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A concepção de educação de Émile

Durkheim e suas interfaces com o ensino

Audrey Pietrobelli de Souza


Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Contato:audrey@uepg.br

Névio de Campos
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Contato: ndoutorado@uepg.br

Resumo: Este artigo apresenta um breve ensaio reflexivo sobre a concepção de educação presente na
teoria de Émile Durkheim e suas implicações para o ensino. Sua elaboração foi inspirada nos estudos e
debates realizados na disciplina Teoria e Educação, ofertada no Programa de Pós-Graduação em Edu-
cação da Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG, cujas discussões abordaram a obra Educa-
ção e Sociologia de Èmile Durkheim, além de trabalhos de pesquisadores que se dedicam ao estudo da
teoria durkheimiana. Caracterizado como um estudo teórico, o artigo procura sintetizar os princípios,
conceitos e ideias basilares do pensamento de Èmile Durkheim com o intuito de melhor entender e
explicitar a sua concepção educacional. A tese que orienta o desenvolvimento do presente artigo é a de
que, a despeito do valor atribuído por Durkheim ao processo educativo, a concepção de educação que
vigora em sua obra é de natureza consensual e funcionalista, através da qual a educação é reconhecida
como instrumento destinado à instalação e manutenção da ordem social.
Palavras-chave: Émile Durkheim, Concepção funcionalista de educação, Teoria durkheimiana.

Émile Durkheim’s conception of education and its interfaces with teaching

Abstract: This paper presents a brief reflection on the conception of education found in Émile Durk-
heim’s theory and its implications to teaching. It was build up inspired by the studies and debates car-
ried out in the subject Theory and Education, taught in the Education Post-Graduation Program at
the State University of Ponta Grossa – UEPG. The discussions developed approached the text of
‘Education and Sociology” by Émile Durkheim, as well as works of researchers who dedicated to the
study of Durkheim’s theory. Characterized as a theoretical study, the paper seeks to synthesize the
principles, concepts and ideas that underlie Émilie Durkeim’s thought aiming at better understanding
and explaining his views on education. The thesis guiding the development of this paper is that, de-
spite the value attributed by Durkheim to the education process, the conception of education that is
sustained in his work is of a consensual and functionalist nature, through which education is seen as a
tool used to install and keep the social order.
Keywords: Émile Durkheim, Functionalist conception of education, Durkheim’s theory.
Como citar este artigo:
SOUZA, A. P.; CAMPOS, N. A concepção de educação de Émile Durkheim e suas interfaces com
o ensino. Luminária. V. 18, n. 02, p. 12-20, 2016.

