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D. H.

LAWRENCE
Pornografia e Obscenidade (1929)

Sua definição depende, como de costume, inteiramente do indivíduo. O que para um é


pornografia, para outro é o riso do gênio.
A própria palavra, dizem-nos, significa “pertencendo às prostitutas”, característico da
prostituída. Mas, em nossos dias, o que é uma prostituta? Se se trata de uma mulher que faz
um homem pagar para dormir com ele, várias esposas, na verdade, se venderam pelo passado,
e várias prostitutas se entregaram por nada quando tinham vontade. Se uma mulher não tem
um pouco da prostituta, é geralmente uma desengonçada sem nenhum calor. E a maioria das
prostitutas tem em qualquer parte um traço de generosidade feminina. Por que opiniões tão
truncadas? Mas a lei é uma coisa ressecada e as opiniões não têm nada a ver com a vida.
O mesmo acontece com a palavra “obsceno”: ninguém sabe o que ela significa.
Suponhamos que venha de OBCENA: aquilo que não pode ser representado em cena.
Avançou-se alguma coisa? De forma alguma. O que é obsceno para Pedro, não é para João ou
Paulo. Ora, o sentido de uma palavra depende da decisão da maioria. Se uma peça choca dez
pessoas do público sem chocar as outras quinhentas, então ela é obscena para dez pessoas e
inofensiva para quinhentas. Ela não é portanto obscena para a maioria. Hamlet, ao contrário,
choca todos os puritanos de Cromwell e não choca mais ninguém hoje em dia, e certas peças
de Aristófanes chocam todo mundo nos dias de hoje enquanto não pareciam ter galvanizado a
nenhum dos Gregos do último período. O homem é um animal mutante, e as palavras mudam
de sentido ao mesmo tempo em que ele. As coisas não são mais aquilo que pareciam ser,
aquilo que é devem aquilo que não é, e se acreditamos saber onde estamos, é somente devido
à velocidade com a qual nos encontramos transportados alhures. Nos é necessário abandonar
tudo à maioria, tudo deixar à massa, a massa, a massa. Ela sabe, ela, o que é obsceno e o que
não é. Se os dez milhões do pequeno povo não soubessem mais do que as dez pessoas do
gratin, é que há algo solta nas matemáticas. Vote coma mão erguida, e você tirará a prova dos
nove! VOX POPULI, VOX DEI. ODI PROFANUM VULGUS! PROFANUM VULGUS.
Chegamos, portanto, a esse ponto: se você se dirige à mundiça, a significação de suas
palavras é aquela da mundiça, decidida pela maioria. Por isso que alguém me escreveu: “A lei
americana sobre a obscenidade é bastante simples, e a América está decidida a aplicar esta
lei.” Muito bem, meu caro, muito bem! A mundiça sabe o que é a obscenidade. As
palavrinhas inofensivas que rimam com SPIT1 ou FARCE são o supra-sumo da obscenidade.
Suponhamos que um impressor substitua por engano o “p” por um “h” na simples palavra
SPIT. O grande público americano pensa então que esse homem escreveu uma obscenidade,
uma indecência, que essa ação é impudica e que enquanto escritor ele é pornográfico. Não se
pode enganar o grande público, inglês ou americano. VOX POPULI, VOX DEI, não sabiam?
Se vocês não sabiam, vamos vos ensinar. Essa VOX DEI cobre de louvores ao mesmo tempo
filmes sentimentais, livros, homenagens de jornais que parecem , a uma natureza depravada
como a minha, completamente horrorosas e obscenas. Como verdadeiro puritano cheio de
pudores, devo desviar os olhos. Quando a obscenidade devém frescura, forma que o público
aprecia, e que a VO POPULI, VOX DEI esgoela-se a louvar a indecência sentimental, então
devo me escafeder, como um Fariseu que teme o contágio. Uma sorte de resina pegajosa
universal que me recuso a tocar.
Fomos, de novo, trazidos a esse ponto: vocês aceitam a maioria, a mundiça e seus
decretos, ou vocês os recusam. Vocês se inclinam diante da VOX POPULI, VOX DEI, ou
vocês tampam as orelhas para não escutar seus clamores obscenos. Vocês se fazem de palhaço
1
To spit, cuspir em inglês, se torna, com um h : shit=merda. Arse, da mesma forma, significa cu.
(N. T.)
para agradar ao público, ao DEUS EX MACHINA, ou vocês se recusam a jogar para ele,
exceto de tempos em tempo para pagarem sua cabeça elefântica e repugnante.
Quando se trata do sentido de qualquer palavra, mesmo da mais simples, é preciso parar.
Pois existem duas grandes categorias de sentido, sempre diferentes. Há o sentido-massa e o
sentido individual. Tomem, por exemplo, a palavra “pão”. O sentido-massa é simplesmente:
substância composta de farinha, em forma de bola, comestível. Mas tomem o sentido
individual da palavra pão: o pão branco, bis, o pão de milho, pão feito em casa, o odor do pão
que acaba de sair do forno, a casca, o miolo, o pão sem levedo, o pão de proposição, o
sustento da vida, o pão picante, o pão caseiro, o pão francês, vienense, o pão preto, o pão
velho, o pão de gergelim, o pão Graham, o pão de orge, os pãezinhos, os BRETZELN, os
KRINGELN, os pães de leite, os pães en galette, a lista é infinita e a palavra pão leva vocês
aos limites do tempo e do espaço, aos confins obscuros da memória. Mas é esse o sentido
individual. A palavra pão dá início à própria viagem do indivíduo, seu sentido será o seu
próprio, baseado em suas próprias reações imaginativas. E quando uma palavra se apresenta
com seu caráter próprio e que desencadeia em nós respostas pessoais, isso nos causa um
imenso prazer. Os fabricantes de anúncio americanos o descobriram e encontra-se uma parte
da mais hábil literatura americana nos anúncios, por exemplo, de lixívia. Tais anúncios são
QUASE poemas em prosa. Eles dão à palavra lixívia um sentido individual, cintilante,
brilhante, o que é habilmente poético e pareceria talvez unicamente poético a quem pudesse
esquecer que esta poesia é apenas uma “pega-bobo”.
