão significa, em te r­


m os claros, a m o rte d aq u ele sobre cuja su cessão se p assará a
versar. O in sta n te do falecim ento coincide com a ab e rtu ra da
sucessão e com ela todas as implicações que o livro de D ireito das
Sucessões explicará com pachorra. A p artir deste m om ento, os
herdeiros possuem um direito indivisível sobre o p atrim ônio do
de cujus.

I
N ote que patrim ônio significa conjunto de bens, direitos e
obrigações e, p o rtan to , não há certeza do quantum que cada h e r­
deiro receberá. A ntes de as cotas dos herdeiros serem devidam en­
te transm itidas, cada um deles tem o direito à sucessão aberta.
O art. 1.791 resum e:

“A herança defere-se com o um todo unitário, ainda que vá­


rios sejam os herdeiros. Parágrafo único. A té a partilha, o direito
dos co-herdeiros, q u an to à propriedade e posse da herança, será
indivisível, e regular-se-á pelas norm as relativas ao condom ínio.”
8 8 D i r e i t o C iv il

1.4.2.1 Renúncia pura e sim ples do direito à sucessão aberta

Nada impede que o titular do direito à sucessão aberta renun­


cie à sua titularidade. Há inclusive um capítulo que versa sobre
“aceitação e renúncia da herança” no livro das sucessões (arts.
1.804-1.813). Há duas espécies de renúncia a este direito. Na
renúncia translativa ou in favorem há - tecnicam ente - um a ces­
são de direitos, já que o renunciante indica quem pretende favo­
recer com sua liberalidade. N esta espécie de renúncia, não há
dúvidas e a doutrina é uníssona ao afirm ar a necessidade de ou­
torga uxória para sua concretização.
Porém, na renúncia pura e sim ples, o renunciante não indica
a pessoa que deve beneficiar-se com sua liberalidade. N este caso,
sua parte retorna ao m onte partível e deste para os herdeiros do
de cujus. A dúvida é saber se nesta hipótese - em que não há um a
cessão de direitos, e tam pouco um a alienação - há necessidade
de autorização do cônjuge para sua efetivação.
C arlos R oberto Gonçalves (2003, p. 246) en ten d e que há
necessidade desta autorização ainda que a renúncia seja pura e
sim ples. Pablo Stolze G agliano e Rodolfo Pam plona (2002, p.
269) su sten tam o contrário.
Interessante aresto do Tribunal paulista (RT nQ538/92) en ­
tendeu despicienda a autorização conjugal. A rgum enta o relator:

“C uidando, com o cuida, de restriçõ es de d ireitos, o precei­


to não pode ser lido e in terp reta d o senão com sen tid o estrito ,
sem am pliações indevidas: dizendo o legislador que em apenas
q u atro hipóteses o hom em tem restringida, com o casam ento,
su a capacidade obrigacional, é in ad m issív el a cre sce n tar um
q u in to exem plo (...). A tese de que a proibição de alienação de
im óvel envolve tam bém a incapacidade de ren u n ciar herança é
evidentem ente forçada.”

2 Móveis

Prossegue a lei na classificação dos bens, dessa vez determ i­


nando quais seriam os móveis. A ssim com o fez na seção ante­
D os B ens 89

rior, a par de prever os móveis por natureza, a lei concede a certos


direitos o títu lo (m enos nobre, é verdade) de bens m óveis.

2.1 M óveis por sua natureza

O legislador rende-se à realidade e define o bem móvel, n es­


tes term os: “São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou
de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação
econômico-social” (art. 82).
O essencial para que se caracterize um bem com o móvel não
é apenas sua m obilidade, m as tam b ém a possibilidade de esta
realizar-se sem alteração de su a substância ou da destinação eco­
nôm ico-social do bem . N ão esqueceu ainda de classificar com o
m óveis os sem ov en tes (aqueles q u e podem se locom over por
m ovim ento próprio).
Tem -se tornado com um , principalm ente nos Estados Unidos,
a construção de verdadeiras casas am bulantes, que são facilmente
rem ovidas de um lugar para o utro. Vale lem brar que, a despeito
da viabilidade de sua m obilidade, o Código co n tin u a a tratar tais
edificações com o bens im óveis (art. 8 1 ,1).

2.2 Móveis por determinação da lei

A ssim com o na seção anterior, o art. 83 equipara alguns d i­


reitos a bens m óveis, aplicando-lhes, p o rtan to , to d a regulam en­
tação prevista para estes. A ssim , se um direito real sobre bem
imóvel (usufruto, por exem plo) é considerado bem imóvel, um
direito real sobre bem móvel tam bém será considerado com o bem
móvel. D essa forma, um direito real de uso sobre um veículo é
taxado pela lei com o bem móvel e a ele se aplicam todas as d is­
posições relativas a esta espécie de bem . O m arido que detém tal
direito real poderá transferi-lo a terceiro sem autorização de sua
esposa e sem escritura pública. O u tro exem plo é o direito real de
garantia sobre bem móvel, d enom inado penhor. A lei considera
este direito real com o um bem móvel. E ntretanto, na hipótese de
penhor agrícola (art. 1.442), a garantia pode recair sobre colhei­
tas pendentes (bem imóvel por acessão) e n esta hipótese o direito
real é sobre imóvel e, p o rtan to , considerado um bem imóvel.
90 D i r e i t o C iv il

Tam bém são considerados bens móveis as energias que te ­


n h am valor econôm ico (M AGISTRATURA/DF - 2003), bem
com o os direitos pessoais de caráter patrim onial. O direito de
crédito, o direito a receber determ inada prestação de fazer são
exem plos de direito pessoal que se opõem aos direitos reais so­
bre os quais já versam os sucintam ente. O direito de au to r era
ex p ressam en te deno m in ad o bem móvel pelo Código Civil de
1916, o que não foi repetido pelo Código Civil de 2002. Tal pre­
visão era de fato despicienda, pois a Lei n Q9.609, de 19 de feve­
reiro de 1998, que versa exclusivam ente sobre os direitos au to ­
rais assim já previra em seu art. 3° (M P/SP - 82°).
A respeito de aeronaves e navios, é bom esclarecer que am ­
bos são bens móveis e não perdem esta característica pelo seu
porte ou valor. Possuem , en tretanto, regras especiais para alie­
nação, necessidade de registro e possibilidade de figurarem como
objeto de hipoteca, conform e art. 1.473, VI e VII.

2.3 Im p o rtâ n c ia d a d istin ç ã o e n tre b e n s m óveis e im óveis

D istinguir na parte geral os bens móveis dos imóveis e clas­


sificar alguns direitos com o bens trará sérias repercussões na
Parte Especial do Código e em legislações esparsas. A lgum as
conseqüências advindas desta distinção são:

• necessidade de escritura pública para transferência de


direitos sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta)
vezes o m aio r salário m ín im o vigente n o país (art.
108);
• possibilidade de doação verbal em bens móveis de pe­
queno valor (art. 541 parágrafo único);
• diferentes regras de locação (art. 565 do Código Civil e
Lei nQ8.245/91);
• necessidade de transcrição para aquisição de direitos
sobre imóveis (art. 1.227) e de m era tradição para os
móveis (art. 1.226);
• prazo diferenciado para o usucapião (arts. 1.238 et. seq.;
1.260 et. seq.);
D os B ens 91

• incidência de d istin to s direitos reais de garantia (hipo­


teca para imóveis, p en h o r para m óveis - arts. 1.451,
1.473);
• necessidade de outorga uxória para alienação ou grava­
ção de ônus reais sobre os im óveis (art. 1.647);
• diferenciação de tributos.

3 Fungíveis e infungíveis

Juridicam ente, é fungível o bem móvel substituível. E aque­


le que pode ser trocado por o u tro do m esm o gênero, sendo ape­
nas avaliado pela sua espécie e quantidade. O dinheiro é o bem
fungível por excelência, dado que é sua quantidade e não ele em
espécie que é avaliado no m o m en to do negócio. Por sua vez, o
bem infungível é aquele sobre o qual recaiam qualidades in trín ­
secas únicas e diferenciadoras em relação aos dem ais. N ão há
substituição possível q u an to aos bens infungíveis.
Vale n o tar que som ente pode ser bem fungível o móvel. É
presunção da lei que os bens imóveis sejam todos infungíveis. Aos
bens fungíveis, reserva-se a form a de m ú tu o para o em préstim o
(arts. 586-592), en q u an to o com odato é a form a especial regula­
da para os bens infungíveis (arts. 579-585).
Interessante destacar que não é a espécie do bem em si que
possui a característica de ser ou não fungível. O que determ in a
essa característica é a análise do caso concreto. O dinheiro, por
exem plo, bem fungível por excelência, pode ser infungível se o obje­
to for um a cédula dos tem pos da m onarquia, por exem plo. U m a
bola de futebol, por exem plo, é um bem fungível. A p a rtir do
m om ento em que n ela se apõe um a assin atu ra de fam oso joga­
dor, transform a-se im ed iatam en te em um bem infungível.
A Parte Especial do Código se utilizará estes conceitos para
tratar não só de bens com o de prestações de fazer. Assim , por
exemplo, o art. 249 versa sobre as prestações fungíveis, ou seja,
aquelas em que o fato pode ser executado por terceiro. Se, por
o utro lado, a obrigação não p u d er ser prestad a p o r terceiro, e sta ­
rem os diante de um a obrigação infungível. C onform e a n atu reza
da prestação de fazer, conseqüências diversas surgirão.
92 D i r e i t o C iv il

4 Consumíveis e inconsum íveis

Mais um a vez, o que im porta é o conceito jurídico da consun-


tibilidade. O art. 86 diz: “São consumíveis os bens móveis cujo uso
importa destruição imediata da própria substância. ”
Evidente que tudo no m undo passa por um processo de d es­
gaste e deterioração natural com a utilização rotineira. Porém, o
que im porta ao m undo jurídico é a destruição im ediata no pri­
m eiro uso do bem. Com o exem plo clássico, teríam os os alim en­
tos, cujo uso implica - necessariam ente - destruição.
Mas o Código não pára por aí e prossegue na parte final do
m esm o artigo: “sendo também considerados tais os destinados à alie­
nação". A qui fica ainda m ais visível a distância en tre o m undo
fático e o jurídico. O legislador - sabiam ente - repetiu a disposi­
ção do art. 51 do Código Civil de 1916, albergando no conceito
de bem consumível aquele que é destinado à alienação. O exem ­
plo tradicional é do livro, que - em princípio - é um típico bem
in consum ível, dado que seu uso regular não im porta em d estrui­
ção. Porém, sob a óptica do livreiro, assim que alienado aquele
bem foi “juridicam ente d estru íd o ”.
Da m esm a forma que nos bens fungíveis, devemos alertar que
não há um a “tabela" a determ inar quais são os bens consumíveis.
É o caso concreto que dirá. Um típico bem consum ível pode -
segundo sua d estin ação - to rn ar-se inconsum ível. Im agine o
exem plo de um a rara coleção de vinhos. O líquido dos vinhedos,
em princípio, é consum ível, por natureza. Se destinado apenas a
exposições, entretanto, será inconsum ível, dado que suas cons­
tantes “aparições" ao público não im portarão sua destruição.
A classificação ganha relevo ao exam inarm os, na Parte Espe­
cial, institutos peculiares a bens consum íveis ou inconsum íveis.
Ao tratar sobre o usufruto, por exemplo, o Código previu a hi­
pótese da existência de bens consum íveis acessórios ao objeto
principal e dá sua regulação específica no art. 1.392, § 1Q.

5 D ivisíveis e indivisíveis

Pela sua natureza, quase tu d o no m undo é “divisível”, até o


átom o. Bens indivisíveis são aqueles cujo fracionam ento im por­
D os B ens 93

taria necessariam ente u m a alteração na sua substância, na sua


essência. A ssim , só será divisível o bem cujas p artes resu ltan tes
do fracionam ento tiverem valor, guardarem a essência da an te ­
rior. Juridicam ente, p o rtan to , um grande te rre n o - em prin cí­
pio - é um bem divisível por natureza. Um anim al, um veículo
são indivisíveis.

5.1 Indivisíveis por força de lei ou por vontade das partes

A lei e n u m e ra h ip ó te se s em que - a d e sp e ito d a n a tu ra l


divisibilidade - alguns bens poderiam , por ficção jurídica, se to r­
nar indivisíveis, ta n to por força de lei, com o por força de conven­
ção entre as partes. C om o já dissem os, um terren o é - pela sua
natureza - um bem divisível. Porém , a Lei n° 6 .7 6 6 /7 9 proibiu,
v. g., no art. 4°, II, a divisão de lotes cuja área seja inferior a 125m2.
Diz o m encionado inciso:

“II - os lotes terão área m ínim a de 125m 2 (cento e vinte e


cinco m etros quadrados) e frente m ínim a de 5 (cinco) m etros,
salvo quando o lo team ento se d estin ar a urbanização específica
ou edificação de conjuntos habitacionais de in teresse social, p re­
viam ente aprovados pelos órgãos públicos co m p eten tes.”

A livre convenção en tre particulares tam bém pode prever a


indivisibilidade do bem . D ois sócios podem ad q u irir um terren o
estipulando que o m esm o será indivisível. A lei (art. 1.320, §§ 1°
e 2Q), porém , sabendo que o condom ínio é u m a situação p o r n a ­
tureza transitória, insere um te to de cinco anos para tal indivi­
sibilidade, estipu lan d o adem ais o m esm o lim ite p ara cláusulas
sim ilares em doações ou testam en to . A rrem atando, o § 3° do art.
1.320 prevê a possibilidade de ação de divisão do bem (seguindo
o rito do art. 967 et. seq. do CPC), ainda que o prazo de indivisi­
bilidade esteja em curso.
Vale lem brar que o direito de prelação ou preferência o u to r­
gado pela lei ao condôm ino só recai sobre bens indivisíveis ju ri­
dicam ente (art. 504).
94 D i r e i t o C iv il

6 Singulares e coletivos

Em três artigos, o Código trata deste intrincado tem a. Cló-


vis, citado por Sílvio V enosa (2003, p. 333), dizia que a m atéria
se apresenta com contornos confusos, razão pela qual não a con­
tem plou na redação de sua obra.
Os bens singulares dividem -se em sim ples ou com postos,
enquanto os bens coletivos dividem-se em universalidade de fato
ou de direito.

6.1 Bens singulares

N a definição de Sílvio V enosa (2003, p. 331), os bens singu­


lares simples:

"São as coisas constituídas de um todo formado naturalm ente


ou em conseqüência de um ato hum ano, sem que as respectivas
p artes in teg ran te s conservem sua condição ju ríd ica an terio r,
como, por exem plo, um anim al.”

Por sua vez, os bens singulares compostos são aqueles em que


os elem entos ju stap o sto s m antêm sua condição jurídica an te­
rior. Um automóvel, por exemplo, possui em sua composição ele­
m entos que m antêm sua condição anterior, como, por exemplo,
as portas, os bancos, os vidros que reunidos form am um só bem
singular.

6.2 Bens coletivos

Nos dois artigos subseqüentes, define-se o que sejam univer-


sitas rerum (coisas coletivas), dividindo-as em universalidade de
fato e de direito. Q uanto àquela, o Código diz (art. 90) que as­
sim são considerados “a pluralidade de bens singulares que, pertinen­
tes à mesma pessoa, tenham destinação unitária”, como é o típico caso
de um a biblioteca ou um rebanho. A lei ainda perm ite que cada
um dos bens que compõem tal universalidade podem se consti­
tu ir objeto de relação jurídica própria.
D os B ens 95

N o art. 9 1 ,o Código define a universalidade de direitos. O


exem plo típico é a herança que com põe um a universalidade de
direitos. O Código de 1916 trazia disposição didática no art. 57,
exem plificando que “o patrimônio e a herança constituem coisas uni­
versais, ou universalidades, e como tais subsistem, embora não constem
de objetos materiais”.

Capítulo III
Classificação dos bens considerados uns
em relação aos outros

A lterando o critério de análise, o legislador passou a obser­


var os bens uns em relação aos ou tro s, em um a condição de de­
pendência, classificando-os en tão sob o ângulo da sua reciproci­
dade. E o que a lei cham a de “bens reciprocam ente considerados”.
Com tal critério, o legislador percebeu que alguns bens bas­
tavam por si sós, en q u an to o u tro s tin h am para com aqueles um a
relação de dependência. C ham ou aqueles de principais e estes de
acessórios, com o verem os doravante.

1 Principais

“É o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente. ” Esta é a


definição que a lei dá aos b en s principais n o art. 92, prim eira
parte. Bem principal é o substantivo, aquele que, in d ep en d en te­
m ente de outros, su b siste e te m existência própria.
O antigo Código Civil (art. 59) ainda esclarecia que “salvo
disposição especial em contrário, a coisa acessória segue a principal”. O
Código preferiu deixar tal disposição p ara su a P arte Especial,
quando a regra se fizesse necessária. U m bom exem plo é o art.
233, que versa sobre as obrigações de dar: “A obrigação de dar coi­
sa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o
contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso. ”
Adem ais, há obrigações acessórias que dependem da princi­
pal. A cláusula penal (arts. 408-416), afian ça (arts. 818-839) são
todas acessórias de um co n trato de com pra e venda, por exem ­
96 D i r e i t o C iv il

plo. Na hipótese de este ser anulado, todas as obrigações acessó­


rias tam bém serão.

2 Acessórios

Acessórios são aqueles bens “cuja existência supõe a do princi­


pal” (art. 92 in fine). E nesse m om ento que o Código disciplina
as pertenças, frutos e produtos. Q uanto a estes dois últim os, a
diferença é sim ples. Nos frutos, sua exploração não causa dim i­
nuição no valor do bem principal e se reproduz periodicam ente,
enquanto nos produtos tal desvalorização necessariam ente ocorre
(v. g., extração de pedras de um a pedreira ou de m etais precio­
sos de um a m in a).
Os frutos podem ser naturais (surgem pela própria n atu re­
za, com o a safra anual, os filhotes do rebanho), industriais (de­
correm da intervenção hum ana direta, como a produção da indús­
tria têxtil) e civis, que na definição de Silvio R odrigues (2002, p.
140) são “os rendimentos tirados da utilização da coisa frugífera por
outrem que não o proprietário, como as rendas, aluguéis, foros e juros”.
Vale lem brar que, em regra, o bem acessório segue a sorte do
principal, ao que se dá o nom e de “princípio da gravitação ju rí­
dica”.

2.1 Benfeitorias

Para A rnoldo W ald (2002, p. 173), benfeitoria é “o que se


acrescenta a um bem móvel ou imóvel para m elhorá-lo, aum en­
tar a sua utilidade, ou perm itir que seja usado para outros fins,
tornando-o m ais côm odo ou mais aprazível”. O legislador divi­
diu então as benfeitorias em voluptuárias, úteis e necessárias,
deixando expresso no art. 97 que “m elhoram entos sem interven­
ção do proprietário” não seriam considerados benfeitorias. E o
caso das acessões n atu rais, estu d ad as no cam po dos direitos
reais. O Código foi m uito didático na definição atribuída a cada
um a delas.
A prim eira espécie de benfeitoria é a cham ada voluptuária.
V olúpia significa prazer, deleite. Logo, as benfeitorias voluptuá-
D os B ens 97

rias são as realizadas para m ero deleite, com o, por exem plo, a
piscina, a churrasqueira, a sauna. O Código conceitua no art. 96,
§1°: “São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam
o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de
elevado valor. ”
Já as benfeitorias úteis são aquelas que, ainda que não sejam
consideradas indispensáveis à m an u ten ção do bem , a u m en ta­
riam seu valor ou facilitariam seu uso. Um bom exem plo é a cons­
trução de um dorm itório a m ais na casa ou a am pliação da cozi­
nha. O Código assim define: "São úteis as que aumentam ou facili­
tam o uso do bem. "
Por fim, as benfeitorias necessárias têm com o característica
a “conservação” do bem. Tendem a evitar a ruína do principal. Ex.:
troca das telhas quebradas de um a casa que co n stan tem en te ala­
gava com as chuvas. O Código conceitua: “São necessárias as que
têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore. ”

2 . L I Importância da distinção entre benfeitorias

A classificação das benfeitorias terá im enso valor prático não


só na Parte Especial do Código Civil, com o tam bém em legisla­
ções esparsas. Ao regular a posse e seus efeitos, o art. 1.219 de­
term ina indenização às benfeitorias úteis e necessárias realizadas
pelo possuidor de boa-fé, concedendo inclusive o d ireito de re­
tenção; enquanto que para as voluptuárias concede apenas au to ­
rização para o seu levantam ento e isso “quando o puder fazer sem
detrimento da coisa”. Solução sim ilar traz a Lei n° 8.245/91, que
versa sobre a locação, em seus arts. 35 e 36. Finalm ente, tra ta n ­
do de “Preferências e privilégios creditórios”, o Código Civil faz nova
distinção, concedendo privilegio especial ao credor que - sobre a
coisa beneficiada - fizer b en feito rias n ecessárias ou ú teis. Ao
possuidor de má-fé, o Código Civil (art. 1.220) reservou apenas
e tão-som ente direito à indenização pelas benfeitorias necessá­
rias, excluindo-lhe o direito de retenção e q u alquer o u tro direito
sobre as voluptuárias.
Enfim, é flagrante a preferência que o legislador atribui às
benfeitorias necessárias e úteis, posto aten derem a um interesse
98 D i r e i t o C iv il

maior, qual seja, a conservação e m aior utilidade do bem . N esse


ponto, percebem os a im portância da Parte Geral do Código, ir­
radiando seus efeitos para toda a Parte Especial e até legislações
esparsas de nosso ordenam ento.

2.2 Pertenças

As pertenças aproxim am -se m uito dos “bens considerados


im óveis por acessão intelectual”, previstos no Código Civil de
1916. H á um a destinação; o bem não constitui parte integrante
do principal, mas é um serviçal dele, de m odo duradouro para fins
de “uso, serviço ou aformoseamento”.
O Código assim define no art. 93: “São pertenças os bens que,
não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao
uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro. ” São coisas que o ho­
m em m antém no bem principal para fins de exploração e aform o­
seam ento. Um bom exem plo é o conversor de gás natural in sta­
lado em veículos autom otores.
O rlando Gomes (2001, p. 243) assim conceitua: “Coisas aces­
sórias destinadas a conservar ou facilitar o uso das coisas principais, sem
que destas sejam parte integrante." P o n tes de M iranda (apud
TEPEDINO, 2002, p. 168) exemplifica:

“As m áquinas e utensílios em relação aos estabelecim entos


industriais e comerciais e o gado, os utensílios e as sem entes in­
dispensáveis à exploração e à continuação do trabalho até a pró­
xim a colheita.”

O trato r da fazenda é um exem plo, pois - enquanto serve ao


trabalho rural - é pertença. Se alterarm os sua destinação, utili-
zando-o apenas para fins de lazer, o bem volta a ser móvel e com­
pletam ente destacado da propriedade.
O ponto nodal das pertenças é o fato de que elas não são parte
integrante do objeto principal. Paulo Dias de M oura Ribeiro (in
Revista do Advogado n Q 77 - jul. 2004, p. 63) esclarece:

“Tom e-se, neste particular, um exem plo singelo: o toca-CD


de um carro. Se for um comum, adaptável a qualquer veículo, será
D os B ens 99

um a pertença nele intro d u zid a pelo proprietário do bem princi­


pal; se for um m odelo original, já adaptado ao painel do veículo
e que só a este se am olda, será um acessório, que seguirá o des­
tino do bem principal.”

D iferentem ente do princípio de que o "acessório segue o princi­


pal", o art. 94 do Código Civil expressam ente inverte a regra ge­
ral e preleciona: “Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem prin­
cipal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da
manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso."
Ao celebrar contrato de com pra e venda de um veículo, o toca-
fitas só estará incluso se assim expressam ente constar da conven­
ção, o m esm o ocorrendo com a lousa de um a sala, com o con­
versor de gás em um carro.
M oreira A lves (2003, p. 43) d efen d ia a o rie n ta ç ã o do
Código:

"N a prática, m esm o sem disposição voluntária ou legal em


contrário, as pertenças - com o o m obiliário - não acom panham
o imóvel vendido ou desapropriado, m as com a m odificação que
se segue, com a qual - já que se vai unificar parcialm ente o direi­
to privado - se aten d erá m elhor aos interesses com erciais.’'

Bens reciprocamente considerados - Organogram a

Necessárias
100 D i r e i t o C iv il

Capítulo IV
Classificação dos bens considerados em sua titularidade

O legislador adota agora um critério sim ples para classificar


os bens. Analisa-os de acordo com sua titularidade, en contran­
do então dois grandes grupos. Primeiro, aqueles pertencentes ao
Estado, os quais denom ina de bens públicos, subdivididos em de uso
comum, de uso especial e dominicais. Todos os dem ais são - nesta
classificação - bens particulares (M P/RN - 2001).

1 Públicos

São aqueles cujo titular é o Estado. E seu o dom ínio e será


ele o responsável por sua guarda, conservação e m anutenção. A
m atéria faz fronteira com o D ireito C onstitucional e A dm inistra­
tivo. Os arts. 20 e 26 da C onstituição Federal (que enum eram ,
respectivam ente, os bens da União e dos Estados) fornecem uma
visão geral sobre o tema.
O legislador civilista percebeu, entretanto, que tal divisão não
era suficiente para a com plexidade do problem a e decidiu subdi­
vidi-lo em três outras categorias, conform e o fim a que se d esti­
nam. Assim, previu os bens de uso comum do povo, os de uso espe­
cial e os dominicais.

1.1 Bens de uso comum do povo

O próprio nom e já explica o que esta especial categoria de


bens representa. O art. 99, I (repetição do art. 66, I, do Código
Civil de 1916), não conceitua, apenas os exemplifica.
São aqueles que - em bora de propriedade do Estado - têm
sua utilização facultada ao povo. Observe que o fato de o Estado
(qualquer que seja a esfera adm inistrativa) cobrar pelo uso do
m esm o não descaracteriza a sua classificação, com o m enciona o
art. 103 do novo Código Civil (em redação idêntica à do art. 68
do Código Civil de 1916). O pedágio nas estradas é prova disso.
Em regra, porém , o acesso e a fruição destes bens são gratuitos.
O cidadão já paga pela sua conservação e m anutenção com a car­
D os B ens 101

ga tributária que lhe é im posta. Sobre o assunto, o Tribunal de


Justiça de São Paulo se pronunciou:

“IN C O N STITU C IO N A LID A D E - D ecreto M unicipal n Q


1.855, de 1988, da Estância de Cam pos do Jordão - Instituição
de preço público cobrado de co ndutores de veículos por ocasião
da passagem pelo Portal da cidade - D ecreto im pugnado que, na
realidade, institui taxa de uso de bens de u so com um do povo -
O fensa aos princípios da legalidade e da anterioridade - Artigo
5°, inciso II, e art. 150, incisos I e III, b, da C onstituição da Re­
pública - R ep resen tação p ro c e d e n te ” (TJSP R elator: C u n h a
Cam argo - R epresentação Interventiva nQ 9.105-0 - São Paulo -
21-6-1989).

Exemplos de tais bens são obtidos no próprio art. 99, m as não


se esgotam aí, visto tal disposição ser numerus apertus: praças, ruas,
estradas, rios e m ares. As praias, v. g., são bens de uso com um
do povo. Especificam ente sobre as praias, a Lei n° 7.661, de 16
de m aio de 1988, que in stitu iu o Plano N acional de G erencia­
m ento C osteiro, em seu art. 10 já disciplinava:

“Art. 10. As praias são bens públicos de uso com um do povo,


sendo assegurado, sem pre, livre e franco acesso a elas e ao mar,
em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos conside­
rados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas
protegidas por legislação específica.”

1.2 Bens de uso especial

Mais um a vez, o legislador (art. 99, II) lim ita-se a exemplificar


tal espécie. São aqueles bens em que há um a destinação estatal
específica. O E stado os u tiliza p ara m elh o r d esem p en h ar suas
funções adm inistrativas, tais com o Câm aras Municipais, Gabinete
de Prefeitura, Secretarias de E stado etc. C aberá à adm inistração
reg u lar o acesso e o u so do bem , te n d o em v ista fato res de
destinação, organização e segurança (DELEGADO DE POLICIA/
S P -2 0 0 0 ).
1 0 2 D ireito Civil

1.3 Bens dominicais ou dominiais

Por fim, tem os os bens públicos dom inicais que constituem


patrim ônio do Estado. Fazem parte do acervo estatal e - ao con­
trário das outras duas espécies - podem ser alienados na forma
da lei (art. 101 do novo Código Civil). A C onstituição do Estado
de São Paulo tem previsão restritiva desta possibilidade de alte­
ração de destinação do bem. E o que diz o art. 180, VII:

“N o estabelecim ento de diretrizes e norm as relativas ao de­


senvolvim ento urbano, o Estado e os M unicípios assegurarão:
VII - as áreas definidas em p rojeto de lo team en to com o áreas
verdes ou institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter
sua destinação, fim e objetivos o riginariam ente estabelecidos
alterad o s.”

2 Características dos bens públicos

2.1 Inalienabilidade

Os bens de uso especial, enquanto conservarem a sua qualifica­


ção, são inalienáveis. E necessário proceder à desafetação prim ei­
ram ente para que então possam ser alienados com o bens dom i­
niais através de licitação. O art. 17 da Lei nQ 8.666/93 regula o
assunto, enquanto leis estaduais e municipais determ inam o pro­
cedim ento para tal transferência.

2.2 Impenhorabilidade

O cidadão não litiga com o Estado em igualdade de condições.


N em poderia fazê-lo, considerando a im ensa desigualdade de es­
tru tu ra e atribuições que os distancia. D entre outras vantagens,
o Estado usufrui de prazos m aiores e do direito de - após todo
processo de conhecim ento e de toda execução - não ver seus bens
penhorados. Após todo o longo trâm ite que o cidadão percorre
para ver reconhecido seu direito pelo Judiciário, terá ainda que
aguardar a fam osa fila dos precatórios. E o art. 100 da C onstitui­
ção que impõe:
D os B ens 103

“À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagam en­


tos devidos pela Fazenda Federal, E stadual ou M unicipal, em vir­
tude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivam ente na ordem
cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos crédi­
tos respectivos.”

M algrado a disposição expressa da C onstituição, os débitos


alim entares tam b ém são pagos pela sacrificada via dos preca­
tórios.
N a época da prom ulgação da C arta de 1988, os créditos en ­
tão existentes sofreram regulação própria do A to das Disposições
C onstitucionais Transitórias, em seu art. 33:

“R essalvados os créditos de n atu reza alim entar, o valor dos


precatórios judiciais p endentes de pagam ento na data da prom ul­
gação da C onstituição, incluído o rem anescente de ju ro s e corre­
ção m onetária, poderá ser pago em m oeda corrente, com atu ali­
zação, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo m áxi­
m o de oito anos, a p artir de l c de ju lh o de 1989, por decisão ed i­
tada pelo Poder Executivo até cento e o iten ta dias da prom ulga­
ção da C onstituição.”