INTRODUÇÃO analisada, a educação pode assumir caracterís-


Pensar a educação como atividade tipi- ticas e princípios explicativos bastante istintos
camente humana envolve considerar as dife- e, por consequência, comportar diferentes in-
rentes concepções que, ao longo do tempo, terpretações e expectativas acerca do trabalho
foram elaboradas acerca da sua natureza, im- educativo por ela efetivado. Diversas e dife-
portância e função na vida do homem e da rentes matrizes teóricas trazem, no seu bojo,
sociedade. A partir do enfoque sob o qual é uma concepção de homem, de sociedade e de
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educação, dentre as quais encontra-se a teoria duo, exercem uma força impositiva sobre os
sociológica de Émile Durkheim, estudioso que mesmos e, ainda, se fazem presente, de forma
muito contribuiu para a consolidação da So- generalizada, em todos ou na maioria dos indi-
ciologia como campo do conhecimento cientí- víduos. Desse modo, é possível considerar
fico, tendo o fato social como objeto de estu- que os estudos sociológicos devem ter como
do. ponto de partida a sociedade, e não o indiví-
Segundo Durkheim, é papel da Sociolo- duo, uma vez que “o indivíduo nasce da socie-
gia, ciência responsável pelo estudo das insti- dade, e não a sociedade nasce do indiví-
tuições sociais, empreender esforços para ex- duo” (LUCENA, 2010, p. 297). Percebe-se,
plicar a vida em sociedade e, para tanto, faz-se sob essa perspectiva, o primado da sociedade
necessário empregar regras e métodos científi- sobre o indivíduo, do coletivo sobre o indivi-
cos de estudo, pautados na racionalidade, a dual, do objetivo sobre o subjetivo, da consci-
fim de entender, explicar, prever e controlar ência coletiva sobre a consciência individual.
fenômenos sociais. O estudo dos fatos sociais O modo peculiar como Durkheim con-
exige, sob essa ótica, neutralidade, distancia- cebeu a sociedade direcionou, inevitavelmen-
mento e imparcialidade por parte do investiga- te, a sua atenção para as questões educacio-
dor social. Com base nesse entendimento, a nais, considerando que a escola era por ele
teoria durkheimiana preconiza que os fatos reconhecida como instituição social responsá-
sociais sejam estudados como coisas que, por vel pelo processo educativo dos indivíduos,
serem exteriores, devem ser observadas, medi- habilitando-os para a vida em sociedade.
das, descritas e analisadas sem a interferência
de qualquer tipo de sentimento ou valoração Como a vida escolar não é senão o ger-
pessoal (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLI- me da vida social - os principais proces-
sos pelos quais uma funciona devem ser
VEIRA, 2003). Em decorrência, parte-se do encontrados na outra. Pode-se, pois,
entendimento que os acontecimentos e fatos esperar que a Sociologia, ciência das ins-
sociais devem ser analisados e descritos com tituições sociais, nos auxilie a compreen-
objetividade e isenção de prenoções e/ou jul- der melhor o que são as instituições pe-
gamentos subjetivos. dagógicas e a conjeturar o que devam ser
elas, para melhor resultado do próprio
Gusmão (1972) evidencia a preocupa- trabalho. (DURKHEIM, 1952, p. 72).
ção de Èmile Durkheim com o rigor científico
que deve ser assumido pela Sociologia: Èmile Durkheim buscou entender e ex-
plicar os mecanismos que orientam o funcio-
Mas sabia Durkheim que, para a Sociolo-
gia tornar-se ciência empírica, não lhe
namento da sociedade, com o propósito de
bastaria dar um método científico, pois identificar as exigências e os imperativos ne-
era necessário considerar o ‘social’ de cessários para a manutenção da sua ordem e
forma objetiva. Daí insistir sobre a ne- equilíbrio. Para ele, a harmonia de uma socie-
cessidade de se considerar o ‘fato social’ dade seria decorrência direta do reconheci-
como ‘coisa’, afastado de qualquer teleo-
logismo: considerer lês faits sociaux comme dês
mento e acato, por parte de seus integrantes,
choses, eis o postulado fundamental da do conjunto de normas, opiniões coletivas,
sociologia como ciência empírica segun- hábitos, leis, linguagens, dentre outros ele-
do Durkheim. (GUSMÃO, 1972, p. 70). mentos que constituem a cultura de um deter-
minado grupo social. O bom funcionamento
Quanto ao estudo sistematizado de fa- da vida em sociedade estaria condicionado à
tos sociais, há um alerta feito por Durkheim sincronia e à interdependência estabelecida
sobre a questão de que nem todo fato que a- entre indivíduos e sociedade, de forma que o
contece na vida do homem pode ser caracteri- refinamento de um implicaria na melhoria do
zado como, necessariamente, um fato social. outro.
Para ele, três características fundamentais dis- Tal concepção já anuncia o papel atribu-
tinguem um fato social dos demais: a exterio- ído por Durkheim à educação, considerada
ridade, a coercitividade e a generalidade, ou pelo autor como agente de promoção e manu-
seja, os fatos sociais são exteriores ao indiví- tenção da ordem, do progresso e da harmonia