O comércio descobre o sentido individual, dinâmico das palavras, enquanto a poesia o
perde. A poesia tende a complicar cada vez mais o sentido das palavras, o que a leva uma vez
mais ao sentido-massa, e provoca apenas uma reação-massa no indivíduo. Cada um possui,
com efeito, um eu-massa e um eu individual, em proporções diferentes. Certos homens são
quase inteiramente um eu-massa, e são incapazes de reações imaginativas individuais. As
piores espécies de eu-massa se encontram geralmente em profissões tal como o advogado,
professor, pastor, e assim por diante. O homem de negócios, mais astucioso, possui um sólido
eu-massa exterior e um eu individual, terrificado, inseguro, mas ainda existente. O público,
que é tão fraco de espírito quanto um cretino, não será nunca capaz de proteger suas reações
individuais contra às astúcias do explorador. O público é e será sempre explorado. Só mudam
os métodos de exploração. Em nossos dias, lisonjeia-se o público para que ele ponha ovos de
ouro. Com palavras sugestivas e significações individuais, leva-se o público pela astúcia a
lançar o sonoro cocorico do consentimento-massa: VOX POPULI, VOX DEI. Sempre foi
assim. Por que? Porque o público não tam espírito suficiente para fazer a distinção entre seus
próprios sentimentos autênticos e aqueles que provoca, astuciosamente, o explorador. O
público é sempre grosseiro, pois ele é governado de fora, por canalhas, e não de dentro, por
sua própria sinceridade. A massa é sempre obscena porque ela é sempre de segunda mão.
Isso nos remete a nossa questão: pornografia e obscenidade. A reação de um indivíduo a
cad uma dessas palavras pode ser ou uma reação-massa, ou uma reação individual. Cabe ao
indivíduo se perguntar: tenho uma reação individual ou é apenas meu eu-massa que age?
Quanto às palavras ditas pornográficas, eu diria que apenas uma pessoa entre um milhão
escapa à reação-massa. A primeira reação será quase certamente uma reação-massa:
indignação-massa, condenação-massa. E a massa não vai mais longe. Mas o indivíduo
verdadeiro reflete um pouco e diz: Estou realmente chocado? Será que eu me sinto MESMO
ultrajado? E a resposta de todo indivíduo com certeza será: não, eu não me sinto nem
chocado, nem ultrajado, nem indignado. Conheço essa palavra e a tomo por aquilo que ela é.
Não aceitaria que me obrigasse a fazer um caso por uma bobagem, nem por todas às leis do
mundo.
É ótimo quando o emprego de algumas palavras consideradas obscenas tira o homem ou a
mulher de um hábito-massa para provocar uma reação individual. A pruderie de palavras está
tão universal que já é tempo de mudar.
Mas até agora nós só atacamos o problema da obscenidade. O problema da pornografia
vai ainda mais longe. Quando um homem está assustado, em seu eu individual, ele pode, no
entanto, ser ainda incapaz de saber, dentro de si, se Rabelais é ou não pornográfico. E pode,
tomado entre emoções diferentes, em vão quebrar a cabeça para compreender Arétien ou
mesmo Boccace.
Um ensaio sobre a pornografia, eu me lembro, chegava à conclusão que a pornografia na
arte é aquilo que é calculado para despertar o desejo ou a excitação sexuais. E o acento estava
colocado sobre a seguinte questão: o autor ou o artista TINHA A INTENÇÃO de excitar
emoções sexuais? É a velha questão, tão freqüentemente debatida, da intenção, tornada tão
estúpida depois que conhecemos a força e a influência de nossas intenções inconscientes. Por
que um homem seria considerado culpado de suas intenções conscientes e inocentes de suas
intenções inconscientes, eu o ignoro, quando cada homem é feito mais de intenções
inconscientes que de intenções conscientes. Eu sou o que sou, e não apenas o que penso ser.
Enfim! Admitimos, suponho, que a PORNOGRAFIA é algo vil, desagradável. Breve, nós
não a amamos. E por que? Porque ela excita emoções sexuais?
Não cério. Podemos muito bem nos esforçar para pretender o contrário, a maioria de nós
gosta muito de se encontrar moderadamente excitado sexualmente. Isso nos reanima, nos
estimula como o sol num dia cinzento. Após um século ou dois de Puritanismo, isso é ainda é
verdade na maioria das pessoas. Mas o HÁBITO-MASSA de condenar toda forma de
sexualidade é muito forte para nos deixar admiti-lo normalmente. E, de fato, há várias pessoas
que ficam verdadeiramente horrorizadas com as mais simples e mais naturais excitações
sexuais. Mas essas pessoas são perversos que vieram para odiar seus semelhantes, pessoas
frustradas, decepcionadas, tão numerosas, opa! na nossa civilização. E quase sempre
apreciam, secretamente, as formas complicadas e antinaturais de excitação sexual.
Mesmo os críticos de arte de opinião bem avançada gostariam de tentar nos fazer crer que
todo livro ou quadro que tem “sex-appeal” é IPSO FACTO é um livro ou quadro ruim. Isso é
hipocrisia, simplesmente a metade dos grandes poemas, quadros, obras musicais, histórias do
mundo inteiro são grandes por causa da beleza de seu “sex-appeal”. Em Le Titien e Renoir, o
Cântico dos Cânticos ou Jane Eyre, em Mozart ou Annie Laurie, a beleza está toda
impregnada de “sex-appeal”, ou de estímulo sexual, chamem-na como quiserem. Mesmo
Michelangelo, que detestava o sexo, não pôde se impedir de preencher seu Corno de
Abundância de frutos fálicos. O sexo é um estimulante poderosíssimo, benéfico e necessário à
vida humana e todos nós somos gratos por sentir seu fluxo quente e natural nos atravessar,
como uma espécie de sol.
