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Fala dos seus interesses e, por isso, o desenho está sempre presente na sua teoria.
Utiliza o desenho como o escultor que nunca chegou a ser. Sente que antes da
tridimensionalidade está a imaginação, e no desenho pode explorar tudo.
Alguns dos desenhos chegam a ser quase enigmáticos e indecifráveis para outros
que não o próprio. Daí que faça parte de um pensamento, e não de um desenho
fingido. São resultado das várias leituras que tem do assunto que está a desenhar.
Esboços rápidos, sem preocupação, como faz um viajante que tira notas para depois
escrever. Ele considera que “tudo deverá surgir inevitavelmente evidente. O inesperado
e surpreendente depressa se transforma em banal”3.
Siza é um viajante, faz esboços não para escrever, mas para construir. No trabalho de
um arquiteto, desenho é uma ferramenta que ensina mais que simplesmente olhar.
Ensina a ver. Faz com que a ideia fique registada na memória, e volte quando for
necessária, no momento exato. Pois para Siza “o exercício de observação é prioritário
para um arquiteto. Quanto mais observarmos, tanto mais clara surgirá a essência do
objeto.” 4 Sendo, portanto, a leitura destes desenhos, por vezes, ambígua, o conceito de
espaço e o próprio objeto arquitetónico representados, assumem várias identidades.
Todos estes pequenos registos desenhados começam a dar corpo aos projetos, e mais
tarde aparecem as referências históricas, as interpretações que faz do lugar, e as
opções.
Siza admite que o desenho é um instrumento, como é o computador, o desenho por
computador, como é simplesmente pensar em abstrato. Pode-se fazer um projeto sem
fazer desenho nenhum. Mas a mão ajuda, há uma complementaridade. A mão, e o que
ela tem de intuitivo, de gestual, é também um instrumento que utilizamos. É intuitivo, é
“uma espécie de barco ao sabor das ondas que inexplicavelmente nem sempre
naufraga”5, mas é evidente que por trás dessas intuições estão experiências, viagens,
contactos, estudos que são tão extensos que passam a ser material do subconsciente,
que aflora quando é necessário.
Estes desenhos de Siza são a sua perceção da arquitetura. São um corpo autónomo
pela quantidade e qualidade gráfica. Informam as suas obras, mas informam sobretudo
o arquiteto por trás e à frente da obra. Mostra-nos a sensibilidade da mão que
acompanha o olhar. O esboço é em Siza uma maneira de ser. Ele não lhe serve para
representar o projeto, serve-lhe de olhar; é o desenho que contempla o espaço para
mostrar ao seu autor o que deve ser.
“Todos os gestos – também o gesto de desenhar – estão carregados de história, de
inconsciente memória, de incalculável, anónima sabedoria.”6
As possibilidades de experiencia espacial das suas obras de arquitetura são resultado
da sua antecipação através do desenho. Ultrapassa o momento de cada desenho, para
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se fixar na continuidade gráfica dos esquiços que acompanham diferentes obras. A
unidade reclama a identidade. Uma plasticidade física que é marca do autor. As marcas
visíveis da direção e da geometria do seu pensamento.
Com alguma distância em relação à tecnologia digital e aos novos média, Álvaro Siza
permanece com o caderno e a esferográfica, sem alterar a identidade do seu processo
visual e de ideação. A única tecnologia de que não prescinde é o desenho.
Siza Vieira usa o desenho com fins práticos, como elemento de exploração de uma
ideia, ou mesmo como ajuda em situações pontuais de cada projeto. Serve igualmente
como elemento explicativo das suas ideias. O desenho é um elemento presente no
decorrer de todo o seu trabalho, quer na procura de intenção, quer na resolução de um
problema, quer num simples e pequeno registo para gravação de uma memória. O
projeto está para o arquiteto como a personagem de uma novela está para o autor:
ultrapassa-o constantemente. É preciso não o perder. O desenho persegue-o. O projeto
é uma personagem com muitos autores, e torna-se inteligente só quando é assumido
como tal, caso contrário é obsessivo e impertinente.
Ele apresenta uma caraterística única que assume o verdadeiro sentido de cada
projeto, o de só poder existir exatamente ali, e não noutro lugar. Não deixando, no
entanto, de ter, seja qual for o projeto, a sua especificidade própria.