2.3 Imprescritibilidade. Vedação da usucapião de bem


público

U sucapião é um a form a originária de aquisição da p roprie­


dade que tem com o req u isito principal o lapso de tem po. E ta m ­
bém cham ada de prescrição aquisitiva. Tal form a de aquisição de
propriedade não é aplicável aos bens públicos. D esta forma, não
se adquire um terren o público através de su a posse m an sa e p a­
cífica, com ju sto títu lo e boa-fé, ainda que decorridos os dez anos
para sua configuração. A C o n stitu ição Federal é red u n d an te e
repete a m esm a disposição em dois artigos diferentes. Tanto o art.
183, § 3a, quanto o art. 191, parágrafo único prevêem tal vedação.
O Código obedece e repete a proibição em seu art. 102.
A ntes m esm o da C onstituição, o Suprem o T ribunal Federal
já havia pacificado a q u estão na S úm ula 340: “Desde a vigência do
104 D ireito Civil

Código Civil, os bens dominiais, como os demais bens públicos, não po­
dem ser adquiridos por usucapião. ”
A questão perm anece polêmica quando a hipótese é de usuca­
pião de herança jacente. D uas correntes principais se formaram.
A prim eira su sten ta que é a declaração de vacância que confere
ao m unicípio a titularidade dos bens e por isso haveria a possibi­
lidade de atos possessórios no período de jacência, decorrendo daí
a usucapião como efeito principal. A segunda corrente afirma que
não há tal possibilidade, pois não há patrim ônio sem sujeito e
desde a ab ertu ra da sucessão o bem já considera propriedade
pública, ainda que resolúvel.

Bens Quanto à Titularidade - Organograma

Bens quanto à Titularidade

Públicos
Particulares
Vedada a Usucapião

Uso Comum do Povo Uso Especial Dominicais


Inalienáveis Inalienáveis Alienáveis na Forma da Lei

Capítulo V
Bens fora do comércio

Previu o legislador que haveria certos bens cuja “circulação”


seria im possível ou inapropriada de acordo com a finalidade al­
mejada. O antigo Código Civil previa um capítulo específico para
tratar do assunto, dispondo em seu único artigo: “São coisas fora
do comércio as insuscetíveis de apropriação e as legalmente inalienáveis. ”
Do conteúdo do m encionado art. 69, era possível então ex­
trair um a outra grande classificação de bens fora do comércio,
separando aquelas que assim se encontravam por força da pró­
pria natureza (ar atm osférico, água do m ar...) daquelas que a lei
D os B ens 105

alm ejava ficassem fora de circulação (v. g., bem de fam ília con­
vencional, os bens dotais).
O corre que o legislador de 2003 sabiam ente não rep etiu o
dispositivo e, conseqüentem ente, o capítulo “Coisas que estão fora
do comércio” não mais integra nosso ordenam ento.
Isso não significa que as coisas fora do com ércio deixaram de
existir. Elas existem e estão previstas em dispositivos esparsos
pelo Código, que - como já dissem os - prefere m antê-las fora da
circulação m aterial hum ana. O art. 100, retroanalisado, traz um
exem plo de bem fora do com ércio. A própria n atu reza dos bens
públicos de uso comum do povo e dos de uso especial grava-os com tal
im possibilidade. O art. 1.911 traz m ais um exem plo desta espe­
cial categoria de bens. D esta vez é a vontade do hom em que ali
os inclui. E a hipótese da cláusula de inalienabilidade im posta pelo
te sta d o r. T al c láu su la ain d a im plica: " impenhorabilidade e
incomunicabilidade”. O art. 1.848 exige para tal restrição a decla­
ração de ju sta causa no “te sta m e n to ”. O Projeto nQ 6.960/2002
pretende to rn ar desnecessária a ju sta causa quando a restrição
versar sobre incom unicabilidade.
Enfim, a supressão do penúltim o Capítulo do Livro II não traz
relevantes conseqüências para o m u n d o prático. A categoria es­
pecial destes bens continua existindo, em bora sem um a previsão
genérica a seu respeito.

1 Bem de família

Havia ainda um últim o capítulo no Livro II d a Parte Geral do


Código Civil de 1916. D isciplinava na verdade um a espécie de
“Bem fora do com ércio”, devendo então ser tratad a com o seção
do capítulo anterior. Tratava-se do “bem de família convencional",
cuja re g u la m e n ta ç ã o - n o C ó d ig o Civil de 2002 - foi tr a n s ­
ferida para o livro do D ireito de Família. O u tra espécie de bem
de família foi criada em nosso o rd en am en to pela Lei n e 8 .0 0 9 /
90. E o cham ado bem de fam ília legal que analisarem os doravante.
106 D ireito Civil

2 Bem de família legal. Lei nQ8 .009/90

E nquanto o bem de família do Código Civil proíbe a penho-


ra e a alienação do imóvel, a Lei nQ 8.009/90 apenas dispõe so­
bre sua im penhorabilidade. Referida lei traz a proteção de m odo
autom ático, não exigindo a escritura pública. Salutar tal disposi­
ção, visto não ser de bom alvitre im por ao particular este ônus.
Já o bem de fam ília convencional exige tal form alidade (art.
1.711). O estudo do bem de família legal é repleto de questões
peculiares e polêmicas. Algumas solucionadas pela lei, outras pela
jurisprudência e dou trin a (OAB/SP - 124° e D P/C E - 2002).
No caso de a família possuir m ais de um imóvel, a proteção
legal recairá sobre o de m enor valor, salvo se outro tiver sido regis­
trado. O im portante é que se proteja a residência da família, m u i­
to em bora esta família possua um devedor.
O utra questão interessante é saber qual a extensão da expres­
são entidade familiar prevista no art. 1° da Lei nQ8.009/90. Viúva,
celibatário, divorciado, casais hom ossexuais estariam protegidos
pelo benefício legal? O julgador aqui se depara com dois direitos
conflitantes. De um lado, o direito do credor, que não pode ser
lim itado, sem que a lei assim previsse. De o u tro lado, a dignidade
da pessoa humana, consubstanciada no direito ao lar, à residência
que possui a viúva, o solteiro, o hom ossexual.
A jurisprudência se defrontou com a questão e m ajoritaria-
m ente concedeu o benefício a todos eles. Na expressão de Luiz
V icente Cem icchiaro, “a Lei na 8.009/90 não está dirigida a n ú ­
m ero de pessoas. Ao contrário - à pessoa. Solteira, casada, viú­
va, desquitada, divorciada, pouco im porta. O sentido social da
norm a busca garantir um teto para cada pessoa (REsp 182223/
SP; 1998/0052764-8 DJ: 10-5-1999, p. 23 4 )”.
Im portante ressaltar que - diferentem ente do Código Civil,
onde apenas tributos e despesas do condom ínio podem levar à
pen h o ra do bem - o legislador de 1990 retira tal proteção em
várias oportunidades, como, por exemplo, nos créditos dos tra­
balhadores da residência, no crédito de pensão alim entícia, na
obrigação decorrente de fiança em contrato de locação, dentre
outras (art. 3Qda Lei n° 8.009/90).
Dos Bens 107

E xatam ente d en tro destas exceções é que reside m ais um a


questão polêmica. A Lei na 8.245/91 inseriu no art. 3a o inciso
VII, aum entando o rol de hipóteses em que, a d espeito de ser o
único imóvel da família, este poderia ser penhorado. Assim, via
de regra, caso o fiador d escu m p ra sua obrigação de garan tir o
pagam ento dos alugueres, ele pode te r seu único imóvel p en h o ­
rado e arrem atado.
Tal possibilidade já sofre am eaça tan to do Judiciário, q uanto
tio Poder Legislativo. A E m enda C onstitucional n° 2 6 /2 0 0 0 in ­
seriu o substantivo “m oradia” no caput do art. 6°, alçando tal di­
reito à categoria de “social”. Tal alteração serviu de argum ento
para que alguns julgados vedassem a pen h o ra do im óvel do fia­
dor de co n tra to de locação (TJDF A gravo de In s tru m e n to n Q
20000020030532AGI DF, Registro do Acórdão N úm ero: 139864.
Data de Julgam ento: 13-11-2000. Órgão Julgador: 4a T urm a Cível
Relator: Lecir M anoel da Luz. Publicação no DJU: 20-6-2001,
p. 38).
Por seu turno, o Projeto de Lei na 3.452 de 2004, em trâm ite
pelo Congresso, pretende ex p ressam en te revogar o inciso VII do
art. 3g da Lei n Q 8.009/90, im pedindo a p en h o ra do im óvel do
fiador do contrato de locação.
O utro tem a relevante é en ten d er o que, d en tro da residência,
pode ou não ser penhorado. A Lei n Q 8.009 excluiu de sua inci­
dência os veículos e os adornos suntuosos. A q u estão que surge
é sab er se a telev isão , o te le fo n e , o c o m p u ta d o r, o m i­
croondas, dentre o u tro s utensílios, estariam incluídos no bene­
fício legal. A esse respeito a ju risp ru d ên cia adotou a in terp reta­
ção teleológica da norm a, considerando que estará protegido tudo
o que for essencial à dignidade da pessoa hum ana, rep resen tan ­
do no seio fam iliar o necessário para um a vida digna. O que ul­
trapassar tal status poderá ser pen h o rad o (OAB/SP - 11 Ia) .

3 Bem de família convencional

Pouco utilizado n a prática, o bem de fam ília convencional foi


reformulado pelo Código de 2002, m antendo seu paralelism o com
108 D ireito Civil

aquele estipulado pela Lei n° 8.009/90. Sua regulam entação en­


contra-se no Livro que trata do D ireito de Família e su a in stitu i­
ção depende de escritura pública ou testam ento, ao contrário do
bem de família legal que decorre autom aticam ente da Lei.
T anto o cônjuge quanto a “entidade fam iliar” poderão, me­
diante escritura pública, instituí-lo (arts. 1.711 e 1.714), desde que
não ultrapasse o limite de 1/3 do patrim ônio líquido existente ao
tem po da instituição. Esse teto introduzido pelo art. 1.711 não era
previsto pelo Código Civil anterior, e sofre críticas da doutrina.
Ana M arta Cattani de Barros Zilveti (2003, p. 158) pondera:

“Da form a com o está redigido o novo Código Civil, o limite


acaba por restringir sobrem aneira a aplicação do institu to . Ora,
considerando que no m om ento da constituição do bem de famí­
lia seu valor não pode ser superior a 1/3 do patrim ônio total dos
instituidores e que o bem de família só pode ser bem imóvel ou
valores m obiliários, será n ecessário q u e a fam ília te n h a um
patrim ônio significativo, com posto por outros imóveis, aplicações
financeiras e bens móveis, que assim form arão os restantes 2/3
de seu patrim ônio, de m odo a liberar um único imóvel (ou um
im óvel e m ais algum as aplicações financeiras) para ser consti­
tuído com o bem de fam ília.”

O objeto do bem de família convencional será o “prédio residen­


cial urbano ou rural, com pertenças e acessórios, destinado a domicílio fa ­
miliar” (art. 1.712). Interessante previsão do Código possibilita
que o bem de família abranja ainda “valores mobiliários” (ações,
debêntures, cadernetas de poupança...) cuja renda será aplicada na con­
servação do imóvel (art. 1.712 in fine). O “teto” destas aplicações
é o preço do imóvel à época de sua instituição e a sua adm inistra­
ção pode ficar a cargo de instituição financeira. A lei assegura que,
no caso de liquidação da instituição, os valores não serão atingi­
dos (arts. 1.713 e 1.718). N esta hipótese, resta saber quem arcará
com o ressarcim ento ao instituidor do bem de família.
As conseqüências da instituição do bem de família conven­
cional são: (a) im penhorabilidade (art. 1.715) e (b) inaliena-
bilidade (art. 1.717). T anto um a quanto a o u tra podem ser rela-
tivizadas. No prim eiro caso, o bem não estará protegido da exe-
D os Bens 109

eução, se essa for proveniente de trib u to s relativos ao prédio ou


de despesas de condom ínio (art. 1.715 in fine). N o segundo caso,
poderá o bem ser alienado, d esd e que haja co n sen tim en to de to ­
dos os interessados, ouvido o M inistério Público (art. 1.717). A
extinção do bem de família o co rrerá com a m o rte de am bos os
cônjuges, desde que os filhos sejam m aiores e capazes, com o já
determ inava o Código Civil de 1916. Com a nova redação do ca­
pítulo, tam bém se extinguirá o bem de família, se com provada a
im possibilidade da sua m anutenção.
Livro III
Dos Fatos Jurídicos

Capítulo I
Introdução ao estudo dos fatos. Terceiro elem ento
do direito subjetivo

Revendo a noção da “separação de poderes do direito privado”,


desem barcam os no últim o elem ento da estru tu ra do direito sub­
jetivo. Após analisarm os detidam ente os sujeitos da relação ju rí­
dica e seus objetos, chegamos agora ao liam e que envolve aque­
les em torno destes. Tam anha é a relevância de seu estudo que o
legislador dedicou m aior núm ero de artigos para este livro do que
para os dois anteriores somados.
O Código de 2002 positivou ensinam entos descortinados pela
doutrina, com o, por exem plo, a diferenciação en tre o negócio
jurídico e o sim ples ato jurídico, a separação entre prazos pres-
cricionais e decadenciais, a introdução da teoria do abuso de di­
reito e a criação de dois novos defeitos do negócio (um deles já
previsto no diplom a do consum idor de 1990). Estes são apenas
alguns dos m uitos itens a seguir tratados.
D os F atos Ju ríd ico s 111

Capítulo II
Conceito e classificação

1 Fatos jurídicos e fatos irrelevantes

A vida é um a sucessão de fatos; tu d o o que ocorre é um fato.


Fatos bons, ruins, indiferentes, ordinários, únicos. Alguns d es­
tes têm repercussão no m u n d o jurídico, alterando de m odo m ais
ou m enos relevante o p anoram a jurídico das pessoas. Por este
m otivo são ch am ad o s de “fato s ju ríd ic o s ” . O u tro s fato s são
irrelevantes para o m u n d o do D ireito. Deles não decorrem efei­
tos e o panoram a jurídico não é afetado m inim am ente. Exatam en­
te por isso já são descartados e não considerados no âm bito da
ciência jurídica (MAGISTRATURA/SP - 171°).
Rose Melo Vencelau (TEPEDINO, 2002, p. 179) pondera:

“Jurídico é a qualidade atrib u íd a ao fato que traz no seu bojo


a produção de efeitos jurídicos. Em grande núm ero, a do u trin a
conceitua fato jurídico com o o acontecim ento n atu ral ou volun­
tário que tem capacidade de provocar os efeitos jurídicos.”

Assim , em um a classificação prelim inar, podem os distinguir


os fatos em dois grupos, conform e d em o n stra o quadro a seguir:

FATOS

Fatos Jurídicos Fatos Juridicamente


Irrelevantes

2 Fatos jurídicos decorrentes das forças da natureza


e fatos jurídicos decorrentes da atividade humana

Após separar os fatos irrelevantes daqueles que têm reper­


cussão na órbita do direito, podem os detalh ar ainda m ais estes
1 1 2 D i r e i t o C iv il

últim os, dividindo-os em subespécies. Tem os então os fatos ju ­


rídicos que ocorrem por força da natureza (grande tem pestade na
colheita do agricultor que enseja a reparação por seguro) e os que
decorrem da atividade hum ana, quer sejam lícitos q u er não.
Aos fatos jurídicos decorrentes das forças da natureza dá-se
o nom e de fatos jurídicos em sentido estrito e tam bém se divi­
dem em ordinários (nascim ento, m orte, m aioridade) e extraordi­
nários (tem pestade, furacão).
Segundo o explanado nos parágrafos acima, tem os então um
novo desdobram ento, desta vez lim itado aos fatos jurídicos:

3 Ato ilícito é fato jurídico

Os atos ilícitos são fatos jurídicos porque geram efeitos na


órbita do Direito. Porém, nesta espécie, o efeito encontrado pelo
ilícito difere da vontade do agente. N um contrato de com pra e
venda (negócio jurídico perfeitam ente lícito), a lei dá guarida à
vontade hum ana externada, obrigando as partes a cum prir com
o avençado. Logo, os efeitos jurídicos coincidem com a vontade
das partes. A lei obriga o adquirente a pagar o preço e o alienante
a entregar a coisa.
Em acidente de trân sito no qual o agente em briagado e em
alta velocidade atropela e m ata um indivíduo (ato ilícito), há tam ­
bém efeitos jurídicos (pagam ento de todas as despesas médicas,
tratam ento, internação, despesas com luto, funeral e alim entos
- civis e naturais - às pessoas a quem o m orto devia, conforme
Dos F atos Ju ríd ico s 113

os arts. 927 e 948 do Código Civil). Fica evidente que os efeitos


não coincidem com a intenção do agente, m as continuam sendo
jurídicos.
N as palavras de Álvaro Villaça Azevedo (2003, p. 346):

“D esse m odo, qualquer ato p rodutor de efeito jurídico inte­


ressa ao Direito: o ato jurídico lícito para ser acolhido e o ato jurí­
dico ilícito para ser rejeitado. A palavra jurídico, portanto, não sig­
nifica que seja o ato lícito, senão que esse ato produz efeitos jurídi­
cos. Assim, poder-se-ia, norm alm ente, dizer ato jurídico lícito e
ato jurídico ilícito.”

N a Parte Geral o legislador tratou desta espécie de ato em dois


artigos, mais especificam ente no T ítulo III do livro ora em e s tu ­
do. N esta oportunidade apenas trato u de conceituá-los. Sua prin­
cipal conseqüência, porém , será analisada no Livro II, Título IX
na Parte Especial do Código, sob o títu lo “R esponsabilidade Ci­
vil”.

4 A tos lícitos

D entro da classe dos atos lícitos, há um a ú ltim a divisão e s­


pecialm ente utilizada pelo legislador de 2002, dividindo-os em
negócios jurídicos, ato jurídico em sentido estrito e ato -fato ju rí-

4.1 N egócios jurídicos

N a m aioria dos casos, e aten d en d o à distância que o Estado


deve m an ter da vida privada do indivíduo, a lei p erm ite ao cida­
dão certa m obilidade de procedim entos e dá efeitos jurídicos a
esta auto-regulam entação da vontade, possibilitando que os ci­
dadãos exerçam um a espécie de codificação própria para reger sua
vida privada.
N estas hipóteses, a lei se lim ita a estabelecer norm as gerais
que vedem abusos e disparidades e perm ite que as o u tras regras
sejam d iscricio n ariam en te esco lh id as pelo p articu lar. O traço
essencial d esta espécie de fato jurídico d enom inado “negócio ju rí­
114 D ireito Civil

dico” é a autonom ia privada em relação aos efeitos alm ejados. Há


um a vontade qualificada das partes, que almejam a produção de cer­
tos efeitos referendados pela letra da lei.
O exem plo típico é o testam ento. Sujeitando-se a algum as
limitações im postas pelo Código, é facultado ao m aior de 16 anos
destinar seu patrim ônio para depois de sua m orte. D entro das
fronteiras estabelecidas, o testador pode livrem ente destinar seus
bens, estabelecer substituições fideicomissárias ou vulgares, pre­
ver deserdações, criar fundações etc. Há um espaço regulador em
que o agente pode se m ovim entar, criando o seu regram ento per­
sonalizado.
F ábio M aria De M attia (apud AZEVEDO, 2003, p. 40)
elucida:

“O negócio jurídico é aquela m anifestação da vontade que


objetiva o resultado prático, que objetiva exatam ente atingir um
escopo prático ou, de acordo com a nom enclatura m ais m oder­
na, é o negócio jurídico um ato através do qual se procura regu­
lar a autonom ia privada. O negócio jurídico é o ato jurídico atra­
vés do qual o particular procura resolver os seus interesses. O
negócio jurídico nada mais é senão aquele ato regulam entador dos
interesses privados. O traço característico do negócio jurídico é
a existência de um a regulam entação da autonom ia privada, da
autonom ia particular.”

Sílvio Venosa (2003, p. 369) referenda: “Trata-se de um a de­


claração de vontade que não apenas constitui um ato livre, mas
pela qual o declarante procura um a relação jurídica entre as vá­
rias possibilidades que oferece o universo jurídico.”
O contrato de com pra e venda é o utro exem plo. Com peque­
nas lim itações (por exem plo, art. 489: “Nulo é o contrato de com­
pra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a
fixação do preço"), a lei perm ite um a boa dose de m obilidade das
partes para fixar entrega, posse, despesas com registro e tradição,
cláusulas especiais (retrovenda, venda a contento, preempção) etc. As
partes têm o direito de prever os efeitos que surgirão do negócio
e sobretudo a ver tais efeitos am parados pelo ordenam ento e pelo
Judiciário em caso de seu descum prim ento.
D os F atos Ju ríd ico s 115

É com essa espécie de fato hu m an o que o legislador mais se


preocupa, concedendo-lhe m ais de 80 artigos da Parte Geral. Aqui
repousa a esm agadora m aioria dos fatos que com põem o univer­
so jurídico. Sílvio V enosa (2003, p. 369) com plem enta:

"É contudo, no negócio jurídico, até que se estabeleça nova


conceituação, onde repousa a base da autonom ia da vontade, o
fundam ento do direito privado. [...] o negócio jurídico continua
sendo um ponto fundam ental de referência teórica e prática. É por
m eio do negócio jurídico que se dá vida às relações jurídicas tu ­
teladas pelo d ireito .”

4.2 A tos jurídicos em sentido estrito

Por o u tro lado, alguns atos - apesar de praticados pelo h o ­


m em - não possuem esse “querer especial", não possuem no seu
bojo essa destinação específica e qualificada. Há um a intenção,
um animus, um com portam ento do agente, m as que se conforma,
se subsum e a todos os efeitos declarados pela lei. O ordenam ento
concede a previsão genérica do ato que - um a vez praticado pelo
agente - receberá da lei todos os efeitos e repercussões possíveis.
A lei cria a hipótese e, caso o agente se m anifeste no sentido de
com ela anuir, receberá de b rinde todos os efeitos (MAGISTRA-
TURA/RJ - 21°).
O exem plo típico é o reconhecim ento voluntário de p atern i­
dade (Lei n Q 8.560 /9 2 ). U m a vez praticado, produzirá todos os
efeitos existentes en tre pai e filho, com o o d ireito a alim entos,
alteração do registro da criança, direitos sucessórios, alteração do
sobrenom e etc.
A fixação do dom icílio tam bém é dotada de um querer, m as
não no sentido de criar e fixar todas as diretrizes, regras e efei­
tos decorrentes deste ato. H á um a intenção deliberada, m as seus
efeitos são fixados pelo ordenam ento.
N ote que a vontade n esses casos é de m en o r refinam ento,
pois não é dela que decorrerão efeitos e sim da própria lei. Álva­
ro Villaça A zevedo (2003, p. 40) resum e:
1X 6 D ireito Civil

“O que existe é um a ‘determ inação do ordenam ento ju ríd i­


co’. O ato jurídico em sentido estrito é um a situação de fato, que,
enquadrando-se em um a disposição do ordenam ento, gera efei­
tos jurídicos. No ato jurídico há efeitos jurídicos por força da lei.
‘E a lei quem diz: as pessoas que estão enquadradas em tal situ a­
ção sofrerão esta conseqüência jurídica.”'

4.3 Ato-fato jurídico

Por sua vez, há condutas nas quais a vontade é sim plesm ente
ignorada e o Direito se im porta apenas com os efeitos daí decor­
rentes. O consagrado exemplo da criança que com pra um refrige­
rante na padaria com o dinheiro do pai (a ilustração é de Moreira
Alves) ilustra bem o ato-fato jurídico. Ao inserir tal atitude no
campo dos negócios jurídicos, estaríamos fulm inando-o de nuli­
dade absoluta (art. 1 6 6 ,1), o que não é socialmente tolerável.
Para esses casos, o que im porta é a conseqüência, os efeitos
daí decorrentes, e não a vontade ou intenção do agente em pro­
duzi-los. Dessa forma, o indivíduo que conduz o autom óvel de
m odo diligente e - desviando abruptam ente sua trajetória para
não atingir criança no meio da rua - destrói o m uro de um a casa,
apesar de ter praticado ato lícito (e até heróico), deverá pagar
ressarcim ento ao p ro p rietário do m uro, pois pouco im porta a
intenção, a vontade do agente, e sim a conseqüência que foi pre­
judicial ao dono do imóvel (MP/RS - XLII).
Do m esm o modo, se o louco encontrar depósito antigo de
coisas preciosas, ainda que não seja em imóvel de sua proprieda­
de, terá direito à m etade do seu valor, pois a sua vontade não é
levada em conta e sim a conseqüência do seu ato-fato. N ovam en­
te, não seria razoável sustentar pela não-produção de efeitos deste
com portam ento.
O autor da Parte Geral do Código Civil, M oreira Alves (in
Revista de Informação Legislativa, p. 8, out./d ez. 1973) conclui:

“Os atos jurídicos em geral são ações hum anas que criam,
modificam, transferem ou extinguem direitos. Mas as ações h u ­
manas que produzem esses efeitos jurídicos dem andam discipli­
Dos F atos Ju ríd ico s 117

na diversa, conform e a lei lhes atribua conseqüências, com base


no m aior ou m enor relevo, que confira à vontade de quem as pra­
tica. N um contrato de com pra e venda, vendedor e com prador,
ao celebrá-lo, form am o seu conteúdo, determ inando a coisa a ser
vendida e o preço a ser pago, e estabelecendo, m uitas vezes, clá­
usulas que afastam princípios, dispositivos da lei, ou que encer­
ram condição ou term o. A vontade das p artes tem papel p rep o n ­
derante na produção dos efeitos jurídicos desse contrato, cujo
conteúdo foi fixado por ela. O m esm o não ocorre quando alguém,
n u m a p escaria, fisga u m peixe, d ele se to rn a n d o p ro ­
prietário graças ao in stitu to da ocupação. O ato m aterial dessa
captura não dem anda a vontade qualificada que se exige para a
formação de um contrato. U m garoto de sete ou oito anos - até
de m enos - torna-se proprietário dos peixes que pesca. [...] A in­
capacidade, no caso, não acarreta nulidade ou anulação, ao con­
trário do que sucederia se essas m esm as pessoas celebrassem um
contrato de com pra e venda. Por quê? Porque, n a hip ó tese de
ocupação, a vontade exigida pela lei não é a vontade qualificada,
necessária para a realização do contrato; basta a sim ples in ten ­
ção de tornar-se proprietário da res nullius, que é o peixe, e essa
intenção podem tê-la todos os que possuem consciência dos atos
que praticam .”

O organogram a a seg u ir explica a divisão dos atos lícitos,


segundo a valorização atrib u íd a pela lei à v o n tad e das p artes
(MAGISTRATURA FEDERAL/4a REGIÃO - 2001).
118 D i r e i t o C iv il

Atos Lícitos

Negócios Jurídicos
Ex.: contrato de
l Ato-fato jurídico
Ex.: ato danoso
compra e venda de Atos jurídicos em
praticado em
bem imóvel. sentido estrito
estado de
Vontade Ex.:
necessidade.
qualificada Reconhecimento
Vontade
de paternidade,
desprezada
fixação de
domicílio.
Vontade
desprestigiada

C ap ítu lo III
T e o ria g eral d o s n eg ó cio s ju ríd ico s

1 E x istên cia, v alid ad e e eficácia do n eg ó cio ju ríd ico

O assunto que envolve os três planos do negócio jurídico é


dos mais intrincados e apaixonantes do D ireito Civil. Polêmicas
sobre o assu n to su b sistem até hoje e não há co n sen so sobre
m uitos dos seus aspectos.
A validade e a eficácia são planos m ais evidentes do negócio,
p o rq u an to a própria lei prevê ex p ressam en te os requisitos de
validade do negócio (art. 104), fulm inando-os de nulidade abso­
luta em caso de seu descum prim ento. Há inclusive um capítulo
inteiro dedicado ao estu d o da “Invalidade do Negócio Jurídico”
(art. 166 ss).
O Código tam bém disciplina hipóteses clássicas de negó­
cios válidos, porém ineficazes, no capítulo que versa sobre a con­
dição e o term o, institu to s que afetam diretam ente a regular pro­
dução de efeitos de um negócio válido. O negócio jurídico do tes­
tam ento, por exem plo, apesar de plenam ente válido, só surtirá
efeitos quando da m orte (term o) do seu autor. A doação feita em
Dos F atos Ju ríd ico s 119

contem plação de casam ento (art. 546) sujeita os efeitos deste


negócio à efetiva realização do m atrim ônio (condição), dispon­
do a parte final do artigo que “só ficará sem efeito se o casamento não
se realizar”.
O plano da existência do negócio jurídico tam bém não é de
difícil visualização, em bora su a p ertin ên cia não seja consenso
entre os doutrinadores. Se d eterm inado sujeito possui um docu­
m ento nas m ãos que alega ser um te stam en to público e não há
sequer registro deste no respectivo tabelião de notas, estam os
diante de um negócio que para o m u n d o jurídico é inexistente.
Roberto Senise (2004, p. 509) explica:

“A to in e x isten te é o ato que, em b o ra p resen te no m u n d o


fático, não possui q u alquer in teresse para o direito. E m ero fato
ou acontecim ento que não produz qualq u er efeito jurídico, ante
a ausência de elem entos essenciais de sua existência perante o
ordenam ento jurídico.”

O casam ento entre pessoas do m esm o sexo é o u tro exem plo.


Aliás, foi essa hipótese que fez surgir a necessidade de se im agi­
nar o plano da existência do negócio jurídico. A teoria de Zacarias,
conform e lem bra Silvio R odrigues (2002, p. 291), surgiu exata­
m ente para contornar u m a lacuna da lei francesa, que não previa
a nulidade de casam en to s d e sta natu reza. Se a lei não previa,
nulidade não havia e a saída foi afirm ar que o casam ento não era
nulo, m as inexistente para o m u n d o jurídico.
E nquanto a visualização desses três planos do negócio ju rí­
dico não é difícil, o co n sen so sobre quais são os elem entos de
existência e até m esm o a utilidade deste plano ainda é m atéria
de aceso debate. Silvio Rodrigues (2002, p. 291) su sten ta que esse
plano é inexato, inútil e inconveniente, e que a teoria da nulidade
absoluta dos negócios jurídicos su b stitu iria com vantagem a no­
ção da existência.
O fato é que conseqüências podem advir de u m negócio que,
para o m undo jurídico, não existe, m as que p ara os olhos do in ­
divíduo é perfeitam ente ex isten te e válido. Um casam ento cele­
brado por advogado pode fazer surgir um docu m en to bem redi­
gido, com assinaturas, carim bos, selos holográficos, que para os
1 2 0 D i r e i t o C iv il

olhos de um leigo representaria um verdadeiro m atrim ônio. Tal


constatação fática pode dar ensejo a um negócio jurídico de doa­
ção em contem plação de m atrim ônio feita por terceiro que está
de plena boa-fé. O D ireito visa proteger o cidadão do bem, que
age com h o n estid ad e e ignora a in ex istên cia ju ríd ica daquele
m atrim ônio. Será então indispensável que o D ireito socorra este
cidadão, declarando que o negócio jurídico que ensejou aquela
doação nunca existiu.
Os planos podem ser facilm ente identificados quando nos
deparam os com exem plos de negócios que, em bora válidos, são
ineficazes (negócio jurídico de doação condicionado a determ i­
nado evento futuro e incerto), ou que, em bora inválidos, são efi­
cazes (casam ento putativo), como julgou o Tribunal de Justiça do
Paraná:

“Ação de alim entos. Anulação de casam ento - Bigamia - Boa-


fé do cônjuge - Efeitos civis do casam ento putativo. Art. 221 e
seu parágrafo do Código Civil. Ação procedente - Recurso impro-
vido. A putatividade, no casam ento anulável ou m esm o nulo,
consiste em assegurar ao cônjuge de boa-fé os efeitos do casam en­
to válido, entre os quais encontra-se o direito a alim entos, sem
lim itação no tem po” (TJPR - Ac. nQ9.858, 28-11-94, Rel. Des.
W ilson Reback).