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social. Para ele, a educação se configurava co- viés, a educação acaba por circunscrever-se
mo instrumento de vital importância para o como disseminadora dos padrões culturais
processo de adaptação dos indivíduos à socie- impostos pela sociedade junto a seus integran-
dade e teria a função primordial de garantir a tes e, em decorrência, acaba por manter-se
internalização de normas, regras, símbolos, refratária frente às demandas e necessidades
pensamentos e padrões de comportamento específicas da formação dos educandos.
que garantissem a harmonia da convivência Ao analisar o pensamento durkheimiano
social. Por intermédio da educação, haveria a sobre a educação, é possível constatar a aten-
garantia da transmissão de normas e valores ção especial atribuída ao processo educativo
sociais de uma geração para outra. O modo realizado junto às crianças pequenas, as quais,
peculiar como a relação indivíduo-sociedade é em decorrência da incorporação de valores e
abordada na obra durkheimiana colabora para princípios de conduta moral, apresentar-se-
que a concepção educacional que vigora no iam como adultos aptos e integrados à socie-
seu interior seja configurada como de natureza dade.
consensual e funcionalista. Quintaneiro; Barbosa e Oliveira (2003,
Nessa perspectiva, o processo educativo p. 63), referindo-se ao pensamento durkheimi-
é marcado por uma diretriz cuja gênese está ano acerca do papel exercido pela educação na
fora do indivíduo, circunscrevendo-se como formação das crianças, registra que:
resultado de um mecanismo exterior à subjeti-
vidade humana, centrado na transmissão cul- Com o tempo, as crianças vão adquirin-
do os hábitos que lhes são ensinados e
tural e na perpetuação de um conjunto de sa- deixando de sentir-lhes a coação, apren-
beres considerados como válidos e necessários dem comportamentos e modos de sentir
para a prosperidade social. Não obstante, fi- dos membros dos grupos dos quais par-
cam obscurecidas as questões alusivas à forma ticipa. Por isso a educação “cria no ho-
particular através da qual cada indivíduo im- mem um ser novo”, insere-o em uma
sociedade, leva-o a compartilhar com
prime sentido e significado para os fatos que outros de uma certa escala de valores,
integram a sua realidade concreta. sentimentos, comportamentos. Mais do
que isso, nasce daí um ser superior àque-
A concepção de educação de Émile Dur- le puramente natural. E se as maneiras de
kheim e suas implicações para o ensino agir e sentir próprias de uma sociedade
precisam ser transmitidas por meio da
aprendizagem é porque são externas ao
A concepção de educação presente na indivíduo.
obra de Émile Durkheim configura o fenôme-
no educativo como poderoso instrumento no O modo como a educação é concebida
processo de transmissão e perpetuação do na teoria durkheimiana permite depreender
passado da humanidade, bem como, o carac- que o cerne principal das práticas de ensino
teriza como elemento de ordem e coesão soci- estaria focado na adequação do aluno às exi-
al. O ato de educar, nessa perspectiva, consti- gências e demandas da vida em sociedade e,
tui-se no caminho que conduz à socialização sobretudo, na prevenção de comportamentos
dos indivíduos, viabilizando a incorporação e atitudes consideradas inadequadas ao conví-
das formas idealizadas de conduta social e, vio social. Caberia à escola promover o desen-
consequentemente, promovendo o ajustamen- volvimento de potencialidades intelectuais,
to do indivíduo às demandas da vida em soci- físicas e morais dos alunos, com vistas à for-
edade. Educar uma criança seria, sobretudo, mação da cidadania. As necessidades específi-
prepará-la para participar de uma determinada cas e as peculiaridades próprias da subjetivida-
comunidade. Segundo Durkheim (1952, p. 66) de de cada aprendiz não ocupam espaço na
“o homem que a educação deve realizar, em concepção de educação durkheimeiana. A óti-
cada um de nós, não é o homem que a nature- ca a partir da qual Durkheim enxergava o pro-
za fez, mas o homem que a sociedade quer cesso educativo não preconizava a preocupa-
que ele seja; e ela o quer conforme o reclame a ção com a formação de um sujeito crítico, ca-
sua economia interna”. Analisada sob esse paz de interpretar a própria realidade e opor-

