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Aids, seleção natural e pobreza

Article  in  Ciência Hoje · January 2005

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Rosana Tidon
University of Brasília
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OPINIÃO
Luzitano Brandão Ferreira

OPINIÃO
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (doutorando),
Universidade de São Paulo

Rosana Tidon
Instituto de Biologia, Universidade de Brasília

Aids, seleção natural


e pobreza
A epidemia mundial de Aids
vem induzindo – em especial
A síndrome da imunodeficiên-
cia adquirida – conhecida
pela sigla Aids – levou à morte 3
exploramos algumas das relações
entre Aids, seleção natural e po-
breza, com a intenção de subsi-
na África, onde está mais milhões de pessoas em 2004, em diar a discussão de questões téc-
todo o mundo, segundo o progra- nicas e éticas decorrentes dessas
disseminada e o tratamento
ma da Organização das Nações relações.
é em geral escasso Unidas para combater a epide-
ou inexistente – a seleção mia (Unaids). Também no ano A seleção natural, um dos prin-
passado, outros 5 milhões de in- cipais mecanismos da evolução
de indivíduos com variações divíduos foram infectados. Hoje, biológica, tem sido ocasionalmen-
genéticas que lhes conferem estima-se que cerca de 40 mi- te interpretada como uma ‘luta
lhões de pessoas vivam com o pela sobrevivência’, onde predo-
maior resistência ao vírus HIV. vírus da Aids (o HIV) no organis- mina a ‘vitória do mais forte’. Essa
No entanto, a sobrevivência mo, 90% delas nos países em de- visão equivocada foi utilizada,
senvolvimento. No Brasil, que no passado, para justificar teo-
das vítimas da síndrome
abriga cerca de 600 mil portado- rias extremamente prejudiciais,
é muito mais influenciada res do vírus, a incidência da sín- como a eugenia (a idéia do ‘me-
drome tende a se estabilizar en- lhoramento’ da espécie humana
por fatores socioeconômicos
tre os homens de classes sociais através do controle da reprodu-
do que por possíveis vantagens mais altas, mas não entre as mu- ção) e o darwinismo social (a cren-
genéticas. Assim, ampliar lheres e indivíduos das camadas ça de que a evolução das socie-
mais pobres da população. dades também segue os princí-
a prevenção da infecção Nos locais onde a epidemia pios da seleção natural). Portan-
e o acesso da população está muito disseminada, como to, a difusão desse conhecimen-
na África sub-saariana, os indi- to científico para a sociedade de-
aos serviços de saúde
víduos com variantes genéticas ve ser feita com muito cuidado,
e informação é a atitude mais que conferem maior resistência para que ele seja compreendido
ao HIV têm mais chances de so- de forma correta.
importante, em especial
brevivência e reprodução (ou se- Sob o ponto de vista da biolo-
nos países mais pobres. ja, são selecionados). Neste texto, gia, ‘seleção natural’ é simples- !

setembro de 2005 • CIÊNCIA HOJE • 57


OPINIÃO
uma célula, o vírus HIV precisa se
ligar a estruturas protéicas (deno-
Apesar das vantagens, é difícil prever se os indivíduos minadas receptores) presentes na
membrana celular. O HIV liga-se
com variantes genéticas associadas à maior resistência a um receptor primário (conheci-
do como CD4), mas também pre-
ao HIV vão aumentar de freqüência no futuro cisa se unir a um co-receptor pa-
ra poder introduzir seu material
genético na célula atacada. Entre
mente uma diferença estatística tidas nos genes). Ou seja, as qua- os principais co-receptores estão
na capacidade de sobrevivência lidades que tornam um organis- os denominados CCR5 e CXCR4.
ou reprodução de diferentes or- mo mais eficiente só são transmi- Sabe-se, porém, que uma variação
ganismos: aqueles que deixam tidas para seus descendentes se no gene que contém as informa-
mais descendentes tornam-se forem hereditárias. ções para a síntese do CCR5 (co-
mais comuns nas gerações seguin- Um aspecto importante é que, nhecida como deleção delta-32)
tes. Exemplos clássicos desse sendo a seleção natural um meca- leva à produção de um co-recep-
fenômeno, como a sobrevivên- nismo biológico, e não um poder tor ‘defeituoso’, que dificulta a
cia – e posterior predominância com alguma direção ou propósito, entrada do vírus na célula. Indiví-
em um certo ambiente – de linha- ela não é moral nem imoral. duos com essa variação apresen-
gens de bactérias resistentes a Entre os seres humanos, as tam maior resistência à infecção
antibióticos, ou de insetos resis- doenças infecciosas podem atuar pelo HIV e progressão mais lenta
tentes a pesticidas, não envolvem como importantes agentes sele- da doença. O aumento de dois a
lutas diretas entre indivíduos. No tivos. Os indivíduos infectados quatro anos na sobrevida dessas
entanto, para que as caracterís- pelo HIV, por exemplo, exibem pessoas põe essa variação sob for-
ticas biológicas vantajosas pos- diferenças na progressão da doen- te pressão de seleção natural (ou
sam ser passadas para as futuras ça que podem ser atribuídas, em seja, aumenta bastante a chance
gerações, é necessário que te- parte, a variações genéticas exis- de que ela seja transmitida à gera-
nham base genética (estejam con- tentes entre eles. Para infectar ção seguinte).
Apesar das vantagens, é difícil
prever se os indivíduos com va-
riantes genéticas associadas à
maior resistência ao HIV vão au-
mentar de freqüência no futuro.
Isso porque a história da huma-
nidade é cheia de eventos impre-
visíveis, e uma característica im-
portante de nossa espécie é a gran-
de capacidade de interferir nas
pressões de seleção natural. Al-
guns sérios problemas do passa-
do, como deficiências da visão, são
hoje facilmente corrigíveis. Distúr-
bios comuns como hipertensão,
diabetes e asma podem ser con-
trolados, e diversas outras doen-
FOTO MARIZILDA CRUPPE/AGÊNCIA O GLOBO