2 Elementos essenciais para a existência do negócio

Sílvio Venosa (2003, p. 399) já alertava para o fato de que,


“no exame da estrutura do negócio jurídico, a doutrina longe está de atin­
gir a unanimidade de critérios. Assim, cada autor apresenta estrutura pró­
pria no exame do negócio jurídico". E ntendo que o negócio jurídico
para existir carece de três elem entos: sujeito, objeto e vontade.
N ão há negócio se não houver ser hum ano que lhe dê vida atra­
vés de um ato de vontade que se refira ao m enos a um objeto.
Agente, objeto e vontade são os elem entos que com põem a existên­
cia do negócio. Os dois prim eiros já foram abordados alhures e
por conta disso passo a exam inar o elem ento vontade.
Dos F atos Ju ríd ico s 121

2.1 V o n ta d e

Segundo elem en to essencial à concretização do negócio, a


vontade é o elem ento subjetivo que - aliado ao objeto - dá vida
ao ato. A vontade nada m ais é do que a in ten ção subjetiva do
agente em praticar d eterm in ad o negócio, ao qual a lei em presta
sua eficácia, desde que respeitados alguns princípios e limitações.
A isso se dá o nom e de autonomia da vontade. Em conform idade
com o princípio da legalidade, a lei respeita e dá força à m anifes­
tação da vontade. Perceba que o vício na form ação da vontade de
d eterm in ad o su jeito nos leva ao seg u n d o p lano do negócio, a
validade. Assim , o negócio jurídico cuja vontade geradora foi vi­
ciada é um negócio anulável. E n tretan to , um negócio jurídico
celebrado com ausência desta intenção subjetiva (cidadão que é
fisicam ente forçado a apor su a im pressão digital em determ in a­
do docum ento) gera a inexistência do negócio. E por isso que se
diz que a vontade é elem ento de existência do negócio, en q u an ­
to a vontade livre, esclarecida e ponderada é requisito de valida­
de do m esm o.
A vontade expressa d em o n stra-se pela m anifestação escrita,
falada ou m esm o gesticulada do agente. E aquela que não dá m ar­
gem a dúvidas, realizada de m odo explícito. O agente pode assi­
nar um contrato, aceitando a condição de depositário, pode sim ­
plesm ente aceitar verbalm ente a doação de bens móveis de pe­
queno valor (art. 541, parágrafo único), ou pode até m esm o fa­
zer o sinal com as m ãos para aceitar a oferta de co ntrato de tran s­
porte que o letreiro do ônibus oferece (art. 429).
A vontade pode ainda se m anifestar através do com portam en­
to do agente, de sua co n d u ta e p o stu ra diante das relações ju rí­
dicas que lhe são apresentadas. O indivíduo que recebe proposta
de cartão de crédito não se m anifesta de m odo expresso a esse
resp eito , m as dirig e-se ao p rim e iro te rm in a l e letrô n ic o p ara
desbloqueá-lo e em seguida utilizá-lo e age com o quem p rete n ­
de aceitar referida proposta. O m esm o ocorre com aquele que se
prontifica a participar de en trev ista ao vivo. Seu com portam ento
dem onstra que concorda p len am en te com a veiculação de sua
imagem na televisão.
1 2 2 D i r e i t o C iv il

2.1.1 O silêncio como expressão de vontade

Situação diferente ocorre quando o sujeito não se m anifesta,


sim plesm ente silencia a respeito de determ inada situação. O di­
tado popular que su sten ta que "aquele que cala consente’’ não pode
ser utilizado integralm ente no m undo jurídico. Isso porque a lei
trata o silêncio com m uito cuidado, ora considerando que ele sig­
nifica aceitação, ora recusa.
A doação, como contrato que é, deve obrigatoriam ente conter
dupla declaração de vontades (todo o contrato é - na sua formação
- b ilatera l). D essa form a, ta n to o d o ad o r q u a n to o d o n a­
tário devem se m anifestar para a concretização deste negócio jurí­
dico que em seus efeitos é unilateral (gerando deveres apenas para
um a das partes). Ao tratar da aceitação da doação sem encargo, o
Código prevê que o silêncio do donatário configura sua aceitação.
A contrario sensu, na doação onerada por um encargo, o silêncio do
donatário im portará em sua recusa (art. 539). Da m esm a forma, o
herdeiro que reluta em aceitar a herança pode ser intim ado a pro­
nunciar-se pelo seu credor e, após o prazo estabelecido pelo juiz,
seu silêncio im portará em aceitação (art. 1.807).
T ratando a declaração de vontade de m odo genérico, o Códi­
go privilegiou os costum es e as circunstâncias do negócio jurídi­
co realizado, a fim de disciplinar a eficácia do silêncio com o m a­
nifestação de vontade.
D essa forma, o art. 111 dispõe que o silêncio significará acei­
tação “quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for ne­
cessária a declaração de vontade expressa”. Bons exem plos são obti­
dos no D ireito Comercial. O arm azém que d u ran te anos solicita
determ inada quantidade m ensal de produtos ao seu fornecedor
anui com seu silêncio à entrega do m esm o ainda que sem o pe­
dido expresso.
R oberto de Ruggiero (1934, p. 251) explicava há mais de 70
anos:

“O silêncio vale especialm ente como declaração quando, dada


determ inada relação entre duas pessoas, a m aneira corrente de
proceder implicasse o dever de falar; principalm ente em frente da
D os F atos Ju ríd ico s 1 2 3

declaração de um a das partes, que im plique um a obrigação para


a o u tra a que se dirige, o silêncio desta ú ltim a pode entender-se
com o assentim en to ."

Nas relações de consum o, há um expediente ardiloso u tili­


zado com certa freqüência que é o envio de cartão de crédito sem
a solicitação do cliente, com a abusiva cláusula de que, “não recu­
sando o cartão de form a expressa, o destinatário será automaticamente
incluído como novo cliente". Perceba que a cláusula co n tratu al trata
o silêncio com o aceitação. Tal disposição (que se enquadra no rol
das práticas abusivas no art. 39, III, do Código de Defesa do Con­
sum idor) não possui valor legal, p osto que os usos e circu n stân ­
cias n este caso não autorizam que se in terp rete o silêncio com o
vontade tácita.
Julgando situação sem elhante, a 9a C âm ara de D ireito Priva­
do do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu de m odo
técnico e ponderado:

“CONTRATO - Prestação de serviços de saúde - A ssistên ­


cia m édico-hospitalar - A u m en to da taxa de m anutenção su p eri­
or a 1.000% de um m ês p ara o u tro - Inadm issibilidade (...). O
silêncio com o dem onstração de aceitação - seja na elaboração de
um negócio jurídico, seja na novação, transform ação ou cessação
do negócio já existen te é o silêncio intencional, refletido, am a­
durecido e despido de q u alq u er vício de vontade, por m ais tên u e
que seja. É a concordância fruto de firm e deliberação. E por as­
sim dizer, a resposta n atural a um a indagação ou p roposta for­
m ulada sem dolo, reserva m ental, malícia, fraude, coação, sim u ­
lação ou dissim ulação etc. Q uando a p erg u n ta ou p roposta vem
inform ada de segundas intenções - ainda que não sejam neces­
sariam ente dolosas, m as plasm adas em práticas negociais conde­
náveis o silêncio nem sem pre pode ser a dm itido como dem ons­
tração de aprovação. N a espécie, usou-se da técnica do silêncio
com propostas dirigidas a m uitos associados com cabelos ralos e
encanecidos, visão enfraquecida ou turvada, om bros arqueados
com o peso dos anos, pele enru g ad a e pigm entada, alguns em
inexorável decadência m ental. Se essa técnica, p er se já não é das
mais louváveis, o que se dirá quando dirigida, em assu n to deste
124 D i r e i t o C iv il

jaez, a pessoas que já se encontram na fase crespuscular da vida?”


(Apelação Cível nQ50.836-4 - São Paulo - 9a C âm ara de D ireito
Privado - Rel. Franciulli N etto - 23.02.99 - v. u.).

2 .J.2 D a representação

Ainda tratando da “vontade", prevê o legislador a hipótese de


esta não ser declarada pessoalm ente pelo agente, m as por tercei­
ro assim designado pela lei ou pela vontade das partes. E a hipó­
tese da representação, inserida na Parte Geral do Código no Ca­
pítulo II do Livro III.
O artigo inaugural desse capítulo (art. 115) traz a consagra­
da distinção entre representação legal e convencional. N aquela fi­
gura, a lei d eterm in a que a vontade de um a pessoa será exte-
riorizada por outra. E o caso do pai que rep resen ta seus filhos
m enores (art. 1.690), do tu to r que representa o m enor sem um
poder familiar que o proteja (art. 1.728), do curador que repre­
senta os maiores incapazes (art. 1.781), do síndico que representa
o condom ínio edilício (art. 1.348, II), do adm inistrador que re­
presenta a pessoa jurídica (art. 47). Na m odalidade convencional,
é o próprio agente quem atribui a outrem a tarefa de m anifestar
sua vontade. Tal representação é consubstanciada no m ais das
vezes pelo contrato de m andato (art. 653), cujo in stru m en to é a
procuração.
Um exem plo da distinção de efeitos entre as duas espécies
de representação está no art. 149 do Código Civil, que - em caso
de dolo do representante - prevê conseqüências m ais sérias para
o representado na hipótese convencional do que na legal.
O capítulo ainda insere algumas regras im portantes sobre a
representação, tachando de anulável aquele que for concluído em
conflito de interesses com o representado, desde que o fato fos­
se conhecido daquele com quem se contratou (art. 119).

2.1.3 A utocontrato

O ponto mais im portante do capítulo é sem dúvida aquele que


perm ite o autocontrato ou o contrato consigo mesmo.
Dos F ato s Ju ríd ico s 125

C ontrovertida figura do m undo dos negócios, a hipótese em


tela se desenvolve nos seguintes term os: um a pessoa p reten d en ­
do, v. g., alienar seu im óvel o u to rg a procuração a advogado de
confiança para que este se encarregue de tal tarefa.
N o corpo do co n trato de m andato, fica facultado ao advoga­
do alienar o imóvel para quem en ten d er conveniente (respeita­
do obviam ente o preço estip u lad o ), inclusive para si próprio.
N este contexto, curiosa situação se configura no m o m en to do
registro no cartório. O advogado dirige-se ao tabelião solicitan­
do cu m p rir a form alidade do reg istro , ap resen tan d o -se com o
alienante (represen tan d o o proprietário) e com o ad q u iren te (aí
em nom e próprio).
O Código p erm ite tal situação desde que a lei ou o rep resen ­
tado assim o consintam . N a au sência de tal co n sen tim en to , o
negócio afigura-se anulável. E o que de resto dispõe o art. 117:
“Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico
que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar
consigo mesmo. ”

2 .1 .4 Reserva m ental

Ainda disciplinando a vontade e suas form as de expressão, o


legislador de 2002 inovou, tratan d o da reserva m ental. Fez isso
no art. 110, que assim dispõe: “A manifestação de vontade subsiste
ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que
manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento. ”
Dá-se a reserva m ental quan d o a parte em ite declaração pro-
positalm ente divergente de su a real in tenção com o in tu ito de
enganar o destinatário. N estas hipóteses, o negócio apenas não
subsistirá se o destin atário tin h a conhecim ento d esta divergên­
cia entre o realm ente desejado e o que foi declarado. A expres­
são não subsistir significa inexistência para N élson N ery e Rosa
M aria N ery (2003, p. 202). N ão se pode negar, en tre tan to , que a
reserva m ental conhecida pela o u tra parte é in stitu to m u ito p ró ­
xim o da sim ulação, sendo inclusive tratad a com o tal por diver­
sos diplom as estrangeiros. A com panhando o pen sam en to de Al-
126 D ireito Civil

varo Villaça Azevedo (2003, p. 64), entendo que a hipótese é de


nulidade.
N élson Nery e Rosa Maria Nery (2003, p. 202) exemplificam
hipóteses de ocorrência de negócio jurídico maculado pela reserva
m ental:

"E strangeiro, que, estan d o em situação irregular no País,


casa-se com um a m ulher da terra a fim de não ser expulso pelo
serviço de imigração; pessoa declara verbalm ente a outrem ven­
der-lhe certa coisa móvel para o enganar, julgando erradam ente
que a lei sujeita essa venda a escritura pública, pelo que será nulo
o contrato por vício de forma."

A tente, porém , ao fato de que o negócio celebrado com re­


serva m ental será plenam ente válido na hipótese de o d estin atá­
rio ignorar a divergência entre o declarado e o pretendido.

3 Requisitos de validade do negócio jurídico

U ltrapassada a fase da existência, a lei im põe um a nova pro­


va por onde só passarão os negócios jurídicos que obedecerem a
alguns requisitos. Os "aprovados” ganham da lei o título de vali­
dade, estando potencialm ente aptos a gerar seus regulares efei­
tos. Digo "potencialm ente", pois, ainda que válidos, os negócios
podem não produzir efeitos por im posição legal ou m esm o por
determ inação das partes. O testam en to que obedece aos requisi­
tos legais existe e é válido, m as só surtirá efeitos com a m orte do
testador, o m esm o ocorrendo com a doação condicionada a evento
fu tu ro e incerto que só ganhará eficácia com o im plem ento da
m esm a.
Os requisitos de validade do negócio jurídico são um com ­
plem ento dos elem entos de existência. Se há necessidade de pes­
soa, objeto e vontade, é tam bém verdade que para a validade do
negócio o agente deve ser capaz, o objeto, lícito, possível, d eter­
m inado e determ inável e a vontade deve ser livre, esclarecida e
ponderada, além de se m anifestar pela form a que a lei impõe em
alguns casos. O art. 104 segue esta trilha e traz com o requisitos
D os F ato s Ju ríd ico s 127

de validade o agente capaz, o objeto lícito, possível, determinado ou


determinável e a forma prescrita ou não defesa em lei.
Os requisito s de validade do negócio jurídico são reflexos
o riu n d o s dos elem en to s de ex istên cia (vontade e objeto). Ao
exigir que o agente ten h a “capacidade”, a lei apenas impõe que a
vontade (elem ento de existência) seja expressa por quem é con­
siderado apto a tanto. Os aptos são todos os que estão fora dos
arts. 3o e 4Qdo Código. De m odo sim ilar, a form a (requisito de
validade) é o m odo com o a vontade será expressa, a m aneira pela
qual o legislador exige que a vontade seja declarada em d eterm i­
nados negócios.
Por fim, o objeto lícito, possível, determ inável e determ in a­
do decorre necessariam ente do elem en to objetivo de existência
do negócio, à qual nos referim os an teriorm ente.

3.1 C ap ac id ad e

Vimos que a capacidade de fato ou de exercício é a aptidão


que alguns possuem de praticar pessoalm ente os atos da vida civil,
de exercer seus direitos e cu m p rir suas obrigações. A capacidade
de direito não sofre - nem poderia sofrer - lim itação, salvo nos
raríssim os e lim itados casos de indignidade e deserdação.
O legislador determ in a que o agente em issor da vontade te ­
nha aptidão e solércia para assim proceder. Tais a trib u to s são
entregues ao agente quando sai das fronteiras dos arts. 3° e 4Q.
E nquanto ali perm anecer, o negócio por ele praticado sem a de­
vida representação ou assistência será nulo ou anulável, confor­
me sua incapacidade seja ab soluta ou relativa (art. 1 6 6 ,1) (MA-
GISTRATURA/SP - 170°). A preocupação com o incapaz é tan ta
que a lei proíbe os próprios pais de venderem bens im óveis dos
seus filhos sem autorização judicial (art. 1.691), procedendo com
m aior cautela quando se tra ta r de tu to r que rep resen te o m en o r
(art. 1.750).
Q uanto à diferença en tre capacidade e legitim ação, rem e te­
mos o leitor ao estudo referente às pessoas e sua capacidade, onde
o assu n to é abordado em m inúcias.
128 D ireito Civil

3.2 Objeto lícito, possível, determinado ou determinável

Seria um contra-senso o ordenam ento em prestar valor e efi­


cácia àquilo que não possui liceidade. Pelo negócio, as partes
convencionam a aquisição, resguardo, transferência, modificação
e extinção de direitos disponíveis sob o m anto da lei, que lhes
atribui a garantia de eficácia. O ordenam ento am para tais dispo­
sições volitivas até o m om ento em que a fronteira da liceidade é
ultrapassada. Um exem plo de objeto ilícito encontra-se no pró­
prio corpo do Código, no art. 426, onde expressam ente se proí­
be a cham ada pacta corvina. Diz a lei: "Não pode ser objeto de contra­
to a herança de pessoa viva."
O Código de 2002 introduziu ainda os adjetivos possível, de­
terminado ou determinável com o requisitos para a validade do ob­
jeto.
Não se negocia o impossível. Se A contrata com em presa de
engenharia a construção e entrega em cinco dias de um prédio de
20 andares que ainda está na planta, não conseguirá do Judiciá­
rio a condenação pelo descum prim ento do avençado.
T am bém , não se encaixa com a sistem ática do d ire ito a
indefinição absoluta do objeto negociado. E d a essência do negó­
cio que as partes saibam sobre o que estão avençando. Se im pos­
sível um a determ inação exata sobre o objeto (como, por exem ­
plo, em um c o n tra to que v ersa sobre fu tu ra safra), que ao
m enos seja determ inável. O art. 243 refere-se à hipótese de obri­
gação de dar coisa incerta, m as estipula que ao m enos o gênero e
a quantidade serão indicados.

3.3 Forma prescrita ou não defesa em lei

Em regra, os negócios são deform a livre, sem m aiores exigên­


cias legais, o que é inclusive razoável quando se busca m aior cir­
culação de capital e serviços na sociedade. E o que dispõe o art.
107: “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma es­
pecial, senão quando a lei expressamente a exigir." N ão se pode em ­
baraçar a vida cotidiana da civilização com um cipoal de exigên­
cias e trâm ites legais.
D os F ato s Ju ríd ico s 129

A lguns atos, porém , são de tam an h a im portância e repercus­


são social que o legislador n ão poderia deixá-los à m ercê da in ­
segurança e fragilidade que a inform alidade carrega. A forma tam ­
bém cham a a atenção das partes para a relevância do ato que es­
tão praticando (RODRIGUES, 2002, p. 176). Exige para tais atos
um cam inho a ser trilh ad o para sua perfeita conclusão. São os
cham ados atos solenes e têm em com um o fato de ocuparem posi­
ção de destaque na vida do agente. A transferência, a m odifica­
ção ou a renúncia de qualquer direito real sobre imóvel, por exem ­
plo, não se perfazem sem a escritura pública (nas hipóteses em
que o imóvel valha m ais do que 30 vezes o m aior salário m ínim o
vigente no país), conform e o art. 108.
O utro exem plo de negócio jurídico com form a prescrita em
lei é o testam en to , cuja eficácia está condicionada à m o rte do
testador. Na m odalidade de te stam en to cerrado, o Código d e te r­
m ina até m esm o a costura do in stru m en to (art. 1.869) com o um a
de suas etapas de confecção.
O m ais solene dos atos, porém , ainda é o casam ento, preven­
do a lei todo um processo de habilitação e quase um ritual em sua
celebração, chegando a ap o n tar as palavras que devem ser ditas
pelo presidente do ato após a concordância dos nu b en tes: “De
acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos
receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados”
(art. 1.535).
N ada im pede que as p artes estabeleçam en tre si um a forma
obrigatória, ainda que a lei não exija. É o que dispõe o art. 109:
“No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instru­
mento público, este é da substância do ato. ”
Parte da do u trin a divide os atos solenes em ad solemnitatem e
ad probationem tantum, salientando que, en q u an to naqueles a for­
m a é da substância do ato, n estes ela serve apenas de prova de
sua realização. Na esteira de Silvio R odrigues (2002, p. 177) e
Sílvio V enosa (2003, p. 410), en ten d o não oferecer m aior relevo
tal distinção, pois, ao exigir a lei form a especial, nada m ais resta
ao indivíduo a não ser cum pri-la; caso contrário, o negócio será
nulo. De qualquer form a, fica o registro da distinção.
130 D ireito Civil

3.3.1 R eflexos processuais da fo rm a

D esaguadouro das questões cíveis, é no âm bito do processo


que eventuais litígios desembocam. Logo, é interessante analisar
alguns reflexos da ausência da “form a” exigida pela lei.
O art. 320 do CPC, por exem plo, trata dos efeitos da revelia
e excepciona a regra do art. 319, afastando a presunção de vera­
cidade dos fatos alegados, quando “a inicial não estiver acompanha­
da do instrumento público, que a lei considere indispensável à prova do
ato”. N élson Nery (2003, p. 601) exemplifica:

“N ão se pode, por exem plo, te r com o v erdadeiro o fato de


que o autor, em ação reivindicatória, é p ro p rietário de imóvel,
se deixou de ju n ta r a escritu ra pública devidam ente registrada,
que é da substância do ato e d o cum ento indispensável à pro-
p o situ ra da ação.”

O diplom a processual é ainda mais elucidativo quando versa


sobre a prova docum ental, proclam ando no art. 366 do CPC:
“Q uando a lei exigir, como da substância do ato, o in stru m en to
público, nenhum a o u tra prova, por mais especial que seja, pode
suprir-lhe a falta.”

4 Interpretação do negócio jurídico

Preocupado em extrair do contexto do negócio a real in ten ­


ção das partes, o legislador inseriu três artigos visando à interpre­
tação dos negócios jurídicos. É a lei inserindo-se no contexto do par­
ticular para extrair a substância do que se pactuou e alcançar a
prevalência da justiça e da boa-fé.
O prim eiro destes artigos é o art. 112, em orientação m uito
sem elhante à prevista no art. 85 do Código de 1916. A lei prefe­
re a intenção dos co n tra ta n te s ao sen tid o literal u tilizad o na
manifestação do negócio.
Beviláqua (1980, p. 215) justificava a orientação do Código:

“N as declarações de vontade, atende-se mais à intenção do


que às palavras, porque as palavras são sim plesm ente os sinais
D os F a to s Ju ríd ico s 131

que revelam a resolução tom ada, e, se foram mal em pregadas, por


ignorância ou descuido, não m anifestam a vontade com o esta
existiu no m om ento de ser celebrado o ato.”

O Código preocupa-se dem asiadam ente com a interpretação


dos negócios jurídicos. Na Parte Geral, ordena in terp reta r estri­
tam ente os negócios benéficos e a renúncia (art. 114). Tal orien­
tação é seguida pelo Código em diversas oportunidades (fiança:
art. 819; testam en to : art. 1.899; transação: art. 1.027). A Parte
Especial do Código ainda im põe a interpretação estrita dos con­
tratos de adesão quando houver cláusulas am bíguas (art. 423).
Legislações especiais tam bém utilizam regras interpretativas.
A Lei nQ 9.610/98, em seu art. 4Q, dispõe: “Interpretam-se restri­
tivamente os negócios jurídicos sobre os direitos a u t o r a i s o Código de
D efesa do C o n su m id o r d e term in a que a in terp reta ção se faça
sem pre de m odo m ais favorável ao consum idor (art. 47).
O art. 113 im põe ainda que se proceda à interpretação dos
negócios jurídicos com a utilização do princípio da boa-fé como
vetor interpretativo. O intérprete deve entender o contrato da m a­
neira como se ele tivesse sido redigido por partes dotadas de plena
boa-fé.

5 Classificação dos negócios jurídicos

Com o em toda classificação, diversos critérios são adotados


e de cada um deles extraem -se grupos que apresentam d eterm i­
nadas afinidades. Classificar alunos de um a classe pela sua altu ­
ra, por exem plo, resu ltaria em grupos (baixos, m édios, altos).
Classificá-los pelo ren d im en to escolar, idem (notas ruins, boas
e ótim as). Perceba que u m m esm o aluno estaria em diversos gru­
pos, conform e o critério utilizado.
Ao classificar os negócios jurídicos, procede-se à operação
sem elhante. C ritérios são criados e deles re su lta a divisão em
grupos. Q uatro são os critérios m ais im p o rtan tes.
A prim eira classificação leva em conta o n ú m ero de m anifes­
tações de vontade necessárias para sua form ação. A queles que
dependem necessariam ente da manifestação de m ais de um a parte
132 D ireito Civil

são cham ados de bilaterais. O co ntrato é necessariam ente um


negócio bilateral. N ão há contrato form ado por um a só declara­
ção de vontade. A doação, por exem plo, depende de aceitação do
donatário.
Injustificada confusão se estabelece nesta idéia, pois há con­
tratos que geram obrigações para apenas um a das partes, como
é o caso das doações puras. Na classificação dos efeitos dos con­
tratos (que sem pre são negócios jurídicos bilaterais, entenda-se:
form ados pelo acordo de duas ou mais vontades), eles são cha­
m ados de contratos unilaterais. Note, porém , que houve m ani­
festação de am bas as partes (bilateral em sua formação) e obri­
gações apenas para um a delas (unilateral em seus efeitos).
Os negócios unilaterais, por sua vez, são os que prescindem
d e sta dupla m anifestação, aperfeiçoando-se com apenas um a
em issão de vontade, como é o caso do testam ento.
Q uanto à forma exigida, os atos se dividem em solenes ou
formais (exigem form a prescrita em lei) e não solenes ou infor­
m ais (não exigem tal forma).
Com relação à reciprocidade (e não há confundir-se com a
prim eira classificação), os atos podem ser onerosos e gratuitos,
dependendo - no prim eiro caso - de retribuição da vantagem
percebida. Perceba que o negócio bilateral (aquele que depende
de m anifestação de pelo m enos duas pessoas) geralm ente é one­
roso (ex.: contrato de com pra e venda), m as pode bem ser bila­
teral e gratuito (ex.: doação pura).
Q uanto à natureza do direito veiculado, os negócios podem
ser patrim oniais e extrapatrim oniais (tam bém cham ados de pes­
soais) , como, por exem plo, a emancipação.
Por fim, quanto ao momento de produção de efeitos, a doutrina
divide os negócios em causa mortis e inter vivos, subordinando aque­
les à m orte do agente.
D os F ato s Ju ríd ico s 133

Critério Classificação Exemplo

Manifestações de • Unilaterais • Testamento


vontade necessárias • Bilaterais • Contrato

Sujeição à forma • Solenes • Casamento


prescrita em lei • Não solenes • Aquisição de móvel

Reciprocidade da • Onerosos • Contrato de prestação


vantagem • Gratuitos de sen/iços
• Doação
Natureza do direito • Patrimonial • Contrato de compra e
• Extrapatrimonial venda
• Reconhecimento de
filho
Momento de • Causa mortis • Testamento
produção de efeitos • Inter vivos • Contrato de empreitada

Capítulo IV
Elem entos acidentais dos negócios jurídicos: condição,
termo e encargo

U ltrapassadas as etapas de verificação de existência e valida­


de do negócio, há ainda um a derradeira fase a ser superada. Tra-
ta-se d o plano da eficácia do negócio jurídico. C om o frisam os
alhures, o negócio que existe no m u n d o jurídico, ainda que obe­
deça aos requisitos de validade, pode não su rtir seus regulares
efeitos seja por vontade das partes, seja por im perativo da lei que
insere alguns elem entos subordinadores da eficácia do negócio.
C onsoante a lição de N élson N ery e Rosa M aria Nery (2003, p.
796), quando é a lei que im põe tal subordinação, fala-se em con­
dição legal (conditio iuris), com o o exem plo da renúncia à h eran ­
ça que tem com o condição resolutiva o fato de algum credor do
herdeiro-renunciante im pugnar tal ato abdicativo (art. 1.813).
Tais elem entos não são essenciais com o aqueles estudados
no art. 104 (objeto lícito, agente capaz e form a p rescrita em lei),
mas, um a vez apostos ao negócio, a ele aderem de m odo indelé­
134 D ireito Civil

vel e subordinam sua eficácia ou ineficácia. São por isso cham a­


dos de elem entos acidentais.
De fato, nada im pede que as partes insiram no negócio ju rí­
dico elem entos que suspendam tem porariam ente seus efeitos,
barreira esta que será autom aticam ente tran sp o sta com a ocor­
rência de determ inado evento futuro. Se não pairar dúvida sobre
0 im plem ento deste evento, diz-se que o evento é certo e, p o r­
tanto, estam os diante de um term o inicial (Dar-te-ei meu carro no
próximo Natal ).
E ntretanto, se o evento futuro for incerto, ou seja, se pairar
qualquer dúvida sobre a sua futura ocorrência, estam os diante de
um a condição que suspende o negócio; daí levar o nom e de con­
dição suspensiva.
N ada impede tam bém que as partes insiram um elem ento que
age no sentido diam etralm ente oposto. N esta hipótese, o negó­
cio já nasce surtindo seus regulares efeitos, m as o elem ento fu­
tu ro é um a am eaça c o n sta n te , u m a v erd ad e ira esp ad a de
D âm ocles que pende sobre o negócio e que terá o condão de
resolvê-lo assim que acontecer. Se tal evento futuro for certo, se
não pairar dúvida sobre a ocorrência deste evento futuro, estare­
m os diante do term o final (emprestarei meu apartamento até o pró­
ximo mês de janeiro). Se tal evento for incerto, estarem os diante de
uma condição resolutiva. José Fernando Simão e Luciano Dequech
(2003, p. 52) exemplificam: " compro tua fazenda sob condição de o
contrato se resolver se gear nos próximos 12 meses”.
Tais figuras, que subordinam ora a produção, ora a cessação
dos efeitos de um negócio jurídico a um evento futuro, serão
doravante analisadas.

1 Condição

Pode interessar às partes estipular que a eficácia (ou ineficá­


cia) do negócio fique sujeita à ocorrência de um evento futuro e
incerto. N estes casos, a ocorrência de referido evento terá o con­
dão de ora abrir as com portas dos efeitos ora fechá-las.
H á que se ter em m ente os dois elem entos nodais da condi­
ção: futuro e incerto. N ão há se falar em condição q uanto a even­
D os F atos Ju ríd ico s 135

tos passados, posto já terem se tornado d ireito adquirido ou n e ­


gócio ineficaz, conform e a n atu reza da condição.
D o m esm o m odo, se houver certeza q u an to à ocorrência do
fato, estarem os diante de o u tro elem ento acidental, o term o, onde
já há direito adquirido do agente.
O art. 121 define o in stitu to de m odo defeituoso pois se li­
m ita ao perím etro da condição suspensiva convencional. M elhor
a conceituação de Planiol e R ipert, citados p o r Silvio Rodrigues
(2002, p. 241): “um acontecimento futuro e de realização incerta que
suspende, seja o nascimento, seja a resolução de um direito e que produz
seu efeito retroativamente”.
As condições recebem am pla classificação da lei, sendo algu­
m as inclusive proibidas pelo ordenam ento. N as próxim as seções
analisarem os suas principais espécies, bem com o a im plicação
prática de sua ocorrência.

1.1 Condições proibidas

A lgum as condições não podem ser apostas ao negócio ju rí­


dico, sendo consideradas pelo ord en am en to com o ilícitas. A ssim
são consideradas aquelas que contrariarem a lei, a ordem p ú b li­
ca e os bons costum es. O art. 122 ainda en u m era duas peculia­
res espécies de condições proibidas, analisadas separadam ente.