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se a ela quando necessário. Em contrapartida, pelo urbanismo e pela lógica do pensamento
sobrepunha a lógica da obediência e acato à burguês. Buscando superar o quadro de o-
preceitos estabelecidos como válidos e indis- pressão, amarras e exploração próprio do perí-
pensáveis para a formação do sujeito idealiza- odo medieval e com o intuito de ascender a
do pela sociedade. um novo modelo de sociedade, pautado no
Vale ressaltar que toda concepção de contrato social reconhecido e celebrado livre-
educação e seus desdobramentos pedagógicos mente pelos membros de um determinado
estão atrelados, em grande medida, ao contex- grupo social, a sociedade precisou transpor a
to social, cultural político, econômico, históri- falta de formação qualificada, capazes de aten-
co e educacional vigente na época em que se der aos novos imperativos instituídos pelo
iniciou o seu delineamento. Desse modo, pen- modelo capitalista. Como consequência, a e-
sar sobre a concepção de educação presente ducação escolar e formal passava a configurar-
na obra de Durkheim exige, necessariamente, se como o caminho para a formação do tipo
a consideração do panorama social e econô- ideal de cidadão requerido por essa nova con-
mico vigente na época em que esse estudioso juntura social. Assim, a evolução da humani-
escreveu sua teoria, caso contrário, pode-se dade teria um aperfeiçoamento crescente e
incorrer no risco de proceder uma análise re- gradual, na medida em que seria impulsionada
ducionista dessa teoria. Nascido em Epinal, pela força do progresso social.
uma cidade que fica na região noroeste da Diante do exposto, não causa estranhe-
França, no ano de 1858, Émile Durkheim in- za que o modelo educativo prescrito na obra
tegrou uma família de rabinos. Iniciou seus de Durkheim seja marcado por um viés fun-
estudos filosóficos na Escola Normal Superior cionalista, consonante com a visão consensual
de Paris e, anos depois, passou a lecionar em e pragmática que tinha sobre a organização e
Bordéus, a primeira cátedra de sociologia cria- o funcionamento da sociedade.
da na França. No ano de 1902 transferiu-se É importante destacar que a educação
para Sorbonne e reuniu vários estudiosos, in- vislumbrada por Durkheim mantinha fina sin-
clusive seu sobrinho Marcel Mauss, para cons- tonia com os valores, interesses e fins ideoló-
tituir um grupo que originou a Escola Socioló- gicos do grupo burguês que se firmava como
gica Francesa. Dentre as principais obras es- uma nova classe social. Frente às transforma-
critas por Durkheim estão: Da divisão do traba- ções sociais que vinham ocorrendo, percebe-
lho social (1893); As regras do método sociológico se que a mentalidade do homem também foi
(1895); O suicídio (1897); Formas elementares da sendo alterada, a qual, em resposta aos novos
vida religiosa (1912); Educação e sociologia (1922). imperativos sociais, tornava-se cada vez mais
Faleceu em Paris, em 1917, aos 59 anos de laica e, como consequência, emancipava-se
idade, deixando um valioso legado teórico não das explicações puramente religiosas, sagradas
somente para a área educacional e das ciências e transcendentais sobre os fatos da vida. O
sociais, como também, para outras áreas do conjunto das significativas mudanças que vi-
conhecimento (COSTA, 1997). nham ocorrendo influenciou e delineou um
Durkheim viveu em uma conjuntura novo panorama social e econômico na Euro-
social, econômica e cultural marcada por pro- pa no final do século XIX e início do século
fundas mudanças no panorama vigente da sua XX, período vivido por Émile Durkheim. As-
época, decorrentes das alterações significativas sim, este estudioso vivenciou o momento his-
que já vinham ocorrendo na Europa desde tórico da expansão do capitalismo, participan-
meados do século XV, as quais, irrevogavel- do de cenário social que apresentava-se em
mente, colaboravam para a instituição de uma franco processo de transformação. Obvia-
nova organização social. A mudança mais mente, todo esse quadro socioeconômico in-
contundente que marcou esse período foi a fluenciou o processo de delineamento da sua
cisão entre as características de uma sociedade concepção de sociedade e de educação, dado
medieval agrária e fundiária e o novo modelo que deve ser considerado por todos aqueles
moderno que se delineava, caracterizado pelas que se propõem a entender o pensamento
relações comerciais tipicamente capitalistas, durkheimiano. (LAKATOS, 1990).