A Aids atinge índices elevados


na África, onde grande parte dos
soropositivos é marginalizada
e precisa da ajuda de instituições
como este centro mantido
pela ONG Femme Plus,
na cidade de Goma, no Congo

58 • CIÊNCIA HOJE • vol. 37 • nº 219


OPINIÃO
ças curadas. A imensa maioria da do número de indivíduos econo- ses em desenvolvimento não tem
humanidade permanece viva hoje micamente ativos leva ao empo- acesso a medicações.
devido à utilização de mecanismos brecimento, o que aumenta a dis-
que poderiam ser considerados seminação da epidemia, que por O combate à epidemia de Aids
‘contrários à seleção natural’, sua vez diminui o tamanho da requer ações enérgicas e conjun-
como medicações, vacinas, cirur- população. tas, envolvendo diversos campos
gias e até esgoto e água tratada. Essa estreita relação entre Aids do conhecimento. A descrição de
e pobreza ocorre até em países variantes genéticas responsáveis
A sobrevivência dos indivíduos desenvolvidos. Segundo os Cen- pelo aumento da resistência à
também é fortemente influencia- tros de Controle de Doenças dos síndrome é extremamente impor-
da pelas condições sociais e eco- Estados Unidos (CDC), há nesse tante, pois pode levar a uma me-
nômicas em que vivem, as quais país uma maior incidência da lhor compreensão dessa enfer-
não têm base genética e portanto Aids nas populações de baixa ren- midade, ao desenvolvimento de
nenhuma relação direta com a da. Estima-se que um em cada vacinas e à produção de medica-
seleção natural, embora possam quatro afro-americanos viva na mentos novos e mais eficazes. No
alterar de forma indireta a dinâ- pobreza. Esse grupo, que repre- entanto, especialmente em países
mica de uma população (por senta apenas 12% da população em desenvolvimento, devem tam-
exemplo, causando elevada mor- total dos Estados Unidos, apresen- bém ser estudados mecanismos
talidade infantil e assim impedin- ta 70% dos novos casos de Aids que ajudem a prevenir a infecção,
do que grande número de indiví- entre mulheres. ampliar o acesso dos pacientes
duos chegue à idade reprodutiva).
Essas condições de vida variam
muito entre as nações, como mos-
tram alguns dados sobre a alo-
cação de recursos para a saúde e A intensidade da seleção causada pelo HIV
a expectativa de vida. Em 2001,
por exemplo, a Suíça, um país na África é comparável à ocorrida há 700 anos
rico, gastou com saúde pública
mais de US$ 3 mil per capita, na Europa, com a peste negra
enquanto em países africanos po-
bres, como Etiópia, Somália e
Congo, esse gasto não chegou a Com base no que foi exposto, aos serviços de saúde, informar a
US$ 20. Já a expectativa de vida pode-se dizer que a sobrevivên- população sobre a epidemia e di-
em países desenvolvidos, como cia dos indivíduos infectados pelo minuir a discriminação contra os
Japão e Noruega, alcança quase HIV é muito mais afetada por fa- portadores do HIV.
80 anos, em média, mas em algu- tores sociais do que por diferen- A história da nossa espécie é
mas nações africanas, como ças genéticas. A avaliação perió- fruto da integração entre aspec-
Zâmbia, Serra Leoa e Zimbábue, dica dos pacientes, o tratamento tos biológicos e culturais, de mo-
principalmente devido à Aids, (combate específico ao HIV), a do que não há razão para se acre-
ela caiu drasticamente, chegan- prevenção e o tratamento de in- ditar que o comportamento hu-
do a menos de 35 anos. fecções oportunistas aumenta- mano deva seguir ‘leis naturais’.
A pobreza e seus efeitos, como ram de modo considerável a qua- A intensidade da seleção causa-
educação deficiente, más condi- lidade de vida e o tempo de sobre- da pelo HIV na África é compa-
ções de vida e de saúde, são os vida dos pacientes nos últimos rável à ocorrida há 700 anos na
principais fatores que levam à anos. Segundo o Unaids, a mor- Europa, com a peste negra. En
disseminação do HIV. A África, talidade, as complicações da tretanto, ao contrário dessa últi-
continente que concentra em tor- doença e a transmissão vertical ma, sabe-se agora qual a causa e
no de 14% da população mun- (da gestante para o filho) tiveram como prevenir a enfermidade, e
dial e vive com cerca de 1% dos drástica redução em países de- há medicamentos para melhorar
recursos da economia mundial, senvolvidos, em função princi- a sobrevida dos pacientes. Essa
apresenta 70% dos casos de in- palmente da disseminação dos atual seleção sobre milhões de
divíduos infectados com o vírus tratamentos (em especial o uso pessoas não se fundamenta em
no mundo. Em alguns países afri- de medicamentos anti-retro- pequenas diferenças biológicas,
canos, mais de um terço dos adul- virais, que combatem diretamen- mas sim nas enormes injustiças
tos são portadores do HIV, o que te o HIV). Enquanto isso, a imen- sociais existentes entre os seres
cria um ciclo perverso: a redução sa maioria dos pacientes de paí- humanos. ■

s e t e m b r o d e 2 0 0 5 • C I Ê N C I A H O J E • 59

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