1.1.1 Condições que privem de todo efeito o negócio ju ríd ico

As condições que retiram do negócio seus regulares efeitos


são proibidas pela lei. M aria H elena D iniz (2002, p. 437) as cha­
m a de perplexas e dá com o exem plo o negócio jurídico de com pra
e venda de bem imóvel, com a condição de que o ad q u iren te não
o ocupe. Perceba que tal condição afronta d iretam en te a n a tu re ­
za do contrato de com pra e venda, que tem com o objetivo p rin ­
cipal e n tre g a r o b em ao a d q u ire n te e a c o n tra p re s ta ç ã o ao
alienante.
136 D ireito Civil

1.1.2 Condições puram ente potestativas

A lei define tais condições como aquelas “que sujeitarem o negó­


cio ao puro arbítrio de uma das partes". N ote que “puro arbítrio" é dife­
rente de “mero arbítrio". O que o legislador veda é deixar ao exclu­
sivo arbítrio de um dos sujeitos a ocorrência ou não da condição.
Nos casos em que o im plem ento da condição estiver a cargo
de um a das partes e tam bém sujeito a fatores externos, ela é vá­
lida. Q uem traz o exem plo de cláusula condicional m eram ente
potestativa é João Baptista de Mello e Souza N eto (2000, p. 90):

“D ar-te-ei vultosa som a em dinheiro se passares no vestibu­


lar: A parte pode im pedir a ocorrência do evento, não indo fazer
a prova, m as se preten d er adim plir a condição não b astará a sua
vontade: terá de superar os concorrentes. A cláusula será válida.”

Vale tam bém a cláusula que subordina a com pra de determ i­


nada obra na hipótese de ela ser prem iada em concorrido concurso
internacional. N esta hipótese, o im plem ento da condição se ve­
rificará dependendo não só do esforço e zelo do autor, m as tam ­
bém da qualidade dos concorrentes e das circunstâncias do cer­
tam e (MAGISTRATURA/RS - 2000).
O intuito da lei é im pedir que o negócio fique ao puro capri­
cho de um a das partes que pode ou não por si só im plem entar a
condição no caso concreto.

1.1.3 Cláusulas condicionais em negócios extrapatrim oniais

Com o já explicam os alhures, há negócios jurídicos que não


se referem a disposições patrim oniais. São negócios que dispõem
sobre direitos im ensuráveis econom icam ente. A em ancipação
voluntária feita por escritura pública, a adoção, alguns direitos da
personalidade, com o a honra, a integridade física e psíquica, a
moral, os direitos pessoais que envolvem o cam po de família são
exem plos de negócios que não têm por objeto disposição econô­
mica, patrim onial. Sobre tais negócios jurídicos não se adm ite a
im posição de cláusulas condicionais. Não se imagina, por exem-
D os F atos Ju ríd ico s 137

pio, um casam ento que possa se desfazer autom aticam ente caso
a sogra venha residir na casa dos cônjuges (OAB/SP - 104s).

1.2 Condição suspensiva

N esta hipótese, o evento fu tu ro e incerto suspende os efei­


tos do negócio jurídico. E n q u an to não se verificar tal condição,
haverá m era expectativa de direito das partes. Tal expectativa só
se converterá em efeitos concretos do negócio se o evento fu tu ­
ro e incerto ocorrer, O exem plo típico é o da doação condicional,
em que o pai firm a negócio jurídico de doação com o filho, com
a condição de que ele seja aprovado no vestibular de d eterm in a­
da instituição de ensino.

1.2,1 Condição suspensiva e direito adquirido

Já tivem os oportu n id ad e de tratar do árduo tem a do direito


adquirido. N aquela oportunidades m encionam os a lição de Carlos
M axim iliano que - den tre o u tro s elem entos - incluía a n ecessi­
dade de preenchim en to integral dos “requisitos legais e de fato para
integrar no patrimônio do respectivo titular”. N ão é, obviam ente, a
hipótese da “condição suspensiva”.
N esta, o agente tem m era expectativa de direito, não vê con­
cluídos os requisitos para considerar seu o p atrim ônio sub o rd i­
nado à condição. Afinal, não podem os esquecer do binôm io: “fu -
turo-incerto” que define o elem en to acidental do negócio ora em
estudo. Sendo incerto, obviam ente não é adquirido o direito. E o
que de resto d eterm in a o art. 125: "Subordinando-se a eficácia do
negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não
se terá adquirido o direito, a que ele visa. ”

1.3 Condição resolutiva

Os negócios ju ríd ico s su b o rd in ad o s a u m a condição re so ­


lutiva produzem regularm ente seus efeitos práticos e ordinários.
Estão, porém , con stantem ente am eaçados pela eventual ocorrên­
cia de um evento fu tu ro e incerto que - u m a vez im plem entado
- terá o condão de resolver, ex tin g u ir aquela relação jurídica. Em
138 D ireito Civil

negócio jurídico de com odato (empréstimo) de determ inado apar­


tam en to , pode-se estabelecer sua resolução tão logo o com o-
datário abandone ou conclua os seus estudos universitários. Note
que o contrato de com odato (plenam ente válido e eficaz) tem
sobre si um a am eaça constante, afinal, será rescindido tão logo o
estu d an te cole seu grau. O contrato será “resolvido” assim que
o evento da form atura ocorra.
E correto, portanto, afirm ar que a condição resolutiva é o
evento fu tu ro e incerto que subordina a ineficácia do negócio
jurídico, pois com seu im plem ento o negócio se to rn ará ineficaz,
esté ril (O AB/SP - 101°; OAB/SP - 106°; DELEGADO/BA -
2001 ).

1.3.1 Condição resolutiva tácita

Em todos os contratos bilaterais (obrigações recíprocas), há


um a condição resolutiva im posta não pelas partes, m as pela lei.
A inda que não haja previsão contratual, todo contrato desta es­
pécie está constantem ente am eaçado de se resolver p o r um a das
partes, caso a o u tra não satisfaça a sua obrigação. E o princípio
da “exceção do contrato não cum prido” . O art. 476 do Código
prevê esta cláusula: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratan­
tes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do
outro.” Explicando a hipótese, W ashington de Barros M onteiro
(2001, p. 111) leciona:

“Em todos os contratos sinalagm áticos existe sem pre a cláu­


sula resolutiva, expressa ou tácita, por força da qual acordam os
contratantes que o ato se desfaça, caso deixe um deles de cum ­
prir suas obrigações. Ao inadim plente cabe então reparar o dano,
em conform idade com o art. 1.056 do Código Civil.”

D isciplinando o co ntrato de com pra e venda, o Código de


1916 previa hipótese sem elhante no art. 1.163, dispondo que
“ajustado que se desfaça a venda, não se pagando o preço até certo dia,
poderá o vendedor, não pago, desfazer o contrato, ou pedir o preço”. Tal
cláusula específica do contrato de com pra e venda era denom i­
nada pacto comissário e não foi repetida no Código de 2002 pelo
Dos F a to s Ju ríd ico s 139

fato de que a cláusula genérica de resolução do art. 476 a su b sti­


tui com vantagens e é por isso cham ada de pacto comissário implí­
cito (OAB/SP - 106°).
N o direito das coisas, há tam bém um pacto comissário que é
nulo de pleno direito e tem a intenção de conceder ao credor com
garantia real o ingresso na posse do bem caso a dívida não lhe seja
paga. A ssim , por exem plo, ao cred o r h ip o tecário , não sen d o
adim plida a dívida, assistiria o direito de ingressar incontinenti na
posse do bem em penhado. E nquanto o pacto comissário implícito é
regra geral em nosso o rd en am en to (art. 476), o pacto comissário
do direito das coisas é nu lo (art. 1.428).

1.4 Im possibilidade da condição

O legislador ainda prevê condições ditas impossíveis. Nelas, a


incerteza de sua ocorrência é absoluta, seja física, seja juridica­
m ente. D iferentem ente do Código Civil de 1916 (em que havia
distinção de conseqüências en tre a im possibilidade física e a ju ­
rídica), o legislador de 2002 distinguiu apenas a conseqüência da
condição im possível, conform e ela seja suspensiva ou resolutiva.

1.4.1 Im possibilidade da condição suspensiva

Q uando a condição im possível (quer jurídica, quer fisicamente)


for suspensiva, o negócio inteiro está invalidado. E o que dispõe
o art. 123: “Invalidam os negócios jurídicos que lhe são subordinados:
[...] I - as condições física ou juridicam ente impossíveis, quando
suspensivas. ”
A posição do legislador é com preensível. Ao inserir um even­
to física ou ju rid icam en te im possível com o condição para que
determ inado evento te n h a eficácia (condição suspensiva), as p ar­
tes aguardam a ocorrência do im possível e o negócio n u n ca virá
a se concretizar. Q ualq u er expectativa em ver o negócio su rtir
efeitos é nula.
140 D ireito Civil

1.4.2 Impossibilidade da condição resolutiva

T ratam ento bem diferente concede o legislador às condições


resolutivas. N este caso, se houver im possibilidade na condição,
esta será considerada inexistente e o negócio perdura norm alm en­
te. Perceba que o negócio já surte seus regulares efeitos e só se
tornaria estéril se ocorresse o impossível. As partes então cum ­
prirão com o avençado, pois a condição n u n ca ocorrerá. N este
caso, é a condição que deve ser d escartada e o negócio estará
m antido para todos os efeitos.

1.5 Novas disposições quanto à coisa sob condição

Se, por um lado, o legislador não concede a aquisição do di­


reito àquele que aguarda a ocorrência do evento futuro e incerto,
por outro não o deixa desam parado e já prevê a possibilidade de
aquele que disponha da coisa sob condição suspensiva fazer no­
vas disposições a seu respeito. A lei, nesta hipótese, retira-lhes
o valor caso a condição venha a ocorrer.
Assim, v. g., no caso de o proprietário de um automóvel com-
prom eter-se a doá-lo a Tício, desde que verificada determ inada
condição, não poderá fazer quanto ao veículo novas disposições
conflitantes, sob pena de nulidade.
Ainda protegendo o detentor do direito eventual, a lei lhe con­
cede a faculdade de praticar os atos destinados a sua conservação
D os F atos Ju ríd ico s 141

(art. 130). No exem plo acima, possível im aginar T id o - respeitada


a posse do proprietário - praticar os atos ordinários de conserva­
ção do automóvel, im pedir seu esbulho por terceiros etc.

1.6 Condição m aliciosam ente implementada ou obstada

N os pólos de um a relação condicional, há um agente a quem


favorece e o utro a quem desfavorece a ocorrência do evento fu­
tu ro e incerto. N um co n trato de doação condicionado à aprova­
ção de Mévio em prova pública, por exem plo, certo é que o su ­
cesso na avaliação dim in u irá o p atrim ônio do doador e favorece­
rá Mévio.
A lei então (art. 129) antevê a má-fé daquele a quem o im ple­
m en to da condição desfavorece, prevendo que este possa mali­
ciosamente obstar o implemento da condição. A solução é tão radical
quanto justa. N o exem plo acima, se o d onatário burlar os resu l­
tados da prova, ocasionando a reprovação de Mévio (a condição
faticam ente não se realizou), a lei considera im plem entada a con­
dição (condição le g alm e n te realizada) e, co n se q ü e n te m e n te ,
exigível a doação.
A regra se m antém q u an d o a hipótese é inversa. D esta for­
ma, se Mévio burlar os resultados do exam e para configurar sua
aprovação (condição faticam ente im plem entada), a lei conside­
rará a condição com o n ão o co rrid a (condição leg alm en te não
im plem entada).
Q ualquer que seja a interferência m aliciosa na ocorrência do
evento, a lei - pun in d o o ardiloso - considera que o contrário se
verificou. N a boa redação do art. 129:

“Reputa-se verificada, q u an to aos efeitos jurídicos, a condi­


ção cujo im plem en to for m alicio sam en te o b stad o pela parte a
quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verifica­
da a condição m aliciosam ente levada a efeito por aquele a quem
aproveita o seu im p lem en to ” (OAB/SP - 109°).
142 D ireito Civil

2 Termo

Se, por um lado, podem as partes subordinar a eficácia (ou


ineficácia) do negócio a evento futuro e incerto, com m aior ra­
zão poderão fazê-lo em relação ao evento futuro e certo . Com esse
raciocínio, iniciamos o estudo do segundo elem ento acidental do
negócio jurídico, o termo.
Com o já definido, term o é o evento futuro e certo que subor­
dina a eficácia ou ineficácia do negócio. O term o inicial suspen­
de o exercício do direito até que se concretize e o term o final re­
solve o negócio que até então se encontrava em plena validade e
eficácia.

2.1 Termo inicial e condição suspensiva; termo final e


condição resolutiva. Paralelismo

Os in stitu to s do term o inicial e do term o final aproxim am -


se m uito da condição suspensiva e resolutiva, respectivam ente.
Estabelecer data de início de eficácia de um negócio jurídico as­
sem elha-se m uito a estabelecer condição suspensiva para iniciar
a produção de efeitos. Q uando se insere um a condição resolutiva
ou um term o final, o negócio produzirá efeitos até que o evento
venha a ocorrer. A sim ilitude é tam anha que o próprio legislador
salientou no art. 135: “Ao termo inicial e final aplicam-se, no que cou­
ber, as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva.” E fácil
concluir, por exem plo, que os atos de conservação da coisa sob
condição podem ser praticados na coisa sob term o.

2.2 Termo e direito adquirido

H á um a diferença nodal entre a condição e o term o que deve


ficar cristalina. Enquanto na condição suspensiva há m era expec­
tativa de direito (art. 125), no term o inicial já h á direito adquiri­
do (art. 131), e isso tem repercussões seriíssim as; afinal, ainda
que nova lei venha a proibir a relação ju ríd ica an terio rm en te
estabelecida e que aguarda seu term o inicial, esta produzirá seus
regulares efeitos quando da chegada do term o, até em obediên­
cia aos arts. 5e, XXXVI, da CF e 6° da LICC.
D os F atos Ju ríd ico s 143

2.3 Termo determ inado e indeterminado

Apesar de o elem ento acidental termo possuir como caracterís­


tica principal a certeza, nem sem pre será exato o m om ento que
ocorrerá. A ssim , v. g., a “morte” é fenôm eno líquido e certo, em
que há dúvida apenas quanto ao m om ento de sua ocorrência. Por
sua vez, o “próximo natal” é term o preciso em que não há dúvida
do lapso de tem po que m edeia entre o negócio e o im plem ento do
term o. U tilizando este critério, mais adequado é classificar o ter­
mo em determinado ou indeterminado, ao invés de certo ou incerto.
Assim , o te rm o d eterm in ad o é aquele em que - além da cer­
teza da ocorrência - há ainda a exata noção do m om ento em que
acontecerá; en q u a n to o term o in d eterm inado apenas assegura a
ocorrência, sem se preocupar com su a ocasião.

3 Encargo

Ú ltim o elem en to acidental do negócio jurídico, o encargo se


aproxim a m u ito da condição. T anto é verdade que o legislador,
já antevendo a confusão en tre os in stitu to s, dispôs no art. 136:
“O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo
quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como
condição suspensiva. ”
O encargo tem com o função principal restrin g ir u m a libera­
lidade. Assim, por exem plo, alguém doa determ inado terreno com
o encargo de ser levantada um a capela. N este exem plo, o direito
de propriedade sobre o te rre n o é adquirido desde logo e os efei­
tos do negócio ju ríd ico fluem n a tu ra lm e n te . Se p o rv en tu ra o
donatário não c o n stru ir a referida capela, ao doador só restará o
cam inho da revogação da doação, nos term os do art. 555. N este
caso, só a decisão judicial tran sitad a em julgado é que devolverá
o bem ao doador.
E n tretan to , se o exem plo acim a fosse su b o rd in ad o a um a
condição resolutiva, os term o s do negócio seriam estes: “Dôo meu
terreno. Se não construíres uma capela no período de dois anos, o terreno
retorna à minha titularidade. ” A qui a sem elhança com o encargo é
im ensa, m as os in stitu to s não se confundem . Perceba que o n e ­
144 D i r e i t o C iv il

gócio tam bém produz efeitos desde o início e, se porventura o


donatário não construir a referida capela, autom aticam ente o ter­
reno voltará às m ãos do doador. O advento do período final de
dois anos sem a devida construção gera, por si só, o reto rn o do
bem às m ãos do doador.
Por último, se o exem plo citado fosse de condição suspensiva,
os term os do contrato seriam aproxim adam ente estes: “se cotis-
truíres uma capela, ganharás o terreno". Perceba que o negócio não
produziu os regulares efeitos e o donatário - enq u an to não cons­
tru ir a capela - tem m era expectativa de direito. Q uando cum prir
a condição desejada, o negócio produz efeitos e o donatário en­
tão passa a ser proprietário do terreno (M P/SP - 82Q).

C ap ítu lo V
D efeito s d o n eg ó cio ju ríd ic o

1 In tro d u ç ã o

Q uando tratam os dos planos de existência, validade e eficá­


cia do negócio, vimos que a vontade é elem ento essencial para a
existência, mas que a vontade livre, esclarecida e ponderada era re­
quisito de validade do m esm o. É sobre este requisito que o capí­
tulo ora em estudo se debruçará.
Q uando o negócio jurídico é desprovido do elem ento vonta­
de, ele não é considerado nulo e sim inexistente juridicam ente.
Imagine o exem plo de um cidadão que com as m ãos e pés am ar­
rados sofre coação física irresistível e tem sua digital aposta so­
bre determ inado contrato. Perceba que este co ntrato é inexis­
tente, pois faltou o elem ento vontade.
Situação diversa sofre aquele que - atem orizado com séria
am eaça de m orte - assina contrato de doação. N ote a sutileza da
técnica jurídica. N este segundo exem plo, há vontade do agente e
ela é coincidente com a vontade externada. O agente opta por
assinar o contrato ao invés de m orrer e assim m anifesta sua von­
tade, assinando. Se há vontade, o negócio é existente. E n tretan ­
to, apesar de a vontade do agente ser expressa no sentido de as­
Dos F atos Ju ríd ico s 145

sinar o contrato, tal elem ento volitivo sofreu um a grave distorção


em seu m o m en to criador. A vontade do agente não é livre e isso
tem o condão de fulm inar a validade do negócio jurídico, decla-
rando-o nulo.
De m odo sim ilar, quando o sujeito adquire quadro falsifica­
do, pensando ser de fam oso p intor alem ão (TJRJ - Apelação Cível
n° 3.06 3 /9 6 - 7a Câm. - j. 25-6-1996 - Rel. subst. Des. Gustavo
A dolpho K uhl Leite), ele age com m anifesta vontade de pro d u ­
zir o negócio jurídico (negócio ex isten te). E ntretan to , tal vo n ta­
de não é esclarecida porque, se fosse, ele jam ais adquiriria o ob­
jeto. A tinge-se assim o plano da validade do negócio jurídico e
ele é declarado nulo, pois contam inado pelo defeito do negócio
jurídico denom inado erro.
C oncluím os assim que, nos vícios do consentim ento, não há
divergência en tre o que foi declarado e o que foi externado, ao
contrário - dentro daquela situação fática de ameaça, engodo há
perfeita sincronia en tre o elem en to in tern o e o externo. Defei­
tuosa é a origem desta vontade que não é livre, esclarecida ou pon­
derada.
R essalte-se por fim que - a p ar de preservar a boa-fé e a real
intenção do agente que foi vítim a do negócio defeituoso - a lei
não pode esquecer de proteger tam bém a segurança das relações
jurídicas que se alcança p o r aten d er à ju s ta expectativa geral dos
cidadãos de verem seus negócios confirm ados e produzindo efei­
tos. E nessa linha fronteiriça que o E stado cam inha para anular
o m enor núm ero de negócios possível a fim de, por um lado, pro­
teger a vítim a do defeito e, por outro, proteger d iretam en te a so­
ciedade pela segurança de suas relações.

2 Conseqüência dos negócios defeituosos

Q uando o negócio vier m aculado por q u alq u er dos defeitos,


a lei o considera anulável. E o que d eterm in a o art. 171, II. A si­
mulação, que antes era tratad a n este capítulo, foi deslocada para
o cam po das nulidad es e agora fulm ina o negócio de n u lidade
absoluta (MAGISTRATURA/RS - 2003).
146 D ireito Civil

3 Prazos para anulação dos negócios defeituosos

H ipótese clássica de um d ireito p o testativ o (por p arte de


quem pode anular o negócio), que impõe um “estado de sujeição”
ã o u tra parte, o prazo para anulação dos negócios defeituosos é
de decadência. Mais um a vez, a lei disciplina a fraude contra cre­
dores ju n tam en te com os vícios da vontade, determ inando um
prazo de quatro anos para sua anulação, alterando apenas o te r­
m o inicial da contagem , conform e o vício.
E o que dispõe o art. 178:

“É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a


anulação do negócio jurídico, contado: I - no caso de coação, do
dia em que ela cessar; II - no de erro, dolo, fraude contra credo­
res, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negó­
cio" (MAGISTRATURA Federal/3a REGIÃO - 11°).

4 Erro

N a definição de A rnoldo W ald (2002, p. 200), o erro se ca­


racteriza pela: “falsa representação, que exerce influência na formação
da vontade do agente". Há na vítim a do erro um a falsa percepção
da realidade que o cerca e é ju stam en te esta falsidade que o leva
a praticar atos que jam ais faria caso tivesse a plena cognição do
m alfadado negócio. W ashington de Barros M onteiro (2001, p.
195), citando C unha Gonçalves, afirm a que a “insuficiência mental
da grande maioria dos homens leva-os a incorrer freqüentemente em tal
vício”.
A característica principal do erro é o não-induzim ento da víti­
m a ao engano. Não há utilização de ardis ou artifícios ludibriosos
para a prática do negócio de modo equivocado. N esta espécie de
negócio, o engano do agente é espontâneo que - por desconhecer
algumas circunstâncias que envolviam o negócio - acaba por m a­
nifestar um a vontade não esclarecida que jam ais seria manifesta­
da caso tivesse ciência plena dos term os negociados.
Jorge Am ericano (1935, p. 50) traz in teressan te julgado em
que:
D os F atos Ju ríd ico s 147

“um indivíduo, para servir a um amigo, avalizou um a letra de cam­


bio em branco. A contece, p o rém , q u e em vez de u m a foram
saccadas duas letras, am bas com o seu aval. Sabedor d isto , o
avalista, antes de resgatar a prim eira, só o fez após acurado exa­
me e depois de convencer-se que a assignatura era sua. Vencida
a 2a e protestada, elle a resgatou, por estar em dúvida e só depois
de um exam e feito na policia de S. Paulo foi que elle teve certeza
da falsidade do aval exarado neste segundo titulo. Em vista d is­
to, propoz acção rep etir o indébito, fundado em erro. Perdeu em
I a instância, e ganhou em 2a (sic)”.

4.1 Erro e ignorância

A ignorância é o total desconhecim ento a respeito de d e te r­


m inada situação, en q u an to no erro há um desvio em sua percep­
ção. O Código de 2002, assim com o o de 1916, não tratam da dis­
tinção entre os institutos, posto equipará-los em seus efeitos. Nas
palavras de W ashington de Barros M onteiro (2001, p. 195), na
ignorância a m ente está in albis e no erro o que nela está registra­
do é falso (MAGISTRATURA/MS - 2001).

4.2 R equisitos para configuração do erro

4.2.1 Substancialidade

O p rim eiro req u isito p ara a configuração do vício ora em


análise é sua substancialidade. O engano deve ter relação com um
elem ento essencial do negócio e não com um elem ento m eram en­
te acidental. N ão é q u alquer erro m ínim o que poderia ensejar a
anulabilidade do negócio. Já vim os que a segurança das relações
jurídicas é um princípio m u ito apreciado pelo o rd en am en to e,
portanto, apenas aqueles erro s realm en te substanciais, graves,
q ue de fato a lte ra m a e s tr u tu r a do negócio, d arão en sejo à
anulabilidade.
E por isso que o art. 138 exige que o erro seja “substancial”,
isto é, de m onta, grave, su ficien tem en te forte para m acular o
objeto da declaração de vontade. Mas o legislador não parou por
148 D ireito C iv il

aí e no artigo seguinte cham a para si o dever de dizer o que pode


ser considerado como substancial.

4.2.1.1 N atureza do negócio

O tradicional exem plo perm anece atual. Em um negócio de


com odato de bem m óvel, o com odatário im agina tratar-se de
doação verbal (art. 541, parágrafo único), recusando-se a resti-
tuí-la na form a do art. 581. O negócio há de ser anulado posto se
tratar de erro quanto a sua natureza.

4.2.1.2 O bjeto da declaração ou qualidades a ele essenciais

Sem dúvida, esta é a m aior fonte de dissídios no que se re­


fere ao erro. N o objeto da declaração ( bem como em suas qualida­
des essenciais) reside o m aior índice de distorções ocorridas no
elem ento volitivo do agente. E o exem plo dos candelabros que
se im aginavam de ouro ou do quadro que se im aginou ser de fa­
m oso p in to r (OAB/SP - 101a).

4.2.1.3 Identidade da pessoa

M uito freqüente nas obrigações intuitu personae, em que a fi­


gura pessoal do contratado é da substância do ato (MPRS - XLII).
Ao contratar hom ônim o de famoso cantor para festa de fim de
ano, o clube pode pedir a anulação do negócio, visto haver erro
substancial na modalidade: "identidade ou qualidade da pessoa”.
Não podem os nos esquecer ainda da previsão específica de
anulabilidade do casam ento na hipótese de erro essencial sobre
a pessoa do cônjuge (arts. 1.556 e 1.557), fonte de inúm eros ju l­
gados em nossos tribunais.

4.2.2 Escusabilidade do erro

A pesar de om issa a lei no que tange a este requisito, não é


fácil im aginar que o ordenam ento se p reste a inverter o princí­
pio da segurança das relações jurídicas, beneficiando a vítim a
negligente que pouco zelo forneceu à relação. Na avaliação do
D os F ato s Ju ríd ico s 149

erro, deve o juiz a ten tar para a acuidade da vítim a no desenvolvi­


m e n to do negócio. E óbvio que não se anulará com pra e venda
com preço irrisório de um relógio adquirido em banca de praça
que se im aginava ser de ouro. E ntretan to , o C onselho da Justiça
Federal - em seu E nunciado n° 12 - pronunciou-se no sentido
contrário: “Na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusá­
vel o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança.”

4.2.2.1 C ritério para avaliação da escusabilidade

Em redação pouco clara, o art. 138 do Código Civil precei-


tu a serem anuláveis os negócios “quando as declarações de vontade
emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de
diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”.
Com o já dissem os, erro substancial é aquele engano sério,
grave, de relevo. A segunda p arte do dispositivo, en tretan to , dá
m argem ao en ten d im en to de que, para gerar a anulação do ne­
gócio, o erro deve ser substancial e tam bém “perceptível pela víti­
ma”. Ao dizer isso, a norm a estaria e n tra n d o em contradição fla-
J grante, su sten tan d o que só o erro de fácil percepção, aquele que
poderia ser percebido pela vítim a, é que pode an u lar o negócio,
enquanto o erro oculto, de difícil percepção, não m acularia o ato.
Por isso, não me parece que a pessoa a que faz referência o artigo
seja a vítima.
Projeto de Lei nQ41 5 /2 0 0 3 em trâm ite pelo Senado Federal
(casa iniciadora deste projeto) p reten d e dar nova redação ao ar­
tigo em análise, nos seguintes term os:

“É anulável o negócio jurídico quando a declaração de von­


tade em anar de erro substancial que, em face das circunstâncias
do negócio, possa ser percebido, pela o u tra parte, u sando de d i­
ligência norm al.”

Pelo que se vê, o projeto p reten d e su b stitu ir a expressão pes­


soa por outra parte, o que leva à conclusão de que, para d ar ensejo
a anulação, o beneficiado pelo engano poderia saber da ex istên ­
cia do vício no m o m en to do contrato.
150 D ireito Civil

Q uando a outra parte sabe ou poderia saber do engano com e­


tido e se cala, estam os diante do dolo negativo, em que o benefi­
ciado pelo engano silencia sobre elem ento essencial do negócio
que deveria inform ar à vítim a (art. 147).
Para avaliar a escusabilidade do erro, o juiz deve levar em
conta a vítim a no caso concreto, considerando seu grau de ins­
trução, sua capacidade e desenvolvim ento intelectual. N ão seria
ju s to retirar-lh e a proteção legal pelo fato de que o “hom em
m édio” não incorreria no m esm o erro. O fato de a vítim a ser
“abaixo da m édia” não pode ser m otivo para o descaso do Ju d i­
ciário.
Aliás, esta é a orientação do Código ao tratar do terceiro ví­
cio do consentim ento , a coação. O art. 152, infra-exam inado,
determ ina que no apreciar da coação o critério do juiz será indi­
vidual, levando em conta as condições da vítim a. E ntendem os
que, na om issão da lei para os casos de “erro”, a analogia é váli­
da e pode ilum inar o caso.

4.3 Erro de direito e ignorância da lei (LICC, art. 3a)

O Código Civil de 2002 trouxe um a derradeira previsão, in ­


cluindo o erro de direito como espécie de erro substancial. Ocorre
aqui a intenção da vítim a em aplicar a lei, o que é denotado pela
expressão: “não implicando recusa à aplicação da lei”, prevista no
inciso III do art. 139.
Um bom exem plo é o do cidadão que contrata advogado para
cum prir determ inada form alidade legal em sua docum entação
societária, im aginando em vigor norm a que assim determ inava.
D escobrindo posteriorm ente que tal norm a havia sido revogada,
seria lícito ao cidadão pedir anulação do negócio com base no erro
de direito.
Perceba que tal disposição é bem diferente daquela previsão
do art. 3Qda LICC. O art. 139 prevê o erro com etido com a in ­
ten ção de cu m p rir a lei, e n q u a n to n aq u ela há p re te n sã o de
“descumprir a lei alegando que não a conhece...”, o que é proibido pelo
princípio da obrigatoriedade.
D os F atos Ju ríd ico s 151

4 .4 Falso m otivo (error in causa)

O art. 140 do Código estip u la que - via de regra - o falso


m otivo não vicia a declaração de vontade. Poderá, en tre tan to ,
inquinar o ato se constar com o sua razão d eterm inante. O m o ti­
vo é o móvel psíquico, a razão psicológica da prática do ato que
em geral é irrelevante para o direito. O Código Civil de 2002 atri­
bui força jurídica para o m otivo, desde que previsto expressam en­
te nos term os do negócio. Álvaro Villaça A zevedo (2003, p. 191)
exemplifica:

“Q uando alguém adquire um objeto, em razão de um m o ti­


vo, como, por exem plo, um sítio com um a queda d ’água, certo
de que esta poderá gerar força p ara m over u m m oinho, e se vê
frustrado após, ao constatar que esse resultado não pode ser p ro ­
duzido; só esse fato não é suficiente para que ocorra a anulação
do negócio jurídico, porque esse m otivo deve estar expresso como
razão determ inante do negócio; sabendo o alienante dessa m o ti­
vação, que leva o ad q u iren te a ad q u irir.”

5 Dolo

N esta espécie de defeito, o negócio jurídico é novam ente ata­


cado em seu plano de validade. Isto porque, assim com o n o erro,
a vontade aqui m anifestada não é esclarecida e tal equívoco foi
induzido pela o u tra parte de m odo deliberado. Há um a indução,
um artifício, um ardil que leva a vítim a a p raticar um negócio
jurídico que não praticaria em condições norm ais e esclarecidas.
Pode-se afirm ar que o dolo é u m a espécie do gênero “en g an o ”
com a característica de ser provocado, estim ulado pelo co n tratan ­
te de má-fé, en quan to no erro a vítim a é traída pela falsa percep­
ção que ela m esm a possui da realidade.

5.1 D olo substancial e dolo acidental

Com o no erro, o dolo deverá ser substancial a fim de to rn ar


o negócio anulável. O dolo m eram en te acidental não tem o po­
der de viciar o negócio ju ríd ico , aca rre tan d o p ara o m alicioso
152 D ireito Civil

apenas o dever de indenizar eventuais perdas e danos (art. 146).