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Inspirado e influenciado pelo racionalis- mancipação humana, a concepção apresentada
mo de Immanuel Kant e pelo positivismo de por Durkheim acaba por naturalizar, consen-
Augusto Comte, Èmile Durkheim apresentou sualmente, as desigualdades decorrentes da
uma perspectiva objetivista, positiva e conser- lógica da divisão do trabalho na sociedade ca-
vadora da sociedade. Para ele, a sociedade de- pitalista.
veria ser estudada sob o rigor e critérios obje- Essa visão funcionalista sobre a vida em
tivos típicos das ciências naturais, com o em- sociedade apresentou-se, contundentemente,
prego de regras e métodos científicos de estu- como pilar da concepção durkheimiana sobre
do, pautados na racionalidade, na observação a educação, a instituição escolar e o ensino
empírica e científica, na constatação e mensu- por ela efetivado, abordando-os como meca-
ração dos fatos sociais. Somente assim seria nismos de controle e regulação social, uma
possível uma explicação científica sobre os vez que o objetivo central da educação escolar
mecanismos que orientam o funcionamento seria a propagação de valores, noções, princí-
da sociedade, capaz de entender, explicar, pre- pios, conceitos, normas e regulamentos da
ver e controlar fenômenos sociais, garantindo vida em sociedade, transmitidas de geração a
assim a manutenção da ordem e do equilíbrio geração. A educação, entendida como fenô-
da vida social. meno social, configura-se como resultado da
Em virtude de tal concepção, Durkheim ação de homens de uma geração sobre ho-
é reconhecido, conforme já mencionado, co- mens de outra, distinguindo-se da ação de um
mo um dos principais representantes da cor- adulto sobre uma criança, visto que “longe de
rente funcionalista, cuja característica central ter por objeto único ou principal o indivíduo e
reside na preocupação com o funcionamento seus interesses, a educação é, acima de tudo, o
ordenado da sociedade. Um dos fortes argu- meio pelo qual a sociedade renova perpetua-
mentos que vinculam Durkheim à uma pers- mente as condições de sua própria existên-
pectiva funcionalista está pautado no entendi- cia” (DURKHEIM, 1952, p. 67). Por conse-
mento do autor sobre a existência de dois gru- quência, o sistema educacional de uma deter-
pos distintos de homens, sendo um deles minada sociedade seria, em grande medida, o
composto pelos homens de sensibilidade e o outro produto socioeducativo das gerações anterio-
pelos homens de ação. De modo consensual e, res, produzido coletivamente e perpassado
sobretudo, liberal, Durkheim prescrevia que por influências da religião, da economia, da
nem todos os homens se enquadravam no organização política, da ciência, dentre outros.
perfil daqueles que ele chamou de homens de Para Durkheim (1952, p. 41),
sensibilidade, responsáveis por tarefas intelecti-
vas, de criação e planejamento dos projetos a educação é a ação exercida, pelas gera-
ções adultas, sobre as gerações que não
necessários ao progresso e evolução da vida se encontram ainda preparadas para a
social. Por outro lado, haveria um grupo de- vida social; tem por objetivo suscitar e
nominado de homens de ação, o qual ficaria res- desenvolver, na criança, certo número de
ponsável pela execução das tarefas pensadas e estados físicos, intelectuais e morais,
planejadas pelos homens de sensibilidade. Tal reclamadas pela sociedade política, no
seu conjunto, e pelo meio especial a que
pressuposto comporta a ideia de que a vida a criança, particularmente, se destina.
em sociedade institui, arbitrariamente, exigên-
cias necessárias para a integração dos indiví- O processo educativo, sob essa ótica,
duos na vida social e, em virtude disso, a divi- assume uma natureza e dimensão explicita-
são de diferentes tarefas, papéis e funções mente social, constituindo-se em instrumento
dentro das organizações sociais torna-se indis- empregado para perpetuar o legado social e
pensável e inevitável. cultural elaborado pela humanidade, traduzido
Caracterizada, de maneira explícita, por no conjunto de valores, crenças, costumes,
uma vertente funcionalista, a qual merece crí- tradições e práticas sociais típicas de um grupo
tica e repúdio por parte daqueles que conce- social. O funcionamento harmônico da socie-
bem a educação como instrumento que viabi- dade seria, dessa forma, produto decorrente
liza o desenvolvimento da criticidade e da e- da ação educativa.