Abandonemos portanto a idéia de que o “sex-appeal” na arte é pornografia. Ele pode sê-lo
para o austero e morno Puritano, mas o austero Puritano é um doente, de corpo e alma, então
por que nos preocuparmos com suas alucinações? O “sex-appeal” varia, é claro,
enormemente. Existem mil espécies diferentes, e mil graus em cada espécie. Poder-se-ia
alegar que uma pequena quantidade de “sex-appeal” não é pornográfica enquanto uma grande
o é. Mas isso é um sofisma. Bocage, em suas passagens mais ousadas, me parece menos
pornográfico que Pámela, Clarissa Harlow2, ou mesmo Jane Eyre, ou uma multidão de livros
ou de filmes modernos que escapam à censura. Do mesmo modo, Tristão e Isolda de Wagner
me parece muito próximo da pornografia, assim como certos cânticos cristãos bastante
célebres.

2
Pámela ou a virtude da recompensa (1740), Clarissa ou a história de uma jovem dama (1748):
dois romances célebres de Samuel Richardson.
O que se passa então? Não se trata simplesmente de uma questão de intenção deliberada,
da parte do autor ou do artista, provocar uma excitação sexual. Rabelais tinha por vezes esta
intenção deliberada, assim como Baccace, de uma maneira diferente. E estou certo que a
pobre Charlotte Brontë, ou o autor de Sheik, não tinham a menor intenção deliberada de
excitar emoções sexuais no leitor. E todavia, acho que Jane Eyre beira a pornografia enquanto
Boccace sempre me pareceu fresco e são.
O antigo ministro do Interior britânico3, que se orgulhava de ser puritano convicto e
austero até o talo, declarava com uma consternação indignada, durante um de seus ataques
explosivos contra os livros inconvenientes: “... e esses dois jovens que haviam sido, até agora,
perfeitamente puros, tiveram relações sexuais após terem lido esse livro!” ISSO CONCERNE
SOMENTE A ELES, é tudo que podemos responder. Mas o austero guardião da Moral
Britânica parece pensar que teria sido melhor se eles se matassem um ao outro ou que eles se
esgotassem mutuamente até a depressão. Triste doença!
Em resumo, o que é então a pornografia? Não é o “sex-appeal” ou a excitação sexual na
arte. Também não é a intenção deliberada por parte do artista de provocar ou excitar emoções
sexuais. Não há nada de mal nas emoções sexuais enquanto são frescas e não dissimuladas,
verdadeiramente dissimuladas. A boa excitação sexual é muito preciosa à vida humana de
todos os dias. Sem ela, o mundo devém morno. Eu colocaria de bom grado em todas as mãos
os contes galantes da Renascença: eles ajudariam a nos livrarmos de uma boa parte de nosso
preconceito, que é nossa doença, civilizados modernos.
Mas eu poderia, contudo, censurar a verdadeira pornografia, e severamente. Não há aí
nenhuma dificuldade. Primeiro, a pornografia verdadeira é quase sempre dissimulada. Ela não
aparece com o rosto descoberto. Em segundo lugar, pode-se reconhecê-la pelos insultos que
ela pródiga, invariavelmente, ao sexo e ao espírito humanos.
A pornografia tenta insultar o sexo, cobri-lo de lama. Isto é imperdoável. Tomem o
exemplo mais ordinário: os cartões postais vendidos por debaixo do pano, nos bairros
suspeitos da maioria das cidades. O que vi era feio de dar dó: insulto ao corpo humano,
insulto às relações humanas mais essenciais! Eles tornam a nudez feia e ímpia, o ato sexual
feio e degradante, vulgar, ruim e baixo.
O mesmo acontece com os livros vendidos nos bairros suspeitos. Eles são ou feios de
deixar qualquer um doente ou tão idiotas que só os cretinos ou simplórios, pensa-se, podem
lê-los ou tê-los escrito.
Da mesma forma, os poemas cômicos obscenos recitados após o jantar, ou as histórias
sujas contadas pelos viajantes do comércio na tabacaria. Às vezes, há algumas bem
engraçadas que vendem bastante. Mas a maioria é geralmente baixa e repugnante, e o dito
“humor” não passa de um meio de mexer na lama a respeito do sexo.
Certamente, a nudez de um grande número de pessoas, em nossos dias, é simplesmente
feia e degradante, assim como o ato sexual, em nossos dias, é quase sempre feio de
degradante. Mas não há do que se orgulhar. É o desastre de nossa civilização. Estou certo que
nenhuma outra civilização, mesmo a dos Romanos, teve, em tão grande proporção, nus tão
ignóbeis e degradados, uma sexualidade tão feia , tão suja e tão sórdida. É porque nenhuma
outra civilização exilou tanto quanto a nossa o sexo nas sarjetas e a nudez no W. C.
Os jovens inteligentes, Deus obrigado, parecem, decididos a mudar nestes dois pontos.
Eles salvam sua jovem nudez dos calabouços pouco arejados, pornográficos e clandestinos de
seus irmãos mais velhos, e recusam ... Acontecimento evidentemente deplorado pelos
austeros irmãos mais velhos mas que, de fato, constitui uma verdadeira melhora e uma
verdadeira revolução.
É notável, no entanto, ver o quanto é poderoso, nas pessoas ordinárias e vulgares, o desejo
de mexer na lama a respeito do sexo. Entre as ilusões que eu alimentava quando jovem havia
3
Cf. Comentários, p. 167.
aquela de que muitos homens de aspecto são e vulgar, encontrados nos compartimentos de
trem ou tabacarias de hotel ou de Pullman, teriam sentimentos sãos e uma atitude tipo “tô
nem aí”, sã e brutal em relação ao sexo. É falsa! Inteiramente falsa! A experiência ensina que
os indivíduos desse gênero têm uma atitude repugnante em relação ao sexo, um repugnante
desprezo, um desejo repugnante de insultá-lo. Quando tais indivíduos têm relações com uma
mulher, ...