Dolo acidental é aquele que não influi diretam ente na vontade da
vítim a e que, a despeito de sua existência, o negócio teria se realizado,
embora de outro modo (menos oneroso para a vítima, por exemplo).
Ocorre dolo acidental, v. g., quando a vítim a é levada a crer que o
piso do apartam ento que está a adquirir (imóvel este com todas
as características desejadas pelo com prador) possui m árm ore de
Carrara, o que acaba por não corresponder à realidade. N ão é crí­
vel que o negócio deixaria de ser praticado em virtude deste pe­
queno problem a; apenas se concretizaria de m odo diverso (OAB/
SP - 111°).

5.2 D olo negativo

O dolo por om issão é tratado no art. 147 do Código, acarre­


tando para o agente as m esm as conseqüências que o dolo por
ação. E designado por Maria Helena Diniz de dolo negativo (2002,
p. 391). Mais um a vez, a lei exige a “substancialidade” da om is­
são dolosa, o que se afigura pela parte final do artigo: "... provan­
do-se que sem ela o negócio não se teria celebrado’’ (OAB/SP - ] 06°;
Advogado da União/ESAF - 1999). Sílvio V enosa (2003, p. 447)
colaciona interessante aresto com a seguinte em enta:

“O silêncio intencional de um dos contraentes sobre a cir­


cunstância de se achar insolúvel, e, portanto, em situação de ab­
soluta im possibilidade de cum prir a obrigação de pagar o preço,
vicia o consentim ento de o u tro contratante, que não teria reali­
zado o negócio se tivesse ciência do fato, configurando omissão
dolosa, que torna o contrato passível de anulação” (R T 545/198).

5.3 Dolo de terceiro

O dolo pode tam bém ser exercido por outrem , que não tem
relação com o beneficiado pelo dolo. Im agine, por exem plo, o
corretor de imóveis que engana o adquirente ao detalhar as ca­
racterísticas do imóvel pretendido. N ão seria ju sto anular o n e­
gócio jurídico caso o beneficiado não tivesse ciência do engano
provocado, só restando à vítim a reclam ar perdas e danos do ter­
D os F atos Ju ríd ic o s 153

ceiro. Se, porém , o beneficiado soubesse ou devesse saber do enga­


no provocado na vítim a, o negócio pode ser anulado.
Situação diversa ocorre no dolo do rep resen tan te. N esta hi­
pótese, h á u m a relação en tre o “beneficiado” e o agente que u ti­
liza o dolo com o artifício. C onform e esta relação advenha da lei
ou do acordo en tre as partes, conseqüências diversas surgirão.
O dolo do rep resen tan te convencional (aquele que a parte
livrem ente escolhe para representá-lo) gera para o representado
um a obrigação solidária de reparação. R esponderá ju n tam en te
com o seu rep resen tan te peran te a vítim a do negócio infirm ado.
É hipótese de solidariedade legal, em que duas ou m ais pessoas
são obrigadas por to d a a dívida p eran te o cred o r p o r força de
m andam ento legal n este sentido (exem plos: arts. 154, 518, 680,
829, 942, 1.644 etc.). N ão cu sta lem brar que a solidariedade não se
presume, decorre da lei ou da vontade das partes (art. 265).
Por sua vez, sendo o rep resen tan te escolhido pela lei (repre­
sentante legal), a obrigação do representado lim ita-se a resp o n ­
der civilm ente pela im portância do proveito que teve (art. 149).
E evidente a razão da lei. Sendo o Estado-Legislativo quem esco­
lhe o representante, não pode o Judiciário condenar o rep resen ­
tado por valor m aior do que obteve.

5.4 Dolo bilateral

Vale lem brar que o dolo bilateral não poderá ser alegado por
nenhum a das partes. E a p u ra aplicação do princípio de que “nin­
guém alega em seu favor a própria torpeza”. E o que afirm a o art. 150:
“Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para
anular o negócio, ou reclamar indenização." Darcy M iranda (1995, p.
77) com enta:

“N a hipótese de dolo de am bas as partes, conform e dispõe o


art. 97, n en h u m a delas pode alegá-lo, para anular o ato, ou recla­
m ar indenização. O dolo bilateral ou recíproco, consagra a regra
- turpitudinem suam allegans non est audiendus - N ão é de ser ouvi­
do quem alega torpeza p rópria.”
154 D ireito Civil

5.5 Dolus bonus

É de ressaltar ainda a figura do dolus bonus, que não enseja


anulação do negócio jurídico por se constituir em expediente jo­
coso, de flagrante exagero no enaltecim ento das qualidades de um
objeto. Há um a gabança tolerável pela sociedade, nu m hábito
inclusive inerente à atividade do com ércio que se aproxim a m ui­
to da brincadeira, da sátira, sem tom de seriedade a inquinar o
negócio.
O tem a não é exclusivam ente acadêmico, tendo sido enfren­
tado pelo Tribunal de Justiça do Rio G rande do Sul:

“Ação de anulação de com pra e venda de ações da CRT. Ví­


cios do consentim ento. Erro inescusável e dolus bonus. Se os ape-
lantes venderam suas ações da CRT, face desvinculação destas
com o uso da linha telefônica, sem perquir sobre o valor de m er­
cado das m esm as, quando tal era perfeitam ente possível, até pe­
las suas condições pessoais, incorreram em erro inescusável,
m anifesta a negligência com que atuaram no negócio, o que in­
troduz o dolus bonus, por parte do com prador, tam bém insufi­
ciente para invalidá-lo. Apelo improvido. Sentença m antida, unâ­
n im e” (TJRS - Apelação Cível nQ 599164514, D écim a Câm ara
Cível, Relator: Luiz Ary V essini de Lima, julgado em 1 3 /0 5 /
1999).

6 C oação

A coação é o m ais repugnante dos vícios do consentim ento


por subm eter a vítim a a um a violência, um a grave am eaça injus­
ta que a faz anuir com um negócio que jam ais o faria, caso esti­
vesse com sua vontade livrem ente m anifestada. D esta vez, o re­
q uisito vontade é atingido em sua liberdade. Com o já vimos, a
vontade livrem ente m anifestada é um requisito de validade do
negócio jurídico e quando infirm ada pode gerar nulidade do ne­
gócio. O Projeto nQ6.960/2002 pretende alterar a redação do art.
151 para su b stitu ir o term o paciente por vítima, tan to no caput
quanto no parágrafo único, por entendê-lo m ais apropriado e de
utilização m ais correntia.
Dos F ato s Ju ríd ic o s 155

6.1 R equisitos da coação

A segurança das relações jurídicas im põe que o negócio só


possa ser infirm ado em condições extrem as. Percebe-se isso q u an ­
do a lei nega reconhecim ento ao erro e ao dolo acidental, bem
com o ao dolus bonus. C om a coação o p era-se o m esm o racio ­
cínio. N ão é qualquer coação que será capaz de infirm ar o negó­
cio. A coação deve im p u tar na vítim a um “fundado temor de dano
iminente à sua pessoa, sua fam ília ou aos seus bens”. É o juiz quem
apreciará o tem o r segundo as qualidades e condições da própria
vítim a. E tam bém o juiz quem decidirá se há ou não o vício no
caso de a coação dizer respeito à pessoa não p erten cen te à fam í­
lia do paciente.

6.1.1 Critério de apreciação da coação

O art. 152 é m uito ponderado, ordenando ao juiz que exam ine


a coação com base no sexo, idade, condição, saúde e temperamento do
paciente. A orientação do Código aqui foge ao consagrado critério
do “hom em m édio ” e deixa ao arbítrio do juiz averiguar se a co­
ação era ou não suficiente para infligir considerável tem or na ví­
tima.
Um cientista, um intelectual, por certo, não se deixaria ate­
m orizar com am eaças de bruxaria ou feitiços a fim de produzir
determ inado negócio jurídico. O tem o r nele incutido não seria
grave a ponto de fazê-lo contratar para se ver livre da ameaça. O
m esm o não se pode dizer de um a idosa senhora de lim itada cultu­
ra que vive em distante vilarejo. Para o m undo dela, um a am ea­
ça neste sentido pode ser razão mais que suficiente para a pro d u ­
ção de negócio jurídico que jam ais consentiria se livre estivesse.

6.2 Ameaça de exercício normal de direito e tem or


reverenciai

A am eaça de um exercício norm al de um direito não é consi­


derada coação (ex.: credor am eaça devedor de prom over ação ju ­
dicial para ver sa tisfe ito seu c ré d ito ). T am p o u co é o te m o r
reverenciai que se traduz n o receio de desagradar pessoa à qual
156 D ireito Civil

devem os consideração e respeito. D esse modo, se o em pregado


anui em assinar contrato de fiança para garantir contrato de seu
patrão, não poderá se valer da anulação do negócio jurídico por
coação.

6.3 C oação p ro v e n ie n te de te rc e iro

A coação proveniente de terceiro tem regulam entação idên­


tica ao dolo de terceiro. A nulidade do negócio só é decretada na
hipótese de o beneficiado ter ciência do vício que o inquinava. Se,
ao contrário, o contratan te não tin h a conhecim ento da coação
exercida pelo terceiro, o negócio está m antido, restando à vítim a
procurar seu ressarcim ento perante o autor da coação. É a letra
do art. 155:

“Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de tercei­


ro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter
conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as per­
das e danos que houver causado ao coacto” (MP/MG - 42a).

7 E sta d o de p erig o

Inovação do ordenam ento civilista, o estado de perigo carac­


teriza-se pela necessidade im inente que um a das partes tem de
salvar-se, ou salvar pessoa de sua família de grave dano (art. 156).
Em um a situação tão delicada e perigosa, a vontade da pessoa
obviam ente não se m anifestará de m aneira livre, desem baraçada.
A busca pela integridade física supera em m uito qualquer racio­
cínio consciente e coerente da parte que prom ete m uito além do
que poderia norm alm en te oferecer. D esde logo percebem os a
distinção entre a coação e o estado de perigo. N este, a situação
aflitiva apresenta-se esp o n tan eam en te, en q u an to na coação o
perigo é criado pelo agente que pretende se valer do tem or da
am eaça para ultim ar o negócio.
V isando igualar o estado das partes neste tipo de situação, o
Código Civil reputa anulável o negócio celebrado nestas condi­
ções. Um exem plo ilustra a situação: um a senhora encontra-se
Dos F ato s Ju ríd ico s X 5 7

na saída de um teatro localizado em local erm o e notoriam ente


violento. F rustrad a sua expectativa de enco n trar diversos táxis,
depara-se com apenas um m o to rista de praça disposto a co n d u ­
zi-la ao lar. E ncontrando-se naquela ho ra da noite, sozinha, em
local de notória insegurança pública, a vítim a indaga sobre o preço
da “viagem ” ao m otorista, que lhe exige qu an tia m u ito superior
ao cobrado na região. V isando resguardar a própria segurança,
concorda em pagar o elevado preço (note que tal atitu d e jam ais
seria tom ada se a vítim a estivesse em situação ordinária, livre dos
perigos da cidade) (M P/M S - 2000).
A conseqüência do ato eivado de estad o de perigo é a sua
anulabilidade, que levaria à devolução integral da quantia desem ­
bolsada pela vítima. Porém , não se pode esquecer que, ainda que
de má-fé, houve u m serviço p restad o pela o u tra parte. A lei civil
não se p resta a punir o agente malicioso. Sua tarefa é tão-som ente
reequilibrar a situação jurídica. Com base no princípio que veda
o enriquecim ento sem causa, pela eqüidade e até pela analogia
com o § 2Qdo art. 157, o juiz deve fixar valor devido pelo servi­
ço, obedecendo inclusive ao d isposto n o art. 884 do Código Ci­
vil. A III Jornada de D ireito Civil se pronunciou n o m esm o sen ­
tido: “Ao estado de perigo (art. 156) aplica-se, por analogia, o disposto
no § 2a do art. 1 5 7 ” (E nunciado nQ 148).

8 Lesão

U ltim o dos vícios do co n sen tim en to , a lesão já havia sido


prevista no Código de D efesa do C onsum idor (art. 6a, V, I a p ar­
te) e se aproxim a m u ito do E stado de Perigo, afinal, em am bos
há desproporção e n tre o cobrado e o ju sto valor do que foi ofere­
cido.
N o vício do art. 156, en tretan to , u m a das p artes está em si­
tuação de perigo de dano à sua pessoa ou pessoa próxima, enquan­
to na lesão há um a necessidade prem ente ou inexperiência de um
dos contratantes de ver celebrado um negócio, aproveitando-se
a o u tra p a rte d e s ta situ a ç ã o p ara fix ar valo r m u ito s u p e ­
rior ao que norm alm en te o faria (128a OAB/SP).
158 D ireito Civil

Bom exem plo é o do aflito agricultor que - ciente da praga


que tom a conta dos arredores de seu sítio - procura o único vizi­
n ho que dispõe do inseticida capaz de solucionar o problem a.
Este, por sua vez, cobra valor m uito acima do mercado. Lícito seria
ao agricultor buscar a anulação do negócio com base n a lesão
sofrida. O § 2° do art. 157 dispõe que o negócio será m antido caso
a parte favorecida concorde com a redução de seu proveito, o que
parece justo. A idéia de m anter o negócio ao invés de anulá-lo é
razoável e o C onselho da Justiça Federal proferiu o Enunciado nQ
149 nesse sentido:

“Em atenção ao princípio da conservação dos contratos, a


verificação da lesão deverá conduzir, sem pre que possível, à re­
visão judicial do negócio jurídico e não à sua anulação, sendo
dever do m agistrado prom over o incitam ento dos contratantes a
seguir as regras do art. 157, parágrafo segundo do CC de 2002."

8.1 L esão e re so lu ç ã o p o r o n e ro sid a d e ex cessiv a

A lesão nasce junto com o contrato e distingue-se nitidam ente


da figura da “resolução contratual por onerosidade excessiva",
p re v ista n o art. 478 do Código. Tal h ip ó tese de reso lu ção é
superveniente ao negócio e não decorre de vício da vontade. E fato
imprevisível que rom pe o equilíbrio, o sinalagma do contrato, al­
terando substancialm ente a situação fática do negócio jurídico.
O m undo fenom ênico não é mais o m esm o de quando o contra­
to foi assinado. F undam entada na cláusula “contractus qui habent
tractum sucessivum et dependentiam de fu tu ro rebus sic stantibus
intelligentur”, N a onerosidade excessiva, não há falar-se em an u ­
lação do contrato e sim em resolução ou modificação. O C onse­
lho da Justiça Federal já se pronunciou sobre o tem a em seu Enun­
ciado nQ 17, concluindo:

“A interpretação da expressão ‘m otivos imprevisíveis', cons­


tan te do art. 317 do novo Código Civil, deve abarcar tan to cau­
sas de desproporção não previsíveis com o tam bém causas previ­
síveis, mas de resultados im previsíveis” (MAGISTRATURA/DF
- 2 0 0 3 ; O A B /R J- 2 2 ° ) .
D os F atos Ju ríd ico s 159

9 Fraude contra credores

A inserção da fraude contra credores no capítulo de defeitos


do negócio jurídico sem pre foi objeto de aceso debate. De fato,
em cada um dos defeitos retroanalisados, percebe-se um a clara
violação de algum adjetivo da vontade. N o erro e no dolo, a von­
tade não é esclarecida, na coação não é livre, na lesão e no estado
de perigo não é ponderada.
Na fraude contra credores, não há violação a nen h u m adjeti­
vo do elem ento vontade. Aliás, a vontade é exatam ente a que foi
externada pela parte (devedor). Tem ele a exata noção do negó­
cio praticado, sabe de todos os elem entos que o com põem e tem
a liberdade e a ponderação necessárias para a prática do ato.
V isando dar a esse ato o m esm o d estino do que os an terio r­
m ente estudados, o Código insere a fraude contra credores no rol
dos defeitos e fulm ina o ato assim praticado de anulável (art. 171,
II).

9.1 Garantia do credor é o patrimônio do devedor

N o atual estágio evolutivo das ciências jurídicas, é o p atri­


m ônio do devedor que garante seus credores q u an to ao efetivo
recebim ento (CPC, art. 591). N em sem p re foi assim . C itando
Alfredo Buzaid, Silvio R odrigues (2002, p. 5) relem bra o perío­
do das legis actiones do D ireito Romano:

“Se o executado não satisfizesse o julgado e se ninguém com ­


parecesse para afiançá-lo, o exeqüente o levava consigo, am arran-
do-o com um a corda, ou algem ando-lhe os pés. A pessoa do d e­
vedor era adjudicado ao credor e reduzida a cárcere privado d u ­
rante sessenta dias. Se o devedor não se m antivesse à sua custa,
o credor lhe daria d iariam ente algum as libras de pão. D urante a
prisão era levado a três feiras sucessivas e aí apregoado o crédi­
to. Se ninguém o solvesse, era aplicada ao devedor a pena capi­
tal, podendo o exeqüente m atá-lo, ou vendê-lo trans Tiberim. H a­
vendo pluralidade de credores, podia o executado na terceira fe­
ria ser retalhado; se fosse cortado a m ais ou a m enos, isso não
seria considerado fraude.”
160 D ireito Civil

A tualm ente, a C onstituição ainda prevê duas hipóteses em


que o inadim plem ento de um a obrigação civil pode gerar a p ri­
são do devedor. São os casos de inadim plem ento voluntário e
inescusável de obrigação alim entícia e depositário infiel (art. 5°,
LXVII).
Frise-se que, se o devedor - com seu patrim ônio - p u d er ar­
car com as dívidas contraídas, terá liberdade plena de exercer seu
direito de propriedade, alienando ou até m esm o doando seus bens
conform e lhe aprouver. O quadro se inverte, porém , quando tal
devedor encontra-se em estado de insolvência, não podendo qui­
tar suas dívidas com o patrim ônio que possui. N este caso, o seu
passivo é m aior que o seu ativo e ele passa a ser cham ado de de­
vedor insolvente pelo ordenam ento civil. Chegando a esse está­
gio, os bens do devedor pertencem indiretam ente aos seus cre­
dores, que ali observam a única garantia de pagam ento de seus
créditos. Seu direito de propriedade fica restringido e até m esm o
garantias oferecidas neste m om ento são presum idam ente frau­
dulentas (art. 163), possibilitando a lei apenas as atividades de
m anutenção do estabelecim ento e de subsistência do devedor e
de sua família (art. 164).

9.2 Requisitos para a configuração da fraude em negócios


onerosos: eventus damni e constlium fraudis

O requisito objetivo é denom inado eventus damni e caracteri­


za-se pelo efetivo dano causado aos credores do agente. Como já
dissem o s, tal d an o o co rrerá caso o p assiv o do d evedor seja
m aior que seu ativo e d esta form a q u alq u er disposição p atri­
m onial estaria diretam ente afetando a garantia do credor em ver
seu crédito cum prido. Exemplo disso é a venda do único imóvel
do fiador que não tem como arcar com a dívida, ou do devedor
insolvente que paga dívida ainda não vencida, prejudicando aque­
les credores cujo crédito já venceu (M P/SP - 78°).
O requisito consilium fraudis é o elem ento subjetivo da fraude
e com preende-se pelo conluio fraudulento entre o alienante (de­
vedor) e o adquirente do bem. Ao inserir tal requisito, a lei está
indiretam ente preservando a segurança das relações jurídicas. Isso
D o s F a to s J u ríd ic o s 161

porque, se há plena boa-fé do adquirente, a lei depara-se com dois


interesses tuteláveis.
O prim eiro é o do credor que vê o patrim ônio do devedor -
que garante seu crédito - se esvaziar. O segundo (que será obje­
to de m aio r p re stíg io d a lei) diz re sp e ito n ão só à boa-fé do
adquirente que não sabia nem tin h a com o saber da insolvência
do alienante, m as tam bém à segurança das relações jurídicas, a
quem não interessa ver anulado um negócio praticado de boa-fé.
E nesses dois pilares que a lei se apóia para m a n ter válido ou
anular o negócio (M P/M G - 40°).
D iante do caso concreto, alguns elem en to s dão ao ju iz as
evidências do consilium. Os exem plos m ais com uns de atos que
dem onstram o conluio en tre alienante e adquirente são: o preço
vil, o parentesco ou a am izade en tre com prador e vendedor, a
notoriedade da insolvência na praça etc. Este é o risco que corre
o cidadão que passa a escritura a preço abaixo do realm ente acor­
dado, pois o preço vil é u m dos indícios de fraude contra credo­
res; em eventual e futura ação pauliana, tal indício não será des­
prezado pelo juiz. Ao adquirente, ainda que de boa-fé, não cabe­
rá a alegação de que assim procedeu apenas para fraudar o fisco,
dado que ninguém alega em seu favor a própria torpeza.

9.3 N egócios gratuitos

Q uando, porém , o negócio celebrado for de transm issão gra­


tuita, a lei dispensa o req u isito do consilium fraudis. N este caso, a
lei depara-se com dois in teresses de valoração diferenciada. De
um lado, há o direito m aior do credor, que busca evitar um p re­
juízo e que tem direito a tal bem an tes dos donatários que o re­
ceberam gratuitam ente. De outro, há o in teresse do donatário,
que busca concretizar um lucro.
A solução lógica encontrada pela lei é - ainda que exista boa-
fé do donatário - declarar o negócio anulável, conform e o art. 158:

“Os negócios de transm issão gratuita de bens ou rem issão de


dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzi­
162 D ireito Civil

do à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados


pelos credores quirografários, como lesivos dos seus d ireitos.”

Assim , nos negócios gratuitos, a lei dispensa o segundo re­


quisito, não havendo necessidade de arranjo entre quem se des­
faz do bem e quem o recebe. A gratuidade do negócio já é m oti­
vo suficiente para a lei encará-lo com m aus olhos, tornando-o
anulável se prejuízo decorrer ao credor.
Sob o tem a, a definitiva lição de N élson N ery Jr. e Rosa Ma­
ria de A ndrade N ery (2003, p. 78):

“Não mais se exige o 'consilium fraudis' ou a ‘scientia fraudis’


para anular o negócio jurídico gratuito celebrado em fraude con­
tra credores. Ainda que o devedor, o adquirente ou o beneficiário
do ato gratuito de transm issão ou rem issão de dívidas ignore que
o negócio reduzirá a garantia ou conduzirá o devedor à insolvên­
cia, é passível de anulação. A causa de anulação deixou de ser ‘sub­
jetiva’ (m anifestação da vontade - ‘consilium fraudis’), para ser
objetiva (redução do devedor à insolvência).”

9.4 Ação pauliana

É a ação que visa anular negócio jurídico praticado em frau­


de contra credores. Deve ser proposta contra o devedor e tercei­
ros que com ele praticaram o negócio, em típico litisconsórcio
passivo necessário, a despeito da expressão poderá do art. 161. O
prazo decadencial para a propositura da ação é de quatro anos,
conform e previsão do art. 178, II.

9.5 Conseqüência do negócio fraudulento: invalidade ou


ineficácia?

A despeito de consideráveis opiniões no sentido contrário,


entendo que a ação pauliana tem como ponto de chegada a anu­
lação do negócio jurídico e o reto rn o ao statuo quo ante. O Código
já assim determ inava em 1916 e - fosse um erro técnico - have­
ria corrigido agora no terceiro m ilênio. Não foi o caso. A lei no-
D os F atos Ju ríd ico s 163

vãm ente deixa claro no art. 171, II, que o ato é anulável e não
ineficaz.
É a opinião de N élson e Rosa M aria N ery (2003, p. 77):

“A norm a sob com entário dá o regim e da anulabilidade ao


negócio jurídico celebrado em fraude contra credores. As consi­
derações feitas por p arte da d o u trin a de que o negócio seria váli­
do, m as ineficaz (teoria da inoponibilidade) - copiando o direito
italiano, sem reservas - , devem ser consideradas de lege ferenda.
(...) é a lei que dá o regim e jurídico dos defeitos dos negócios ju ­
rídicos. A nulado o negócio jurídico p o r fraude contra credores, o
bem alienado volta ao p atrim ônio do devedor, para a garantia do
direito dos credores.”

A conseqüência prim ordial da anulabilidade é o reto rn o do


bem ao patrim ônio do devedor que com este responderá para o
pagam ento de seus credores, enquanto o regim e da ineficácia leva
à m anutenção do negócio, sem produção de efeitos p erante o cre­
dor (MAGISTRATURA/MG - 2000).

9.6 Fraude de execução

H ipótese m ais grave afigura-se quando o ad q u iren te com pra


o bem de pessoa que já tem co n tra si dem andas para cobrança de
créditos anteriores. N esta hipótese a lei traz rem édio m ais grave
e não precisará o credor valer-se da ação pauliana, podendo, como
ensina João Baptista de M ello e Souza N eto (2000, p. 87),

“nos próprios au to s da ação de co n h ecim en to ou de execução


(RJTESP 82/283), ser obtida, m ed ian te decisão interlocutória, a
declaração de ineficácia da alienação operada relativam ente ao
credor/autor".

Para a configuração da fraude de execução, não é necessário


que ação prom ovida p elo cred o r seja de execução, b astan d o a
propositura de ação de conhecim ento p ara que a alienação feita
pelo devedor já se configure n e sta situação.
164 D ireito Civil

Capítulo VI
Invalidade do negócio jurídico

Como já ressaltei, a invalidade do negócio jurídico opera no


segundo plano da teoria pontiana. De fato, o negócio nu lo tem a
sua validade afetada. Este é o plano de mais fácil visualização em
todo o sistem a civil, posto que seus requisitos estão expressos
na letra da lei e há todo um capítulo d estin ad o ao estu d o dos
negócios que, em bora existentes, não são válidos para o m undo
jurídico.
O bjetivando restabelecer a ordem e p u n ir os que de seu ca­
m inho se desviaram, a lei retira a validade e a proteção que ou-
trora conferia aos negócios assim celebrados e pune de m aneira
mais ou m enos rigorosa, de acordo com o bem social que foi atin­
gido pelo descum prim ento de suas disposições. É nesse cenário
que observarem os as nulidades absolutas e relativas do Código
Civil.

1 Nulidade absoluta

N ovam ente, ressalta-se a im portância dos já exam inados re­


quisitos de validade do negócio, agente capaz, objeto lícito e forma
prescrita. São eles que ilum inarão m uitas das hipóteses de nuli­
dade absoluta do negócio. Pode-se dizer que o art. 166 é a conse­
qüência do não-cum prim ento do art. 104. Para to m ar a idéia mais
visível, observe o quadro a seguir, onde se vislum bram , de um
lado, os requisitos de validade e, de outro, a conseqüência de seu
não-cum prim ento, a saber, a nulidade absoluta.
D o s F a to s J u r íd ic o s 1 6 5

Art. 104. A validade do Art. 166. É nulo o negócio jurídico


negócio jurídico requer: quando:
Agente capaz 1- celebrado por absolutamente incapaz;
Objeto lícito II - for ilícito, impossível ou indeterminável o
seu objeto;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

Forma prescrita IV - não revestir a forma prescrita em lei;


V - for preterida solenidade que a lei
considere essencial.

A lei reservou a nulidade ab so lu ta para os atos que conside­


rou m ais graves, m ais rep u g n an tes e prejudiciais à sociedade. E
o caso, v. g., do co ntrato de com pra e venda firm ado por garoto
de dez anos com experiente advogado ou do contrato celebrado
com objeto ilícito. A sim ples idéia da ocorrência de tais atos, sem
nem m esm o ad en trar n o seu m érito, já causa indignação da lei
que - preocupada com o escasso tirocínio do m en o r ou com a
torpeza do objeto - não lhe confere validade, rotulando-o de nulo.
N o estu d o da n u lid ad e relativa, p ercebe-se que o grau da
ilicitude ou da potencialidade de dano à sociedade é considera­
velm ente m enor e, por isso, a sanção com inada tam bém é de grau
m ais baixo e com repercussões m ais brandas. O erro na aquisi­
ção de determ inado objeto é de in teresse particular da vítim a do
engano, não afetando d iretam en te a sociedade.

1.1 H ipóteses

A despeito de o u tras previsões esparsas na lei e m esm o no


artigo subseqüente, é o art. 166 quem traz as principais e m ais
freqüentes hipóteses de nulidade ab so lu ta do negócio jurídico.
Diz o artigo:

“E nulo o negócio jurídico quando:


I - celebrado por p esso a ab so lu tam en te incapaz;
166 D ir e ito C ivil

II - for ilícito, im possível ou indeterm inável o seu objeto;


III - o m otivo determ inante, com um a am bas as partes, for
ilícito;
IV - não revestir a form a prescrita em lei;
V - for preterida algum a solenidade que a lei considere es­
sencial para a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativam ente o declarar nulo, ou proibir-lhe a
prática, sem com inar sanção."

Reflexos que são de disposições anteriores do Código, tais


hipóteses já foram quase todas exam inadas, quando estudam os
a capacidade de fato ou de exercício e os planos de existência,
validade e eficácia do negócio (MAGISTRATURA/DF - 2003;
M P/SP - 79Q).

1 . 1.1 M otivo determ inante ilícito

O m otivo necessariam ente antecede o próprio objeto do n e­


gócio. É psíquico, subjetivo, é o móvel que guia o sujeito à prática
do ato; ato esse que pode ser perfeitam ente lícito.
Imagine a hipótese de um proprietário de depósito que - cien­
te da intenção do locatário - aluga o prédio para que este ali in s­
tale grande centro de tráfico de drogas. O objeto do negócio -
locação de bem imóvel - é lícito e pode até seguir as diretrizes
da Lei nQ 8.245/91. Porém , o m otivo que o enseja é ilícito e co­
m um a am bas as partes; dessa form a se subsum e o fato à previ­
são do art. 166, III.

1.1 .2 A to s proibidos não sancionados

O inciso VII traz redação inédita ao nosso ordenam ento. Prevê


a h ip ó te se de n o rm a que - a d esp eito de p ro ib ir-lh e a p rá ­
tica - não com ina sanção expressa. É o caso do art. 426, por exem ­
plo, onde o legislador proíbe a cham ada pacta corvina, ou do art.
852, que proíbe convenção de arbitragem para dirim ir questões
de estado e de família.
D o s F a to s J u r íd ic o s 167

1.1.3 Sim ulação

No Código Civil de 1916, a sim ulação era tratad a no capítu­


lo dos defeitos dos atos jurídicos, localização pouco técnica. De
m odo sim ilar ao que ocorre na fraude contra credores, não há na
sim ulação q ualquer m ácula no processo form ador de vontade do
agente. Sua vontade é livre, esclarecida e ponderada, m as com
flagrante in tu ito de b u rlar a lei ou prejudicar terceiros, o que já é
suficiente para ser declarado pelo Código com o um ato nulo (art.
167). O u tra era a o rien tação do legislador do século XX, que
declarava o ato sim ulado com o m eram en te anulável.
Exem plo clássico de sim ulação é a em issão de títulos de cré­
dito que não representam qualquer relação obrigacional com o fim
de prejudicar a esposa em fu tu ra p artilh a de bens. Inacio de C ar­
valho N eto e Érika H arum i (2002, p. 185) d issertam com preci­
são:

“Não há na sim ulação um vício de consentim ento, porque não


atinge a sua formação. As partes visam com o engodo atingir outro
efeito que não o declarado; am bas as p artes querem o resu ltad o
em prejuízo de terceiro. C onfigura-se um vício social, agora tra ­
tado com o causa de n u lidade.”