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O ensino, a partir desse enfoque funcio- de, particularmente na obra Formas elementares
nalista, se apresenta como uma ação intencio- da vida religiosa, Durkheim passa a empregar o
nal, voltada para a formação de indivíduos termo representação coletiva (DIAS, 1990).
plenamente integrados na vida em sociedade, Sob essa ótica, o processo educativo
regulados pela moral coletiva. O processo e- estaria vinculado à satisfação de necessidades
ducativo, sob essa ótica, garantiria a ordem e a sociais, de modo que o homem, desejando
estabilidade social por meio do seu poder de melhorar a sociedade em que vive, acabaria
força e coerção social, através do qual os alu- por melhorar a si mesmo. Isso ressalta o dua-
nos seriam impelidos a assimilar conteúdos, lismo que, segundo a concepção durkheimia-
normas, hábitos, costumes e valores desenvol- na, caracterizaria a constituição do homem:
vidos coletivamente pela sociedade. Para Dur- ser individual e ser social. Todavia, os proces-
kheim (1952, p. 36) “[...] a ação exercida pela sos coletivos tenderiam a se impor sobre os
sociedade especialmente através da educação, processos individuais.
não tem por objetivo ou efeito, comprimir o Isso permite depreender que a concep-
indivíduo, amesquinhá-lo, desnaturá-lo, mas ção sobre o processo educativo presente na
ao contrário, engrandecê-lo e torná-lo criatura obra de Durkheim circunscreve a educação à
verdadeiramente humana”. A despeito do teor um fenômeno exterior aos indivíduos, coerci-
da citação, a concepção educacional de Dur- tivo e regulador da ordem social. A escola,
kheim aprisiona o aprendiz à seara da repro- como consequência, se organiza em meio a
dução e da assimilação passiva de noções, conceitos e critérios como: arbitrariedade, res-
conceitos, valores e normativas instituídas co- peito, controle, imposição, limite, rigor, or-
mo válidas e necessárias para a organização da dem, consenso, moral e disciplina. Especifica-
sociedade. Na mesma proporção, desconside- mente no que se refere à moralidade, Dur-
ra aspectos da subjetividade dos indivíduos e, kheim entendia tratar-se de um quesito funda-
sobretudo, ignora o fato da aprendizagem mental para a integração e harmonia da vida
configurar-se como processo de construção social. Para ele, o desenvolvimento da moral
cognitiva, fruto do exercício empreendido pe- viabilizaria o bom convívio entre os homens,
lo próprio sujeito em direção àquilo que ne- delinearia normas e orientações de conduta,
cessita compreender. regularia as relações coletivas, dentre outros
Considerada como fato e instituição social, benefícios geradores de funcionamento e or-
a educação estaria, segundo Durkheim, pre- dem social. A educação, consequentemente,
sente na sociedade independentemente da assumiria importante papel na tarefa de pro-
vontade e opção dos indivíduos. Por configu- mover o desenvolvimento moral e a comu-
rar-se como um fato social, a educação apre- nhão de valores, princípios, normas, tradições
sentaria as três características típicas de todo e costumes construídos coletivamente. Ao
fato social, já mencionadas nesse texto: a coer- cumprir esse papel, a escola estaria contribuin-
citividade, a exterioridade e a generalidade, ou do para prevenir e erradicar patologias sociais
seja, sua manifestação teria uma força maior que potencialmente comprometeriam o amál-
do que a consciência individual de cada mem- gama social. Ao garantir o estabelecimento de
bro que integra a sociedade como um todo. um conjunto de princípios e normas capazes
Durkheim preconizava a supremacia da cons- de regular e dirigir o tempo presente, a educa-
ciência coletiva sobre a individual, reconhe- ção evitaria a crise e a desagregação da socie-
cendo na educação o instrumento de trans- dade. Sendo assim, a educação, em especial a
missão e perpetuação dessa consciência. Para escolar, seria a principal responsável pelo ensi-
ele, a sociedade era constituída por um con- namento das normas e regras do funciona-
junto de normas e regras sociais que balizam e mento da vida em sociedade, quesito primor-
orientam as ações, os sentimentos e os pensa- dial para o ajustamento do indivíduo à socie-
mentos dos homens, cuja manifestação trans- dade. Para Durkheim,
cenderia a esfera da individualidade de cada
integrante do grupo, constituindo assim o que [...] a educação tem por objetivo super-
ele chamou de consciência coletiva. Mais tar- por, ao ser que somos ao nascer, indivi-