Descreve todos os lugares, tudo o que vê e não vê. “Aprender a ver é fundamental
para um arquiteto, existe uma bagagem de conhecimentos aos quais inevitavelmente
recorremos, de modo que nada de quanto façamos é absolutamente novo”7
Carateriza todo o tipo de edifícios e de lugares considerando o cheiro, o tempo e
tudo o que o rodeia do dia em que o visitou. “Ouvem-se as vozes de habitantes e de
turistas(…). O mar é azul. A luz intensa. Nenhum filtro a amacia”.8
Faz referência à família através de pequenas recordações que o marcaram de certa
forma. Siza, ao falar do seu processo de formação, considera-se afortunado porque
entrou na Escola de Arquitetura do Porto. A sua família, e especialmente o pai, não o
apoiava por completo pela pouca valorização que se dava na altura às artes em Portugal
em que a arquitetura era uma profissão muito pouco conhecida e praticada, no
entanto, ele não quis saber das consequências e entrou com uma atitude positiva. O
seu percurso, por não ter sido fácil, tornou-se uma enorme relevância para os seus
feitos.
Siza fala sempre com muita convicção, mas pouco alarido. As suas mãos desenham e
falam ao mesmo tempo. E tem vontade de aprender, é curioso em tudo o que lhe passa
à frente. É esta natureza que o faz abordar cada projeto como se fosse a primeira vez.
Há sempre novas solicitações, novas abordagens, até do mesmo tema, novas
perspetivas e novas ideias. Não sendo verdadeiramente outra coisa, nunca é igual.
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As pedras-de-toque na primeira abordagem de Siza relativa a qualquer projeto se
prendem com dois dos seus temas eleitos: topografia e geografia. A leitura do terreno
onde se vai inserir o projeto e o espaço que o envolve, isto é: como vai passar a coexistir
o já existente com aquilo que vai passar a existir. Esta atitude resulta na aceitação de
determinados trabalhos, e na recusa de outros, e está não só relacionada com as
condições que considera necessárias à boa concretização da obra como também com as
opções que o levam a escolher projetos de ínfima visibilidade em detrimento de outros
de grande prestígio.
Muitos desses projetos – e poderíamos mesmo defender que em certa medida isto é
verdadeiro para toda a sua obra no campo da arquitetura, que escolheu como profissão
– têm origem no desenho. Refiro-me aqui não tanto a esse modo do desenho
relativamente tipificado e convencional que se reconhece como o chamado desenho da
arquitetura, como antes do desenho no seu sentido mais livre, mais espontâneo, mas
também mais filosófico.
É natural que se possa estabelecer muitas reflexões sobre história tão rica como a de
Portugal e não resta dúvida de que Siza não é um fenômeno isolado no seu país. Siza
entende que a sua obra e a história da cultura portuguesa não seriam as mesmas não
fossem nomes como Fernando Távora, ou Nuno Portas. Desta forma, ele faz referência
ao que em tempos o ajudou a crescer. Da mesma forma, acontecimentos da
importância do Inquérito à Arquitetura Popular Portuguesa ou do programa SAAL são
fundamentais para se entender tanto a arquitetura de Siza quanto a de seu país. Estes
são aspetos fundamentais da sua história. Através disto, ele considera que “a tradição é
um desafio à inovação”9
Para quem prefere os sentimentos vagos que não comportam definição, Siza
contrapõe a secura da expressão e a nitidez do raciocínio e sentimentos perfeitamente
definidos, de tal modo que é difícil a emoção neles. Mas não há dúvida que a
experiência participativa é algo que fica, embora esse conhecimento direto possa ser
eventualmente obtido de outras maneiras. Mas perdeu-se a intensidade da relação
entre o que estamos a fazer, para quem fazemos e o que devemos esperar disso.
Os arquitetos trabalham sobre referências que vão aprendendo, não estão
simplesmente a inventar coisas novas. A formação de um arquiteto significa, antes de
mais, informação do conhecimento. Há quem pense que a história da arquitetura é
inútil porque existe a crença de que é tudo novo, mas não é o caso do nosso autor que
acredita que a história da arquitetura sempre foi o instrumento central na formação e
na prática do arquiteto. No caso dele, essa encomenda deu-lhe outras condições, que
refletem as mudanças no contexto português. Cada projeto é único, e tendo em conta
as complicações de cada um, sejam a morfologia do terreno, o programa e a sua
funcionalidade, o peso da memória e da história, etc.,
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“Nenhuma inovação abandona a antiquíssima razão. Não há inovação. Há o reencontrar
da inocência, uma conquista do estado de graça, para que não se perca a memória.”10
O objetivo dele é conseguir unir o vazio à arquitetura, à paisagem, ao património, às
pessoas, às ruas, às árvores, aos largos e todos estes à democratização do espaço
público. “Desenvolver um projeto consiste em ultrapassar a perene oposição entre
natureza e criação humana”11
Sem papas na língua, Álvaro Siza Vieira consegue ser autocrítico e crítico com os
ideais dos outros.
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