1. 1.3 .1 Sim ulação absoluta

Ocorre a sim ulação ab soluta quando, por detrás do ato sim u ­


lado, nen h u m ato existe. O exem plo clássico é o do devedor que
- ciente da execução que lhe bate às portas - elabora docum ento
de confissão de dívidas com oferecim ento de garantia real a am i­
go, objetivando assim su b trair seus bens dos efeitos constritivos
da execução. N ão h á dívida com o amigo, não h á o u tro negócio
que se busque esconder. De verdadeiro há apenas a intenção de
prejudicar os verdadeiros credores (OAB/SP - 121°).
A conseqüência é u m a só: nulidade absoluta do negócio si­
m ulado com todas as conseqüências que o adjetivo enseja (AD­
VOGADO DA UNIÃO/ESAF - 1998).
1 6 8 D ire ito C iv il

1.1.3.2 Simulação relativa

Diz-se da sim ulação que esconde o u tro ato proibido pela lei.
O exem plo tradicional é o do m arido que, im possibilitado de efe­
tu a r doação à concubina, sim ula com ela co n tra to de venda e
com pra. N ote que por detrás deste últim o co ntrato h á o u tro ato
real e desejado pelas partes, a despeito da vedação legal.
Mais freqüente ainda a declaração de valor abaixo do real­
m en te acordado, visando a m enor recolhim ento de im posto aos
cofres públicos. N esta espécie de sim ulação, a lei dispõe que:
“subsistirá o que se dissimulou se válido fo r na substância e na form a”
(art. 167). A III Jornada de D ireito Civil explicou n o E nuncia­
do n Q 153: “Na simulação relativa, o negócio simulado (aparente) é
nulo, mas o dissimulado será válido se não ofender a lei nem causar
prejuízos a terceiros.”
O s parágrafos do art. 167 ainda tratam de exem plos em que
haverá simulação. Os exem plos dos dois prim eiros incisos já fo­
ram abordados e o terceiro prevê a hipótese de “instrumentos par­
ticulares antedatados ou pós-datados”.

1.1.3.3 Simulação inocente

H ipótese não mais ventilada pelo ordenam ento que a nosso


ver não enseja a anulação do negócio. Tem por característica prin­
cipal não prejudicar terceiros nem burlar a lei, ocorrendo apenas
a distorção entre o pretendido e o exteriorizado. O C onselho da
Justiça Federal entende exatam ente o contrário, raciocínio que foi
exteriorizado na III Jornada de Direito Civil no Enunciado nQ152:
"Toda simulação, inclusive a inocente, é invalidante.”
E a hipótese, v. g., do hom em solteiro, sem herdeiros neces­
sários, que preten d e doar im óvel à nam orada, m as que - por
em baraço perante a sociedade - prefere sim ular com pra e venda.
N ão há prejuízo, não há fraude à lei, não há m otivos para contra­
riar a ordem prim ordial de m anutenção dos negócios jurídicos,
visando à segurança das relações jurídicas.
D os F atos Ju ríd ico s 169

1.2 Características do negócio nulo

O art. 168 enum era três im portantes características do negó­


cio nulo. Com o já referi, o tratam e n to dado pela lei é rigoroso,
assim com o sua sanção. D esta form a, o negócio nu lo é in su s­
cetível de confirm ação, o que nos força concluir que, se o agente
de dez anos de idade pratica negócio jurídico de com pra e venda,
não lhe será possível confirm á-lo quan d o com pletar a m aiorida­
de'civil. T am bém por sua gravidade e potencialidade lesiva aos
interesses sociais, o negócio nu lo pode ser alegado por qualquer
interessado e tam bém pelo M inistério Público e pelo Juiz, de ofí­
cio. D esta forma, ao se deparar com lide que envolva um co n tra­
to celebrado por absolutam ente incapaz, o juiz deverá - ainda que
sem provocação das p artes - declará-lo nulo. Por fim, é im por­
tan te frisar que o ato n u lo não prescreve. O tem p o não tem o
condão de sanar o negócio considerado nu lo pela lei. A inda que
décadas transcorram após a celebração do negócio jurídico, ele
ainda assim será considerado nulo e - na prim eira oportunidade
- declarado com o tal.

2 Nulidade relativa

N a seara dos negócios anuláveis, as hipóteses previstas pelo


legislador são m enos graves do que os atos nulos. O legislador
aqui observa h ip ó teses q u e violam d ireito de u m a p esso a em
particular e não da sociedade com o um todo. Perm ite assim que
tais negócios tenh am valor e eficácia, atribuindo, en tretan to , ao
prejudicado o direito potestativo de - judicialm ente - solicitar sua
anulação.

2.1 H ip ó te se s

O art. 171 do Código Civil prevê algum as hipóteses de n e ­


gócios considerados anuláveis (M AGISTRATURA/SP - 2003;
MAGISTRATURA/RS - 2003). Perceba que são situações m enos
gravosas do que as previstas no art. 166, onde a sociedade to d a
era atingida pela torpeza do ato. D esta forma,
170 D ir e ito C iv il

"além dos casos expressam ente declarados na lei, é anulável o


negócio jurídico: I - por incapacidade relativa do agente; II - por
vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou
fraude contra credores”.

Vimos que entre a capacidade de fato e a incapacidade abso­


luta há um m eio-term o em que a pessoa possui um discernim ento
razoável, sem, entretan to , o sten tar a solércia necessária para -
sozinho - praticar os atos da vida civil. É o que se cham a de ca­
pacidade relativa. N este m om ento, o relativam ente incapaz já não
necessita ser representado, devendo ser assistido por quem a lei
determ inar (vide arts. 1.690, 1.747, 1.781). O ato praticado sem
esta devida assistência gera no espírito do legislador um a indig­
nação m enor do que aquele praticado pelo absolutam ente inca­
paz. A lei possibilita inclusive sua validade, desde que n enhum
interessado se socorra do Judiciário para pleitear-lhe a anulação.
Ademais, com base de que “ninguém alega em seu favor a pró­
pria torpeza", o Código prevê que o m enor en tre 16 e 18 anos que
dolosam ente ocultou sua idade ou se declarou m aior no m om ento
do contrato não poderá eximir-se da obrigação, alegando sua idade
(art. 180), devendo então responder pessoalm ente por tal obri­
gação (MP/MG - 2000).
Os defeitos do negócio jurídico foram m inuciosam ente abor­
dados em capítulo próprio e têm por conseqüência a produção de
ato anulável, nos term os do inciso II do art. 171.

2.2 Características do negócio anulável

E xatam ente em virtude de sua m enor gravidade, o negócio


anulável p o ssu i características m ais b ran d as do que o n eg ó ­
cio nulo. O legislador confere-lhe certa dose de validade e eficá­
cia, contem porizando até m esm o com sua convalidação pelo de­
curso do tem po ou pela vontade das partes. Os arts. 172 e seguin­
tes trazem as principais características do negócio anulável.
Assim, ao contrário do ato nulo, o ato anulável pode ser con­
firm ado expressam ente pelas partes. É lícito ao garoto de 16 anos
que pratica um negócio de com pra e venda confirm á-lo ao com­
pletar 18 anos (arts. 172 e 173).
D o s F a to s J u r íd ic o s 171

O art. 174, po r su a vez, prevê a confirm ação tácita do negó­


cio anulável, na hipótese em que o m esm o já foi em parte cum ­
prido pelo devedor ciente do vício que o inquinava. Tal disposi­
tivo consagra o princípio que veda o venire contra factum proprium,
decorrência da boa-fé objetiva prevista no Código Civil. Segun­
do tal raciocínio jurídico, não é dado ao agente alterar sua p o stu ­
ra no decorrer de u m negócio após se p o rtar de um m esm o m odo
por determ inado lapso de tem po. É um a restrição ao direito su b ­
jetivo do agente que - em que pese te r o d ireito de an u lar o n e­
gócio - agiu com o q u em p re te n d e confirm á-lo. C láudio Luiz
Bueno de Godoy (2004, p. 89) explica:

“O venire contra factum proprium, de seu tu rn o , re p re se n ta


m áxim a pela qual se evidencia, tam bém , o princípio da boa-fé
objetiva, na sua função restritiva de direito subjetivo, significan­
do o exercitá-lo em contradição com o co m portam ento anterior,
externado pelo próprio indivíduo. Procura-se, aqui, evitar a con­
trariedade e os efeitos dela decorrentes a o u trem .”

Perceba que o agente já cum priu o ato parcialm ente, apesar


de conhecedor do vício que o inquinava. Isso gera no o u tro con­
tra ta n te u m a ju s ta ex p ec tativ a q u e deve se r re s p e ita d a pelo
ordenam ento. O art. 175 é ainda m ais enfático ao dizer que n es­
ta hipótese extinguir-se-ão “todas as ações, ou exceções, de que con­
tra ele dispusesse o devedor”. A ntonio Ju n q u eira de Azevedo (2004,
p. 167) com enta a hipótese:

“Tanto a lei brasileira qu an to a jurisprudência, ainda que sem


referência nom inal, consagram largam ente a proibição de venire
contra factum proprium. E o que se vê, p o r exem plo, com recurso a
um a espécie de renúncia tácita, no art. 150 do CC brasileiro, ao
vedar a lei o pedido de anulação de ato jurídico, quan d o a o bri­
gação já foi cum prida em parte pelo devedor, ciente do vício que
a inquinava."

Com o já dito, o negócio anulável ap resen ta relativa gravida­


de, que não chega a atingir to d a a sociedade, pelo que apenas os
interessados podem alegá-la, não cabendo assim nem ao M inis­
tério Público nem ao juiz declarar no curso da dem anda que o
172 D ire ito C ivil

contrato debatido foi ou não contam inado com algum vício do


consentim ento.
Exatam ente por isso que, quando o interessado alega a nuli­
dade relativa de um negócio jurídico, a declaração de nulidade só
a ele aproveita, “salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade”.
D este modo, se m ediante dolo várias pessoas se obrigaram a con­
tra ta r com a m esm a pessoa e apenas u m a delas alega o vício,
apenas ela terá proveito de sua solércia e - som ente para ela - o
negócio será anulado. A exceção fica por conta dos in stitu to s da
solidariedade e da indivisibilidade, onde - por força do contrato,
da lei ou da própria natureza da prestação - cada um dos deve­
dores fica responsável (haftung ) pelo pagam ento de toda a obri­
gação (schuld).
Ao contrário do que ocorre nos negócios nulos, os m eram ente
anuláveis apresentam prazo para sua anulação. O direito que a
vítim a da coação (v. g.) tem de anular um negócio jurídico é da­
queles que não envolvem um a prestação da outra parte, m as que
su b m etem esta a um estad o de sujeição. T rata-se do d ireito
potestativo, que enseja para seu exercício um prazo decadencial
sob pena de o próprio direito fenecer. Este prazo será de quatro
anos nas hipóteses do art. 178 e de dois anos quando a lei declará-
lo anulável sem estabelecer prazo (como na hipótese do art. 117)
(MAGISTRATURA/RS - 2000).

2.3 Efeitos dos negócios nulos e anuláveis

As diferenças entre o negócio nulo e o anulável já foram exa­


m inadas e lim itam -se ao campo da titularidade da alegação (art.
168), da possibilidade ou não de sua confirm ação (art. 172), do
convalescim ento pelo decurso do prazo (arts. 178 e 179) ou por
sua execução com a ciência do vício (arts. 174 e 175) e da possi­
bilidade de pronunciam ento ex officio pelo juiz (art. 168, parágrafo
único).
Q uando a lei quis diferenciar os institutos, ela o fez e de modo
m uito didático, reunindo tais disposições no capítulo ora anali­
sado, denom inado “Invalidade do Negócio Jurídico”.
D os F a to s Ju ríd ico s 173

N o que tange, en tre tan to , aos efeitos dos negócios nulos e


anuláveis, a lei não efetu o u q u alq u er distinção. Ao contrário,
previu a m esm a conseqüência para am bos no art. 182, com a se­
guinte redação: "Anulado o negócio jurídico, re$tituir-se-âo as partes
ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-
las, serão indenizadas com o equivalente.”
D esse m odo, ta n to o negócio nulo qu an to o anulável terão o
me.smo efeito quando declarados pelo juiz: o reto rn o das partes
ao status quo ante. Afinal, quem em sã consciência poderia defen­
der a tese de que um co n trato de prestação continuada, celebra­
do sob coação m o ral v io len ta e d u rad o u ra, te ria seu s efeitos
regulares e p rodutores de efeito até o dia da sentença? Com o sa­
bem os, a coação gera nulidade relativa ao negócio, m as, um a vez
decretada pelo juiz, terá a m esm a conseqüência de um negócio
que foi anulado: "a restituição das partes ao estado em que antes se
encontravam”.
Cabe um a observação im p o rta n te no que se refere ao ato
praticado pelo abso lu tam en te incapaz. A gravidade deste negó­
cio é tão p rem en te que o art. 181 proíbe que a o u tra parte (salvo
em um a hipótese) - m esm o quando o negócio for declarado nulo
- reclam e o reem bolso do que pagou ao incapaz. N ote a gravida­
de da disposição. O m en o r de 16 aliena bem móvel em negócio
de com pra e venda celebrado com Pedro, plenam ente capaz. D e­
clarado nulo o negócio, Pedro terá de restitu ir o bem móvel e não
poderá reclam ar o preço que desem bolsou ao incapaz.
A única hipótese em que Pedro pode solicitar o reem bolso do
valor pago é com a difícil prova de que o valor reverteu em p ro ­
veito do m enor (provando , por exemplo , que a quantia em dinheiro fo i
aplicada na educação ou na saúde do menor). A m esm a lin h a de ra­
ciocínio será utilizada quan d o a lei tra ta r do “pagam ento” no art.
310.

2.4 Conversão dos negócios jurídicos

Já salientam os que o negócio nu lo não pode ser confirm ado


pelas partes, prerrogativa esta exclusiva dos negócios anuláveis.
Porém , o Código reserva a possibilidade de conversão do negó­
174 D ir e ito C ivil

cio jurídico nulo em outro negócio perfeitam ente válido, na for­


m a do art. 170:

“Se, porém , o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de


outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes p er­
m itir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a n u li­
dade.”

O in stitu to é baseado no princípio da conservação e possui


dois requisitos. O prim eiro (requisito imaterial) é a intenção das
partes em celebrar o negócio que se p reten d e agora criar pela
conversão. O segundo requisito é de que o negócio nulo preen ­
cha os requisitos formais e m ateriais do negócio que se pretende
criar (requisito material). Sobre o assunto, o C onselho da Justiça
Federal já se m anifestou em seu Enunciado nQ13, nos seguintes
term os: “O aspecto objetivo da convenção requer a existência do supor­
te fático no negócio a converter-se. ”
Carlos A lberto da M ota Pinto (1999, p. 632) versa sobre os
dois requisitos da conversão:

“ 1) É necessário que o negócio inválido contenha os requisi­


tos essenciais de forma e substância (capacidade, objecto, von­
tade), necessários para a validade do negócio sucedâneo (‘ersatz’).
Assim , a venda verbal de imóveis é inconvertível em prom essa de
com pra e venda, dado o art. 410Q, nQ2. 2) Exige-se que a vonta­
de hipotética ou conjectural das partes seja no sentido da conver­
são. Só haverá conversão, quando se im ponha a conclusão de que
as partes teriam querido o negócio sucedâneo se, na hipótese de
se terem apercebido do vício do negócio principal, não pudessem
tê-lo celebrado sem essa deficiência. Trata-se de um requisito cuja
existência deve ser averiguada à luz das particularidades do caso
concreto.”

Tal instituto terá grande aplicabilidade quando da violação da


form a prescrita em lei. Assim, a m aioria dos exem plos de aplica­
ção prática do in stitu to traz com o hipótese com um a violação do
art. 104, III. É o que ocorre quando se efetuam com pra e venda
de bem imóvel sem a devida escritura pública. A intenção das
partes era evidentem ente a transferência da propriedade imóvel
D o s F a to s J u r íd ic o s 175

(requisito imatericil), m as não foi obedecida um a solenidade dita


essencial pela lei. Há a possibilidade de converter tal negócio em
prom essa de com pra e venda para a qual não há necessidade de
in stru m en to público (requisito material). Do m esm o m odo, o p re­
tendido casam ento celebrado en tre pessoas do m esm o sexo pode
ser convertido em sociedade de fato, geradora de inúm eras con­
seqüências no cam po patrim onial.

Capítulo VII
D os atos ilícitos

Com o já m encionado, os atos ilícitos são fatos jurídicos. Isso


p orque se verifica u m a rep ercu ssão ju ríd ica d eco rren te deste
acontecim ento. E inegável que, em colisão de autom óveis, n as­
cerá para o m o to ris ta cu lp ad o u m a obrigação em relação ao
outro, com o dever de indenizar danos m ateriais e m orais, pagan­
do inclusive alim entos a quem o m o rto os devia em caso de fale­
cim ento de algum a vítim a da colisão (art. 948, II), tu d o sem p re­
juízo das sanções penais cabíveis ao caso (arts. 302 e 303 da Lei
nQ9.503, de 23 de setem b ro de 1997).

1 Bipartição da regra geral de responsabilidade civil

O Código Civil de 1916 trazia no art. 159 a clássica regra geral


sobre responsabilidade civil. N aquela oportunidade, o legislador
definia o que era ato ilícito e n o m esm o dispositivo previa sua
conseqüência.
O Código Civil de 2002, en ten d en d o que a conseqüência do
ato ilícito é m elhor inserida no cam po dos direitos das obrigações,
preferiu bipartir a clássica definição do art. 159. A ssim o fez em
dois dispositivos bem claros, o art. 186 e o 927. Vejamos:

“Art. 186. A quele que, p o r ação ou om issão voluntária, n e ­


gligência ou im prudência, violar direito e causar dano a outrem ,
ainda que exclusivam ente m oral, com ete ato ilícito.”
“Art. 927. A quele que, p o r ato ilícito (arts. 186 e 187), cau­
sar dano a outrem , fica obrigado a repará-lo.”
176 D ire ito C ivil

Os atos ilícitos são praticados d iretam en te em afro n ta ao


nosso ordenam ento jurídico e - por isso m esm o - geram um efeito
jurídico im ediato e não coincidente com o qu erer do agente: o
dever de reparação. A responsabilidade civil possui quatro requi­
sitos bem definidos pelo art. 186 do Código Civil. São eles: (a)
ação ou om issão; (b) dano; (c) culpa ou dolo; (d) nexo causai
entre a ação e o dano.
O ato assim praticado gera o dever de indenizar, previsto no
art. 927. Porque se preocupa com a análise da culpa, esta é a cha­
m ada responsabilidade subjetiva, m antida com o regra em nosso
ordenam ento. Para configuração de tal responsabilidade, há que
se averiguar se o elem ento culpa está ou não presente, para que
- respectivam ente - se configure ou não o dever de indenizar. Vale
o registro - já adentrando em m atéria de responsabilidade civil -
de que o parágrafo único do art. 927 traz duas exceções a tal re­
gra, prevendo hipóteses de responsabilidade objetiva quando:

a) lei especial assim prever; são os casos já consagrados de res­


ponsabilidade objetiva como da responsabilidade pelo fato e pelo
vício do produto ou do serviço no Código de Defesa do C onsu­
midor;
b) “a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano im­
plicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

N a parte final do parágrafo único do art. 927, o Código tro u ­


xe a consagrada teoria do risco (que no Brasil teve como precur­
sor Alvino Lima, em sua obra Da culpa ao risco, 1938). Há na so­
ciedade determ inadas categorias ou sujeitos que em suas ativi­
dades rotineiram ente desenvolvidas expõem os seus pares a um
risco m aior do que o norm alm ente verificado nas dem ais. São su­
jeitos que - por conta deste risco natural de sua atividade - nor­
m alm ente recebem um a rem uneração pecuniária m aior pelo seu
trabalho do que em outras atividades onde este risco não está pre­
sente. D esta form a, é fácil verificar que um a em presa que faz
entregas de ovos pelo bairro causa à sociedade um risco bem
m en o r do que o u tra que tran sp o rta valores em dinheiro entre
bancos e caixas eletrônicos ou de um a o utra que faz o serviço de
“escolta armada”, cada vez mais freqüentes hoje em dia. Nessas ati­
D o s F a to s J u r íd ic o s 177

vidades, h á u m risco ineren te m aior do que o ordinário e que por


isso p o ssib ilitará ao ju iz considerá-las com o atividades de risco,
deixando de exigir a difícil prova da culpa por parte da vítim a para
alcançar su a ju s ta reparação. Sílvio V enosa (2003, p. 16) conclui:
“Quem, com sua atividade cria um risco deve suportar o prejuízo que, sua
conduta acarreta, ainda porque essa atividade de risco lhe proporciona um
benefício.”
. C om entando a opção legislativa do Código Civil, Miguel Reale
justificava (artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 26
de abril de 2003):

“R esponsabilidade subjetiva, ou responsabilidade objetiva?,


indagava eu. N ão há que fazer essa alternativa. N a realidade, as
duas form as de responsabilidade se conjugam e se dinam izam .
Deve ser reconhecida, p en so eu, a resp o n sab ilid ad e subjetiva
como norm a, pois o indivíduo deve ser responsabilizado, em prin­
cípio, p o r su a ação ou om issão, culposa ou dolosa. Mas isso não
exclui que, aten d en d o à e stru tu ra dos negócios, se leve em con­
ta a responsabilidade objetiva [...] Pois bem , qu an d o a e stru tu ra
ou n atu reza de um negócio jurídico, com o o de tran sp o rte ou de
trabalho, só para lem brar os exem plos m ais conhecidos, im plica
a ex istên cia de riscos in e re n te s à atividade desenvolvida, im ­
põe-se a responsabilidade objetiva de quem dela tira proveito, haja
ou não culpa.”

O C onselho da Justiça Federal tam bém já se pronunciou so­


bre o te m a n a I Jornada de D ireito Civil, proferindo o Enunciado
nQ38:

“A resp o n sab ilid ad e fu n d ad a n o risco da atividade, com o


prevista n a segunda p arte do parágrafo único do art. 927 do novo
Código Civil, configura-se quan d o a atividade norm alm en te d e­
senvolvida pelo au to r do d an o causar a pessoa d eterm in ad a um
ônus m aior do que aos dem ais m em bros da coletividade.”

O Projeto nQ 6.960 p reten d e ainda in serir um § 2Qao inova­


dor art. 927 com a seguinte redação: “5 2a Os princípios da respon­
sabilidade civil aplicam-se também às relações de família. ’’ O novo pa­
rágrafo carrega u m dos tem as m ais p alp itan tes do D ireito Civil,
178 D ireito Civil

pois envolve responsabilizar as pessoas por atos de desam or,


abandono ou até negação de parentesco com pessoas que delas
descendem . A idéia é positivar o en tendim ento de que o pai, por
exem plo, poderia ser responsabilizado civilm ente por não visitar
regularm ente sua filha m enor (em que pese pagar diariam ente os
alim entos fixados), o que aliás ocorreu em recente decisão ju d i­
cial de prim eira instância. Este é um trecho da sentença judicial
proferida nos autos do processo nQ10 3 0 0 12032-0 na com arca de
Capão da C anoa/R S (disponível em : <w w w .espacovital.com .
b r> ):

"A ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho


recém nascido, ou em desenvolvim ento, violam a sua ho n ra e a
sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que
grande parte deles derivam de pais que não lhes dedicam am or e
carinho; assim tam bém em relação aos crim inosos.
Por óbvio que o Poder Judiciário não pode obrigar ninguém
a ser pai. N o entanto, aquele que optou por ser pai - e é o caso
do réu - deve desincum bir-se de sua função, sob pena de reparar
os danos causados aos filhos. N unca é dem ais salientar os in ú ­
m eros recursos para se evitar a paternidade (vasectomia, p reser­
vativos etc.).”

N o que tange ao requisito dano, a redação do art. 186 - ao


contrário do que ocorria com o art. 159 - não deixa dúvidas. A
conjunção alternativa ou foi su b stitu íd a pela aditiva e, o que de­
n ota a exigência da lei quanto a este específico requisito. De fato,
o cidadão pode trafegar pelas ruas com seu carro de m odo negli­
gente, sem a m ínim a atenção para as regras de conduta social, em
altíssim a velocidade, sendo condenado na esfera adm inistrativa
por excesso de velocidade, ser condenado no âm bito penal por

“trafegar em velocidade incom patível com a segurança nas pro­


xim idades de escolas, hospitais, estações de em barque e desem ­
barque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja gran­
de m ovim entação ou concentração de pessoas, gerando perigo de
dano",
D o s F a to s J u r íd ic o s 179

conform e o art. 3 11 do Código de Trânsito, m as jam ais será con­


denado civilm ente se não causar dano a outrem .

2 A buso de direito

É o ato lícito no antecedente e ilícito no conseqüente. É aquele


praticado dentro do direito do indivíduo, porém com excesso nos
meios. Fartos exem plos são encontrados nos direitos de vizinhan­
ça. A busa de seu d ireito o vizinho que, d en tro de u m pequeno
apartam ento, cria dez cachorros de grande porte; abusa de seu
direito o vizinho que cava d esn ecessariam en te p rofundo poço,
esgotando assim o m an an cial alh eio etc. O exem plo clássico,
entretanto, é de Planiol e R ipert, aludindo ao caso de um vizinho
que - com lanças enorm es - im pedia o sobrevôo de balões com
passageiros, prática freqüente na região. Seu objetivo era vender
o terreno com preço elevado. O Tribunal de Com piègne (C lem ent
Bayard) entendeu que tal atitu d e era considerada u m ato ilícito
posto abusivo, ordenando a retirada das lanças (VENOSA, 2003,
p. 605) (MAGISTRATURA/SC - 2003).

3 Atos lícitos que podem gerar direito a indenização

A lguns atos, por sua vez, em que pese serem considerados


pela lei com o lícitos - e algum as vezes até heróicos - causam dano
a terceiros. N estas hipóteses, o rótulo de licitude dado pela lei de
nada vale, pois ainda assim haverá o dever de indenizar. Vejamos
tais espécies previstas n o art. 188.

3.1 Legítima defesa

Este é o clássico exem plo de ato danoso lícito. N ão há com o


exigir da vítim a reparação pela m era reação que praticou ao ver
um direito seu violado. E bem verdade que a legítim a defesa deve
ser exercida d en tro dos lim ites necessários para que não m ude
de artigo e se transfira para o art. 187 (abuso de direito) (MA-
GISTRATURA/MG - 1999).
O problem a ganha contornos m ais sérios quando aquele que
se defende causa danos a terceiros estran h os à situação vivida.
180 D ir e ito C ivil

Assim, im agine que A - se defendendo de agressão de B - atinja


C. Este últim o terá direito de cobrar indenização do prim eiro, que
por sua vez terá ação regressiva em face de B para ser ressarcido
do m ontante que desem bolsou.

3.2 Estado de necessidade

O estado de necessidade se verifica na h ipótese de perigo


im inente, que, para ser removido, exige a destruição ou deterio­
ração da coisa alheia. A solução legal para tais casos envolve sa­
ber se a situação de perigo foi criada pela vítim a ou não. Em caso
afirmativo, não haverá dever de indenizar, posto que a vítim a do
dano foi quem gerou a situação de perigo. O inverso ocorre na
m edida em que a vítim a do dano nada tem a ver com a situação
de perigo.
Se, v. g., um advogado nota - em dia de calor sufocante - que
há um a criança dentro de um carro estacionado a céu aberto e
percebe o im inente perigo que passa a vida do infante, é lícito (e
até heróico) que ele quebre o vidro do carro para salvar-lhe. N este
caso, o pai que deixou ali seu descendente criou a situação de
perigo e não assistirá a ele direito à indenização pelo vidro q u e­
brado.
Agora, im agine a hipótese do senhor que - circulando p ru ­
d entem ente por grande avenida - sofre um a brusca fechada de
im ensa carreta, tendo que optar en tre sua vida e o m uro da casa
situada à m argem da avenida. Se a opção escolhida for a prim ei­
ra, ele - apesar de configurado o estado de necessidade - deverá
indenizar o proprietário do imóvel, restando-lhe o direito de re­
gresso contra o causador da situação de perigo, a teor dos arts.
929 e 930.
Entre deixar a vítim a sem indenização e im por o prejuízo ao
agente causador do dano (ainda que este tenha praticado um ato líci­
to), a lei prefere a últim a opção, por considerá-la m enos injusta.
D o s F a to s J u r íd ic o s 181

Capítulo VIII
Da prescrição e da decadência

1 Diferenciação dos institutos m ediante a classificação


dos direitos subjetivos

O exam e desses dois in stitu to s exige prelim inarm ente a dis­


tinção das duas espécies de direitos subjetivos: direitos a uma pres­
tação e direitos potestativos. Foi partin d o d esta análise que Agnelo
Am orim Filho, em seu artigo “C ritério científico para distinguir
a prescrição da decadência e para identificar as ações im pres­
critíveis” (RT nQ 300, p. 7-37), lançou as sem en tes da co n stru ­
ção doutrinária sobre o tem a, que resu lto u no art. 189 do atual
diplom a civilista brasileiro. D a com preensão dessa idéia flui na­
turalm ente o alicerce para a solidificação e diferenciação dos ins­
titu to s da prescrição e da decadência.

1.1 Os direitos a uma prestação

Com o o próprio nom e diz, o titu lar de um desses direitos tem


a prerrogativa de receber do devedor u m a prestação consistente
em dar, fazer ou não fazer. A ssim ocorre com o d ireito do m u-
tu a n te , q u e te m o d ire ito de rece b er do m u tu á rio a q u a n tia
em prestada ou com o vendedor do bem que tem o direito de re­
ceber do adquiren te a prestação avençada. A tais direitos contra-
põe-se um procedim ento do devedor que necessariam ente deve­
rá colaborar com o credor, dando, fazendo ou deixando de fazer.
Por conta dessa colaboração necessária do devedor, há a pos­
sibilidade de que tais direitos sejam violados. A ssim , não é difí­
cil im aginar a hipótese de o devedor não adim plir com sua obri­
gação no prazo com binado. Basta esta atitu d e do devedor para
ocorrer a violação desta espécie de direito.
Assim que tal d ireito é violado, nasce para o titu la r u m a pre­
tensão, entenda-se, a possibilidade de o titu la r exigir a prestação
do devedor. Perceba que o direito ao crédito já existia desde o dia
em que se convencionou o pagam ento ao credor. A sua p rete n ­
são, entretanto, só nasce a p artir do dia do vencim ento.
1 8 2 D ireito Civil

1.2 Os direitos potestativos

N esta segunda categoria de direitos subjetivos, o titu lar não


pretende nenhum a prestação da o utra parte. Seu único objetivo
é constituir, desconstituir ou modificar um a relação jurídica p e­
rante o devedor. Não há necessidade de colaboração por parte do
devedor. N ão há com o im ag in ar u m a violação a um d ireito
potestativo.
Agnelo A m orim Filho, no artigo m encionado, conclui:

“Esses poderes [...] se exercitam e atuam m ediante sim ples


declaração de vontade, m as em alguns casos, com a necessária
intervenção do juiz. Têm todas de com um ten d er à produção de
um efeito jurídico a favor de um sujeito e a cargo de outro, o qual
nada deve fazer, mas nem por isso pode esquivar-se àquele efei­
to, perm anecendo sujeito à sua produção. A sujeição é um esta­
do jurídico que dispensa o concurso da vontade do sujeito, ou
qualquer atitude dele. São poderes puram ente ideais, criados e
concebidos pela lei... (Instituições, trad. Port., 1/4 1 -4 2 ).”