São os indivíduos desse gênero que contam histórias sujas, transportam consigo cartões
postais obscenos e lêem livros indecentes. Eis a grande classe pornográfica, os verdadeiros
homens-e-mulheres-da-rua ordinários. Eles têm pelo sexo um ódio e um desprezo que iguala
o dos mais austeros Puritanos e, quando a eles nos referimos, estão sempre ao lado dos santos.
São eles que querem que a heroína de um filme seja uma coisa neutra, assexuada, de uma
pureza diluída; que querem que o verdadeiro sentimento sexual, o vil apetite, sejam
testemunhas unicamente pelo traidor ou pela mulher má; que acham os quadros de Titien ou
de Renoir verdadeiramente indecentes, e não querem que suas mulheres ou suas filhas os
vejam.
Por que? Porque eles têm a cinza doença do ódio do sexo, ao mesmo tempo em que a
doença amarela do vil apetite. As funções sexuais e excrementiciais do corpo humano têm
relações estreitas mas têm, por assim dizer, uma direção inteiramente diferente. O sexo é um
fluxo criador enquanto o fluxo excrementicial concerne a dissolução, a decriação, se for
possível utilizar tal palavra. No ser humano verdadeiramente são, a distinção entre os dois é
instantânea, e nossos instintos mais profundos são talvez aqueles que distinguem esses dois
fluxos.
Mas no ser humano degenerado, os instintos profundos estão mortos e os dois fluxos se
tornaram idênticos. VOILA o segredo das pessoas verdadeiramente vulgares e pornográficas:
o fluxo sexual e o fluxo excrementicial são idênticos para eles. Isto acontece quando a
PSIQUE se altera, fazendo desmoronar os instintos profundos e diretores. Aí então o sexo é
lama, a lama é o sexo, a excitação sexual devém um jogo sujo, e todo rastro de sexo em uma
mulher devém testemunha de sua impureza. Tal é a condição do homem vulgar, que é legião,
e cuja voz, quando se eleva, é a VOX POPULI, VOX DEI. E tal é a origem de toda
pornografia.
É por esta razão que precisamos admitir que Jane Eyre ou Tristão e Isolda de Wagner
estão bem mais próximas da pornografia do que Boccace. Wagner e Charlotte Brontë se
encontravam todos dois no estado em que os mais poderosos instintos haviam desmoronado e
em que o sexo tinha se tornado algo ligeiramente obsceno, do qual podia-se lambuzar mas
que era preciso desprezar. 4 A paixão sexual do Sr. Rochester não é respeitável até o momento
em que ele é queimado, cedo, desfigurado e reduzido a uma total dependência. Então,
completamente humilhado e humilde, ele pode apenas ser aceito. Todas as emoções
precedentes são ligeiramente indecentes como em Pâmela, O Moinho sobre a Floss5 ou Anna
Karenina. No momento em que há excitação sexual acompanhada de um desejo de cuspir
sobre o sentimento sexual, de humilhá-lo e aviltá-lo, a pornografia aparece.
É por isso que há um elemento de pornografia em quase toda literatura do séc. XIX, que
várias pessoas ditas puras têm um desagradável lado pornográfico, e que jamais o desejo
pornográfico foi tão poderoso quanto em nossos dias. É um signo de doença do corpo
político.6 Mas a maneira de tratá-la é mostrar abertamente o sexo e a excitação sexual. O
verdadeiro amante da pornografia detesta, no fundo, Boccace, porque o natural fresco e são
do contista italiano faz o moderno, aberração amante de pornografia, sentir o verme que é.
Dever-se-ia, em nossos dias, dar Boccace para todos lerem, jovens ou velhos. Somente uma

4
Sobre Wagner, notemos que Tannhaüser ilustra ainda melhor o argumento de Lawrence.
5
Romance de George Eliot (1860)
6
Cf., novamente os escritos que Wilhelm Reich publicará cinco anos mais tarde.
franqueza sã e natural em relação ao sexo nos fará bem, a nós que estamos agora submersos
por uma pornografia dissimulada ou meio dissimulada. E talvez os contistas da Renascença,
Bocccace, Lasca7 e outros, constituam o melhor antídoto moderno, exatamente como os
apáticos Puritanos são os mais perigosos remédios aos quais podemos recorrer.
Todo o problema da pornografia me parece ser portanto um problema de dissimulação.
Entretanto, a dissimulação e o pudor são duas coisas inteiramente diferentes. Há sempre um
elemento de temor na dissimulação que, muitas vezes, chega ao ódio. O pudor é doce e
reservado. Hoje em dia, o pudor foi jogado aos quatro ventos, mesmo na presença dos
guardas cinzentos. A dissimulação, ao contrário, sendo um vício em si mesma, é encorajada.
A atitude dos bons homens cinzentos é esta: caras senhoritas, vocês podem abandonar todo
pudor, pelo tempo em que conservaram seu segredinho sujo.
Esse “segredinho sujo” tornou-se indefinidamente precioso à massa atual. É uma sorte de
mal ou de inflamação escondidas que, quando friccionadas ou coçadas, procuram por vivos
frêmitos que parecem deliciosos. Fricciona-se e coá-se cada vez mais esse segredinho sujo,
até a maior irritação, mesmo que a saúde nervosa e psíquica do indivíduo se torne cada vez
mais deteriorada. Poder-se-ia facilmente afirmar que o sucesso da metade dos romances e dos
filmes de amor atuais dependem da maneira com que eles agradam secretamente ao
segredinho sujo. Vocês podem a isso chamar de excitação sexual se quiserem, mas trata-se de
uma excitação de natureza secreta, escondida, assaz particular. A excitação pura e simples,
totalmente franca e sã, encontradas em certos contos de Boccace, não deve por nenhum
segundo ser confundida com a excitação furtiva provocada pela fricção dissimulada do
segredinho sujo nos best-sellers atuais. Essa fricção furtiva, dissimulada, malandra, de um
lugar inflamado da imaginação, é o próprio nervo da pornografia atual e constitui um mal e
um perigo extremos. É difícil denunciá-lo devido a seu caráter secreto e de sua dissimulada
habilidade. O romance e o filme de amor atuais, fáceis e populares, prosperam e são até
louvados pelos defensores da moral, pois eles procuram esse frisson escondido sob a pureza
de nossas roupas íntimas imaculadas, sem emitir um único palavrão que arriscaria trair o que
se passa.