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dual e associal – um ser inteiramente que lhe cabe e na grandeza dessa missão”. Tal
novo. Ela deve conduzir-nos a ultrapas- concepção reduz a docência à mera manifesta-
sar a natureza individual: só sob esta
condição, a criança tornar-se-á um ho-
ção de uma tendência vocacional e/ou um
mem. Ora, não podemos elevar-nos aci- dom particular, descaracterizando a profissio-
ma de nós mesmo, senão por esforço nalização docente. Todavia, é preciso que se
mais ou menos penoso. (DURKHEIM, tenha em mente a época e o contexto sócio-
1952, p. 42). histórico sob o qual tal concepção foi forjada,
uma vez que era comum, na época, vincular a
Tais considerações permitem depreen- atividade docente à conceitos como dom, vo-
der que o ensino preconizado na teoria dur- cação, missão, espírito maternal, dentre ou-
kheimiana se alicerça na transmissão de co- tros.
nhecimentos, na obediência de princípios pré- Tendo em vista a característica funcio-
estabelecidos como válidos, na coerção como nalista e positivista da teoria durkheimiana,
recurso para o controle comportamental, na torna-se compreensível que o ensino fosse
disciplina e na moralidade como reguladoras tratado como um fato social e, dessa forma,
da conduta, na perpetuação de um modelo comportaria o conjunto de características que
cultural embasado na ordem social. O profes- são próprias de todo fato social: a exteriorida-
sor, reconhecido por Durkheim como deten- de, a coercitividade e a generalidade. Toman-
tor do conhecimento sistematizado e merece- do por base tais características, é possível asse-
dor de respeito e apreço devido ao importante verar que: a) o fenômeno educativo era conce-
papel social que desempenha, teria a incum- bido como exterior ao indivíduo, ou seja, a
bência de organizar situações de ensino que relação da criança com o objeto de conheci-
promovessem o aprendizado de valores e pa- mento seguiria a direção de fora para dentro,
drões culturais estimados para o exercício da subentendendo que a gênese do conhecimen-
cidadania e para a harmonia da vida em socie- to é extrínseca ao indivíduo; b) a coerção, a
dade. Quanto ao trabalho docente, o mesmo disciplina e a moralidade, consideradas como
não extrapolaria o âmbito da transmissão do elementos balizadores do processo ensino-
conhecimento. Tal concepção contraria o aprendizagem, exerciam papel predominante
princípio basilar da docência, que é a organi- nas práticas educativas; c) o fenômeno educa-
zação, por parte do professor, de práticas edu- tivo se apresenta como um fato que se impõe,
cativas significativas e arranjos didático- por meio do princípio da generalidade, a to-
pedagógicos que viabilizem a construção do dos os indivíduos de uma determinada socie-
conhecimento pelo aluno, processo que impli- dade.
ca partilha, troca de ideias, conflitos cogniti- O ensino, quando planejado e efetivado
vos, intensa atividade mental e, sobremaneira, a partir de preceitos positivistas como contro-
envolve interação entre o sujeito que aprende le, disciplina, repetição e rigor nos procedi-
e o objeto de conhecimento que está sendo mentos técnico-pedagógicos, corre o risco de
aprendido. A concepção de Durkheim sobre o aprisionar o processo educativo à padroniza-
ensino se mostra reducionista e muito aquém ções e ritualizações que tendem a plastificar as
do que a docência representa. situações de aprendizagem, a exemplo de prá-
É preciso mencionar, ainda, que a pro- ticas alfabetizadoras em que aprendizagem do
fissão docente assume, na teoria durkheimia- código escrito fica subordinada à apresentação
na, a característica de missão e de exercício de gradual e cumulativa de vogais e consoantes,
fé, evidenciando uma concepção idealista, es- que são ensinadas aos poucos, em doses ho-
treita e romântica sobre o profissional da edu- meopáticas, obedecendo, sob a ótica do adul-
cação. Segundo Durkheim (1952, p. 43), “não to alfabetizado, o grau de dificuldade que lhe
é de fora que o mestre recebe a autoridade: é seria peculiar. A submissão da ação pedagógi-
de si mesmo. Ela não pode provir senão de fé ca ao cumprimento sequencial das páginas do
interior. É preciso que ele creia não em si, sem livro didático, a tendência da escola em com-
dúvida, não nas qualidades superiores de sua partimentar o conhecimento em disciplinas
inteligência ou de seu coração, mas na missão específicas e, ainda, a organização e a divisão