O exem plo mais m arcante de direito potestativo é o da es­


posa que - percebendo ter incidido em erro essencial quanto à
pessoa de seu cônjuge - ganha o direito de anular seu casam en­
to. N ão pretende a esposa qualquer prestação do m arido consis­
tente num dar, fazer ou não fazer. O objetivo deste direito é tão-
som ente desconstituir a relação jurídica do casam ento estabe­
lecida (MAGISTRATURA FED ER A L/Ia REGIÃO - 2001; OAB/
SP - 101°).
A este direito potestativo contrapõe-se não um a prestação do
devedor, mas um “estado de sujeição”. O m arido, no exem plo aci­
ma, fica sujeito às conseqüências deste direito potestativo, nada
podendo fazer para violá-lo ou não cumpri-lo. O utro exemplo ilus­
tra bem: já dissem os que o encargo não subordina os efeitos do
n egócio ju ríd ico . A ssim , se o d o ad o r im põe um encargo ao
donatário, o contrato está surtindo seus regulares efeitos. Ainda
que não se cum pra o encargo, os efeitos perm anecerão, facultan-
do-se ao doador, entretan to , revogar a doação (art. 555). Ao di­
reito que o doador tem de revogar tal doação não se contrapõe
D o s F a to s J u ríd ic o s 183

n en h u m a prestação por p arte do donatário. Ao contrário, lim ita-


se a suportar as conseqüências do exercício deste direito por parte
do benevolente doador. Um últim o exem plo de direito potestativo
m uito corriqueiro é o que detém o locador - em co ntrato de 30
m eses ou m ais - de denunciar a locação quando findar o co n tra­
to.

1,3 D o fundam ento da prescrição

Q uando se idealizou o in stitu to da prescrição, a ciência ju rí­


dica tinha por finalidade im pedir que pretensões não exercidas
durassem eternam ente, causando am eaça perm an en te ao deve­
dor, pairando sobre ele com o um a espada de Dâmocles. Tal ce­
nário geraria um a insegurança m u ito grande sobre a sociedade,
o que não é de agrado da ciência do Direito.
Com o já vim os, a pretensão nasce da violação de um direito a
uma prestação e é esta p reten são que am eaça a sociedade, não a
existência do direito subjetivo. Entre com eter a injustiça de cei­
far o direito da parte e a injustiça de possibilitar que ela o exer­
cesse a qualquer m om ento, a lei preferiu trilh ar o m eio-term o,
elim inando não o d ireito em si, m as a preten são de quem não a
utilizou no m om en to o p o rtuno. É esta a fundam entação do art.
189 do Código Civil: "Violado o direito, nasce para o titular a preten­
são, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts.
205 e 206. ” E por isso que os prazos prescricionais nascem após
o direito ter sido violado.
O C onselho da Justiça Federal pronunciou-se sobre o a ssu n ­
to em seu E nunciado n Q 14:

“ 1) o início do prazo prescricional ocorre com o surgim ento


da pretensão, que decorre da exigibilidade do d ireito subjetivo;
2) o art. 189 diz respeito a casos em que a preten são nasce im e­
diatam ente após a violação do d ireito absoluto ou da obrigação
de não fazer.”

N ão é técnico, p o rtan to , dizer que a prescrição ex tingue a


ação. Caso o credor de dívida p rescrita ajuíze a dem anda, o juiz
poderá conhecer de ofício d este óbice, m as haverá resolução do
184 D ire ito C ivil

m érito, conform e o art. 269, IV, do CPC, fazendo coisa julgada


m aterial e im pedindo nova propositura. Logo, o direito de ação
foi exercido, m as com um a resposta negativa do Estado.
É por isso que, segundo H um berto T heodoro Jr. (Revista Sín­
tese de Direito Civil e Processual Civil, n9 23, m aio/jun. 2003), é mais
adequado entender o fenôm eno não com o a extinção de um a pre­
tensão, m as como o surgim ento de um a exceção (na verdade, ob­
jeção pois o juiz deve pronunciá-la de ofício conform e o parágra­
fo único do art. 112) apta a elim inar pretensão do credor.

1.4 D o fu n d a m e n to d a d ecad ên cia

Q uando tratam os de direitos potestativos, percebem os que


não há m aneira de se im aginar um a violação a um direito potes-
tativo. O titu la r não espera n en h u m a prestação da o u tra parte,
podendo apenas - a seu puro arbítrio - constituir, desconstituir
ou modificar um a relação jurídica. A outra parte fica apenas aguar­
dando a decisão, sem nada poder fazer, num “estado de sujeição”.
Se não há com o violar tais direitos, é certo que deles não
deflui nenhum a pretensão. E por esse m otivo que, na decadência,
o que causa insegurança na sociedade não é a pretensão, é o pró­
prio direito que - exatam ente por isso - já nasce com “período
de validade” para ser exercido. E por isso que os prazos decaden-
ciais nascem ju n to com o direito protegido. T ranscorrido este
lapso, o direito em si é atingido m ortalm ente (MAGISTRATU-
RA/PB - 1998). Com isso se atinge um a certeza jurídica que vai
de encontro aos anseios de segurança e estabilidade social.
Não podem os esquecer ainda que alguns direitos potestativos
não têm prazo para ser exercidos, como, por exem plo, o do m an­
dante em desconstituir seu m andatário ou o do condôm ino de
desfazer a com unhão.

1.5 C lassificação d as ações q u a n to à eficácia de su a


s e n te n ç a

U tilizando este critério, tem os três espécies de ações: (a)


condenatórias; (b) constitutivas; (c) exclusivamente declaratórias. Sem
D o s F a to s J u r íd ic o s 185

aprofundar m uito no direito adjetivo, as prim eiras têm com o prin­


cipal efeito condenação do réu a dar, fazer ou deixar de fazer al­
gum a coisa; as seg u n d as lim itam -se a c o n s titu ir ou d esco n s­
titu ir um a relação jurídica; e as últim as se p restam a declarar a
existência ou inexistência de um a relação jurídica ou ainda a au ­
tenticidade ou falsidade de um d o cum ento (art. 4Qdo CPC).
Fica claro que, para ver efetivado um direito a uma prestação
(sujeito a prazos prescricionais), o titu la r deve se valer de um a
ação condenatória, enq u an to , para exercer um direito potestativo,
deverá utilizar a ação constitutiva.
É por isso que se diz que, se a sentença tiver cu n h o conde-
natório, o d ireito subjetivo tu telad o é direito a uma prestação e,
portanto, sujeito a prazo prescricional e, quan d o a sentença tiver
cunho constitutivo, o direito subjetivo tutelado é direito potestativo
e, portanto, sujeito a prazo decadencial. As ações declaratórias não
têm prazo (MAGISTRATURA/MG - 1999; MPRS - XLII).

1.6 Critério topográfico para identificar prazos


prescricionais de decadenciais

U m dos princípios que inform aram a redação do Código Ci­


vil foi a operabilidade, que visa to rn ar a norm a didática, clara, de
fácil aplicação e conhecim ento da população. Exem plo vivo d es­
ta inspiração legislativa é o critério utilizado para separar prazos
prescricionais dos decadenciais. N a sistem ática do C ódigo de
2002, são prescricionais so m en te aqueles prazos arrolados nos
arts. 205 e 206, sendo de decadência todos os dem ais dispersos
pelo Código Civil. E o que su ste n ta Miguel Reale na exposição
de m otivos do an tep ro jeto do Código Civil:

“Para p ôr cobro a u m a situação deveras desco n certan te, op­


tou a C om issão po r u m a fó rm u la que espanca q u aisq u er dú v i­
das. Prazos de prescrição, n o sistem a do p rojeto, p assam a ser,
apenas e exclusiv am en te, os tax ativ a m en te d iscrim in ad o s na
Parte Geral, T ítu lo IV, C ap ítu lo I, sen d o de d ecadência todos
os dem ais, estabelecid o s, em cada caso, isto é, com o co m p le­
m en to de cada artig o q u e rege a m atéria, ta n to n a P arte G eral
com o na E special.”
1 8 6 D ire ito C ivil

2 D isp o siçõ es específicas so b re a p rescriç ão

Após te n ta r co n trib u ir com o am ad u recim en to das idéias


sobre prescrição e decadência, passo a analisar as disposições
específicas sobre cada um dos institutos, iniciando com a pres­
crição.

2.1 A exceção p rescrev e n o m e sm o p razo q u e a p re te n s ã o

Transcorrido o lapso previsto em lei, o titu lar do direito vê


consum ar a prescrição. O art. 190 determ ina expressam ente que
no m esm o período ocorreu tam bém o fenôm eno da perda da exce­
ção. Um exem plo facilitará a com preensão: no ano de 1980, A
em p resta d eterm in ad a im portância para B. O credor A nunca
cobrou a dívida e viu então o fenôm eno da prescrição atingir a
relação jurídica. N o ano de 2002, B em presta quantia para A e este
não paga. Se B acionar A, este não poderá alegar em sua defesa
(exceção) o valor que em prestou em 1980.

2.2 R en ú n c ia à p rescriç ão c o n su m ad a

Vimos que a prescrição na sua m ais m oderna concepção faz


nascer um a exceção, um a defesa ao devedor. Tal prerrogativa -
que agora possui o devedor (de alegar a prescrição) - pode ser
renunciada.
Como só se renuncia àquilo que se possui, o art. 191, de modo
coerente, perm ite ao devedor que renuncie a esta prerrogativa
quando a prescrição estiver consum ada. Este dispositivo tam bém
tem caráter protetivo, pois, caso contrário, a renúncia antecipa­
da à prescrição viraria cláusula de estilo em contratos, principalm en­
te nos de adesão, prejudicando o devedor. Pelo m esm o motivo,
não podem as partes alterar prazos prescricionais previstos na lei
(MAGISTRATURA/DF - 2002).
A renúncia (que só pode ocorrer após a consum ação da pres­
crição) pode ser expressa ou tácita. Será tácita quando se presu­
m ir de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição. Ex.:
credor de dívida prescrita envia p roposta de parcelam ento ao
D os F ato s Ju ríd ico s 187

devedor que com ela anui e passa a quitá-la. Será expressa q u an ­


do decorrer da m anifesta intenção da parte favorecida pela pres­
crição de pagar su a dívida, apesar do tran scu rso do tem po.

2.3 Alegação da prescrição

2.3.1 M om ento. O prequestionam ento

O art. 193 salienta: “A prescrição pode ser alegada em qualquer


grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita.” E ntre a letra fria da
lei e o calor da práxis forense, grande distância existe.
Em prim eiro lugar, tal afirm ação co n trasta com o princípio
da eventualidade da defesa, p rev isto no art. 300 do CPC, que
im põe ao réu alegar to d a sua m atéria de defesa (apesar de que o
art. 303, III, do m esm o o rd en am en to abre exceção para as defe­
sas que - por expressa autorização legal - pu d erem ser form ula­
das a qualquer tem po ou juízo), evitando assim o desnecessário
andam ento da m áquina estatal.
Mas, com o não b astasse, h á ain d a a q u e stã o do cham ado
“p req u estio n am en to ”, onde se im põe às p artes o dever de alegar
as questões de fato nas instâncias inferiores, não deixando para
fazer quando o recurso estiver nos T ribunais Superiores. A dúvi­
da que fica é: será que a ex pressa disposição do art. 193 terá for­
ça suficiente para proporcionar ao réu a alegação da prescrição em
qualquer grau de jurisdição? José Fernando Simão (artigo publi­
cado n o jornal Carta Forense, edição n Q 8, ago. 2004) - dedican­
do-se exatam ente ao tem a - conclui:

“Isso q u er dizer que se a p arte não alegou em defesa, por


exem plo, pode alegar a prescrição em sede de apelação? A res­
posta é sim, m as, nesse caso, haverá um ônus à parte que pode­
ria tê-la alegado desde logo e não o fez. O ô n u s será a perda dos
honorários advocatícios (m esm o a dem anda sendo julgada im pro­
cedente o advogado do devedor réu que não alegou na defesa a
prescrição perde os honorários que lhe seriam devidos) e ainda,
a parte deverá arcar com os prejuízos de tal dem ora n a alegação.
E ntretanto, ressaltam os que em razão da necessidade do cham a­
do prequestionam en to com o requisito de adm issibilidade do R e­
1 8 8 D ireito C ivil

curso Especial, não poderá a parte alegar prescrição apenas em


quando da interposição do recurso m encionado.”

2.3.2 Quem pode alegar ou suscitar a prescrição. A Lei na


1 1 .2 80/2006

D esde sua redação original, em 1973, o art. 219, § 5a, do


Código de Processo Civil im pedia que o juiz conhecesse de ofí­
cio a prescrição que envolvia direitos patrim oniais, o que englo­
bava quase a totalidade dos casos de prescrição. Logo, se o deve­
dor não percebesse o transcurso do lapso, a ação fluiria norm al­
m en te até seu final ju lg am en to com provável procedência do
pedido por parte do credor de dívida prescrita.
O art. 194 do Código Civil de 2002 alterou tal cenário e p er­
m itiu ao juiz a declaração de ofício da prescrição quando o deve­
dor fosse absolutam ente incapaz. Ou seja, se a dívida já estives­
se prescrita e o devedor-réu fosse um absolutam ente incapaz, o
juiz poderia extinguir o processo com resolução de m érito com
base no art. 269, IV. Houve, portanto, derrogação do disposto no
CPC (Enunciado nQ 155, do Conselho da Justiça Federal).
Todavia, a Lei n° 11.280/2006 alterou a redação do art. 219,
§ 5Q, do CPC, para perm itir que o juiz conheça de ofício da pres­
crição, seja ela patrim onial ou não, favoreça ela capaz ou incapaz.
O art. 194 do Código Civil, de alcance reduzido, perdeu objeto e
por conta disso foi expressam ente revogado pela referida lei de
2006 (128a OAB/SP).

2.4 Transcurso do lapso prescricional por culpa de


representante legal da pessoa jurídica ou assistente
do relativamente incapaz

Tendo já se preocupado com o absolutam ente incapaz (de­


term inando que o juiz pronuncie de ofício a prescrição operada
em seu favor), a lei (art. 195) agora se volta para os relativam en­
te incapazes e para as pessoas jurídicas, outorgando-lhes p ro te­
ção especial em duas hipóteses.
D o s F a to s J u r íd ic o s 189

A prim eira ocorre quan d o são credoras, tendo, p ortanto, um


prazo para agir. D iante da inércia prolongada das pessoas que a
representam ou assistem , poderão ver seu direito tornar-se d é­
bil, pois grande parte de su a efetividade se dilui com a prescri­
ção. Terão, portanto, ação co n tra aqueles que deram causa a tal
prescrição, entenda-se: contra aqueles que perm itiram o escoa­
m en to do prazo (seus a ssisten tes - n o caso dos relativam ente
incapazes - e seus rep resen tan tes legais - no caso das pessoas
jurídicas).
A segunda hipótese ocorre quando tais pessoas são devedo-
ras. N este caso, se o prazo do credor já transcorreu, nasce para o
devedor um a exceção que deve ser alegada, pois o juiz não pode­
rá suscitá-la de ofício. Fica evidente que, caso o rep resen tan te da
pessoa jurídica ou o assisten te do relativam ente incapaz não ale­
guem a prescrição, haverá prejuízo para os devedores que afinal
sairão vencidos de um a dem anda onde bastava alegar a ocorrên­
cia da prescrição para ex tin g u ir o processo. N ovam ente, a lei ga­
rante ação dos devedores em face dos rep resen tan tes ou do as­
sistente inertes.

2.5 Im pedim ento e suspensão do lapso prescricional

Suspensão e im pedim ento da prescrição são fenôm enos idên­


ticos em sua essência. D ecorrem autom aticam ente de fatos ju rí­
dicos em que a lei não considera apropriada a fluência do prazo.
A única diferença entre eles é o m om ento de sua ocorrência. Caso
o fato ocorra antes de iniciado o prazo prescricional, este ficará
im pedido de iniciar. Por su a vez, caso o prazo já te n h a se inicia­
do e verifique-se p o sterio rm en te a ocorrência do fato, ocorrerá a
su sp e n sã o do lapso. Se o fato d eix ar de ex istir, lev an ta-se a
suspensão e o prazo volta a fluir de onde havia parado, ou seja,
leva-se em conta o período que já havia transcorrido.
O ex em p lo clássico (art. 197, I) é a s u sp e n sã o do lapso
prescricional en tre cônjuges. De fato, im agine a situação do m a­
rido - credor de sua esposa - que vê fluir o prazo prescricional.
Teria o varão que optar en tre quedar-se na inércia (perdendo seu
prazo), ou m over ação, p erd en d o a confiança da virago. Preven­
190 D ire ito C ivil

do tal ocorrência, o legislador suspende o p ro sseg u im en to do


prazo n a “constância da sociedade conjugal".
A tendo-se a este clássico exem plo de “suspensão do lapso
p rescricional”, o Código é om isso e enseja um sério q u estio ­
nam ento: tal regra vale para a convivente na união estável? Em
caso afirmativo, a partir de quando haveria a paralisação do lap­
so? D esde o início do relacionam ento ou apenas depois de tran s­
corrido determ inado tem po que “exteriorizaria a união pública,
d uradoura e com intenção de efetivam ente con stitu ir um a famí­
lia”? Afinal, a C onstituição Federal (art. 226, § 3Q) equiparou os
in stitu to s ou deu certa prim azia ao casam ento, m orm ente quan­
do lecionou que a lei deveria “facilitar a conversão da união está­
vel em casam ento”? E m ais um a questão a ser desbravada pela
jurisprudência.
De qualquer m aneira, é im portante que fique claro que, em
benefício de certas relações ou de certas pessoas que se encon­
tram em peculiares situações, a lei não perm ite que contra elas o
prazo se escoe. E ntretanto, um a vez cessada a situação que im ­
pede ou suspende a prescrição, o prazo volta a correr de onde
havia parado. O tem po restan te será atrib u íd o ao credor para
prom over os atos em defesa de seu direito.
Vale lem brar que o art. 201 determ ina que, suspensa a pres­
crição para um dos credores solidários, o m esm o não ocorre para
os dem ais. A suspensão é personalíssim a, salvo se a obrigação for
indivisível (o que não se confunde com obrigação solidária).

2.5.1 Hipóteses de impedimento ou suspensão do lapso


prescricional

Estão todas previstas nos arts. 197 a 199 e as m ais im portan­


tes são as que protegem as relações de família (não correndo a
prescrição entre cônjuges, ascendentes e descendentes, tutores
e tutelados, curadores e curatelados). A lei m antém sua tendên­
cia de proteger os absolutam ente incapazes e não perm ite que o
prazo prescricional flua contra eles. Assim, se o garoto de dez anos
é credor em um a relação jurídica, o prazo contra ele som ente se
iniciará quando ele com pletar 16 anos.
D o s F a to s J u r íd ic o s 191

Ary Azevedo Franco (1950, p. 74) elogiava a clareza da pro­


teção legal conferida à época pelo Código de 1916:

“N o D ireito A nterior, a q u estão não se apresentava resolvi­


da com ta n ta clareza, pois, en q u an to para uns, a prescrição não
corria co n tra os im púberes, isto é, os m en o res de 14 anos, de
qualquer dos sexos, para outros, não corria contra os m enores de
14 anos e as m enores de 12 anos, e não se suspendia a prescri­
ção que corresse co n tra os loucos. O Código Civil estabeleceu
igualdade entre o regime adotado para os im púberes, e, como bem
salienta CARPENTER, foi além dos dem ais códigos estrangeiros,
tornando-se original a respeito, e credor dos m elhores encôm ios.”

Por fim, a lei ainda protege os que estão ausentes do país em


serviço público da União, dos Estados ou dos M unicípios, bem
com o os que se acharem servindo nas Forças A rm adas, em tem ­
po de guerra. São pessoas que estão servindo ao Estado, geralm en­
te ao Poder Executivo, e não é exigível delas que retornem para
cobrarem seus créditos. O Poder Legislativo en tão retribui, im ­
pedindo a fluência do prazo prescricional contra eles (ADVOGA­
DO DA UNIÃO/ESAF - 1999; M P/M T - 2002). O C onselho da
Justiça Federal en ten d eu que o au sen te (previsto nos arts. 22 a
39) que desaparece de seu dom icílio sem deixar notícias tam bém
deveria estar protegido pelas norm as de su spensão da prescrição
e assim se pronunciou no E nunciado n Q 156: “Desde o termo ini­
cial do desaparecimento, declarado em sentença, não corre a prescrição con­
tra o ausente. ”

2.6 Interrupção do lapso prescricional

D iferentem ente do im p edim ento e suspensão, a interrupção


decorre necessariam ente de u m a atitu d e do credor que se m os­
tra solerte em relação ao d ireito que possui. A in terru p ção do
lapso denota u m a solércia do credor, que assim se m o stra aten to
em defender seus direitos e seu crédito. V endo passar seu prazo
sem o adim plem ento do devedor, e ciente de que o direito não so­
corre aos que dormem, o credor sai de sua inércia para in terro m p er
a prescrição e ver o seu prazo reiniciar desde o nascedouro.
192 D ire ito C ivil

N este capítulo, o legislador consagrou um a regra perigosa,


que pode ensejar longos questio n am en to s e lides futuras. E a
regra do caput do art. 202, que determ ina: “A interrupção da pres­
crição, que somente poderá ocorrer uma vez. ” Tal privilégio só era con­
cedido à Fazenda Pública (hipótese na qual o prazo reinicia-se pela
m etade, conform e art. 3e do Decreto-lei nQ4.597 de 19 de agos­
to de 1942).
O problem a é que a limitação da possibilidade da in terru p ­
ção em apenas um a ocorrência traz sério inconveniente quando
confrontada com a hipótese do art. 202, VI, onde o legislador
prevê a hipótese de interrupção da prescrição por "qualquer ato do
devedor que importe reconhecimento do direito”.
Não é necessária grande dose de malícia para perceber que o
devedor poderá valer-se de tal disposição para - “reconhecendo o
direito do credor” - esgotar a oportunidade deste, fazendo com que
a prescrição escoe inexoravelm ente até a foz da perda da p reten ­
são. Mais um a vez caberá à prodigiosa jurisprudência im pedir -
contra legem - que tal hipótese tenha efeito quando do reconheci­
m ento da prescrição pelo devedor.
O utra regra que certam ente ensejará dúvidas está prevista no
prim eiro inciso do art. 202. O dispositivo afirm a que é o despacho
do juiz que interrom perá a prescrição.
O art. 219 do CPC tratava do assu n to de m aneira inteligen­
te, fazendo com que o ajuizam ento da ação valesse com o causa
interruptiva, bastando que para tan to a citação se efetuasse em
100 dias; e ainda que tal centena se esgotasse sem culpa do au­
tor, a citação possuía igualm ente o condão de retroagir até a data
do ajuizamento. N ão é a redação do art. 2 0 2 ,1.
D essa forma, intentada ação restando dez dias para a ocor­
rência da prescrição, a m esm a só será interrom pida quando do
despacho do juiz. Se isso ocorrer após 15 dias (prazo inclusive
razoável em com arcas com grande fluxo processual), a prescri­
ção se consum ará contra o solerte au to r que moveu a m áquina
estatal ainda dentro de seu prazo. D oravante - ao m enos na letra
fria da lei o destino da pretensão está nas m ãos do juiz e não
nas m ãos de seu titular.
D o s F a to s J u ríd ic o s 193

Via de regra - havendo m ais de um devedor ou m ais de um


credor a obrigação presum e-se dividida em tan tas obrigações
quantos credores ou devedores existam na relação (art. 257). E
por isso que “a interrupção da prescrição por um credor não aproveita
aos outros" e tam bém “a interrupção operada contra o co-devedor, ou
seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados” (art. 204, caput).
Entretanto, a solidariedade m itiga essa regra e enfeixa as relações
do lado passivo ou do lado ativo. A conseqüência n atural disso é
que, havendo solidariedade, a interrupção operada por um dos cre­
dores favorece os dem ais e a interrupção co n tra um devedor p re­
judica todos (art. 204, § 1Q).
Se, en tretan to , um dos devedores solidários tiver falecido, a
interrupção da prescrição co n tra o seu herdeiro não su rtirá efei­
tos perante os co-devedores, salvo na hipótese de a obrigação ser
indivisível (art. 204, § 2Q) .

2.6.1 Hipóteses de interrupção

Com o já alertam os, as hipóteses do art. 202 não decorrem de


um fato que autom aticam en te faz p arar o prazo (com o ocorre no
im pedim ento e na susp en são ). Ao contrário, têm em com um um a
atitude do credor que cabalm ente d em o n stra que pretende valer-
se do seu direito, q u er im ediatam ente (in ten tan d o a com petente
ação judicial), q u er em m o m en to m ais oportuno.
Das seis hipóteses de interrupção do lapso prescricional, duas
já foram analisadas (despacho do ju iz e ato inequívoco do devedor que
importe reconhecimento do direito). Mas há o u tro s m eios de ocorrer
a interrupção da prescrição. O p ro testo judicial é um a das formas,
valendo-se o credor dos arts. 867 e seguintes do CPC para pro­
ver a conservação do seu direito. Q ualquer o u tro ato judicial que
constitua em m ora o devedor tam bém interrom pe a prescrição.
A apresentação do títu lo de crédito em juízo de in v entário ou
concurso de credores é o u tra m aneira de in terro m p er o lapso.
E n tretan to , a grande novidade do art. 202 é sem dúvida a
possibilidade de in terro m p er a prescrição com o p ro testo cam ­
bial. Cai por te rra en tão a S úm ula 153 do STF, que dizia: “Sim ­
ples protesto cambiário não interrompe a prescrição" (M P/M T - 2002).
194 D ire ito C ivil

3 D isposições específicas sobre a decadência

As regras que estudam os sobre im pedim ento, suspensão ou


interrupção da prescrição não são aplicáveis à decadência, salvo
quando o titu la r do d ireito po testativ o for um ab so lu tam en te
incapaz. N este caso, o art. 208 m anda im pedir a decadência igual­
m ente (aplicando, então, a regra já analisada do art. 1 9 8 ,1). O u ­
tra h ip ó te se em que a lei d e te rm in a a su sp e n sã o do prazo
decadencial está no Código de Defesa do C onsum idor, art. 26, §
2Q, que prevê tal paralisação com a reclamação por parte do con­
sum idor ou com o inquérito civil promovido.
Q uestão interessante é saber se o verbo obstar utilizado pela
lei significa suspensão ou im pedim ento do prazo decadencial. José
Fernando Simão (2003, p. 120) responde:

“Se os dispositivos prevêem que a decadência está obstada até


a ocorrência de certos fatos (resposta do fornecedor e encerram en­
to do inquérito), o Código de Defesa do C onsum idor pretendeu
a sim ples suspensão. A preposição até contida no tex to de lei
perm ite-nos inferir que até a ocorrência de certo fato o prazo
decadencial está suspenso, e, após, volta a fluir de onde parou.
Houve sim ples paralisação. Se o Código de Defesa do C onsum i­
dor pretendesse a interrupção do prazo, não m encionaria term o
para o fim do prazo decadencial, m as sim plesm ente estabelece­
ria os fatores interruptivos e não lapsos tem porais suspensivos.”

O utra regra da prescrição que o Código utiliza para a deca­


dência consiste na possibilidade de o relativam ente incapaz ou a
pessoa jurídica pleitearem indenização em face da desídia de seus
representantes legais que ou não alegaram quando lhes favore­
cia, ou a deixaram correr quando lhes prejudicava.
Com o já vim os, a decadência faz fenecer o próprio direito
potestativo da parte que não o exerceu no tem po oportuno. As­
sim sendo, se o titu lar de um direito potestativo p erm itir a con­
sum ação da decadência e ainda assim intentar ação judicial, o juiz
deve conhecer de ofício, pois aqui sim plesm ente não há direito a
ser tutelado.
D o s F a to s J u ríd ic o s 195

3.1 T ra n s c u rs o d o la p so d e c a d e n c ia l p o r c u lp a de
r e p r e s e n ta n te leg al d a p e s s o a ju ríd ic a o u a s s is te n te
d o re la tiv a m e n te in c ap az

Vale para a decadência a m esm a regra de d ireito de regresso


que possuem a pessoa jurídica e o relativam ente incapaz contra
seus rep resen tan tes e assisten tes. R em etem os o leitor ao item
“Prescrição operada por culpa de representante legal da pessoa jurídica
ou assistente do relativamente incapaz", onde esm iuçam os m ais o
tem a.

3.2 D e c a d ê n c ia c o n v en c io n al

O Código de 2002 trouxe u m a im portante inovação na m a­


téria de decadência. P erm itiu que as partes convencionem que
determ inado prazo prescricional seja convertido em decadencial.
É o que se cham a decadência convencional. As partes podem as­
sim proceder para atrib u ir regras de decadência a prazo de n a tu ­
reza prescricional. Perceba que o direito subjetivo da parte é da
espécie direitos a uma prestação, m as a lei perm ite que se dê ao prazo
o título de decadência. N estes casos, o juiz não pode conhecer de
ofício, pois a alteração do nom e do prazo não altera a n atu reza
do direito violado (MAGISTRATURA/SP - 175e).

4 P re sc riç ã o e d ire ito in te r te m p o r a l

Com o visto, o in stitu to da prescrição influi diretam en te na


vida das pessoas (quer físicas, qu er jurídicas) e sofreu conside­
ráveis alterações com o novo o rd en am en to civilista, trazendo no
seu bojo um problem a de difícil solução: com o conciliar os pra­
zos em andam ento com a en trad a em vigor dos novos prazos p re­
vistos pelo Código Civil de 2002? D ireito intertem poral, tecni­
cam ente falando, é o o b jeto d esta q u estão q u e deve ser so lu ­
cionada com a técnica da interpretação conform e.
Com a en trad a em vigor do novo Código Civil em 11 de ja ­
neiro de 2003, inúm eros prazos prescricionais estavam em anda­
m ento. São em presas m u ltin acio n ais, associações, fundações,
196 D ir e ito C ivil

profissionais liberais e até sim ples pessoas físicas que têm a seu
favor um crédito, um direito ainda não cobrado judicialm ente.
Contra elas flui um lapso prescricional que tem o condão de - um a
vez consum ado - conceder um a exceção ao devedor que pode
utilizá-la para fazer extinguir a pretensão do credor.
Os lapsos prescricionais (de m aior ou m enor duração, depen­
dendo da espécie) sofreram - com o novo Código - um a grande
redução na m aior parte dos casos. O prazo de reparação civil, por
exem plo, dim inuiu de 20 (vinte) para 3 (três) anos (art. 206,
§ 3Q, V). Significa dizer que a mãe terá esse pequeno prazo para
in ten tar ação em face do causador da m orte de seu filho, enfren­
tando, assim, a “vitimização secundária do processo”. Relembrar,
em m enos de três anos, nos autos do processo (com fotos, exa­
m es, docum entos e relatos), o pior capítulo de su a vida pode
desestim ular a infortunada genitora a m over o aparelho estatal.
A dúvida que surge então é: com o conciliar os prazos em
andam ento com os novos prazos? Imagine o próprio exem plo da
responsabilidade civil. Como já dem onstrado alhures, tal prazo,
que era de 20 (vinte) anos na antiga lei, caiu para 3 (três) com o
novo Código. Como fazer se - na entrada em vigor do novo Có­
digo - já houverem transcorrido 11 (onze) anos? Já terá se con­
sum ado a prescrição? Terá o credor m ais 9 (nove) anos para co­
brar a dívida? Ou terá ele apenas m ais 3 (três) anos?
Prevendo essa hipótese, o legislador inseriu no art. 2.028 uma
regra de transição, determ inando a aplicação dos lapsos antigos
para os prazos em andam ento quando da en trad a em vigor do
novo Código. D ispõe o m encionado artigo:

“Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este


Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver tran s­
corrido m ais da m etade do tem po estabelecido na lei revogada.”