Sem dissimulação, não haveria pornografia. Mas se a pornografia resulta de uma
dissimulação, qual o resultado da pornografia? Sua ação sobre o indivíduo.
Essa ação toma diversas formas, todas nefastas. Uma delas é talvez inevitável. A
pornografia atual, quer seja a das revistas especializadas ou dos romances, filmes ou peças
populares, é um invariável estimulante do vício de onanismo, de masturbação, chamem como
quiserem. Nos jovens ou velhos, homens ou mulheres, meninas ou meninos, a pornografia
moderna é um estimulante direto da masturbação. E não poderia ser de outra forma. Quando
os bons homens cinzentos reclamam de que o garoto e a garota tiveram relações sexuais, eles
deploram o fato de os jovens não se tenham masturbado separadamente. O sexo deve
encontrar seu espaço em qualquer lugar, especialmente nos jovens. Por isso, em nossa
gloriosa civilização, ele encontra seu espaço na masturbação. E toda nossa literatura popular,
amável pornografia esfrega o segredinho sujo sem que vocês possam saber o que se passa.
Ouvi, no entanto, homens, professores, preconizarem a masturbação enquanto solução
para o problema, de outra forma, insolúvel do sexo. Esta, pelo menos, é honesta. O problema
do sexo existe e não se pode simplesmente decidir se livrar dele. Ele existe e, proscrito pela
dissimulação e pelos tabus das mães, pais, professores, amigos e inimigos, ele encontrou sua
própria solução: a masturbação.
Mas que espécie de solução é esta? Nós a aceitamos? Será que todos os velhinhos
cinzentos do mundo a aceitam? Caso seja assim, eles deveriam, nesse momento, aceitá-la
abertamente. Não se pode pretender ignorar por mais tempo a existência da masturbação nos
jovens e nos velhos, nos homens e nas mulheres. Os defensores da moral que estão prontos a
7
No mesmo ano, Lawrence publicará uma tradução do Docteur Manete.
censurar qualquer representação fresca e simples do sexo devem agora ser forçados a
apresentar sua única justificativa: nós preferimos que as pessoas se masturbem. Se esta
preferência é franca e declarada, então as formas de censura existentes estão justificadas. Se
os defensores da moral preferem que as pessoas se masturbem , então sua atual atitude é justa
e os divertimentos populares são aquilo que devem ser. Se as relações sexuais constituem um
pecado mortal e se a masturbação é relativamente pura e inofensiva, então tudo está bem. E
que este estado de coisa continue.
Mas será que a masturbação é realmente inofensiva? E será ela também relativamente
pura e inofensiva? Não, na minha opinião. Um certo grau de masturbação nos jovens é
inevitável, mas, no entanto, não é natural. Estimo não haver uma garota ou garoto que se
masturbe sem experimentar um sentimento de vergonha, de cólera, de inutilidade. À
excitação segue a vergonha, a cólera, a humilhação e um sentimento de inutilidade. Estes
sentimentos de inutilidade e de humilhação se transformam com a idade em um furor
reprimido devido à impossibilidade de escapar. A única coisa a qual parece ser impossível
escapar, uma vez adquirido o hábito, é a masturbação. Ele prossegue até a velhice, apesar do
casamento, das ligações ou do que quer que seja.E ela traz sempre esses sentimentos íntimos
de inutilidade e humilhação. Tal é, talvez, o mais profundo e mais perigo câncer de nossa
civilização. Em vez de ser um vício relativamente puro e inofensivo, a masturbação é
certamente o mais perigoso vício sexual pelo qual uma sociedade possa ser longamente
atingida. Relativamente pura, talvez, sendo a pureza aquilo que ela é, mas inofensiva?
O grande perigo da masturbação vem simplesmente de sua natureza exaustiva. Nas
relações sexuais, há troca. Uma nova excitação toma o lugar da anterior. É assim com toda
relação sexual em que dois seres estão concernidos, mesmo relações homossexuais. Mas na
masturbação só há perda. A reciprocidade está ausente. Há simplesmente um certo gasto de
energia, sem compensação. O corpo vira, num certo sentido, um cadáver após o ato da
masturbação. Não há mudança, simplesmente uma morte. Há aquilo que se chama de perda
seca, o que não é o caso nas relações sexuais entre duas pessoas. Estas podem se destruir
mutuamente pelo sexo, mas elas não podem produzir o efeito nulo da masturbação.
O único efeito positivo da masturbação é que ela parece liberar em alguns uma energia
intelectual. Mas é uma energia que se manifesta sempre da mesma maneira, através de um
círculo vicioso de análise e crítica impotente, ou um círculo de falsa e fácil compaixão, de
sentimentalismo. O sentimentalismo e a análise minuciosa da maior parte de nossa literatura
atual, freqüentemente a análise de si, são um índice de masturbação. É uma manifestação da
masturbação, uma sorte de atividade consciente, estimulada pela masturbação, macho ou
fêmea. O traço marcante de tal consciência reside na ausência de objeto real. Apenas o sujeito
existe. O mesmo acontece com um romance ou trabalho científico: o autor não sai jamais de
si mesmo, ele enrola sem sair do círculo viciosa de seu eu. Há poucos escritores ou pintores
contemporâneos que saem do círculo vicioso do eu. Daí a ausência de criação e a
estupeficante quantidade de produção. É absorção de si tornada pública.
O processo é evidentemente exaustivo. A verdadeira masturbação dos Ingleses começa
apenas no século XX. Ela prosseguiu com um esgotamento crescente da verdadeira vitalidade
e do ser verdadeiro do homem, até chegar nisso que não passa de uma carcaça humana. A
maioria dos élans está morta, no momento em que a consciência é praticamente toda a
atividade construtiva, e não resta mais que uma sorte de casca, uma criatura esvaziada pela
metade, forçosamente centrada sobre si mesma e incapaz de dar ou receber. Incapaz em seu
eu vital. Tal é o resultado da masturbação. Fechada no círculo vicioso do eu, sem contatos
vitais, com uma nulidade, um nada.