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do tempo escolar com base, prioritariamente, como relevante constructo teórico que subsi-
nos imperativos do ensino e não nos da a- diou e inspirou a elaboração do conceito de
prendizagem, também comportam princípios representações sociais, núcleo-duro dessa área de
positivistas. conhecimento.
Cabe ressaltar, que as reflexões sobre a Certamente, um exercício reflexivo mais
concepção de educação de Émile Durkheim pormenorizado sobre a teoria durkheimiana
delineadas no presente artigo não esgotam as revelaria tantas outras contribuições, para a-
implicações que tal concepção acarreta para o lém das que foram sinalizadas nesse artigo.
ensino, de modo que os apontamentos aqui As reflexões sobre a teoria de Émile
registrados configuram-se como alguns dos Durkheim, em particular sobre a sua concep-
possíveis desdobramentos decorrentes de tal ção de educação, evidenciam não somente as
relação. contribuições que dela decorrem para o cam-
po educacional e das ciências sociais, mas
CONSIDERAÇÕES FINAIS também indicam alguns de seus limites e pon-
A obra de Durkheim caracteriza-se, ine- tos nevrálgicos, dentre os quais destaca-se a
gavelmente, como um grande clássico que inspira ausência de considerações acerca da participa-
e orienta inúmeros estudos e, assim como tan- ção de elementos da subjetividade dos indiví-
tos outros clássicos, apresenta-se como leitura duos no próprio processo de formação. Con-
imprescindível para uma melhor compreensão sidera-se, nesse artigo, que a figura do sujeito
das grandes matrizes teóricas que fundamen- consciente, crítico e agente do seu desenvolvi-
tam e buscam explicar o processo educativo. mento fica obscurecida pelo destaque e pela
Dentre as contribuições que a teoria de ênfase atribuída aos elementos de ordem soci-
Durkheim oferece para a área educacional es- al, do mesmo modo que a atuação do profes-
tá, por certo, a valorização da educação no sor fica aprisionada à esfera da transmissão do
processo de desenvolvimento do homem e da conhecimento, descaracterizando os princí-
sociedade, mesmo que alicerçada por uma pios da mediação pedagógica que deveriam
perspectiva consensual e funcionalista. Não há orientar a organização do trabalho docente.
como não considerar o destaque que Dur- Outro fator de restrição presente na te-
kheim deu à educação e às instituições escola- oria durkheimiana é o valor atribuído às forças
res, concebendo-as como agências formadoras sociais coercitivas como ferramentas eficazes
de estimado valor, cuja ação educativa garanti- para o controle e a modelagem da conduta
ria a transmissão e a preservação do arcabou- humana. O comportamento dos homens seria,
ço cultural produzido histórica e socialmente nessa perspectiva, produto direto do controle
pelos homens. Durkheim acreditava que a e do reforçamento dos elementos presentes
qualificação do homem para a vida em socie- no contexto em que o indivíduo se insere. A-
dade seria conquistada por intermédio do tra- lém disso, a supervalorização atribuída por
balho educativo efetivado pela escola, o qual Durkheim às questões da moralidade, do rigor
também cumpriria a função de elevar a condi- e da disciplina, empregados como estratégias
ção natural homem para um patamar, segundo para a instituição da ordem, do equilíbrio e do
ele, mais evoluído, no caso, o social. controle na vida social e escolar, merece res-
Além disso, a teoria durkheimiana em salva e atenção nas suas interpretações, uma
muito colaborou para a constituição do cam- vez que a força e a coerção sobrepujariam o
po científico, ao evidenciar sua preocupação diálogo e o debate nos processos de compre-
com a produção do conhecimento científico, ensão do real.
processo que deve primar pela sistematização O ensino, organizado sob a égide de
e pelo emprego de procedimentos científicos, princípios positivistas que perpassam a teoria
dando fidedignidade ao mesmo. de Émile Durkheim, pode incorrer no equívo-
Há que se considerar, ainda, a valiosa co de priorizar a preocupação com o emprego
contribuição de Durkheim para o campo das de metodologias e procedimentos reconheci-
Representações Sociais, cujo conceito de repre- dos como adequados para o sucesso da apren-
sentação coletiva por ele forjado constituiu-se dizagem, colocando em detrimento a preocu-

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Luminária, União da Vitória, v, 18, n. 02, p. 12-20
ISSN: 2359-4373. Souza & Campos (2016)
A concepção de educação de Émile Durkheim ...
pação com a natureza e especificidade do pró-
prio processo de aprendizagem mobilizado
pelo aprendiz.
Por fim, sem desconsiderar a existência
de outros fatores que merecem atenção e res-
salva na teoria durkheimiana, destaca-se o pe-
rigo do ensino incorrer, inspirado em pressu-
postos positivistas, em uma lógica pautada na
meritocracia, em que se costuma premiar e
enaltecer a conquista de metas e resultados
pré-estabelecidos, tendo o desempenho final
como critério avaliativo e, o mais instigante,
tudo isso orientado por um modelo de aluno
ideal.

REFERÊNCIAS
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da sociedade. 2. ed. São Paulo: Editora
Moderna, 1997.
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QUINTANEIRO, T.; BARBOSA, M. L. O.;
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que de clássicos: Marx, Durkheim e
Weber. 2. ed. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2003.
Recebido em 16 de abril de 2016.
Revisões em 22 de setembro de 2016.
Aceito em 17 de fevereiro de 2017.

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