4.1 As d u a s p o ssív eis in te rp re ta ç õ e s d o a rt. 2.0 2 8

Tal dispositivo - a par de fazer ju s a elogios pela expressa


previsão do problem a - m erece crítica no que tange a sua reda­
ção, confusa e passível de duas principais interpretações que le­
D o s F a to s J u r íd ic o s 197

vam necessariam ente a soluções opostas. Afinal, em que hipóte­


se se aplicará o prazo an tig o p ara as situ a çõ es em cu rso em
janeiro de 2003? Conform e a interpretação que se dê ao m encio­
nado artigo, inserido no capítulo que versa sobre as “Disposições
finais e tran sitó rias”, chegarem os às seguintes respostas:

1. a aplicação do prazo antigo ocorrerá em duas situações


distintas: a) em todos os prazos dim inuídos pela nova
Lei; b) em todos os prazos em que - na data da en tra­
da em vigor do novo Código - já houver transcorrido
m ais da m etade do tem po;
2. a aplicação do prazo antigo apenas ocorrerá em um a
situação, exigindo, e n tre ta n to , dois req u isito s p ara
aplicação do prazo antigo: diminuição do prazo e trans­
curso da metade do lapso.

4.1.1 A interpretação inconstitucional

A d o u trin a vem m a ciçam en te p referin d o a re sp o sta nQ 2,


entend endo que a aplicação do prazo antigo só ocorrerá em um a
situação, exigindo, en tretan to , dois req u isito s para aplicação do
prazo antigo: (a) dim inuição do prazo e (b) tran scu rso da m eta­
de do lapso.
Tal interpretação, data venia, leva a um a inconstitucionalidade
do artigo em estudo, pois viola o direito de igualdade, o u to rg an ­
do prazos m aiores para o in erte credor - que deixou passar mais
da m etade do prazo - e prazos m enores para os credores em que
o lapso não transcorreu pela m etade.
Im agine o exem plo em que A e B sofrem - em anos diferen­
tes - colisão de autom óvel sob as m esm as condições, com culpa
exclusiva do o utro condutor. Perceba que são dois acidentes dis­
tintos, um ocorrido em 1992 e o u tro em 2001. Com o já disse, tal
prazo caiu de 20 (vinte) para 3 (três) anos e um requisito já foi
atendido. A partir de agora, utilizar-se-á a interpretação da qual
discordo, apenas para dem onstrar sua “inconstitucionalidade (ou,
pelo m enos, sua incongruência) m atem ática”.
198 D ire ito C ivil

N a data em que en tro u em vigor o novo Código, o credor A


já havia deixado passar 11 (onze) anos (tendo passado m ais da
m etade do prazo, aplicam os o prazo antigo). Terá então m ais 9
(nove) para cobrar o devedor. Seu prazo, que se iniciou em 1992,
consum ar-se-á em 2012.
Por sua vez, o credor B só deixou correr 2 (dois) anos, não
tendo passado m etade do prazo, significa que não preenchem os
o segundo requisito solicitado pela doutrina. Aplicaremos, por­
tanto, o novo prazo. Terá, então, apenas mais três anos - conta­
dos a p artir da entrada em vigor do novo Código - para levar sua
pretensão a juízo. Seu prazo, que se iniciou em 2001, consum ar-
se-á em 2006.
Perceba que o prazo de A com eçou antes (1992) e irá se con­
su m ar depois (2012), en q u an to o prazo de B com eçou depois
(2001) e irá se consum ar antes (2006).
U tilizar tal interp retação prejudica o credor, que verá seu
prazo drasticam ente dim inuído em inúm eras situações, pelo sim ­
ples fato de m etade do prazo não ter escoado; o que, inclusive,
afronta princípios básicos de um ordenam ento civil, com o a se­
gurança das relações jurídicas e a estabilidade social, sem falar na
desigualdade entre os credores, que fere diretam ente o caput do
art. 5Qda C onstituição Federal.

4.1.2 Interpretação do art. 2.0 2 8 conforme a Constituição


Federal

Parece preferível a prim eira solução, que am plia o leque de


situações em que se utilizará o Código antigo. Com o já salientei,
por esta interpretação utilizarem os o prazo antigo em duas hipó­
teses: (a) em todos os prazos dim inuídos pela nova Lei; (b) em
todos os prazos em que - na data da entrada em vigor do novo
Código - já houver transcorrido m ais da m etade do tem po. Tal
entendim ento salva a lei, pois a im ensa m aioria dos prazos dim i­
nuiu e isso já seria suficiente para aplicarm os os prazos antigos.
A inserção de um novo ordenam ento civilista requer toda uma
adaptação da sociedade, que deve se integrar aos poucos a sua
nova “C onstituição”. Não seria ju sto exigir a im ediata aplicação
D o s F a to s J u ríd ic o s 199

dos novos prazos aos já em curso, m o rm en te em face da redução


de praticam ente todos os prazos prescricionais (no que andou
bem o legislador face à dinâm ica das com unicações e da interação
social).
A dem ais, tempus regit actum, ou seja, para os fatos jurídicos
ocorridos du ran te a vigência da Lei de 1916 (e o ato ilícito é um
fato jurídico hum ano), regra geral será a aplicação dos prazos nela
estabelecidos. O in stitu to da prescrição existe para p roteger a
sociedade (a quem não in teressa ver potenciais conflitos etern a­
m ente em aberto) e não o devedor.
Por paradoxal que seja, a partícula e n este caso foi inserida
exatam ente com o objetivo de acrescentar um a hipótese a m ais e
não com o fim de inserir u m req u isito a m ais. Q uis dizer o legis­
lador que seriam os da lei an terio r os prazos quando reduzidos
por este Código e tam bém (em o u tra hipótese, portan to ) se, na
data de sua entrad a em vigor, já houvesse transcorrido m ais da
m etade do tem po...
Perceba que, se o art. 2.028 quisesse dois requisitos para só
então possibilitar a utilização do prazo antigo, teria retirado a
partícula e de sua redação, fazendo então sen tid o exigir tan to a
dim inuição quanto o tran scu rso da m etade do prazo. N ote com o
ficaria a redação sem a m alsinada partícula:

“Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este


Código se, n a data de sua en trad a em vigor, já houver tran sco rri­
do m ais da m etade do tem p o estabelecido na lei revogada.”

U tilizar o prazo antigo para todos os casos em que o lapso


dim inuiu não traz inconvenientes, não prejudica n en h u m direi­
to adquirido e coloca todos os cidadãos em pé de igualdade, em
franca obediência ao m an d am en to constitucional. A in terp reta­
ção conform e servirá para solucionar flagrantes injustiças, com o
a do exem plo acima. A lexandre de M oraes (2001, p. 43) leciona
que, nas hipóteses em que o diplom a legal oferece duas in terp re­
tações, é a constitucional que deve prevalecer.
A ssim sendo, no caso de n o rm as com várias significações
possíveis, deverá ser e n co n trad a a significação que ap resen te
200 D ire ito C ivil

conform idade com as norm as constitucionais, evitando sua de­


claração de in c o n stitu c io n alid ad e e co n seq ü en te re tira d a do
ordenam ento jurídico.
A introdução de um novo Código Civil deve ser aplaudida
como conseqüência natural de evolução social e jurídica de um a
nação. N ão se esqueça, contudo, de que tal substituição deve ser
realizada com a prudência e o vagar necessários. A codificação de
Clóvis Beviláqua não pode ser substituída como um bem fungível.
Suas disposições ainda serão úteis por m uitos e m uitos anos, até
que a sociedade tenha se adaptado ao novo Código.

4.1.3 Interpretação do art. 2.028 outorgada pelo Conselho da


Justiça Federal na I Jornada de Direito Civil

O Enunciado nQ50 tratou exatam ente do art. 2.028 e concluiu


pela alternativa que entendo inconstitucional. N estes term os:

“A p artir da vigência do novo Código Civil, o prazo p res­


cricional das ações de reparação de danos que não houver atingi­
do a m etade do tem po previsto no Código Civil de 1916 fluirá por
inteiro, nos term os da nova lei.”

Perceba que o Conselho da Justiça Federal entendeu pela ne­


cessidade dos dois requisitos, pois exigiu - a contrário senso -
que já houvesse passado m etade do tem po para só então se apli­
car a lei antiga. D este modo, a inconstitucionalidade que expu­
sem os alhures estaria caracterizada e todos os prazos que não
houvessem atingido m etade do seu lapso prescreverão no dia 11
de janeiro de 2006 (três anos após a entrada em vigor do Código
Civil).

4 .1.4 Conclusão

C ontrolar a constitucionalidade das leis é verificar se o legis­


lador infraconstitucional (poder constituído) respeitou as dire­
trizes do poder constituinte. Tal operação envolve não só extir­
par do ordenam ento as norm as inconstitucionais, como tam bém
aproveitar aquelas que podem ser “salvas”, dando-lhes interpre­
D o s F a to s J u r íd ic o s 201

tação condizente com a C arta Política. C lem erson Clève (2000,


p. 263) vai além:

“A interpretação conform e a C onstituição, conhecida pelas


C ortes C onstitucionais européias, m ais do que um a técnica de
salvam ento da lei ou do ato n o rm ativ o (d o u trin a am ericana),
consiste já n um a técnica de decisão. Assim , em hom enagem aos
princípios da presunção de legitim idade das leis e da suprem acia
da Constituição, interpreta-se o ato im pugnado conform e a C ons­
tituição."

O art. 2.028 m erece d etid a e criteriosa análise, pois, depen­


dendo de sua in terp retação , a in co n stitu cio n alid ad e (ou, pelo
m enos, sua incongruência) é “m atem ática”. C aberá ao Poder Ju ­
diciário (tanto na via difusa, q u an to na via concentrada) dar a tal
dispositivo a interpretação que m elhor se encaixe no paradigm a
constitucional para que o caput do art. 5Qda C onstituição Fede­
ral não seja violado. V alores com o a igualdade, a segurança ju rí­
dica e a suprem acia da C onstituição serão em breve colocados à
m esa para se in terp retar o alcance do referido dispositivo. Espe­
ra-se que aqueles substantivos não sejam esquecidos.
Questões*
(desafie o seu conhecimento !)

1. A lei superveniente pode ser aplicada, respeitando o princípio da


irretroatividade, aos efeitos, que perseveram, de um falo verifica­
do anteriormente a sua vigência? (M agistratura E stadual/2002
- RJ - 34° Concurso).
2. O que quer dizer o art. 5Q da Lei de Introdução ao Código Civil
Brasileiro, ao prever que, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos
fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum?
(M agistratura Federal/2001 - 2a Região - 8o Concurso).
3. Quando pode ser aplicada a analogia na solução, do caso concre­
to? Cite, pelo m enos, uma área de exceção à sua aplicação (Ma­
gistratura Federal - 2a Região - 4a Concurso).
4. O ordenamento jurídico brasileiro prevê alguma hipótese de m or­
te civil da pessoa natural? Responda justificadam en te, analisando a
questão do começo e do fim da personalidade ju rídica da pessoa natural
(M agistratura E stadual/2000 - MS - 20° Concurso).

* O objetivo das q u estõ es é apenas indicar ao leitor o s a ssu n to s m ais


relevantes tratados n o s co n cu rso s p ú b lico s. Q u an d o forem extraídas d e pro­
vas, haverá a indicação en tre p a rên teses do con cu rso, an o ou local. C aso não
haja nen hum a referência, foi elaborada p elo próprio autor. N ã o há gabarito o fi­
cial, p ois o ob jetivo principal da obra é apresentar doutrina.
204 D ire ito C ivil

5. Uma grande empresa de planos de saúde veiculou publicidade


institucional em diversos jornais e revistas, na qual constava uma
fotografia de Marcelo, médico famoso na área de neurocirurgia. No
texto da mensagem publicitária, após diversas referências elogiosas
à atuação do médico, ressaltou-se que ele era um dos profissionais
conveniados aos planos de saúde da empresa. Marcelo não autori­
zou o uso da fotografia. E cabível, na hipótese, alguma espécie de
indenização a Marcelo? Em caso positivo, indique o direito viola­
do e os pressupostos para caracterizar o dever de indenizar (Mi­
nistério Público Estadual/2002 - DF - 24° Concurso).
6. Arão, surdo-mudo, sabendo ler e escrever, aos quinze anos de ida­
de fez um testamento cerrado em favor de sua empregada, deixan­
do-lhe todos os seus bens; o documento foi entregue ao oficial
competente. Aos vinte e cinco anos de idade, Arão faleceu sem
descendentes ou ascendentes. Deixou apenas uma irmã e dois so­
brinhos, sendo estes filhos de um irmão premorto. Em face da si­
tuação hipotética apresentada, é válido o testamento? Justifique
(M inistério Público Estadual/2000 - DF - 23° Concurso).
7. A situação jurídica do nascituro e a inteligência do art. 4° do Códi­
go Civil (M inistério Público Federal/2002 -19° Concurso).
8. Para os fins da Lei nQ8.009, de 29/3/90, a máquina de lavar rou­
pa, o aparelho de som, a televisão, o forno de microondas e o apa­
relho de ar condicionado, existentes no imóvel, estão sob a tutela
da norma protetiva do bem de família? Justifique a resposta, indi­
cando a base legal (M agistratura Federal/2001 - 2a Região - 8°
C oncurso).
9. A renúncia à herança efetuada por pessoa capaz, casada pelo regi­
me legal de bens, depende do consentimento do consorte? Justifi­
que (Defensoria Pública Rio de Janeiro - 2002 - 20° Concur­
so).
10. Poderá haver cessão de direitos hereditários, sem consulta aos
demais herdeiros? (M agistratura do Trabalho - 2a Região - 2o
Concurso).
11. Dentre os bens do domínio da União, existe algum que pode ser
adquirido mediante alguma espécie de usucapião? (M agistratura
Federal - 2a Região - 3o C oncurso).
12. Agente incapaz demanda, devidamente representado, a anulação
de contrato, alegando que, quando de sua celebração, não estava
apto a entendê-lo e querê-lo. A contraparte comprova que o ato não
Q u e s tõ e s 20 5

causou prejuízo ao incapaz. Procede o pedido de anulação? (Ma­


gistratura E stadual/2002 - RJ - 36° Concurso).
13. Quando a invalidade de um contrato decorre de sua contrariedade
a uma norma imperativa, sua subseqüente ab-rogação é suficiente
para atribuir-lhe eficácia? (M agistratura E stadual/2002 - RJ -
32“ Concurso).
14. O que é prescrição? Diga se os "Direitos Potestativos” podem ser
atingidos por ela (M agistratura F e d e ra l/l998 - 2a Região - 5o
Concurso).
15. Faça a distinção entre negócio jurídico e ato jurídico em sentido
estrito (M agistratura Estadual - RJ - 21a Concurso).
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índice Remissivo

A A to s so le n e s, Livro III, C ap ítu lo III,


3.3
Aaron S alom on , Livro I, C apítulo A u se n te , Livro I, C apítulo II, 6.2
IV, 5.2 A u tocon trato, Livro III, C ap ítu lo III,
A b-rogação, LICC, C ap ítu lo II, 5 .1 .4 2 .1 .5
A bu so de direito, Livro III, C ap ítu lo A u torização do côn ju ge, Livro II,
VII, 2 C apítulo II, 1.4
A ção pauliana. Livro III, C ap ítu lo V, A utorização ju d icial, Livro III,
9.5 C ap ítu lo III, 3.1
A ções declaratórias, Livro III, A u to tu tela , LICC, C ap ítu lo III
C apítulo VIII, 1.5
A D IN , LICC, C apítulo II, 4
A eronaves, Livro II, C apítulo II, 2 .2 B
A lim en tos, Livro I, C apítulo II, 4.1
Almejar, Livro III, C ap ítu lo II, 4.1 Bem com u m , LICC, C apítulo IV, 1
A nalfabeto, Livro I, C apítulo II, 3.1 Bem d e fam ília, LICC, C apítulo IV,
A p elidos P ú blicos, Livro 1, C apítulo 1, Livro II, C ap ítu lo V, 2
III, 3 .2 B en efício da restitu ição, Livro I,
Arts. 1.159 et seq., Livro I, C apítulo C ap ítu lo II, 3.1.1
II, 6.2 B ens m ó v eis, Livro III, C apítulo III,
Arts. 2 2 et seq., Livro I, C ap ítu lo II, 2 . 1.1
6.2 B ens p ú b lico s, Livro II, C ap ítu lo IV
A ssistên cia, Livro III, C ap ítu lo III, Boa-fé d o adq u iren te, Livro III,
3.1 C ap ítu lo V, 9.2
A tividades de risco. Livro III, Boa-fé objetiva, Livro III, C apítulo
C apítulo VII, 1 VI, 2 .2
214 D ireito Civil

Bola de futebol, Livro II, C apítulo II, C on su m íveis, Livro II, C apítulo II, 4
3 C ontrato co n sig o m esm o , Livro III,
C apítulo III, 2 .1 .5
C Contratros d e adesão, Livro I,
C apítulo V, 4.1
Cadáver, Livro I, C apítulo III, 5.2 C onversão, Livro III, C apítulo VI,
C apacidade de direito, Livro I, 2 .4
C apítulo II, 1 Corpo, Livro I, C apítulo III
Capacidade de fato, Livro I, Capítulo C ostu m e, LICC, C apítulo II, 4
II, 3 C ostu m e contra legem, LICC,
C apítulo próprio, Livro III, C apítulo C apítulo III, 2
VI, 2.1 C o stu m e praeter legem, LICC,
C asam ento, Livro III, C apítulo III, 1 C apítulo III, 2
C asam ento putativo, Livro III, C ostu m e secundum legem, LICC,
C apítulo III, 1 C apítulo III, 2
C aução, Livro I, C apítulo II, 6 .2 .2 Credor hipotecário, Livro III,
Causa mortis, Livro III, C apítulo III, 5 C apítulo IV, 1.3.1
C iência e m edicina, Livro I, C apítulo Curador, Livro III, C apítulo III, 2 .1 .4
III, 5.2 Curadoria, Livro I, C apítulo II, 6.2.1
Class actions, Livro I, C apítulo IV, C urso da água, Livro II, C apítulo II,
4.3.1 1.2
C láusula de estilo, Livro III,
C apítulo VIII, 2.2 D
C láusula penal, Livro II, C apítulo
III, 1 D ano à sua p esso a , Livro III,
C olação, Livro I, C apítulo II, 2, C apítulo V, 8
C apítulo II, 4 .2 .3 .3 D ano moral, LICC, C apítulo III, 1
C om odato, Livro II, C apítulo II, 3, D elegação legislativa, LICC,
Livro III, C apítulo IV, 1.3 C apítulo II, 3
C om oriência, Livro I, C apítulo II, D ep ositário, Livro III, C apítulo III,
6.1 2 . 1.1
C ondição, LICC, C apítulo V, 1 Derrogação, LICC, C apítulo II, 5 .1 .4
C ondição m eram ente potestativa, D esaparecidos p olíticos, Livro I,
LICC, C apítulo V, 1 C apítulo II, 6 .2 .3
C ondição resolutiva, Livro III, D eserdaçao, LICC, C apítulo III, 1
C apítulo IV, 1.3 D esp esa s de con d om ín io, Livro II,
C on dições, Livro III, C apítulo IV, C apítulo V, 3
1 . 1.1 D esproporção, Livro III, C apítulo V,
C on d om ín io ed ilício, Livro III, 8
C apítulo III, 2.1.4 D esv io de finalidade, Livro I,
C onfiguração do erro, Livro III, C apítulo IV, 5.4
C apítulo V, 4.2 D inheiro, Livro II, C apítulo II, 3
C onsiderável tem or na vítim a, Livro D ireito d e autor, Livro II, C apítulo
III, C apítulo V, 6.1.1 II, 2.2
Consilium fraudis, Livro III, C apítulo D ireito intertem poral, Livro III,
V, 9.3 C apítulo VIII, 4
ín d ice R em issivo 215

D ireito p o testa tiv o . Livro III, Erro de d ireito. Livro III, C apítulo
C apítulo VIII, 1, 1.2, 1.5 V, 4.3
D ireito real, Livro II, C apítulo II, 2 .2 Ersatz, Livro III, C apítulo VI, 2 .4
D ireitos a u m a prestação, Livro III, E scravos, Livro I, C apítulo II, 1-1
C apítulo VIII, 1 Escritura pública, Livro II, C apítulo
D ireitos autorais, Livro I, C apítulo II, 1.4
III, 1.1 E scusabilidade, Livro III, C apítulo
D ireitos d e p ersonalidad e, Livro I, V, 4 .2 .2 .1
C apítulo II, 1 E stado d e com a, Livro I, C apítulo II,
D iscern im en to , Livro III, C apítulo 3.1
VI, 2.1 E stado de su jeição, Livro III,
Disregard o f legal entity, Livro I, C ap ítu lo VIII, 1.2
C apítulo IV, 5.2 E strangeiro, Livro I, C ap ítu lo III,
D oação onerada por u m encargo, 3 .2 , Livro I, C ap ítu lo III, 3 .2 .1
Livro III, C apítulo III, 2 .1 .3 Eventus dam ni, Livro III, C apítulo V,
D oação sem encargo, Livro III, 9 .2
C apítulo III, 2 .1 .3 E xceção, Livro III, C apítulo VIII, 2.1
D oador de órgãos e tecid o s, Livro I, E xceção do con trato não cum prido,
C apítulo III, 5.2 Livro III, C apítulo IV, 1.3.1
D olo acidental, Livro III, C apítulo V,
5.1 F
D olo bilateral, Livro III, C apítulo V,
5.4 F atos ju ríd icos em sen tid o estrito,
Dolo bonus, Livro III, C apítulo V , 5.5 Livro III, C ap ítu lo II, 2
D olo de terceiro, Livro III, C apítulo Fiança, Livro II, C apítulo III, 1
V, 5.3 Fim socia l, LICC, C apítulo IV, 1
D olo n egativo, Livro III, C apítulo V, F ins com erciais, Livro I, C apítulo
5.2 III, 4
D olo substancial, Livro III, C apítulo Forças A rm adas, Livro III, C ap ítu lo
V, 5.1 VIII, 2 .5 .1
D om in iais, Livro II, C apítulo IV, 1.3 Fraude de execu ção. Livro III,
C apítulo V , 9 .6
E Fundação, Livro I, C apítulo IV, 4.1
Fundação A rm an d o A lvares
Ebrios h ab ituais, Livro 1, C apítulo Penteado, Livro I, C apítulo IV, 4.1
II, 3.2 F u n d ações fiscalizadas p e lo
ECA, Livro I, C apítulo III, 3 .2 .7 M in istério P úb lico, Livro I,
Eficácia da lei, LICC, C apítulo II, 4 C apítulo IV, 4 .1 .1
Em brião, Livro I, C apítu lo II, 2
E m enda n° 2 0 , Livro I, C apítulo II, G
4 .2 .3 .2
Encargo, Livro III, C apítulo IV, 3 Gabança in tolerável, Livro III,
Engano, Livro III, C apítu lo V, 4 C ap ítu lo V , 5.5
Erro, Livro III, C apítulo V, 4 G aleno, Livro I, C ap ítu lo II, 1.1.1
Guerra, Livro I, C ap ítu lo II, 6.3
2 1 6 D ireito Civil

H Lei brasileira n o exterior, LICC,


C apítulo II, 1.1
H aftung, Livro III, C apítulo VI, 2.2 Lesão, Livro III, C apítulo V, 8
Herança jacente, Livro II, C apítulo
IV, 2.3 M

I Mero arbítrio, Livro III, C apítulo IV,


1. 1.2
Ignorância, Livro III, C apítulo V, 4.1 M onarquia, Livro II, C apítulo II, 3
Im agem , Livro I, C apítulo III, 1.1 M oral, Livro I, C apítulo III
Im penhorabilidade, Livro II, M orte, Livro I, C apítulo II, 6, Livro
C apítulo IV, 2.2 III, C apítulo IV, 2.3
Im prensa, Livro I, C apítulo III M orte do testador, Livro III,
Inalienabilidade, Livro II, C apítulo C apítulo III, 3
IV, 2.1 M otivo, Livro III, C apítulo VI, 1.1.1
Incêndio, Livro I, C apítulo II, 6.3 M útuo, Livro II, C apítulo II, 3
Incom unicabilidade, Livro II,
C apítulo V N
Indignidade, LICC, C apítulo III, 1
N ascituro, Livro I, C apítulo II, 2
ín d io s, Livro I, C apítulo II, 3.2
N aufrágio, Livro I, C apítulo II, 6.3
Indivisibilidade, Livro III, C apítulo
N avios, Livro II, C apítulo II, 2 .2
VI, 2.2
N ecessid ad e prem en te, Livro III,
Inexperiência, Livro III, C apítulo V,
C apítulo V, 8
8
N eg ó cio s extrapatrim oniais, Livro
Instituidor, Livro I, C apítulo IV, 4.1
III, C apítulo IV, 1.1.3
Integridade física, Livro III, C apítulo
N e g ó cio s gratu itos, Livro III,
V, 7
C apítulo V, 9.3
Inter vivos, Livro III, C apítulo III, 5
N ova Lei de Introdução ao C ódigo
In teresses tu teláveis, Livro III,
Civil, LICC, C apítulo I, 3
C apítulo V, 9.2
Interpretação conform e a
O
C on stitu ição, Livro III, C apítulo
VIII, 4 .1 .4 O bjeto da declaração, Livro III,
Intim idade, Livro 1, C apítulo III C apítulo V, 4 .2 .1 .2
Inundação, Livro I, C apítulo II, 6.3 Obras literárias, Livro I, C apítulo
III, 1.1
J O brigatoriedade sim ultânea, LICC,
C apítulo II, 1-3
Jazidas, Livro II, C apítulo II, 1.2 O nerosidade excessiva, Livro III,
C apítulo V, 8.1
O pção sexual, Livro I, C apítulo III,
L 3 .2 .4

Legítim a d efesa, Livro III, C apítulo P


VII,3.1
Legitim ação, Livro I, C apítulo II, 5 Paciente, Livro III, C apítulo V , 6
ín d ic e R e m iss iv o 217

Pacto co m issó rio do d ireito das Privacidade, Livro I, C ap ítu lo III


coisas, Livro III, C apítu lo IV, 1.3.1 P rocesso eleitoral, LICC, C apítulo
Pacto com issório im p lícito, Livro III, II, 1.2
C apítulo IV, 1.3.1 P rocesso leg isla tiv o , LICC, C apítulo
Pai, Livro III, C apítulo III, 2 .1 .4 II, 2.1
P atroním ico, Livro I, C apítulo III, P ródigo, Livro I, C apítulo II, 3 .2
3.1 Protutor, Livro I, C apítulo II, 4 .2 .2
Perda da eficácia, LICC, C ap ítu lo II, Puro arbítrio, Livro III, C apítulo IV,
5 1. 1.2
P erplexas, Livro III, C ap ítu lo IV,
1.L1 Q
Personalidade, Livro I, C ap ítu lo II, 1
Pertença, Livro II, C apítulo II, 1 .3 .2 , Q ualidade da p essoa , Livro III,
C apítulo III, 2.2 C ap ítu lo V, 4 .2 .1 .3
Plano da ex istên cia , Livro III, Q uerer esp ecial, Livro III, C apítulo
C apítulo III, 1 II, 4 .2
Plano de validade, Livro III, C apítulo
V, 5 R
Planos d e ex istên cia , validade e
eficácia da lei, LICC, C apítulo II, 4 Rebus sic stantibus, Livro III, C apítulo
Poder fam iliar, Livro III, C apítulo V, 8.1
III, 2 .1 .4 R eflex o s p ro cessu a is, Livro III,
P osse, Livro II, C apítulo III, 2 .1 .4 C ap ítu lo III, 3 .3 .1
P ossuid or de boa-fé, Livro II, R egistros P úblicos, Livro I, C apítulo
C apítulo III, 2 .1 .4 II, 6 .3 , C ap ítu lo III, 3 .2
Prazo decaden cial, Livro III, R ela çõ es d e fam ília. Livro III,
C apítulo V, 9.4 C ap ítu lo VII, 1
Preferências e privilégios R en ú n cia à prescrição, Livro III,
creditórios, Livro II, C ap ítu lo III, C ap ítu lo VIII, 2 .2
2 .1 .4 R en ú n cia pura e sim p les, Livro II,
Prenom e, Livro I, C ap ítu lo III, 3.1 C ap ítu lo II, 1.4.2.1
P renom e ridículo, Livro I, C ap ítu lo R en ú n cia translativa o u infavorem ,
III, 3 .2 .2 Livro II, C ap ítu lo II, 1.4.2.1
P req u estion am en to, Livro III, R ep resen tação, Livro III, C apítulo
C apítulo VIII, 2.3.1 III, 3.1
Previdência, Livro I, C ap ítu lo II, 4.1 R ep resen tação legal e con ven cion al,
Princípio da con tin u id ad e, LICC, Livro III, C ap ítu lo III, 2 .1 .4
C apítulo II, 5 R eq u isito m aterial, Livro III,
Princípio da even tu alid ad e da C ap ítu lo VI, 2 .4
defesa, Livro III, C apítulo VIII, R eserva m en tal, Livro III, C apítulo
2.3.1 III, 2 .1 .6
Princípio da obrigatoriedade, LICC, R esid ên cia hab itu al, Livro I,
C apítulo II, 8.1 C ap ítu lo V , 2
Princípio do prazo ú n ico, LICC, R esid ên cia qualificada, Livro I,
C apítulo II, 1.3 C ap ítu lo V
218 D ir e ito C ivil

R esp eito aos m ortos, Livro I,


C apítulo III, 5.2
R esponsabilidade objetiva, Livro III,
C apítulo VII, 1
R esponsabilidade subjetiva, Livro
III, C apítulo VII, 1

Salário m ín im o, Livro III, C apítulo


III, 3.3
Shuld, Livro III, C apítulo VI, 2 .2
Silêncio, Livro III, C apítulo III, 2 .1 .3
S ilêncio intencional, Livro III,
C apítulo V, 5.2
Sim ulação absoluta, Livro III,
C apítulo VI, 1.1.3.1
Síndico, Livro III, C apítulo III, 2 .1 .4
S obrenom e, Livro I, C apítulo III, 3.1
Solidariedade, Livro III, C apítulo VI,
2.2
S o sseg o , Livro I, C apítulo III
Sub-rogação, LICC, C apítulo II,
5 .1.4
S u cessão aberta, Livro II, C apítulo
II, 1.4.2
S u cessão provisória, Livro I,
C apítulo II, 6.2.2

T em or reverenciai, Livro III,


C apítulo V, 6.2
T em po indeterm inado. Livro III,
C apítulo IV, 2.3
Tempus regit actum, Livro III,
C apítulo VIII, 4 .1 .2
T eoria d o risco, Livro III, C apítulo
VII, 1
T erm o determ inado, Livro III,
C apítulo IV, 2.3
T errem oto, Livro I, C apítulo II, 6.3
Torpeza, Livro III, C apítulo V, 5 .4 ,
C apítulo VI, 2.1
T ributos, Livro II, C apítulo II, 1.4
Tutor, Livro III, C apítulo III, 2 .1 .4

U niversalidade de fato, Livro II,


C apítulo II, 6.2
Universitas rerum, Livro II, C apítulo
II, 6.2
URSS, Livro I, C apítulo II, 1.1
U so especial, Livro II, C apítulo IV,
1.2
U sucapião, Livro II, C apítulo IV, 2.3
U sufruto, Livro II, C apítulo II, 2.2

V eículo, Livro II, C apítulo II, 5


Venire contra factum proprium, Livro
III, C apítulo VI, 2.2
V ítim a, Livro III, C apítulo V,
4 .2 .2 .1 , C apítulo V, 6
V ítim as e testem u n h as, Livro I,
C apítulo III, 3 .2 .6
V ocação hereditária, Livro I,
C apítulo II, 6.1
V ontade livre, esclarecida e
ponderada, Livro III, C apítulo V, 1
V ontade qualificada, Livro III,
C apítulo II, 4.1
V ontade tácita, Livro III, C apítulo
III, 2 .1 .2

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