Mas nulidade ou nada, ele pesa ainda sobre o segredinho sujo que ele sempre
secretamente coçar e irritar. É sempre um círculo vicioso. E este possui uma vontade estranha
e cega que lhe é própria.
Um de meus mais simpáticos críticos escreveu: “Se adotássemos a atitude do Sr.
Lawrence em relação ao sexo, dois fenômenos desapareceriam: o poema lírico e as história de
tabacaria.” Creio que isso é verdade. Mas isso depende da significação que se dá ao poema
lírico. Se é o: Quem é Sílvia, qu’elle? alors, qu’il disparaisse. Todo esse puro, nobre e divino
lero-lero não passa de uma réplica das histórias de tabacaria. Du bist wie eine Blume!
8
Jawohl! Vê-se daqui o velho homem pousando a mão sobre a cabeça da pura garota e
rezando a Deus para guardá-la sempre pura, clara e bela. Muito bom para ele: eis aí
pornografia! Lisonjear o segredinho sujo voltar os olhos pro céu. Ele sabe perfeitamente que
se Deus mantivesse a garota limpa, pura e bela, no sentido vulgar das palavras limpa e pura,
durante alguns anos ainda, ela se tornaria uma mulherzinha infeliz, nem pura nem bela, mas
apenas ressecada e digna de pena. O sentimentalismo é um índice certo de pornografia. Por
que então o velho senhor se sentiria com o coração “invadido de tristeza” pelo fato da jovem
virgem ser pura e bela? Da mesma forma com que um masturbador se regozijaria pensando:
“Que bela mulher casada para um velhaco!” Mas não, não o masturbador, pornográfico
fechado em si mesmo: a tristeza deve invadir seu satânico coração!~Nada desse gênero de
poemas de amor líricos! Já se provou o bastante de seu veneno pornográfico, se esfregou o
segredinho sujo e voltou os olhos pro céu.
Mas se se trata do são poema lírico: Meu amor é como uma rosa, uma rosa vermelha! 9 as
coisas são bem diferentes. Meu amor só se assemelha a uma rosa vermelha se que a garota
não for um lírio imaculado. Alias, em nossos dias, os lírios imaculados apodrecem. Nada de
lírios nem poemas sobre esse assunto. Muito lirismo sobre os lírios imaculados e histórias de
tabacaria. Eles são idênticos é um é tão pornográfico quanto o outro. Du bist wie eine Blume
é, na verdade, tão pornográfica quanto uma história suja: ele coça o segredinho sujo voltando
os olhos pro céu. Mas se apenas Robert Burns tivesse sido aceito por aquilo que ele é, o amor,
então, poderia ter continuado a ser uma rosa vermelha.
Sempre o círculo vicioso! O círculo vicioso da masturbação! O círculo vicioso da
consciência de si que não é jamais inteiramente consciente, jamais abertamente nem
inteiramente consciente, mas sempre esfregando o segredinho sujo. O círculo vicioso da
dissimulação nos pais, professores, amigos, todo mundo. O círculo vicioso da família, em
particular. A grande conspiração do silêncio na imprensa e, ao mesmo tempo, a excitação
contínua do segredinho sujo. A eterna masturbação e a eterna pureza! O círculo vicioso!
Como sair disso? De uma única maneira: nada mais de segredo! Nada de mais de
dissimulação! A única maneira de colocar fim a essa terrível sarna mental é expô-la
naturalmente e simplesmente a portas abertas. Coisa extremamente difícil, pois o segredo é
astuto como um caranguejo. Mas é preciso tentar. O homem exasperado que diz a sua filha:
“Minha criança, o único prazer que me deste foi o que tive ao te conceber” já fez bastante
para se liberar e liberar a filha do segredinho sujo.
Como sair do segredinho sujo? É, na verdade, extremamente difícil para nós, cachottiers
modernos. Não se pode conseguir tratando-o de maneira racional e científico, como o doutor
Marie Stopes, se bem que tal atitude valha mais que a hipótese absoluta dos homenzinhos
cinzentos. Mas mostrar-se racional e científico, com seriedade e boa vontade corre o risco de
apenas desinfetar o segredinho sujo e ou mata completamente o sexo por excesso de
inteligência e de seriedade ou deixa-o como está: um pobre segredo desinfetado. O triste amor
“livre e puro” de tantas pessoas que saíram do segredinho sujo e desinfetaram-no
cuidadosamente com termos científicos tende mesmo a ser mais digno de pena do que o
amor-segredinho-sujo corrente. O perigo é que matando o segredinho sujo,mata-se ao mesmo
tempo o dinamismo sexual para deixar apenas seu mecanismo científico e voluntário.

8
Poemas célebres de Haine, musicados por Schumann.
9
Célebre canção escocesa de Robert Burns (1759-1796).
É o que acontece com vários daqueles que adotaram em relação ao sexo uma atitude
“livre”, livre e pura. Eles intelectualizaram o sexo até torná-lo inexistente, até transformá-lo
em uma simples quantidade mental. É de fato uma questão exposta abertamente com uma
franqueza gritante. Nada é tu: tudo aquilo que eles podem revelar é revelado. E eles fazem o
que querem.
E então? Aparentemente, eles destruíram o segredinho sujo mas eles, de alguma maneira,
mataram igualmente todo o resto. Permanece ainda um pouco de lama, parece; o sexo
continua sujo. Mas o frisson do segredo não existe mais. Daí o aborrecimento e marasmo
assustadores da boemia atual, o vazio e a tristeza de tantos jovens de hoje em dia. Eles
imaginam ter matado o segredinho sujo. O frisson do segredo desapareceu. Mas uma parte da
sujeira ainda permanece, assim como a depressão, a inércia e a ausência de vida. Pois o sexo
é a fonte de nossa energia vital e essa fonte se esgotou.
Por que? Por duas razões. Os idealistas da tendência de Marie Stopes e os jovens boêmios
atuais mataram o segredinho sujo no que concerne seu eu individual. Mas permanecem ainda
socialmente sob sua ação. Na sociedade, a imprensa, a literatura, o cinema, o teatro, no rádio,
por todos os lados, a pureza e o segredinho sujo reinam plenamente. Em casa, à mesa, ocorre
o mesmo. É a mesma coisa onde quer que se vá. A garota e a jovem são, por acordo tácito,
supostamente puras, virgens, assexuadas. Du bist wie eine Blume. As pobres crianças sabem
bem que as flores, mesmo os lírios, possuem antenas amarelas e sedentas, um estigma
grudento, um sexo, um sexo ondulante. Mas no espírito do público, as flores são coisas
assexuadas e quando se diz a uma garota que ela se parece com uma flor, quer dizer que ela é
assexuada e deve sê-lo. Ela mesma sabe muito bem que não é assexuada e não se assemelha
apenas a uma “flor”. Mas como enfrentar a grande mentira social que lhe é imposta?
Impossível! Ela sucumbe e o segredinho sujo triunfa. Ela se desinteressa do sexo, no que
concerne aos homens, mas o círculo vicioso da masturbação e da consciência de si se fecha
ainda mais sobre ela.
Esse é um dos desastres da vida dos jovens atuais. Pessoalmente e entre eles, um grande
número, a maioria talvez dos jovens atuais, expôs abertamente o problema do sexo e colocou
sal sobre a cauda do segredinho sujo. É uma coisa muito boa. Mas publicamente, socialmente,
os jovens ainda permanecem inteiramente na sombra dos velhos homenzinhos cinzentos.
Estes últimos pertencem ao século passado, o século dos eunucos, da mentira melosa, o
século que tentou destruir a humanidade, o século XIX. Todos os nossos homenzinhos
cinzentos são relíquias desse século. E eles nos governam. Eles nos governam com a mentira
cinzenta, melosa e hipócrita desse grande século de mentirosos que, graças a Deus, deixamos
para trás. Mas eles ainda nos governam com a mentira, para a mentira, em nome da mentira.
Esses homenzinhos cinzentos são muito pesados, muito numerosos. Pouco importa o tipo de
governo. São todos homenzinhos cinzentos, relíquias do século passado, esse século de
mentirosos melosos, da pureza, do segredinho sujo.
Eis a única razão do marasmo nos jovens, o reino confesso do mentiroso meloso, da
pureza e do segredinho sujo que eles mesmos destruíram, naquilo que lhes concerne. Tendo
destruído uma boa parte da mentira em sua vida privada, os jovens ainda estão fechados e
aprisionados na grande mentira pública dos homenzinhos cinzentos. Daí o excesso, a
extravagância, a histeria, e portanto a fraqueza, a idiotice digna de pena da juventude atual.
Eles estão todos em uma sorte de prisão, a prisão de uma grande mentira e de uma sociedade
de velhos mentirosos. Esta é uma das razões, a principal razão talvez, pela qual o fluxo
sexual, a energia real, morrem nos jovens. Eles estão fechados em uma mentira e o sexo não
se exterioriza. A dureza de uma mentira não excede três gerações e os jovens constituem a
quarta geração da mentira do século XIX.10

10
A piada contada no prefácio dará a medida do otimismo de Lawrence em 1929.
A segunda razão do esgotamento do fluxo sexual é, certamente, que os jovens, apesar da
sua emancipação, estão ainda fechados no círculo vicioso da masturbação consciente. Eles
são recapturados pela imensa barreira da mentira pública, da pureza e do segredinho sujo
quando tentam escapar.
Os boêmios mais emancipados, os que fazem mais barulho em relação ao sexo, são ainda
profundamente conscientes e fechados no círculo da masturbação narcisística. E também
fazem talvez menos amor do que os homenzinhos cinzentos. A coisa se refugiou em suas
cabeças. Não há nem mesmo a origem secreta do segredinho sujo. Sua sexualidade é mais
intelectual que sua aritmética. E, enquanto seres físicos vivos, são menos reais do que
fantasmas. O boêmio atual é, de fato, uma sorte de fantasma, nem mesmo um Narciso, mas
uma imagem de Narciso refletida sobre o rosto do público. É bem difícil matar o segredinho
sujo. Vocês podem matá-lo publicamente mais de mil vezes; ele reaparecerá sempre, como
um caranguejo, deslizando furtivamente por debaixo dos rochedos inundados da
personalidade. Os Franceses, supostamente tão francos em relação ao sexo, serão talvez os
últimos a matar o segredinho sujo. Talvez nem mesmo o desejem. De qualquer forma, o fato
de expô-lo abertamente não é o bastante.
Vocês podem ostentar o sexo por todos os lados, vocês não matarão o segredinho sujo.
Vocês podem ler todos os romances de Marcel Proust, nos quais tudo é exposto em detalhes,
vocês não mataram com isso o segredinho sujo. Vocês o tornarão talvez apenas mais astuto.
Vocês correm o risco de dar início a um estado de indiferença e de inércia sexual, sem com
isso matá-lo. Vocês podem também ser o mais gaillard e mais amoroso pequeno Don Juan
dos tempos modernos guardando nas profundezas de seu espírito o segredinho sujo. Quer
dizer que vocês permanecem no círculo vicioso da masturbação narcisística, o círculo vicioso
da prisão do eu. Pois, cada vez que aparece o segredinho sujo, ele aparece no centro do
círculo vicioso da masturbação-prisão. E toda vez que aparece o círculo vicioso, encontra-se
no centro o segredinho sujo. Os jovens que mais se vangloriam de sua emancipação sexual
são talvez aqueles mais fatalmente e nervosamente fechados na masturbação-prisão. E eles
não querem sair, pois não haveria mais nada a sair.
Mas não há dúvida de que certas pessoas querem sair dessa terrível prisão do eu. Em
nossos dias, praticamente cada um é consciente e prisioneiro dessa consciência de si. É esse o
belo resultado do segredinho sujo. Um grande número de pessoas não deseja sair da prisão de
sua consciência de si: eles não têm muita coisa para sair. Mas alguns, certamente, querem
escapar a esta fatalidade do aprisionamento de si que é o destino de nossa civilização. Há
certamente uma minoria orgulhosa que deseja, de uma vez por todas, ser liberada do
segredinho sujo.
A maneira para conseguir é, primeiramente, lutar contra a mentira sentimental da pureza e
do segredinho sujo onde quer que os encontremos, em si ou no mundo exterior. Lutemos
contra a grande mentira do século XIX, que nos encharcou até o sexo, até os ossos. E é
preciso lutar praticamente o tempo todo, pois a mentira está por todos os lados. Em segundo
lugar, em sua aventura da consciência de si, um homem deve encontrar seus limites e tomar
consciência de algo além. Um homem deve ser suficientemente consciente para conhecer seus
próprios limites e sentir a existência de algo que o ultrapassa. O que me ultrapassa é o próprio
élan da vida em meu interior, e essa vida me força a me esquecer e a ceder à violenta
impulsão em potência que me leva a destruir a grande mentira do mundo, e a criar um novo
mundo. Se minha vida pessoal deve estar fechada na imensa e vil mentira da sociedade atual,
na pureza e no segredinho sujo, essa vida, então, não tem muito valor a meus alhos. A
liberdade é uma gigantesca qualidade. Mas ela significa sobretudo a libertação da mentira.
Trata-se primeiramente de uma libertação do eu, da mentira do eu, da mentira da importância
predominante do eu; a libertação dessa coisa consciente, fechada, masturbante que eu sou. E,
para terminar, a libertação da grande mentira do mundo social, a da pureza e do segredinho
sujo. Todas as outras monstruosas mentiras se escondem por trás dessa grande mentira
original. A monstruosa mentira do dinheiro se dissimula sob o manto da pureza. Matem a
mentira-pureza e a do dinheiro que encontrará desarmada.
Nós devemos ser suficientemente conscientes, e conscientes de nós mesmos, para
conhecer nossos próprios limites e sentir dentro e para além de nós um élan muito maior.
Cessaremos então de estar centrados principalmente sobre nós mesmos. Aprenderemos então
a nos deixar levar por todos os nossos centros afetivos, e a não forçar em nada nossos
sentimentos, a nunca forçar nosso sexo. Poderemos então proceder ao grande golpe contra a
mentira exterior, tendo vencido a mentira interior. Tal é a liberdade, e a luta pela liberdade.
A maior mentira do mundo moderno é aquela da pureza e do segredinho sujo. Os
homenzinhos cinzentos, relíquias do século XIX, são a sua personificação. Eles dominam a
sociedade, a imprensa, a literatura, tudo. E naturalmente levam consigo a massa do grande
público.
O que significa evidentemente uma perpétua censura de tudo aquilo que poderia combater
a mentira-pureza e o segredinho sujo, e um perpétuo encorajamento de tudo aquilo que se
poderia chamar de pornografia autorizada, pura, mas coçando o segredinho sujo sob as roupas
íntimas imaculadas. Os homenzinhos cinzentos aprovarão dilúvios de pornografia evasiva e
interditarão qualquer palavra franca.
A lei não passa de uma ficção. Em seu artigo sobre a “Censura dos livros” no Século
Dezenove, Viscount Brentford, antigo ministro do Interior 11, declara: “Não esqueçamos que a
publicação de um livro obsceno, de uma carta postal ou fotografia obscena constituem uma
ofensa à lei de nosso país, e é óbvio que o ministro que representa a manutenÇão da ordem e
da lei, não pode estabelecer diferença entre esses detalhes no exercício de suas funções.”
O assunto está resolvido, ex cathedra e de maneira infalível. Mas apenas dez linhas
depois, ele escreve: “Admito que se a lei fosse levada até sua conclusão lógica, a impressão e
publicação de livros como o Decamerão, a Vida de Benvenuto Cellini e as Mil e Uma Noites
de Burton, poderiam ser alvo de perseguições. Mas a última sanção de qualquer lei é a
opinião pública e não creio, nem por um instante, que perseguições judiciárias concernindo
livros em circulação após tanto tempo teriam a aprovação do público.”
Viva portanto a opinião publica! Basta esperar ainda alguns anos. Mas vemos que a
miséria, clara e precisamente, estabelece efetivamente essa distinção entre os dois delitos no
exercício de suas funções. Uma distinção bastante simples e natural, para ele! E, no entanto, o
que é a opinião pública? Nada mais do que algumas mentiras a mais dos homenzinhos
cinzentos. Eles interditariam Benvenuto Cellini amanhã, se eles ousassem, Mas eles se
tornariam ridículos, pois a tradição sustenta Benvenuto. Isto não tem nada a ver com a
opinião publica. É porque os homenzinhos têm medo de se cobrir ainda mais de ridículo. Mas
o problema
Colar um selo postal (sobretudo um verde que se pôde chamar de folha de vinha) teria, na
maioria dos casos, amplamente bastado para satisfazer a “opinião pública.”
Isso, repetimos, é uma idiotice. E se a mentira pureza-com-um-segredinho-sujo se
prolongar por mais tempo, o conjunto da sociedade se tornará verdadeiramente idiota, e
quanto mais idiota mais perigoso é. Pois o público é feito de indivíduos, e cada indivíduo tem
um sexo, e está centrado entorno de seu sexo. E se, com a pureza e com os segredinhos sujos
vocês empurram o indivíduo à masturbação e ao aprisionamento do eu, e que lá o guardem,
vocês conduzirão a um estado de idiotice geral. Pois a masturbação e o aprisionamento do eu
produzem idiotas. Talvez sejamos todos idiotas, isso nós nuca saberemos. Mas que Deus nos
guarde!

11
“Jix” . Cf. p. 167.

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